Ano Xxxii - No. 351 - Agosto De 1991

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Projeto PERGUNTE

E

RESPONDEREMOS ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de

Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoriam)

APRESElSfTAQÁO

DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que elevemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15). Esta

necessidade

de

darmos

conta da nossa esperanga e da nossa fé "

hoje é mais premente do que outrora, visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenca católica mediante um aprofundamento do nosso estudo. Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propoe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade

controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortaleca no Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar este trabalho assim como a equipe

de

Veritatis

Splendor

que

se

encarrega do respectivo site. Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A

d.

Estéváo

Bettencourt

agradecemos

a

confiaga

depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.

<

SUMARIO Simples Voz ou Palavra de Deus?

A Encíclica "Rerum Novarum" t-

A Ressurreicao de Jesús O

A Cruz, Sinal do Cristao

<

Síndrome Videocompulsiva

A Igreja "Clandestina" na Tchecoslováquia m

O ce CL

AMOXXXII

AGOSTO 1991

351

PERGUNTE E RESPONDEREMOS

AGOSTO - 1991

Publicado mansa!

N9 351

Dwctor-Rcsponsawl: EttévSo Bettencourt OS8

SUMARIO

Autor e Redator de toda a materia publicada oeste periódico

Simples Voz ou Palavra de Deus?

337

Centenario de Diretor- Adm inistrador:

A Encíclica "Rerum Novarum"

O. Hildebrando P. Martins OSB

deLeSoXIll

Fato histórico? Mito?

Admvmtracáo e distribui^io:

Edicóes Lumen Christi

Dom Gerardo. 40 - S? andar. S/501 Tel: (021) 291 7122 Caixa Postal 2666

20001 - Rio de Janeiro - RJ

Impressáo e Encana(éo

338

A Ressurreicao de Jesús

350

Há quem negué: A Cria, Sinal do Cristáo

364

Excesso de Televisáo: Síndrome Videocompulsiva

375

Sob a perseguicáo: A Igreja "Clandestina" na Tchecoslováquia

379

"MARQUES-SARAJVA"

GRÁFICOS E EDITORES S.A^ Tels

(OÍ1IÍ73-949I>

?'3-944

NO PRÓXIMO NÚMERO: A encíclica "Centesimus Annus". - A violencia e a pena de Morte. - "Maturidade sexual; Solucáo para a AIDS" (Jack Dominian). - Eutanasia no Brasil?

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA. ASSINATURA ANUAL (12 números): Cr$ 4.000,00 - Número avulso ou atrasado: Cr$ 400,00 Pagamento (á escolha).

1. VALE POSTAL á agencia central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edi cóes "Lumen Christi" Caixa Postal 2666 - 20001 - Rio de Janeiro - RJ.

2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicóes "Lumen Christi" (endereco \ agina»''' "

3. QRRE$!pE PAGAMENTO, no Banco do Brasil, conta N? 31.304-1 em nome do

Mosteiro de Sao Bento. pagável na agencia Praca Mauá/RJ N? 0435-9. (Nao enviar . -.ajravej.4g.QPC ou depósito instantáneo - A ¡dentificacáo é difícil).

Simples Voz ou Palavra de Deus? O Imperador Trajano (98-117) em 107 quis oferecer ao povo de Roma "grandioso espetáculo": homens ilustres e gladiadores seriam expostos a 11.000 feras no Coliseu, a fim de que o público presenciasse a luta e "se d¡-

vertisse".1 Entre os condenados, estava um cristao chamado Inácio, bispo

de Antioquia (Siria). Fora preso por causa da sua fé. Durante a viagem para Roma, a escolta que o acompanhava fez escala em Esmirna (Turquia de hoje); ai Inácio resolveu escrever urna carta aos crístaos de Roma... E que Ihes diría? — Quería pedir-lhes que nao intercedessem em seu favor junto ás autoridades imperiais, mas deixassem que fosse levado até o

certame final e o martirio.3 Dessa carta merece destaque, entre outros, o seguinte trecho:

"Se vos calardes a meu respeito, serei Palavra (Lógos) de Deus; se, porém, amardes a minha carne, serei simples voz (phoné)" (n? 2). A distíncáo entre phoné — simples voz — e lógos — palavra ou discurso

significativo - era usual entre os amigos. S. Inácio a aplica a si: o martirio ou o testemunho de Cristo proferido até a morte cruenta o tornará palavra

de Deus; caso contrario, perdería a grande oportunidade da sua vida e se julgaria reduzido á condicao de simples sopro.

Os dízeres de S. Inácio tém valor perene. Lembram-nos que todo homem, por seu teor de vida, pode assumir tres configuracóes:

— será simples voz, sem significado, caso ceda á futilidade, supondo um coracao vazio;

— será palavra

de homem, caso sua vida se norteie pelas luzes da

mera razáo ou pela mensagem de um filósofo sem fé;

— será Palavra... de Deus, desde que o crístáo faga da mensagem do Senhor o dínamo da sua existencia. Em tal caso, o seu viver já é Palavra de Deus! Tal é a dignidade máxima que a vida humana possa assumir, qualquer

que seja a sua classe social; despretensiosa, voltada para os afazeres modestos de cada dia, tal existencia traduz concretamente a mensagem de Deus. Mesmo que fale pouco, tal vida é eloqüente e persuasiva; ela levanta os ánimos e

abre horizontes O mundo procura tal tipo de existencia, pois está cheio de vozes (phonai), mas carente de Logos (Palavra) de Deus. Todo cristao é chamado a responder a tal anseio, fazendo de sua vida E.B.

a expressSo da mensagem de Deus.

1 NSo sem razio se diz que o povo da antiga Roma se contentava com panes et circenses (pió e espectáculos de circo).

2 "Deixai que se/a presa dos animáis ferozes;por eles chegarei a Deus; oxalá seja mofdo pelos dentes dos animáis, para tomar-me o pió puro de Cristo" BIBUOTEC

337

"PERCUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXII - N? 351 - Agosto de 1991

Centenario de:

A Encíclica "Rerum Novarum" de Leao XIII Em sin tese: A encíclica Rerum Novarum de Leao XIII leva em conta a mísera condicao dos operarios no sáculo passado, explorados que eram polo

capitalismo selvagem. Propoe, portan to, os direitos fundamentáis do trabaIhador: salario justo, repouso dominical, limitacao das horas de trabalho, considerado das muiheres e enancas que trabalham, possibiUdade de que o operario vé constítuindo o seu patrimonio particular... Tal documento foi tido como revolucionario na sua época; parecía exigente demais; hoje é considerado aínda muito tímido, pois novas reivindicaedes da classe operaría se fazem ouvir. Se, porém, hoje as leis trabalhistas garantem ao operario direitos indispensáveis para que leve vida digna, isto se deve, em grande parte, ao brado de alarme levantado pelo Papa Leao

XIII há cem anos, quando publicou a sua encíclica "Sobre a Condicao dos Operarios". De resto, a encíclica conserva a sua plena atualidade pelo fato de que nao raro sao violados alguns dos principios que ela formula e que pedem aplicacao mais estrita e fiel em vérios setores da economía contem poránea. ***

Aos 15/05/1991 completaram-se cem anos de publicacao da primeira encíclica social da Igreja. assinada pelo Papa Leao XIII e iniciada pelas pa-

lavras Rerum Novarum (Das coisas novas).x\ A data é importante, pois tal

1 As primeiras palavras da encíclica soam: Rerum Novarum semel excítate cupidine — o que quer dizer: "Urna vez despertada essa avidez de ¡novaedes (r.erum novarum)". 338

A ENC. "RERUM NOVARUM" documento foi comparado ao ressoar de um trováo, que despertou os cató licos e o mundo para a procura de mais justica e fraternidade. A encíclica abriu o caminho aos sucessivos pronuncia memos da Igrei» sobre a questao social. Da i' a oportunidade de Ihe dedicarmos algumas páginas de resenha e comentario. — Aos 02/05/1991, o S. Padre JoSo Paulo II deu a lumea encí

clica Centesimus Annus, commemorativa do centesimo aniversario da Rerum Novarum; será apresentada em PR 352/91.

1. O fundo de cena 1. Em fins do século XVIII e no comeco do século XIX registrou-se a

chamada "revolucao industrial": foram sendo exploradas as riquezas do subsolo do globo e manufaturadas em fábricas e canteiros de obras. Reina-

va entao a filosofía liberal, que atribuía ao capital todos os direitos em vista da conquista de maiores bens materiais. Em conseqüéncia, os operarios das fábricas e das minas eram submetidos a duras condicóes de trabalho; mulheres e menores de menos de dez anos de idade eram levados á extra cao de

carvao do fundo das minas; os salarios eram exiguos, ocasionando taxas de mortalidade precoce; a morada era miserável, f¡cando muitos hómens e mulheres aglomerados em suburbios. Nao havia instituicoes de defesa dos trabaIhadores; os sindicatos eram perseguidos, e a assisténcia médica muito precaria. O próprio Estado entrava na disputa do capitalismo competitivo, mostrando-se indiferente á angustiosa sorte dos trabalhadores. 2. Da parte da Igreja, fizeram-se ouvir vozes em defesa da classe tra ba I hadora.

Na Alemanha, destacou-se o

bispo de Mogúncia, Mons. WMIhelm

Emmanuel von Ketteler (1811-77), que denunciou os grandes abusos do capitalismo, deixando como principal escrito o livro "Die Arbeiterfrage und das Christentum — A questao operaría e o Cristianismo" (1864). Numa alocucao aos trabalhadores dizia:

"O caráter fundamenta/ que dá ao movimento operario sua importan

cia e signif¡cacao e que pertence, na verdade, á sua essSncia, éa tendencia á associacao operaría, que tem por objetivo unir as torcas a servico dos interésses operarios. A re/igiio só pode apoiar astas associacoes e Ihes dese/ar bom éxito para o bem da classe operaría".

Mons. Ketteler pleiteava nesse discurso: - aumento de salario correspondente ao verdadeiro valor do trabalho;

339

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991 — diminuicao das horas de trabalho, de modo a nao se arruinar a saúde do operario; — regulamentacao dos dias de descanso. O tempo de descanso deve ser calculado de acordó com o tempo de trabalho;

— proibicao do trabalho das enancas em fábricas durante a época em que ainda sao obrigadas a freqüentar a escola; — proibicao do trabalho das mulheres ñas fábricas, principalmente

quando sao mies de familia;

— proibicao do trabalho das mocas ñas fábricas.

Na Austria, nota-se a figura do barato Karl von Vogelsang (1818-1890), que reuniu personalidades de destaque, a fim de lutarem contra os crimes do capitalismo liberal e também contra as tendencias do socialismo emergente, que transformaría o mundo "numa monstruosa organizacao de trabalho tor eado".

Na Suíca foram muito atuantes duas figuras: Gaspar Decurtins (18851916), estadista, que fundou o Movimento Social Cristáo e escreveua obra "A questao da protecao internacional do trabalhador". Foi seu contempo ráneo o Cardeal D. Gaspar Mermillod (1824-1892), e

bispo de Lausanne

Genebra, que se tornou infatigável arauto da justica social; dizia em

28/02/1868, na igreja de Sta. Clotilde em Paris: "Quem quer penetrar até a raíz profunda de nossas agitapdes atuais, percebe bem depressa que ela reside na questao social: Todos repetimos que estamos numa apoca de transigió, que urna ve/ha sociedade está em ruinas e que urna nova se vem formando. Dafas incertezas, as hesitacoes: na super ficie, gritos de alarme; nos subterráneos, paixoes ardentes e violentas. Cerram-se fileiras de ambos os lados na alternativa de transformar o mundo num campo de batalha ou de assinar um tratado de paz entre ricos e po bres.

As obras cristas e nossa atividade pessoal devem dar a sua ativa contribuicao para a solucao pacífica destes inumeráveis problemas... Se cabe ao nosso sáculo a honra de ter-se dado conta destes grandes

problemas da humanidadg, cabe também i Igreja a honra de sonda-Ios com coragem e rgsolvé-los com energía. Quem tomará a mSo do proprietário e do proletario para as unir? Quem se nao Jesús Cristo?... O que nos salva rá, nao á um Cristianismo debilitado e inerte, mas um Cristianismo serio e 340

A ENC. "RERUM NOVARUM"

vivido, encarnando-so em virtudes capazes de empolgar o povo e inspirarIhe otimismo e consciéncia de sua dignidade... Nao quero ser nem o cortesao dos ricos, nem o adulador dos pobres.

Nao quero ser tributario nem das opinides dos poderosos nem das dos hu mildes. .. Mas insisto em vos repetir que a crise que atravesamos é urna das mais graves e das mais cruéis que nossa geracaojá conheceu... A Inter nacional, notai-o bem, 6 ao mesmo tempo urna doutrína sedutora, um exército em marcha, um corpo que se organiza. Para solucionar a questao social, seria necessário ter o coracao de urna Irma de Candado e a lucidez genial de S. Tomás de Aquino". O Car dea I Mermillod foi encarregado por Leao XIII de orientar urna

comissao de estudos dos problemas sociais, que teve influencia decisiva na preparacáo da encíclica Rerum Novarum.

Na Italia destacou-se o Pe. Taparelli D'Azeglio, que teve como aluno o jovem Gioacchino Pecci, futuro Leáo XIII. Mais relevante aínda foi a figura de Giuseppe Toniolo, jurista e economista, que também contribuiu concre tamente para a elaboracao dos principios da Rerum Novarum. A Franca e a Bélgica tiveram notáveis pensadores e agentes de renovacao social: Léon Harmel, Rene de la Tour du Pin, Albert de Mun, D. Doutre-

loux, bispo de Liáge, e D. Stillemans, bispo de Gartd. Na Inglaterra salientou-se o Cardeal Henry Edward Manning, e nos Estados Unidos o Cardeal James Gibbons, arcebispo de Baltimore, cuja; teses foram reconhecidas por Leao XIII como de grande valor.

3. Da parte dos nao crístáos, varias vozes se levantaram, ao mesmo tempo que a classe trabalhadora se insurgía. Em 1848 Karl Marx e Friedrich

Engels langaram o Manifestó Comunista. Em 1864 foi fundada em Londres a Primeira Internacional Socialista, que apregoava o programa marxista de

luta dos operarios contra o capitalismo. Em 1889 fundou-se em París a Se gunda Internacional Socialista. A agitacao se propagava ardente pelos círcu

los operarios, quando, dois anos mais tarde, foi publicada a encíclica Rerum Novarum.

Vé-se assim o paño de fundo ou a trama de idéias e fatos subjacentes á Rerum Novarum. Esta col he os frutos dos intensos traba Ihos de pensadores católicos que no decorrer do sáculo XIX lutaram pela justica social; a Igreja nao ficou estranha á questao operaría, mas ao contrario acompanhou-a com sucessivas intervencoes até a publicacao da sua primeira encíclica social.

341

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991 Vejamos agora.

