Projeto PERGUNTE E
RESPONDEREMOS ON-LIME
Apostolado Veritatis Spiendor com autorizacáo de Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb (in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE Diz Sao Pedro que devemos estar preparados para dar a razáo da nossa esperanga a todo aquele que no-la pedir (1 Pedro 3,15).
Esta
necessidade
de
darmos
conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.'
visto que somos bombardeados por numerosas correntes filosóficas e religiosas contrarias á fé católica. Somos assim incitados a procurar consolidar nossa crenga católica mediante aprofundamento do nosso estudo.
um
Eis o que neste site Pergunte e Responderemos propóe aos seus leitores: aborda questóes da atualidade controvertidas, elucidando-as do ponto de vista cristáo a fim de que as dúvidas se dissipem e a vivencia católica se fortalega no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a equipe de Veritatis Splendor que se encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003. Pe. Esteváo Bettencourt, OSB
NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR Celebramos
convenio com
d.
Esteváo
Bettencourt
e
passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo. A
d.
Esteváo
Bettencourt
agradecemos
a
confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos <
SUMARIO "Sé Fiel até a Morte..." "Centesimus Annus"
A Violencia e a Pena de Morte "Maturidade Sexual. A Solupao para a AIDS" por Jack Dominian
Eutanasia no Brasil? Livros em Estante m
O oc o.
ANO XXXII
SETEMBRO 1991
352
.PERGUNTE E RESPONDEREMOS
SETEMBRO - 1991 N9 352
PublicacSo mensal
r Dwetor-Retpontftel:
SUMARIO
Ettéváb Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a materia publicada nene periódico
"Sé Fiel até a Morte..."
337
A nova Encíclica:
Dirctor-Administrador:
O. Hildebrando P Martín* OSB Adminntracáo e drstnbuitio. Edicóes Lumen Christi
Dom Gerardo. 40 - S° andar. S/501 Tel: (021) 291 7122 Caixa Postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - HJ
"Centesimus Annus"
338
Fenómeno antigo e novo: A Violencia e a Pena de Morte
350
Mais urna vez o problema: "Maturidade Sexual. A Solucáo para a AIDS" por Jack Dominian
363'
Mais urna Campanha Polémica: ImptejsJo o EncademacJo
Eutanasia no Brasil?
374
Livros em Estante
380
' MARQUES-SARA1\'A "
GRÁFICOSEEDITORESS A, Tete : 10211273-9498 - 273-94*7
NO PRÓXIMO NÚMERO:
Que há depois da Morte? - Diversas Religioes e urna $6 Verdade ? - "Por
que crer? A Fé e a Revelacao" (L.J. de Mesquita). - Espórtulas "Coletivas" de S. Missa. - Santa Sé: Relacoes Diplomáticas com Israel. - "BibliaPerguntas que o Povo faz" (M. Strabeli).
COM APROVAgAO ECLESIÁSTICA ASSINATURA ANUAL (12 número*): Cr$ 4.000.00 - Número avulso ou atrasado: Cr$ 400.00 Pagamento (á escolha).
1. VALE POSTAL á agencia central dos Correíos do Rio de Janeiro em nome de EdiCÓes "Lumen Chnsti" Caixa Postal 2666 - 20001 - Rio de Janeiro - RJ. 2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edicóes ácima).
'Lumen Chnsti" (endereco
3. ORDEM DE PAGAMENTO, no Banco do Brasil, conta N? 31.304-1 em nome do Mosteiro de Sao Bento. pagável na agencia Praca Mauá/RJ ffi 0435-9. (Nao enviar através de DOC ou deposito instantáneo - A ideritif¡cacao é difícil).
"Sé Fiel Até a Uma das mais belas palavras do linguajar humano (nao somente do cristáo) é o vocábulo fidelidade, que significa "firmeza e perseveranca na
adeslo a um valor". A Escrituralouva o amigo fiel, pois "ele nao tem preco" (Eclo 6. 15s; 7, 18); "ele ama em todo tempo" (Pr 17, 17).
Ora Deus quis fazerse. por excelencia, o fiel amigo do homem. A fide lidade O caracteriza, associada ao seu amor
palpável no Novo Testamento, quando a Palavra se fez carne a fím de confir mar todas as promessas dirigidas aos Patriarcas (cf. Jo 1, 14; 2Cor 1,20); Je sús é a testemunha fiel (Ap 3. 14) e "os dons de Deus sao irrevogáveis". enfatiza o Apostólo (Rm 11, 29).
Todavía o Deus fiel sabe que o homem é de argila e. por isto. sujeito á ¡nfidelidade. Apesar de tudo. quis apostar nele, convidando-o ao consorcio da sua vida (Gl 5. 22; Jo 15, 15). A criatura pode ter certeza de que, "se for infiel. Ele permanecerá fiel, porque, negarse a si mesmo. Ele nao o pode" (2Tm2. 13). Ao homem compete reconhecer essa fidelidade de Deus. Na tentativa
de Ihe corresponder, toca-lhe, antes do mais, pedir ao Senhor a graca da própria fidelidade. Esta implica primeiramente em amor. ... amor a Deus, "que
primeiro nos amou" (Uo 4, 19). mas também incluí fortaleza, magnanimidade, horror á covardia e á mesquinhez.
Nos últimos tempos, diz o Apocalipse, a fidelidade dos justos será ar duamente posta á prova (cf. Ap 13, 10; 14,12). - O cristáo vive consciente de que qualquer momento pode ser o derradeiro; por isto esmera-se por ser
sempre mais fiel frente as seducSes dos dias que passam. O mundo precisa
de ver e sentir fidelidade precisamente quando tantos valores sao violados. E a fidelidade generosa até a morte que impressiona e permite entrever algo da fidelidade do próprio Deus. O Papa Joao Paulo II dizia-o aos cristSos da Cos
ta do Marf¡m em 11/05/80: "Sede o que deveis ser: em relacao ao Senhor, que vos chamou, e aos olhos do mundo, que precisa do vosso testemunho evangélico. E isto, segun
do a vocacáo que é própria a cada um. É questlo de fidelidade..." Fidelidade... Sim; ai está a sfntese de qualquer programa de vida hu mana e cristji. O segredo dos grandes é saber chegar, com dignidade e magnanimidade, até o fim de seus propósitos.
"Sé fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida I" (Ap 2,10). 337
E.B-
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" ANO XXXII - N? 352 - Setembro de 1991
A nova Encíclica:
"Centesimus Annus" Em símese: A nova Encíclica de Joao Paulo II comemora o centenario da Rerum Novarum (Das coisas novas), de Leao XIII, recordando prímeira-
mente os grandes traeos doutrinários deste documento (que conserva até ho¡e a sua atualidade); a seguir, procura desenvolver tais principios a fim de os
aplicar ao mundo de hoje, que tem também suas "coisas novas". Especial mente significativos sao os acontecimentos de fíns de 1989; evidenciam quao sabias eram as advertencias de Leao XIII relativas á propríedade parti cular e ao socialismo; a propríedade particular é direito inerente a toda pessoa humana; cornudo é meio ou instrumento para fazer que os homens crescam em solidaríedade e sentimentos fraternos; o lucro obtido honestamente por urna empresa de mercado é um valor reconhecido, mas valor subordina do a finalidades humanitarias, pois o ser aínda vale mais do que o ter.
Vé-se, pois, que o modelo alternativo para o socialismo real, que implodiu na Europa Central e Oriental, nao é o capitalismo selvagem nem o consumismo, mas a sociedade onde ha/a economía de mercado orientada
pelos valores éticos ou pelo respeito á pessoa humana, que tem dignidade ¡nalienável.
O texto da Encíclica considera numerosas facetas da vida contempo ránea com profunda sabedoria, merecendo atenta leitura de crístSos e nao crístaos. * * *
A 1? de maio de 1991 (memoria litúrgica de Sao José Operario), o Santo Padre JoSo Paulo II assinou a Encíclica Centesimus Annus, come-
morativa do centenario da Rerum Novarum de Leao XIII. Esta ¡naugurou a serie de Encíclicas Sociais da Igreja aos 15/05/1891 e foi desenvolvida pelos Papas subseqüentes, que foram acrescentando novos e novos dados aos ' principios firmados pela Rerum Novarum. 338
"CENTESIMUS ANNUS"
O texto de Joao Paulo II compreende, além da IntroducSo, seis capí tulos, que olham para o passado (as coisas novas do fim do sáculo XIX), pa ra o presente (as coisas novas do fim do século XX) e para o futuro (as coi sas novas do terceiro milenio). Eis a seqüéncia da Encíclica Centesimus Annus: 1) Traeos característicos da Rerum Novarum; 2) Rumo ás "coisas
novas" de noje; 3) O ano de 1989; 4) A propriedade privada e o destino universal dos bens; 5) Estado e Cultura; 6) O homem é o caminho da Igreja. Percorreremos estas seis etapas em termos sintéticos, pondo em relevo o que elas tém de mais significativo.
1. Trapos característicos da "Rerum Novarum" Leao XIII quis voltar-se para o que se chamava, na época, "a questao
operaría", ou seja, a triste condicao dos trabaIhadores sujeitos ás arbitrarie dades dos patroes no tocante a salarios, horas e condicóes de trabalho, repouso, etc. - Com efeito; a revo I upa o industrial vivida por capitalistas libe ráis, cujo grande interesse era o lucro, sacrif ¡cava os operarios.
A título de solucao para o problema, o socialismo propunha a coletivizacüo dos meios de producáo ou a transferencia do capital para o Estado -
o que mais prejudicaria e despojaría os operarios. Após o brado de alerta e as intervenedes de clérigos e leigos do século XIX, Leao XIII resolveu propor na sua Encíclica o pensamento católico sobre o assunto: o trabalho nao
é mercadoria, mas é expressao da pessoa humana, que tem dignidade inconfundível; por isto merece salario justo, suficiente para manter o operario e
sua familia; merece repouso correspondente á fadiga acarretada; o trabalhador deve poder associar-se aos seus colegas de labuta em organizacoes poste
riormente ditas "sindicatos"; o Estado há de favorecer a classe operaría, garantindo o respeito aos seus direitos. Concluí Joao Paulo II: "A ninguém escapa a atualidade destas refle-
xóes. Será conveniente... ter presente que aquilo que serve de linha condutora da Encíclica e de toda a doutrina social da Igreja é a correta concepcio
da pessoa humana e do seu valor único" (n? 11). 2. Rumo ás "coisas novas" de hoje "A comemorapao da Rerum Novarum nao seria adequada se nao
olhasse também para a situapao de hoje" (n9 12). 1. Leao XIII de certo modo já previa os acontecimentos que marcaram os últimos cem anos, entre os quais se destacam os dos últimos meses de
1989 e dos primeiros meses de 1990, quando se deu a queda do socialismo 339
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
nos países da Europa Central e Oriental. Mesmo sem conhecer um Estado
socialista forte e poderoso, o Papa predisse o malogro do socialismo. E por que terá este desmoronado?
"O erro fundamental do socialismo é de caráter antropológico... Considera cada homem simplesmente cqmo um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do individuo aparece totalmen te subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social" (rí? 13).
Por sua vez, essa errónea concepcao do homem tem sua causa primeira no atei'smo. E o atei'smo se prende ao racionalismo ou lluminismo do sáculo XVIII, quando os pensadores conceberam o homem de maneira mecanicista. Da mesma raíz ateísta deriva-se a escolha dos meios de acao própria do socialismo, que é a luta de classes. Esta é condenável por desrespeitar a
dignidade da pessoa humana, abstraindo de consideracoes éticas e jurídicas, sem excluir o uso da mentira e o recurso ao terror.
O atei'smo que levoü ao desprezo de Deus e do próximo, atingiu as suas conseqüéncias extremas no trágico ciclo das duas grandes guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45: "Foram guerras ditadas pelo militarismo e pelo nacionalismo exacer bado, e pelas formas de totalitarismo a esses ligadas, e guerras derivadas da
luta de classes, guerras civis e ideológicas. Sem a terrfvel carga de odio e rancor, acumulada por causa de tanta injustica..., nao seriam possfveis guerras
de tamanha ferocidade..., em que nao se hesitou em violar os direitos hu
manos mais sagrados e fot planificado e executado o exterminio de povos e grupos sociais inteiros. Recorde-se aquí, em particular, o povo hebreu, cu/o
destino terrfvel se tornou um símbolo da aberracSo a que pode chegar o ho
mem quando se volta contra Deus" (n? 17). Verdade é que desde 1945 as armas silenciam no continente europeu. Mas o que se registra, é uma situacao de nao guerra mais do que de paz ver-
dadeira. A paz tem sido mantida á custa de louca corrida aos armamentos, que absorve os recursos necessários para o equilibrio da economía e para au xiliar as nacoes mais desfavorecidas. O progresso científico e tecnológico, que deveria contribuir para o bem-estar do homem, acaba-se transformando
num instrumento de guerra. Sobre o mundo inteiro pesa a ameaca de guerra atómica, capaz de provocar a extincao da humanidade.
2. Na historia dos povo. contemporáneos, registram-se, além do socia lismo e de sua odissáia, tres outras conf iguracdes da sociedade: 340
"CENTESIMUS ANNUS"
a) Tencionando afastar o socialismo marxista, alguns povos criaram o Estado de "Seguranca Nacional", visando a controlar de modo capilar toda a sociedade. Exaltando o poder do Estado, correram o grave risco de destruir a liberdade e os valores dos cidadaos;
b) Outra réplica ao marxismo é a sociedade do bem-estarou do consu mo, que pretende mostrar como o livre mercado pode melhor atender ao ho-
mem do que a economía do comunismo. Peca, porérn, por negar os valores da Moral, do Direito, da cultura e da religiáo, reduzindo o homem ao plano da satisfacáo das necessidades materiais. c) Tenvse desenvolvido notável processo de "descolonizacáo". Varios países adquirem ou reconquistam a independencia, mas ainda estío no ini cio do caminho para a auténtica soberanía;ainda sao controlados por potencias estrangeiras nos setores da economía, da tecnología e da política.
3. Tentando contribuir para a reestruturacao da ordem social apios a segunda guerra mundial, os povos se aproximaram entre si na "Organizacao das Nacoes Unidas", que tem procurado despertar no mundo inteiro a cons-
ciencia dos direitos dos individuos e dos povos. Todavía "as Nacoes Unidas ainda nao conseguiram construir instrumentos eficazes, alternativos á guerra, na solucao dos conf litos internacionais, e este parece ser o problema mais urgente que a comunidade internacional tem para resolver" (n? 21).
3. O ano de 1989
O capítulo 3? da Encíclica é todo dedicado á reflexao sobre os aconte cí men tos que marcaram o final de 1989, ou seja, a queda do marxismo no Centro-Leste europeu. Antes do mais, o Papa nota um fator ponderoso dessa ¡mplosao:
"Contributo importante, mesmo decisivo, velo do empenho da Igreja na defesa e promocio dos direitos do homem: em ambientes fortemente
¡deologizados, onde a filiacao partidaria ofuscava o sentimento da dignidade humana comum, a Igreja, com simplicidade e coragem. afírmou que todo homem — se/am quais forem as suas conviccdes pessoais —, traz gravada em si a imagem de Deus e, por t'sso. merece respeito. Com esta afírmacao, muítas vezes, se identifícou a grande maioria do povo, o que levou é procura
de formas de luta e de solucdes políticas mais respeitadoras da dignidade
da pessoa" (n? 22).
