Um Olhar Sobre Cuba

  • November 2019
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Pagina 1 UM OLHAR SOBRE CUBA

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‘Eu trabalhei na ilha de Fidel’ Repórter passa 14 dias em Cuba e conta como é o dia-a-dia no país, que desde julho está com seu comandante afastado do poder. A fuga do roteiro turístico incluiu estadia em acampamento e trabalho voluntário Valéria Maniero [email protected] O destino era Cuba, o país socialista que, desde 1959, ano da revolução, divide opiniões mundo afora. Como desafio, conhecer, em 14 dias, um pouco do dia-a-dia da ilha de Fidel, afastado do poder desde julho para se submeter a uma cirurgia. Para entender a realidade do país, que a maioria só conhece pelos livros de História e pelos índices sociais, a idéia era fugir do esquema estritamente turístico. Resolvi, então, participar de um programa, em que desembolsei US$ 1.240,00 (R$ 2.600,00), que o governo cubano oferece uma vez por ano a países da América Latina. O roteiro de viagem incluía estadia em acampamento, trabalho voluntário, participação em conferências e visitas a escolas e hospitais, instituições que enchem os cubanos de orgulho. Para eles, o importante era mostrar a vitrine do país, mas não havia como fechar os olhos para mazelas como o crescimento da prostituição e os problemas com moradia e transporte. Para participar da experiência, se jornalista não era a condição. Como outros 95 brasileiros embarquei no dia 14 de janeiro para Cuba, levando na bagagem itens pouco comuns em viagens de férias, como roupa de trabalho que incluía botas e luvas para a colheita de laranjas. Como muitos turistas, tomei o cuidado de não carimbar o passaporte para evitar futuros transtornos se decidisse viajar para os Estados Unidos, o inimigo número um de Cuba, que costuma chamar o país, localizado a apenas 144 quilômetros, de império. Na chegada ao aeroporto José Martí, uma surpresa: um agente estranhou a profissão indicada e, de imediato, me perguntou onde

ficaria hospedada e o motivo da viagem. Temi o mesmo destino de alguns jornalistas que foram impedidos de entrar no país, ano passado, logo após a divulgação da doença de Fidel. No entanto, instantes depois, a confusão se desfez, quando expus minha condição de integrante de uma brigada de solidariedade. Já no acampamento, em pouco tempo percebi que, num sistema socialista, o trabalho é valorizado pelo Estado, que recompensa os empregados com maior produtividade com eletrodomésticos, viagens a paraísos turísticos e até mesmo moradias populares. O governo cubano, como é de se esperar, encabeça as contratações. Segundo o professor Alejandro Aguilar, chefe do setor interno do Instituto Nacional de Investigações Econômicas, 76,8% dos empregos são estatais e 23,4%, privados. Mas o olhar sobre Cuba não se limita ao trabalho na ilha socialista do Caribe. A vigilância do governo, a educação, o turismo e o lazer são alguns dos próximos temas desta série de reportagens sobre a terra de Fidel.

Valéria retira galhos que atrapalhariam a colheita, uma das tarefas.

Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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‘Há incentivos para aqueles que têm os melhores rendimentos’ Caroline Caraíba Alves 25 anos, de Curitiba (Paraná), estudante de direito. Trabalhei durante quatro manhãs em atividades básicas de poda e colheita de laranjas. Conversando com as pessoas, entendi um pouco mais do sistema de trabalho das cooperativas. Lá em Cuba, elas têm apoio direto do Estado e são vistas como fundamentais para o crescimento do país de modo justo. Os trabalhadores são remunerados de acordo com seu esforço e há incentivos para quem tem os melhores rendimentos

Despertador às 5h45m A rotina de trabalho começava cedo no acampamento Julio Antonio Mella, no município de Caimito, que fica a 40 minutos de Havana: às 5h45m, um galo eletrônico cantava, despertando do sono os brigadistas espalhados pelos alojamentos. Em seguida, músicas revolucionárias e a leitura da famosa carta de Che Guevara a Fidel Castro, quando decidiu partir para a Bolívia. Depois do café da manhã, que incluía pão com presunto ou manteiga, leite, iogurte ou suco de laranja, todos se reuniam no pátio para a distribuição das tarefas. Como estávamos numa área rural, o trabalho era sempre nos laranjais. No primeiro dia, como alguns brasileiros e uruguaios, recebi a incumbência de retirar os ramos caídos próximo às árvores, para que não atrapalhassem a colheita dos frutos. Depois, foi a vez de tirar ervas daninhas que subiam nas laranjeiras e galhos espalhados pelos caminhos.