? As linhas centráis da encíclica Distinguiremos quatro subtítulos:

2.1. Liberalismo e coletivismo em confronto 1. Leáo XIII toma por tema central da sua encíclica a triste situacao em que se encontram desprotegidos os trabalhadores de sua época:

"O sécalo passado destruiu, sem as substituir por coisa alguma, as corporacoes antigás, que eram para os trabalhadores urna protegió; os princi

pios e o sentímentó religioso desapareceram das teis e das ¡nstítuícoes públi cas e, assim, pouco a pouco, os trabalhadores, ¡solados e sem defesa, tém-se visto, com o decorrer do tempo. entregues é mareé de senhores desuníanos e á cobica de urna concurrencia desenfreada. A usura voraz velo agravar aín da mais o mal. Condenada multas vezes pelo julgamento da Igreja, nao tem

deixado de ser praticada sob outra forma por homens ávidos de ganancia e de insadável ambicao. A tudo isto deve acrescentar-se o monopolio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhao de um pequeño número de-ricos e de opulentos, que ¡mpoem um jugo quase servil á ¡mensa

multidio dos proletarios" fRerum Novarum n? 2).

0 principal fator responsável por tal estado de coisas era o pensamen-

to liberal, que predominava entre os empresarios do sáculo XIX. O libera lismo proclamava o uso ¡rrefreado da liberdade no setor sócio-político-económico; é antidogmático ou contrario a principios filosóficos ou éticos de valor perene.

Já em 1885 Leáo XIII publicara a encíclica Immortale Dei, e em 1888 a encíclica Libertas, ñas quais condenava o liberalismo, por enfatizar o indi vidualismo com grave detrimento para os valores sociais e o bem comum; era o liberalismo dos patroes possuidores de capital, mas desligados de normas éticas, que provocava as míseras condicoes de trabaIho e vida dos operarios.

Em réplica a tais abusos ia tomando vulto no sáculo XIX o coletivismo ou socialismo. Este apregoava a transferencia do capital dos cidadaos parti culares para as maos do Estado; o único grande proprietário seria o Governo, ao quaí os socialistas tributavam sua confianca, julgando que seria um justo administrador dos bens da coletividade.

Ora Leao XIII bem percebeu que tal alternativa era ilusoria. Daía re342

A ENC. "RERUM NOVARUM"

jeicao, na Rerum Novarum, do coletivismo socialista, talvez mais perigoso do que os próprios males que ele pretendía eliminar:

"A perturbado em todas as classes da sodadaJe, urna odiosa e insuportável servidao para todos os cidadaos, porta abertr a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discordias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos e, como conseqüSncia necessária, as riquezas estancadas na sua fonte, enfim, em lugar dessa igualdade tao sonhada, a

igualdade na nudez, na indigencia e na miseria" (n? 12). Com muita lucidez o Papa antevia as funestas conseqüéncias do socia lismo marxista. Quase cem anos mais tarde, a ¡mplosáo dos países comunis

tas havia de confirmar as apreensoes de Leáo XIII. Assim, pois, o Sumo Pontífice tomava posicfo frente aos dois siste

mas que tentavam os homens da época, incluidos os fiéis católicos,1 do século XIX: o liberalismo capitalista, que exaltava a liberdade a ponto de ex plorar os pequeninos indefesos, e o coletivismo socialista, que apregoava a

igualdade de todos os homens, mas em troca da renuncia á liberdade indi

vidual (o Estado seria o grande proprietário e ditador). Estava assim esbocada a via media pela qual se desenvolvería a doutrina social da Igreja: procuraría evitar os extremismos, pregando o respeito á pessoa. humana e a seus justos direitos, de modo, porém, a nao ferir os interesses comuns ou o bem da sociedade como tal. 2.2. Propriedada particular

Condenado o coletivismo socialista, Leáo XIII defende a propriedade

particular, baseando-se na tradicao do género humano em geral bem como em razoes de ordem filosófica:

"O fím ¡mediato visado pelo trabalhador é conquistar um bem que

possuirá por direito particular e propriedade sua. Porque, se pde á disposlcao de outrem as suas forcas e a sua industria, nao ó por outro motivo se-

nao para conseguir prover i sua sustentacSo e ás necessidades da vida, e es pera do seu trabalho nao só o direito ao salario, mas aínda um direito estrito e rigoroso a usar dele como entender.

1 Havia, sim, os católicos liberáis e os católicos sociais. Aqueles achavam que as condicoes de miseria eram conseqüéncias inevitáveis das leis económicas, que os próprios mecanismos de mercado haveriam de corrigir aos poucos. Os católicos sociais, porém, viam a urgencia de profundas reformas que concretizassem as exigencias sociais da fé crista. 343

8

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

Por conseguíate, se. reduzindo as suas despesas, o trabalhador chegou a fazer algumas economías, e se, para assegurar a sua conservacao. as emprega. por exemplo, na rompra de um campo, tomase evidente que esse cam po nao é outra coisa senao o salario transformado, e por isto o terreno assim adquirido seré propriedade do operario com o mesmo titulo que a remuneracao do seu trabalho. Mas quem nao vé que é precisamente nisto que con siste o direito de propriedade mobiliária e ¡mobiliária? Assim a conversao da propriedade particular em propriedade colativa, tao preconizada pelo socia lismo, nao teña outro efeito senao tornar a situacao dos operarios mais pre caria, tirando-lhes a livre disposicao do seu salario e roubando-lhes, por isto mesmo, toda a esperance e toda a possibitidade de engrandecerán) o seu patrimonio e melhorarem a sua situacao" (n? 4). Vejamos agora nesta seqüéncia 2.3. Os deveres do Estado

Surpreendendo rnuitos dos seus contemporáneos, Leao XIII preconizou a intervencáo do Estado nao so em materia económica, mas também no relacionamento entre patroes e operarios, a f im de tutelar os direitos destes. Os homens de bem da época julgavam que bastaría ao Estado exercer sabia política económica ou sagaz administracao da economía nacional; desta re sultaría a solucao da questao social. Com outras palavras: julgavam que o desenvolví mentó social seria urna conseqüéncia gradativa e automática do desenvolvimento económico. Sao palavras de Leáo XIII:

"0 Estado pode melhorar muitfssimo a sorte da classe operaría, e isto em todo o rigor do seu direito. e sem ter a receara censura de ingeren

cia indevida, pois, em virtude mesmo do seu oficio, o Estado deve servir ao intaresse comum. E á evidente que, quanto mais se multiplicaren! as vanta-

gens resultantes desta acio de ordem geral, tanto menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condicao dos traba/hadores.

Os pobres, a mesmo título que os ricos, sao, por direito natural, cidadaos... Como seria desarrazoado atender a urna classe de cídadaos e negligenciar outra, tornase evidente que a autoridade pública deve também to mar as medidas necessárias para salvaguardar os ¡nttresses da classe opera ría. Se e/a faltar a isto, violará a estrita justica, que quer que a cada um seja

dado o que Ihe é devido" (n? 27).

"O trabalho tem urna tal fecundldade e urna tal eficacia que se pode admitir, sem receto de engaño, que efe é a fonte única de onde procede a ri queza das nacoes. A eqüídada manda, pois, que o Estado se preocupe com 344

A ENC. "RERUM NOVARUM"

9

os trabajadores, o proceda de modo que de todos os bens que «les proporcionam á sociedade, Ihes seja dada urna parte razoável, como habitado e

vestuario, o que possam viver á cusía de menos trabalhor ¿ prívales. De onde resulta que o Estado deve favorecer tudo que, de porto ou de longe, pareca de natureza a melhorar a sorte deles. Esta solicitude, longe de pre/udicar alguóm, tornar-se-á, ao contrarío, proficua a todos, porque importa soberanamente á nacao que homens, que sao para ela o principio de bens tao indispensáveis, nao se encontrem continuamente a bracos com os

horrores da miseria" (n° 27). Temos aquí o esboco do que hoje se chama "a Previdencia Social". 2.4. Direito de Associacao

Leao XIII foi ousado ao proclamar o direito dos trabajadores a cons tituir associacoes para a defesa dos seus interesses ou, com outras palavras, os sindicatos livres. No sáculo XIX tal direito era contraditado pelas autori dades e os patroes, que podiam contar com a repressao policial para coibir o exercício de tal direito.

"Os direitos dos operarios devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a todos os cidadaos, prevenindo e vingando a sua violacao. Todavía, na protecao dos direitos particulares, deve preocuparse de maneira especial com os fráeos e indigentes. A cfasse rica faz de suas ri quezas urna especie de baluarte e tem menos necessidade de tutela pública. A classe indigente, ao contrario, sem riquezas que a ponham a coberto das injusticas, conta principalmente com a protecao do Estado. Que o Estado se faca, pois, sob um particularfssimo título, a providencia dos trabalhadores,

que em geral pertencem á classe pobre" (n? 38). 0 Papa sabe que na sua época existem associagoes nao cristas que chegam a tiranizar os seus membros. Daí o apelo a que os operarios cristáos fun-

dassem seus sindicatos próprios: "Em nenhuma época se viu tao grande multiplicidade de associacoes de todo género, principalmente de associacoes operarías... Mas ó opiniao, confirmada por numerosos indicios, que elassao ordi

nariamente governadas por chefes ocultos, e que obedecem a urna palavra de ordem igualmente hostil ao nomo cristao o é seguranca das nacoes: depois do terem acambarcado o trabalho em todas as empresas, se há operarios que se recusam a entrar em seu seio, fazem-lhos expiar a recusa pela miseria.

345

10

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

Neste estado de coisas, os operarios crístSos nao tim remedio senao escolher entre dois partidos: ou darem os seus nomos ás sociedades de que a religiao tem tudo a recear, ou organizarem-se eles mesmos e uniremassuas torcas para poderem sacudir denodadamente um jogo tSo injusto e tSo ¡ntolerável.

Haverá homens verdaderamente empenhados em arrancar o supremo

bem da humanidade a um perigo ¡mínente, que possam ter a menor dúvida

de que é necessário optar por este último alvitre?" (n? 40). 2.5. Salario justo e outros direitos do trabalhador

Outro passo audaz da encíclica Rerum Novarum foi a proclamado da

necessidade de se pagar salario justo ao trabalhador. Salario justo é entendi do pelo Pontífice como aquele que garante ao operario dignas condicoes de vida, adequada subsistencia de sua familia e possibilidade de poupanca para enfrentar os imprevistos da vida:

"O operario que percatar um salario suficiente para ocorrer com desafogo ás suas necessidades e ás da sua familia, se for prudente, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própría natureza: ap/icar-se-á a ser pardmonioso e agirá de forma que, com sabias economías, vá juntando um pequeño peculio,

que Ihe permita chegar um dia a adquirir um modesto patrimonio" (n? 34).

O repouso dominical é outra justa reivindicacao enfatizada pela en cíclica:

"Daqui vem como conseqOSncia a necessidade do repouso dominical. Isto, porém, nao quer dizer que se deva estar em ocio por mais largo espaco

de tempo, e muito menos significa urna total inercia, como muitos desejam, e que é fonte de vicios e ocasiao de dissipacio; mas um repouso consagrado á religiao.

Unido á religiao, o repouso tira o homem dos trabalhos e das ocupagoes da vida ordinaria para o rechamar ao pensamento dos bens celestes e

ao culto devido á Majestade de Deus" (n? 32). A delimitacao das horas de trabalho de tal modo que o operario nao seja acabrunhado por sobrecarga excessiva, eis outro ponto recomendado pelo Pontífice:

"Nao é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espirito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem é limitada como a sua natureza. O exercfdo e o 346

A ENC. "RERUM NOVARUM"

11

uso a aperfeicoam, mas é preciso que. de quando em quando. se suspenda para dar lugar ao repouso.

Por conseguirte, nao deve o trabalho prolongarse por mais tempo do que as farpas permitem. Determinar a quantídade do repouso depende da qualidade do trabalho. das circunstancias do tempo e do lugar, da complotcao e saúde dos operarios. O trabalho, por exemplo.de extrair pedra, ferro,

chumbo e outros materíais escondidos debaixo da tena, sendo mais pesado e nocivo i saúde, deve ser compensado com urna duracSb mais curta. Deve-se atender tambóm ás estacóos, porque nao poucas vezes um tra balho que fácilmente se suportaría numa estacao, noutra ó de fato insupor-

tável ousomentese vence com dif¡cuidado" (rfí 32). Leve-se em considerado a condicao das mulheres e das enancas que, por sua índole natural, nao podem ser submetidasa tarefas violentas:

"O que pode fazer um homem válido e na forca da ¡dade, nao será

equitativo exigi-lo de urna mulher ou de urna crianpa. Especia/mente a infan cia. .. nao deve entrar na oficina senao depois que a idade tenha desenvolvi

do neta as torcas físicas, intelectuais e moráis; do contrarío, como urna plan ta aínda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado, precoce e será prejudicada a sua educacao.

Também há trabalhos que nao se adaptam tanto á mulher, á qual a natureza destina de preferencia os afazores domésticos, que, por outro lado, salvaguardan! admiravelmente a honestidade do sexo, e corresponderá me-

Ihor, pela sua natureza, ao que pede a boa educacao dos filhos e a prosperí-

dade da familia. Em geral, a duracao do descanso deve-se medir pelo dispen

dio das foreas que ele deve restituir" (n? 33). É de notar ainda que Lelo XIII, embora proponha solucóes de ordem social e humanitaria, nao esquece que a raíz de qualquer reforma social éa renovacáb dos costumes de todos os cidadaos (ricos e pobres):

"0 que torna urna nacao próspera, sao os costumes puros, as familias fundadas sobre bases de ordem e de moralidade, a prática da refigiao e o respeíto da justica, urna imposicao moderada e urna reparticao equitativa dos encargos públicos, o progresso da industria e do comercio, urna agricultura florescente e outros elementos, se os há. do mesmo género: coisas estas que nao so podem aperfeicoar sem fazer subir outro tanto a vida e a felicidade

dos cidadaos" (n? 26). Todas estas propostas e normas sociais de Leao XIII eram ¡novadoras 347

12

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

na sua época e continuam a ter hoje sua plena atualidade. Outrora os nomens pensavam em sujeitar a economía apenas á mecánida das leis do mer

cado; nao Ihes era fácil conceber urna economía sujeita ás normas da Ética ou urna economía regida por valores moráis. Cem anos maís tarde ou em

nossos días, pode haver mais respeito pelos valores éticos na área da econo mía (as leis trabalhistas o impóem em certo grau), mas aínda falta muito para que se alcance o ni'vel ético indíspensável na vida económica e na vida pública de nossas sociedades.

Por causa de suas teses, a Rerum Novarum foi na sua época conside rada revolucionaría. Tornou-se, porém. a Magna Carta do operar¡ado vítima da exploracao do capítalisto selvagem.1 A legislacao trabalhísta hoje existente em quase todos os países do mundo muíto deve á intuicao, sus citada e alimentada por Leao XIII, dos valores humanos e cristaos dos trabalhadores.

3. ConclusSo

A guisa de conclusao, sejam citadas palavras do Papa Joao Paulo II

destinadas- a ser I idas ñas reuniSes comemorativas do centenario da Rerum Novarum:

"A encíclica Rerum Novarum deve ser re/ida com os olhos de hoje para se descobrir a sua permanente e viva atualidade. Ela nos ansina também a renovar nossa intuicao, a considerar todas as coisas novas que surgem, nSo raro na escuridao a na desorden), para que Ihes damos sentido a harmonta.