Entre os direitos violados pelos regimes marxistas. estavam os direitos do trabalho e do trabalhador. Os operarios se uniram entre si em solidarieda341
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 de,.como se verificou especialmente na Polonia e, baseando-se nos principios
da doutrina social da Igreja, desautoraram a ideología que pretendía falar em nome deles. A grande reviravolta se deu sem derramamento de sangue, sustentada apenas pelas armas da verdade e da justica. Enquanto o marxismo apregoava a solucao dos problemas sociais mediante embates violentos e mi litaristas, o marxismo mesmo foi derrubado pelo testemunho da verdade dos nao marxistas e pela procura da negociacao e do diálogo. A violacao dos direitos dos trabalhadores acarretou a ineficacia do sis tema económico marxista, em conseqüéncia da qual também se deu a implosao do regime.
Mais: o achatamento dos cidadábs e de sua cultura tradicional provo cado pelo marxismo foi ainda outro fator de queda do regime. Com efeito; todo homem se questiona sobre o sentido do nascimento, do amor, do trabalho, do sofrímento, da morte. . . Ora tal questionamento nao encontra resposta satisfatória nos sistemas filosóficos materialistas; é somente numa perspectiva de transcendencia ou num olhar sobre Deus que ele pode ser elu cidado.
Vé-se, pois, que, em última análise, a causa profunda das mudancas na
Europa de 1989 está no vazio espiritual provocado pelo ateísmo; este deixou as jovens geracoes privadas de orientacao e induziu-as, em diversos ca sos, a redescobrir as rai'zes religiosas da sua cultura e a própria pessoa de Cristo, numa resposta adequada aos anseios de bem, verdade e vida que mo-
ram no coracao de cada homem. "Esta procura encontrou guia e apoio no testemunho de quantos, em situacóes dif icéis e ató na perseguicáo, permane
cerá m fiéis a Deus. O marxismo tinha prometido desenraizar do coracao do homem a necessidade de Deus, mas os resultados demonstram que nao é
possível consegui-lo sem desordenar o coracao" (n? 24).
é digno de nota ainda o seguinte inciso: "Os fatos de 1989 oferecem o exemplo do sucesso da vontade de ne gociado e do espirito evangélico, contra um adversario decidido a nao se
deixar vincular por principios moráis: eles sSo urna advertencia a quantos, em nome do realismo político, querem banir o dimito e a moral da arena
política, é ceno que a ¡uta que levou ás mudancas de 1989, exlglu lucidez,
moderacSo, sofrimentos e sacrificios; em certo sentido, aqueta nasceu da oracSo, e teña sido ¡mpossfvel sem urna confianza ilimitada em Deus. Senhor da historia, que tem ñas suas mSos o coracio dos homens. Só unlndo
o próprio sofrimento pela verdade e pela Uberdade ao de Cristo na Cruz é que o homem pode realizar o milagro da paz e discernir a senda freqüentemente estreita entre a covardia que cede ao mal, e a violencia que, na ilusSo de o estar combatendo, o agrava ainda mais" (n? 25). 342
"CENTESIMUS ANNUS"
Em conseqüéncia da reviravolta de 1989, alguns poyos estSo no inicio da sua reconstrucao. Esta fase sugeré duas observacoes: a) nao permitam que odios e rancores acumulados durante os anos de regime marxista se traduzam atualmente em vinganca e represalias, mas cedam ao espirito de paz e de perdió; b) os países recaní-libertados precisam da ajuda das nacóes mais aquinhoadas. Estas nao Ihes recusarao seus prestimos indispensáveis, todavía sem esquecer as carencias que também afetam o Terceiro Mundo. A reducao de armas facilitará esse servico de colaborarlo.
4. Propriedade privada e destino universal dos bens Este capítulo é o mais denso de toda a Encíclica. Os seus tópicos podem ser assim arrolados:
1. O exerci'cio da propriedade privada é direito natural de todo homem, como já dizia Leao XIII em consonancia com toda a Tradicáb crista. Todavía a propriedade particular deve frutificar em favor nao só do respec tivo proprietário, mas em prol de outros homens. 2. A primeira forma de propriedade particular é a da térra. Mas em nossos dias existe outra modalidade de propriedade particular, tao importan te quanto a da térra: é a propriedade do conhecimento, da técnica e do sa ber. A riqueza das nacoes industrializadas funda-se muito mais sobre este
tipo de propriedade do que sobre a dos recursos naturals. — A propriedade do saber e da técnica é que dá ao trabalho e, por conseguinte, á materia pri
ma maior valor, pois quem possui um saber técnico pode avaliar as carencias dos homens e projetar o trabalho de modo a produzir exatamente aquilo de que o mercado necessita. Assim tém orígem as empresas com as suas iniciati vas cada vez mais esmeradas e eficientes.
3. A Igreja reconhece a honestidade e a justa funcao do lucro que decorre do bom e reto funcionamento da empresa. Quando esta dá lucro, po-
de-se dizer que os fatores produtivos foram adequadamente usados e as cor relativas necessidades humanas foram devidamente preenchidas. Todavia o lucro nao é o único indicador das condicdes de urna boa empresa. Pode acontecer que seja satisfatório, enquanto os homens, que constituem o patrimonio mais precioso da empresa, sao humilhados e ofen
didos na sua dignidade. Além de ser moralmente ¡nadmissível, isto nao pode deixar de repercutir negativamente na própria eficiencia económica da em presa. Com efeito; o objetivo nao é simplesmente o lucro, mas a própria exis343
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
téncia da empresa como comunidade de homens, que, de diversos modos,
procuram a satisfacao de suas necessidades fundamentáis e constituem um grupo especial a servico de toda a sociedade. O lucro é um regulador da vida da empresa, mas nao o único; a ele se deve associar a consideracao de outros fatores humanos e moráis que, a longo prazo, sao igualmente essenciais para a vida da empresa. 4. Acontece, porém, que muitos trabalhadores nao tém possibilidade
de adquirir o saber técnico por falta de escola ou de capacidade pessoal; daí serem eles marginalizados ou excluidos das empresas de certo porte; nao raro procuram as grandes cidades do Terceiro Mundo, vivendo na sua perife
ria em condicóes precarias, visto que estao desenraizados e sem possibilidade de integracao. Para tais casos, é de désejar especial atencao das autoridades civis, que procurarlo oferecer aos trabalhadores as condicóes de habitacáo necessárias para se poderem inserir na comunidade de trabalho.
5. Vé-se também que o capitalismo liberal, cujo único objetivo é o lu cro, nao é a alternativa para o socialismo real que implodiu nos países ex-comunistas. Requer-se nítido escalonamento de valores em todos os povos: to dos tém o direito de querer urna vida melhor, mas nao a devem avahar ape
nas segundo os criterios do ter, esquecendo que o ser está ácima do ter; pode-se desejar ter mais para ser mais, e nao para consumir a existencia no prazer, tidocomo finalidade em si. A propósito diz textualmente o Santo Padre: "Pode-se pon/entura dizer que, após a falencia do comunismo, o siste ma social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os esforcos dos países que procuram reconstruir as suas economías e a sua so ciedade? É, pon/entura, este o modelo que se deve propor aos países do Ter ceiro Mundo, que procuram a vía do verdadeiro progresso económico e civil? A resposta aprenta-se obviamente complexa.
Se por 'capitalismo'
se indica um sistema económico que reconhece o papel fundamental e posi
tivo da empresa, do mercado, da propríedade privada e da conseqüente responsabilidade pelos meios de producao, da livre críatividade humana no setor da economía, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de 'economía de empresa' ou de 'economía de merca do' ou simplesmente de 'economía livre'. Mas, se por 'capitalismo'se entende um sistema onde a líberdade no setor da economía nSo está enquadrada num sólido contexto jurídico que a ponha a servico da líberdade humana integral e a considere como urna particular dímensib desta líberdade, cujo centro seja ético e religioso, entio a resposta é, sem dúvida, negativa"
(n? 42). 344
"CENTESIMUS ANNUS"
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6. A Igreja nao tem modelos a propor para a estruturacSó da socieda de e do trabalho. Ela oferece, como orientacSo ¡ndispensável, a sua Doutri-
na Social; esta reconhece o valor positivo do mercado e da empresa, mas aponía, ao mesmo tempo, a necessidade de que estes sajam orientados para o bem comum; ela reconhece também a legitimidade dos esforcos dos trabalhadores para conseguirem pleno respeito da sua dignidade e espacos maiores de participacao na vida da empresa, de modo que eles, trabalhando em conjun to com outros, possam em certo sentido trabalhar por conta própria, exci tando a sua inteligencia e liberdade.
7. Neste capítulo 4?, O Papa também fata da familia fundada sobre o matrimonio, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes
nocoes da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, conseqüentemente, o que quer dizer concretamente ser urna pessoa. Cf.
n°39. 8. Há também referencia á questáo ecológica; o homem é por Deus chamado a respeitar a obra do Criador, levando-a á condicao de ser digno habitat do hcmem e motivo de louvor ao Criador; nao se substitua o homem a Deus, provocando a revolta da natureza, mais tiranizada que governada por
ele {cf. n? 37).
5. Estado e Cultura Este capítulo considera o totalitarismo do Estado, que arroga a si isencao de erro ou infalibilidade de decisoes e exercício de poder absoluto.
"A cultura e a praxis do totalitarismo comportam também a negacio da Igre/a. O Estado, ou entao o partido, que pretende poder realizar na his
toria o bem absoluto e se arvora por sobre todos os valores, nSo pode tolerar que se/a afirmado um criterio objetivo do bem e do mal, para além da vontade dos gobernantes, criterio que, em determinadas circunstancias, poderla servir para julgar o seu comportamento. Isto explica por que o totalitarismo procura destruir a Igreja ou, pelo menos, subjugá-la, fazendo-a instrumento do próprio apanino ideológico. O Estado totalitario tende, aínda, a absorver em si próprio a Nació, a
sociedade, a familia, as comunidades religiosas e as próprias pessoas. befen-
dendo a própria liberdade, a Igreja defende a pessoa, que deva obedecer an tes a Deus que aos homens (cf. AtS. 29), a familia, as diversas organiíacdes sociais e as NacBes, realidades essas que gozam de urna específica esfera de
autonomía e soberanía" (n? 45). 345
10
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 A Igreja respeita o regime de Governo democrático:
"Após a queda do totalitarismo comunista e de muitos outros regimos totalitarios e de 'seguranca nacional', assistimos hoje á prevaléncia, nao sem contrastes, do ideal democrático, em conjunto com urna viva atencio e preocupacio pelos direitos humanos. Mas, exatamente por isso, é necessário que os povos que estao reformando os seus regimos, dSem á democracia um au téntico e sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito dos refe ridos direitos. Entre os principáis, recordem-se: o direito á vida, do qual 6 parte integrante o direito a crescer á sombra do coracao da mié depois de ser gerado; o direito a viver numa familia unida e num ambiente moral favorável ao desenvolvimiento da própria personalidade; o direito o amadurecer
sua inteligencia o liberdade na procura o no conhecimento da verdade; o di reito a participar no trabalho para valorizar os bens da térra e a obter dele o
sustento próprio e dos seus familiares; o direito a fundar urna familia e a acolher e educar os filhos, exercitando responsavelmente a sua sexualidade. Fonte e sfntese desses direitos é, em corto sentido, a liberdade religiosa, en
tendida como direito a viver na verdade da própria fé e em conformidade
com a dignidade transcendente da pessoa" (n? 47).
Esse? direitos democráticos permitem ao homem desenvolver a sua cultura. A Igreja favorece a verdadeira cultura: "E/a promove as qualidades dos comportamentos humanos que favorecem a cultura da paz, contra os modelos que confundem o homem na massa, ignoram o papel da sua iniciativa e liberdade e poem a sua grandeza ñas artes do confuto e da guerra. A Igrefa presta este servico, pregando a ver dade relativa á criacSo do mundo, que Deus pñs ñas mios dos homenspara que o tornem fecundo e maisperfeito com o seu trabalho, e pregando a ver
dade referente á Redencao, pela qual o Filho de Deus salvou todos os homens e, simultáneamente, os uniu entre si, tomando-os responsáveis uns pe los outros. A Sagrada Escritura fala-nos continuamente do compromisso ati-
vo a favor dos irmaos e apresenta-nos a exigencia de urna co-responsabilida-
de que deve abracar todos os homens" (n? 51).
6. O Homem ó o Caminho da Igreja "Nos últimos cem anos, a Igreja manifestou repetidamente: o seu pensamento, seguindo de peno a evofucao continua da questio social. Nio o fez para recuperar privilegios do passado ou para impor a sua concepcio so
cial. 0 seu único objetivo era o cuidado e a responsabilidade pelo homem, a Ela confiado pelo próprio Cristo: por este homem que, como o Concilio do Vaticano II recorda, ó a única criatura sobre a térra a ser querida por Deus por si mesma, o para a qual Deus tem o seu projeto, isto ó, a participacSo na
346
"CENTESIMUSANNUS"
11
salvacSb eterna. NSo se tratado homem abstrato, mas do homem real, con creto, histórico; tratase de cada homem, porque cada um foi englobado no misterio da RedencSo e Cristo uniuse com cada um pan sempre atravós desse misterio. Disto se segué que a igre/a nio pode abandonar o homem e que este homem é o primeiro caminho que a ¡groja deve percorrer na realizacao da sua missSo... o caminho tracado palo próprio Cristo, caminho que
invariavelmente passa pelo misterio da EncamacSo e da RedencSo" (n9 53).
O S. Padre nao perde a ocasiao de referirse á opclo preferencial pelos pobres, explicitando o auténtico sentido que esta expressao deve ter na mente dos fiéis católicos:
"A Igre/a está consciente, hoje mais do que nunca, de que a sua mensagem social encontrará credibilidade primeiro no testemunho das obras e, só depois, na sua coerénciae lógica interna. Desta conviccSo provóm também a sua opcSo preferencial pelos pobres, que nunca será exclusiva nem discri
minatoria relativa a outros grupos. Tratase, de fato, de urna opcio que nao se estende apenas á pobreza material, dado que se encontram, especialmente na sociedade moderna, formas de pobreza nao só económica, mas também
cultural e religiosa. 0 amor da Igre/a pelos pobres, que é decisivo e pertence é sua constante tradicSo, impele* a dirigirse ao mundo no qual, apesafdo
progresso técnico-económico, a pobreza ameaca assumir formas gigantescas. Nos países otídentais, existe a variada pobreza dos grupos margina/izados, dos anciios e doentes, das vftimas do consumismo, e aínda de tantos refugia dos e migrantes; nos países em vías de desenvolvimento, desenhamse no ho rizonte críses dramáticas se nSo forem tomadas medidas intemacionalmente
coordenadas.
0 amor ao homem -eem primeiro lugar ao pobre, no qual a Igre/a vé. Cristo - concretizase na promovió da justica. Esta nunca podará realizarse plenamente, se os homens nao deixarem de ver no necessitado. que pede a/uda para a sua vida, um importuno ou um fardo, para reconhecerem nele a
ocasiSo de um bem em si, a possibilidade de urna riqueza maior" (n? S7s).