Como a intenção do trabalho era mais simbólica, sobrava tempo para provar laranjas e frutas locais, como a toronja (maior e mais amarga) e ouvir histórias contadas pelo agricultor Tomás Gracía, que administra a área onde trabalhamos. Segundo ele, nosso esforço concentrado correspondia a um mês de seu trabalho.

O trabalho voluntário foi coordenado pelo agricultor Tomás Garcia

Desemprego de 1,9% Implantado desde a revolução, o trabalho voluntário faz parte da rotina dos estudantes, que podem ser convocados para várias atividades, como reforma de escolas, ou para atuar no campo, a exemplo da experiência oferecida aos 400 brigadistas da América Latina. Segundo dados oficiais, a taxa de desemprego na ilha do “comandante”, como Fidel é chamado, é de 1,9%. Quem tem permissão do governo e paga imposto, pode trabalhar por conta própria, prática que só cresce no país. Segundo o economista

Alejandro Aguilar, em 2000, eram 153,3 mil. Em 2005, 169,4 mil pessoas trabalhavam como artesãos, taxistas, abriram restaurantes (Paladares), cafeterias ou tinham autorização para alugar quartos aos turistas. Em Cuba, o valor do salário mínio é de 225 pesos por mês, o que corresponde a cerca de R$ 27,40. Entretanto, o valor da cota básica (canastra), alimentação garantida a todos os cubanos, é de aproximadamente 10 pesos (por pessoa), porque é subsidiada pelo governo. Se o morador da ilha pudesse comprar mais de uma cesta, teria condição de adquirir 22

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canastras. Para se ter uma idéia, aqui no Rio, a cesta básica custa R$ 172,80, segundo o

Dieese. Com um salário mínimo de R$ 350,00, no entanto, não dá nem para comprar duas.

VOCÊ SABIA? SALÁRIO MÉDIO O salário médio é de 385 pesos, o que equivale a R$ 50,54. AUTORIDADES Um ministro recebe 700 pesos cubanos por mês. Lá, a política não é vista como profissão. Segundo o economista Alejandro Aguilar, do Instituto Nacional de Investigações Econômicas, os ministros continuam desempenhando seu cargo anterior, seja de médico ou professor. SEM ELEIÇÕES O presidente e o vice não são eleitos diretamente pelo povo, mas por uma Assembléia Geral para um mandato de cinco anos. Por este sistema, Fidel Castro se mantém no poder desde 1959.

Estudar sempre. Lucrar, jamais Na ilha de Fidel, crianças e jovens são obrigados a freqüentar a escola por, pelo menos, nove anos. A educação é gratuita até o nível superior, mas cidadãos são proibidos de abrir negócios para ganhar dinheiro com a profissão A economia parou no tempo, mas os cubanos se orgulham na hora de falar dos bons índices sociais, como forma de equilibrar a balança. Com 97% da população alfabetizada, o país de 11 milhões de habitantes oferece educação gratuita, obrigando os estudantes a

freqüentar a escola por, pelo menos, nove anos. Esse é o mínimo exigido para conseguir qualquer trabalho que não cobre conhecimento técnico.