Do ponto de vista humano, os desafios da nossa sociadade sao tao vultosos a complexos que seríamos levados a desanimar a desesperancar-nos do homem. Mas Deus está conosco, Deus tica sendo o Senhor da historia. O Evangelho 4 sempre novo: ele coloca am nossas mSos samantes que nio cessam de fecundara térra para torna-/a mais habitável...

Das grandes mudancas que tumultuam a nossa época, guardemos urna liceo: Deus 4 a verdadeira medida do homem; só Deus revela plena mente o homem ao homem. Frente é crisa das ideologías e das estrategias, nio recaéis colocar nosso conhecimento do homem ao sen/ico de sua vida social, cultural, política a económica. Que a verdade a a dignidade do no-

1 Ao lado do capitalismo selvagem existe o capitalismo moderado por

leis trabalhistas, que tornam aceitável tal forma de capitalismo. 348

A ENC. "RERUM NOVARUM"

13

mem se/'am semprg salvaguardadas nos novos caminhos da historia palos

quais ele envereda1. Para responder ás exigencias concretas do Evangelho, nao vos bastará urna comemoracao, em data precisa, da Rerum Novarum, nem vos bastará

todo este ano que dedique! ao estudo do pensamento social da Igrej'a. Estai convictos de que se trata de um canteiro semprg aborto, de um canteiro a

que todos sao chamados para que toda a humanidade. na precariedade de sua condícao, responda sempre melhor á sua divina vocacao" (extra/do de L'OSSERVATORE ROMANO, ed. francesa, 05/03/91, p.2). • **

Por que crer? A Fé e a Revelacao, por Luiz José de Mosquita. Introducao do Cardeal Moreira Nevos O.P. - Ed. Ave María, Rúa Martim Francisco, 656,01226 Sao Paulo (SP). 1991, 140 x 210 mm, 493 pp.

Obra valiosa, que aborda o toma fundamental da fé em termos seguros o de maneira exaustiva. A Parte I versa sobre a Fé, a II sobre a Revelacao, a III aprésente textos documentáis sobre a fé, tirados do Novo Testamento, dos Concilios, dos escritos dos Papas e mestres famosos. O autor utiliza sóli do instrumental filosófico, comecando por expora Filosofía da Fé, aoque se segué a Teología da Fé. Recorre tambóm com freqüéncia e sabedoría á historia o á Tradicao da Igre/'a. A obra merece ser amplamente divulgada mesmo entre pessoas que dizem nao ter fé, pois o autor possui sólido cabedai filosófico, que /he permite talar racionalmente também aqueles que nao acreditara, mas nao se furtam ao raciocinio. Para quem já tem fé, o estudo do Prof. Mosquita contribuí pa ra a purificacio o o fortalecimento dessa fé, visto que ho/'e om día nao raro

se confundem fé e crendice, fé e vago sentimento religioso. Ás pp. 231-237 o autor oferece urna bibliografía variegada sobre o assunto, abrindo pistas para ulteriores pesquisas. Destacam-se as palavras com que o Cardeal Moreira Naves aprésente 0 livroáp. IV:

"Nao á cortamente, um livro fácil, leitura amena para horas de descon-

tracáo, este novo livro de Luiz José de Mosquita. É um exercfcio de reflexáo

e pesquisa, trabalho arduo de demolicao (de falsos edificios doutrinais) e de construcáo (de um verdadeiro arcabouco feito com o melhor material disponível), obra de análise paciente e, depois, de sfntese luminosa e wclarecedora. Nao creio que falte, na construcáo original dos capítulos, nenhuma ques-

tao essencial, serena ou polémica que seja, no campo da fé e da revelacao". Parabons ao autor, que pode ter consciSncia de haver enriquecido a bibliografía teológica brasileiral

E.B.

349

Fato histórico? Mito?

A Ressurreigáo de Jesús

Em sin tese: A ressurreicao corporal de Jesús era professada tranqui lamente pela Igreja nascente, sem que os judeus ou outros adversarios a pudessem apontar como termo de fraude ou de alucinacao. De resto, o sepul cro vado de Jesús era um testemunho que corroborava a noticia. Nunca esta tena passado adiante se o sepulcro de Jesús nao estívesse vaz'to. De resto, os Apostólos só podiam apregoar a ressurreicao de Jesús vencidos pela eviden cia dos fatos, pois nao estavam predispostos a supó-la ou admití-la; antes,

haviam perdido todo ánimo quando viram o Mestre preso e condenado; a noció mesma de um Mossias crucificado só podía parecer escandalosa e blasfema. Quem nega a ressurreicao corporal de Jesús, deve lógicamente admi tir que vinte sáculos de Cristianismo (sempre apregoado com a mensagem da ressurreicao) estáo baseados sobre mentira ou doenca mental. Ora esta

hipótese é mais exigente ou supSe um maior milagro do que a tese mesma da

ressurreicao de Jesús devida á Onipoténcia Divina, é mais razoável crer na ressurreicao de Jesús do que explicar a pujanca do Cristianismo por um sonho de gente desonesta ou alucinada. As implicacoes teológicas da ressurreicao de Jesús sao principalmente as tres seguintes: i) corroborar g autenticar a pregacao de Jesús, pois só Deus pode ressuscltar um morto; se ressuscitou Jesús, quis assim por sua cháncela sobre a missao de Cristo; 2) é penhor da nossa própria ressurreicao,

pois há continuidade entre a sorte de Cristo e a nossa própria sorte; 3) foi condicao para que o Espirito Santo fosse enviado eos homens como rema tador da obra de Cristo; é o Espirito Santo quem congrega todos os povos no Corpo de Cristo que é a Igreja, a fim de que recebam de Cristo Sacerdote as gracas necessárias para chegarem é vida eterna. * • *

A ressurreicao de Jesús constituí artigo fundamental da fé crista, a ponto que Sao Paulo pode dizer: "Se Cristo nao ressuscitou, vazia é a nossa 350

A RESSURREigÁO DE JESÚS

15

pregacáo; vazia também é a vossa fé... Se Cristo nao ressuscitou. vazia é a vossa fé; aínda estáis nos vossos pecados" (ICor 15, 14.17). Na verdade. talvez queira alguém pensar que a mensagem do Cristianismo é tao rica e bela que ela pode dispensar a proposicáo da ress'irreicá*o de Jesús; esta nao faria falta... Verifica-se, porém, que nos escritos do Novo Testamento e nos da ¡mediata Tradicáo crista é tal a énfase na ressurreicao de Jesús que ela deve ocupar lugar primordial e indispensável no conjunto das verdades

da fé. - Em conseqüéncia, procuraremos, ñas páginas seguintes, examinar as credenciais ou a credibilidade dessa proposicáo; após.o que examinare

mos o seu sentido teológico.1

1. A ressurreicao de Jesús: credibilidade A credibilidade da ressurreicao de Jesús baseia-se sobre duas princi páis pilastras: 1) o testemunho dos Apostólos e da Igreja nascente; 2) o se pulcro vazio.

1.1. O testemunho dos Apostólos 1.1.1. Observacoes preliminares

1) Antes de percorrer os depoimentos dos Apostólos, deve-se notar que eles nao tinham disposipóes psicológicas para "inventar" a noticia da

1 Este artigo e o subseqüente (relativo á Cruz de Jesús) tém em vista, entre

outras coisas, responder a urna noticia /angada pe/o JORNAL DO BRASIL,

ed. de 27/04/91, 1? Caderno, p. 9, segundo a qual Jesús nio ressuscitou: "LONDRES — Jesús Cristo nio teña morrido na cruz esua ressurrei

cao foi apenas urna reanimacao. A tese, destinada a gerar polémicas, fot de fendida pelo dentista inglés Trevor Lloyd Davies, de 82 anos, e sua múlher,

a teóloga Margaret. Segundo eles, autores de um estudo publicado na revista

do Colegio Real de Medicina de Londres, Cristo entrou num estado de hipotensao na cruz e perdeu os sentidos.

De acordó com essa teoría, ao ser retirado da cruz, a circulacao san

guínea se restabeleceu e entao Cristo deu sinais de vida. Isso explica o fato de Ele nao ter sido enterrado e, sim, simplesmente colocado no sepulcro, dizem os pesquisadores. Eles, para reforear essa tese, lembram que os Evangelhos dizem que Cristo agonizou seis horas, quando, em verdade, os cruci ficados sofriam urna lenta agonía, que podía durar de tris a quatro dias.

Os pesquisadores admitem que os testemunhos dos apostólos sobre a ressurreicao poderiam dever-se a um tipo de auto-sugestao. 0 casal pediu á Igreja que nao leve a mal sua teoría, pois poderá se tornar aínda mais forte se incluir em seu credo algumas verdades científicas". 351

16

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

ressurreicáo de Jesús ou para "sonhar alucinadamente" com tal evento. Aínda impregnados das concepcoes de um messianismo nacionalista e políti co, capitularan-i quando vi ramo Mestre preso e aparentemente fracassado; fu-

giram para náfo ser p .sos eles mesmos (cf. Mt 26. 31 s); Pedro renegou o Senhor (cf. Mt 26, 33-35). O caso de Tomé é o mais significativo: resístiu ao testemunho dos demais Apostólos e pediu provas palpáveis da ressurreicao (cf. Jo 20, 24-29). Somente após a evidencia do fato, rendeu-se á verdade.

2) O conceito de um Oeus morto e ressuscitado na carne humana era totalmente alheio á mentalidade dos judeus. Estes tendiam a distanciar cada vez mais dos homens o Senhor Deus; nem sequer pronunciavam o nome

Javé por receio de o profanarem (circunscreviam-no mediante as locucoes o Eterno, o Céu, a Gloria, o Nome, Ele...; cf. 1Mc 3,18.50.60; 4,10.24...). Por conseguinte, nao emergiria espontáneamente do espirito dos Apostólos

a ñoclo de um Deus feito homem, morto na Cruz e ressuscitado: tal idéia era escandalosa para Israel (como era loucura para os gregos), conforme nota

Sao Paulo em 1Cor 1,23. Só após seria relutáncia os Apostólos reconheceram o fato da ressurreicáo de Jesús; cf. Mt 28, 17; Me 16, 11.13$; Le 24, 11.25.37-41.45.

3) É de notar outrossim que a pregacao dos Apostólos era severamente controlada pelos judeus, de tal modo que qualquer mentira seria ¡mediata mente denunciada; os membros do Sinedrio eram ciosos de encontrar algum título de acusacao contra os Apostólos, mas nao o encontraram, a ponto que Gamaliel recomendou aos correligionarios: "Deixai de ocupar-vos com estes homens. Soltai-os, pois, se o seu intento ou a sua obra provém dos ho mens, destruir-se-á por si mesma; se vem de Deus, porém, nao podereis destrui-los. E nao aconteca que vos encontréis movendo guerra a Deus" (At 5,

38s). Por conseguinte, se a ressurreicao de Jesús, apregoada pelos Apostólos nao correspondesse a um fato real ou se pudesse ser apontada como mentira fraudulenta, os judeus nao teriam perdido a ocasiáo de o fazer. Se nao o f¡zeram, isto se deve á impossibilidade de demonstrar a falsidade de tal no ticia.

1.1.2. 0$ textos do Novo Testamento 1) Um dos textos mais expressivos é o de TCor 15,1-8:

"l Fago-vas conhecer, irmSos, o Evangelho que vos pregue/', o mesmo que vos recebgstes e no qual permanecéis firmas.

2 Por ele também seréis salvos, se o conservantes tal como vó-lo pro-

guei... a menos que nao tenha fundamento a vossa fé. 352

A RESSURREICÁO DE JESÚS

17

3 Transmití-vos, antes de tudo, aquito que eu mesmo recebi, a saber.

Que Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras,

4equo1o\ sepultado e que ressuscitou ao terceiro día conforme as Escrituras

5 e que apareceu a Cefas, depois aos doze.

6Posteriormente apareceu de urna vez a mais de quinhentós irmios,

dos quais a maior parte vive até hoje, alguns, porém, ¡á morreram.

1Depois apareceu a Tiago e, em seguida, a todos os Apostólos.

8 Por fim, depois de todos, apareceu também a mim, como a um

abortivo".

Estes dizeres sao de época muito antiga ou do sexto decenio do sácu lo I (56/57); pouco mais de vinte anos apenas os separam da Ascensáo de

Jesús. Referem-se á prega cao que Sao Paulo realizou em Corínto entre os anos de 50 e 52; nessa época, o Apostólo entregou aos fiéis os ensinamentos que Ihe haviam sido anteriormente entregues. - Alias, também em ICor 11,

23 afirma o Apostólo ter transmitido aos corintios o que Ihefora transmiti do, a saber: a mensagem referente á Ceia do Senhor.

E quando recebeu Paulo tais ensinamentos?

Ou por ocasiao da sua conversao, que se deu aproximadamente no ano de 35, ou no ensejo de sua visita a Jerusalém, que teve lugar em 38, ou, ao mais tardar, por volta do ano de 40.

Observe-se agora o estilo do texto de 1 Cor 15.3-8: as frases sao curtas, incisivas, dispostas segundo um paralelismo que Ihes comunica um ritmo no*

tável. Abstracao feita dos vv. 6 e 8, dir-se-ia que se trata de fórmulas es

tereotípicas, forjadas pelo ensinamento oral e destinadas a ser freqüentemente repetidas. Nesses versículos encontram-se varias expressoes que nao ocorrem em outras cartas de Sao Paulo: assim "conforme as Escrituras", "no terceiro día", "aos doze", "apareceu, óphthe" (expressao que so ocorre sob a pena de Sao Paulo num hiño citado pelo Apostólo em ITm 3,16). Em particular, o verbo óphthe ocorre quatro vezes nos vv. 5-8. Signifi

ca "apareceu, deu-se a ver, mostrou-se". é o vocábulo técnico para designar as aparicoes de Jesús ressuscitado; cf. Le 24, 34; At 9,17; 13,31; 26,1. Tal

verbo afasta a hipótese de que os Apostólos tenham tido alucinacóes mera

mente subjetivas ou imaginosas; "deu-se a ver" supSe a rea I ida de corpórea 353

18

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

de Jesús, que os Apostólos puderam apalpar; cf. Le 24. 37-41. Tem seu si nónimo em At 10. 40s: "Deus O ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-lhe que se tornasse manifestó... a nos. que comemos e bebemos com Ele após a sua ressurreicao".

Estas indicacoes evidenciam que Sao Paulo em ICor 15, 3-8 reproduz urna fórmula de fé que ele mesmo recebeu já definitivamente redigida poueos anos (dois, cinco, oito anos?) após a Ascensáo do Senhor Jesús. 0 v.6.

quebrando o ritmo do conjunto, talveztenha sido introduzido posterior mente; quanto ao v.8. é por certo urna noticia pessoal que Sao Paulo acrescenta ao bloco.

Vé-se, pois, que desde os primeiros anos da pregaclo do Evangelho já existia entre os fiéis urna profissáo de fé na ressurreicáo de Cristo formulada em frases breves e pregnantes; tais frases eram transmitidas como expressSes exatas da mensagem dos Apostólos.

