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SEGUNDA-FEIRA, 2 DE FEVEREIRO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
Legislaçãofoifeitanaerapré-digitalehojesofrepressãodasociedadepormudança
INTERNET COMO VILÃ
Porprocesso das gravadoras, o primeiro serviço de troca de arquivos, o Napster, foi fechado em 2001.Mesmo com processos até para internautas, vários serviços semelhantessurgiram depois.
Leis contra piratas vivem impasse em todo o mundo Internet : LUCAS PRETTI : RODRIGO MARTINS
Em2003,MadonnaespalhoupelasredesP2Pfaixasfictíciasde seudiscoAmericanLife,ondeela falava:‘Quem...você estáfazendo?’Furiosos,internautasfizeram concursoderemixescomafrase.
Comodiscursode‘processarqualquerumquecompartilhearquivos’, aindústriafonográficacomeçaem 2003ocercoauniversidades,comooMIT,pedindoinformações sobreosalunosquebaixavam.
Em2007,aJustiçabloqueouoYouTubenoBrasilporcontadeumvídeoquemostravaDaniellaCicarelli napraiacomonamorado.Osite ficouumdiainacessível,masvídeos ‘piratas’seespalharampelaweb.
Aindústriafonográficabrasileira acionouem2008oOrkutparaacabarcomcomunidadesquetrocam linksparadownloadsdemúsica. Nãodeucerto. Ascomunidades aindacontinuammovimentadas.
Depoisdeváriosprocessosem 2006,ositedebuscasdetorrents PirateBay–omaiordomundo-foi fechadonaSuécia.Entretanto,reabriucomumservidornaHolanda.
Também em2006, a Sony obrigou umaloja online chinesa degames, aLik-Sang,aencerrar suasatividades, porcausada venda deprodutoslegítimos– e outros nem tanto – fora deseu país de procedência.
Umaapostaparaburlarapirataria,a travadeproteçãoanticópias(DRM) irritouaspessoas.Emmuitoscasos, nãodavaparatocarasmúsicasno PC,comonoCDdaMarisaMonte. Estácaindoemdesuso.
Desequilíbrio é a palavra certa para definir o que ocorre com as questões de pirataria e direitos autorais no mundo. De um lado, há o interesse daspessoas em ter livre acesso a músicas, jogos e filmes (e a pressão com a troca ilegal de arquivos pela internet). De outro, estão os autores, interessados (ou não) em proteger suas obras audiovisuais. Um terceiro grupo trava a discussão. São os grandes grupos de mídia, gravadoras e outras empresasdeconteúdo,cujoobjetivoéaté facilitar o acesso das obras ao público,desdequenoprocessocorra dinheiro.Nãoháleinomundoque resolva essas três demandas. A realidade não era essa há 15 anos. Foi a era digital que alterou todoocenárioefezcomquenovos hábitos passassem a exigir uma revisão na legislação. O formato de arquivos torrent, a banda larga,apopularizaçãodainternetea criação de tecnologias como o Bluetoothsãoosresponsáveispeloimpasse.Liberarounãoliberar a pirataria? Há um meio-termo? “Encarar a troca de arquivos do ponto de vista policial é uma discussãofalsatrazidaàtonapor quem tem interesse nisso, como asgravadoraseaindústriadoentretenimento”, afirma o coordenador de portais do Governo do Estado, Ricardo Kobashi. “É como se encara no mundo todo.” A questão é realmente mundial porque a indústria cultural, hoje, lança produtos globais (filmes, séries, músicas) e porque, com a internet, as barreiras nacionais passaram a não fazer maissentido.Tantoéqueo principal site de torrents, Pirate Bay, estáhospedado na Suécia – e “fornece” pirataria para o mundo todo.
Projeto da Cultura quer liberar a cópia privada Emmeioadiscussõesacaloradas, o Ministério da Cultura promete para o meio do ano apresentaraoPoderLegislativo um projeto com sugestões demudançasnalei dedireitos autorais. O intuito é “adequála às tecnologias atuais”. A questãodosdownloads,entretanto, deve ficar para depois. Um dos pontos principais quedeve constarno projetoéa possibilidade da cópia privada. Essas mudanças estão sendo discutidas desde 2007 em fórunspromovidos peloMinistériocomconsumidores,artistas eindústria de entretenimento. Hoje o simples fato de copiar ou digitalizar um CD para uso próprio é crime. “Qualquer pessoa que tenha um MP3playerouumcelularmusical desrespeita a lei. Não faz sentido”, diz o coordenador deDireitoAutoral doministério, Marcos Alves de Souza. Resolver a questão dos downloads ilegais, entretanto, é mais espinhoso. “É preciso, antes de uma lei, que a indústria encontre um novo modelodenegócios.Hádiscussões, por exemplo, para criar uma taxa para os consumidores com banda larga. Assim, eles poderiam baixar à vontade, e os artistas seriam pagos.” O problema, diz, é que essas soluções ainda não foram testadasem outrospaíses.“A probabilidade de consenso agora é pequena. A questão deve ficar para o futuro, em novo projeto de lei.” ● R.M.