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- É como um brasileiro sem CPF. Se um cubano não tem os nove anos de estudo, não é ninguém – explica um jornalista. No entanto, é proibido por lei abrir negócio próprio, como consultório médico, e lucrar com a profissão, para que não haja enriquecimento. Em Cuba, um engenheiro, por exemplo, pode trabalhar por conta própria, conseguindo autorização do governo para ter um restaurante ou ser taxista, mas não tem o direito de abrir uma empresa na sua área. Pais podem ser presos Durante o ensino básico, os estudantes permanecem nas escolas das 8h às 16h30m, intercalando aulas teóricas com atividades esportivas e culturais. A alimentação e livros

são de graça, mas se as crianças não comparecem, os pais podem ser multados, repreendidos em público ou, em último caso, presos. Depois, a vida acadêmica pode ser trilhada pelo ensino técnico ou préuniversitário, que dura mais três anos. O próximo passo é a universidade (pelo menos cinco anos). Segundo dados oficiais, há 606.323 estudantes universitários (79% deles em sedes municipais). Para quem vive no Brasil, os números causam inveja: 30 mil pessoas trabalham em pesquisas científicas e, para cada mil habitantes, há 1,8 pesquisadores e engenheiros.

Crianças durante uma visita a um museu: os estudantes são obrigados a freqüentar a escola por pelo menos nove anos, o mínimo exigido para se conseguir trabalho

Cultura da revolução até na escola No lugar de propaganda para o consumo, o apelo é ideológico: “Sem educação não há revolução possível”, diz um outdoor instalado na província de Sancti Spíritus, na região central. Estamos a caminho de uma escola de instrutores de arte que, para receber os brigadistas da América Latina – que viajaram a Cuba pelo programa oferecido pelo governo – preparam exposição de arte e apresentação musical, além de teatro e dança. Nessa instituição, há 650 jovens com idade a partir dos 15 anos, que terminaram o ensino básico e, depois de uma prova de habilidade, ingressaram na escola para estudar música, dança teatro ou artes plásticas. Ali também há aulas de informática, literatura, espanhol, inglês, entre outras disciplinas. - Daqui, sairão como instrutores de arte, com a missão de massificar a cultura – diz um dos 73 professores da escola, que oferece

alimentação e alojamento gratuitos, além de uma coordenação integrada: alunos ajudam na direção. Para se despedir dos convidados, uma homenagem aos brasileiros. Com banquinho e violão, dois alunos cantaram “Desafinado”, de Tom Jobim, arrancando aplausos da platéia. Também faz parte do programa visitar a Escola Latino-Americana de ciências Médicas (ELAM), próxima a Havana. Afinal, medicina é uma das especialidades da ilha. Na instituição, dois mil alunos estrangeiros têm bolsa de estudo, sendo 200 brasileiros, com direito a alimentação, alojamento e livros gratuitos, além de 100 pesos cubanos por mês. Quando o assunto é educação, a frase de José Martí, ícone da independência, está na ponta da língua: “Ser culto é o único modo de ser livre”, dizem, se o tema vem à tona.

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O outdoor da Federação das Mulheres Cubanas exalta a participação feminina para fazer o país se transformar durante a revolução comunista do país

VOCÊ SABIA? PARTICIPAÇÃO Segundo dados oficiais, as mulheres representam 66% da força de trabalho qualificada. Setenta por cento dos fiscais são do sexo feminino. INDÚSTRIA De acordo com o economista Alejandro Aguilar, chefe do setor interno do Instituto Nacional de Investigações Econômicas, 33% dos cargos nas indústrias do país são preenchidos por mulheres. TRABALHO As mulheres representam 63,3% dos graduados em universidades, 70% dos professores e 71% dos trabalhadores da área da saúde. LICENÇA-MATERNIDADE Se a mulher ganha mais do que o marido, o homem poderá cuidar do bebê durante a licença-maternidade, que pode chegar a um ano. CRIANÇAS Quando há eleições, a vigilância dos locais de votação é feita pelas crianças, para que desde pequenas aprendam noções de civismo. A informação é de Jorge Lezcano Pérez, assessor da presidência da Assembléia Nacional do Poder Popular. TREINAMENTO Desde os cinco anos, as crianças cubanas podem participar de treinamentos num local chamado Acampamento de Pioneiros Exploradores. Lá, elas aprendem a sobreviver na selva somente com os recursos da natureza.