Ora essa fórmula de fé antiqüíssima professa a ressurreicáo corpórea de Cristo como realidade histórica. Para a comprovar, havia testemunhas oculares, das quais. diz Sao Paulo, muitas aínda viviam vinte e poucos anos após a ressurreicáo do Senhor.

Tal depoimentó de primeira hora, concebido e transmitido pelos dis cípulos ¡mediatos do Senhor, já seria argumento suficiente para remover qualquer teoría tendente a desvirtuar a fé na ressurreicáo corporal de Cristo. Esta fé nao surgiu tardíamente na historia das primeiras comunidades cristas, mas é o eco direto da missao de Cristo acompanhada dia a dia pelos Apos tólos.

2) A Ia carta de Sao Paulo aos Corintios quer incutir aos fiéis a nocao de

ressurreicáo de todos os mortos. Esta perspectiva horrorizava os gregos, pois

Ihes parecía equivaler á volta ao cárcere ou ao sepulcro do corpo. Na sua argumentacáo o Apostólo parte do fato da ressurreicáo de Cristo, verdade tranquilamente aceita por todos; o que eles punham em dúvida, era sua propria ressurreicáo:

"Se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentro vos dizer que nao há ressurreicao dos mortos? Se nao há ressurreicao dos mortos, também Cristo nao ressuscitou. E, se Cristo nao ressuscitou, vaziaéanossa pregacSo. vazia também 6a vossa fé" (ICor 15, 12-14). Vé-se, pois. que a Igreja antiga estava convicta da ressurreicáo de Cris to. Nem todos, porém, queriam aceitar semelhante sorte para si, por moti vos filosóficos. 354

A RESSURREIgAO DE JESÚS

19

3) Vem ao caso aínda o texto de Le 24, 36-43:

"Jesús se apresentou no meio dos Apostólos e disse: 'A paz esteja con-

vosco'.' Tomados de espanto e temor, imaginavam ver uní espirito. Mas ele

disse: 'Por que estáis perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos coracoes? Vede minhas maos e meus pos: sou eu'. Apaipai-me e entendei que um espirito nao tem carne nem ossos, como estáis vendo que eu tenho'. Dizen-

do isto, mostrou-ihes as maos e os pés. E, como, por causa da alegría, nao podiam acreditar aínda e permaneciam surpresos, disse-lhes: 'Tendes o que co mer?' Apresentaram-lhe um pedaco de peixe assado. Tomou-o entao e comeu-o diante deles".

Aos Apostólos amedrantados, que julgavam ver um fantasma. Jesús pede que o apalpem e verifiquem que tem carne e ossos: "Vede minhas maos e meus pés, vede que sou eu mesmo" (Le 24. 39). Além disto, comeu

na presenca deles para Inés incutir o realismo de sua corporeidade ressuscitada (vv. 42s).

4) Também é importante o texto de Jo 20, 19s: na noite de Páscoa. Jesús aparece aos discípulos e dá-lhes a tocar suas maos e seu lado, certamente porque ai estavam as chagas que o identificavam como o Senhor

morto e ressuscitado. A Sao Tomé, incrédulo, disse Jesús com mais énfase ainda: "Poe teu dedo aqui, e vé minhas maos. Estende tua mao e póe-na no meu lado, e nao sejas incrédulo, mas eré". Respondeulhe Tomé: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20. 27$). - A pouca fé do Apostólo foi assim ven cida pela evidencia dos fatos.

Examinemos agora os testemunhos relativos a 1.2. O sepulcro vazio

O primeiro acontecimento da manha do domingo de Páscoa foi a descoberta do sepulcro vazio; cf. Me 16, 1-8.

Os chefes dos judeus tomaram consciéncia do significado deste fato, e resolveram dissipá-la:

"Deram aos soldados urna vultosa quantia de dinheiro, recomendando: 'Dizei que os seus discípulos vieram de noite, enquanto dormíeis, e roubaram o cadáver de Jesús. Se isto chegar aos ouvidos do Govemador, nos o convenceremos, e vos deixaremos sem compllcacao'. Eles tomaram o dinhei ro e agiram de acordó com as instruedes recebidas. E espalhou-se esta histo ria entre os judeus até o dia de hoja" (Mt 28, 12-15).

Ao comentar este episodio, S. Agostinho salienta a sua índole ridi'cu355

20

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

la: os guardas nao podiam ser testemunhas de algo ocorrido durante o sonó

dos mesmos. Quem dormiu, nao foram os guardas, mas foram os chefes dos judeus, que deram tais ordens aos guardas! O sepulcro vazio, na verdade, era condicao indispensável para que os Apostólos pudessem anunciar a ressurreiclo de Jesús pouco tempo depois da sua morte (cf. At 2, 24-32). A pregacao da ressurreicao de Jesús, por parte dos Apostólos, teña sido totalmente desacreditada se em Jerusalém se pudesse mostrar um sepulcro a conter o cadáver de Jesús em decompo-

sicao. Os arautos da ressurreicao teriam sido escarnecidos se o sepulcro vazio de Jesús nao falasse em favor deles. O sepulcro vazio significa que o cadáver de Jesús foi assumido pela alma humana de Jesús, de modo a reconstituir a sua natureza íntegra, á qual estava unida a Divindade da segunda Pessoa da SS. Trindade. A esta altura quatro dúvidas merecem consideradlo. 1.3. Quatro questoas

1.3.1. O Docetismo

Já no século primeiro do Cristianismo alguns pensadores, repudiando a materia como algo de mau em si, afirmavam que Jesús nao ressuscitara corporalmente. Tais eram os Docetas e os Gnósticos; o dualismo "materia x es pirito" nao Ihes permitía admitir que a Divindade tivesse glorificado a mate ria, ressuscitando-a após a morte; por conseguir»te, diziam que Jesús ressuscitado tinha apenas urna aparéncia, mas nao a realidade, de um corpo mate rial; o cadáver de Jesús, no caso, teria sofrido a decomposicao do sepulcro. A esta objecüo respondemos:

1) Seja recordada a énfase com que os evangelistas incutem a presenca das chagas e das notas típicas do corpo de Jesús após a ressurreicao;

2) O corpo nao é um acídente estranho ao ser humano; muito menos é cárcere ou sepulcro da alma; esta nao é um anjo punido na carne, mas foi

criada para se aperfeicoar na carne humana. Isto quer dizer que o corpo é corresponsável pela sorte (mísera ou gloriosa) da pessoa; com seus afetos e paixoes ele integra a personalidade. Por isto também é conveniente que ele participe do estado postumo, re-unido á alma humana pela ressurreipao. Foi por isto que o Filho de Deus quis assumir a natureza corpórea do homem; viveu as sucessivas etapas da vida humana — o nascer, o crescer, o tra-

balhar, o lutar, o sofrer e o morrer — e ressuscitou, restaurando a carne hu356

A RESSURREICAO DE JESÚS

21

mana, que servirá de instrumento ao pecado. Em conseqüéncia, todo homem sabe que é chamado á consumacao da vida em sua condicao psicossomática. Para afirmar estas verdades frente aos Gnósticos do século III, o

escritor cristao Tertuliano (t220 aproximadamenve) ?screvia: "Caro cardo salutis. - A carne é o gonzo da salvacSo", isto é, mediante a carne de Cristo morta e ressuscitada veio a salvacao ao mundo.

1.3.2. A desmitizacao contemporánea

A escola de Rudolf Bultmann julga que todo episodio transcendental

só pode ser ficcao ou mito. Por isto nega a ressurreicao corpórea de Jesús.

Afirma, sim, que o que ressuscitou foi a Palavra de Deus; esta foi ameacada de sufocacao pelos judeus perseguidores, mas superou as adversidades e propagou-se vi temosamente pelas regióes do Imperio Romano. A mensagem de Jesús assim ressuscitou, e nao o mensageiro.

Respondemos: a teoria da desmitizacao ressente-se de um preconceito racionalista, tao dogmático quanto o Credo que ela combate: de antemao nega qualquer possibilidade de milagre; por conseguinte, tem que procurar urna expl¡cacao natural para o anuncio da ressurreicao de Jesús, sem levar em conta os textos do Novo Testamento, que sao assim violentados. Ora as proposites gratuitamente preconcebidas nao fazem parte do ámbito da

ciencia. Esta é objetiva; examina os dados de cada questao, sem predefinir

a respectiva solucao.

Ademáis seja aqui recordado tudo quanto anteriormente foi dito em

resposta á objecáo doceta-gnóstica.

Ainda é de se ponderar o seguinte: se a ressurreicao de Cristo nao fosse real, o Cristianismo estaria baseado sobre enorme mentira ou alucinacao,

pois os pregadores do Evangelho nunca anunciaram a Boa-Nova sem incluir

necessaríamente a noti'cia da ressurreicao corporal do Senhor. Algo de falso

ou de mórbido seria o pedestal de vinte sáculos de Cristianismo. Ora tal hipótese supoe um portento ou um milagre de primeira grandeza; as menti ras ou falsidades nao resistem ao tempo e, cedo ou tarde, sao desvendadas (tal foi o caso da lenda dos LXX, da "DoacSo de Constantino", das "Decre táis do Pseudo-lsidoro", das obras do Pseudo-Diom'sio Areopagita. . .). Ora até hoje nao se pode derrubar a crenca na ressurreicao de Cristo como se fosse leridana ou mítica. As teorías que tencionam fazé-lo (alegando fraude dos Apostólos ou sepultamento de Cristo ainda vivo) se comprovam como ridiculas e destituidas de peso científico.

é, por conseguinte, mais razoável crer no milagre da ressurreicao de

Cristo por obra da Onipoténcia Divina do que crer que, segundo o "milagre" 357

22

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

do racionalismo moderno, a mentira e a doenca mental tenham dado o fruto de vinte sáculos de Cristianismo,... sáculos que foram certamente benemé ritos nao so para a religiao, mas também para a cultura e o progresso da humanidade. 0 ediffci' do Cristianismo lógicamente requer um pedestal mais sólido do que a desonestidade e a debüidade mental. 1.3.3. A ressurreicao: fato histórico?

Há quem negué em nossos dias a historicidade - nao, porém, a realidade - da ressurreicao de Jesús. Como efeito; dizem que nao pode ser tido co mo histórico o acontecimento que nao caia sob o controle do método da pesquisa histórica, ou seja, o acontecimento que tenha aspectos transcen dental. Ora Cristo ressuscitado já nao morre; nao retornou á vida mortal (como Lázaro, a filha de Jaira e o filho da viúva de Nai'm voltaram; cf. Jo 11, 1-44; Me 5, 21-43; Le 7, 11-17); nao mais esteve sujeito á doenca e á morte; adquiriu um corpo glorioso, pertencente a outra ordem de coisas. Além disto, dizem, a ressurreicao de Jesús nao foi observada por nenhuma testemunha; quando as mulheres chegaram ao sepulcro, já o encontraram vazio.

Em resposta, notamos que a questáo se reduz ao uso do vocábulo "histórico", sem que os objetantes tencionem negar a realidade da ressur

reicao de Jesús. É, portanto, relativamente secundaria. Todavia gera equí

vocos, pois pode parecer negar a própria ressurreicao do Senhor. Por isto nao é recomendável dizer que esta nao foi um fato histórico. O teólogo protestante W. Pannenberg muito sabiamente propde outra nocao de "his tórico": é histórico todo evento que possa caber em coordenadas de espaco e tempo, ou seja, todo evento que tenha acontecido em determinado momento e em determinado lugar; ora a ressurreicao de Jesús pode ser

datada (9 de abril do ano 30, com muita probabilidade), como também po de ser situada na Palestina, em Jerusalém, ficando o sepulcro vazio como indicacao topográfica. — Daí poder-se dizer que a ressurreicao de Jesús nao foi somente um fato real, mas também foi um fato histórico, segundo Pan

nenberg e teólogos de autoridade. 1.3.4. "Jesús nao chegou a morrer na Cruz, mas apenas perdeu os sentidos"

Este assunto já foi abordado em PR 321/1989, pp. 85-89. A hipótese aventada nao só é totalmente gratuita, mas ainda é francamente contraditada

pelo golpe de lanca que foi infligido a Jesús e que bastaria para matá-lo, pois atingiu o coracao. - Tal hipótese, portanto, gratuita como é, carece de valor científico.

358

A RESSURREICÁO DE JESÚS

23

2. O sentido teológico da ressurreicfo Distinguiremos tres aspectos teológicos da ressurreicao de Cristo. 2.1. Sinete de autenticado

Jesús, como homem, morreu após haver pregado o Evangelho, que de-

sagradou aos judeus. O Pai o quis ressuscitar testemunhando, por este sinal de su a onipoténcia, a autenticidade da pregacáo de Jesús. Nao sem razáo as fórmulas de fé mais antigás apresentam o Pai como autor da ressurreicSo de Jesús: "Deus ressuscitou esse Jesús, e disto nos todos somos testemunhas"

(At 2, 32), disse Sao Pedro no dia de Pentecostés.1 A propósito escreve Joáo

Paulo II na encíclica Dives in Misericordia: "A cruz nao é a última palavra do Deus da alianca: essa palavra será pronunciada na alvorada quando as

mulheres, em primeiro lugar, e os discípulos, depois, indo ao sepulcro do Crucificado, verao o túmulo vazio e proclamarlo pela primeira vez: 'Res

suscitou!' " (n? 7).

Com efeito; nenhum homem pode ressuscitar um mono. Por conseguinte, se Jesús, como homem, ressuscitou, isto é obra de Deus, que assim quis dar um sinal comprovante da messianidade do Ressuscitado. Ressuscitando Jesús, o Pai houve por bem fazé-lo Kyrios ou Senhor de todos os homens e da sua historia, como atestam alguns textos bíblicos: At 2, 36: Diz Sao Pedro no dia de Pentecostés: "Saiba com certeza toda a Casa de Israel: Deus o constituiu Senhor (Kyrios; e Cristo, este Jesús a quem vos crucificastes". Rm 14, 9: "Cristo morreu e reviveu para ser o Senhor dos morios e dos vivos". Fl 2, 9-11: "Deus sobreexaltou Jesús grandemente e O agraciou com o Nomg que está ácima de todo nomo, para que, ao nomo de Jesús, se dobre todo joelho... e. para a gloria de Deus Pai, toda Kngua confesse: Jesús 6

o Senhor". Rm 10, 9: "Se confessares com tua boca que Jesús é Senhor e erares em teu coracao que Deus o ressuscitou dentro os monos, serás salvo".

1 Nao há dúvida de que Jesús, como Deus, também ressuscitou a sua humanidada, eomungando com o Pai e o Espirito Santo numa só atividade. 359

24

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991 Note-se que Kyrios era, na linguagem oficial dos romanos, o designa-

tivo do Imperador. Cf. At 25. 26: diz Festo, procurador romano: "Nada tenho de concreto sobre Paulo, para escrever ao Kfríos (= Imperador}".