Os parágrafos fináis do capítulo 6? e da Encíclica lancam um olhar para o terceiro milenio:
"Ao concluir, quero agradecer a Deus onipotente por ter dado á sua Igre/a a luz e a torca para acompanhar o homem no seu caminho terreno pa
ra o destino eterno. A Igre/a, também no Terceiro Milenio, permanecerá fiel no assumir como próprio o caminho do homem, sabendo que nao caminha só, mas com Cristo, seu Senhor. Foi Ele que fez Seu o caminho do homem, e o gula mesmo quando ele disso nSo se dé conta. 347
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"PERGUNTEE RESPONDEREMOS" 352/1991
María, a Miedo fíedBDtor,qu.eipermanece ao lado de Cristo no seu caminho ao encontró dos homens-ff-qom os homens, e precede a Igreja na pere
grinarlo da fé, ¿corppánhe/CQfh sua maternal intercessSo, a humanidade em
diregao ao próXim&rriifSniSíria fídelidade Áquefe que ontem como hoje 6 o mesmo e o será para sempre (cf. Hb 13,80), Jesús Cristo, Nosso Senhor, em
nome do quala todos abencoo" (n? 62). * * *
Refletindo...
Eis os principáis traaos de belo e rico documento da Igreja de nossos dias. Merece ser lido na íntegra e com vagar, dando-se especial atencao aos
capítulos 3? e4?. 0 capítulo 3? (O ano ó» 1989) é ¡nteressante, porque faz urna análise, em profundidade, dos fatores que motivaram a surpreendente e brusca implosao do comunismo na Europa. Aponta os valores espirituais, fielmente professados e mantidos por cristaos e homens de boa vontade, como forca que impulsionou os povos a revirar a situacao de esmagamento em que se achavam. Nao houve derramamento de sangue. Este fato, que pos termo a quarenta og mais anos de perseguicao aos cristaos, lembra os primeiros séculos da Igreja: os cristaos eram perseguidos e nao tinham como arma de defesa senao a fé e a coragem que o amor a Cristo Ihes suscitava; apesar de total mente despojados de recursos humanos (dinheiro, prestigio, protecao...), venceram o Imperio Romano perseguidor, pois este em 313 Ihes decretou a liberdade (paz de Milao). O paralelo entre os primeiros séculos e o sáculo XX evidencia nítidamente o poder dos valores moráis e espirituais que o Cristianismo traz em seu bojo; sao valores que puderam e podem vencer a agressividade dos adversarios. A historia assim lida torna-se para os fiéis ca tólicos eloqOente licao; filhos dos Santos, herdeiros de mártires, saibam honrar um patrimonio espiritual tao precioso; bem vivido, o Cristianismo é fermento na massa e luz no mundo, podendo hoje em dia superar também, pela coeréncia dos seus adeptos, a problemática de desánimo e desespero em que se encentra boa parte da sociedade contemporánea.
O capítulo 4? (A propriedade particular e o destino universal dosbans) é rico em alusoes a desafios da vida contemporánea que nao puderam ser explanados'ñas páginas deste artigo. Procura por em relevo as ¡mplicacoes da propriedade particular na construcáo de urna sociedade mais humana e fra terna.
Em poucas palavras: o mundo atual tem na encíclica de Joao Paulo II fecunda mina de observacBes e reflexSes relativas ¿ tormentosa raalidade de nossos dias.
-
348
Fenómeno antigo e novo;
A Violencia e a Pena de Morte
Em síntase: O crístao é chamado a opor-se a toda forma de injustica;
nao se pode resignar passivamente diante da prepotencia dos fortes e estu-
tos. Neste ponto nao resta dúvida. Mas o que se questiona, sao os meiosa
ser aplicados para afastar inj'usticas e transformar situacoes infquas. O crístio responderá que Ihe compete recorrerá meios nao violentos; excetuar-se-
i apenas o caso em que, injustamente agredido, nSo Ihe resta outra solucSo sanio revidar pela violencia a fim de escapar de um mal maior ou salvaguar dar um justo direito seu. Será ora mais fácil, ora mais difícil discernir quais sejam os limites da justica e da injustica nos confíitos ocurrentes entre indi' vfduos ou entre sociedades. O bom senso, o desprendimento de egoísmo e paixoes espurias ajudarao a pessoa bem intencionada a descobrír o melhor alvitre a tomar; o crístao pedirá as luzes do Espirito pan nSo trair o Senhor Jesús e se comportar coerentemente com os principios do Evangelho ñas complexas situacoes do mundo presente. * * *
A violencia 6 tao antiga quanto os homens. Mas ela hoje impressiona particularmente pelas modalidades que assume e que a tornam extremamen te feroz.
Duas formas novas de violencia podem-se distinguir em nossos días:
1) a violencia tornou-se instrumento de luta política; ao passo que
amigamente os ladroes e assassinos eram geralmente considerados crimino sos, nos tempos atuais os que praticam a violencia política sao tidos freqüentemente como heróis ou, ao menos, como descujpáveis por terem agido em caso de necessidade e movidos por nobres razóos. — Há, portento, quem
distinga entre violencia política (excusável) e violencia nao política (condená-
vel). Registra-se até a tendencia a fazér passar por violencia política todo ti
po de violencia; muitos dos que matam ou roubam, se dizem prisioneiros po
líticos; aos seus olhos, a motivacao política dignifica o delito e o torna aceitável;
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 \ 2) a violencia atualmente nem sernpre distingue entre pessoas tidas co
mo culpadas e pessoas inocentes. Elá se dirige, muitas vezes, contra o "siste
ma". Para abater o sistema, os.yióíentos se voltam contra a coletividade co
mo tal ou coñtrá"Os!seusmémbros mais representativos (ainda que pessoalmente inocentes). Isto gera ñas sociedades contemporáneas a sensacáo de inseguranca e pánico perante a constante ameaca de terrorismo.
1. Que é violencia? Antes do mais, é necessário definir o que se entende por violencia, pois há aqueles que ampliam excessivamente o seu ámbito, como há quem o restrinja indevidamente.
1. Com efeito. Para alguns, violencia é todo exercício da autoridade
dos pais sobre os filhos, dos mestres sobre os discípulos, do patrio sobre o trabalhador, do Estado sobre o cidadáo, do direito sobre os delinqüentes. Até a Igreja seria violenta ao lembrar a Leí de Deus e impor, em nome desta, limites moráis á liberdade das consciéncias; a única lei moral do Cris tianismo seria a do amor.
Tém-se assim resquicios de antigás tendencias anarquistas, que inspiram grupos radicáis e levam a considerar a sociedade atual como violenta e repressiva em todos os seus setores.
2. Outros se detém nos aspectos mais evidentes e macroscópicos da violencia: seqüestros de avióes, incendios provocados, explosao de bombas, atentados contra pessoas, grupos ou instituic6es.:.4 Nao observam que pode haver violencia oculta, dissimulada, de certo modo "legalizada": tais sao o caso da administracao pública que nao funciona com eficiencia e regularida-
de e, por isto, prejudica os cidadaos; o caso da escola que nao forma os jovens para enfrentaren* o futuro; o do médico que, aproveitando-se da grave necessidade do enfermo, Ihe cobra emolumentos exorbitantes; o do patrao que impoe ao operario carente condicSes desumanas de trabalho ou Ihe nega o salario justo; o dos meios de comunicacáo social, que sorrateiramente influem na producao e no mercado mediante publicidade nem sempre honesta ou sugerem modo de pensar e comportar-se nem sempre condizente com o bem da sociedade e dos individuos. 3. Que á entao a violencia?
- É o uso injusto da farpa - física, psíquica ou moral - no intuito de privar alguém de um bem a que tem direito (vida, saúde, liberdade...) ou em vista de impedir-lhe urna opcao livre, coagindo-o a fazer até o contrario aos seus interesses.
3S0
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
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Por conseguirte, nao se.pode chamar "violencia" qualquer uso da forca, mas s6 o uso injusto, que lese um direito. Assim um Estado que recorra á forca para impor a aplicacao de leis justas ou para punir quem as tenha viola do com grave prejufzo para o bem comum, nao cometo violencia, desda que se mantenha dentro dos limites da justica. Também na familia, na escola, na Igreja nao há violencia dentro de situacoes análogas as que acabam de ser descritas. Querer generalizar a violencia é suscitar a psicose da violencia; é criar slogans contra esta escola, esta sociedade..., slogans que, muitas vezes, em maos dos jovens se convertem em pedras e balas. Procuremos agora investigar
2. As causas da violencia O tato de que a maioria dos crimes comuns sao cometidos por jovens
mais a violencia dos delitos comuns nao tem as mesmas causas que a violen cia pol i'tica.
2.1. Violencia dos delitos comuns O fato de que a maioria dos crimes comuns sao cometidos por jovens até os 30 anos de idade (podenco haver delinqüentes de'treze anos) que vivem ñas grandes cidades e procedem de familias problemáticas, faz crer que as causas de tal violencia tém esencialmente índole social.
Com efeito. A atual sociedade industrializada, urbana e consumista, apregoando a filosofía do bem-estar, da corrida ao lucro, da primazia do ter sobre o ser, e gerando a crise da familia, a solidao e o anonimato, é foco de violencia. A sociedade de consumo, marginalizando as pessoas que nao podem produzir e consumir, torna-as inadaptadas e rebeldes; destrói os valores moráis, que sao a única forpa capaz de conter os impulsos instintivos da vio lencia e do mal existentes no coracao do homem. Provoca a aversao aos canais que transmiten* tais valores — em primeiro lugar, á familia, que se senté incapaz de realizar sua missao educadora. Sim; a sociedade que exalta, como valores supremos, o prazer e o dinheiro; a sociedade que aplaude o sucesso e
a riqueza obtidos por quaisquer meios (honestos ou desonestos); a sociedade que despreza o homem honesto como sendo fraco e covarde, e exalta o astu
to que prevalece sobre os demais..., dá ocasiao a que os jovens que nao tenham recebido formacao moral e se sintam marginal izados, se vejam tentados a recorrer á violencia para ganhar com facilidade e rapidez muito dinheiro; quando adultos, chegam a organizar-sé em bandos para promover assaltos e seqüestros armados. A inercia da sociedade e das autoridades para impedir tais facanhas convence os delinqüentes de que "a violencia..vale a pena" e vem a ser o instrumento mais eficaz para acumular dinheiro rápidamente. 351
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
É preciso aínda observar que o desprezo dos criminosos para com a vida humana é conseqüéncia do processo de secularizacSo e dessacralizacao do homem. J¿ nao se vé roste a ¡magem e semelhanca de Deus, em virtude
da qual a pessoa é algo de respeitável e intocável: rts sacra homo. Se o ho mem nao é senáo um vívente como os demais, por que nao pode ser elimi nado e trucldado, se cría obstáculo aos designios de quem cobica algo? Mais: urna sociedade que legitima o aborto ou a ocisao de um ser humano inocente (violencia máxima que se possa coneeber), perde a autoridade para coibir criminosos que a incomodam e que alegam ter o direito de ganhar seu . dinheiro.
Em última análise. o nexo existente entre secularizarlo e violencia se deve á perda do senso religioso do mundo atual. Se nao há Deus, nao há fun damento para as normas moráis; Jean-Paul Sartre tinha razio ao dizer: "Se Deus nao existe, tudo é permitido", como se lé abaixo:
"O existencialista é muito oposto a um ceno tipo de moral leiga que desoja suprimir Deus com o mínimo de inconvenientes possfvel. Quando em 1880 alguns professores franceses tentaram constituir urna moral leiga, disseram mais ou menos o seguinte: 'Deus 6 urna hipótese inútil e pesada; suprimamo-la; mas ó necessárío, para que naja urna Moral, urna sociedade, um mundo policiado,... é necessá río que ceños valores sejam levados a serio e considerados como existentes de maneira absoluta; faz-se misterse/a obligatorio em absoluto que se/amos ho nestos, nio mintamos, nao espanquemos nossas esposas, tenhamos fílhos, etc., etc.... Por conseguíate, vamos fazerum trabalhinho que permitirá mos trar que esses valores existem apesar de tudo, inscritos num céu inteligível, embora Deus nao exista'. Com outras palavras - e esta é. creio, a tendencia de tudo que em
Franca se chama radicalismo - nada será mudado, se Deus nSo existir; en contraremos as mesmas normas de honestidade, de progresso, de humanismo,
e teremos feito de Deus urna hipótese ultrapassada. que morreró tranquila mente e por si. Ao contrario, o existencialismo ¡ulga que é muito incómodo que Deus nio exista, pois com Ele desaparece toda possibllidade de encon trar valores num céu inteligível. Nao pode haver nenhum bem absoluto, Já que nio há eonstíéncia infinita e perfeita para o coneeber; em pane aiguma está escrito que o bem existe, que é preciso ser honesto; que á necessárío 'nao mentir, pois entio precisamente nos colocamos num plano em que há somante homens. Dostoievsky escreveu: "Se Deus nao existísse. tudo sería permitido', é este o ponto de panida do existencialismo" fL'existancialisme est-il un humanismo?" 1946, pp. 34-36). 352
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
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2.2. Violencia política Entre as causas da violencia política e do terrorismo, estao também as que acabam de ser enunciadas: os que a praticam, sao, nao raro, gente frus trada e descontente com a sociedade; ás vezes, sao pessoas desesperadas por carecer de trabalho e perspectivas ou por terem vivido conflitos familiares irremediáveis.
Todavía
mais
peso
ainda tém as motivacoes ideológicas, que se
apresentam conforme o raciocinio seguinte:
"O atual sistema social é desumano e criminoso. Por isto tem que ser destruido. O único meto para destrui-lo e construir novo sistema é a violencia. Por conseguinte, a violencia, na medida em que é um instrumento po lítico, é sempre justificada, visto que o político é o valor supremo, ao qual todos os outros devem subordinarse ou mesmo sacrificarse". Baseado .nesta motivacao, o individuo que comete atos de violencia política, principalmente o terrorista, nao se senté culpado de crimes, mas,
ao contrario, julga-se arauto da justica, que combate em prol da boa causa e nao precisa de se arrepender se executou um servidor do "sistema" (um po lítico, um juiz, um banqueiro, um empresario, um policial...). Pode haver di versos tipos de terroristas, como sao os bascos (ETA), os palestinos, os do Sendero Luminoso (Perú), os Montoneros (Uruguai), mas todos professam a mesma concepcao fundamental: a violencia tem tarca regeneradora e construtiva, a única que pode instaurar um mundo novo. Há mesmo quem vá mais longe, dizendo que a violencia é expressao do amor: amor aos pobres e oprimidos, que ela procura socorrer, mas tam bém amor aos próprios opressores, contra os quais ela se dirige, porque os
ajuda a se livrar das paixóes que escravizam esses opressores! Em tal caso, praticar a violencia seria praticar a caridade. — Ora, sem negar a possfvel boa ¡ntencao dos que assim pensam, deve-se dizer que tal argumentacao é jogo de palavras, que pretende encobrir a verdade, pois geralmente a violencia é inspirada nao pelo amor, mas pelo odio, que é anticristao. A recusa desse tipo de "caridade" exige coragem, pois é exaltado e justificado, por vezes, com grande aparato verboso.
Os argumentos em prol da violencia política (entendida sob qualquer de suas modalidades) nao sao algo de novo, pois já tai outrora exaltada a tarca criadora da violencia pelo idealismo alemao (Hegel, t1831), pelo vita353
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
lismo de Nietzsche (t 1900), pelas correntes anarquistas e pelo filao do so cialismo revolucionario (Babeuf. Blanqui, Marx, Engeis, Lenin, Trotsky, Sorel, Mao-Tse-Tung). O anarquismo inspirou a idéia de que toda a ordem social vigente é fundamentada sobre a religiao, o poder político e a leí, que,
por conseguinte, devem ser aniquilados (ni Dieu, ni Roi, ni Loi).1 O socia
lismo revolucionario incutiu o senso de "fé mística" numa nova ordem, que
só pode nascer da destruicao violenta da antiga; sim, afirmam Marx e Engeis no "Manifestó Comunista" (1848): "OS objetivos do comunismo só se podem alcancar mediante o derru-
bamento violento de toda a ordem social existente até este momento". Lénin seguía Engeis na exaltacao da revolucáo e Trotsky chegou a es-
crever um livro em defesa do terrorismo: The Defence of Terrorism (Lon dres 1921). Posteriormente Mao-Tse-Tung propugnou a necessidade do ter ror para se alcancar a pacificacáo universal. Mais recentemente ainda Herbert Marcuse defendia tese semelhante em termos mais brandos.
