Vingança
- Sobe! - Dois, por favor. - Quinto... E lá ia seu Ivanildo, sessenta e quatro anos, trinta e oito como ascensorista, apertando os botões, ouvindo as conversinhas bobas e os “desculpe”, pela pressa de não perder aquele elevador. - Nem um mísero “bom dia” – reclamava todo dia. – Um simples bom dia! Cadê os bons modos? A polidez? Seu Ivanildo era o último ascensorista de um dos últimos elevadores que precisavam de um ascensorista. Todos os colegas provocavam, perguntando qual especialização era necessária para o cargo. - Já sei - dizia um. - Etiqueta! - Não - vinha outro. - Matemática, para não confundir os botões! Rá, rá. E seu Ivanildo dava um risinho amarelo ( trinta e oito anos de piadas ) e pensava em só uma coisa: Vingança! Como riria por último. Como seria bom olhar todos da cobertura, afinal, quantos diretores e presidentes e gerentes ele não acompanhou? - Ah, eles vão ver. Isso que é profissão - pensava. - Sentado o dia inteiro, com a única preocupação de apertar uns botões. - A única coisa que ele detestava eram os respingos de café ( cadê o desculpa, meu Deus?!? ), e, pior, os comentários sobre o tempo. - Que sol não? - Já chove há dois dias... - O que o Sr. acha dessas nuvens? - E eu sei? - ele pensava. - Que conversinha mole. Esse elevador podia ser a jato. E sempre: - Vingança! Um belo dia de verão, que não ficava belo pela falta de ar-condicionado em prédios antigos, o elevador estava cheio. Cheio mesmo. Com todos se espremendo e segurando jornais e copos plásticos junto ao ombro. Ou com as mãos junto ao ombro, na eventualidade de precisar coçar o nariz, orelha.
Foi quando seu Ivanildo teve o “insight”. Foi uma inspiração. Como se estivesse beeeeeeem desligado, seu Ivanildo apertou o “emergência” e o elevador parou com um solavanco. Todos olharam para ele como que se perguntassem “e aí?”. Seu olhar era de “o que?”. Primeiro os segundos, depois os minutos e seu Ivanildo começou a comentar: - Tá difícil respirar, né? Não estava, mas ele estava adorando. Ele era o dono da situação. Era até engraçado, seu Ivanildo pensando se chamava a segurança, para aumentar o suspense, ou se apertava outro botão e sairia como herói. - Estes elevadores antigos são assim – comentou como quem comenta sobre algo distante. - Talvez leve mais uns minutinhos para se mover de novo. Mais suspiros abafados, entre medinhos e pressas. E seu Ivanildo toma a decisão: - Acho que já dá para fazer isto se mexer! - Disse com entusiasmo e ouviu-se alguns “ehs” e “ahs”. Mas faltava alguma coisas realmente diferente.Algo contundente. Algo que pudesse se lembrar e rir. Rir de todos e rir com todos ao contar o feito. Pensou. Apertou um botão. Quando o elevador começou a se mover todos se sentiram a salvo e foi aí que aconteceu. Nessa fração de segundo, entre a salvação e o medo de perder a hora, seu Ivanildo agiu. Sem nenhum escrúpulo ele agiu. Ao diabo com a educação. O crime perfeito é aquele que não se acha o culpado. Ele agiu com convicção. Soltou um pum. Entre olhares embaraçados e expressões de falta de oxigênio, seu Ivanildo segurou um sorriso e pensou: - Vingança!