Á luz destas observacoes, entende-se que o Apocalipse aprésente Jesús como o Senhor dos tempos: é o Cordeiro que em suas maos traz o livro da historia; este vai-se abrindo aos poucos e os acontecimentos vao-se desenro lando na térra; nada, porém, do que acontece neste mundo, está fora do ám bito desse livro ou escapa ao senhorio de Jesús Cristo; cf. Ap 5, 1-14. Alias, o próprio Jesús declara em Ap 1, 17s:

"Eu sou o Primeiro e o Último, o Vívente; estiva morto, mas eis que estou vivo pelos sáculos dos sáculos, e tenho as chaves da Morte e da ragiao dos monos".

2.2. Processo que se prolonga em todos os homens Segundo os escritos do Novo Testamento, a ressurreicao de Jesús nao é um fato fechado em si, mas é o im'cio de um processo que se estende a to dos os homens. Com efeito; Sao Paulo chama Cristo ressuscitado "o Primo génito dentre os mortos" (Cl 1.18). A Ele, ressuscitado em primeiro lugar, seguir-se-á a ressurreicao dos irmáos: "Cada qual na sua ordem: Cristo, as primicias; depois, os que sao de Cristo, por ocasiao da sua segunda vinda; a seguir, haverá o fim" (ICor 15, 23s).

Desde toda a eternidade, o Pai houve por bem fazer-nos conformes á imagem do seu Filho ressuscitado, como escreve Sao Paulo em Rm 8,29$:

"Os que Ble conheceu de antemao, tambóm os predestinou a ser con formes á imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogénito entre muitos irmaos. E os que predestinou. tambóm os chamou, e os que chamou, também os justificou, e, os que justificou, também os glorificou". O significado deste texto se percebe bem se se dá átencao ás fórmu

las paralelas: "Primogénito entre muitos irmaos" (Rm 8, 29) e "Primogéni to dentre os mortos" (Cl 1, 18). O ser primogénito, modelo dos irmaos, im plica "ser o primeiro a ressuscitar dentre os mortos". Os mortos ressuscitarao a semelhanca da ressurreicao de Cristo.

O mesmo Sao Paulo se compraz em desenvolver esta doutrina, afir mando que na ressurreicSo de Cristo teve infcio a nossa própria ressurreicao. Eis a ousada sentenca do Apostólo, que mais adianto merecerá explicacao mais detida:

360

A RESSURREICÁO DE JESÚS

25

"Quando estávamos monos em nossos delitos, (Dsus Pai) vivificou-nos juntamente com Cristo - pela graca fostes salvosl - e com Ele nos ressuscitou $ nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesús" (Ef 2, 5s).

0 mesmo ocorre em Cl 3, 1-4:

"Se ressuscitastes com Cristo, procura/' as coisas do alto, onde Cristo está sentado á direita de Deus. Pensai ñas coisas do alto, e nao ñas da térra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, Que é a vossa vida, se manifestar, entao vos também com Ele seréis manifestados em gloria".

Pergunta-se: em que sentido já fomos ressuscitados e glorificados com

Cristo, se ainda somos pecadores e mortais? A resposta é dupla:

1} Cristo, como homem, tendo sido ressuscitado e glorificado, mere-

ceu para todo o género humano o direito a semelhante sorte. Urna porcao da natureza humana acha-se glorificada em penhor de que a natureza humana inteira venha a ser também glorificada. Urna parte de nos ou a Cabeca do

género humano está nos céus, na expectativa de que o resto do corpo chegue ao mesmo termo.

2) Todavía nao apenas um penhor ou um direito nos foi concedido mediante a Páscoa de Cristo. Um auténtico principio de vida nova ou defi nitiva foi depositado dentro de nos por ocasiao de um evento muito concre to de nossa existencia: o Batismo. Sao Paulo o diz sintéticamente em Cl 2,12:

"Fostes sepultados com Cristo no Batismo; também com Ele ressusci tastes, porque acreditastes no poder de Deus, que o ressuscitou dos mor-

tos".

Esta idéia é explicitada em Rm 6, 3-11. Sao Paulo tem em vista o mo do como o Batismo era ministrado na Igreja antiga: o catecúmeno era merguIhado em urna piscina (o que significava o morrer e ser sepultado com Cris to) e retirado dágua (o que significava o ressuscitar com Cristo). Em última análise, isto quer dizer que o Batismo confere urna participacao sacramental na morte e ressurreicáo de Jesús; este ato sacramental tem que ser reafir

mado e desdobrado na vida ética do cristao dia por dia: é preciso morrer com Cristo para o pecado e ressuscitar com Cristo para urna vida cada vez mais condizente com o modelo do Cristo Jesús; evitando o pecado e desenvolvendo a vida nova, o cristao chegará á gloriosa ressurreicáo final: 361

26

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

"Se nos tomamos urna só coisa com Ele por uma morte semelhante é sua, seremos também uma só coisa com Ele por uma ressurreicSo seme lhante á sua" (Rm 6,5).

"Se morremos com Cristo, eremos que também vivaremos com

Ele" (Rm 6,8).

Ou aínda:

"Pelo batismo fomos sepultados com Cristo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentro os monos pela gloría do Pai, assim também

nos vivamos uma vida nova" (Rm 6.4).

Numa palavra: o Batismo é o inicio ou o germen da nossa ressurreicao e nos levará á plenitude da vida, se soubermos fomentar esse germen pela re nuncia ao pecado e pelo exercício das virtudes cristas. 2.3. O dom do Espirito

Jesús quis associar sua glorif ¡cacao ao dom do Espirito Santo, que Ele havia de outorgar aos homens como penhor de sua plena santificacao. As

sim, por exemplo, lé-se em Jo 7,37-39:

"No último dia da festa, o mais solene, Jesús, de pé. disse em alta voz: 'Se alguém tem sede, venha a Mim. E beba aqueta que eré em Miml Conforme a palavra da Escritura, Do seu seio jorrario ríos de agua viva'.

Ele falava do Espirito, que deviam recebar aqueles que tlnham acredi

tado ne/e, pois nSo havia ainda Espirito, porque Jesús aínda nao fora glori

ficado".

Como se depreende, os ríos de agua viva provenientes do Messias sig*

nificam o Espirito Santo, que devia ser dado aos homens em conseqüéncia da glorif¡cacao de Jesús.' Na última ceia, Jesús voltou a prometer:

1 O texto bíblico subjacente a esta afirmacSo de Jesús éode Ez 47, 1-12: o

profeta descreve uma grande torrente que sai do Templo de Jerusa/ém e que se dirige para o deserto, convertendo-o emjardim e pomar, imagem dos 'fru tos do Espirito Santo enviado por Jesús após a sua Ascensao. 362

A RESSURREICÁO DE JESÚS

27

"Eu vos digo a verdade: é de vosso interese que eu parta, pois, se eu nao for, o Paráclito nao vira a vos. Mas, se eu tor. envii-to-ei a vos" (Jo 16. 7). "Tenho aínda multo que vos dizer, mas nao podéis agora suportar.

Quando vier o Espirito da verdade. Ele vos conducirá á verdade plena, pois nao falará de si mesmo. mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos comunicará as coisas futuras" (Jo 16, 12s). "0 Paráclito, o Espirito Santo, que o Pai enviará em meu nome. vos

ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse" (Jo É, pois. o Espirito Santo que completa a obra salvi'fica de Jesús, reunindo os homens num só Corpo, do quat Cristo é a Cabera e o Espirito é o

principio vivificante. É o Espirito que nos faz "filhos no FILHO" (cf. Rm 8, 15; Gl 4,6} e nos impele a voltar ao Pai (cf. Ef 2, 18).

Glorificado nos céus e enviando-nos o seu Espirito, Jesús adquire um modo de presenca novo aqui na térra: perde a presenca física, sempre limi tada a um só lugar, para se fazer sacramentalmente presente; a Igreja é o Grande Sacramento de Jesús, no qual sao ministrados aos homens os sete sa cramentos ou sete cañáis da grapa, que atingem cada criatura desde o nascer

até o morrer. S. Agostinho exprime muito vivamente este modo de agir de

Cristo, ao comentar as palavras de Joáo Batista em Mt 3", 11: "Ele vos batizará no Espirito Santo": "Batize Pedro, á Cristo quem batiza. Batize Paulo, é Cristo quem batiza. Batize Judas, 6 Cristo quem batiza" fin loannis Evangelium 5.7).

Por tras da acao litúrgica do ministro humano, efetuada em nome de Cristo, e através das suas palavras pobres, é Cristo quem age, exercendo o seu sacerdocio, quando consagra o catecúmeno pelo Batismo, quando consagra o pao e o vinho na Eucaristía, quando perdoa os pecados no sacra mento da ReconciliacSo, quando une os conjuges em matrimonio... Nao é simplesmente Oeus Filho quem purifica e santifica os homens,

mas é Jesús Cristo — o Filho feito homem e glorificado para ser nosso Sacer dote Perpetuo - quem exerce o seu pontificado na Igreja vivificada pelo Es pirito Santo. Tal é o alcance teológico da glorif¡cacao (ressurreicao e ascensao) de Jesús. O Senhor rompe os limites dos tempos e se faz presente a todos os tempos, sempre vivente para interceder por nos (Hb 7,25) junto ao Pai no "santuario celeste" {Hb 9,12.24) e junto a nos em nossos santuarios terres tres, onde Ele nos prepara para urna ressurreicao semelhante á sua.

363

Há quem negué:

A Cruz, Sinal do Cristáo

Em síntese: Alegam as Testemunhas de Jeová que a Cruz é um sím bolo pagao introduzido no sáculo IV no uso dos crístaos. — Ora tal afirma-

fio fere a documentado mais antiga do Cristianismo, a comecar pelos tex tos bíblicos, que louvam e exaltam a Cruz de Cristo: Mt 10, 38; 16, 24; Me 8, 34; Le 9, 23; 14, 27; Gl 2, 19; 6, 12.14,

Logo nos sécu/os 11/111 temos noticia de que os crístaos se persignavam com o sinal da Cruz; ver Tertuliano, Hipólito, cujos textos sao transcritos no corpo deste artigo. Os mártires se muniam com esse sinal antes de enfren tar a luta final. Na arte crista tem-se a sepultura dos Aurelios em Roma, onde aparece a figura de um homem apontando para urna cruz em atitude de respeito.

Visto que a Cruz era instrumento de suplicio dos malfeitores, os crístaos foram sobrios em suas representares gráficas até o século IV; usavam os símbolos da áncora, do tridente e do T (tauj para indicar a Cruz de Cristo vitorioso. Somonte após a conversao de Constantino (y337) a cruz deixou de ser patíbulo de condenacao dos criminosos na vida do Imperio; tornou-

se entao únicamente o símbolo da vitaría de Cristo e o sinal dos crístaos, reproducido de muitas maneiras na arte, na Liturgia, na piedade particular, na literatura... * * *

As Testemunhas de Jeová negam que a Cruz seja o sinal do cristao. pois dizem que é um símbolo pagao em uso nos diversos povos pré-cristáos como ornamento ou como instrumento de suplicio. Ademáis afirmam que Jesús nao foi pregado a urna cruz de tirapos, mas a um simples poste ou es taca (staurós). Além disto, asseveram que os instrumentos de tortura dos cri minosos (lenho, pedra, espada, cordames...) eram enterrados como algo de abominável, que nao deveria, de modo nenhum, ser venerado. Com estas

364

A CRUZ. SINAL DO CRISTÁO

29

sentencas, as Testemunhas querem criticar e condenar a estima que os cris-

tábs, desde os tempos de Sao Paulo,1 dedicam á Cruz de Cristo.

Vejamos, pois, com objetividade o que a historia nos diz a respeito da Cruz.

1. No mundo pagao: a cruz A cruz ocorre no uso dos povos amigos, seja como ornamento, seja como instrumento de suplicio.

1.1. Ornamento

Na Assíria, certas ¡magens apresentam os reis. como, por exemplo, Assurnasirpal e Samsiramman, trazendo urna cruz pendente do pescoco. A cruz era o mais simples e natural dos ornamentos geométricos, pois consta apenas de duas linhas postas em transversal.

Também se usavam brincos em forma de cruz, pendentes das orelhas.

como atestam alguns túmulos púnicos descobertos em Cartago. Ver p. 366, n.1.

No Egito usava-se o tau (em forma de T) portador de urna alca ou do sinal ank; podia pender de um colar. O símbolo ank foi tido como símbolo

fálico — h i pótese arbitraria que caiu em descrédito; parece que indicava o sol (pois tinha a forma arredondada), sol que era considerado como a fonte de toda a vida sobre a térra. Ver p. 366, n. 1.

Encontra-se também a cruz gamada ou a cruz svastika, de origem incerta. Muito espalhada entre diversos povos, parece ter sido um emblema re-

1 1Cor 1,18: "A linguagem da Cruz... para aqueles que se salvam, para nos, é poder de Deus".

Gl 6, 14: "Nao acóntela gloriar-me senao na Cruz da Nosso Senhor Jesús Cristo".

1Cor 1, 17: "... anunciar o Evangelho, sem recorrer á sabedoria da linguagem, a fim de que nao se torne inútil a Cruz de Cristo". 365

30

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

ligioso característico da raca indo-germánica. Simbolizava o sol. Os Vedas a

chamam "a roda inflamada".1

A Cruz de Malta também era freqüente. Estava ligada ao culto do sol. Mais tarde, tornou-se símbolo do poder rágio, visto que o sol é o reí dos as tros e o mais benfazejo de todos.

Em suma, a cruz era um sinal muito espontáneo e polivalente entre os povos amigos, até mesmo no México e na América Central. 1.2. Instrumento de suplicio

Originariamente a tortura dos condenados se fazia mediante uma esta ca fincada na térra e terminada em ponta; chamava-se em grego staurós e em latim acuta crux. Posteriormente, porém, {ainda antes de Cristo) acrescentou-se a essa estaca vertical uma trave horizontal, á qual era fixado o réu, seja medíante

pregos, seja mediante cordas. A estaca era dita 'es em hebraico; nota-se, po rém, que tal vocábulo foi traduzido, na versao dos LXX (200 a.C. aproxima damente) por xylon dídymon, isto é, lenho duplo ou geminado (o que mos

tra que o instrumento usual já era a cruz de dois bracos); cf. Js 10, 26s

(a Biblia de Jerusalém usa o termo árvore!). Quando a cruz tinha dois bracos, o poste vertical e maior já se encontrava fincado na térra; o supliciado levava o poste menor, ao qual era preso

quando chegava ao lugar do suplicio; essa trave era posteriormente suspensa ao lenho vertical.

