Projeto PERGUNTE
E RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE Diz Sao
Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanga e da nossa fé ■* •-■
hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de _ vista cristáo a fim de que as dúvidas se . dissipem e a vivencia católica se fortalega
'*■ no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar. este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor encarrega do respectivo site.
que
se
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d.
Esteváo
Bettencourt e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo
da
revista
teológico
-
filosófica
"Pergunte
e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo. A
d.
Esteváo
Bettencourt
agradecemos
a
confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos (A
SUMARIO "Ó Morte, Serei a Tua Morte! Ainda a data (50?) do Evangelho de Marcos
"O Martelo das Feiticeiras" "Existe salda? Para urna Pastoral dos Divorciados"' por B. Haring
"New Age": Que é?
<
Do Angiicanismo ao Catolicismo
Ui
ta
o • ce o.
ANO
XXXII
NOVEMBRO 1 991
354
PERGUNIE E RESPONDEREMOS
NOVEMBRO -1991
Publicado mensa)
N?354
Diretor-Responsável:
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redalor de toda a materia publicada neste periódico
"Ó Morte, Sorel a Tua Mortel. . .
481
Importante Descoberta:
Üiretor-Administrador:
Aínda a data (SO?) do
0. Hildebrando P. lUartins OSB
Evangelho de Marcos
Manual de Inquisidores:
Administracáo e distribuicáo:
"O Martelo das Feiticeiras"....
Edicóes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 - 5 : andar, s/501 Tel.: (021)291-7122 Caixa Postal 2666
"Existe safda? Para urna Pastoral dos Divorciados"
Nova Era:
"New Age": Que é?
Impressjo e Encatíe-nacio
495
Fidelidade em Xeque: por B. Háring
?00ni - Rio de Janeiro - RJ
482
509
518
Depoimentos
Do Anglicanismo ao Catolicismo
527
"MARQUESSARAJ\'A"
GRÁFICOS E EDITORES S.A. Tels,
{02IB73-9498 - 173-944?
NO PRÓXIMO NÚMERO:
"Sacramento" ñas páginas bíblicas. - O quinto Centenario da Deseo-
berta da América. - "Quem pode ser participante da Ceia do Senhor?"
Durante Dezesseis Anos fui Testemunha de Jeová". - Projedologia-
que é? - Depoimento de Boris leltsin. - Medjugor/e:?
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 números»: CrS 5j090.00 -Número avulso ou atrasado: Cr$ 500.00 Pagamento (á escolha)
1. VALE POSTAL á agencia central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicoes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 - 20001 - Rio de Janeiro - RJ 2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicoes "Lumen Christi" (endereco ácima).
3. ORDEM DE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta N? 31.304-1 em nome
do MOSTEIRO DE SAO BENTO. pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ
n? 0435-9. (Enviar xeróx da guia de depósito á nossa administracao, para efeito de identificacao do pagamento).
"O Morte, Serei a Tua Morte!"
(Os 13,14)
O mes de novembro lembra aos homens em ge ral o inexorável fato da morte, que a muitos causa apreensáo. Ora ñas Escrituras encontramse palavras que reconfortam enormemente o cristáo:
"Urna vez que os filhos tém em comum sangue e carne, por isso também o Filho participou da mesma condicáo, a fim de destruir pela morte o dominador da morte, isto é, o diabo, e libertar os que passaram toda a vida em estado de servidlo, pelo temor da morte" (Hb 2.14s).
Este texto recorda, em primeiro lugar, que "Deus nao fez a morte nem se compraz com a morte dos viventes" (Sb 1,13); "a morte entrou no mundo por ¡nveja do diabo" (Sb 2,23).
Com efeito; diz-nos a fé que a morte, violenta como é, decorre do primeiro pecado, que Satanás instigou (cf. Gn 2,3; Jo 8,44).
A morte, em conseaüéncia, suscita nos homens o medo ou o hor ror, medo de que falavam freqüentemente os filósofos antigos. Escrevia,
por exemplo. Séneca a um amigo: "Livra-te, antes do mais, do medo da morte; ela nos impóe o primeiro de todos os jugos" (Ep. LXXX 5).
Eis, porém, que o próprio Oeus quis redimir os homens do jugo e do temor da morte... E o fez de maneira muito sabia: sim, houve por bem matar a morte mediante a morte ou matar a morte do género humano
mediante a de Cristo; cumpriu assim a profecia de Oséias: "Ó morte, se
rei a tua morte!" (Os 13,14).
E como se deu isto? -O Filho de Deus assumiu a natureza mortal e quis sofrer a morte, embora fosse inocente. A morte o abocanhou, a Ele que nada Ihe devia; assim derrotou a morte, ressuscitando para a Vida.
Após Jesús Cristo todos os homens sao chamados a vencé-la, passando para a plenitude da vida através do vale da morte.
Por isto Cristo é chamado pelos medievais Mors Monis, a Morte
da Morte. É Ele quem possui as chaves da morte e da regiáo dos mortos
{cf. Ap 1,18) e tem o poder de arrebatar da morte os homens que ela aín
da tenta devorar.
Estas verdades, pertencentes ao bé-a-bá da fé crista, renovam o ánimo do cristáo; este, sendo criatura frágil, pode sentir o arrepio da . morte. Todavía Cristo quis santificar ou transfigurar a morte, fazendo déla urna passagem para a Vida definitiva. Em conseqüéncia, o grande mal já nao é a morte, mas, sim, o pecado, pois so este pode afastar do Senhor da Vida o homem, devotando-o a perda do único bem que nao passa, ou seja, da comunháo com Deus.
"Onde está, ó morte, a tua Vitoria? Onde está o teu aguilháo?" (Os
13'141-
E.B.
481
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano XXXII - N? 354 -Novembro de 1991
Importante descoberta:
Aínda a Data (50?) do Evangelho de Marcos
Em sfntese: Já em PR 154/1972, pp. 454-460 e 288/1986, pp. 194-200 foram publicados artigos referentes á descoberta de pequeño papiro em Qumran, a N.O. do Mar Morto, papiro que parece apresentar um trecho do Evan gelho segundo S. Marcos e que é anterior ao ano de 50. O descubridor de tal precioso documento ó o Pe. O'Callaghan SJ., professordo Pontificio Instituto Bíblico de Roma, que encontrou apoio para suas conctusóes em muitos estu diosos do assunto. Se é verídica a tese de O'Callaghan, será preciso revera
data dé origem dos Evangelhos sinóticos, que deveréo ter sido escritos em época aínda más próxima de Jesús do que se temjulgado até hoje. Tal recuo da redacSo dos Evangelhos sinótícos removería aínda mais eloqüentemente a
tese racionalista segundo a qual os Evangelhos carecem de valor histórico. Todavía a pequenez do papiro e a conseqüente laconicidade da sua
mensagem suscitam hesitagóes da parte de pensadores, que desefariam ter razóos mais imperiosas para concordar com O'Callaghan e fazera respectiva
revisño da cronología do Novo Testamento. - Ñas páginas subseqüentes é reapresentado o assunto enriquecido por novos depoimentos de dentistas bfbícos.
Em PR 154/1972, pp. 454-460 e 288/1986, pp. 194-200 foram publi cadas noticias de importante descoberta de papiro que parece apresentar
fragmentariamente o texto de Me 6,52-53 e que deve ser anterior ao ano de 50 (ver reprodugáo fotográfica a seguir): 482
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS O assunto continua a ser debatido
pelos estudiosos: há indicios de real antigüidade desse pequeño documento. Se ele data do quarto decenio, faz-se neces-
sária urna revisáo-revolugáo na cronolo gía dos Evangelhos sinótcos; a redagáo escrita destes se aproxima notavelmente
de Jesús, contra todas as hipó teses da crítica racionalista. Todavia nem todos os estudiosos estáo convictos da autentici-
dade das conclusóes de O'Callaghan... A fím de atualizar o assunto, transcreveremos, a seguir, o artigo de
PR 288/1986, pp. 194-200 e I he acrescentaremos depoimentos de estudio sos que díscutem a teseem foco.
I. AS PESQUISAS E SEU RESULTADO Até meados do século presente o maís antígo fragmento manus crito dos Evangelhos que se conhecia, era o Papiro 52 (p"), também dito John Rylands 457 (pois está guardado na John Ryland's Library de Manchester, Inglaterra). Apresenta os dizeres de Jo 18,31 -33.37-38; deve ter
sido escrito no Egito (pois lá foi encontrado) por volta de 125. Tal papiro foi publicado pela primeira vez em 1935 por C. H. Roberts. Em conse-
qüéncía, os estudiosos puderam, e podem, afirmar com certeza que a re
dacto do Evangelho segundo S. Joio se deu no.fim do século I; se redi-
gido em Éfeso (Asia Menor), como de fato foi, admita-se o intervalo de
25 anos, a fim de que pudesse passar da Asia Menor para o Egito.
C.H. Roberts verificou ainda que o Papiro 52
assaz nítidos. Tentando reconstituir a ¡magem de urna folha inteira, concluiu que cada lado da folha devia a presentar dezoito íinhas, cada qual
com trinta ou trínta e cinco letras; conseqüentemente, o código assím formado teria compreendido 130 páginas, cada qual do formato de 21,5 x 20 cm.
Esta descoberta arqueológica foi de enorme importancia, pois dissipou as teorías daqueles que datavam o quarto Evangelho do século II, como se fosse obra de um discípulo dos Apostólos, imbuido de filosofía grega mais do que de cultura judeo-cristá. - Em nossos dias há quem 483
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
situé a redacáo do quarto Evangelho ainda em época mais recuada, ou seja, por volta de 70 - o que é menos provável. Todavia na década de 1960 veio á baila urna noticia ainda mais surpreendente para os exegetas bíblicos: terá sido descoberto um fragmento
do Evangelho de S. Marcos redigido por volta do ano de 50. As conse-
qüéncias desta nova descoberta eram de grande alcance, como se depre-
enderá da exposicáo abaixo.- Esta terá caráter de certa erudicáo; nao o evitaremos para que os leitores habilitados possam aferir o peso das respectivas conclusóes.
1. O Achado
t. Em 1S62 tres arqueólogos publicaram a noticia de suas pesquisas realizadas em pequeñas grutas do deserto de Qumran, a N. O. do Mar
Morto. Chamava-lhes a atencáo especialmente a gruta n- 7 (7Q), situada a parte das demais, na extremidade da plataforma que se estende aosul
de Khirbet; continha táo-somente manuscritos gregos, sem mésela de fragmentos hebraicos. Todos eram de papiro, ao passo que ñas demais
grutas se achavam pergaminhos. Esses papiros eram portadores de texto sobre urna só de suas faces - o que significa que pertencíam a rolos.1 Eram'estes os manuscritos encontrados em 7Q:
7Q1, que os estudiosos sem grandes dificuldades identificaram com Ex 28,4-6;
7Q2, que com probabilídade foi identificado com Baruque 6 (carta de Jeremías), versículos 43b-44.
Havía outros dezesseis manuscritos, que ficaram nao identificados, até que em 1972 o papirólogo espanhol José O'Callaghan propós as seguintes conclusóes de seus estudos:2 7Q4 7Q5
= 1Timóteo3,16;4,1-3;
7Q61 7Q62
= Marcos 4,28; = Atos dos Apostólos 27,38; = Marcos 12,17
70.7
= Marcos 6,52-53;
1 Cf. M. BaiSeVJ. T. Milik/R. de Vaux, Discoveríes In tha Judean Desert of Jordán III: Les Petttes Grottes de Qumran. Oxford 1962.
2 J.
O'Callaghan,
Papiros neotestamentarios
Qumran?em "Bíblica" 53 (1972) pp. 91-100. 484
en
la
cueva
7 de.
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS 7Q8 7Q9
= Tiago 1,23-24;
7Q10
= 2 Pedro 1,15; = Marcos 6,48.
7011
= Romanos 5,11-12;
Ora é certo que em 68 d.C. tais grutas foram fechadas e abandona das pelos monges hebreus (essénios) moradores da regiáo; fugiram en
táo dos invasores romanos. Há quem julgue que durante a segunda revolta judaica, ou seja, entre 132 e 135 as grutas foram reabertas; esta ni-
pótese é muito discutida pelos estudiosos, que geralmente aceitam a seguinte sentenca: as grutas de Khirbet Qumran podem ter sido utilizadas entre 132 e 135, mas a ocupacáo das mesmas e o depósito de manuscri
tos em seu bojo sao anteriores a 68 d.C.
Ora as propostas papirológicas de O'Callaghan eram surpreendentes e, se aceitas pela crítica, levariam a urna revisáo total das datas até entáo assinaladas para a redacáo dos escritos do Novo Testamento.
2. Os pesquisadores, interpelados pelo enorme alcance das teses de O'Callaghan, puseram-se a estudá-las com senso crítico. As opinióes se foram dividindo a partir de 1972. Acontece, porém, que nos últimos anos há consenso significativo, se nao unánime, sobre a identidade de 7Q5: seria fragmento dos versículos de Me 6, 52-53. Esta afirma?áo só pode ser Cümprovada se se leva em conta o original grego de Me e a maneira co mo os antigos escreviam - o que ultrapassa a finalidade das páginas
desta revista. Como quer que seja, tentaremos es bogar o raciocinio dos
críticos, usando caracteres latinos.
Tratava-se de cinco linhas, com letras ora mais, ora menos legíveis. Após muito conjeturar, O'Callaghan e sua equipe admitem a seguinte configurado para o papiro 5 da gruta 7 (7Q5): e
ytone
e kaidi nnes
thesa
Ora o texto assim reconstituido sugere algumas ponderacóes:
a) Trata-se de um texto de escrita continua (sem separacao entre as palavras). Nao obstante, na terceira linha há um hiato entre e e kaidi, o que parece estranho, Todavia explica-se bem pelo fato de que o e termi485
6
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
na urna narracáo (a do caminhar de Jesús sobre as aguas) e o kai dá ini cio a outra seccáo (a da cura de doentes em Genesaré). b) A palavra kai da terceira linha corresponde em grego á nossa cópula e. Nao é a preposicáo habitual para ligar as frases em grego clás-
sico; contudo ficou sendo muito usual ñas línguas semitas (no hebraico e no aramaico, por exemplo). Sao Marcos, que redige a catequese pregada por Sao Pedro em aramaico, conservou freqüentemente no texto grego do seu Evangelho a parataxe do linguajar semita ou a justaposicáo de
frases mediante a cópula kai (e). c) Na quarta linha há o estranho bloco nnes. Procuraram alguns identificar al a forma verbal egénnesen (gerou), e concluiram que o frag mento partencia a urna tabela genealógica, como seria a de Mt 1,1-14. O'Callaghan, porém, observou que tal bloco bem poderia ser parte do nome Gennesaret, o que foi aceito por outros críticos. Assim é que as cin co linhas se apresentam como fragmento dos versos 52 e 53 de Me 6. Este fragmento supóe um conjunto de versos mais ampio ou mesmo urna parte conspicua do Evangelho, se nao o livro inteiro de Marcos. O
texto completo do papiro 5 da gruta 7 de Qumran seria, em caracteres la tinos, o seguinte: synekan e pitoisartois
aliena ytone kardiapeporo men e kaidi aperasantes elthoneise nnes aretkai prosormis thesa nkaiexel
Os críticos perguntam qual seria a probabilidade de que o conjunto
de letras de 70.5 possa ocorrer em outro texto (de significado inteligível) que nao Me 6,52-53. E respondem que a improbabilidade de que tal aconteca é da ordem de 2,25 x 106515. E ao mesmo resultado que os estu diosos chegam quando perguntam: com que probabilidade um macaco,
utilizando urna máquina datilográfica, escreveria as obras de Goethe?... ou urna explosSo ocorrente numa tipografía imprimiría as tragedias de Shakespeare? A probabilidade de que tais coisas acontegam é praticamente nula.