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Na escola de medicina, há 200 brasileiros que ganham livros de graça e mais 100 pessoas

MEMÓRIA – HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO

Paredões e falta de liberdade de imprensa Apesar de ser um dos 52 integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Cuba é freqüentemente acusada de violar os mais básicos preceitos de garantias humanas. Como lembrou o intelectual uruguaio Eduardo Galeano, em 2003, é o paradoxo desse país “tão capaz de grandeza” que “comete estes atos que pecam contra a esperança”. A própria historia dessa ilha se confunde com atos nebulosos. Ao assumir o poder em 1959, Fidel Castro promovia a reforma agrária enquanto mandava fuzilar colaboradores do governo anterior. Foram muitos “paredões” desde então. Em abril de 2003, o regime condenou 75 opositores a penas de até 28 anos de prisão, além de executar três homens que haviam seqüestrado um barco para chegar aos EUA. Não há liberdade de imprensa no país. Segundo o Instituto Internacional de Imprensa, em 2003, 28 profissionais de comunicação foram sentenciados a cumprir longas penas de prisão. Em 2002, outra instituição – os Repórteres Sem Fronteira – acusou Cuba de tentar retira-la da ONU.

Desenvolvimento em marcha lenta Transporte precário, comida racionada e casas superlotadas são algumas das pedras no caminho do povo cubano, que sofre com a falta de investimentos públicos Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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A frota antiga chama a atenção dos turistas, que registram imagens, impressionados com os carros que ainda rodam em Cuba, como o Lada, lembrança do apoio soviético. Mas o envelhecimento da frota, no entanto, é apenas um dos problemas do setor de transporte no país, que sofre com a falta de investimentos públicos. Conhecidos como os melhores mecânicos do mundo, os cubanos são obrigados a esperar mais de uma hora em pontos-de-ônibus para ir ou voltar do trabalho. Já faz parte da rotina acordar horas antes ou chegar atrasado no emprego. Em Havana ou na região central, a realidade não é diferente: longas filas denunciam que o setor, como a questão habitacional e de alimentos, é um dos entraves para o desenvolvimento do país. Para explicar o problema, a resposta gira sempre em torno do bloqueio econômico que, segundo eles, impede o país de comprar bens com tecnologia americana. Se você sair na rua e perguntar a população, vão dizer que é um dos problemas mais sérios que temos na atualidade. Não é só econômico, mas social – admite o professor

Alejandro Aguillar, chefe do setor interno do Instituto Nacional de Investigações Econômicas, que tenta explicar a razão, levando em conta a política adotada pelo governo: - Hoje, temos de priorizar o transporte de cargas, em detrimento do de passageiros, para poder mover os recursos da agricultura, que vão garantir o funcionamento da economia – afirma Aguillar. Segundo ele, uma das providências tomadas recentemente foi a aquisição de mil ônibus para fazer o transporte entre as províncias (estados). Carona até em caminhão Além de ônibus, os cubanos costumam usar caminhões para se deslocar dentro da ilha. Pedir carona é prática institucionalizada. E funciona até mesmo para os turistas: em um trajeto de aproximadamente 11 quilômetros, numa localidade perto de Havana, a repórter pegou duas caronas, sendo uma delas em um caminhão, que também transportava animais. Para minimizar o problema, veículos oficiais que passam por pontos-de-ônibus lotados são obrigados a parar e levar grupos de pessoas.

Cubanos fazem fila para embarcar num ônibus; espera passa de uma hora e pedir carona até em caminhões é uma prática comum

Várias gerações debaixo do mesmo teto Já diz o ditado que4 quem casa quer casa. Em Cuba, o desejo é o mesmo, mas a compra de imóveis é proibida pelo governo para evitar enriquecimento. E o que se vê, num país que costuma ter famílias numerosas, é a

convivência de até três gerações debaixo do mesmo teto. - Temos de escolher entre morar com a mãe ou a sogra. Aqui na minha casa são 13 pessoas – conta a técnica em contabilidade Liani Hernández Carpio, de 21 anos, que mora