Trata-se agora de saber se se pode programar urna resposta á violencia e, caso positivo, como a conceber.
3. Combater a violencia? Há aqueles que nao acreditam na eficacia de urna réplica á violencia. Dizem que é um produto necessário da sociedade atual, que só tende a de senvolverse na medida em que progrida o atual tipo de sociedade.
Com efeito, dizem, opor-se á violencia implica enfrentarlos interesses
de grupos poderosos. Tenham-se em vista, por exemplo, os enormes interes ses que se escondem atrás dos filmes de violencia e das novelas, que vém a ser, para os jovens, autenticas escolas de violencia. Considere-se também o acervo de milhoes de dólares que estío subjacentes ao tráfico de drogas, ... drogas que atualmente sao urna das forcas propulsoras mais freqüentes dos atos de violencia cometidos pelos jovens. Levern-se em conta outrossim os
lucros derivados do mundo da prostituicao (sob qualquer das suas formas), onde a violencia é normal, embora nem sempre manifesté. Em suma, a vio
lencia é hoje em dia altamente rendosa e se liga a interesses de primeira
grandeza no plano material. Daf a dificuldade de combaté-la.
Em particular, a violencia praticada nos seqüestros de pessoas, assaltos a bancos... é protegida por bandos mafiosos bem organizados, que cons-
1 Nem Deus, nem Leí, nem Reí. 354
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
19
tituem forte barreira contra quem se Ihes oponha, e reagem com enorme
crueldade a quem os possa denunciar.
Ademáis tambóm se devem ponderar as grandes dificuldades existen tes para se eliminarem as causas sociais da violencia. A atual sociedade indus
trializada op5e toda a resistencia a qualquer mudanca. É minada por dissolucao moral e desagregado das familias — causas fecundas de violencia que parecem incontroláveis e irrefreáveis. Apesar de tudo, os homens de ideal - especialmente os cristaos — nao se entregam ao pessimismo: ao lado de linhas sombrías, a sociedade contem poránea apresenta outrossim energías e farpas vitáis capazes de ser mobilizadas para o bem.
Da i a proposta de
4. Linhas de agao Distinguiremos de novo a violencia convencional e a política. 4.1. Contra a violencia convencional
Duas tarefas se ¡mpóem com urgencia: 1) Restaurar na consciéncia do público a nocao dos grandes valores moráis relativos ao homem, á sua vida e é sua liberdade; a primazia da pes-
soa sobre o dinheiro, o poder e o prazer, os conceitos de fraternidade, solídariedade e justica. O despertar destes valores nao é possível sem explícita
referencia a Deus. É o absoluto de Deus que fundamenta o absoluto do ho
mem e impede que este seja sacrificado aos ídolos do dinheiro. do prazer e do egoísmo. Por mais que a sociedade humana tanda a secularizar-se e laicizar-se, torna-se também sempre mais evidente que sem Deus nao há respeito
ao homem e aos valores moráis; perante a agressividade dos instintos huma
nos qualquer pregacao de filantropía leiga é inútil e fácilmente burlada. A restaurado dos valores moráis deve comecar no seio da familia e prolongar-se na escola, pois a propenslo á violencia, que todo homem traz dentro de si, há de ser combatida desde a infancia e a juventude; esta é o setor da sociedade mais sujeito aos impulsos da agressividade e simultanea-
mente o motivo de esperanca num futuro melhor. Vé-se, pois. a urgencia de
se consolidar a familia, dando-lhe bases cristas mais firmes, e fomentar a esco la, principalmente a escola católica, genuinamente inspirada pelo Evangelho. Familia e escola, porém, sao gravemente ameacadas pelos meios de comunicacao social,
mormente a televisao, que subliminarmente destroem os 355
20
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
melhores principios educacional e arrastam para a vida dissoluta, excitando
•paixoes. A propósito ver PR 341/1990, pp. 443-354.
__ :'. Está claro que a renovacao da familia e da escola deve incluir um peremptório Nao ao aborto, que é urna forma de violencia e assassínato lega lizada por muitos legisladores que, incoerentemente, condenam a pena de
mofté! -_
2) Nao basta, porém, revigorar os valores moráis e a educacao para os
mesmos. Impoe-se aínda a grande tarefa de eliminar as causas sociais da vio. léncia, tanto as patentes quanto as ocultas; é para desejar que as instituí ¡coes - civis e governamentais funcionem devidamente, tentando promover o bem -comum, e nao apenas o bem particular; acabe-se com o parasitismo e a dila.pidapao do dinheiro público; a magistratura e a administracao da justica
cumpram seu dever com presteza e com retidao imparcial. É necessário eli
minar os estrangulamentos do sistema social e estatal, que impedem aos cidadaos, especialmente aos jovens, o acesso ao estudo, ao trabalho e á cultura; e preciso combater as pragas sociais da marginal izacao, da exclusao, da frus. trácao, do isolacionismo...
. Como se vé, as tarefas assim propostas sao ingentes e desafiadoras. Mas nao é lícito posterga-las sob o pretexto de que sao utópicas e fadadas ao fracasso; somente urna sociedade envelhecida capitula perante os seus proble mas e se deixa simplesmente morrer. Quanto mais se espera e contemporiza, tanto mais se agravam os problemas e se dificultam as solucSes. A passivida-
de dos responsáveís implica deixar que as chagas sociais vSo gangrenando e permitir o acumulo de cargas de violencia que cedo ou tarde explodirao, com maiores danos para o bem comum.
4.2. Violencia política e terrorismo
O combate a este tipo de violencia aínda é mais arduo do que o an terior, porque
1) nao é fácil identificar terroristas em meío ¿s populacoes; 2) utilizam técnicas requintadas de guarniría urbana;
3) sao fanáticos e destituidos de quaisquer principios éticos.
Além do mais, nota-se que contam com o apoio, explícito ou implíci to, de individuos e organizacoes interessados em compartilhar "vantagens" da rapiña e do assassinato. 356
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
2T..
Seria falso tolerar o terrorismo em nome da liberdade de opcao que
deve tocar a cada cidadao no concernente á estruturacio da sociedade e do Estado. Sem dúvida, é lícito a cada um escolher o regime político legítimo:
que mais conveniente Ihe pareca. Mas o que nao 6 lícito, é tentar promové-ló'
mediante atos de violencia terrorista; esta nao s6é moralmente infqua, mas
é também contraproducente. Por conseguinte, quem defende a impunidade dos terroristas políticos, está de certo modo pactuando com a sua violencia. É preciso, sem dúvida, fazer oposicao a situacSes de ¡njustica e opressao dos pequeninos, mas evitar a agresslo terrorista, pois 1) a violencia gera a violencia. 0 uso da violencia suscita um círculo infernal, do qual é difícil sair, visto que a violencia tende a reproduzir-se continuamente; é utópica, pois, a esperanca de que, a violencia tendo alguma vez vencido, tudo entrará em paz e progresso. A experiencia o ensina: toda ditadura brutal ou sufocadora provoca prurridos de rebeliao e explosao vio lenta contra o estado de coisas vigente. Sao palavras do Papa Paulo VI na sua Encíclica Populorum Progressio (sobre o desenvolvimento dos povos):
"Certamente há situacoes cuja ¡njustica brada aos céus. Quando populacdes inteiras, desprovidas do necessárío, vivem numa dependencia que Ihes corta toda iniciativa e responsabilidade, e também toda possibilidade de for-. macio cultural e de acesso á carreira social e política, é grande a tentacao de repetir pela violencia tais injurias á dignidade humana.
Nao obstante, sábese que a insurreicSo revolucionaria — salvo casos de tiranía evidente e prolongada que ofendesse gravemente os direito funda mentáis da pessoa humana e prejudicasse o bem comum do país —gerano^ vas injusticas. introduz novos desequilibrios, provoca novas ruinas. Nunca se
pode combater um mal real á cusía de urna desgraca maior" (rí? 30s).
2) A violencia desloca, mas nao resolve...; ao contrario, agrava as situacóes de ¡njustica. Com efeito; o uso da violencia provoca, naqueles que a so-
frem, a radicalizarlo da sua posicao e urna dureza de reacao que muitas ve-
zes supera a violencia aplicada contra eles. Bem dizia Paulo VI em sua Mensagem para o Dia da Paz (01/01) de 1978: "A violencia leva á revolucao, e a revolucao á perda da liberdade".
Ou aínda: "A violencia exige violencia e gera novas formas de opressao
e escravidSo freqüentemente mais duras" fEvangelü Nuntiandi, n? 8).
"As necessárias transformacdes realizarme a partir de dentro, isto 6, 357
22
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
atravós de urna tomada de consríéncia e após a devida preparado" (Bogotá, 23/08/68).
Notemos ainda: urna revoluclo imposta por uns poucos dirigentes a
um povo analfabeto ou culturalmente subdesenvolvído pode redundar em mera troca de opressores e tiranos; sao alijados ditadores para que se promovam outros ditadores.
Estas ponderacoes sao válidas, mas exigem ainda ser matizadas, pois a
problemática "justica x injustica" é complexa e admite varias facetas. Por isto passamos a enumerar algumas proposicoes concretas que devem nortear
a posicao do cristSo frenta á violencia. 5. Mais Concretamente... 5.1. Entre dois extremos
Ao cristao compete evitar dois extremos nocivos:
1) Crer que a atual ordem de coisas na sociedade nao pode ser modifi cada sem graves transtornos para todos, dada a sua rigidez e pujanca. - A esta proposicao deve-se opor a conviccao de que o homem está ácima das estruturas; naodeve ser comandado por estas, mas deve comandá-las e mólda las de modo a servir aos valores éticos; estes devem imperar sobre a organizapao da sociedade, e nao vice-versa. Por isto o cristSo nao se pode fechar num conformismo mórbido ou covarde diante dos erros moráis da sociedade. 2) Crer que o atual sistema s6cio-econ6mico-polftico dos países sulamericanos é intrínsecamente perverso e, por isto, irreformável, a tal ponto que s6 resta destrui-lo, mesmoácusta de urna revolucao armada. -Tal jufzoé demasiado precipitado e superficial. Maíor rigor de análíse levaría a outra conclusao. As revolucóes armadas como a da Rússia Soviética, as de Cuba, Nicaragua, Angola e outros países, pretendendo mudar tudo radicalmente, véem-se a bracos com crises de miseria, fome, lutas internas... que levam po
pulares e regimes a descrer da eficacia de tal método. É mais recomendávei
promover reformas inteligentes e honestas do sistema existente, tocando
seus verdadeiros pontos nevráigicos.
O próprio Cristo se manteve equidistante dos dois extremos: Jesús
mandou amar todos os homens (cf. Mt 5, 39-48). Mandou a Pedro que reco-
locasse a espada na bafnha (cf. Mt 26, 52); deixou-se prender, condenar e
matan sem opor resistencia; rejeitou colocar-se contra César ou contra o
ocupante romano (como faziam os zelotas e sicarios do seu tempo), quando
disse: "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mt 22, 21). 358
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
23
Recusou também as tentacóes de Satanás, que Ihe propunham tres tipos de
messianismo sócio-político-económico (o messianismo dá fartura, o dos por tentos, o imperialista); cf. Mt 4, 1-10. Por causa disto, evitou o título de Messias para assumir o de Filho do Homem, apelativo destituido de conota-
cóes políticas e nacionalistas. Se Jesús foi condenado como revolucionario (cf. Le 23, 2), isto se deve ao fato de que os judeus precisavam de encontrar um motivo nao religioso para obter de Pilatos a condenacao de Jesús, visto que o procurador romano nao se interessava por qu estoes religiosas dos israelitas.
Todavía Jesús soube também reagir contra a injustica e a desonestidade, quando isto Ihe pareceu oportuno. Assim, ao ver os vendilhoes do Templo abusando do lugar e das coisas sagradas, fez um chicote de cordas, expulsou-os todos, lancou ao chao o dinheiro dos cambistas e derrubou as
suas mesas (cf. Jo 2, 13-17). De resto, a pregacao de Jesús nao pode ser to mada como pretexto para a covardia e o conformismo, mas é um incita mento á magnammi'Jade e á coragem, que sabe avaliar as oportunidades de
intervir ou pacientar para poder recuperar valores prejudicados ou perdidos.
Disto se segué que a atítude do cristao nao pode ser unilateralmente favorável ou contraria a qualquer tipo de violencia. Impoe-se-lhe distinguir entre violencia agressiva e violencia defensiva. 5.2. Violencia agressiva e violencia defensiva Violencia agressiva é a que até este momento foi considerada nestas
páginas. É a violencia espontáneamente empreendida, seja por motivos vingativos, delituosos (roubos, assaltos, seqüestros, homicidios), seja por mo
tivos políticos. É condenável, porque viola os di reítos do próximo e, além do mais, nao resolve os problemas nem do individuo nem da sociedade. É contra tal tipo de violencia que geralmente se dirigem os moralistas e promo tores dos valores éticos.
Violencia defensiva é aquela que o individuo nao empreende porprópria iniciativa, mas é a réplica a urna agressao injusta. Pode ocorrer em tres situacoes: - a pessoa é vítima de assalto ou outro ataque delituoso. Nao tem a obrigacao de se deixar maltratar pelo criminoso, mas pode empregar os
meios necessários (ás vezes nao há outros senao os violentos) para se defen der. Nao vá além do necessário para se defender, mas é-lhe lícito defender se. O Cristianismo nao se deve transformar em pretexto para que a iniqüida-
de campeie impune pelo mundo; 359
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- urna nacao inteira é vítima de injusta agressfo por parte de outra. Tem os mesmos direitos que o individuo injustamente agredido por outra.
Apenas é de notar que neste caso é muito difícil saber se o país atacado é totalmente inocente. Como quer que seja, pode-se crer que haja casos de guerra defensiva justa;
— urna populacáo é vftima de um ditador tiránico, que a esmaga. Se nao há outro recurso para depor esse chefe, é lícita a revolucáo armada, des de que obedeca aos criterios que justifican) o emprego da causa com duplo efeito. Tais criterios sao os seguintes:
É lícito aplicar urna causa com duplo efeito — um moralmente bom e outro moralmente mau — desde que
1) o efeito bóm nao decorra do efeito mau, mas, ao contrario, o efeito mau seja mera conseqüéncia do efeito bom. Na verdade, nao é lícito come ter o mal para chegar ao bem; o fim (bom) nao justifica os meios (maus).
2) O efeito mau seja meramente tolerado, e nao intencionado ou visa do diretamente por quem age. Com outras palavras: as conseqüéncias negati vas da causa sejam suportadas como algo de inevitável, mas nao sejam almejadas como tais. 3) O efeito bom tenha proporcSes que compensem ou superem as proporcSes do efeito mau.
4) N3o haja outro recurso para conseguir o efeito bom senSo a aplicacao dessa causa com duplo efeito.