3. O fragmento de 7Q5 foi redigido, como dito atrás, em escrita continua, designada técnicamente como Zierstil (estilo decorativo, orna mental). Ora a época de uso de tal escrita, como indica a paleografía, sao os decenios que váo de 50 a.C. a 50 d.C. Isto quer dizer que 7Q5 nao é do ano de 68 (ano em que a respectiva gruta foi fechada e abandonada), mas é de 50 d.C. ou de data anterior. Com efeito; é de crer que o manuscrito 486
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS nao tenha sido confeccionado em Qumran, mas que tenha vindo do Ocidente. Para corroborar esta suposigáo, observa-se o seguinte:
Na gruta 7 encontraram-se também fragmentos de um jarro, cuja parte superior trazia duas vezes a inscrigáo hebraica r w m (o que se lé
Ruma). Em 1962 os pesquisadores admitiram que se tratasse de um no-
me próprio nabateno1, o qual indicaría o proprietário ou o remetentedo jarro. Outros estudiosos mais tarde pensaram na aldeia Ruma, que Flávio
José menciona na obra "Sobre a Guerra Judaica" 3,7:21. O arqueólogo J. A. Fritzmeyr, perito em estudos de Qumran, pro pos que r w m seria a
designacáo da cidade de Roma, capital do Imperio. Todavía os professores Y. Yadin e D. Flusser, da Universidade de Jerusalém, replicaram que
inscrígóes em jarros nao costumam significar iugares ou cidades, mas ou sao no mes de pessoas ou indicam o conteúdo do respectivo jarro.- Esta
última observagáo seria fecunda no caso de 7Q5: poderia significar que a comunidade crista de Roma, enviando esse jarro com os manuscritos (talvez mesmo como involucro de um manuscrito), quería lembrar que os cristáos de Roma eram os doadores e remetentes de tais manuscritos.
Esta suposígaose torna especialmente plausível se levamos em conta que o Evangelho de Marcos foi originariamente redigido em Roma (a T radi
co refere que Marcos reproduziu, segundo o seu estilo, a catequese pre gada por Sao Pedro em Roma).
2. Conclusáo Depois de muito debater a questáo, verifica-se que os críticos em nossos dias sao mais e mais favoráveis a tese de O'Callaghan. Varias
tentativas foram feitas no sentido de propor outras interpretagóes para 7Q5 (excluida a hipótesedese tratar de Me 6,52-53); os estudiosos, usan do computadores, procuraram na tradugáo grega do Antigo Testamento (dita dos LXX) urna passagem que ilumine o conjunto de letras ocorrente em 70.5. Assim pensaram em Ex 36,10-11; 2Rs 5,13-14; 2Sm 4,12-5,1,
como também pensaram em Mt 1,2-3. Todavía nenhuma destas possíveis explicagóes se revelou suficiente, porque exigiríam alteragóes poucu
verosslmeis ou muito forgadas no texto de 7Q5 para poder adapta-lo á respectiva passagem do Antigo ou do Novo Testamento; de modo espe cial, o parágrafo ou o hiato da linha 3 dificulta a adaptagáo a outra secgáo que nao Me 6,52-53. Em conseqüéncia, um dos últimos estudiosos do assunto, Carsten Peter Thiede, concluiu a pos longas consideracóes: "Wer
1 Nabatenos eram habitantes do deserto, que se lortaleceram e, nos lempos de Cristo, constituiram um reino localizado na regiáo de Petra, ou seja, na vizinhanca da Palestina. 487
8
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
von 7Q5 = Mk 6,52-53 ais aeltestem erhaltenen Fragment eines neutestamentlichen Textes sprechen will, darf das ruhlgen Gewissens tun. -
Quem quer considerar 7Q5 = Me 6,52-53 como o rnais antígo fragmento até hoje conservado do texto do Novo Testamento, pode fazé-lo com a consciéncia tranquila."1 Tal conclusáo deverá ter enorme repercussáo em toda a pesquisa
referente á origem dos Evangelhos, e exigirá urna revisüo das datas até agora assinaladas. A critica do século passado, movida por preconceitos racionalistas, tendia a distanciar da pregacáo de Jesús (anos de 27-30 ou 30-33) a redacáo dos Evangelhos; esta era atribuida ao século II (até o ano de 180). TSo longo intervalo de tempo, segundo tais críticos, terá si do propicio á criacáo de mitos ou de falsas imagens de Jesús elaboradas paulatinamente pela fantasía popular e finalmente no século II consigna das pelos evangelistas em seus escritos! Aos poucos, porém, tal suposi-
cáo preconceituosa foi sendo desfeita pela evidencia dos manuscritos en
contrados, entre os quais o p" mencionado no inicio desta comunicado. Com o progresso dos estudos verifica-se que mais aínda se devem aproximar entre si a redacáo dos Evangelhos e a pregacio de Jesús. Isto contribuí para evidenciar que a fé crista nao está baseada em fiecóes imaginosas da mente ignorante dos antigos, mas na veraddade dos dizeres do próprio Cristo. O Evangelho faz eco muito próximo e fiel a quanto disse Jesús.
Todavia alguém poderá indagar: o fragmento de 7Q5 supóe o Evangelho de Marcos já em sua forma definitiva ou pertence a urna das etapas da redacáo desse livro sagrado? - Bons exegetas, entre os quais Kurt Aland, rejeítam esta última h¡pótese. Todavia a questáo permanece aberta; qualquer que sej'a a resposta dada, fica sendo inegável que entre as palavras de Jesús e as do evangelista Marcos há continuidade; o Jesús descrito por Marcos nao é um "outro" Jesús, mas é o próprio Jesús que
caminhava e pregava pela Palestina.
Bibliografía: CasíerPeter Thiede, Eín Markus-Fragment ca. 50 n. Ch. geschrieben. Sensationeller Befund mit weitreichenden Folgen, em: "Theologisches" n* 188, dezember 1985. cois. 6769-6774. ídem. 7Q. Eine Rückkehr zu den neutestamenllichen Papyrusfrag-
menten in der siebten Hóhle von Qumran, em 'Bíblica" 65 (1984), pp. 538-559.
1 Ver bibliografía, artigo de C.P. Th. em Bíblica 65 (1984), p. 557. 488
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS José O'Callaghan, Papiros neotestamentarios en la cueva 7 de Qumran? em "Bíblica" 53 (1972). pp. 91-100.
M. Baillet/J. Miíik/R. de Vaux, Discoveries in the Judean Desert of Jordán III: Les Petites Grottes de Qumran, Oxford 1962. pp. 27-31 e 143s. A revista "Bíblica" de 1972e 1973 aprésenla varios artigos e comunicagóes relativos ao assunto.
Revista 30 DÍAS, ano VI. n*6, junho de 1991 pp. 8-19. Revista IISABATO, ano XIV, ns22. 1*/06/91.pp. 10-12.
II. DEPOIMENTOS Seguem-se os testemunhos de notáveis personalidades do mundo bíblico:
1) Pe. Albert Vanhoye S.J., Secretario da Pontificia Comissáo Bíblica
"Acompanhei o debate nao como especialista em papirologia. Os
argumentos de O'Callaghan parecem-me muito plausíveis... S. Ireneu
(t 220)aproximadamente)escreve,entreoutrasco¡sas, que Marcos este ve
em contato com Pedro em Roma e que há probabilidade de que o texto de Marcos tenha sido escrito em Roma mesmo... Mas, como sempre
acontece, todas as vezes que nos aproximamos das fontes que provam históricamente as verdades da fé, há quem proclame o escándalo, e,
sempre que as pesquisas parecem dizer o contrario da fé, sao acolhidas com grande simpatía. As críticas que O'Callaghan teve que sofrer, foram tremendas. As suas descobertas muito aborreceram os biblistas; tinha-se por certo que, desde a morte de Cristo até a redagáo do Evangelho de Marcos, decorreram quarenta anos. Ora descobrir que menos de vinte anos apenas decorreram, mandava para os ares toda a exegese do Novo Testamento. Como quer que seja, é muito importante que a questáo seja de novo levantada. Principalmente... que seja discutida na Igreja".
2) Giuseppe Guiberti, Presidente da Associacáo Bíblica Italiana "O meu julzo sobre a argumentado do Pe. O'Callaghan é positivo.
Há tempos escrevi urna recensáo favorável ao livro de Carsten Peter Thiede, que confirmava as teses do jesuíta.
Impressionaram-me as críticas ferozes que choveram sobre tais
pesquisas: injustamente objetava m a O'Callaghan ter trabalhado sobre a fotografía do manuscrito e nao sobre o original. As razóes de tanta agitacáo eram outras: a datacáo em torno de 50 mandava aos ares o mo489
10
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"354/1991
do de entender o Novo Testamento. Por ¡sto era extremamente incómo
do dar razSo a O'Callaghan. Estou certo de que, dentro de alguns anos,
quando a febre da contestado se tiver acalmado, será posslvel discutir
tranquilamente e as teses do pesquisador jesuíta poderlo ser retomadas em consideracáo".
3) Pe. Ignace de la Potterie S. J, Professor Emérito do Pontifi
cio Instituto Bíblico
"Estou contente por ver que se coloca de novo a questio do frag mento estudado pelo Pe. O'Callaghan». As conseqúéncias sao de tal vulto
que valia a pena trazer de novo á tona o assunto. O iluminista (raciona lista) Lessing.dizia: 'Entre as origens do Cristianismo e nos há um abismo insuperável'. A nova datacáo de Marcos, se forcomprovada, preencherá, em parte ao menos, esse abismo. A distincáo, da exegese moderna, entre
o Cristo da fé e o Cristo da historia entraría em crise. Levemos aínda em conta que o Evangelho de Marcos é o que mais exalta a Divindade de
Cristo, com o seu poder milagroso. A exegese moderna tendía a separar
o fato histórico do seu significado. Os fatos se tornaram cada vez mais in
significantes, quase mitológicos; ficaria apenas o sentido espiritual dos Evangelhos: Mas fatos e significado sao inseparáveis uns dos outros no
Cristianismo.1
1 Na terminología dos etílicos, Jesús da historia é Jesús tal como foi visto e viveu realmente na Palestina. Jesús da fé sería Jesús tal como Ele foi con
cebido pela fé dos primeiros cristáos ou, por exempto. tal como Sao Pauto o apresenta (seria o Kyrios, a Cabega do Corpo da Igreja, Aquele que pelo sangue da sua Cruz recondliou as criaturas visfveis e invisfveis...). Está claro que o Jesús dafééo próprio Jesús da historia auténticamente aprofundado e
reconhecido pelos primeiros cristáos. Estes, iluminados pelo Espirito de Pen tecostés, repensaram os ditos e feitos de Jesús e foram percebendo toda a
profundidade do respectivo significado; o fato da ressurreicáo projetou novo
clareo sobre a vida terrestre de Jesús ou sobre o Jesús da historia, permitindo á fé ir mais longe do que os sentidos.
Os racionalistas, porém, julgam que o Jesús da fé aproximase de figura mitológica; é projegáo criada pela imaginagño dos primeiros cristáos no decor-
rer dos decenios do secuto I. Ora o achado de 7QS, encurtando o intervalo entre o Jesús da historia e a redagáo do Evangelho de Marcos (que tanto exalta a Divindade de Jesús), apaga o fundamento pressuposto pela critica
racionaSsta; o relato de Marcos nao seria fruto de paulatina especuiacáo mís tica dos discípulos no decurso de decenios, mas seria a crónica quase feita ao vivo da pregagáo e dos feitos de Jesvs. Nisto está a grande importancia da tese de O'Callaghan.
490
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS
11
4) Divo Barsptti, autor de numerosos comentarios da £. Escritura "A distancia entre os fatos e a narracáo de Marcos foi táo diminuida
que as teorías mitologizantes já nao se sustentam. O Evangelho de Mar
cos seria urna crónica escrita quase em cima dos fatos. Se a ciencia con
firmar definitivamente as pesquisas do Pe. O'Callaghan, estaremos diante de um dos eventos mais importantes para a Igreja dos últimos de cenios".
5) O Papa Paulo VI
Refere-se que, quando o Papa Paulo VI teve noticia das conclusóes
de O'Callaghan, solenemente publicadas em 1972, acolheu os dados com entusiasmo. Parece que ele mesmo quería fazer a proclamacáo oficial dos resultados através da televisáo. Mas os professores do Pontificio Instituto Bíblico o dissuadiram de o fazer por julgarem a temática ainda sujeita a discussáo por falta de argumentos dirimentes. O Pe. Carlos Martini S. J.,
hoje Cardeal-arcebispo de Miláo, em 1972 Reitor do Instituto Bíblico de
Roma, escreveu:
"Levando em conta as pesquisas, devenios dizer que é difícil, neste
momento, aduzir provas decisivas contrarias ás conclusóes de O'Callaghan.
Mas o estado fragmentario dos textos impede também de afirmar que estamos diante de argumentos positivamente seguros em favor da tese. Por ora trata
se de urna hipótese apoiada sobre consideracóes serias e dignas de grande atengéo; deverá ser ulteriormente estudada do ponto de vista paleográfico.
papirológico e arqueológico; destinase a reavivar o interesse por tal género deestudos".
Após tio significativos depoimentos, passamos a transcrever urna
entrevista sobre a mesma temática.
III. ENTREVISTANDO UM PERITO... O Prof. Mons. En rico Galbiati ensinou Filología Bíblica na Universi-
dade Católica de Miláo até 1975 e foi docente de S. Escritura no Semina
rio de Venegono entre 1941 e 1974. Acompanhou de perto as pesquisas do Pe. O'Callaghan, cujos pormenores ele bem conhece. Foi entrevistado pela repórter Andrea Costanzi, da revista II SABATO, que publicou os dizeres do mestre em sua edicao de 15/06/1991, pp. 79s. - É dessa entre vista que destacamos os seguíntes tópicos:
Andrea Costanzi: "O Sr. eré na autenícidade das conclusóes do Pe.
O'Callaghan com referencia ao papiro 7Q5?" 491
12
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"354/1991
En rico Galbiati: "O'Catlaghan tem razio. Peto cálculo das probabili dades. Com efeito; aquele papiro nao ¿presenta nenhuma palavra compreensfvel, mas urna serie de letras que se seguem em certa ordem, tais como se
encontram no Evangelho de Marcos. É altamente ¡mprovável que as mesmas letras se possam encontrar em tal ordem por mero acaso". A.C.: "Porque entáo há quem negué o vatordessa descoberta?" E.G.: "O'Callaghan procedeu de maneira científica, nao há dúvida. Mas existe um preconceito, da parte de certos estudiosos, que julgam tenha havido
um longo intervalo entre os latos e a redagáo escrita do Evangelho, intervalo durante o qual as comunidades dos prímeiros cristáos exerceram grande alividade.
Tal preconceito explica a agressividade para com a descoberta de O'Callaghan. Os estudiosos que professam tal convicgáo, sentiram-se atingi dos num ponto do qual fazem questáo absoluta e que é a sua maneira de en tender os Evangelhos. Para efes, de antemáo a tese de O'Callaghan nao pode
ser valida, porque julgam que o Evangelho foi escrito muito mais tarde e que esta demora implica urna diminuigáo do valor histórico dos Evangelhos; é certo que nao chegam a negar todo o valor histórico dos mesmos, como pro pugna Bultmann.
