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Em Segredo
por Tiago K. Inforzato
Dividíamos o mesmo corpo e despidos de pudor amávamos. Éramos tão brancos. A Noite, fiel amiga, acobertava-nos em seus negros véus Enquanto a lua, invejosa testemunha, insistia em entregar-nos nus ao mundo.
Umuarama, domingo, 18 de outubro de 2009
Lugar Comum por Ângela Russi Frasquete
Sabe a tão mal falada rotina? Aquela que cansa e embota a visão das coisas belas que fazem parte do cotidiano? Pois é, muitos a veneram e já não vivem sem ela. A rotina é a repetição, é o mesmo fazer sem mesmo saber para quê. O cotidiano é diferente, encanta a estabilidade da gente. A rotina é mecânica e como tudo o que é assim, gira sozinha sem precisar de mim, nem de ninguém. O cotidiano é saudável, nos dá o prazer de estar em lugar conhecido, mas, não nos impede de conhecer outros lugares. A rotina gosta de si mesma e por isso não quer saber de novidade nenhuma. Quer tudo para si e só pensa em si, de preferência sem se mexer muito. Ela está tão incutida na vida que se transformou em um lugar comum. Todos veem a mesma novela todas as noites no mesmo canal de televisão. Todos assistem todo o domingo o mesmo programa em que o mesmo apresentador diz as mesmas baboseiras. E sabe o que é pior? Gostam, na verdade, divertemse e já não ficam entediados com as mesmas piadas ou os mesmos cantores cantando as mesmas músicas. Isso se chama lugar comum. É normal às pessoas que vivem assim e sempre tem muita conversa para jogar fora. Geralmente as mesmas conversas. O lugar comum é comum a todos, pode fazer parte do cotidiano quando ele se
“Ilustração por Marcelo Braga (www.diburros.com.br)” transforma em rotina. Ele está no serviço doméstico que se repete sempre igual, está no serviço burocrático que repete os mesmos carimbos e os mesmos documentos. Está na maioria dos programas de televisão que repetem enredo, desfecho e conteúdo com pouco teor. O lugar comum pode produzir ilusório descanso das atividades consideradas pesadas. Pode produzir também acomodação, seguida de teias de aranha e até depressão. A depressão é realmente perigosa, tanto no lugar comum como ao sair dele por pouco tempo. Ao retornar pode esperar, é ‘deprê’ das bravas. Porém, não se desespere, há luz no fim do túnel, ou do lugar comum.
Durante essa semana
participei da semana literária do SESC. Simplesmente adorei. Com o tema Literatura e Jornalismo, a feira fez com que aqueles que se interessam pelo assunto, ou apenas amem literatura, conhecessem ótimos textos e excelentes autores. Foi um show de organização. O ambiente era todo cultural, havia livros para todos os gostos e o homenageado era o escritor Euclydes da Cunha. Participei do lançamento do livro A Casa de Sophia do talentoso escritor Alexandro Salgado e ganhei um autógrafo e uma dedicatória muito especial. Ouvi do Ilídio Coelho Sobrinho a história do jornalismo em Umuarama e fiquei impressionada com suas memórias cheias de detalhes. De algumas eu sabia, pois,
sou filha do Palha Roxa e cresci em meio a comunicação umuaramense feita no rádio, porém a maior parte da história não conhecia. Para encerrar estive na palestra do escritor Domingos Pellegrini. Poder assistir a uma palestra deste nível aqui em Umuarama já é o máximo, e a entrada ser franca é algo imperdível. Que riqueza cultural! Foi uma aula de história bem humorada com um professor espetacular. Se os alunos que irão prestar o próximo vestibular estivessem lá teriam tido uma grande ajuda. Conhecer pessoalmente um escritor que se admira é um privilégio e o Domingos é admirável mesmo. Apenas uma coisa me entristeceu ao fim dessa semana, imaginei que o SESC
O homem à espera de um milagre por Thiago Calixto
Fotografias nos deixam nostálgicos, pois elas fazem aquilo que nem eu; nem nenhum ser vivo pode: parar o tempo, ou melhor, voltar o tempo! Elas congelam um momento único, geralmente de vida pulsante. Ao mesmo tempo em que vendem a ideia do poder humano sobre a natureza, jogam na cara deste mesmo, envelhecida, diga-se de passagem, a ilusão de seus valores, ou seja, a insignificância da vida. Não na senda de que não vale a pena ser vivida, ao contrário, a evidência de que se deveria aproveitá-la, uma vez que única e pequenina. Imperioso, entretanto, não confundir carpe diem com anarquia. Possuem, ainda, a força de resgatar o júbilo de outrora, mas também a dor da existência e a implacabilidade do tempo. No fundo, retratam
nosso desejo de imortalidade e permanência, a utopia de uma vida marcada pela busca por garantias, que se desfazem com uma mera pincelada no espelho. Do mito paradisíaco ao nada da existência, a beleza que atrai, carrega consigo o engodo de
significado. Mas, quiçá uma das formas, analogamente ao que diz Fontane, de construções auxiliares para encararmos a vida. Na ameaça dos que defendem um propósito para a vida humana, o medo de uma onda maciça à fuga.