Estas condicdes sao exigidas também para o uso da violencia na legíti ma defesa e para o empreendimento de urna guerra justa. 5.3. A pena de morte
1. Quanto d pena de morte, a discussao ó interminável. - Nao se pode dizer que, em toda e qualquer hipótese, ela é injusta, pois a própria Escritu ra a prevé, por exemplo, nos casos enumerados em Lv 20, 8-18... Atualmente o problema versa sobre a questáo: a pena capital sería medicinal (isto é, benéfica para a sociedade, coibitiva da criminalidade) ou meramente vingativa? Ora a tal pergunta se dao as respostas mais contraditárias, pois há
quem julgue que a introducto da pena de morte seria um frelo contra a de-
llnqüfincia, ao passo que outros a tSm como totalmente estéril e inoperante;
apontam-se estatísticas em favor tanto de urna como de outra sentenca. Por
isto a Moral católica nao tem sentenca oficial sobre o assunto; apenas indica 360
VIOLENCIA E PENA DE MORTE
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o principio: o bem comum prevalece sobre o bem particular; por isto pode
exigir o sacrificio do bem particular, se isto realmente salvaguarda o bem comum. Todo individuo injustamente agredido (no caso, a sociedade como tal) tem o direito de se defender com os meios eficazes para nao perder a sua vida ou o seu bem próprio injustamente ameacado. Acontece, porém, que ninguém pode garantir que a pena de morte é esse meio eficaz que realmen
te salvaguardará o bem comum injustamente ameacado pelos criminosos; por isto a questao fica aberta, e é lícito ao católico, devidamente fundamen
tado em argumentos, optar por urna ou por outra das duas senteneas. 2. Há boas razoes para se dizer que, em nossa época e no Brasil, a pena
de morte, em vez de ser benéfica para a sociedade, seria fonte de graves ma les. Com efeito,
1) a populacao carcerária é geralmente a de baixa renda; seriam entlo atingidos pela pena capital os deltnqüentes menos aquinhoados, ao passo que os criminosos de classes mais elevadas ficariam impunes ou conseguiriam
escapar dos trámites da Justica;
2) sabemos que, apesar dos esforcos dos magistrados, a administracáo da justica humana é falha; ocorrem falsas acusacóes tramadas por odio e es pirito de vinganca, que levam até á condenacao de inocentes, com a conivéncia de autoridades públicas; 3) há meios de recuperar os delinqüentes ou evitar que continuem a
cometer o mal. Isto será obtido com mais facilidade se se reformar o sistema carcerárío; este deve oferecer subsidios para que os detidos se possam rege nerar mediante trabalho e recursos educacionais. Oesta maneira o bem co
mum da sociedade - que se quer salvaguardar mediante a pena de morte -
será preservado sem que se lance máo da solucao extrema e ambigua da pena
de morte ou do sacrificio capital de membros da sociedade. É preciso que se faca tudo para salvar o delinqüente sem causar detrimento á coletividade.
Ora isto nao é impossívet em nossos dias, desde que haja boa vontade e ¡nteresse pela causa.
6. ConclusSo O cristáo é chamado a opor-se a toda forma de injustica; nao se pode resignar passivamente diante da prepotencia dos fortes e astutos. Neste pon to nao resta dúvida. Mas o que se questiona, sao os meios a ser aplicados pa
ra afastar injusticas e transformar situacoes infquas. O cristáo responderá que Ihe compete recorrer a meios nao violentos; excetuar-se-á, porém, o caso em que, injustamente agredido, nao Ihe resta outra solucao senao revidar pela violencia a fim de escapar de um mal malor ou salvaguardar um jus361
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
to direito seu. Será ora mais fácil, ora mais difícil discernir quais sejarn os
limites da justica e da ¡njustica nos conflitos ocorrentes entre individuos ou entre sociedades. O bom senso, o desprendimento de egoísmo e paixdes espúrias ajudarao a pessoa bem intencionada a descobrir o melhor alvitre a to mar; o cristao pedirá as luzes do Espirito Santo para nao trair o Senhor Je sús e se comportar coerentemente com os principios do Evangelho ñas com plexas situacoes do mundo presente.
***
Icontinuacao da p. 373) "A doutrína da Igreja exige no mínimo que cada relacao sexual permi ta a ejaculacao de semen na vagina sem nenhuma Interferencia no potencial
criador da fusao do esperma com o óvulo. Desse modo 6 pura biología e co mo tal deve ser avaliada. Tal visSo é uma reversSo i ignorancia da fisiología
sexual, quando o esperma era considerado o agente da fecundacSo. é de orígem recente a descoberta da indíspensável necessidade do óvulo" (p. 97). Pergunta-se: nao estará mal traduzido este texto? Como pode o autor dizer que só recentemente se tem evidencia de que o óvulo é necessário e indispensável á concepcao de um novo ser? O esperma só pode fecundar um óvulo; sem óvulo nao há fecundacao — é o que a experiencia de todos os temóos ensina. Por conseguinte, é faino o exemplo aduzido por Dominian para im
pugnar a Ética da Igreja em nome da ciencia contemporánea.
A plena realizacao da personalidade jamáis poderá ser obtida, se nao
houver consonancia da vontade livre com as leis que o Criador incutiu ao homem, quando o criou.
Possam, pois, os homens de nosso tempo compreender as exigencias que a AIDS Ihes sugere. E respeitem a natureza humana, em vez de a violen-
tarem e se autodestruirem!
362
Mais urna vez o problema:
"Maturidade Sexual. A Solugáo Para a AIDS" por Jgck Oomlnian
Em símese: 0 autor do livro afirma que o combate á AIDS nao se faz mediante falsos paliativos (camisinhas e outros preventivos), mas exige seria revisao do comportamento sexual da sociedade contemporánea. Nisto J. Dominian tem razio. Acontece, porém, que tal revisao é proposta sem criterios
objetivos; J. Dominian sugere sentencas de Ética sexual derivadas de autores
modernos, que exprimem opinioes pessoais e subjetivas; propde também que se siga a opiniao da maioria dos interessados — o que também ¿subjetivo e arbitrario. — Urna revisao do comportamento sexual so poderá ser válida e fecunda se adotar o criterio objetivo da leí natural ou os criterios da natureza humana com suas leis biológicas. Sempre que o homem contraría a natureza, ele se pune e prejudica. Verdade é que a biología vai sendo mais e mais estudada, mas isto nao altera as normas básicas da natureza. A plena realizacao da personalidade jamáis poderá ser obtida, se nao houver consonancia da vontade livre com as leis que o Criador incutiu ao homem quando o criou. * • *
Jack Dominian é psiquiatra e diretor do Central Middlesex Hospital (Londres); em 1971 fundou o Centro de Pesquisas Matrimoniáis. Tem es crito atgumas obras sobre casamento e ética sexual na qualidade de leigo ca
tólico, que teve urna certa formacáb teológica. Oentre seus escritos, interéssa-nos o volume "Maturidade Sexual. A Solucáo para a AIDS", traduzido
para o portugués e recém-publicado:1 o autor critica as falsas solucoes apon-
tadas para a AIDS (camisinha, estabilidade de parceiro...) e propoe outra, mais radical e eficaz: a maturidade sexual. - Examinemos a proposta, para poder comenta-la.
1 Traducao do inglés por Barbara Theoto Lamben e Marcos José Marcionilo.-Ed. Loyola. SSo Paulo 1989, 13Sx210mm. 141 pp.
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1.0 livro 1.1. A tese do autor
Com razao, o autor julga que os preventivos para combater a AIDS até agora propalados sao de todo insuficientes; nao impedirao a transmissao de tal doenca:
"A camisinha tomou-se o símbolo da transigencia com a qual se espe ra, pelo menos, quea< saúde seja mantida. A boa saúde precisa de mais do que de camisinhas; precisa de atitudes adequadas que, mais cedo ou mais tarde,
terao de ser redescobertas pela sociedade" (p. 73). Por isto Dominian apregoa a "Maturidade Sexual". Que é isto? — Diz o autor que sexo é expressao do amor. Deus é amor,... amor
desligado das leis da biologia. Portanto o cristao, feito á ¡magem e semelhanca de Deus, deve-se deixar mover pelo amor, e... pelo amor desligado das leis da biologia ou da lei natural; cf. pp. 18. 49. 132. O amor, no fiel católico, deve amadurecer levando em conta as afirmacoes da Igreja em materia de ética sexual, mas estas sao tidas pelo autor como falfveis, de modo que, em última análise, cada um há de seguir a sua consciéncia, "arbitro final em escolhas moráis" (p. 137). A consciéncia, como dito, nao está ligada a lei ou ao direito natural; J.
Dominian critica ásperamente o magisterio da Igreja por seguir as normas da lei natural, tida como lei do Criador ou de Deus. A pessoa, com sua Hberdade e sua criatividade, é que deve ditar suas normas de comportamento se xual, sem se deixar prender pelas leis da biologia (períodos férteis e períodos
infecundos, amor e fecundidade, métodos naturais de regulacao da natalidade...).
O autor lamenta que a Igreja prescreva urna ética sexual que destoa do comportamento de grande número de casáis católicos. Assevera que, en tre as normas da Igreja e os costumes discordantes dos casáis católicos, ele
se coloca do lado destes, contra o magisterio da Igreja: "Nao posso, em consciéncia, seguir essa doutrína específica e, a esse respeito, tenho instado com a Igreja para reconsideré-la. O modo mais sim ples de fazer isso é pedir as hierarquias de todo o mundo que verífiquem a opiniSo de seus nbanhos. é urna doutrína dada, mas nao recebida, e, se a verdadeira doutrína faz algum sentido, deve expressar a vida da comunidade dos fiéis. Sem o povo de Deus, o magisterio fíca incompleto. Conquanto sua doutrína Jamáis possa basear-se na aprovacSo popular, o que ensina 364
"MATURIDADE SEXUAL... AIDS"
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deve refletir a verdade do comportamento que descreve. Essa verdade nSó pode basear-se em abstracSes teóricas, mas deve ser comprovada pela expe riencia humana. Em questSes sexuais, deve refletir a sabedoría dos casáis que entao em muito melhor posicio para verificar sua justeza. Embora eu nao concorde com a opiniao de que celibatáríos nao sao capazes de avaliar verdades conjugáis, fico bastante preocupado quando a formulacao da ética sexual ignora a voz persistente e ciara dos casados. Será possfvei que a graca
divina, o discernimento do Espirito Santo tenham feito desertar consideré-
vel número de casados, cujo sacramento faz com que sejam os mafs perfeitos intérpretes do significado do amor sexual?" (p. 99). "Quando tantos dos próprios filhos da Igreja e tao grande parte do resto do mundo discordam, é surpreendente que naja urna ignorancia, em tao grande escala, dessa doutrina. Nao seria mais apropriado refletir novamente? Afinal de contas, nSo fará nenhum mal confiar nos fiéis e, em últi ma análise, expressar urna opiniao que refuta toda a comunidade crista.
Nao faz sentido descrever a Igreja como urna KOINONIA e depois traté-la como se nao existisse" (p. 100). O autor pretende fundamentar sua posicao no dogma mesmo da SS. Trindade: em Deus há sexualidade sem procriacao — o que quer dizer que também ñas criaturas humanas (feitas á ¡magem e semelhanca de Deus), po de e deve haver uso do sexo sem procriapao ou com exclusao voluntaria de procriacao:
"A presenca dos anticoncepcional^ é um obvio prolongamento do dom divino ao homem para que ele subjugue a criacSo e revele mais clara mente o designio e o propósito básico do coito - estabelecer e fortalecer vínculos e nao meramente procriar. Dessa forma podemos, em última análise, entender o misterio da se xualidade no próprio Deus. Deus, em cuja ¡magem fomos criados, nao usa a sexualidade com o propósito de procriacao, mas na Trindade a sexualidade
é a forca básica do amor, base de um relacionamento eterno de unidade di námica entre as tres Pessoas da Trindade, enquanto respeita a singular indi-
viduafidade délas, da mesma forma que o coito para o casal humano" (p. 141). Cremos que o autor do livro, culto como é, nao admite que Deus te*
nha corpo com seus diversos órgaos... É, porém, ¡ncompreensível e inadmissfvel que fale de "uso da sexualidade" em Deus.
Pergunta-se agora com mais precisao: 365
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 1.2. Quais as implicacóes concretas da Maturidade Sexual?
O autor tem seu código de Ética Sexual próprio, assaz subjetivo, como se poderá ver a seguir.
1.2.1. Relacoes pré-matrimoniais Nao sao aceitas:
"A castidade pré-nupcial deve ser mantida tanto pelo homem como
pela mulher. É um ideal que quase foi perdido nos últimos temóos e. em minha opiniao, o advento da AIDS é urna ocasiao apropriada para o seu reexame" (p. 61).
"Aínda há quem afirme ser impossivel permanecer casto antes do casa mento. Para mim e para milhoes de minha geracao que observaram o preceito da castidade pré-nupcial, a idéia de que os instintos sao irresistfveis, que nao podem ser comidos, é inédita" (p. 62). Neste ponto o autor está com a Igreja. Esta afirma que toda relagao sexual está, por sua própria índole, voltada para a uniao do homem e da mu lher, uniao da qual procede, em certos períodos, um fruto que é a prole. Ora esta requer pai e máe e um lar estável para poder ser educada. As relacoes pré-matrimoniais nao oferecem tais condicoes, de modo que sao antinaturais; vém a ser a mais íntima uniao do homem e da mulher sem compromisso de parte a parte; por isto nao raro se assemeiham á manipulacao e utilizapao do(a) parceiro(a) para gozo de prazer momentáneo e superficial.
1.2.2. Divorcio O autor nao o reconhece:
"Dedico a maior parte do tempo a fazer palestras e a trabalhar na pre venfSo do divorcio, um campo onde nao há nenhum equívoco" (p. 137). Também neste ponto Jack Dominian é fiel á Igreja. Esta, bascada nos escritos do Novo Testamento {Me 10, 11s; Le 16, 18; 1Cor 7, 10s; Mt 5, 32; 19,9), rejeita o divorcio, pois contradiz á índole mesma do matrimonio, que é a mais íntima e total uniao do homem e da mulher e, por isto, nao admite restricoes quanto á sua duracao. Quem se doa até o convivio sexual, doa-se integralmente; essa integridade seria caricatura se o c&njuge reservasse a si a possibilidade de dizer: "Quando nao me convier, retirarei a palavra em-
penhada". Para os casos de impossibilidade de convivencia sob o mesmo 366
"MATURIDADE SEXUAL... AIDS"
31
teto, admite-se a separacao (desquite, separacao judicial), que isenta os conjuges da vida comum, mas mantém vigente o vínculo matrimonial. 1.2.3. Homossexualismo
O autor nao o julga pecaminoso e chega a estimulá-lo quando está baseado no amor fiel:
"Os católicos devem estar cientes da tradicional condenacao da atividade genital homossexual, embora a tendencia homossexual nao seja peca minosa. Todavía o comportamento do individuo deve ser, em última instan cia, a expressao de sua própría consciéncia. E essa consciéncia deve estar bem informada e nao deve rejeitar levianamente os ensinamentos da Igreja. Os católicos devem dar atenpéto á voz da autoridade magisterial, mas é necesserio lembrar que a doutrina nao é infalfvel. Há espaco para o dissentimento legítimo; mas o dissentimento nao deve ser adotado sem ponderada refle-
xao" (pp. 27s).