Pergunto, porém: se se contesta a ñdelidade histórica dos Evangelhos, de que fonte provém o Cristianismo como é apresentado pelos Atos dos
Apostólos? Se nos diminuimos a figura histórica de Jesús, teremos que expli car de onde se originou o Cristianismo". A.C- "E que há por tras dos preconceitos de tais estudiosos?" E.G j "Tais preconceitos se devem ao fato de que nos Evangelhos se narram curas e feitos milagrosos, que o pensamento moderno repudia e, por
isto, atribuíá imaginagSo dasprimeirascomunidades cristas. Altemos urna especie de modernismo bíblico, exegético: deveriamos interessar-nos apenas por aquilo que Jesús nos quis dizer, as narrativas de episodios seriam apenas um veículo para fazer chegar a nos certas kJéias; por isto nao deveriamos in
sistir sobré a realidade histórica de tais episodios. Há aínda em nossos días aqueles que roem os Evangelhos como o caruncho, negando que Jesús tenha podido dizer certas coisas. Mas nao se dáo
conta de que, se Jesús nSo as disse, ninguém as lera dito. Com efeito; qual falsario teña tido interesse em colocar nos labios de Jesús exclamagóes co mo: 'Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?' (Me 15,34) ou 'Nin guém sabe a data do jufzo final, nem os anjos, nem o Filho, mas somente c 492
DATA (50?) DO EVANGELHO DE MARCOS
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Paf (Me 13,32)? Em escritos espurios nunca tena sido atribuida a Jesús tal 'ignorancia'. Os ipsissima verba (mesmíssimaspalavras)' deJesús sao urna prova da veracidade dos Evangelhos. Como, alias, explicar a coeréncia da fi gura de Jesús, táo unitaria nos Sinóticos e no Evangelho segundo Joáo?
E, se quiséssemos mesmo destruir o valor dos Evangelhos, esbarra ríamos aínda com outra dificuldade: por que ter¿o sido atribuidos a personagens de pouco relevo, como é o caso de Marcos, quando os Evangelhos apó crifos foram atribuidos a Pedro e Tiago?"
A.C.: "Há razóes plausiveis para adiar as datas de redagáodos Evan gelhos?"
E.G.: "Nao se pode afirmar que os Evangelhos nao sejam livros histó ricos. Mas nao sao livros escritos para cultivara historiografía, esimpara co municara boa-nova da salvagáo, que tem base em fatos históricos...
Pedemos com seguranga datar as cartas de S. Paulo aos Romanos, aos Coríntios, aos Gálatas; sao anteriores aos Evangelhos, mas a teología que elas proclamam é certamente mais evoluida que a dos Evangelhos Sinóti cos.1 Por conseguinte, nao se pode sustentara sentenga segundo a qual fo ram necessários muitos decenios para se produzir um desenvolvimento teoló
gico da imagem de Jesús. Ñas cartas de Sao Paulo já está explanada a teolo gía da Redengáo, que nos Evangelhos é apenas esbogada; com efeito, o valor
1 Numa atenta pesquisa ñlológica, podem-se detectar no Evangelho sentencas que parecen) ser o eco direto das palavras de Cristo; foram consignadas tais como sairam dos labios de Jesús. Tenham-se em vista os dizeres: 'Tu és Kepha, e sobre este Kephaedificareia minha Igreja... Nao foram a carne e o sangue que to revelaram... Tudo o que ligares sobre a térra, será ligado nos
céus... Tudo o que desligares sobre a térra, será desligado nos céus" (Mt 16,16-19). - Os semitismos e o frescor da lingua aramaica, talada por Jesús,
sao evidentes nestas e em outras passagens, que por isto sao ditas ipsissi ma verba Christi.
2 £ G. quer dizer o seguinte: as cartas de S. Paulo foram reégidas entre 51 e 67, ao passo que a redagáo dos Evangelhos Sinóticos vai de 50 a 80 aproxi
madamente. Ora o testemunho das cartas paulinas (de alto padrao teológico) dá a ver que, logo nos pnmeiros decenios da pregagáo crista, os Apostólos e (Sscípulos penetraram a fundo no misterio de Cristo; nao foi necessário longo intervalo de tempo para que concebessem ou imaginassem o Jesús Kyrios, Senhorda vida e da morte, Cabega da Igreja (Corpo de Cristo...); esta imagem,
para eles, estava implicada nos ditos e fatos do Jesús histórico ou do Jesús
que cornos discípulos convivera na térra. 493
(continua na p. 494)
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"PERGUNTEE RESPONDEREMOS"354/1991
redentor'da morte de Cristo, nos Evangelhos Sinóticos, é expresso numa passagem de Mateus: 'O Filho do Homem veio nao para ser servido, mas pa
ra servir e dará vida para a redencáo de muitos' (Mt 20,28; Me 10.45) e ñas
fórmulas de tnstituigáo da Eucaristía (cf. Mt 26,26-29: Me 14.22-25; Le
22,15-20; 1Cor 11,23-25)".
A.C.: "Há aínda muítos seguidores de Bultmann entre os biblistas?" E.G.: "Bultmann dizia que as parábolas, as sentencas, os milagres e outras coisas dos Evangelhos eram produto da criatividade das comunidades cristas primitivas; nao nos poderiam oferecer a imagem auténtica e histórica de Jesús. Por conseguíate, dizia Bultmann, mediante um Jesús, do qual nada sabemos, Deus susdtou em nos a fé na misericordia divina. Bultmann nao quis eliminar a fé, mas privou-a de todo fundamento histórico.
Ao contrario, dizemos nos, a fé crista nao é mero sistema filosófíco, mas baseia-se sobre a intervencáo de Deus na historia mediante Jesús.
Atualmente estamos numa fase pós-bultmanniana; os bultmannianos sáopoueos; até os protestantes deixaram Bultmann de lado e hoje tém urna fé mais iluminada, que os leva a aceitar como histórico um conjunto crescente de da dos do Novo Testamento. Também o Conselho Ecuménico das Igrejas* vé em
Jesús o Senhor e Salvador... Hoje a crítica do texto do Novo Testamento chegou a conclusóes de valor definitivo em favor do texto; protestantes e católi cos usam os mesmos manuais".
Eis como um conjunto de bons autores vé atualmente o caso do papiro 7Q5. Há grande probabilidade de ser fragmento do Evangelho de Marcos escrito antes do ano 50; todavia a pequenez do documento e a conseqüente laconicidade da sua mensagem suscitam hesitacóes da parte de pensadores que desejariam razóes mais imperiosas para aceitar a descoberta com todas as suas conseqüéncias revolucionarias.
Fica, pois, a criterio de cada leitor ponderar os argumentos e con cluir como julgue mais sabio. Como quer que seja, a grande verossimiIhanca da tese de O'Callaghan merece a seria estima e ponderacáo de to dos.
(continuagáo da p. 493)
Leve-se em conta que, enquanto a tradicáo sinótica apregoava o Jesús visto como viandante na Palestina, a pregac&o de S. Pauta, S. Pedro, S. Tiago, S.
Joáo e S. Judas apresentava o Jesús glorificado ou o Jesús da fé (os aspec tos transcendentais do Jesús da historia).
1 Organizacao nao católica, mas protestante e ortodoxa. 494
Manual de Inquisidores:
"O Martelo Das FeiticSífas" Em síntese: O presente artigo lenciona colocar o livro "O Martelo das Feiticeiras " no seu genuino contexto, (omecendo ao leitor aspectos da historia da Inquisicáo que possibititam mais objetiva compreensáo do fenómeno. A objetividade do historiador nao pode consistir em negar falhas a erros, mas exige que estes sejam considerados dentro dos parámetros da época em que
foram cometidos.
A Editora "Rosa dos Tempos" publicou em 1991 um Manual de In quisidores, redigido em 1484 pelos Inquisidores Heinrich Kramer e Ja mes Sprenger, com o título "Malleus Maleficarum" (0 Martelo das Feiti
ceiras).1 - 0 livro tem suscitado certa celeuma, pois descreve, com muito realismo, o modo como os Inquisidores procediam quando se viam diante de um caso tido como diabólico. Contribuem para impressionar o leitor também a Introdugáo Histórica e o Prefacio da obra, devidos a dois au tores contemporáneos, que encaram a temática do ponto de vista do fe minismo e da psicanálise. Eis por que as páginas seguintes seráo dedica
das a um comentario da obra.
1. O livro O livro é o que o título diz: o Martelo ou o modo de punirás feiti ceiras ou bruxas do fim da Idade Media.
Por "feiticeira" ou "bruxa" entendia-se, naquela época, urna muIher manipulada em seu corpo (sexualmente) pelo demonio. Admitia-se
que o Maligno pudesse ter consorcio sexual com mulheres: se fosse de
monio masculino, sería chamado íncubo (de noite copulava com mu lheres, perturbando-lhes o sonó e causando-lhes pesadelos, como se Jizia). Se fosse demonio feminino, era dito súcubo, aquele que s- deita por baixo, copulando com um homem e causando-Ihe pesadelos. Deste
contato carnal nasceriam filhos... filhos enfeiticados e malvados sobre
aterra!
1 Introducáo histórica de Rose Mane Muraro e Prefacio de Carlos Byington. Tradugáo de Paulo Froes. - Ed. Rosa dos Ventos, Rio de Janeiro, 1991. 495
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
Os medievais acreditavam na existencia de tais seres e tais fenóme nos - o que, na verdade, é totalmente imposslvel, pois o demonio (anjo
mau) nao tem sexo nem corpbreidade. Movidos portal crenca, os defen
sores da boa Ética, na fdade Media, nao podiam deixar de se insurgir com veeméncia contra tal procedimento; era, para eles, um dever de consciéncia, ao qual nao se podiam furtar sem que a consciéncia osacusasse gravemente.
O modo como procediam na repressáo á bruxaria ou á infestacáo do demonio, era o que a Idade Media conhecia: muito estranho para os cidadáos do século XX (embora ainda hoje haja tortura e bárbaros tratos
ñas prisóes e nos campos de concentracáo). O procedimento dos Inquisi dores é descrito muito minuciosamente, tocando profundamente o leitor.
Nao menos impressionantes sao as páginas 5-41 de Rose Marie Mu raro e Carlos Byington, que analisam o fenómeno das bruxas em cha
ve sociológica e psicológica, transmitindo ao público de hoje hediondas imagens da Idade Media. Que dizer a propósito?
2. Comentando... Abordaremos a problemática em tres etapas. 2.1. Bruxaria e mentalidade medieval
Evidentemente em nossos dias nenhum teólogo afirma que o de
monio tem corpo e pode efetuar cópula sexual. É espirito, independente de qualquer constituicáo somática. Os antigos, porém, tiveram dificuldade de conceber um espirito puro, isento de corporeidade (ainda que eté rea ou sutil}. Os estoicos ¡maginavam o pneuma divino como algo de corpóreo a penetrar o mundo material. Os judeus iam mais longe: admitiam que os anjos tivessem pecado sexualmente com mulheres, dando ocasiáo ao diluvio narrado em Gn 6-9; cf. Gn 6,1 s (e a interpretado dada
pela traducáo grega dos LXX). Na Tradicáo crista, tal concepcáo esteve presente até o fim da Idade Media, como se vé; nunca foi dogma de fé, mas apenas tese comum.
Compreende-se que quem abracasse tal pressuposto e admitisse a existencia de íncubos e súcubos, reagisse enérgicamente contra táo grande mal. Os medievais o faziam de boa fé, dentro das categorías de
pensamento que Ihes eram familiares e de cuja validade nao duvidavam. Os historiadores que hoje consideram esse passado, tendem a julgá-lo 496
"O MARTELO DAS FEITICEIRAS"
17
através das categorías de pensamento modernas, exigindo dos antigos o que eles nao sabiam nem podiam dar; nao levam em conta os textos que exprimem o ardente amor pela verdade, pela Justina e pelo bem que animava os Inquisidores de modo geral. Eis, por exemplo, o espelho do In quisidor redigido por Bernardo de Gui, um dos mais famosos Inquisido res no século XIV (1303-1328):
"O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa, pela salvacáo das almas e pela extirpacáo das heresias. Em meio ás difículdades permanecerá calmo, nunca cederá á cólera nem á indignacáo. Deve ser intrépido, enfrentar o perigo até a morte; todavía nao precipite as si-
tuacóes por causa de audacia irrefletida. Deve ser insensivel aos rogos e ás propostas daqueles que o querem aticiar; mas também nao deve endurecer o
seu coracáo a ponto de recusar adiamentos e abrandamentos das penas
conforme as circunstancias. Nos casos duvidosos, seja circunspecto, nao dé fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes nao é verdade: também nao rejeite obstinadamente a opiniáo contraria, pois o que parece improvável, freqüentemente acaba por ser comprovado como verdade... O amor da ver dade e a piedade, que devem residir no coracáo de umjuiz, brithem nos seus
olhos, a fim de que suas decisóes jamáis possam parecer ditadas pela cupidez e a crueldade" (Prática VI p... ed. Douis 232s).
Algo de semelhante se encontra sob a pena de outro célebre Inqui sidor: Nicolau Eymeric O.P. - em seu Directoríum (Parte III, questáo 1a., De conditione ¡nquisitoris).
Escreve Jean Guiraud em seu artigo Inquisition, publicado no Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique, vol. II, coluna 866: "Ao lado de juízes violentos ou cruéis, havia grande número que, tendo incessantemente Deus ante os olhos, habentes Deum prae oculis, como
diziam certas sentencas, eram plenamente conscientes da gravidade e das pesadas responsabilidades do seu ministerio. Sacerdotes e monges trabalhavam para a gloria de Deus e a defesa da verdade, movidos por razóes de ordem sobrenatural; detestaram a heresia, mas eram cheios de misericordia para com os indignados. Condenar um inocente parecia-lhes uma monstruosidade, e, como Ihes recomendavam os Papas, só pronunciavam uma sentenca condenatoria quando a culpabilidade nao Ihes deixava nenhuma dúvida. Reconduzir a ortodoxia um herege era, para eles. uma grande alegría e, em vez
de o entregar ao braco secular e á morte. que tírava toda esperanca de conversáo, eles preferíam recorrer ás penitencias canónicas e a penalidades temporarias, possibilitando ao culpado o emendarse. Tais sentimentos sao muitas vezes expressos nos Manuais dos Inquisidores e nos possibilitam 497
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
apreciar a boa fé. a consciéncia, a retidáo e mesmo a caridade de muitos dentreeles".
Para preservar e garantir tais predicados dos Inquisidores, a autoridade eclesiástica promulgava certas normas, acompanhando os procedímentos da Inquisicáo: - garantios de idade: o Papa Clemente V, no Concilio de Vierta
{1311), seguindo preceitos de seus antecessores, dispós que ninguém pu-
desse exercer as funcóes de Inquisidor antes dos 40 anos;
- garantías de honestidade: Alexandre IV (1255), Urbano IV
(1262), Clemente IV (1265), Gregorio X (1273), Nicolau IV (1290) insisti-
ram ñas qualidades moráis, na honestidade e na pureza de costumes a
ser exigidas dos Inquisidores;
- garantías de saber: também se declarava indispensável ao In quisidor um bom conhecimento de Teología e Oíreito Canónico. A maneira como procediam os juízes era continuamente acompanhada e controlada, na medida em que isto era possfvel na Idade Media. Mais de urna vez, a Santa Sé interveio para moderar o zelo e punir os ex-
cessos dos Inquisidores. É de notar, por exemplo, que o Papa Clemente
V, no Concilio de Viena (1311), determinou fosse excomungado o Inqui sidor que se aproveitasse das suas fungóes para fazer lucros ilícitos ou extorquir dos acusados quantias de dinheiro; para ser absolvido de tal pena, o Inquisidor deveria reparar os danos causados. Todo Inquisidor que abusasse comprovadamente do seu ministerio, era sem demora deposto do cargo, fosse pelos Superiores de sua Ordem, fosse pelos lega
dos papáis, fosse diretamente pela Santa Sé. Os bispos eram obrigados, em consciéncia, a comunicar ao Papa todos os desmandos cometidos pelos Inquisidores; o mesmo dever tocava aos notarios e demais oficiáis de justíca que acompanhavam o Inquisidor.