Distinguiam os romanos a crux sublimis (de certa altura) e a crux humilis (menos alta), usual no caso em que o réu era também condenado a ser

devorado pelas feras (ad bestias) enquanto pendia da cruz. A trave menor transversal podía ter dois formatos:

1 Eis os símbolos de que fala o texto ácima:

T

ank egipcio

cruz svastika 366

brinco púnico

A CRUZ. SINAL DO CRISTÁO - a furca, arqueada. O escravo condenado carregava a furca sobre os ombros, enquanto caminhava confessando em voz alta o seu delito. Esta

penalidade costumava ser precedida pela flagelacao, que em alguns casos era prolongada até matar o réu;

- o patibulum, ou seja, a trave com que se trancava a porta de casa. Era também posto sobre os ombros do condenado. Muitas vezes acrescentava-se á trave

vertical. o cornu, isto é, um pe-

daco de madeira, que era afixado ao poste vertical na altura.do traseiro do réu, a fim de que ai se apoiasse e nao morresse tao rápidamente, vítimade asfixia. Sabemos que muitos povos antigos costumavam punir os delitos mais graves com a morte de cruz. Os persas a utilizavam; o costume passou para o Imperio de Alexandre Magno, que em 331 venceu os persas, dando origem a cultura helenística, que recobriu o Imperio greco-romano. Os cartaginenses

puniam os reís, nacionais e estrangeiros, com a cruz. Parece que foram eles que transmitiram o costume aos romanos, os quais, por sua vez, o fizeram chegar á Palestina nos tempos de Alexandre Janeu (67a.C), re i de Judá im pregnado de cultura helenística. Os romanos aplicavam o suplicio da cruz aos piratas, bandidos e rebeldes; era dito supplicium servile, porque destina do originariamente aos escravos; aplicavam-no, porém, ocasionalmente aos cidadaos romanos, apesar dos protestos de Cicero. 1.3. Como se fazia a crucifixSo? Geralmente o réu condenado á crucifixao passava por dois tormentos previos: era flagelado e carregava a furca ou o patibulum até o lugar da cru cifixao. A haste vertical, como dito, jé se encontrava fixa na térra ou era

fincada pouco antes da execucüo do suplicio; havia mesmo campos de hastes verticais á espera dos réus, que seriam suspensos depois de presos á trave horizontal.

Nao se acha em nenhum texto da antigüidade a noticia de que o con denado levava a cruz inteira. Esta facanha seria muito difícil ou mesmo impossível, dado o peso da cruz e visto que o réu já estava debilitado pela fla gelacao anterior. Até um homem sadio e forte tena dificuldade em realizar tal facanha, que de resto poderia levar muito tempo. Donde se vé que a expressáo "carregar a cruz" é urna figura de linguagem (sinédoque), que mencionava o todo implicado por urna de suas partes. O "caminho da cruz" era seguido por populares, que escarneciam o réu.

367

32

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991 Chegando ao lugar do suplicio, o condenado era fixado á trave hori

zontal deitada por térra e, a seguir, erguido e preso á trave vertical. Se esta fosse muito alta, os carrascos usavam cordas ou escada. Os pés do réu eram presos ¿ haste vertical mediante cordas ou pregos. Há autores que supoem

tenha havido um suporte ou suppedaneum de madeira debaixo dos pés, a fim de evitar a morte rápida por asfixia violenta devida ao peso do corpo suspenso pelos bracos. Os réus crucificados podiam sobreviver longamente, ás vezes durante um dia e urna noite ou até durante tres días. A causa ¡mediata da morte era a asfixia. O sangue nao conseguia che-

gar ao cerebro através do organismo suspenso no patíbulo; concentrava-se

nos pulmoes e acabava impedindo as pulsacoes do coracao. Os condenados á cruz eram vigiados por soldados antes e depois da morte. Os cadáveres ficavam expostos na cruz ás feras e ás aves. Podiam ocorrer ainda outras práticas no processo da crucifixao. Os

judeus prisioneiros na guerra de 66-70, contra os romanos, foram crucifica dos em posicSes diversas. Em alguns casos, os réus pendiam da cruz, de ca-

beca para báixo. A outros se acelerava a morte mediante fogo, fu maca, fra-

tura das pernas ou golpe de I anca. Os cadáveres podiam ser entregues aos familiares que os pedissem.

2. A crucifixao de Jesús Estes dados históricos contribuem para ilustrar o suplicio sofrido por Jesús no Calvario.

1. Os amigos perguntavam por que o Senhor quis padecer tao doloro so tipo de morte. E apontavam razoes diversas, entre as quais se destaca aquela que Latáncio (inicio do séc. IV) apresenta: o Senhor quis recobrir, com a sua morte extremamente dolorosa e ignominiosa, toda modalidade de morte que os homens possam experimentar; saibam todos que Deus feito homem já atravessou e santificou todas as angustias que afetam os homens (Instituicoes IV. 26), e abracem a sua cruz com ánimo confiante e esperan-

coso; quem padece com Cristo, ressuscitará com Cristo. Outra razio clássica é o designio divino de "recapitular" tudo em

Cristo (cf. Ef 1, 9s): o 2? Adao quis percorrer o caminho do 1? Adao para a morte, mas numa atitude de amor e entrega ao Pai, em resgate do desamor e da desobediencia do 1? Adao; o sinal negativo que marcava a morte e seus precursores (as.dores da morte) foi assim convertido em sinal positivo; a morte tornou-se o caminho que leva a nova vida e nao á ruina definitiva. 368

A CRUZ. SINAL DO CRISTÁO

33

Ademáis, como o primeiro Auáo pecou mediante o lenho proibido no pa raíso, o segundo Adao quis fazer do lenho (da Cruz) o instrumento de

resgate do primeiro Adao; o homem que se precipitou na morte mediante o lenho, encaminha-se para a plenitude da vida mediante o lenho (da Cruz). 2. Procuremos agora reconstituir os pormenores da crucifixáo de Jesús.

É de crer que a cruz de Jesús fosse alta, pois, para oferecer-lhe a es ponja com vinagre, os soldados tiveram que utilizar um can ico (cf. Jo 19,

20); os pés do Crucificado, portanto, deviam estar a 1 metro ou 1m 50cm

ácima do solo;1 a parte enterrada no solo devia medir 1 m de profundidade.

A cruz de Jesús nao devia ser a crux commissa (em forma de tau, T), mas a crux immissa ou capitata (munida de um topo de madeira), pois a inscricao "Jesús de Nazaré, Rei dos Judeus" se achava ácima da cabeca de Jesús (cf. Mt 27,37; Le 23,38; Jo 19,19). Isto quer dizer que a Cruz de Jesús tinha quatro extremidades.

Jesús deve ter carregado a cruz vestido, pois lemos em Mt 27,31: "Depois de cacoarem de Jesús, despiram-lhe a capa escaríate e tornaram a vesti-lo com as suas próprias vestes, e levaram-no para O crucificar" (Me 15,20). Depois de o crucif icarem, os soldados repartiram entre si as vestes de Jesús (cf. Jo 19,23s). Assim procedendo, os romanos se adaptaram aossentimentos de pudor dos judeus. Poder-se-ia daí concluir que Jesús pregado á Cruz nao estava totalmente desnudo; todavía varios antigos escritores, atendo-se ao costume dos romanos, julgavam que Jesús esteve, sim, serrt veste alguma pregado á Cruz.

Jesús foi fixado primeramente á trave horizontal da Cruz, que Ele carregara sobre os ombros; depois disto, foi erguido e preso á haste vertical já

fincada no solo do Calvario, é de crer que se tenha aplicado um prego a ca

da mao e a cada pé, portanto quatro pregos, como os representava a antiga arte crista até o século XIII. A crucifixao deve ter ocorrido nao na palma da mao, mas no carpo de cada braco, parte mais resistente ao peso do corpo

que pendía. Jesús deve ter permanecido tres horas pendente da Cruz antes de morrer. Sao Marcos (15,25) diz que Jesús foi crucificado "na terceira hora"; compreendamos, porém, que "terceira hora", no cómputo dos romanos (que Marcos adota), correspondía nao a 60 minutos, mas ao período que ¡a

1 As avies eram geralmente de pouca altura, de modo que as feras podiam atingir o cadáver. Mas. quando os juftes dtstjavam dar um castigo "exemplar", punham em relevo o crucificado, erguendo-o numa cruz ala. 369

34

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

das 9 ás 12 horas da man ha.1 Sao Joao d¿ a entender que Jesús foi crucifica do á sexta hora (Jo 19,14), entendendo sexta hora no sentido nao dos roma nos, mas dos judeus, que numeravam hora por hora a partir da primeira hora

(correspondente ás nossas seis horas da manha").3 Diremos entao, conciliar»do Me e Jo entre si, que Jesús foi crucificado no firn da terceira hora dos romanos, ou seja, perto da sexta hora (meio-dia) dos hebreus. E morreu á nona hora, conforme Me 15,34, isto é, no comeco do período que ia das 15

ás 18 horas nossas (o que equivale aproximadamente ás nossas 3 horas da tarde).

A agonia de Jesús na Cruz nao durou mais do que tris horas aproxima damente, pois o Senhor estava extenuado pelos suplicios anteriormente pa decidos (flagelacao, coroacao de espinhos, carregamento da cruz, além do suor de sangue no horto das Oliveiras). Importa-nos agora considerar o modo como os cristaos consideraran! a cruz nos primeiros sáculos da Igreja.

3. O sinal da Cruz 1. Para as Testemunhas de Jeová, a Cruz de dois bracos, como hoje a conhecemos, só comecou a ser usada pela Igreja Católica no século IV. O acofitecimento que terá deflagrado tal uso, dizem eles, é a pretensa visao da

Cruz atribuida a Constantino Imperador em 28/10/312.3 Tal visao é tida co mo lendária pelas Testemunhas, de mais a mais que Constantino em 312

aínda era adorador do deus Sol, cujo emblema era'a cruz. Após esta visao de Constantino, os cristaos foram usando o símbolo

da Cruz no intuito de facilitar aos pagaos o ingresso no Cristianismo, pois a Cruz era (dizem as Testemunhas) usual entre os cultores dos deuses.

1 Os romanos dividiam o día em quatro "horas" ou quatro períodos de tres horas cada um: a la. hora (das 6h ás 9h), a 3a, hora (das 9h ás 12h), a 6a. ho ra (das 12h ás 15h), e a 9a. hora (das 15h ás 18h).

1 Ver a parábola dos operarios chamados á vinha em diversas horas do día,

conforme Mt 20, 1-16.

3 Narrase que Constantino, tendo de enfrentar militarmente seu rival Ma~ xénch, viu nos céus urna cruz luminosa acompanhada dos dizeres: En touto nika (Por este sinal vencerás). Em conseqüinda, Constantino colocouasua pessoa e vseu exército sob a protecao do sinal salutífero da cruz e desbaratou Maxéncio numa batalha sobre a ponte Milvia. 370

A CRUZ, SINAL DO CRISTÁO

35

2. Ora quem estuda a literatura antiga. a arqueología e a historia, afir

ma tranquilamente que é falsa a teoria dos Testemunhas. Existem documen

tos que comprovam o uso do símbolo da Cruz entre os cristaos muito antes de Constantino.

Ássim. por exemplo. o escritor Tertuliano (t pouco antes de 220) atesta:

"Quando nos pomos a caminhar, guando sairnos e entramos, guando nos vestimos, guando nos lavamos, guando iniciamos as refeicdes, guando nos vamos deitar, guando nos sentamos, nessas ocasioes e em todas as nossas

demais atividadcs, persignamo-nos a testa com o sinal da Cruz" (De corona militis 3).

Diz ainda Hipólito de Roma (f 235/6), descreyendo as práticas dos

cristaos do sáculo III:

"Marcai com respeito as vossas cabecas com o sinal da Cruz. Este sinal da Paixao opoe-se ao diabo e protege contra o diabo, se é feito com fé, nao por ostentacao, mas em virtude da conviccao de gue é um escudo protetor.

É um sinal como outrora foi o Cordeiro verdadeiro; ao fazer o sinal da Cruz

na fronte e sobre os olhos, rechacemos agüele gue nos espreita para nos con denar" (Tradicao dos Apostólos 42).

As Aras dos Mártires, por sua vez, dao a saber que os mártires se persignavam com o sinal da Cruz antes de enfrentar a luta final.

É também amigo o anagrama

ZfíH

Z

Tal figura, que tem a forma de Cruz, exprime exatamente as virtudes atribuidas á Cruz pelos cristaos: Luz (Phos) e Vida (Zoé); cf. Jo 1,4.

3. É de notar também que já nos escritos do Novo Testamento a Cruz

é símbolo de algo de muito valioso, ou seja, da virtude da penitencia; esta consiste em dominar as paixoes desregradas e sofrer por amor de Cristo e em uniao com Cristo. Seria preciso apagar muitos versículos do Novo Testamen371

36

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

to para dizer que a Cruz é um símbolo introdüzido no século IV na vida dos

cristSos. Tenhanvse em vista, por exemplo:

Mt 10,38: "Aquele que nSo toma a sua cruz a me segué, nao é digno de mim". Cf. Me 8,34; Le 9¿3; 1427.

Mt 16,24: "Disse Jesús aos seus discípulos: 'Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me'". Gl 2,19: "Pela Leí morri para a Le¡. a fim de viverpara Deus. Fui cru cificado com Cristo".

Gl 5,24: "Os que sao de Cristo Jesús, crucificaram a carne com suas paixoes e suas concupiscencias".

Gl 6,14: "Quanto a mim, nao aconteca gloríar-me senSo na cruz de nosso Senhor Jesús Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eupara o mundo".

O sinal da Cruz é o sinal dos cristSos ou o sinal do Deus vivo, de que fala provavelmente Ap 7,2, fazendo eco a Ez 9,4: "Um anjo gritou em alta voz aos quatro Anjos que haviam sido anearregados de fazer mal é torra e ao mar: 'Nao danifiqueis a térra, o mar e as árvores, até que tenhamos marcado a fronte dosservos do nosso Deus'". O fato de que a Cruz era instrumento de suplicio dos malfeitores ex plica que nao se encontré o símbolo da Cruz nos mais amigos monumentos cristSos. Todavia no hiposeu (sepultura subterránea) dos Aurelios em Roma,

datado de fins do século II ou comeco do século III, acha-se um afresco que apresenta um personagem apontando respetosamente o sinal da Cruz. Durante os tres primeiros séculos, que foram de perseguicSo aos cristaos, encontram-se na arte crista alguns símbolos que lembram veladamente a Cruz. Assim, por exemplo, a áncora, que representava, ao mesmo tempo, a

cruz e a esperanca decorrente da Cruz {cf. Hb 6, 19):

372

A CRUZ, SINAL DO CRISTÁO

37

A áncora se encontra nos recintos mais amigos das catacumbas roma nas; está gravada em lapides de sepulcros ou pintada sobre monumentos que podem ser atribuidos ao sáculo I.

O tridente, que tem semelhanca com a Cruz, é um pouco menos ami go; foi si'mbolo dos cristaos assaz freqüente nos tres primeiros séculos.

O mesmo se diga da letra T, tau, que Clemente de Alexandria no século III chamava tou kyriakou semeiou typo», figura do sinal do Senhor

(Stromateis VI 11). Notemos ainda o símbolo resultante da sobreposicáo das letras gregas

.1

XeP:

A Este monograma lembrava Cristo e a Cruz e foi representado no lábaro ou estandarte de Constantino. No fim do século IV, tomou a forma que mais lembra a Cruz:

D A conversao de Constantino ad Evangelho em seu leito de morte e a profissSo de fó crista dos Imperadores subseqüentes fizeram desaparecer o suplicio da Cruz. Esta se tomou entlo únicamente sinal da Paixao vitoriosa do Senhor. Conscientes deste seu valor, os cristaos ornamentavam a Cruz com palmas e pedras preciosas.