"É importante enfatuar que os homens e mulheres homossexuais precisam de um relacionamento amoroso tanto quanto os heterpssexuais. Os homossexuais precisan) relacionarse, ¡nteragir, confiar, dar e receber afeicao, solicitude, compreensio, perdió e se sentirem dignos de amor. Devemos estimular os homossexuais a procurar relacionamentos monogámicos. As lésbicas fazem isso muito melhor que seus colegas masculi nos. Em minha opiniao, essa deveria ser urna das principáis preocupacdes do aconselhamento: tornar possfvel estabelecer relacionamentos de compromisso duradouro, estável, amoroso e fiel. A formacáb dessas ligacoes reduz consideraveímente o risco de relacSes sexuais promiscuas com o perigo eres-' cente de transmissao do virus dá AIDS" (pp. 28s).
É obvio que J. Dominian, neste ponto, está em oposicao á doutrina da Igreja. O homossexualismo é evidente aberracao contra a natureza. A fisiolo gía do homem e da mulher demonstra a índole antinatural dessa prática e
assim a condena como uniao estéril nao s6 no plano corporal, mas também no espiritual. Com efeito; geralmente as uniros homossexuais sao descom prometidas e redundam em utilizacao do parceiro. — A Igreja, porém,
distingue entre tendencia homossexual e prática homossexual. Aquela pode ser congénita ou adquirida; nao é culposa se nao se exterioriza em relacoes homossexuais. O individuo homossexual deve ser tratado com o amor fra terno que merece, de modo que nao se veja levado a formar um quisto na sociedade, endurecido na prática e na propaganda do. homossexualismo. 367
32
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 1.2.4. Masturbacáo O autor julga-a natural e nada I he opoe:
"Em meu livro Proposals for a New Sexual Ethic (Propostas para urna nova ética sexual), baseado em urna amiga análise sobre o deslocamento da moralidade sexual da biología para o amor pessoal, defendí o ponto de vista de que nao há pecado envolvido na masturbacao adolescente, ponto de vista também adotado de forma independente por outros moralistas e, desde en-
tao, nada me fez mudar de idéia. Na puberdade e adolescencia, o jovem está descobríndo a própría sexualídade e, nessa fase, o propósito 6 aprender a ser urna pessoa sexuada. Nessa época, nem o desenvolvimento humano nem a moralidade sexual contemplam relacionamentos onde devesse ocorrer urna
relacao sexual. 0 jovem está-se familiarizando com a sexualidade, e urna for
ma de fazé-lo é a masturbacao" (p. 60). Também neste propósito o autor entra em confuto com a doutrina ca tólica, que afirma ser a masturbacao pecado grave se cometida consciente e voluntariamente, pois é contraría á natureza da sexualidade; vem a ser urna
forma de narcisismo, que cria urna dependencia do sujeito em relacao as paixoes. Admite-se, porém, que a masturbacao possa, em alguns casos, ser urna reacao nervosa pré ou quase pré-deliberada, que nao é culposa ou quase nao é culposa. S6 é ¡mputável como culpa a masturbacao praticada de modo consciente e voluntario.
1.2.5. Continencia periódica ou limitacao natural da prole J. Dominian a tem por ¡nadequada e errónea. Nao haveria por que rejeitar a contracepcao artificial, visto que o coito nao está por si naturalmen te relacionado com a fecundidade biológica: "Homens e mulheres experimentan) a relacao sexual como um encon
tró pessoal de amor, no oval os valores supremos sao as características humanas, nao as biológicas. Primordialmente. o que Ihes importa é o bemestar do esposo ou esposa, nao sua fecundidade. Desde que sejam capazes de ter filhos, a fertilidade mutua nao tem nenhuma importancia. Na verdade, supondo-se que se/'am fecundos e ¡á tenham tido filhos, a presenca continua
da da fecundidade tem pouco valor, exceto apos a possfvel morte de um dos cónjuges, e seu emprego em outro relacionamento" (p. 98).
J. Dominian, ao sustentar sua posicao. Impugna abertamente a doutri na católica, alegando que os pronunciamentos dos Papas a respeito nSo go-
zam de infalibilidade. Este ponto será comentado sob o subtítulo seguinte. - Sabe-se que a natureza feminina é, por si mesma, infecunda em muitos 368
"MATURIDADE SEXUAL... AIDS"
33
dias do mes. Isto nao afeta a tese de que o amor é unitivo e fecundo; ele é
fecundo por principio, mas a natureza proporciona á mulher dias de pausa e repouso, sabiamente concedidos. 0 uso da genitalidade em tais dias 6 líci to, porque nao violenta a natureza.
Como se pode ver, é assaz esdrúxula, subjetiva e arbitraria a "maturidade sexual" apregoada por J. Dominian. Refutamos mais detidamente so bre a mesma.
2. Ponderando...
Proporemos observacoes gerais, ás quais se seguirlo consideracóes particulares.
2.1. Consideracóes gerais
1. É certamente válida a intencao fundamental, do autor, de mostrar que a Al OS deve provocar um despertar das consciSncias para a renovacao
da prática sexual em nossa sociedade. Aceitar livre reiacionamento homo e
heterossexual, indicando apenas cautelas (que na verdade sao engodos ilu sorios), nao é a solucáo do problema. Ás pp. 9-18 J. Dominian expóe o que
seja a A i OS, como foi descoberta e como se tem propagado, evidenciando a
gravidade desse flagelo, que exige seria reflexao da parte da humanidade.
2. Contado o proposito, do autor, de elevar o nivel moral da prática sexual em nossos dias é ineficaz pelo fato de que se guia por criterios mera mente subjetivos e pessoais. Se para J. Dominian tais e tais costumes sao
lícitos e outros sao ilícitos, outro pensador poderá encontrar racionalizacoes subjetivas que o habilitem a dizer justamente o contrario. Sabemos que, quando alguém quer ou nao quer determinado objetivo, pode conceber justi ficativas ou sofismas que "legitimem" seu modo de pensar. Na verdade, em materia de sexualidade ou a Moral se baseia na lei na tural, que é a mesma em todos os homens, anterior a qualquer cultura (por que decorrente do próprio "ser homem") ou perde toda baliza e todo referencial.
No caso de J. Dominian, pergunta-se: por que Sin» ao homossexualismo inspirado por "amor duradouro" e Nao ás relacdes pré-matrimoniais? Se o comportamento da sociedade há de ser levado em conta para se estipularem as normas da moralidade e, por isto. o autor apoia a contracepcao arti ficial (amplamente praticada), por que nao aprova as relacoes pré-matrimoniais (também amplamente praticadas)? Por que Nao ao divorcio quando hoje. conforme diz o autor, um sobre tres casamento* se dissolvem? Por 369
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
que Sim á masturbaca'o, quando ela equivale a sexo sem amor ou a urna atitude narcisista de auto-satifacao?
Vé-se assim que Jack Dominian, embora apregoe urna réplica á devassidao sexual, nao deixa de ser arauto do libertinismo sexual em nome do amor subjetivo. Ademáis pode-se dizer que é ridicula a fundamentado da tese do autor: "Deus nao usa a sexualidade com o propósito de procriacao, mas na Trindade a sexualidade é a forca básica do amor" (p. 141). Haverá nésta
sentenca alguma falha de traducao? Deus é amor, sim, mas transcendental e nao tem corporeidade. O principio de analogía nos diz: Deus é Amor, sim; mas nao é Amor como o homem é amor (amor oscilante, caprichoso, sujeito á corporeidade...}.
passional,
Passemos agora a pontos particulares da obra em pauta. 2.2. Consideracoes particulares Teceremos tres ponderales. 2.2.1. Consciéncia como "arbitro final" A Teología católica ensina que a consciéncia é o arbitro ¡mediato da moralidade; é ela quem profere o ditame: "Deves ou nao deves agir". Mas a consciéncia nao é o arbitro último e supremo. Ela tem que levar em consideracao a Lei de Deus, fonte da moralidade,... Lei de Deus que se manifesta
a) pela lei natural, ¡nata em todo homem, e b) pela Revelacao Divina, a nos transmitida pela Tradipao oral e a Tra-
dicao escrita (Biblia). Jesús prometeu á Igreja a sua assisténcia infalfvel para que defina com
exatidao o sentido da Revelacao (cf. Le 22, 31 s; Mt 16, 16-19; Jo 14, 26; 16,13-15). Por conseguinte, a Palavra de Deus interpretada por urna instancia objetiva (a Igreja) é que constituí o referencia! necessário para que a cons ciéncia possa emitir seus julgamentos moráis.
Caso se despreze esta baliza, tem-se o existencialismo ético ou a Éti ca da situacáo, que relativiza toda norma moral e permite dizer: "Cada um
na sua (verdade) ou na sua (Ética)". Gera-se assim o caos na sociedade, pois
entao cada individuo passa a proceder "segundo os seus próprios interesses".
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"MATURIDADE SEXUAL... AIDS"
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2.22. O Magisterio da Igreja
Quem lé os Evangelhos, verifica que Jesús nao quis deixar sua mensagem ao leu ou ao vento, mas quis assegurar a incolumidade da mesma através dos séculos, garantindo á sua Igreja o poder de definir genuinamente o senti do de tal mensagem no decorrer dos tempos. Tenham-se em vista os textos já citados de Mt 16. 16-19; Le 22. 31s; Jo 21. 15-17; 14, 26; 16, 13-15. A funcao do magisterio é imprescindível para evitar o que ocorre no protestantismo: o esfacelamento da mensagem e do povo de Deus. — O ma
gisterio, para ser fiel, há de levar em conta, antes do mais, o depósito da Palavra revelada; considerará também os sinais dos tempos ou a marcha da his toria, para definir os termos exatos em que se há de aplicar a mensagem a ca da época da historia. Isto significa, sem dúvida, conhecer os costumes da sociedade, nao, porém, fazer deles o criterio de decisoes. A verdade e o bem nao se definem pelo voto da maioria. O magisterio tem o direito e a obrigacao de contradizer a tais costumes sempre que destoem da mensagem do Evangelho; ele o faz para o bem da própria sociedade, pois é necessário que nao se anestesie a consciéncia dos homens em relacao as leis da natureza e da
RevelacSo Divina.
Jack Dominian contesta o magisterio da Igreja, citando um texto do
Concilio do Vaticano II cuja fonte ele nao indica (p. 137). - É urna passagem da Constituipao Lumen Gentium n? 37: este texto pede aos leigos com
petentes que levem ao magisterio da Igreja as su as observacoes sobre os assuntos da fé "através dos órgáos para tal estabelecidos pela Igreja", ou seja, mediante recurso direto á hierarquia, e nao através de livros entregues ao grande público, pois esta modalidade desconcerta e atordoa católicos e nao
católicos. Ver também a Instrucáo da Congregacao para a Doutrina da Fé
sobre a Vocacao Eclesial do Teólogo, de 24/05/1990: "Nao se podem aplicar á Igreja, pura e simplesmente, criterios de conduta que tém sua razio de ser na sociedade ovil ou ñas regras de funcionamentó de urna democracia. Menos aínda se podem inspirar as relacSes no in
terior da igreja á mentalidade do mundo circunstante (cf. Rm 12,2). Inda gar da opiniao da maioria o que convém pensar e fazer, recorrer, é revelia do Magisterio, á pressao exercida pela opiniao pública, aduzir como pretexto
um consenso dos teólogos, sustentar que o teólogo é o porta-voz profético de urna base ou comunidade autónoma, que assim seria a única fonte de ver dade, tudo isto revela urna grave parda do sentido da verdade e do sentido
da Igreja" (n? 39).
Alias, voltando ao texto conciliar de Lumen Gentium n? 37, observa mos que, após a seccao citada atrás, continua a Constituicao: 371
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"PEBGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
"Como todos os fiéis, aceitem os leigos prontamente em obediencia o que os Pastores sagrados, enguanto representantes de Cristo, como mestres
e reitores, determinan) na Igre/a" (Lumen Gentium, n? 37).
2.2.3. O Concilio do Vaticano II: mudanza da doutrina? Alega Jack Dominian que a Igreja tem evoluído em sua doutrina, pois antigamente ensinava que o fim primordial do casamento era a procriacao dos filhos; o fim secundario seria a mutua ajuda e complementacao. "O Con cilio do Vaticano II abandonou essa formulacao e falou da familia como
sendo 'urna comunidade de amor' e urna íntima parceria de 'vida e amor'. Essas palavras enfatizam o amor" (p. 104). Com efeito; o Concilio do Vaticano II já nao enumera fim primeiro e fim segundo do matrimonio, isto é, evita o escalonamento das finalidades, mas afirma explícitamente: "O instituto do matrimonio e o amor dos espo
sos estáo, pela sua índole natural, ordenados á procriacao e á educacao dos filhos, em que culminam como numa coroa" (Constituicao Gaudium et Spes.n?48). Estas palavras do Concilio nao permitem dizer que a Igreja considera lícito o uso da sexualidade com exclusao artificial da procriacao, pois pertence a' índole mesma do amor humano ser unitivo e fecundo. Verdade é que J. Dominian poe-esta afirmacao em dúvida, alegando que "a nossa compreensao do direito natural está sempre se desenvolvendo" (p. 96).
Alias, é de notar que as alusoes de J. Dominian a documentos da Igreja se ressentem de certa ¡mprecisao. O Concilio do Vaticano II, o Santo Oficio, a Éxortacao Familiaris Consortio sao citados de maneira vaga, sem indicacao da fonte e da data.
Nem sempre o magisterio da Igreja tem a ¡ntencSo de definir verdades de fé ou principios de Moral em seus pronunciamentos. Mas tem sempre em
vista orientar os fiéis e mostrar-lhes o pensamento da Igreja, Mae e Mestra. A respeito diz o Concilio do Vaticano II:
"Devem os fiéis acatar as sentencas sobre fé e moral proferidas por seu
Bispo em nome de Cristo, e devem ater-se a etas com religioso obsequio do espirito. Esta religiosa submissSo da vontade e da inteligencia deve, de modo particular, ser prestada ao auténtico magisterio do Romano Pontífice, mesmo quando nao fala ex cathedra. E isto de tal forma que seu magisterio su premo seja reverentemente reconhecido, suas sentencas sinceramente acolhidas, sempre de acordó com a sua mente e vontade. Esta mente e vontade constam principalmente ou da índole dos documentos ou da freqüente pro372
"MATURIDADE SEXUAL.. ■ AIDS"
37
posipio de urna mesma doutrina ou de sua maneira de falar" (Lumen Gen-
t\\xm, n? 25).
Donde se vé que o fiel católico deve acatar respetosamente os docu mentos do magisterio da Igreja, ainda que nao sejam tidos como definieres de fé e de Moral. Toda definicáo é ato do magisterio extraordinario da Igre ja, que só se pronuncia em ocasioes solenes de contestacüo da verdade. Or dinariamente a Igreja orienta seus fiéis por meio de documentos (Encíclicas, Exortacoes Apostólicas, Cartas Apostólicas, InstrucSes...), que tencionam guiar a conduta dos fiéis segundo o Evangelho nos pontos'controvertidos; taisdocumentos gozam de autoridade. Se alguém tem razoes em contrario, peca luzes a Deus, refuta com sinceridade e, se Ihe parecer oportuno, apré sente seus argumentos diretamente a seu Bispo ou á Santa Sé; mas nao se
julgue fácilmente dispensado de cumprir o que a Igreja, Mae e Mestra, prescreve. Nao em vao o Senhor Jesús garantiu a sua Igreja assisténcia infalfvel para transmitir fielmente a todos os homens as verdades reveladas. Considere-se outrossim que muitas das objecóes hoje em dia levantadas contra a doutrina da Igreja provém de premissas filosóficas heterogéneas ou de urna visao naturalista, racionalista ou mesmo hedonista do homem e do mundo.