POR QUE EU BAIXO? PAULO PINTO/AE
Tudo é proibido na lei brasileira ●● ● A lei brasileira que trata do direito autoral sobre obras culturais data de 1998, sob o número 9610 (veja a íntegra em http://tinyurl. com/leideautor). É de uma época em que a internet já tinha certa popularidade no Brasil, mas a troca de arquivos via redes P2P era incipiente. Também por isso, a lei não dá conta de prever os tipos de reprodução hoje existentes, que foram muito facilitadas pelo desenvolvimento tecnológico. O outro motivo é o próprio conceito analógico de reprodução, que foi superado com o passar dos anos. O artigo 5º da lei define reprodução como a cópia ou armazenamento “permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”. Daí vem a falta de flexibilidade quando o assunto é, por exemplo, copiar as músicas de um CD para o computador ou baixar da internet. Quem viola esse artigo é visto hoje como criminoso, de acordo com o artigo 184 do Código Penal. Co-
piar músicas do CD para o computador, para seguir o exemplo já dado, pode acarretar em prisão de três meses a um ano. Outro aspecto da lei é o tempo que deve passar até uma obra ser considerada de domínio público: 70 anos após a morte do autor. É o típico artigo que não depende da vontade dos parlamentares brasileiros para ser alterado – e aqui está outro cerne da questão quando o assunto é a reforma da lei de direitos autorais: o atrelamento do Brasil a tratados internacionais. A Convenção de Berna, assinada em 1886 (quando já havia telefone mas não existia rádio), prevê justamente a adoção por diversos países da proteção aos direitos de autor, como os 70 anos para caducar, só com algumas (mas não muitas) liberdades locais. Veja o texto integral em http://tinyurl.com/c9hg77. Para finalizar, de acordo com a lei brasileira, inclusive enviar por e-mail um arquivo com copyright é crime. E pode dar cadeia. L.P.
Nos EUA, há duas flexibilidades legais que o Brasil ainda não conseguiu – e não sabe se vai – colocar em prática (veja abaixo). Uma é o chamado “fair use” (uso justo), que libera usuários do pagamento de direitos autorais desde que a música, o filme ou outra obra tenha fins educacionais, por exemplo. Outra saída é o conceito de cópia privada. CopiarumCDparao computadore depois para o iPod, nos EUA, já é possível sem levar a pecha de pirata. Afinal, em tese, o CD já foi comprado antes da cópia. Diante das alternativas, as opiniõessãodiscordantes.O advogado Luiz Henrique Souza, sócio do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados e que já defendeu grandes empresas em casos de pirataria, acredita
queatrocadearquivosemgrande escala não é irreversível e que a massa de internautas ainda não ganhou a batalha. “As empresas devem encontrar outra forma de lucrar, mas nunca abrindo mão do direito do autor de receber pelas obras”, afirma. JáoadvogadoGuilhermeCarboni, pós-doutorando na USP em propriedade intelectual, defendeaflexibilizaçãodessesdireitos. “A lei de hoje é extremamentetímidaquandofalanessa aberturaenãotratadeautoriacolaborativa,comoaWikipediaeossoftwares livres”, diz. Você pode participar do debate pela internet. A reforma da leiestá emdiscussãopeloMinistérioda Culturanositewww.cultura.gov.br/direito_autoral (leia mais abaixo). ●
‘NINGUÉM É PUNIDO’ - A fisioterapeuta Carolina, de 23 anos, baixa muita
música, a ponto de ocupar todo o disco rígido do computador. ‘É mais prático. Tenho um celular que toca músicas. Já baixo em MP3, não preciso ‘ripar’ um CD para isso.’ Embora afirme que ‘os artistas deveriam ser recompensados’, ela diz ter a certeza de que nunca será punida. ‘Ninguém é punido no Brasil, nem deveria ser. Os downloads são naturais.’ Ela vive entre amigos ‘baixadores’ com quem troca arquivos pela internet.