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com o filho e o resto da família num local conhecido como Casa dos Conspiradores, na cidade histórica de Trinidad (província de Sancti Spiritus, região central de Cuba), que passa por processo de restauração. Ao ser questionada sobre como é viver cercada de tanta gente, a mãe de Liani se antecipa, elogiando a boa convivência entre os filhos. Com olhar reprovador, a técnica de contabilidade retruca:

- Não é bem assim. A gente sempre briga, não tem jeito – diz, rindo, rodeada pela irmã Daibelys Lara, de 25 anos, que, encantada com a bermuda jeans da repórter, propões uma troca, sem sucesso. Segundo um taxista, além da opção de dividir a casa com a família, há a saída ilegal: forjar um casamento com alguém que tem um imóvel, em troca de dinheiro, para depois ficar com a casa.

Liani (de blusa rosa) é recém-casada, mas tem que dividir a casa da mãe com 13 parentes

Saúde pública como vitrine País investe em médicos de família e na prevenção Investir no serviço público de saúde é prioridade em Cuba, um país conhecido mundo afora pelos médicos de família e pela cultura da prevenção. Em toda a ilha, os mais de 70 mil médicos – 33.769 deles atuando em comunidades – contribuem para uma invejável estatística: a média é de um profissional para cada 169 habitantes. Na Espanha, por exemplo, o número é de 238 e no Canadá, chega a 476. No final de janeiro, no Hospital Joaquim Paneca Consuegra, no município de Yaguajay, estado de Sancti Spiritus, sobravam leitos no setor de obstetrícia, responsável por 500 partos

por mês. As novas mamães não dispõem de muito luxo – são nove camas em cada sala pintada de azul escuro – mas o bom atendimento está garantido: mulheres que fazem parto normal ficam três dias internadas, enquanto a cesariana requer dois dias a mais. Com cem leitos, a unidade, que já sediou um quartel antes da revolução, oferece, por exemplo, atendimento pediátrico e tratamento de hemodiálise, além de nela se realizarem pequenas cirurgias. - Temos 179 médicos de famílias nas comunidades, que trazem para cá somente os pacientes que precisam ser atendidos – conta o diretor da unidade, que só trabalha em um único hospital.

Leitos vazios no Hospital Joaquín Paneca, que sediou um quartel antes da revolução.

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VOCÊ SABIA? NOVAS MORADIAS A previsão do governo é construir este ano cem mil moradias em todo o país. DISTRIBUIÇÃO Como há déficit habitacional, há critérios para a distribuição das casas. Famílias numerosas, trabalhadores que se destacam em suas atividades e atletas têm preferência. PUXADINHO Como ocorre por aqui, já é possível expandir a moradia em Cuba. Quem tem autorização do governo pode construir por conta própria. O estado ajuda com materiais. CONSTRUÇÃO Quem vai morar na casa costuma ajudar a construí-la. Quando isso acontece, o trabalhador é afastado de seu emprego original – os colegas devem manter a produtividade – para levantar a sua moradia.

Moradias em construção: governo cria critérios para distribuí-las

Homens pescam no Malecón, um dos pontos turísticos de Havana: a moeda criada para ser usada pelos visitantes vale mais do que o peso cubano e tem seu valor fixado pelo governo. Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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Os dois lados da moeda Saída encontrada por Cuba para vencer a crise econômica, o turismo fez aportar na ilha males como o crescimento da prostituição. É também o dinheiro dos visitantes que já começa a produzir a tão condenada diferença social. Para sair da crise, a alternativa de Cuba da era de Fidel foi investir em turismo, torcendo para que a produção econômica, que chegou a cair 35% no início da década de 90, voltasse a se recuperar. Como os próprios cubanos dizem, era o mal necessário. Hoje, apesar de atrair dinheiro e gerar empregos, o setor, que criou uma moeda própria (o peso convertido), já produz diferenças sociais e aumento da prostituição. Quem trabalha com turismo ganha mais no fim do mês, porque recebe em chavito, a moeda criada pelo governo para ser usada pelos visitantes. E é o próprio governo que fixa seu valor, hoje equivalente a 86 centavos de euro. Com isso, ainda que não possa comprar casas e carros, por ser proibido, esses trabalhadores têm mais a acesso a bens de consumo, como alimentação e roupas. Por