É de lamentar que muitos católicos, consciente ou inconscientemente, estejam impregnados de tal mental¡dade. O Evangelho, já no tempo de Sao Pau
lo, era tido como loucura e escándalo (cf. ICor 1, 23), mas "para aqueles que sao chamados, era e é a suma sabedoria de Deus" (cf. 1Cor 1, 24). Por
conseguinte, a contestacSo de Jack Dominian nao surpreende a quem conhece a historia da Igreja, mas nem por isto pode ser aceita.
3. Conclusao
É salutar o principio segundo o qual o combate á AIDS nao se faz me diante falsos paliativos (camisinhas e outros preventivos), mas exige seria revisao do comportamento sexual da sociedade contemporánea. Esta revisao
deve ter urna baliza ou um referencial objetivo, que nao pode ser a opiniao
pessoal deste ou daquele estudioso, nem há de ser a preferencia da maioria
dos interessados, mas só pode ser a própria natureza humana, com suas leis biológicas; sempre que o homem contraria a natureza, ele se pune e prejudica... Verdade é que a biología vai sendo mais e mais estudada, mas isto nao altera as normas básicas da natureza.
Como exemplo de que os estudos evoluem e exigem mudanca da Ética Sexual da Igreja, J. Dominian citaría o seguinte caso:
(continua na p. 362) 373
Mais urna campanha polémica:
Eutanasia no Brasil? Em síntese: O Deputado Maurflio Ferreira Lima deseja introduzir a
prátíca legal da eutanasia no Brasil, á semelhanca do que ocorreu no Parla
mento Europeu. — Ora pensadores brasileiros e estrangelros ponderam quanto é perígosa tal iniciativa, pois pode favorecer o suicidio; além do qué, implica o menosprezo da vida humana; mesmo quando sofredora, esta é digna e meritoria, a tal ponto que os médicos Juram defendé-la e conserva' la; um paciente terminal que peca a morte, pode nao estar plenamente lúci do... Sabe-se também que a paciencia, por vezes heroica, de muitos enfermos é verdadeira Iicio para os acompanhantes, de tal modo que nao se pode dizer que urna vida desengañada pelos módicos ó urna vida inútil e Indigna. O artigo seguinte apresenta tais ponderacoes, principalmente como vém propostas por Juristas e Religiosos da Franca. * * *
Aos 22/06/91 a ¡mprensa deu noticia do projeto do Deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE), que tertciona legalizar a eutanasia no Brasil. Para tanto apoia-se em projeto similar apresentado ao Parlamento Europeu. Eis o que se lé no O GLOBO, de 22/06/91, p. 9:
"Pela proposta do Deputado, a eutanasia seria permitida somente nos casos de inef¡ciencia de qualquer tratamento e quando nSo houvesse possibi-
lidade de amenizar o sofrímento do paciente. Para a prática de inducao á morte, segundo o projeto, faz-se necessário que o doente este/a de posse plena de suas faculdades mentáis e consciente; que solicite esse tipo de intervencio de forma continua e insistente; e que urna ¡unta médica constate a impossibilidade do emprego de novos meios específicos. Ferreira Lima disse nao temer reacoes contrarias ao seu projeto, por considerar que a discussao principal deve ser colocada em torno do respeito á indívidualidade do doente. Ele entende que os avancos tecnológicos da me diana ¡á permitem prolongar, quase indefinidamente, a vida vegetativa, e que quando nSo há mais perspectiva de cura isto constituí um atentado á dignldade humana". 374
EUTANASIA NO BRASIL?
39
-A própria imprensa, ao mesmo tempo que noticiou o projeto, revelou que entre médicos e pensadores brasileiros se ouvem pareceres contrarios á proposta, pois ela pode induzir ao suicfdio. Assim, por exemplo, se manifestou o Dr. Hércules Sidney Pires Liberal, Secretario Geral do Conselho Fede ral de Medicina:
"Na permissao da eutanasia, na opiniao de Liberal, mesmo sendo urna opcao do paciente, há sempre um grande risco de erro. Pode-se induzir ao suicfdio. Normalmente, a situacao de desespero provocada pela dofpode le var urna pessoa a querer morrer. E, nesse caso, nao há como se arrepender. 0 médico deu o exemplo das mulheres que optam pela laqueadura de trompas, toreadas pelas circunstancias dificéis. Segundo ele, 40 por cento se arrependem depois". O Dr. Vicente Amado Neto, Superintendente do Hospital das Clínicas e um dos maiores especialistas brasileiros em Aids, declarou:
"A eutanasia é urna atitude drástica. Vivemos tantas dif¡cuidados na área médica que deverfamos gastar energía em coisas mais importantes, co mo a me/hora da saúde pública". O Dr. Rene Gansl, oncologista do Hospital das Clínicas, manifestou-se contrario á adocáo da eutanasia no país e classificou como arriscada a pro
posta de deixar o julgamento da questao a criterio de urna junta médica: "Os
erros podem acontecer" (textos extraídos do jornal O GLOBO, n? e pág. ci tados).
Para ilustrar a problemática, sao oportunos também dois documentos
elaborados quando o Parlamento Europeu se aprestava a debater o projeto de eutanasia apresentado áquela Cámara: o primeiro provém de Juristas, ao passo que o segundo é da autoría de Religiosos da Franca, ambos publicados
no Boletim SNOP, da Conferencia dos Bíspos da Franca, n?
834, de
07/06/91, pp. 7-10.
Eis o teor de tais Declaracdes:
I. COMÚN ICACAO DA CONFEDERADO DOS JURISTAS CATÓLICOS DA FRANCA "Urna proposta da respectiva Comisslo do Parlamento Europeu, vota da aos 25 de abril de 1991, deve ser discutida na sessao que se abrirá aos 10 de junho de 1991, tendo em vista a legitimacao do principio da eutanasia. 375
40
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991 Com efeito. Apta excelentes dispositivos sobre a assisténcia aos mori
bundos, essa proposta reza no seu artigo 8?:
'Na falta de toda terapia benéfica, e após a falencia de medidas paliati vas, devidamente aplicadas tanto no plano psicológico quanto no plano mé dico, e todas as vezes que um enfermo planamente consciente pedir, de mo do premente e continuado, que se ponha termo á sua existencia, existencia que para ele ten ha perdido toda dignidada, e dado que urna junta médica constituida para tanto verifique a impossibilidade de aduzir novos tratamentos específicos, o pedido deverá merecer atendimento, sem que, por isto, se
cometa um ato de desrespeito á vida humana'. Tal proposicáo suscita, da nossa parte, urna viva contestacao. I. O fato de provocar a morte de alguém fere um principio de direito natural (que, segundo o célebre jurista francés Portalis, é simplesmente 'o di reito da razao'), que, jé há milenios, serve de referencial ao género humano e que preceitua: 'Nao matarás'.
II. Abreviar a vida voluntariamente é sempre matar urna pessoa huma■ na. Ora este fato é contrario a todas as convencoes ¡nternacionais, que, sem excecáo, fazem do direito á vida o primeiro dos direitos do homem; citemos em especial: - Declaracao Universal dos Direitos do
Homem, de 10/12/1948
(art. 3o);
- Pacto Internacional de Direitos, de 16/12/1966 (art. 6?); - Convencao Européia dos Direitos do
Homem, de 04/12/1950
(art. 29); - Declaracao das Liberdades e dos Direitos Fundamentáis, do Parla
mento Europeu, de 12/04/1989 (art. 2?). III. A eutanasia, isto é, o dar a morte a um ser humano para abreviar os seus sofrlmentos, é exatamente o contrario do principio fundamental da medicina. O médico faz tu do o que pode para curar e aliviar, mas nunca há de matar.
Este principio é objeto do juramento de Hipócrates, prestado por to dos os médicos. Foi assumido pelo nosso Código de Deontologia da Franca,
que reza em seu artigo 20?: 'Um médico nao tem o direito de provocar deli beradamente'a morte de um paciente'. IV. Ademáis, no plano prático, é humanamente ¡mpossivel estimar o valor exato da vontade e do consentimento de um paciente terminal que pe376
EUTANASIA NO BRASIL?
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ca a morte. Mesmo urna junta médica, por mais capacitada que seja, nao po de decidir com certeza.
V. No plano político, com referencia a um assunto que toca o mais profundo da consciéncia do ser humano, as normas gerais que devem obter o consentimento da maioria, sao algo de extremamente delicado, a tal ponto que os Governos de Estado freqüentemente preferem nao legislar a respeito. Se o Parlamento Europeu adotasse a 'recomendacao' do principio de eutanasia, feriria gravemente a soberanía dos Estados-membros, pois parece ría querer forcar o seu consentimento. Com efeito, mesmo que se tratasse apenas de urna 'recomendacao', a autoridade do Parlamento se estaría exercendo; seria invocada para justificar a legitimacao da eutanasia.
Nao é necessárío enfatizar que o Parlamento Europeu feriria a consci éncia de numerosos cidadaos da Europa e do mundo inteiro.
VI. É preciso realcar a formulacao tendenciosa da proposicao em foco: Ap6s um texto intitulado 'Sobre a Assisténcia aos Moribundos' e urna serie de artigos cnuito oportunos a tal respeito, a proposicao submetida é discussao do Parlamento Europeu, antes do termo final, faz um amalgama de afir-
macoes tendenciosas que entram no artigo 8? para tentar incutir o direito á eutanasia.
Vil. Admitir o direito de matar um paciente terminal em nome da 'dignidade perdida' resulta de um abuso de linguagem. O sofrimento nao su prime a digiiidade, e o misterio que envolve a morte merece o máximo respeito.
O Parlamento Europeu infringiría gravemente o respeito aos direitos do homem ao admitir o principio da eutanasia.
JURISTAS CATÓLICOS 22, rué Cassette París 6éme"
II. DECLARACÁO DOS SUPERIORES E SUPERIORAS MAIORES DE FRANCA E DAS RELIGIOSAS
DEVOTADAS A SAÜDE
"Mediante esta Declaracao, desejamos tomar postcao e manifestar nossa preocupacao frente ao projeto de Resolucao do Parlamento Europeu que admite o principio da eutanasia.
Antes do mais, regozijamo-nos por estar o Parlamento Europeu atento a defender o direito dos pacientes termináis, evitando a obstinacao terapéu tica e reafirmando a preciosa aplicacao dos paliativos que permitem aliviar a a dor e assistir aos moribundos...
377
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
É oportuno que o debate sobre tais questSes se torne oficial.
Religiosos e Religiosas da Franca, estamos habilitados a falar de tais assuntos em nome da nossa longa experiencia, passada e presente, pois temos acompanhado, abordado com solicitado e respeito pessoas em estado terminal; temos trabalhado como enfermeiros em ambientes hospitalares, em Centros de Terapia e a domicilio; temos estado como atendentes em ca sas de familia e administradores de residencias; temos acolhido pessoas idosas em casas especializadas; temos sido voluntarios em associacóes diversas, como também temos cuidado de Religiosos e Religiosas de nossas Congre gares em fase terminal de sua vida. Nao somos passivos diante do sofrimento; este interpela a todos, erentes ou nao. Quanto a nos, onde quer que estejamos, procuramos sempre al¡viá-lo.
O texto apresentado ao Parlamento Europeu propoe que haja urna Unidade de Tratamento Paliativo em cada Servico Hospitalar. Outras expe riencias tém sido também satisfatórias: em hospitais católicos, como em nospitáis do Estado, na Franca, faz-se a experiencia de equipes itinerantes de Tratamento Paliativo. O indispensável é que o pessoal de enfermagem receba a formacao necessária; a proposicao levada ao Parlamento Europeu o diz claramente.
Mas o texto suscita um questionamento quando no seu artigo 8? reza:
'Todas as vezes que um enfermo plenamente consciente pedir, de maneira premente e continuada, que se ponha termo á sua existencia, existen cia que para ele tenha perdido toda dignidade, e dado que urna junta médica constituida para tanto verifique a impossibilidade de aduzir novos tratamentos específico», o pedido deverá merecer atendimento, sem que, por isto,
se cometa um ato de desrespeito á vida humana'. Perguntamos: que significa esta Declaracáo, que pode persuadir alguém de que a sua vida já nao é humana ou que esse alguém já nao é pessoa humana?
Nossa experiencia permite-nos verificar que existem pessoas a sofrer, marcadas pela angustia. Podemos e devemos procurar aliviar tal sofrimento, cientes de que jamáis o conseguiremos eliminar por completo. Seria falso afirmar o contrario.
Nossa experiencia permite-nos também reconhecer tudo o que há de 378
EUTANASIA NO BRASIL?
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numano nessas situacóes extremas, mesmo se elas sao desafiadoras para os acompanhantes.
Nossa experiencia nos ensina outrossim que a avaliacao do doente a respeito da sua própria dignidade depende, em grande parte, do reconheci-
mento dessa dignidade por parte daqueles que o acompanham. Os pedidos formulados nos termos que a proposta de Resolucao sugere, sao extrema mente raros; o que na realidade acontece, é outra coisa. O texto enfatiza a liberdade do paciente; mas quem tem experiencia de pacientes termináis, sabe nítidamente que tal liberdade é algo de ambiguo e que o paciente, ao pedir a morte, toma urna atitude dependente dos que a acompanham. Co mo entáo falar de liberdade do paciente apenas?
Aceitar o arrazoado da proposta de Resolucáo em pauta equivale a matar duas vezes a pessoa humana: — declarando nao humana a sua existencia pelo fato de estar sofrendo;
- praticando a eutanasia.