Vé-se, poís, que, se, de um lado, o procedimento da Inquisicáo é algo que hoje ninguém na Igreja ousaría repetir, de outro lado foi algo que procedía da boa fé e do zelo religioso dos pastores medievaís; para eles, era dever de justíga corrigir os hereges, pois solapavam os benses-
pirituais, que, para os medievais, tinham aínda mais valor do que os bens
materiais. A depredado da fé os indignava, como hoje a depredado de
um patrimonio material exaspera seu proprietárío.
Detenhamo-nos agora sobre alguns tópicos das páginas ¡ntrodutó-
rias de Rose Marie Muraro e Carlos Byington. 498
"O MARTELO DAS FE ITICEI RAS"
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2.2. As páginas ¡ntrodutórias Rose Marie Murara comenta o número de vltimas da Inquisicáo nos seguintes termos:
"Deidre English e Barbara Ehrenreich, em seu livro Witches, Nurses and Midwives (The Feminist Press, 1973). nos dáo estatísticas aterradoras do que fot a queima de muiheres feiticeiras em fogueiras durante esses quatro
séculos. 'A extensáo da caga ás bruxas é espantosa. No fím do sáculo XV e no comeco do secuto XVI, houve milhares e milhares de execugóes - usualmente eram queimadas vivas na fogueira - na Alemanha, na Italia e em outros países. A partir de meados do secuto XVI, o terror se espalhou por toda a Eu ropa, comegando pela Franga e a Inglaterra. Um escritor estímou o número de execugóes em seiscentas por ano para certas cidades, urna media de duas por dia, exceto aos domingos. Novecentas bruxas foram executadas num único ano na área de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em
Toulouse, quatrocentas foram assassinadas num único dia; no arcebispado de Trier, em 1585, duas aldeias foram deixadas apenas com duas muiheres
moradoras cada urna. Muitos escritores estimaram que o número total de mu iheres executadas subía á casa dos milhóes e as muiheres constituiam 85% de todos os bruxos e bruxas que foram executados'.
Outros cálculos levantados por Marilyn French, em seu já citado livro,
mostram que o número mínimo de muiheres queimadas vivas é de cem mil" (P-13). A propósito observamos:
1. A historia é o terreno mais palmilhado pelas ideologías. O histo riador tende a narrar os fatos de acordó com os seus parámetros e obje tivos; os que desejam denigrir a Inquisicáo, sao propensos a exagerar
suas dimensóes, sem atenta consulta ás respectivas fontes. No tocante ás penas infligidas a hereges e bruxas, nao existe a documentado desejável,
pois o registro de fatos outrora se fazia mais difícilmente do que hoje. Como quer que seja, temos ao nosso alcance alguns espécimens dos séculos XIII e XIV; assim, por exemplo:
De 1249 e 1258 em Carcassonne (Franca) a Inquisicáo proferiu 278 sentencas; a pena de prisáo é relativamente rara; a mais freqüente é a que manda prestar servico na Térra Santa.
De 1308 a 1328 Bernardo de Gui em Tolosa exerceu com severidade as suas funcóes: em dezoito Sermones Generales proferiu 929 senten cas assim distribuidas: 499
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991 Imposicáo da cruz: 132 vezes Peregrinado: 9 vezes
Servido na Térra Santa: 143 vezes Encarceramento: 307 vezes
Encarceramento platónico pronunciado sobre defunto: 17 vezes Entrega ao braco secular (pena de morte): 42 vezes
Absolvicáo de defuntos: 3 vezes Exumacáo: 9 vezes Sentencas contra contumazes: 40 vezes Exposicáo no pelourinho: 2 vezes Degradacáo: 2 vezes Exilio: 1 vez
Destruicáo de casa: 22 vezes * Queima do Talmud: 1 vez AbsolvicSo de prisioneiro: 139 vezes Esta lista mostra que a entrega ao braco secular ou a pena de morte era relativamente rara.
De 1318 a 1324 em Pamiers {Franca), a Inquisigáo julgou 98 acusa dos: 5 foram entregues ao braco secular; 35 condenados ao cárcere; 2 absolvidos; a respeito dos demais nada consta; teráo sido absolvidos?... exilados? ... enviados para a Térra Santa? Como quer que sefa, de 98 consta que apenas cinco sofreram a condenacáo capital.
2. É de notar aínda que muitos dos réus sentenciados podiam gozar
de indulto, que os dispensava total ou parcialmente da sua pena. Podiamtambém usufruir de licenca para sair do cárcere e ir tirar ferias em casa;, em Carcassonne, por exemplo, aos 13 de setembo de 1250, o bispo deu a urna mulher chamada Alazais Sicrela permissáo para sair do cárcere e ir aonde quísesse até a festa de Todos os Santos (1? de novembro), ou seja, durante sete semanas. Licen?a semelhante foi dada por cinco semanas a um certo Guilherme Sabatier, de Capendu, na ocasiáo de Pentecostés
(9/05/1251). Raimundo Volguier de Villar-en-Val obteve urna licenca que expirava no dia 20/05/1251, mas que Ihe foi prorrogada até o día 27. Outro caso é o de Pagane, viúva de Pons Arnaud de Preixan, que, encarcerada, obteve licenca para ferias de 15/06 a 15/08 de 1251.
Os prisioneros tinham o direito de se afastar do cárcere para tratamento de saúde por quanto tempo fosse necessárío. Sao numerosos os
casos de que se tem noticia: assim aos 16/04/1250, Bernar.d Raymond, de
Conques, obteve a autorizacáo para deixar a sua cela propter infirmi-
tatem. Aos 9/08 seguintes, a.mesma permissáo era dada a Bernard Mourgues de Villarzel-en-Razés, com a condicáo de que voltasse oitó 500
"O MARTELO DAS FEITICEIRAS"
21
dias após obter a cura. A 14/05 a mesma concessáo era feita a Armand
Brunet de Couffoulens; e a 15/08 a Arnaud Miraud de Caunes. A
13/03/1253 Bernard Borrel foi posto em liberdade propter infirmitatem, devendo voltar ao cárcere quinze dias após a cura. A 17/08 seguinte,
Raine, filha de Adalbert de Couffoulens, foi autorizada a permanecer fora do cárcere quousque convaluerit de aegritudine sua (até que ficasse boa da sua doenga)... A repeticáo de tais casos a intervalos breves, e ás
vezes no mesmo dia, mostra que nao se tratava de excecóes, mas de urna rotina bem definida.
3. Também havia autorizacáo aos presos para ir cuidar de seus fa
miliares em casa. Ás vezes os problemas de familia levavam os Inquisi
dores a comutar a pena de prisáo por outra que permitisse atendimento á familia. Até mesmo os mais severos praticavam tal gesto; sabe-se, por
exemplo, que o rigoroso juiz Bernard de Caux em 1246 condenou á pri sáo perpetua um herege relapso, chamado Bernard Sabatier, mas, na
própria sentenca condenatoria, observava que, o pai do réu sendo um
bom católico, anciáo e doente, o filho poderia ficar junto do pai enquanto este vivesse, afim de Ihe dispensar tratamento.
4. Acontece também que as penas infligidas aos réus eram abran-
dadas ou mesmo supressas: a 3/09/1252 P. Brice de Montréal obteve a troca da prisáo por urna peregrinacáo á Térra Santa. Aos 27/06/1256 um réu que devia peregrinar á Térra Santa, recebeu em troca outra pena: pa
garía 50 sóidos de multa, pois nao podia viajar propter senectutem (por causa da idade anciá). Sao conhecidos também os casos de indulto
total: o Inquisidor Bernard Gui, em seu Manual apresenta a fórmula que se aplicava para agraciar plenamente o réu. O mesmo Bernard Gui rea-
bilitou um condenado para que pudesse exercer funches públicas; a um filho de condenado que cumprira a pena, reconheceu o direito de ocupar
o consulado e exercer funcóes públicas.
5. A historia também registra o fato de que os Inquisidores estavam
atentos a distinguir falsas e verdadeiras acusacóes. Conta-se, por exem plo, o caso, ocurrido em Pamiers (1324), de Pierre Peyre e Guilhaume
Gautíer: ambos colaboraram com Pierre de Gaillac, tabeliáo de Tarscon, numa campanha contra Guillem Trom; este também era tabeliáo e atraia a si a clientela, de modo que Pierre de Gaillac, querendo livrar-se dele, acusou-o de heresia perante a Inquisicáo, apoiado no falso testemunho de Pierre Peyre e Guillaume Gautier; estes dois cidadáos, comprovacía
mente tidos como falsarios, foram condenados, e Guillem Trom reconhecido como inocente.
6. E certo, porém, que nem todos os Inquisidores tiveram a mesma elevacáo de espirito e a mesma retidáo de consciéncia. Alguns se mos501
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
traram obcecados na repressáo á heresia, procedendo cruelmente. Os historiadores registram tais abusos, mas nao costumam registrar as cen suras que a Santa Sé infligiu aos oficiáis ¡moderados ou indignos, sempre que ela teve noticia dos fatos; alias, nao somente ela, mas também os le gados papáis e os bispos se insurgiram contra os excessos dos Inquisi dores; nao eram raras as admoestacóes á prudencia e á brandura ema nadas das autoridades eclesiásticas para a orientacáo dos Inquisidores; estes deviam proceder com pureza de intencáo (superando paixóes, pressóes e preconceitos) e com a virtude da discricáo.
Consta também que os Papas mais de urna vez deram ordens aos
Inquisidores para que usassem de brandura em casos precisos: Inocencio IV, por exemplo, mandou aos Inquisidores Guillaume Durand e Pierre Raymond que absolvessem Guillaume Fort, cidadáo de Pamiers; aos 24/12/1248 mandou soltar os hereges cuja punicáo Ihe parecía suficiente; aos 5/08/1249, encarregou o bispo de Albi de restituir á comunháo da
Igreja Jean Fenassa de Albi e sua esposa Arsinde, condenados pelo In quisidor Ferrier.
Em 1305 o Inquisidor de Carcassone provocou, por seus rigores, a revolta da opiniáo pública: os habitantes de Carcassonne, Albi e Cordes
dirigiram-se á Santa Sé. As suas queixas foram acolhidas pelo Papa Cle mente V, que aos 13/03/1306 nomeou os Cardeais Pierre Taillefer de la
Chapelle e Béranger Frédol para fazer um inquérito do que ocorria na re-
giáo; enquanto este seprocessava e as prisóes eram inspecionadas, estaa suspensa toda perquisicáo de hereges. Os dois prelados iniciaram a vi
sita aos cárceres de Carcassonne nos últimos dias de abril; encontraram
af quarenta prisioneiros que se queixavam dos carcereiros; estes foram logo substituidos por o u tros mais humanitarios; aos deti dos foram assinaladas celas recém-reformadas e foi permitido passear per carreñas muri largí ou em espago mais ampio; os guardas receberam a ordem de
entregar aos prisioneiros tudo o que fosse enviado pelo rei ou por seus
amigos para a sua manutencáo. Os dois Cardeais visitaram outrossim os cárceres de Albi aos 4/05/1306; mandaram retirar as correntes que prendiam os encarcerados, designaram outros guardas, mandaram melhorar as condicóes sanitarias das prisóes, abrindo janelas para a penetracáo da luze doar.
Refere-se também que o Papa Honorio IV (1285-87) aboliu, na Tos502
"O MARTELO DAS FEITICEIRAS"
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cana, as terrfveis Constituicóes que o Imperador Frederico li havia edita do contra as heresias.1
Bonifacio VIII, tido como um Papa austero, mandou rever varios processos de condenacáo de hereges; com efeito, tres meses após assu-
mir o pontificado, aos 29/03/1295, mandou revisar o processo do francis
cano Paganus de Pietrasanta; aos 13/02/1297 anulou a condenacáo, por
heresia, de Rainero Gatti de Viterbo e seus dois filhos, porque fora profe rida na base de um testemunho manchado por perjurio. Em 1298 o mesmo Papa mandou restituir aos filhos de um he rege os bens confisca dos pela Inquisigáo. Intimou também ao Inquisidor da provincia de Ro ma, Adáo de Coma, que deixasse de perseguir um cidadáo de Orvieto jé absolvido por dois Inquisidores.
Estes dados históricos e outros que se poderiam acrescentar, nao costumam ser citados pelos comentadores da Inquisicáo. Apresentam geralmente aspectos negativos da mesma, sem levar em conta a mentali-
dade dos medievais e o que os próprios Inquisidores (assim como as autoridades superiores) faziam para evitar injusticas e corregir abusos.
Ora um juízo objetivo e imparcial sobre o passado exige que, ao lado das fainas, se apontem também os elementos atenuantes ou mesmo as justi ficativas subjetivas daqueles que as cometiam.
2.3. O apreco da mulher
Tanto Rose Marie Muraro como Carlos Byington analisam o fenó meno da condenagáo das bruxas como sendo um episodio do antifemi nismo que, segundo eles, tem expressáo já na primeira página da Biblia; esta apresenta a mulher como seduzida pela serpente e sedutora do homem (cf. Gn 3,1-7).
1 É de notar que a Inquisicáo nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a participagáo (e participagáo de vulto crescente) do poder regio, pois os assuntos religiosos eram, na antígüidade e na Idade Méáa, assuntos
de interesse do Estado; a repressáo das heresias (especialmente dos cata
ros, que pilhavam e saqueavam as fazendas) era praticada também pelo bra co secular, que muilas vezes abusou da sua autoridade. Quanto mais o tempo passava, mais o poder regio se ingería no tribunal da Inquisicáo, servindo-se da religiáo para fins políticos. 503
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991 Em resposta dir-se-á: 2.3.1. A Biblia e a muiher
Sem dúvida, o Amigo Testamento se aprésenla no estilo literario
de homens que viveram antes de Cristo e no Oriente. Nao obstante, deve-se reconhecer que a Biblia dignifica a muiher como nenhum livro antigo; basta lembrar algumas grandes figuras femininas que concorrem para tecer a historia do Antigo Testamento: Rute, a moabita (livro de
Rute); Débora, a profetisa que desperta o senso nacional religioso dos homens do seu tempo (Jz 4,1-5,31); Ana, máe de Samuel, autora de fa moso cántico (1Sm 2,1-10); Judite, a heroína que salva sua gente em Betúlia (livro de Judite); Ester, que intercede pelo seu povo e o preserva do exterminio (livro de Ester); a máe dos ¡rmáos macabeus, que os incitou corajosamente ao martirio (2Mc 7,20-23).
No Novo Testamento, María Ssma. é a grande figura feminina que se torna a nova Eva ou a Máe dos viventes por excelencia, além da qual outras mulheres aparecem associadas ao ministerio de Jesús (cf. Le 8,1-3;Mt27,55s).