outro lado, o salário dos demais profissionais, como médicos e professores, é pago em peso cubano, a moeda que vale cinco centavos de dólar. Diante desse cenário, parece atraente, do ponto de vista econômico, trocar a profissão de engenheiro pela de taxista, como fez um profissional que não quis se identificar: Hoje ganho muito mais. Também é nas áreas freqüentadas pelos turistas, principalmente em Havana Velha, que a prostituição cresce. - Temos enfrentado o problema do ponto de vista educativo, não repressivo – diz Pilla Moreno Hernández, do setor de relações internacional da Federação das Mulheres Cubanas, que oferece tratamento psicológico e orientação para o trabalho das prostitutas.

Novelas são campeãs de audiência Quando o turista se apresenta como brasileiro, a reação dos cubanos beira a euforia. E a primeira lembrança, na maioria das vezes, não tem a ver com futebol. Num país com pouco entretenimento, a

novela é paixão nacional, sinônimo de sucesso e boa audiência. Em janeiro, todos queriam saber o fim de “Senhora do Destino” e da personagem Maria do Carmo, interpretada por Suzano Vieira. Um dos seus filhos, o galã Viriato (Marcelo Anthony) arrancava suspiros das cubanas, que estamparam em camisas simples o rosto do ator. A criatividade não parou por aí. O recente surto de gripe foi apelidada de Nazareth (Renata Sorrah), a vilã da novela. Quando a repórter dizia que era do Rio, a resposta era: - Você também mora na Baixada? – perguntavam, fazendo referência à região dos personagens da novela.

Cubanos param para ver últimos dias de Senhora do Destino Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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Cesta de comida não chega ao fim do mês Moradores têm que mercado paralelo

pagar

mais

em

Para que todos tivessem o mínimo para sobreviver, o governo criou, à época da revolução, uma cesta de alimentos (cota básica) oferecida aos cubanos a preços subsidiados. Todos os meses, para adquirir produtos como arroz, carne e açúcar entre outros itens, os moradores da ilha devem se dirigir ao mesmo armazém (bodega) do seu bairro. O valor total sai em conta, já que a moeda é o peso cubano, mas o problema é que a cesta não dura até o final do mês. Para complementa-la, a saída é comprar outros alimentos não subsidiados, pagando mais caro

por eles, ou então lançar mão do peso convertido. Com o chavito, os cubanos podem comprar, por exemplo, a preços bem mais elevados, alimentos em geral, biscoitos, produtos de higiene pessoal – sempre em falta na ilha – ou gasolina. No dia-a-dia, as pessoas lidam com essas duas moedas, mas que tem acesso ao chavito, como os profissionais ligados ao turismo, podem se alimentar e se vestir melhor. Em recuperação Afastado do poder, Fidel Castro falou ao vivo, ontem, em um programa de rádio da Venezuela, ao lado de Hugo Chavez. Ele disse que está se recuperando.

Cubanos compram legumes e verduras num armazém para completar a cesta básica

VOCÊ SABIA? BARRADOS Os cubanos não podem se hospedar em hotéis, que são reservados aos turistas e aos moradores com autorização, como os esportistas. Evitar a prostituição é um dos objetivos dessa medida. Para se divertir, os moradores têm à disposição os campings. NOVELA Senhora do Destino foi exibida até o dia 23 de fevereiro, três vezes por semana, às 20h50m, depois do jornal, em horário nobre. No dia 26 começou Cabocla. CURIOSIDADE Restaurantes privados que servem comidas simples são chamados de paladares, por causa da novela Vale Tudo, em que Regina Duarte abriu um estabelecimento com o mesmo nome. SUCESSO Quando o país transmitia a novela Escrava Isaura, o governo cancelou o racionamento de energia. Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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Informantes do governo como vizinhos Em Cuba, cada quarteirão tem um grupo de moradores a serviço do estado que controla a vida dos demais

Outdoor instalado em Havana faz referência á frase usada à época da revolução de 1959