1 Em caracteres gngos. Cristo escreve-se XPICTOC. A fusSo da primeira e da segunda letras dé o símbolo ácima. 373

38

"PÉRGUÑTE E RESPONDEREMOS" 351/1991 EsteS: elementos 'de literatura;" historie arte antiga atestam sobeja-

mente qué'a Cruz, como símbolo cnstao, ó'algo de genuinamente neotesta-

mentário. Seü^valor dé smaf sa'gridq,-;tíftfco do discípulo de Cristo, já é

incutido peld'si£'\)angel.isías e pqr-, §5ói Paulo. A vivencia e a iconografía dos

cristaos, desde V-seciito'.LiáeránV ai este sfmbolo sagrado um lugar de escol

entre as expressSes da ~fé crista. Donde se vé que é totalmente descabida a teoria de que a Cruz é um símbolo pagao introduzido por influencia do pa

ganismo na Igreja e destinado a ser eliminado do uso dos cristaos. Rechacar a Cruz de Cristo é rechacar o sfmbolo da Redencao e da esperanca dos cris taos. ***

Tem sentido a confissao? por Gerhard Debbrecht. Traducao do alemió por Joao Aníbal García Soaras Farraira. Colecao "Jovam Hoja". - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1990. 115 x 180 mm, 108 pp. O autor é capelao universitario, professorde Religiao e pároco na Ale-

manha. Publica urna serie de cartas (reais ou ficticias?) trocadas entra o Pe. Gerhard (Gerd), seu sobrinho Martín e Monika, a namorada deste. Versam sobre o tema "pecado a confissao dos pecados". Sio cartas ¡nteressantes, em que se percebem as ob/ecdes agressivas do jovem Martín contra o sacramento da Reconciliacao, a posicao mais branda e equilibrada de Monika e a tentati va, do tío sacerdote, de destazar as dúvidas do Jovem sobrinho. Assim, por exempfo, o livro apresante seccdes multo válidas: as pp. 15s o autor responde á alegacao fragüente: "Eu sou assim mesmo (víngativo e ravoltado), vftima da educacao que recebi"; chama a atencao para a res-

ponsabilidade que toca a cada um para que se autoeduque. As pp. 34-36 a 41 evidencia a iniqüídade do aborto provocado. Ás pp. 20-22 a 43 evidencíam-se os aspectos negativos das rolacoes prematrimonial... Todavía nam sampre o autor val até o ámago da problemática, pois nSo chaga a mostrar o sentido positivo a teológico do sacramento da Recon ciliacao (coisa que se esperaría am vista do título do livro). Há também pon

tos falhos no livro: assim o concaito de pecado original ó reduzído ao de pe

cado do mundo em que a crianca nasce (cf. pp. 40s). Ap. 54 lfi-se algo da es-

tranho: "Jesús nSo tinha a intencao da fundar urna instituicSo quepudesse

fazer com que pecadores se tornassem novamente Justos". Ás pp. 64-66 a

historia do sacramento da ReconcíliacSo é nsumlda de manaira que deixa fugar a /acunas a impracisdes.

Em suma, o livro tem páginas útais a densas, mas aprésente também deficiencias que o tornam ambiguo e menos aproveitávef. E.B*

374

Excesso de televisffo:

Síndrome Videocompulsiva

Em smtese: O Dr. Dámele Pauletto, neuropsicólogo italiano, exami

nando o ¡ovem Luciano P., de28anos de idade, acredita poder definir o que

se/a a "síndrome videocompulsiva": Luciano passava as noites diante do televisor até as S horas da madrugada, tendo em mitos o telecomando, que Ihe permitía trocar frenéticamente de programa; entrementes era acometido por insaciável voracidade de batatas fritas, chocolata, bombons, etc. Abandonou estudos e namoro por causa da sua adesao compulsiva ao televisor.

Quando seus pais Ihe quiseram cortar a possibilidade deligaroapareiho, foi acometido de ataques dé ansia. - O Dr. Pauletto tentou iniciar um tratamentó para o caso, mas Luciano, após tres sessdes, nao máis voltou ao con sultorio do médico, preferindo aderir ao seu televisor. *

*

*

Na Italia o Dr. Daniele Pauletto, neuropsicólogo do Hospital de Cas-

telfranco Véneto, tem estudado as funcoes mentáis e comportamentais do sistema nervoso, como sao a memoria, a atencao, a linguagem... Está escrevendo um livro sobre a memoria. Em 1990 o Dr. Pauletto se dedicou especialmente á verif¡cacao das seqüelas do abuso de televisáo. Ocorreu-lhe um caso, que pode ser tanto um

episodio isolado como um entre muitos outros análogos (hipótese esta mais provável). Eis o relato dos fatos.

1.0 caso O jovem Luciano P. manifestou temperamento nervoso, sujeito a an sias desde os dezoito anos de idade; sofría de obsessio: escrúpulos, dúvidas,

meticulosidade em grau excessivo ou patológico. Até os 24 anos de idade, experimentou altos e baixos de saúde psíquica. Após esta idade, entrou dontro da normalidade; pos-se a estudar Engenharia, teve sua namorada e freqüentou os divertimentos dos rapazes de sua faixa etária.

375

40

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

Acónteceu, porém, que se deixou mais e mais atrair pelos programas de televislo. Ficava até as 5 horas da madrugada frente ao televisor, trocan do de canais emissores mediante um telecomando e gravando programas e programas; assim criou um acervo de fitas cassetes, que ele simplesmente ia guardando, sem jamáis as utilízar.Enquanto se mantinha diante do televisor,

era acometido por apetite VoYaz e espasmódico, que o levava a comer bata tas fritas, bombons, tabletes de chocolate, salgadinhos, etc., a ponto mesmo de vomitar. Após uma noite diante do televisor, Luciano nao conseguía dormir.

Em conseqüéncia, o jovem, passando de estados de alto frenesi a outros de depressao, abandonou os estudos e a namorada. Os genitores passa-

ram a desligar-lhe a televisao e retiraram-lhe o telecomando. Luciano reagiu a isso, experimentando tremendas crises de ansia.

Em tais circunstancias, com 28 anos de idade, foi levado ao consulto rio do Dr. Oaniele Pauletto. Reconheceu diante deste a raiz de seus males: "Estou consciente da irracionalidade do meu comportamento. Sou vi'tima das suas conseqüéncias, mas nao consigo mudá-lo".

O Dr. Pauletto procedeu a uma serie de exames médicos: nao encontrou lesao nos lobos frontais, que respondem pelas funcóes motrizes do or ganismo; o eletroencefalograma excluiu qualquer forma de epilepsia devida a bruscos e repetidos estímulos visuais. Restava, pois, ao médico admitir ou uma neurose obsessiva ou um disturbio psíquico decorrente do abuso da televisao e do telecomando. Esta última hipótese era a mais provável; o Dr. Pauletto definiu-a como "síndrome videocompulsiva". Nao seria esta uma ameaca que pesaría sobre todos quantos abusam da televisao?

O Dr. Pauletto julga que certos programas podem desencadear tais reacoes mórbidas, cuja gravidade dependerá do tipo psicológico do teles pectador; até os anuncios comerciáis podem ter efeitos daninhos. O perigo

é grande, quando as imagens televisivas se sucedem rápidamente urnas ás outras, sem que o cerebro consiga arrúmalas ou concatená-las; tal é o caso de quem aciona frenéticamente o seu telecomando, por nao ser capaz de se concentrar sobre o mesmo programa durante alguns minutos. O médico afirma que certos efeitos nervosos do abuso de televisao ¡á eram conhecidos antes do caso de Luciano P.; este, porém, apresentando sín tomas mais nítidos e marcantes, fornece bases científicas importantes para se aprofundarem as pesquisas.

Quanto ao caso de Luciano, continuou trágicamente: após tres sessoes no consultorio do Dr. Pauletto, nunca mais ai compareceu. Deve ter prefe376

SI'NDROME VIDEOCOMPULSIVA

rido voltar ao seu televisor, diante do qual ele se autodestrói a golpes de tele comando.

2. Ulteriores estudos Após a descoberta da si'ndrome videocompulsiva, o Dr. Pauletto deu

prosseguimento aos seus estudos, empreendendo, entre outras; a seguinte experiencia: formou um grupo de voluntarios, na maioria estudantes, que se submeteram a prolongado contato visual com os programas de televisao; depois disto, aplicou-lhes testes de ansia e de freqüéncia respiratoria, batidas cardíacas, pressao arterial, resistencia da pele e da tensao muscular...

Elaborou também urna escala para avahar o "comportamento televi sivo"; constava de 22 perguntas, para cada urna das quais haveria urna única resposta, que seria sempre significativa. Eis alguns desses quesitos: "Vocé troca de canal muitas vezes?", "Vocé consegue deixar de ligar a televisao?", "Vocé segura na mao o telecomando enquanto assiste aos programas?", "Vocé acompanha simultáneamente dois ou mais filmes ou programas?", "Possui e usa muitos televisores?". - As respostas a tais perguntas mostram até que ponto as pessoas se tornam dependentes da televisao.

6 psiquiatra Dr. Vittorino Andreoli fala da patologia do "menino tele

visivo": é um sujeito passivo, que reproduz as imagens sem as ter elaborado, incapaz de conceber idéias próprias, porque se habituou a recebé-las "pre fabricadas". Quando o cerebro é bombardeado por informacSes, que ele nao armazena nem seleciona e por isto difícilmente recorda, o comportamento

do individuo é notavelmente perturbado. Para registrar algo na memoria, requer-se um pouco de tempo, sem o quat a pessoa nao presta a devida atencao ás imagens e a memoria nao as registra.

Outro sintoma patológico é a dependencia televisiva, segundo a qual só é considerado verdadeiro e digno de crédito o que se torna conhecido através da televisao. As pessoas afetadas por tal tipo de dependencia apre-

sentam "astenias familiares televisivas", caracterizadas por silencio e falta de comunicacao entre os membros de urna familia, assoberbados por aquilo que se torna o novo eixo da familia: o televisor. Nao raramente é um dos membros da familia que manipula o televisor, saltando de programa para programa e provocando assim urna "¡ndigestáo" de efeitos negativos. 3. Conclusáo

A noticia que vai aquí apresentada, nao causa espanto, pois é conheci do o poder de influencia da televisao; ela forma e deforma em grande esca la. O relato, porém, contribuí para alertar mais vivamente as familias e os te377

42

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

¡espectadores a respeito da eficacia desse meló de comunicacao. Já se observou muito sabiamente que os meios de comunicacao artificiáis, como sSo os livros, a televisao, os filmes.... tém rnais poder sugestivo do que urna pessoa que nos fale; com efeito, quando alguém propSe a seu interlocutor urna mensagem que contraria as opiniSes dele, o interlocutor reage com certa prontidao, porque se senté agredido e impelido a pór-se em brios ou se autoaf irmar. Quando, porém, a mensagem é proposta por um meio artificial, a pessoa interpelada (pelo livro, pelo filme, pela televisao) nao se julga agredida

com a mesma facilidade; nao reage tío decididamente, movida por seus brios, mas nao raro deixa-se penetrar suavemente pelo que vé e ouve, a pon to de ir assimilando inconscientemente a mensagem. A experiencia cotidiana comprova esta afirmacao, corroborando o brado de alerta que os síntomas patológicos e a síndrome videocompulsiva lancam ao público.

Este artigo multo deve ao de Franca Zambonini: Quel malechiamiato TV. em Famiglia Cristiana, 9/01/1991, pp. 42.

Ver também PR 341/1990. pp. 443-454 (Sexo e Violencia na TV).

• **

(continuacao da p. 384) Na Bulgaria, ao iniciar-se a década de 1960, um bispo de rito oriental conferiu secretamente a ordenacao episcopal a um prelado de rito latino,

Mons. Bogdan Dobranov. Em 1970 este bispo fez pública profissao de sua fé e foi reconhecido pelas autoridades comunistas. Faleceu, porém, em 1983. * * *

Eis alguns fatos que o mundo tem interesse em conhecer, pois revelam

a tenacidade da fé e a magnanimidade de comunidades sufocadas por regímes ateus durante alguns decenios. O Senhor, que vive em sua Igreja, soube assistir-lhe para que permanecesse corajosa ñas trevas e no silencio, esperan do melhores días. Este artigo multo deve ao de Alberto Bobbio e Giovanni Ferro: Esiste all' Est una Chiesa Clandestina, publicado em JESÚS, feverelro de 1991, pp. 26-29. EstAvao Bettencourt O.S.B. 378

Sob a perseguipao:

A Igreja "Clandestina" na Tchecoslováquia Em si'ntese: As quatro décadas de perseguido religiosa (1950-1990) na

Tchecoslováquia, na Hungría, na Romanía e na Bulgaria suscitaram o

heroísmo dos católicos, que lutaram para sobreviver; especialmente impor

tante era. para eles, poder contar sempre com o ministerio de seus presbí teros e bispos. Principalmente na Tchecoslováquia vSm a público pessoas que dizem ter recebido clandestinamente de bispos legítimos a ordenacao sacerdotal ou mesmo a episcopal; entre essas pessoas há homens casados e, a quanto pensam alguns historiadores, também mulheres. Bram ordenados candidatos que a policía secreta nao suspeitaria pudessem recebar ordens

sacras segundo a praxe habitual da Igreja Católica. Atualmente a Santa Sé dispoe de um dossié volumoso de casos — bem ou mal documentados - de presbíteros e bispos ordenados clandestinamen

te, cuja situacao na Igreja deve ser examinada meticulosamente para se ave riguar o que de fato houve. e se foram válidas as respectivas ordenacoes. •k

*

*

A queda dos regimes comunistas no Leste Europeu (1989/90) trouxe á tona toda urna realidade de Igreja que ficara necessar i amenté oculta du

rante os quarenta e mais anos de perseguicao religiosa. Em Roma a Congregacáo para a Doutrina da Fé e outras instancias que assessoram o Papa, véem-se diante de casos inéditos: aparecem homens da Tchecoslováquia, da Hungría, da Roménia, da Bulgaria, que dizem ser auténticos sacerdotes

e bispos ordenados clandestinamente sob o regime comunista, mas nao acompanhados da documentacao e das testemunhas habituáis. - Impoese. portante á Santa Sé a tarefa de examinar caso por caso (foram ordenacoes válidas?... legítimas?) e tomar as providencias daí decorrentes.