Em sua Carta Apostólica sobre a Dignidade da Muiher, o Papa Joáo
Paulo II quis lembrar que a própria muiher em Gn 3 é apresentada como Máe do Salvador e da linhagem dos que lutam contra a serpente e o pe cado:
" 'Porei inimizade entre ti e a muiher, e entre a tua descéncia e a déla; esta te esmagará a cabeca enguanto tu te tancas contra o seu calcanhar' (Gn
3,15). É significativo que o anuncio do Redentor, do Salvador do mundo, con-
tido nestas palavras, se refíra á muiher. Esta énomeada emprimeiro lugarno Proto-Evangelho como progenitura daquele que será o Redentor do homem.
E, se a Redencáo deve realizarse mediante a ¡uta contra o mal, por meto da inimizade contra a estirpe da muiher e a estirpe daquele que, como pai da mentira, é o prímeiro autor do pecado na historia do homem, esta será também a inimizade entre ele e a muiher" (n911). Mais adiante diz o Papa:
"Em cada época e em cada país encontramos numerosas mulheres perfeitas (cf. Pr 31,10), que - nao obstante perseguicóes, difículdades e discriminacóes - participaram na missáo da Igreja. Basta mencionar aquí Monica, máe de Agostinho, Macrina, Olga de Kiev, Matilde de Toscana, Edviges da
Silesia e Edviges de Cracovia, Elisabeth da Turingia, Brígida da Suécia, Joana ¿'Are, Rosa de Lima, Elisabeth Seaton e Mary Ward. 504
"O MARTELO DAS FEITICEIRAS"
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O testemunho e as obras de muiheres cristas tiveram um influxo signifi
cativo na vida da tgreja. como também na da sociedade. Mesmo diante de graves discriminacóes sociais. as muiheres santas agiram de modo livre, for talecidas pela sua uniáo com Cristo. Semelhante uniáo e liberdade enraizadas
em Deus explicam. por exemplo, a grande obra de Santa Catarina de Sena na vida da Igreja e de Santa Teresa de Jesús na vida monástica"{n? 27).
Seria preconceituoso ignorar quanto o Cristianismo se empenhou
pela dignifica?,áo da mulher; esta tem em María SSma. o modelo da
grandeza que Deus atribuía mulher chamada a ser Máe... Máedo próprío homem, que depende da mulher nos seus primeiros anos em grau sin
gular!
2.3.2. A Idade Media e a mulher
Urna grande historiadora contemporánea - Régíne Pernoud - tem-
se dedicado ao estudo da Idade Media, procurando dissipar os precon-
ceitos que contra tal fase da historia mu ¡tas vezes sao formulados gratui
tamente. Escreveu urna obra ¡nteira sobre a mulher medieval, com o tí
tulo "A Mulher no Tempo das Catedraís" (Gradíva, Lisboa); além do qué, é autora dos lívros "Luz sobrea Idade Media" (Publícacoes Europa-Amé rica, Mem Martins, Portugal), "0 Mito da Idade Media" (ibidem) e "Idade
Media: o que nao nos ensinaram" (Ed. Agir, Rio de Janeiro 1979; cf. PR 240/1979, pp. 520-534). A autora se esmera por mostrar como sao repeti dos certos chavóes sobre a Idade Media, sem que as pessoas usem de sadio senso crítico, antes mesmo movidas porconcepcóes predefinidas.
Eis alguns fatos mencionados por Régine Pernoud sobre a mulher
medieval, aptos a desfazer imagens erróneas:
Nos tempos feudais a rainha era coroada como o rei, geralmente em Reims ou, por vezes, em outras catedrais. A coroapáo da rainha era
táo prestigiada quanto a do Reí. A última rainha a ser coroada foí Maria de Mediéis em 1610, na cidade de Paris. Algumas rainhas medíevais desempenharam ampias funcóes, dominando a sua época; tais foram Leo nor de Aquitánia (+ 1204) e Branca de Castela (+ 1252); no caso da au sencia, da doenca ou da morte do rei, exerciam poder incontestado, tendo a sua chancelaría, as suas armas e o seu campo de ativídade pessoal.
Verdade é que a jovem era dada em casamento pelos pais sem que tivesse livre escolha do seu futuro consorte. Todavía observe-se que
também o rapaz era assim tratado; por conseguínte, homens e muiheres eram sujeitos ao mesmo regime.
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"354/1991
A Igreja lutou contra essa ¡mposicáo de casamentos; exigiu e exige que os nubentes déem llvre consentimento á sua uniáo matrimonial e
formulou impedimentos diversos que, opondo-se á grandeza e á santi-
dade do casamento, o tornam nulo. De passagem observe-se que nem mesmo em nossos dias a legislacáo mucu Imana garante á mulher a liberdade de escolha do seu marido.
Precisamente por causa da valorizado prestada pela Igreja á mu lher, varias figuras femininas desempenharam notável papel na Igreja medieval. Certas abadessas, por exemplo, eram auténticos senhores feudais, cujas funcóes eram respeitadas como as dos outros senhores; administravam vastos territorios com aldeias, paróquias; algumas usavam
báculo, como o bispo... Seja mencionada, entre outras, a abadessa Heloi sa, do mosteiro do Paráclito, em meados do século XII: recebida o dízimo de urna vinha, tinha direito a foros sobre feno ou trigo, explorava urna granja...
As monjas da época eram pessoas instruidas e cultas dentro dos padroes do seu tempo (século XII). A própria abadessa Heloisa ensinava
ás suas monjas o grego e o hebraico. A abadessa Hrotsvitha de Gandersheim exerceu grande influencia literaria sobre os pafses germánicos; atribuem-se-lhe seis comedias em prosa e rima, que imitam o estilo de Teréncio (+159 a.CJ, comediógrafo latino. Alias, muitos mosteiros de monges e monjas ministravam a instrucáo ás enancas da sua regiáo, formando o que se chamava "escolas monasteriais".
É surpreendente aínda notar que a enciclopedia mais conhecida do século XII se deve a urna mulher, ou seja, á abadessa Herradede Landsberg. Tem o titulo "Hortus Deliciarum" (Jardim de Delicias) e forneceas ¡nformacóes mais seguras sobre as técnicas do seu tempo. Algo de semelhante seencontra ñas obras de S. Hildegardis de Bingen. Todavía o espécimen mais típico do papel que urna mulher podía desempenhar na Idade Media, pode ser encontrado em Fontevrault
(Franca), no inicio do século XII. O pregador Roberto d'Arbrissel, tendo conseguido a conversáo de numerosos homens e mulheres, resolveu fundar dois mosteiros: um para os homens, e outro para as mulheres. Entre eles erguia-se a igreja, que era o único lugar onde monges e mon jas se podíam encontrar. Ora esse mosteiro foi colocado sob a autoridade nao de um abade, mas de urna abadessa; esta, por vontade do fundador, devia ser viúVa, tendo, pois, a experiencia do casamento.
Notemos ainda a figura de Joana d'Arc (1412-1431): a audiencia que conseguiu da parte do re i da Franca e dos seus córteseos para de506
"O MARTELO DAS FEITICEIRAS"
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sempenhar as suas fagan has heroicas, é realmente algo de extraordina rio.
Mesmo as muiheres que nao eram altas damas, nem abadessas nem monjas, mas camponesas ou profissionais de alguma arte da época,
exerciam sua influencia na vida pública. Com efeito; nos arquivos medie-
vais lé-se mais de uma vez o caso de uma muiher casada que agia por conta própria, abrindo, por exemplo, uma loja comercial, sem precisar, para isto, da autorizacáo do marido. Os registros de París datados do século XIII a presenta m muiheres médicas, professoras, boticarias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encadernadoras. Tem-se hotfcia, cá ou lá, das queixas de uma cabeleireira, de uma vendedora de sal, da viúva de um lavrador, de uma cortesa...
É conhecido também o caso da camponesa Galhardina de Fréchou,
que, diante de uma proposta de arrendamento feita pelo abade de Sao Salvino aos habitantes de Cauterets (Pirineus), foi a única a votar nao, enquanto toda a populacáo votou sim. Alias, as muiheres votavam como os homens, ñas assembléias rurais e ñas urbanas.
Foi somente no fim do secuto XVI, por um decreto do Parlamento Francés de 1593, que a muiher foi explícitamente afastada das funcóes
públicas naquele país. E isto, por influencia do Direito Romano, que mais e mais ia sendo adotado pelas legislares pós-medievais; foi entáo confi nada áquílo que outrora e sempre foi o seu domfnio privilegiado: o lar e a eriucacáo dos filhos.
Estes fatos tém significado em nossos dias, quando movimentos feministas reivindicam os direitos da muiher na sodedade atual. Vemos que tencionam precisamente superar um obscurecimento da figura feminina que é pos-medieval. A Idade Media, no caso, bem poderia servir de modelo á muiher contemporánea. Esta, porém, no afá de assumir seu lu gar junto ao homem, parece ás vezes esquecer-se da sua própria identi-
dade e originalidade; é o que oberva muito a propósito Régine Pernoud: "Tudo acontece como se a muiher. deslumbrada de saüsfacéo a idéia de ter penetrado no mundo masculino, fícasse incapaz do estoico de ¡magmacao suplementar que Ihe seria preciso, para trazera esse mundo a sua pró pria marca, aqueta precisamente que falta á nossa sociedade. Basta-lhe imitar
o homem. ser considerada capaz de exercer as mesmas proüssóes. de ado tar os comportamentos, e ató os hábitos, em retaceo ao vestuario do seu par-
ceiro, sem mesmo por a si mesma a questáo do que ó em si contestável e do
que deveria ser contestado. É de perguntar se ela nao será movida por uma admiragSo inconsciente, que se pode considerar excessiva. dum mundo mas507
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cuino que e/a acredita necessário e que basta copiar com tanta exatidáo quanto for possivel, mesmo que seja á custa da perda da sua própria identidade e negando antecipadamente a sua originalidade" (p. 103).
Com estas ponderales tencionamos recolocar o livro "O Martelo
das Feiticeiras" no seu genuino contexto, fornecendo ao leitor aspectos
da historia da Inquisicáo que possibilitam mais objetiva compreensáo do
fenómeno. A objetividade do historiador nao pode consistir em negar
falhas e erros, mas exige que falhas e erros sejam considerados dentro
dos parámetros da época em que foram cometidos. Ver a propósito:
PR 220/1978. pp. 150-163 (Igreja, Direitos Humanos e Inquisicáo) PR 297/1987, pp. 82-94 (Inquisigáo Espanhola)
PR 300/1987, pp. 225-234 (Inquisigáo e Cristáos Novos)
Curso de Historia da Igreja por Correspondencia, Caixa postal 1362,
20001 Rio (RJ).
(continuacáo dap. 517)
"Exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solicita que etes nao se considerem separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto balizados, participar da sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus. a freqüentaro Sacrificio da Missa, a perseverar na oragáo, a incrementaras obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiga, a educaros filhos na fé crista,1 a cultivar o espirito e as obras de penitencia para assim implorarem, dia a dia, a graga de Deus. Reze por eles a Igreja, encoraje-os,
mostre-se máe misericordiosa e susténteos na fé e na esperanga" (n9 84).
É para desejar que tais normas mais e mais reconfortem os fiéis
cuja vida conjugal fracassou ecuja fidelidade a Cristo e á Igreja permane ce inabalável.
1 Precisamente esta norma implica que os país nao casados na Igreja pegam o Batismo para seus filhos e significa outrossim que os clérigos nao devem recusar o Batismo desses pequeninos, desde que haja certeza moral ou es peranga fundamentada de que receberáo instrugáo religiosa. O que importa, no caso, neo é o tipo de vida dos país, mas a formagáo religiosa dos filhos. (NotadoRedator) 508
Fideüdade em xeque:
"Existe Saída? Para Urna Pastoral dos Divorciados" por Bernhard Háring
Em sintese: O Pe. Háring deseja acudir aos casáis infelizes em seu matrimonio, facititando-lhes segundas nupcias. Para tanto, apela para o princi
pio da oikonomia ou da dispensacáo misericordiosa da graga divina vigente entre os cristáos orientáis. Conforme o autor, a Igreja, seguindo o exemplo
dos ortodoxos, deveria conceder novo casamento aos cónjuges que tivessem
a convicgáo de que o seu casamento foi nulo, embora isto nao possa ser pro vado objetivamente ou no foro externo e jurídico; os pastores de almas estariam habilitados a abencoar sacramenta/mente essas novas nupcias, mesmo á revelia da legislagáo oficial da Igreja.
Ora tal tese é inaceitável, porque o Senhor Jesús afirma que novas
nupcias de pessoas validamente casadas sao adulterio; cf. Me 10,11s; Le 16, 18: Mt 5,32; 19,9 e também 1Cor 7,11. E, para que conste que um casamento contraído na Igreja nao foi válido, é preciso que baja pro vas evidentes e objeti vas; nao basta a conviccáo subjetiva dos interessados, que fácilmente sepodem engañar. Quem admite nova uniáo conjugal sem ter certeza de que a primeira foi nula, admite a possibilidade de se cometer adulterio. Ora praticar um ato cuja identidade nao é clara e que pode ser pecaminoso, já é acáo pe
caminosa. Com outras palavras: admitir um matrimonio que possa ser adulte rio, é aceitar o adulterio hipotético; da mesma forma, ministrar a um enfermo um remedio que possa ser contra-indicado, é ato culposo, pois quem o faz admite a possibilidade de estar tesando a saúde ou a vida do próximo.
O livro do Pe. Háring pode ter sido inspirado por ótima intengáo, mas in cita á desordem, ao subjetivismo e á burla de leis, sem as quais o bem comum já nao é possivel. A Igreja dedica especial atengáo aos divorciados, como bem demonstra a Exortagáo Apostólica Familiaris Consortia se contrafram novas nupcias, nao podem receber os sacramentos, mas freqüentem a S. Missa e rezem por si e petos seus, pois o Senhor nao os abandona.
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O Pe. Bernhard Háring, famoso moralista, publicou um livro recentemente traduzido para o portugués com o título "Existe Saída? Para urna Pastoral dos Divorciados".' Propóe idéias ¡novadoras, que "fazem parte de sua preparado ¡mediata para a morte, com a firme confianca na promessa do Senhor'Bem-aventurados os misericordiosos porque aleancarao misericordia' (Mt 5,7)". O livro tem chamado a atencao do público em geral, pois trata de assunto delicado e candente. Eis por que exporemos o seu conteúdo, ao qual se seguiráo alguns comentarios.