Parece-me que a tragicidade da vida poderia ser vista de maneira a exortar coragem no homem, mas nós somos os seres das próteses, da maquiagem, do futuro ilusório retratado no filme em branco e preto. À espera de um milagre: click!
seria pequeno, entretanto, o público coube no salão de eventos. Dá para acreditar? É verdade, se eu própria não estivesse lá, deliciando-me com as atrações não acreditaria. Uma chance dessas é para pegar senha e ficar na fila para conseguir entrar. Sorte de quem compareceu como eu. Nesse momento é que percebo como o lugar comum tem força sobre o ser humano. Muitas pessoas a quem convidei para feira não foram porque não quiseram ir mesmo. Por causa da novela das 9, imperdível, ou porque estavam cansadas do trabalho rotineiro de todo dia, ou porque não sabiam que experimentar cultura é prazeroso. Como sair desse lugar? Só há um meio e tem que ser por querer. O caminho é o do
prazer. Não o carnal apenas, que acaba sendo bem comum para muita gente, o prazer intelectual, esse sim tira o ranço que a rotina cria e quase não se sente. Intelectual é aquele que pensa por si, que diz sim ou não porque sabe escolher. Pode ser quem faz o serviço doméstico todos os dias, no entanto, coloca uma boa música para ouvir enquanto trabalha ou o trabalhador que lida com papéis demais e acaba encontrando um papel, fora daquele ambiente infeliz, que o faz feliz. Lugar comum é para gente sem graça. Não por ser chata ou sem inteligência. Sem graça porque não procura outro lugar. Lugar incomum? Não. Apenas um pouco diferente de tudo o que é normal, só para variar.
O caçador e/ou a caça por Caroline Guimarães Gil
Não sabia onde me esconder, era um campo muito grande e havia muitas árvores para escolher, no entanto só árvores para escolher. Pensei em deitar no chão, a grama por demais alta, camuflar-me-ia entre o verde do vestido. Meu coração tremelicava, estava em desespero. A brincadeira de ser encontrada me causava esta ânsia de querer logo saber onde está o caçador sem que veja a caça. A curiosidade em estar vivendo duas vidas ao mesmo tempo, de poder enxergar por meio dos olhos do caçador e da caça. Sabia dos riscos de me confundir com o caçador e de sair, afoita, farejando pelos arredores. Agora não mais com o medo de ser encontrada, mas com o desejo de encontrar logo, não mais com o medo de ser descoberta, mas com a fome de descobrir. Isso fazia com que me esquecesse das regras do jogo em que eu me encontrava. Sempre quando me coloco em mais de um papel, nenhum interpreto adequadamente. Ouvi um estalido de folhas, e me estremeci. Embora o medo de ser encontrada fosse a circunstância adequada - condizente com o personagem do momento - no peito morava a vontade de ser descoberta. Como se algo precisasse ser descolorido, que ficasse cru o que antes tivesse algum tempero. Que ficasse sem tonalidade e nuança, aquilo que antes tivera todos os aromas e sabores. Mas eu pedia que eu fosse outra coisa que eu não era. Então, continuei no mesmo local, e sem querer, assustei-me, pois comecei a orar, numa oração particular, como quem torce para si mesmo na platéia. Outro estalido do meu lado esquerdo. Fechei os olhos com força, e a oração sem querer, saiu alta, mais alta do que eu imaginava. Eu estava chamando o caçador? Eu estava querendo ser encontrada? Pelo medo de ser encontrada, que eu encontrei. E, agora, já me confundi, eu quem estava de pé olhando por cima da grama, enquanto via um corpo debruçado no chão rezando alto? Ou era eu, quem estava a cantarolar uma reza particular? O “ou” era o errado do termo, era o “e”. Eu era a soma, era a junção, o conjunto, a sobra, a demasiadamente, a coisa que olha pelo olho do olhar. O que espera e o que se entrega o que anseia e o que renega; eu mesma a que fala e censura; todos os lados da moeda. Sorri, levantei, ajeitei meu vestido, sacolejando um pouco. Retirei os pés do chão para remover um pouco do barro. Para que a fuga? - Perguntou o caçador. Eu não respondi, não senti vontade. Abracei o caçador, e condiz com o meu papel de viva. Porque mesmo quem um dia fugiu, pode voltar. E mesmo o contrário, o avesso, também pode ser verdade. O abraço foi demorado, até ouvirmos o soar do sino ao longe: era hora do jantar. Voltamos. Conversando sobre o sol que se despedia, e da grama que crescia, ou encolhia quando crescêssemos. Voltei para sentir o gosto do que antes me fora prometido. Voltei para me cumprir o que eu sou. Escapei porque achei que não tivesse escolha. E o achei nunca é certeza. O achei é só uma hipótese. Mas, agora, fiz uma certeza.