Domingão
- Ah, não! Trânsito aqui, não. Era só o que me faltava! - Calma amor... Já, já passa - Laura fez aquela cara de paciência, mesmo forçada, porque sabia que Sérgio não tinha a menor. - Mas aqui é lugar? - ele já tinha perdido a paciência. - A única avenida desta cidadezinha de menos de cem habitantes com o trânsito parado?!? E ninguém põe placa, avisa... - É quase carnaval, calma... - Carnaval foi o nosso almoço, com esses dois aí atrás! Os dois lá trás eram um sobrinho dele e um dela. O dele de cinco anos e o dela de sete. Cada um devia ter lá pelos vinte quilos e pouco mais de um metro, mas juntos pareciam ter quarenta quilos de plutônio ativado e grandes como dois zagueiros. Fizeram uma zona no restaurante que a Laura jurou que nunca mais iria lá ( por vergonha ), e o Sérgio jurou que seus pensamentos mórbidos eram só pensamentos. - Mais um domingo perdido... - pensava ele. - Eu poderia estar vendo um joguinho, deitadinho com minha mulher, ou somente lendo um jornal, mas nããão... Eu tenho que concordar em visitar a tia dela no interior, daquelas que só se lembra quando morre outra tia e não tem túmulo disponível, tipo: “Morreu fulana, e agora? Agora tira a tia Gherta e põe fulana...”, com duas crianças e uma semana antes do Carnaval! Eu sou uma besta! - Pelo menos minha tia gostou de ver a gente... Tão velhinha. E as crianças, então? Você viu? Ela tinha lágrima nos olhos! - A Laura sempre se derretia com esses encontros em família. - Eles se comportaram bem, pelo menos na casa dela, e agora estão dormindo... Olha que bonitinhos. - Eu já disse pra minha irmã que eu vou comprar clorofórmio antes de um passeio desses. Se é que vai ter outro! - Dá uma parada naquele posto. A gente descansa, toma alguma coisa, vê se eles não querem ir ao banheiro e pergunta o porquê deste inferno de trânsito! - até ela já tinha perdido a paciência. - Boa tarde! Completa - disse ela ao frentista. - O senhor sabe me dizer por que está tudo parado? - Ah, é só o desfile de um bloco de carnaval - respondeu o homem. - Já, já acaba.
- Mas por que um desfile de carnaval uma semana antes do carnaval? - perguntou Laura, esticando o pescoço até a janela. - É um desfile de bloco gay - disse o homem. - Quem quer se veste de mulher e vai. - Peraí! - era o Sérgio, pê da vida. - Quantas pessoas vivem nesta cidade? - Mais ou menos três mil - Respondeu o frentista. - E quantas pessoas estão pulando naquele bloco? - Umas mil... - Então só tem viado nesta cidade?!?!?
- Ainda bem que o trânsito andou - disse Laura mais tarde, já no sofá de casa. - Ainda bem que aquela lata de cerveja bateu no outro carro! - lembrou Sérgio. - Imagina se aquele frentista acende aquele isqueiro?!? Aquilo foi pergunta que se faça? - Fiquei nervoso. Já passou. Pena que a tampa do tanque de gasolina caiu e vazou um monte na lataria. Tomara que não manche. - Bom, passou - disse Laura. - Vamos dormir. - Vamos. Peraí. Você viu meu celular? - Não... Não vai me dizer que você... - É - Disse ele já pondo a calça jeans e pegando a chave do carro. - Esqueci na casa da sua tia!