1. O livro e sua tese O Pe. Háring está impressionado com o grande número de casáis infelizes em nossos días. Nao podendo levar vida conjugal, separam-se e
desejam contrair novas nupcias. Esbarram, porém, com a legislagáo da Igreja, que nao reconhece divorcio e direito a novo casamento, se o primeiro matrimonio foi contraído validamente e consumado. Desojando atender a tais situaedes, o Pe. Háring apoia-se no principio de que Deus é misericordioso para com os infelizes. A luz desta premissa, propóe a seguinte tese:
Estamos na época do ecumenismo. É, portanto, oportuno que os católicos considerem a mentalidade e a prática pastoral dos cristáos nao
católicos, para aprender deles o que seja conveniente; cf. pp. 38-40.54...2 Ora os orientáis ortodoxos ¡nstituem sua praxe pastoral sobre a base da
oikonomfa, palavra grega que em Teología significa "dispensario mi sericordiosa da grapa divina". Eis como Háring define a oikonomfa pro-
fessada pelos cristáos orientáis:
"Óikonomfa significa todo o projeto salvifíco de Deus, como bom paide familia que é, e designa urna espiritualidade que se caracteriza pelo louvorao
1 Traducáo de Gabriel Galache SJ. e Marcos Marcionilo. - Ed. Loyola, Sao Paulo 1990,140x210mm, 100 pp.
2 "Nesses tempos de ecumenismo, a Igreja ocidental pode aprender, nesses problemas e em outros similares, com o exempto da espiritualidade e da pra xis das Igrejas ortodoxas, o que melhor serve a sua missño pastoral no mun do de boje ou em ampios setores da Igreja Calórica, para mostrarse leal ao Pai de familia que, tirando do seu tesouro divino de sabedoría, quer combinar as coisas antigás com as novas" (p. 45). 510
"PASTORAL DOS DIVORCIADOS"
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'administrador*' misericordiosi'ssimo da Igreja; 6 caracterizada tambémpela fé no Bom Pastor, que conhece e chama pelo nome cada urna das suas ovelhas e, quando necessário, abandona no redil as 99 que estáo a salvo e se póe a caminho para ir, solícito e amoroso, atrás da ovelha perdida" (pp. 42s). Quem adota o principio da oikonomía, prestará á Igreja urna obe
diencia nao inerme, mas criativa (cf. p. 57). Essa criatividade compreende, entre outras coisas, o conceito de epiquéia. Este conceito, de origem grega e jurídica, utilizado pela teolo
gía oriental, é propugnado por Bernhard Háring, que o entende do seguinte modo:
"A epiquéia é urna dimensáo eminente da virtude da prudencia para to mar urna decisáo, quando há coliseo entre valores, leis e deveres... Santo Afonso de Ligório, patrono dos moralistas, ensina de maneira inequívoca:
'Epiquéia significa a excecáo de um caso, quando numa situagáo dada se pode jutgar com seguranca, ou ao menos com grande probabilidade, que o legislador nao teve a intengáo de o incluir na lei'" (p. 78).
Com outras palavras: quando urna lei se torna muito onerosa para determinada pessoa, a autoridade responsável pode declarar tal súdito dispensado de cumprir a lei. Aplicando isto á doutrina do matrimonio, diz 8. Háring: quando um casamento "morreu" por falta de amor dos cónjuges ou de um deles e a vida una se torna muito penosa para os ¡nteressados, é-thes lícito contrair segundas nupcias desde que possam criar em si a conviccáo subjetiva de que a primeira uniáo nupcial nao foi válida. O segundo casamento será nao somente civil, mas poderá sertambém reli gioso, diz Háring. Em conseqüéncia, continua o autor, a Igreja tem que abrir máo da
sua prudencia tuciorísta. Tuciorismo2 vem a ser o sistema que opta sempre pelas sentencas de moral mais seguras ou menos sujeitas a engaño ou erro. Assim, por exemplo, o tuciorismo nao declara nulo um casa-
1 Oikonomia, em grego, quer dizer administragáo da casa ou simplesmente administracáo. Donde se segué que o oikónomos é o administrador. Confor me esta imagem, toda a historia da satvacáo é comparada á administracáo dos dons de Deus, que vem a ser o administrador da graga.
2 A palavra vem de tutus, seguro, certo; donde se faz o comparativo tutíor(s mais seguro); o sistema respectivo é o tuciorismo. 511
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mentó enquanto nSo haja plena evidencia de que foi nulo. Com outras palavras: enquanto há razóos que permitem su por, a legitimidade de um casamento, este é tido como legftimo; é preciso provar que tais razóes tenues sao inconsistentes. Ora Háring critica o tucionismo na praxe ma-. trimonial da Igreja:
"Por tras desse tuciorismo - deste querer proceder com seguranca ab soluta - esconde-se o medo de um possñ/el pecado contra a sacramentalida-
de do matrimonio ao tolerar um segundo casamento. E assim se chega á apli-
cacao de um tuciorismo legalista precisamente num terreno táo sensívet e doloroso. Neste caso se está esquecendo o axioma - incontroversivel - de que 'os sacramentos sao para o homem'. E se esquece do mesmo modo o principio fundamental, mais claro aínda, de que as leis sao para o homem e neo o homem para determinadas leis de obrigatoriedade muito duvidosa" (p.65). Aínda em outros termos: para que a Igreja reconheca a nulidade de um casamento, basta a certeza subjetiva dos cónjuges (ou, ao menos, um juizo altamente provável) de que o matrimonio foi inválido; basta, pois, urna apreciacáo pessoal, sem necessidade de pravas objetivas (testemunhos fidedignos, documentos escritos, exames médicos...}:
"A questáo da epiquéia se póe antes de ludo quando os interessados, depois de adequada reflexáo do pastor, estáo convictos de que o primeiro matrimonio era inválido desde o comeco. Neste caso, por torga da virtude da epiquéia, os interessados estáo autorizados, em principio, a contrair um se gundo matrimonio. E, em minha opiniáo, também o pastor pode proceder dis cretamente á cerimónia matrimonial" (p. 82).
Chega-se assim ao ponto culminante da tese de Háring: quando dois cónjuges juigam com elevada probabilidade que nao estáo valida mente casados, estáo habilitados a contrair cada qual nova uniáo matri
monial; o sacerdote poderá dar-lhe valor de sacramento, como fazem os cristáos orientáis ortodoxos ou cismáticos. Assim se reproduziria entre os católicos latinos o que se dá entre os orientáis separados, que tém um ritual oficial para ministrar o sacramento do matrimonio aos divorciados. Todavía a esta altura da sua explanacáo pergunta Háring:
"É preciso inscrevé-los no livro de registros de casamentas ou basta consignar a cerimónia no forum internum (no foro interno da consciéncia)?"
(p. 82). 512
"PASTORAL DOS DIVORCIADOS"
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E responde: "Nos casos em que o ordinario do lugar nao quer proceder á apticacáo
da epiquéia e tampouco está inclinado a toleradla, há tres possíveis modos de agir a respeito:
Primeiro: o pastor do lugar assume um ceño risco, disposto tanto a dar coritas do assunto como a suportar castamente as conseqüéncias desagra-
dáveis que possam advir.
Segundo: ele informa aos parceiros que querem se casar de que em tal situacáo podem proceder de acordó com a forma canónica da béncáo nupcial para casos de necessidade, ou seja, empresenga de duas testemunhas, por que simplesmente nao se dispóe de um sacerdote autorizado. Terceiro: o casal, depois de se aconselhar com o confessoreo orienta
dor espiritual, celebre seu matrimonio civil como forma substitutiva da béngáo nupcial para os casos de necessidade em que nao se dispóe de um sacerdote autorizado para a celebragáo do matrimonio canónico, confiando em que, com a graga de Deus, poderáo viver o seu segundo matrimonio de maneira a se aproximarem o mais possíveldo ideal do matrimonio cristáo.
Concordando com a opiniáo de neo poucos moralistas, aou do parecer de que se pode aplicar um desses tres modelos segundo as circunstancias, quando a decisáo do tribunal eclesiástico é adiada durante anos, já foi adiada ou, com toda probabilidade, se fará esperar; sempre supondo que os interessados estejam convictos da invalidado de seu primeiro matrimonio ('com alta
probabilidadeT (pp. 82s). Como se vé, a tese de Háring, embora procure guardar fidelidade á
Igreja e á Tradigáo, burla por completo a autoridade da Igreja e redunda em subjetivismo total; solapa as normas objetivas da Igreja e dá ocasiáo a que cada cristáo fa?a o seu Cristianismo de acordó com o seu modo de ver pessoal, apoiado numa concepcáo flexível e bonachá de "misericordia divina".
Eis aínda urna passagem significativa do pensamento de Háring: "No caso do acompanhamento psicoterapéutíco dos divorciados que voltaram a casar ou que estáo pensando em contrairum segundo matrimonio,
ater-nos-emos a urna idéia fundamental de Viktor Frankl e de outros psicoterapeutas: em vez de impor ás pessoas, sem mais nem menos, urna norma, como por exemplo a norma que responde á nossa consciéncia ou que é sim plesmente urna norma geral da Igreja, auscultaremos pacientemente como 513
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nosso interlocutor busca por si o caminho para o mais íntimo de sua constíéncia e quais sao os seus motivos e razóes.
Quando escutamos com urna consciénda despeña (conscientia como conhecimento existencia! de experiencia em uniáo com outros) e examinamos cuidadosamente todas as possibitidades, ajudamos nosso interlocutor em sua busca honrada e sincera de mais luz. Nossa 'palavra'. nossos gestos, nosso rosto tém de comunicar atento e nao expressarnenhum tipo de reprovag&o ou desgosto. A nossa tem de ser sempre urna palavra daquele amor que é sin> plesmentea verdade"(p. 60). B. Háring considera, no final do seu livro, o caso de dois cónjuges que vivam sob o mesmo teto (pois talvez precisem um do outro como amigos), mas nao tém relagóes conjugáis. - A Santa Sé permite que re ce bam os sacramentos, caso se conservem "como irmáo e irmá" e fre-
qüentem urna'¡greja em que nao sejam conhecidos. Ora Háring tenta convencer o leitor de que a I greja nao faz mais caso da cláusula "viver como irmáo e irmá", mas aceita que vivam conjugalmente e recebam os
sacramentos; cf. pp. 88-90. É, porém, evidente que tal cláusula subsiste como é expressa na Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio n- 84:
"A Igreja reafirma a sua praxis, fundada na Sagrada Escritura, de nao admitir á comunháo eucarística os divorciados que contrairam nova uniáo. Nao podem ser admitidos, do momento em que o seu estado e as suas condicóes de vida contradizem objetivamente aqueta uniáo de amor entre Cristo e a
Igreja, significada e realizada na Eucaristía. Há, além disso, outro peculiar mo tivo pastoral: se se admitissem essas pessoas á Eucaristía, os fiéis seriam
indúzidos em erro e confusáo acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimonio.
A reconciliagáo pelo sacramento da penitencia - que abriría o caminho ao sacramento eucaristico - pode ser concedida aqueles que, arrependidos
de ter violado o sinal da Alianca e da fídelidade a Cristo, estáo sinceramente
dispostos a urna forma de vida nao mais em contradigáo com a indissotubilidade do matrimonio, teto tem como conseqüéncia, concretamente, que, quan do o homem e a mulher, por motivos serios - quais, porexemplo, a educagáo dos ñlhos - nao se podem separar, assumem a obrigacáo de viver em plena continencia, isto é, de abster-se dos atospróprios dos cónjuges". Em suma, o livro reflete o ánimo de quem senté profundamente o
problema dos casáis infelizes e os quer ajudar, baseando-se na miseri cordia divina. Todavia cede ao subjetivismo, que menospreza nao somente leis objetivas da Igreja, mas também as normas do Evangelho, como se verá sob o subtítulo seguinte. 514
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2. Observacoes
0 livro do Pe. Háring nao pode deixar de sugerir algumas pondera?óes, pois toca em pontos-chaves da vida crista.
1) Antes do mais, notemos que o autor tem boa intencáo, procu rando, de um lado, manter-se fiel á Igreja e, de outro lado, atender aos casos de matrimonios infelizes: "Aqueles que buscam conselho e aquele ou aqueles que o dáo, buscam a maior fidelidade possível ao mandamentó final do matrimonio indissolúvel, mas completamente dentro do
mandamento final aínda mais ampio: 'Sede misericordiosos como vosso Pai do céu' " (p. 55).
Todavía a maneira como o Pe. Háring concebe essa fidelidade ao preceito do matrimonio indissolúvel, anula propriamente a fidelidade,
como se verá a seguir.
2) Em nome da misericordia, Háring chega a legitimar a dissolucáo de qualquer matrimonio fracassado. Basta que os esposos divorciados
tenham a convicgáo pessoal de que "o seu primeiro matrimonio era invá lido de antemáo e estava condenado ao fracasso; deveriam entáo ter a faculdade de voltar a se casar no Senhor" (p. 66).
A esta afirmacáo podem-se fazer duas ponderacóes: - a misericordia nunca deve ser tal que permita ou legitime urna infragáo da leí de Deus; ora a indissolubilidade do matrimonio decorre da lei de Deus; cf. Me 10,11:
"Todo aquele que repudiar a sua mulher e desposar oulra, comete adulterio contra a prímei/a; e, se essa repudiar o seu mando e desposar outro, comete adulterio".
Ver outrossim Le 16, 18; Mt 5,32; 19,9; 1Cor 7,11;
- a nulidade do matrimonio, devidamente avallada ou comprovada, permite, sim, a separacáo dos cónjuges com novas nupcias. Mas essa nu lidade há de ser objetiva e lealmente demonstrada, para que nao venha a acontecer que um adulterio (o segundo enlace) passe por legítimo casa
mento. O tuciorismo, no caso, tem plena razáo de ser, porque se trata do dilema "Virtude ou Pecado?"; nao é lícito, em hipótese nenhuma, aceitar o risco de cometer um pecado; quem aceita tal risco, já está pecando. Com outras palavras: quem quer legitimar um novo casamento sem ter certeza de que o primeiro foi nulo, está aceitando legitimar talvez um 515
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"354/1991
adulterio; ora nunca me é lícito praticar um ato cuja identidade ignoro ou que possa ser um pecado grave. Paralelamente nunca me é lícito dar a um enfermo um remedio que possa ser contra-indicado; nao basta a probabilidade nem a certeza subjetiva de que nao é contra-indica do; devo chegar a certeza de que o remedio aplicado é o remedio certo, pois está em risco a saúde ou a vida de um ser humano. 3) Para o Pe. Háñng, como dizlamos, a conviccáo subjetiva dos ¡nteressados sem o apoio de provas objetivas, é suficiente para se contrairem novas nupcias. Tal subjetivismo é apto a esvaziar e burlar toda e
qualquer lei. É principio que torna ¡mpossível a vida dos homens em sodédade, pois a vida social requer normas objetivas, que todos possam
compreender, avalia r, e ás quais todos possam igualmente referir-se. Se falta urna legislagáo social objetiva, a sociedade se torna caótica, e disto sao responsáveis aqueles que, por "condescendencia misericordiosa", solapam o bem comum.
Mesmo que alguém esteja sinceramente convicto de que seu ma trimonio foi nulo, ainda nao se pode dizer que de fato ele foi inválido, pois a realidade das coisas nao depende da sinceridade das convienes. Alguém pode estar sinceramente convicto de algo que nSo seja verdade.
Notemos outrossim que a epiquéia é urna virtude que julga se, em tais ou tais circunstancias particulares, a norma objetiva obriga ou nao obriga a pessoa. Ora o juízo sobre a validade de um casamento nao é um julzo de epiquéia; nao é um juízo sobre a apl¡ca?áo ou nao de determina
da lei. É, antes, a verificacáo de um fato: a uniáo entre tal homem e tal muiher foi realmente um casamento ou teve apenas a aparéncia de ca
samento? Doutro lado, a epiquéia (a dispensa da lei) nao pode ser aplica da quando a lei em foco nao admite exce?áo, como é a lei que proibe o adulterio. 4) O Pe. Haring insiste em distinguir entre urna Moral legalista
(como seria a da Igreja) e urna Moral evangélica, que se inspira princi palmente no amor e na misericordia de Deus (pp. 63-65). - A propósito
observamos: "legalismo" é aplicagáo cega de leis que ignora que a lei é para o homem e nao o homem para a lei; isto nao é cristáo. A Igreja nao é legalista, pois ela conhece a dispensa e a epiquéia; todavia ela insiste na observancia de leis, mesmo quando penosas, desde que redundem no
bem do próprio homem; nem tudo o que é oneroso, deve ser rejeitado; o bem particular e o bem comum pedem a fidelidade a deveres que pos sam exigir algum sacrificio.