É ¡nteressante e útil ao público tomar conhecimento desses fatos, pois tais noticias manifestam o horror da perseguicao e o heroísmo dos cristaos que lutaram para defender a sua fé. Comecaremos por examinar a situacao na

379

44

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

1. Tchecoslováquia O Ecumenical Prest Service, boletim publicado em Genebra (Su fea), no fim de 1990, deu breve noticia do problema das ordenares clandesti

nas. A seguir, o embaixador da República Federativa Tcheca e Slovaca junto ao Vaticano, Dr. Frantisek Halas, credenciado no dia 21/12/1990, ampliou a noticia, declarando:

"Há tres tipos de sacerdotes clandestinos na Tchecoslováquia. Há os que foram ordenados regularmente por bispos tchecoslovacos, impedidos, poróm, pelo Governo comunista de exercer o seu ministerio. Há também os que secretamente estudaram e foram ordenados na Alemanha Ocidental,

na Austria e na Polonia. Existem aínda aqueles que foram ordenados clan

destinamente por bispos tchecoslovacos clandestinos. A situacSo legal dos dois primeiros tipos é clara. As dificuldades ocorrem, porém, no tocante á terceira modalidade, pois tudo se fez tao clandestinamente que nem mesmo a Santa Sé teve conhecimento de tais ordenacdes. Por isto também nao há a documentacao respectiva e surgem dúvidas sobre a validado dessas or denacdes". Uma.fonte eclesiástica da Tchecoslováquia, mantida em anonimato, confirma:

"É verdade. Eis ai o problema. Mas nao se podía proceder de outro modo. Tudo comecou após 1951, quando se tornou claro que o Governo comunista de Praga tínha em mira extirpar a ¡groja Católica". Um sacerdote tchecostovaco, já idoso, declarou que na década de

1950 Pío XII "deu ordens para que se formasse um primeiro grupo de bis pos clandestinos". A minuta de um documento datada no Vaticano de 21/07/1954 (minuta da qual nao foi possível encontrar a redacao e o texto definitivos) autprizava os Religiosos presentes na Tchecoslováquia "a escoIher. . . um sacerdote idóneo que será sagrado bispo, de modo que. . . fi que assegurado, para qualquer emergencia, o exerci'cio do ministerio sagra do no pai's". Tal minuta observa aínda que "em circunstancias tao excepcional" se pode contornar "a api ¡cacao de varias disposicSes canónicas concernentes as sagradas ordenacSes". Pergunta-se, porém: tal minuta é autentico documento? Monsenhor Pavel Hnílica, tchecoslovaco, de 69 anos de idade.

ordenado clandestinamente sacerdote em 1959 e feito bispo aos 02/01/1960 por Mons. Roberto Pobozny (titular de Roznava), admite a existencia de "disposicSes legislativas especiáis vigentes nos anos de perseguicáo". 380

IGREJA "CLANDESTINA"

45

Foi na base de tais normas de emergencia que se constituiu na Tchecoslováquia urna hierarquia eclesiástica assaz numerosa e respeitável. Alguns dos bispos assim ordenados já assumiram o governo pastoral de dioceses tchecoslovacas após explícita e regular designacáo do Papa. Entre eles, contam-se Mons. Jan Chryzostom Korec (secretamente ordenado bispo por Mons. Hnilica aos 24/08/1961) e atualmente, desde 06/02/1990. bis po de Nitra. Também é claro o caso do bispo clandestino Mons. Karel Otcenasek, que, aos 21/12/1989, foi nomeado por Joao Paulo II para a diocese de Hradec Kralové. A lista se prolonga a partir do inicio da década de 1960, contendo cerca de trinta bispos e algumas centenas de presbíteros. Aparecem sempre mais sacerdotes ordenados secretamente no estrangeiro. O embaixador Halas afirmou que algumas dezenas deles foram ordenados em Cracovia pelo Cardeal Ka rol Wojtyla (hoje Joao Paulo II). O receio de que desaparecesse por completo o clero na Tchecoslováquia era tao grande que alguns bispos chegaram a ordenar homens casados.

Um destes prelados é Mons. Félix Marín Oavidek, da diocese morávica de

Brno, ele mesmo ordenado clandestinamente e em 1988 falecido. Explica o embaixador Halas: "Em caso de perseguicao era menos suspeito aos olhos da Policía". Como se vé, o criterio era ordenar pessoas idóneas que nao dessem lugar a suspeitas das autoridades comunistas.

Alias, a própría figura de Mons. Davidek tem seus misterios. O embai

xador Halas, interrogado, respondeu: "Sei que a sua ordenacao episcopal é fato certo. Mas nada mais posso dizer, porque estou obrigado ao segredo". O ex-provincial dos Salesianos na Eslováquia confirma: "Davidek esteve comigo no cárcere de Mirov na Morávia em 1953 e 1954. Naquela época eu nao sabia que ele era bispo. Mais tarde vim a saber que ordenouvarios homens casados, e até mesmo um bispo, que ainda vive". Outras ins tancias eclesiásticas da Tchecoslováquia, interessadas no anonimato, confirmam tais noticias. Diz um bispo: "Davidek era um homem genial; fazia coi sas ousadas e corajosas. Parece que ordenou também mulheres como sacer

dotisas, mas disto nao tenho pravas". O embaixador Halas nao nega a possibilidade: "Sei que o bispo Davidek julgava possível ordenar mulheres, mas nao sei se o fez realmente. Ouvi contar dois casos de mulheres ordenadas, mas ninguém me pode dizer os seus nomes".

A Congregacao para a Doutrina da Fé está examinando o volumoso acervo de ordenacóes clandestinas na Tchecoslováquia. Cada bispo do pafs mandou á Santa Sé as fichas daqueles que sao tidos como sacerdotes e de cuja ordenacao sacerdotal os bispos diocesanos nada sabem dizer. 381

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

No tocante aos homens casados, urna das fontes eclesiásticas daquela nacao esboca urna possível solucao: "Se a ordenacffo ocorreu na Igreja de rito latino, poder-se-á propor a tais presbíteros que passem para o rito orien tal, pois este admite regularmente sacerdotes casados. Poderiam ser incardinados na diocese greco-católica de Presov". Para mudar de rito, é necessário um indulto da Congregado Vaticana para as Igrejas Orientáis.1 Acon tece, porém, que o Papa pode permitir a existencia de sacerdotes casados também na Igreja latina em circunstancias excepcionais. Será este o caso de Igreja na Tchecoslováquia, provada por um regime ateu durante quarenta anos?

Refere o bispo Mons. Pavel Hnilica:

"As perseguicSes que sofremos, foram plores do que as que Ñero e Diocleciano no inicio da era crista infligiram aos cristaos. Talvez o prepa

ro doutrinárío dos nossos sacerdotes nao este/a á altura do preparo dos oci-

dentáis, mas certamente é mais profunda a fortaleza espiritual dos nossos. Isto nos leva a agradecer a Deus o próprio comunismo, porque ele nos fez

realmente experimentara Cruz".

Quando serao dados a lume os resultados das pesquisas feitas no Vati cano? - Responde o embaixador Halas: "Desejo exprimir um anseio: haja

pressa! Procedam rápidamente! Sei que é muito difícil encontrar adequadas solucóes canónicas. Mas também é verdade que na minha patria há dezenas de sacerdotes que, a pos anos de duras perseguicoes, hoje nao desejam outra coisa senao poder celebrar publicamente a S. Missa. Talvez seja a última da sua vida".

2. Um caso particular: Frantisek Polak Eis um significativo espécimen das angustias por que passavam os can didatos ao sacerdocio sob o regime comunista. Trata-se do Pe. Frantisek Po lak, de 35 anos de idade, salesiano, que dá o seguinte depoimento:

"Nasci em Vysoka Pri Morave, pequeña aldeia da Eslováquia, perto de Brastislau. Os meus pais eram religiosos e deram-me urna educacao crista. Durante a adolesc§ncia tive que lutar pela minha fá: era pouco recomendé-

Na igre/'a Católica, entregue a Pedro e seus sucessores, há diversos ritos: além do latino (mais conhecido), há o bizantino, o marónita, o copta, o me/quita, o milanos, o lionas, o mozarábico. . . Cada rito implica a celebració da liturgia, segundo um cerimonial próprio (com a consagracSo eucarfstica válida) e costumes próprios, entre os quais a ordenacSo de homens casa dos em alguns ritos orientáis.

382

IGREJA "CLANDESTINA"

47

vel freqüentar a paróquia. Mas o ateísmo do Estado ajudou de certo modo a minha vocacao. Na minha aldeia havia mais de duzentos anos que nao surgiam vocacoes sacerdotais; sou o primeiro desde o fim de 1700. Em 1974 encontrei um salesiano, Pe. Ivan Grof, que era professor e

fazia apostolado clandestino. Tornou-se meu diretor espiritual, e através dele aproximei-me dos salesianos. Mas, para tornar-ma aspirante, ti ve que esperar quatro anos; a policía secreta estava sempre na espreita e nos tintamos que ser muito prudentes.

Comecei a estudar Pedagogía na Universidade. Quase chegara ao térmi no quando a policía secreta descobriu que eu era cristao. O Decano da Fa-

cuidado me convocou e ameacou de expulsar-me. Eu era 'causa de vergonha para 3.000 estudantes', disse-me ele. Felizmente conseguí acabar o curso, mas, já que estava rotulado, nao obtive a licenca para ensinar. Em 1980 comecei a trabalhar como simples operario em Pomprad, numa pequeña fábrica de transformadores de eletricidade. A seguir, tentei

também atuar como educador num Internato para estudantes de escola me dia; mas, após cinco dias de trabalho apenas, o meu chefe me chamou e me disse que sabia que eu era cristao. E fui obrigado a deixar o emprego. Por último encontrei trabalho como técnico de urna firma de implantes de aquecimento em grandes condominios.

Entramantes eu estudava ás ocultas Filosofía e Teología. Em 1979 tornara-me novico e em 1980 fiz os meus primeiros votos, tudo sempre ás escondidas. Até muitos confrades salesianos ignoravam tudo isso; procuravamos dar o mínimo de publicidade possível a tais coisas porque havia ¡nfiltracao e espióos até entre os Religiosos. Sabíamos, por exemplo, que um sacerdote era capitao da policía secreta.

Fui ordenado clandestinamente sacerdote aos 19/02/1988 em Brastislau por Mons. Jan Chryzostom Korec, que entao era bispo clandestino e ho ja se tornou bispo residencial da diocese de Nitra. Tudo foí resolvido por meus superiores, em particular pelo Padre Inspetor Provincial da Congrega-

cao Salesiana, Pe. Kaiser. Sabíamos que se aproximava o día da ordenacao, mas nao sabíamos nem onde, nem quando, nem o nome do bispo que orde naría. O lugar em que eu havia que ser ordenado, foi-me comunicado apenas urna hora antes da cerimdnia. Tomei um bonde e fui para lá; era o pequeño apartamento em que morava Mons. Korec. A cerimdnia nao foi solana; o ra

dio ficou ligado a todo volume durante a celebracao; havia música rock so viética para perturbar os microfones de espionagem escondidos pela policía secreta na casa do bispo. Fora chovia, e mesmo o tempo litúrgico — era 383

48

"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 351/1991

Quarasma - pareceu-me um sinal do deserto em que nos, cristaos da Tchecoslováquia, peregrinávamos naquela época. Após a ordenacao nenhum dos meus parantes sabia que eu era sacer

dote; nem minha má*e, nem meu pai, nem os meus irmfos. Era demasiado perigoso para eles. Comuniquei-lhes a realidade tres dias antas de partir para Roma em dezembro de 1989.

Hoje estudo na Faculdade de Ciencias da Educacáo da Pontificia Univenidada Salesiana em Roma. Estou-me especializando em catequese

e pastoral da juventude; a principio eu quería estudar teología, mas os meus superiores me explicaram que há grande necessidade, na Tchecoslováquia, de trabalho pastoral em favor dos jovens". 0 relato, eloqüente como é, dispensa comentarios. Passemos agora a

3. Outros países do Leste Europeu

Também na Hungría, na Romanía e na Bulgaria houve ordenacóes episcopais e sacerdotal clandestinas. Todavía o fenómeno nao assumiu as proporcoes que teve na Tchecoslováquia.

O Padre Peter Erdo, professor de Díreito Canónico na Universidade Gregoriana de Roma, narrou que em 1959 o Governo expulsou de Buda pest os seminaristas que se recusaram a participar de urna assembléia desti nada a criticar a obra do Cardeal Josef Mindzsenty, de Budapest: "Contínuaram clandestinamente os seus estudos e foram ordenados ás ocultas por dois bispos: Mons. Zadravec e Mons. Szabo. Na Hungría houve um total de trinta casos de sacerdotes clandestinos. Todos puderam comprovar a legítímidade da sua ordenacao, de modo que a maioria deles hoje trabalha em paróquias". Na Roménia há incerteza no tocante a varias pessoas que afírmam ter recebído a ordenacao sacerdotal ou até mesmo a episcopal. Os maiores pro blemas se encontram ñas comunidades de rito bízantino-romeno ou entre os

"uníatas".1 O Nuncio Apostólico está examinando o caso de dois bíspos de rito grego: para um, parece nao haver problemas; o outro, porém, está me nos bem documentado, embora insista em afirmar a legitimidade da sua

ordenacao episcopal.

(continua nap. 378)

1 Chamamse "uniatas" os cristaos que passaram do cisma bizantino (abano em 1054) para a Igreja Católica, unindo-se ao Papa e é hierarquia da igreja,

sem perder os costumes próprios dos cristaos orientáis. 384

A REGRA DE SAO BENTO

3? edicao em latim-portugués. com anotacóes por Dom

Joao Evangelista Enout OSB. Acaba de aparecer esta no va Impressao. após varios anos esgotada. A Regra que Sao Bento escreveu no século VI continua viva em todos os mosteiros do nosso tempo, aos quais nao faltam voca-

poes para monges e monjas,

21Opá9s

Cr$ 1.400.00

PERSPECTIVAS DA REGRA DE S. BENTO Irma Aquinata Bockmann OSB

Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina - Traducao do alemao por D. Mateus Rocha OSB

A Autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo An selmo em Roma (Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha, Italia, Franca, Portugal,

Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil] Tanzania, Coréia e Filipinas, por ccasiao de Cursos é Retiros.

364pá9

SAO BENTO E A PROFISSAO DE MONGE

Por Dom Joao Evangelista Enout O.S.B. 190 Págs

O genio, ou seja a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) - SAO BENTO - transformou-

Cr$3.500,00 Cr$ 1.500 00

o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um es

tado de vida crista, empenhado na procura crescente da

face e da verdade de Deus, espelhada na trajetória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. Assim, o discípulo de Sao Bento ouve o chamado para

fazer-se monge, para assumir a "profissao de monge".

RITOS DECOMUNHAO Para Ministros Extraordinarios da Comunhao Eucarística (M.E.C.E.).

Normas, Ritos, indicacao de leituras, com base em docu

mentos da Santa Sé, compilados por Dom Hildebrando P. Martins OSB.

8! edicao. 68 págs

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GREGO BÍBLICO A chave para quem desejar ler o Novo Testamento da língua original, o grego. A autora. Monja beneditina do Mosteiro de Nossa Senhora das Gracas, em Belo Horizonte, estuda o vocabulario que mais interessa ¡mediatamente,

isto é, o do Novo Testamento, e ás vezes também o dos Santos Padres. Escrita manual, impressa em off-set.

220 págs. Reimpressao 1989

- Pedidos somente pelo Reembolso Postal. Precos sujeitos a alteracao.

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Bispo Diocesano de Nova Friburgo Volume de 540 páqs

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