Nao podemos concordar com tal perspectiva. Como outros cidadSos, fazemos votos para que o Parlamento Europeu nada efetue que leve á prática da eutanasia: Junhode1991" * * *
Muito sabiamente se levantam vozes abalizadas que poem em eviden cia os aspectos negativos do projeto de legalizacao da eutanasia. Aos olhos da fe — como também aos do bom senso — o suportar a enfermidade com galhardia e serenidade é algo de enorme valor e digniUade; vem a ser um testemunho ou urna licao deixada aos pósteros, testemunho que torna a vida
do paciente terminal muito útil á sociedade. De resto, é de notar que a Moral Católica nao se opóe á suspensao de complexo aparato técnico aplicado a um paciente terminal, desde que se possa afirmar seguramente que nao há proporcao entre a parafernália utili zada e os resultados (nulos ou quase nulos) assim obtidos. A cega obstina-
cao terapéutica nao é abonada pela Moral católica; o cristao sabe que a vida da pessoa nao cessa quando deixa de existir neste mundo; a morte é a transicao do provisorio para o Definitivo, do contingente para o Absoluto! Ver PR 342/1990, pp. 508-513. 379
Livros em Estante Teología do Sacramento da Penitencia, por José Ramos-Regidor. Traducao de Roque Frangiottl. Colecao 'Teología Sistemática" n? 3. - Ed. Paulinas. Sio Paulo 1989, 130x210mm, 507 pp. O autor escreve exaustivamente sobre o sacramento da Penitencia, uti lizando rica bibliografía, na base da qual aborda tanto a historia do sacra mento quanto a respectiva doutrina teológica. O texto de Ramos-Regidor é aínda ilustrado por tres Apéndices, de índole pastoral. 0 livro vem a ser um precioso manancial de informacoes; cita muitos textos amigos e medievais e aponte as tendencias dos teólogos contempo ráneos relativas á renovacao da prática do sacramento em nossos días. Toda vía a inspiracio e asposicSes do autor nem sempre condízem com a doutrina oficial da Igreja, quando aborda a teología do sacramento da Penitencia. Assim, por exemplo, ás pp. 370$ adota a estranha noció de pecado mortal: seria tao somonte a ruptura da opcio fundamental ou um Nao explícitamen
te dito a Deus (em tal caso, o crístSo que adulterasse ou roubasse sem perder a fé em Deus, nio estaría pecando mortalmente). Tai doutrina foi explícita mente rejeitada pela InstrucSo Persona Humana da Congregado para a Dou trina da Fé aos 29/12/75. ConseqGentemente o autor tende a relativizar a freqOSncia do sacramento da ConfissSo, pois a Eucaristía apagaría os peca dos graves, de modo que o cristao podaría comungar, mesmo estando em pe cado grave (bastaría urna confíssio por ano para todos os cristSos). Para se fundamentar, o autor cita teólogos diversos, mas nio cita o Código de Direito Canónico, que, datado de 1983, tomou nítida posicio diante de tais sentencas; a proposito ve/am-se: "Canon 960 — A confissao individual e íntegra e a absolviera constituem o único modo ordinario, com o qual o fiel, consciente de pecado gra
ve, se reconcilia com Deus e com a Igreja; tómente a impossibilidade física ou moral escusa de tal confissao; neste caso, pode haver a reconciliacao
também por oímos modos". Nótese que o Código de Direito Canónico evltou proposita/monte a expressSo "pecado mortal" para nSo dar a entender que há urna dlstincio entre pecado grave e pecado mortal. Mantenhase a noció dássica de pecado grave ou mortal: ó um Nao dito a Deus em mataría grave, de maneira consci
ente e voluntaría. Nio é necessárío que o cristio rompa sua opcio funda mental ou diga um Nao explícito a Deus para que peque grave ou mortalmente; basta que deseje conscientemente pratlcar algo que se/a gravemente 380
LIVROS EM ESTANTE
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contrario á Leí de Deus, tendo em vista o prazer que isto ¡he acarrete, sem intencionar explícitamente se desligar de Deus. "Canon 916 - Quem está consciente de pecado grave, nao celebre a Missa nem comungue o Corpo do Senhor, sem fazer antes a confissao sacra mental, a nao ser que exista causa grave e nao naja oportunidade para se confessar; neste caso, porém, lembre-se de que é obrigado a fazer um ato
de contri pao perfeita, que incluí o propósito de se confessar quanto antes". Em poucas palavras: nao se deve comungar em estado de pecado gra ve ou mortal.
Á p. 370 o autor afirma que "na prática atual mais comum a celebracao da Eucaristía ñas paróquias acontece - com poucas excecoes — de tal modo que a maior parte dos cristaos presentes nao faz a Comunhao. Por ¡sto quer incitar os cristaos á Comunhao ñas Missas de que participam, qualquer que se/a o seu estado de alma. Ora este propósito n§o tem cabimento
no Brasil, onde o número de Comunhoes surpreende; os fiéis nao raro recebem o Sacramento mesmo quando levam teor de vida incompatfvel, ou por razoes "festivas" e levianas.
O conceito de pecado original é substituido pelo de pecado do mun do. 0 autor nao fala da elevacao dos primeiros homens á justica original e da queda dos mesmos, mas fala de "pecado do mundo, essa tessitura de pe cados feita pela solidariedade no mal moral histórico, desde as origens... até hoje... Cria urna situacao de pecado: o mundo mergulhado no pecado" (p. 420). Ora a doutrina do pecado original no sentido de elevacao e queda dos primeiros país é definida por Concilios da antigüidade e pelo Concilio de Tremo (1545-1563). ¡
No tocante á primeira Confissao das enancas, o livro é ambiguo. Ás
pp. 364-376, Ramos-Regidor é favorável a que as enancas só se confessem após a Primeira Comunhao, ou se/a, em idade mais madura; para tanto alega razSes psicológicas, segundo as quais a enanca "antes dos nove ou dez anos
.de idade nao tem capacidade de se orientar para os valores moráis e religio sos" (p. 374). - Eis, porém, queáspp. 504-507 um Apéndice da autoría de Carlos Collo cita documentos oficiáis da Igre/a e um artigo do Cardeal Joseph Ratzinger, que prescrevem e ¡ustificam a Confissao sacramental das enancas antes da Primeira Comunhao. Donde se vé que Ramos-Regidor nao está sempre na linha do magisterio da Igre/a, nem o livro das Edicoes Pau linas é muito coerente.
Em suma, o autor procura abrir pistas que facilitem o acesso dos cristSos aos sacramentos, atenuando a obrigacao da Penitencia sacramental e 381
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"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
enfatizando o papel da Eucaristía como canal de remissSo dos pecados gra
ves. Ora pódese dizer que a Igreja hoje procura cortamente tornar mais significativo o sacramento da Penitencia, enríquecendo o respectivo ritual,
mas nao pensa em dizer que alguém pode comungar em estado de pecado grave. Mesmo que leve urna vida habkualmente volada para Deus e caía em pecado grave, o cristSo tem o dever de procurar a reconcitiacaó sacramental antes de receber o Corpo e o Sangue de Cristo. Ao fiel católico compete atender antes ao Magisterio da Igre/a do que ao parecer de teólogos. Formapao Matrimonial, por Edicdes Familiaris Consortio, Caixa postal 12526.91010 Porto Alegre (RS). 140 x210 mm, 274 pp.
A Fundacao Familiaris Consortio (em formacao), de Porto Alegre, lancou o livro ácima, que visa a preparar o(a)s candidato(a)s ao matri monio para que facam um casamento cristio e feliz, de acordó com as nor
mas da ExortacSo Apostólica Familiar» Consortio n? 66.' Sábese que o éxito da vida conjugal depende, em grande parte, da tomada de consciéntía do significado e do valor dessa vocacao. Se atualmente tantos casáis se dio por fracassados, devese apontar o despreparo ou a imaturidade como urna das principáis causas da desgraca.
A fim de contribuir para diminuir a incidencia deste mal, a Fundacao resolveu editar urna coletánea de textos do magisterio da Igreja, acompanhados de breves comentarios que expoem o sentido do matrimonio e da familia (pp. 17-143) e propdem principios de acSo pastoral em prol da familia "igrefa doméstica" (pp. 145-266). Nesta segunda Parte do livro é (aneado o Projeto "Namoro CristSo" (PNC), que tenciona por em contato mutuo jovens dispostos a constituir um auténtico lar cristSo. Tal projeto utiliza o que chama "Boletim de Namorados", no qual sao publicados os dados pessoais daqueles e daquelas que procuram unirse em casamento. é de notar que a primeira edicSo desta valiosa obra é distribuida gratuitamente; os exemplares podem ser solicitados á FundacSo Familiaris Consortio, Caixa postal 12526,91010 Porto Alegre-(RS).
Recomendase a consulta desse livro, rico em ensinamentos do Papa JoSo Paulo II e de seus assessores, que apontam o dever urgente de se pre servar a familia para que se preserve a sociedade civil e a eclesiástica: "O fu turo da humanidade passa pela familia. E, pois, indispensávei e premente que
1 Familiaris Consortio ó documento redigido por JoSo Paulo II após o Sínodo dos Bispos realizado em 1980 sobre o tema, retomando proposicoes dos Padres Sinodais. Traz a data de 22 de novembro de 1981. 382
LIVROS EM ESTANTE
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cada homen de boa vontade se empenhe em salvar e promover os valores e as exigencias da familia. Sinto-me no dever de pedir eos filhos da Igreja um esforco especial neste campo. Conhecendo plenamente, pela fé, o maraviIhoso plano de Deus, eles tém urna razio a mais para se dedicar é realidade da familia neste nosso tempo de prova e de grapa. Deveis amar particular
mente a familia, é o que concreta e exigentemente vos confio. Amar a familia significa saber estimar os seus valores e posibilidades, promoven-
do-os sempre" (Joao Paulo II. Familiaris Consortio, n? 86). Nao podemos deixar de nos congratular com o Dr. Clemente Henrique Puhl, incansável batalhador da Boa Causa, pela Fundacao Familiaris Consortio e pelo lancamento de tSo precioso Manual, queprazerosamente apresentamos aos nossos leitores.
Deus em Questoes, por André Frossard. Traducao de María Cecilia de M. Duprat. - Ed. Quadrante, Rúa Iperoig, 604, 05016 Sao Paulo (SP) 1991, 130 x 190mm,203pp. André Frossard é famoso convertido a partir do ateísmo esquerdista.
Tendo descoberto Deus em 1935, vem-se dedicando ao trabalho de professor e escritor crístao. No presente Iivro responde a quarenta e sete perguntas
e objecdes que jovens estudantes Ihe fízeram a respeito de Deus e do Cristia nismo: "Que vem a ser a fé? Para que servem os dogmas? Por que existem tantas religiSes? Quem é Cristo?..." Ñas respostas percebe-se a ampia cultura do autor e a fluencia do seu estilo, de modo que o Iivro se lé com fácilidade e agrado.
É de notar, porém, que o autor nao é um teólogo; nao obstante, é le vado a abordar temas teológicos... Na maioria dos casos sai-se satisfatoriamente; num ou noutro, porém, nao é bem sucedido. Assim, por exemplo, quando trata da questao do pecado original, dé sua explicacao própria a um tema que é de fé, e sobre o qual o Magisterio da Igreja se tem pronunciado repetidamente; omite a elevacao dos primeiros paisa¡ustica original e tema elucidar o pecado de maneira um tanto confusa (p. 187). Outro ponto ne
urálgico é ,o que se refere ao momento da ressurreicao dos homens, que Frossard parece identificar com o ¡mediato post mortem (p. 195) e nao com o fim dos tempos, supondo que do tempo a alma passe para a eternidade (na verdade, só Deus é eterno, ao passo que a alma humana é ¡mortal e, por isto, ao deixar o tempo, nao entra no regime da eternidade, mas no do evo). - Quando tenta explicar "por que existem tantas religiBes", o autor é fraco em sua explanacao — o que sugeriu ao editor do Iivro urna nota elucidativa para impedir o relativismo religioso (p. 45). Todavía nao podemos deixar de mencionar as belas páginas em que 383
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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 352/1991
Frossard disserta sobre "o fracasso do Cristianismo" (pp. 34-36), sobre os. dogmas (pp. 38-40), sobre Jesús Cristo (pp. 48-51)... e outros tantos pontos dificéis. Recomendam-se outrossim os dois'capítulos autobiográficos, em que Frossard com muita arte narra algo da sua fuventude e da sua conversao (pp. 20-32). Na Nota Editorial (pp. 5-10) vem apresentando o perfil bio gráfico e intelectual de Andró Frossard. O livro, abstracSo feita dos pontos'assinalados, será de grande utilida-
de para o nosso público, pois leva em cónta perguntas que muito frequememente surgem em conversas, apresentando respostas oportunas e válidas em quase todos os casos.
Maria, María..., pelo Pe. Paschoal Rangel. - Ed. "O Lutador". Praca Julio Maria, 1 - 31710 Befo Horizonte (MG), 1991, 125 x 195 mm, 112pp. O autor, teólogo de renome, apresenta um comentario dos títulos ma-
ríanos que constam da Ladaínha de Nossa Senhora. É comentario doutrína-
ñámente denso, apto a elevar o feitor a sólida piedade mañana. Pódese dizer que urna obra tal fazia falta, visto que a Ladaínha Lauretana é muito freqüente na devocáo dos fiéis católicos, que a poderüo rezar com mais convicc$o após o uso do livro em foco.
Interessante também é o Apéndice do escrito (pp. 111s), em que o autor, de certo modo, quer justificar a énfase dada á devocáo mañana. Escreve, retomando palavras do teólogo jesuíta, Juan Alfaro, da Universidade Gregoriana:
'Tanto a greca de Maria como a graca da Igreja provém diretamente de Cristo, mas a graca pessoal de María, por seu caráter de cooperacao no misterio redentor (do qual nasceu e continua vivendo a Igreja), foi graca para toda a Igreja".
De algum modo (de algum modo misterioso, querido por Deus). a economia da graca que se identifica com o misterio de Cristo, nao pode deixar de estar atetada pela contribuicao de Maria no misterio da Redencao. O caráter mañano constituí um matiz imperecedouro no designio salvífico de Deus e em sua realizacSo, urna vez para sempre em Cristo. Há assim um traco mañano em nos, como há um matiz mañano no próprío Jesús, por tudo o que o une a Maria, especialmente por aquilo que liga Maria ao misterio da Encarnacao e da Redencao" (p. 112).
"NSo há excesso nessa devocao, urna vez que louvar Maria, Mae de
Deus, louvar seus títulos, suas virtudes, seu poder, é louvar a santidade, o poder e as maravilhas de Deus, de quem vém todas as grandezas da Virgem. Quanto mais admirável for ela, mais admirável confessamos ser o Deus sem
o qual ela nao seria nada" (p. 13).
Congratulamo-nos com o Pe. P. Rangel por mais esta sua obra teoló gica, em que doutrína e oracao se associam num linguajar simples e claro, que nao deixa de ter seus encantos poéticos. E.B. 384
LIVROS DA EDITORA QUADRANTE CAMINHO. Josemaría Escrivá
1.500,00
Um "clássico" do século XX. 4 milhoes de exemplares vendidos. FORJA. Josemaria Escrivá
3.500,00
Pontos de meditacao que cobrem todo o itinerario da alma crista. PERFIL DO FUNDADOR DO OPUS DEI, Salvador Bernal Vida do Venerável Servo de Deus Josemaria Escrivá prestes a ser
5.000,00
beatificado.
FÉ EXPLICADA, Leo Trese
4.300,00
Um verdadeiro catecismo para adultos: O Credo, Os Mandamentos e os Sacramentos
O CREDO, Ronald Knox
2.400,00
Cada um dos artigos do Símbolo dos apostólos analisados com profundidade.
A CAMINHO DO CEU, Leo Trese
1.600,00
Como é o Céu? A razao da nossa existencia: a Esperanca crista.
0 EVANGELHO DE MARÍA, Salvador Iglesias
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O silencio, as palavras e os atos de María, comentados por um filho que a ama. TERESA DE LISIEUX, Henri Gheon .
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Urna biografia realista e encantadora ao mesmo tempo.
SIMÁO PEDRO, Georges Chevrot
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Sao Pedro foi escolhido pelo Senhor para exemplo de todos os cristaos.
VASO DE ARGILA. Leo Trese
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Um dia na vida dé um pároco, seus desfalecimentos e suas superagoes.
VOCAQÁO DE AMOR, Dorothy Dohen
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Seremos julgados pelo amor. O amor é a diferenca entre o Céu e o inferno.
DEUS EM QUESTÓES, André Frossard ("Deus Existe, eu o Encontrei")
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4? respostas ñas quais o autor de se dirige aos que créem e aos que duvidam.
DEUS E EU, Ronald Knox
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Deus, a alma, seu destino final, a oracao: o para qué da existencia.
PSICOLOGÍA ABERTA, Johannes Torelló
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A valentia e a paciencia, o corpo e o trabalho, o amor e a alegria.
FIDELIDADE, Javier Abad Gómez
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Como nao esterilizar a vida própria e alheia? Sendo fiéis.
NAO VOS PREOCUPÉIS, Leo Trese
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Um feixe de consideracóes tao simples como surpreendentes e animadoras.
PEQUEÑAS VIRTUDES DO LAR, Georges Chevrot Cortesía, bom-humor, paciencia... é com elas que se faz a Historia de um lar.
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