5) O Pe. Háring afirma: "Hoje o direito ao matrimonio e a formar 516
"PASTORAL DOS DIVORCIADOS"
37
urna familia é considerado e sentido como um dos dircitos humanos mais fundamentáis" (p. 66). Dal se seguiría que segundas nupcias consti-
tuem um direito impreterivel (ou quase) para toda pessoa infeliz em seu primeiro casamento. - Respondemos: a perspectiva do Senhor no Evangelho é outra. Com efeito, em Mt 19,12 diz Jesús:
"Há eunucos que nascem tais desde o ventre materno. E há eunucos que foram leitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunu cos por causa do Reino dos céus".
Os eunucos que se fizeram tais por causa do Reino dos Céus, nao sao os que voluntariamente abracam o celibato. Na verdade, os antece dentes do texto falam da indissolubilidade do matrimonio... indissolubilidade que espanta os Apostólos a ponto de exclamarem que, nessas condicóes, é melhor nao se casar. Jesús nao Ihes respondeu positivamente,
mas insistiu na sua proposicáo: deu a entender que urna pessoa infeliz em seu casamento deve passar a viver como eunuco por causa do Reino dos Céus. 0 terceiro tipo de eunuco, portanto, é o daqueles que, nao conseguindo viver seu matrimonio, sao chamados á vida una-por amor do Reino dos Céus! A tal ponto chega a radicalidade do Evangelho, que certamente nao é bonacháo!
6) O ecumenismo ou a aproximagáo dos cristáos separados nao há
de ser cultivado mediante derrogacáo á verdade revelada por Jesús Cristo. A genuína caridade nao pisoteia a verdade, mas, ao contrario, res-
peita-a, como diz Sao Paulo: "Seguiréis a verdade em amor" (Ef 4,15). Háring insiste em que os católicos tém que aprender dos demais cris táos... Nao há dúvida, mas isto nao há de ser feito indistintamente; além do qué, a recíproca também é verdadeira.
7) O recurso á autoridade de S. Afonso María de Ligório (+ 1787), freqüente no livro em foco, toma características incompatíveis com a
Moral católica. S. Afonso nao abonaría o pensamento do Pe. Háring, muito marcado pelo subjetivismo e a crítica á autoridade da Igreja. Eis por que lamentamos a publicacáo de tal obra nao somente em
sua língua original alema, mas em diversas traducóes, propensas a dis seminar incertezas e desordem (ou mesmo subversáo) na praxe pastoral
da Igreja. Aos divorciados a Igreja dedica especial solicitude expressa ñas palavras da Exortacáo Apostólica Familiaris Consortio: (continua na p. 508) 517
Nova Era:
"New Age": Que é? Em sfntese: New Age (Nova Era) é urna corréate de espiritualidade que tem suas origens remotas principalmente no pensamento "místico" de
Emanuel Swedenbog (+ 1722), no dos Transcendentalistas norte-americanos
do comego do sáculo XIX e no da Teosofía fundada por Helena Blavatsky em 1875. New Age vem a ser urna réplica ao racionalismo dos sécutos XVIII/XIX e ao materialismo do secuto XX; pretende fundir numa só corrente elementos
do judaismo, do Cristianismo, das religióes orientáis (especialmente do hinduismo), além de principios do ocultismo, da magia, da terapia espiritual... A "Nova Era", como ela hoje se aprésenla, carece de um sistema de doutrinas claras e sólidas, pois abriga em seu seio conceitos e atitudes hete rogéneos e incoerentes. Pode-se dizerque o inicio do New Age contemporá
neo ocorreu na década de 1960; com efeito, em 1968 a cancáo Aquariusdo conjunto musical Hair divulgou amplamente as concepgóes que hoje fazem parte da mensagem da "Nova Era".
Tais concepgóes sao: a de totalidade (o que lembra o holismo), em opo-
sigáo aó esfacelaménto do saber que as ciencias especializadas de nossos
éas impóem ao pesquisador; o de transformagáo do homem e do mundo me
diante a criacáo de urna consciéncia única e universal; nessa transformagáo exercerá importante papel Jesús Cristo, tido como portador da síntese de to das as tradigóes religiosas. Jesús continua sua missáoaté hoje, encarnándo se em cada mestre de espiritualidade; ele será o "Salvador" da humanidade, consumando a evolugáo. Esta se faz mediante reencarnagóes sucessivas, que dáo ao individuo a ocasiáo de se aperfeigoar cada vez mais. A "Nova Era", em vez de talar de Deus Pai, prefere referirse á Deus-Máe, que é a Tér ra, Gata (nome derivado do grego), a qual exige dos homens respeito á natureza ou o cultivo da ecología.
Como se vé, New Age é urna expressáo do incoercivel senso religioso existente no homem de todos os tempos. Compreende-se a expectativa, de New Age, de urna nova era, em substítuigáo á presente era, achatada pelo materialismo; mas deve-se observar que tal expectativa, como é formulada 518
'NEW AGE": QUE É?
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por New Age. é lalha por ceder exclusivamente aos sentimentos e ás emo-
cóes, desligada da bússola e das luzes da razSo. Tal atitude redunda em mero jogo de palavras, que pode ter um caráter festivo e aprazivel, mas é de todo inconsistente.
Entre as novas correntes religiosas que atraem o público de nossos días, destaca-se a "Nova Era" (New Age). As suas características nao sao rígidas nem muito claras para quem ouve ou lé algo a respeito; tor na-se assim difícil definir a proposta de espiritualidade que apresenta.
Procuraremos, pois, tragar um esbogo das origens e das concep-
cóes que perfazem a mensagem da "Nova Era".
1. Origem Pode-se dizer que "Nova Era" é urna corrente eclética, na qual se
fundem elementos do judeo-cristianismo, da.gnose antiga,' do-ocultis mo, da magia e das religióes orientáis.
A origem de tal corrente na Idade Moderna deve-se, em parte, a
Emanuel Swedenborg (1688-1772), "místico" sueco. Este defendía a tese de que Deus se vai revelando progressivamente no decurso da historia; Swedenborg filia va-se á tradicáo de pensadores medievais, como Joaquim de Fiore2 e seus discípulos "espirituais" assim como ao pensa-
' A Gnose ou o Gnosticismo é um sistema depensamento eclético resultante da fusáo de correntes ñbsófícas e religiosas gregas e orientáis pré-cristás com elementos da Biblia e do Cristianismo dos secutas II/IV. Añrmava que a salvagáo vem de conhecimentos secretos (Gnose) reservados a iniciados; a materia, como tal, seria má; o espirito seria bom - o que corresponde á teoría do dualismo.
2 Joaquim de Fiore (+ 1202) esperava para o ano de 1260 a imipgáo de nova era dita "do Espirito Santo", na qual se daría urna interpretagáo nova, "mais profunda" ao Evangelho: a estrutura jurídica da Igreja cedería aos carísmas dos monges e dos cristáos "espirituais"! 519
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
mentó de Paracelso (1493-1541),' Jakob Boehme2... e d¡zia-se receptor de revelacóes provenientes do mundo superior ou divino. Imaginava que com o tempo so haveria uma "Igreja espiritual", baseada na experiencia
Intima dos devotos; nao se deveria esperar uma nova vinda de Cristo
para consumara historia (Cristo já viera em 1757), mas sedeveriam admi tir migracóes das almas pelas esferas do astral.
Contemporáneo de Swedenborg era Franz Friedrich Antón Mesmer (1732-1815), o descobridor do "magnetismo animal", que lutou em prol
do espiritualismo contra o pensamento racionalista e as tendencias ma terialistas do século XVIII.
Swedenborg exerceu influencia sobre a corrente dos "Transcendentalistas" norte-americanos. Entre estes, teve relevo R.W. Emerson, que combinou entre si elementos de mística na turista,3 religiosidade oriental (haurida na leitura do Bhagavad Gita) e filosofía norte-americana (como individualismo e desenvolvimento). Os Transcendentalistas afirmavam o primado da intuicáo sobre a razáo; opunham-se tanto ao ma terialismo e ao utilitarismo quanto ao tradicionalismo. R.W. Emerson,
H.D. Thoreau e outros fundaram o Transcendental Club em 1863 na
cidade de Bostón.
Na Europa as idéias místicas ou espiritualistas encontraram boa acolhida na corrente romántica, que fazia antítese ao racionalismo e ao materialismo; valorizava a intuicáo, a imaginacáo e o individualismo. Em
1 Paracelso é o nome pelo qualse tomou conhecido Phitippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, alquimista suíco. Preconizou uma nova terapéutica das doencas, baseada no principio de que o corpo humano é constituido de elementos básicos - como o sal, o mercurio, o enxofre - cujo desequilibrio provocaría todas as doencas. Introduziu o ferro, o chumbo, o en xofre e o arsénio na química farmacéutica, abrindo o caminhopara a modema quimioterapia.
2 Jakob Boehme (1575-1624) professou uma mística singular, precursora do
hegelianismo: concebida Deus como um ser que gera a si mesmo e se desenvolve em etapas sucessivas, segundo a dialética do Sim e do Nao, Boehme sofreu influencia da filosofía renascentista, que muito se afastava do dássico pensamento cristáo.
3 A contemplagáo dos astros, dos mares, das florestas e das demais criaturas estaría na base da Mística naturista.
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•NEWAGE":QUEÉ?
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conseqüéncia dessa receptividade, pode ser publicada em 1929 a primeira
Enciclopedia do Pensamento da Nova Era.1 Ainda como fruto da Mística eclética, foi fundada a comunidade Monte Veritá perto de Ascona (Suíca). Já no fim do século XIX existia nesse local urna Escola Esotérica, devida a diversas corren tes de pensa
mento (socialistas, anarquistas, literatos, artistas, ecologistas, psicólo gos...); tal Escola mantinha intenso contato com grupos ocultistas de Berlim, Londres, Roma e outros centros urbanos. Em última' análise, tratavase de urna especie de mosteiro, cujos membros (leigos) tentavam viver. o
sonho de urna existencia sem controle de autoridade e individualista, em
lugar da existencia burocrática da sociedade industrial de fins do século passado; queriam fazer a experiencia dos valores da natureza em oposi-
cáo á religiosidade convencional das aglomeracóes urbanas. Foi lá que o romancista Hermann Hesse adquiriu a sua estima pelo pensamento in diano; foi lá também que, a partir de 1933, se encontraram, para deba tes, varios dos pensadores que inspiraram a "Nova Era" de nossos dias: Cari Gustav Jung, H. Zimmer, G. Scholem, Mircea Eliade, D. T. Suzuki; a
leitura dos anais de Monte Veritá póe em relevo a tendencia, lá exis tente, a fundir as tradicóes secretas da humanidade numa "religiáo gnóstica universal". O grupo de Ascona exerceu notável influencia sobre o pensamento religioso de varios mestres da "Nova Era" contemporánea.
Outra matriz de New Age é a Teosofía fundada por Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891) em 1875 na cidade de Nova lorque. A fun dadora amalganiavaem sua mensagemconcepcdes espiritualistas do Ocidente e tradicóes esotéricas do Oriente, especialmente da India; tinha por meta criar urna religiáo universal, que congregasse todos os homens em fra temida de. A discfpula teosofista Alice Bailey deixou escritos que for mula vam programas de pensamento e vida fecundos em inspiracóes para a "Nova Era" contemporánea. Em conclusáo, verificarse que as premissas da corrente moderna dita New Age se encontram na cultura do fim do século XIX como rea-
cáo contra o materialismo da época, que alguns pensadores queriam
substituir por urna religiáo e urna cultura de ámbito universal. Nao é fácil assinalar com precisáo o ano em que nasceu o movimento New Age contemporáneo, visto que muitas das suas concepcóes estavam em voga desde o século XVIII. Mas pode-se dizer que na década de 1960 se expandiu decisivamente o conjunto de idéias que hoje constituem a mensa-
1M. Mueller - Senftenberg, Die Erfüllung des Neuen Weltalters (O cümprimento da Nova Era). Leipzig 1929. 521
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"354/1991
gem da "Nova Era"; para tanto, muito contribuiu a cangáo Aquariusdivulgada amplamente pelo conjunto musical Haira partir de 1968.
Examinemos agora os principáis traeos doutrinários de New Age.
2. New Age: as grandes linhas da mensagem 2.1. Notas gerais
A corrente "Nova Era" nao é propriamente um sisteme concatena
do de pensamento, mas é antes a expressáo livre, flexível e um tanto va ga de uma consciéncia religiosa infensa ao materialismo e voltada para o esplritualismo. Pode haver mais de uma orientacáo (diversas linhas mís ticas misturadas com práticas terapéuticas e mágicas) dentro da corrente New Age, pois se trata de um sentimento religioso um tanto genérico; algo de certo, porém, é que New Age tende a destruir os valores religio
sos e a cosmovisáo tradicionais; opóe-se ao otimismo dos cientificistas, que julgavam poder propiciar ao género humano respostas e felicidade
mediante o constante progresso da ciencia e da técnica; o perigo da bomba atómica e de uma catástrofe mundial assim como a miseria do
Terceiro Mundo dissiparam as expectativas sonhadoras das últimas geracóes. Mais recentemente aínda, o desmoronamento dos regimes mate
rialistas do Leste Europeu, que prometiam o paraíso através das con quistas científicas do mundo, concorreram para amortecer a euforia de muitos cidadáos contemporáneos; entregando-se ás emopóes, estes procuram na "mística" a resposta para as suas aspiracóes, movidos mais pelos sentimentos cegos ou irracionais do que pela lógica de serio racio
cinio. É o que explica tres notas típicas de New Age:
1) a existencia de uma corrente terapéutica, mágica e pragmática,
ao lado de uma ala mais religiosa e mística;
2} a existencia de tradicóes ocultas, reservadas aos gnósticos (conhecedores iniciados); admitem fo reas cósmicas misteriosas a exercer in
fluencia sobre os homens, como alias ocorria (e ocorre) ñas religióes
primitivas, dadas á fantasía, e á emocao mais do que á lógica e á fé. É o
que esclarece a terceira nota de New Age:
3) caráter eclético e sincretista: elementos diversos, tradigóes nem sempre conciliáveis entre si, como a judia, a crista, a hinduísta, a mono teísta, a panteista..., encontram-se presentes em New Age. 522
"NEWAGE":QUEÉ?
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2.2. Traeos singulares Podem-se apontar seis notas específicas da "Nova Era":
2.2.1. Totalidade O movimento New Age pretende apresentar urna yisáo globalizante do mundo e do homem, emopojigáqj fragmentac áojtos_cQnhfiA
cimentosquéXespecializapló3efltífiJMhoje impóe aos pesquisadores^1 O
género humano e o mundo nao sao considerados comourria grande má quina, cujo interesse é produzir e cujas pecas podem desprender-se urnas das outras, mas, sim, como um organismo vivo e urna rede harmoniosa de relacóes dinámicas. As ciencias naturais e a mística devem dar se as máos nesse contexto: a Física, a Química, a Biología, a Economía, a Política... se ¡ntegrariam num so todo com concepcóes espiritualistas (panteístas). 2.2.2. Transformacáo
Os adeptos de New Age imaginam que, para criar urna consciéncia planetaria, é preciso que todas as atividades dos homens convirjam, co mo se fossem as células de um cerebro global, colaborando entre si. Isto deverá transformar as consdéncias individuáis ou o modo de pensar de cada individuo. Tal transformacáo acarretará a salvacáo de cada um e de todos. Desprender-se-áo as energías espirituais de cada individuo, das quais resultará um mundo espiritual. Verda de é que as ¡nstituiedes clássicas do mundo presente resistiráo a tal transformacáo; mas a nova ordem de coisas acabará por impor-se. 2.2.3. Ecología
Os atuais problemas ecológicos nao sao o único obstáculo para urna revalorizacáo da natureza. "Gaia", a máe-deusa Térra2 é um orga nismo vivo, de dimensóes planetarias, cujo órgao executivo é o género
humano. Vé-se que, no lugar de Deus Pai transcendente, é estabelecida a deusa-máe imánente, cuja energía tudo penetra. A "Nova Era" vale-se
1 Tal tese da "Nova Era" lembra a do Hotismo, que pretende unir numa viseo totalizante ou gbbafízante todos os conhecimentos e ritos da humanidade. Ver a propósito PR 328/1989. pp. 425-431.
2 Em grego ge quer dizer "tena". Gaia é nome mitológico derivado de ge, de signando a deusa-máe Térra.
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
do conceito pagáo para explicar melhor sua perspectiva: pagSo vem de paganus, e paganusvemde pagus,aldeia;porconsegu¡nte,dizem, pa
gáo é o aldeáo. Quando o Cristianismo comecou a se propagar, entrou primeiramente ñas cidades (cf. os Atos dos Apostólos), deixando as aldeiasou as regióes interioranas para uma segunda fase de evangelizado; por isto paganus, aldeáo, passou a designar o "náo-cristáo" ou o cultor dos deuses; era geralmente dedicado á agricultura ou ao trabalho cam pestre. Pois bem; New Age apregoa o retorno ao paganismo, ou seja, a religiosidade nao crista, naturista, devotada ao cuidado da natureza (ecologia) e dos campos. Paganismo, lembrando a rejeicáo do Cristianis mo (tido como religiáo das cidades e do Imperio Romano antigo) e o devotamento á natureza e ao seu cultivo, vem a ser um ideal de New Age. 2.2.4. Reencarnado
A reencarnado é tida como uma escola ou uma pedagogía através
da qual cada individuo chega á perfeicáo espiritual. É também um con
ceito central da "Nova Era", ao qual se agregam outras concepcóes. A reencarnacáo, porém, para a "Nova Era", tem sentido um pouco diverso do que tem ñas religióes orientáis; estas entendem a reencarnacáo como castigo imposto pela lei do karma, em conseqüéncia da qual o individuo
tende a escapar do samsara ou do ciclo das reencarnagóes. Ao contrario, na "Nova Era" a reencarnacáo é vista com otimismo, como caminho de evolugáo espiritual: o homem nao precisa da misericordia de Deus para atingir a perfeicáo do espirito, mas basta que procure desenvolver suas virtualidades latentes através das sucessivas encarnacóes. 2.2.5. Jesús Cristo A "Nova Era" fala freqüentemente de Cristo como figura impor tante no processo de desenvolvimento da humanidade e do mundo. Ele
possui a auténtica consciéncía e dá parte em si a todos os seus seguido res. Todavia, quando New Ágese refere ao Logos solar, nao entende o Jesús da Bfblia, mas a personificacáo de um Mestre universal, que se re encarna em cada mestre espiritual e que consumará a evolugáo do gé nero humano como Salvador.
Segundo a "Nova Era", Jesús esteve na india dos doze aos trinta anos; a sabedoria que Jesús lá aprendeu, é a súmula de todas as tradicóes de espiritualidade e mística. Em conseqüéncia a Biblia há de ser lida á luz dos elementos religiosos do budismo e do hindulsmo, sem os quais o Novo Testamento nao pode ser devidamente compreendido.1.
1A tese de que Jesús esteve na india, já foi exposta e refutada em PR 321/1989, pp. 82-95. 524
'NEWAGE":QUEÉ?
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2.3. A organizado
A "Nova Era" se organiza de maneira um tanto frouxa. Ela admite: - ouvintes, que se reúnem em torno de algum ponto de interesse comum: urna revista, como seria Esotera; livros de um(a) autor(a), como
Shirley Maclaine, M. Ferguson; programas de televisáo, como "E.T." (Extra-terrestre) ou objetos de índole misteriosa ou quase religiosa (dis cos voadores)... Tais pessoas sao membros pouco comprometidos da "Nova Era", fazendo da religiáo um fugaz artigo de consumo e elitismo; - estudiosos de magia, astrologia, terapéutica espiritual (o que se aproxima do curandeirismo).Taispessoaspretendem efetuar urna ressacralizacáo dos diversos ambientes da vida mediante práticas religiosas ou para-religiosas,' extraídas, sem criterio nem discernimento, das mais diversas tradicóes religiosas. Esses muitos elementos heterogé neos (idéias, doutrinas, práticas de magia, de culto...) devem, segundo os
mestres da "Nova Era", criar urna nova consciéncia na humanidade, de acordó com o slogan "Pensa globalmente, age globalmente", slogan que legitima a fusáo de conceitos e comportamentos de todo tipo. 3. Conclusáo
A "Nova Era" se aprésenla como urna impetuosa corrente de pensamento e vida, que pretende restaurar em nossos días o senso religioso achatado ou sufocado pelo materialismo. Ela é síntoma eloqüente do va-
zio interior e da sede de espiritualidade do homem contemporáneo. Este
sabe, no seu íntimo, que existe algo maior do que os valores visíveis e materiais; sabe que existe o "Santo", e procura-o sentimental e emocionalmente, mas desligando-se das luzes do raciocinio, que é a luz indispensável para a reta caminhada do género humano.
Compreende-se que os cidadáos de hoje, cansados pelo desgaste da vida absorvente e agitada que levam, procurem urna "Nova Era". O título é atraente, mas a proposta da corrente que o utiliza, é ilusoria; os elementos que constituem fundamentalmente a mensagem da "Nova
Era", encontram-se cabalmente no Cristianismo: este professa um apelo de Deus ao homem para que se encaminhe em demanda da perfeicáo mediante a comunháo com Jesús Cristo. O Senhor veio precisamente reunir todos os homens numa so familia, em que nao deve haver barrei-
1 Para-religioso é o que fica ao lado (para) da Religiáo. Éoque se assemelha á Religiáo, embora nao o seja explícitamente. 525
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 354/1991
ras de rac.a, sexo, condicjio social; nessa familia cada qual encontra a sua plena auto-realizacjto, iluminado pela verdade, e nao apenas pelas emocóés.
O Cristianismo, que teve a for?a necessária para fazer do mundo greco-romano decrépito um novo mundo e urna nova era, é hoje o mesmo que outrora. Possui ainda e sempre a mesma eficacia de fer
mento capaz de transformar a humanidade e seu mundo em novas cria turas, iniciando urna auténtica Nova Era.
Possam os cristáos ter consciéncia da forca do Evangelho que professam (cf. Rm 1,17) e pó-la em prática, proclamando-a e implantando-a em todos os seus ambientes de vida! E New Age deixará de ser um so-
nho para tornar-se urna realidade!
PRESENTE DE NATAL CARO(A)
LEITOR(A),
SE
ESTA
REVISTA
LHE
AGRADOU,
PROCURE DIFUNDI-LA ENTRE OS SEUS AMIGOS. DANDO COMO
PRESENTE
DE NATAL UMA ASSINATURA
ANUAL DE PR, VOCÉ SE FARÁ PRESENTE AOS SEUS AMIGOS DOZE VEZES POR ANO.
NO TURBILHÁO DE IDÉIAS E PROPOSTAS QUE HOJE AGITAM OS HOMENS, TEM PLENO LUGAR UMA REFLEXÁO SOBRE A VIDA E SEUS ACONTECIMENTOS TECIDA A LUZ DO EVANGE
LHO E DA SANTA IGREJA DE CRISTO.
O AMOR AO PRÓXIMO CONSISTE TAMBÉM EM AJUDÁ-LO A DESCOBRIR O SEU CAMINHO NESTE MUNDO, CAMINHO QUE O
LEVE Á RESPOSTA DEFINITIVA DEVIDA ÁS SUAS MAIS PRO FUNDAS ASPIRACÓES.
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Depoimentos:
Do Anglicanismo ao Catolicismo Em sfntese: As páginas seguintes dáo noticias de problemas ocorrenles na Comunháo Anglicana em conseqüéncia de inovagóes ousadas. Publi camos tais noticias sem querer compartilhar seu pessimismo, mas únicamente porque poderao servir de referencia! a fiéis católicos desejosos de 1azer experiencias semelhantes ás que ocorrem no Anglicanismo. O amor ao
patrimonio da té e da disciplina da Igreja poderá ajudá-tos a ponderar as possfveis conseqüéncias de ousadas inovagóes na Igreja Católica.
A Comunháo Anglicana, separada de Roma desde 1534 por obra do rei Henrique VIII, desejoso de obter divorcio, tem vivido momentos im portantes. Entre outros fatores, a ordenac.áo de muiheres vem suscitando mal-estar entre membros do Anglicanismo, visto que tal praxe rompe uma tradigáo de quase vinte sáculos. 0 Boletim Liaisons Latino-Amé-
ricaines n- 83 (julho-agosto de 1991) P. 7 pública a respeito.algumas noticias, das quais abaixo segué a traducáo portuguesa: "O Reverendo David Curry, Vigário anglicano até recente data, apresentuu seu pedido de demissáo da paróquia de Castleford (Leeds) para ser recebido na Igreja Católica; tal pedido foi formulado apenas tres semanas depois de comegar a exercer as suas funcóes.
O Reverendo David Curry, 31 anos, declarou que tomou esta decisáo após longa reflexáo. O seu bispo anglicano julgou a atitude desse neo-convertido ao Catolicismo, surpreendente e difícil de ser compreendida, visto ter passado táo pouco tempo na sua paróquia. David Curry é celibatário e foi ordenado diácono há quatro anos. Outra conversáo a o Catolicismo, ainda mais significativa, foi a do
Dr. William Oddie, ministro anglicano de 51 anos de idade. É personalidade muito conhecida por sua atitude critica frente á recente evolucáo da Comunháo Anglicana.
O Dr. Oddie - que foi recebido na Igreja Católica por ocasiáo da Páscoa, juntamente com a sua famflia - declarou que a Igreja da Ingla terra se tornara uma seita protestante liberal. Afirmou outrossim que a ordenacáo de muiheres destruiría toda esperanca de uma reuniáo com
Roma. Para ele, essa decisáo é claro síntoma da decadencia do Anglica nismo, cuja causa é o empalidecimento da doutrina: "Atualmente, expli527
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oou, alguém pode tornar-se ministro anglicano sem que sejam averigua das as suas convienes profundas". Os anglo-católicos Em recente número da revista Ecclesía, que pertenceao ramoan-
glo-católico do Anglicanismo, afirma um editorial que, se a Igreja da In glaterra admitir decisivamente a ordenacáo de mulheres, haverá plena justificativa para abandonar a Comunháo Anglicana e pedir admissáo na Igreja Católica.
O editorialista considera a ordenacáo das mulheres como urna ca
tástrofe. Acrescenta que muitos anglicanos ainda estáo longe da Igreja Católica por seu modo de pensar e discordam da Literatura Católica, mas nao questionam a validade dos sacramentos católicos. Reconhecem outrossim o prestigio do Papa Joáo Paulo II, de tal sorte que muitos sao os anglicanos dispostos a seguir o caminho tracado por Roma e a abando nar o que elesconsideram a Igreja apóstata da Inglaterra. O mesmo editorial considera que é plenamente aceitável, para os
ang lo -cató lieos (setor conservador da Comunháo Angticana), unir-se a urna das Comunidades Ortodoxas ou criar um novo ramo anglicano ¡ndependente da Igreja da Inglaterra.
Ainda na mesma linha de idéias, o boletim Ecumenismo-lnformacóes escreve, sob a responsabilidade de Margaret Mayne: 'Entre os
ministros (presbíteros anglicanos) a corren te próxima da tradicáo católica receia a questáo da ordenado das mulheres, que poderia ocorrer em 1995. Alguns pessimistas prevéem a defécelo de cerca de mil ministros após aquela data, ou mesmo o desmoronamento da Comunháo Anglica na inteira'.
'Alguns observadores véem os problemas com olhar menos pessimista. Durante quatro sáculos, dizem, a Comunháo Anglicana tendeu a aperfeicoar a arte de viver nao por urna vía media perfeita, mas por um estado de tensáo interna permanente e vivificante'. 'Certamente o Dr. Carey (arcebispo anglicano de Cantuária) nao fa vorecerá rup.turas, mas... o futuro pertence a Deus' ". • • #
Nao há dúvida, o presente noticiario é pungente. Será exagerada mente pessimista? - Sem poder responder a esta pergunta, afirmamos nosso pleno respeito á Comunháo Anglicana; contudo julgamos oportu no publicar as observares atrás porque poderáo servir de referencia! a fiéis católicos desejosos de fazer experiencias semelhantes ás que ocorrem na Comunháo Anglicana. O amor ao patrimonio da fé e da disciplina da Igreja poderá ajudá-los a ponderar as posslveis conseqüéncias de ousadas inovacóes na Igreja de Cristo. 528
Estéváo Bettencourt O.S.B.
NA FESTA DE TODOS OS SANTOS (1/11) "OS SANTOS DA IGREJA SAO O COMENTARIO MAIS IM
PORTANTE DO EVANGELHO, PORQUE SAO A INTERPRETACAO ENCARNADA DA PALAVRA ENCARNADA DE DEUS E,
PORTANTO, SAO REALMENTE UMA VÍA DE ACESSO A JE
SÚS".
Hans Urs von Balthasar, teólogo católico
"JUNTOS BUSCAMOS A FORMA DA VIDA CRISTA E DA
COMUNIDADE CRISTA NESTE TEMPO DE REVOLUCÁO. A Sh
TUACÁO TORNOU-SE DE TAL FORMA SERIA QUE TODOS TE
MOS NECESSIDADE DA AJUDA DE TESTEMUNHOS DO PAS-
SADO, QUALQUER QUE SEJA A CONFISSÁO Á QUAL PERTENCAMOS".
Jürgen Moltmann, teólogo protestante
RIQUEZAS NA MENSAGEM CRISTA {2? ed). por Dom Cirilo Folch Go mes O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado completo de Teología Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado pelo Papa Paulo VI. Um alentado votume de 700 p., best seller de nossas Edicoes
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3? Edicao de:
DIÁLOGO ECUMÉNICO, Temas controvertidos.
Sen Autor, D. Estéváo Bettencourt, considera os principáis pontos da clássica controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mostrar que a discussao no plano teológico perdeu milito de sua razao, de ser, pois, nao raro,
versa mais sobre palavras do que sobre conceitos ou proposicoes «• 380 pági
nas. SUMARIO: 1. O catálogo bíblico: livros canónicos e livros apócrifos -
2. Somente a Escritura? - 3. Somente a fé? Nao as obras? - 4. A SS. Trindade. Fórmula paga? - 5. O primado de Pedro - 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento - 7. A Confissao dos pecados. - 8. O Purgatorio — 9. As indul gencias - 10. María, Virgem e Mae - 11. Jesús teve irmaos? - 12. O Culto aos Santos - 13. E as imagens sagradas? - 14. Alterado o Decálogo - 15. Sá bado ou Domingo? - 16. 666 (Ap. 13.18) — 17. Vocé sabe quando? -
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