Em Cuba é assim: em cada quarteirão, há um grupo de moradores, eleitos pelos demais, que detém informações de todos os vizinhos daquela quadra. No cadastro, por exemplo, há nome, número de moradores por moradia e ocupação dos adultos. Criada em

1960 pelo próprio Fidel, essa rede civil, chamada Comitê de Defesa da Revolução (CDR), tem a tarefa de controlar a população e zelar para que os ideais do governo sejam mantidos. Dos 11 milhões de habitantes da ilha, há mais de oito milhões nos CRDs. Assim, quando há alguém estranho à comunidade, é rapidamente identificado. Também é de responsabilidade desses comitês, por exemplo, mobilizar eleitores e organizar campanhas de vacinação ou de combate à dengue. Quando Fidel se afastou do poder, em julho, por problemas de saúde, os CDRs entraram em alerta. O estado de saúde do líder, aliás, que anteontem conversou no rádio com o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, preocupa os cubanos que, à espera de notícias, acreditam em sua recuperação. Por todo o país, outdoors fazem referência ao presidente. - Ele está se recuperando. É como ter alguém da família doente: as pessoas preferem não falar sobre isso – resume o músico Reinier Valdés, repetindo o mesmo comentário ouvido outras vezes na ilha. Trabalhando como taxista há um ano e meio em Havana, o engenheiro Libel Ferrer pede mudanças no país: - Para nós que nascemos depois da revolução, ter educação e saúde faz parte da nossa realidade. Já nos acostumamos a isso. Tenho dinheiro, mas não posso comprar meu carro e minha casa. Mesmo assim, respeito Fidel e espero que se recupere.

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Moradores se reúnem perto de um CDR, na região central

VOCÊ SABIA? COMITÊS DE DEFESA Todas as noites, mulheres e homens se revezam para vigiar o quarteirão onde moram. A medida, segundo os dirigentes dos CDRs, serve para impedir a ação de contra-revolucionários. Jovens que ficam nas ruas até tarde também são orientados a voltar para casa. CRIAÇÃO Os CDRs foram criados em 1960, após um discurso de Fidel. Depois de ouvir o estouro de bombas, jogadas segundo fontes oficiais, por inimigos, o presidente disse que esses comitês não permitiriam atentados contra a vida dos cubanos: “Estão jogando com o povo e não sabem a força que ele tem”. HOSPEDAGEM Somente os cubanos que tem autorização do governo podem hospedar turistas. TIO Algumas crianças chamam Fidel de tio.

Sérgio Carrieri visita exposição perto de Havana em janeiro / Cartaz em Havana pede vida longa à Fidel e ao irmão Raul

Alegria e decepção

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Cubano lê jornal que traz a conversa de Fidel com Chávez

A conversa de Fidel com o presidente da Venezuela, Hugo Chaves, transmitida anteontem pelo rádio, convenceu muitos cubanos de que o líder, afastado desde julho pode voltar ao poder. - Cada vez que aparece, está melhor. Quase voltou a ser o Fidel que estávamos acostumados – disse a professora Gertudris Olivera, que mora em Santiago de Cuba. O mesmo bate-papo – publicado na íntegra pelo jornal O Granma, do Partido Comunista – frustrou os opositores que torcem por mudanças políticas na ilha. Isso porque com seu afastamento, o irmão Raúl Castro assumiu outro estilo de governar, falando com clareza de problemas como alimentação e transporte.

Futuro ainda nebuloso sem Fidel Na hora de falar sobre o futuro da ilha sem Fidel, especialistas ouvidos pelo Extra se dividem, Na opinião de Claudia Furiatti, autora do livro “Fidel Castro, uma biografia consentida”, a transição já vem acontecendo, com a redistribuição do poder, e não devem ocorrer mudanças políticas. No entanto, para Wiliam Gonçalves, professor de relações internacionais, as transformações são inevitáveis. - Fidel exerceu um papel que nenhum outro poderá ocupar. Os outros líderes que estão próximos a ele também têm idade avançada. Tudo leva a mudanças, o que pode não significar o fim do poder do partido comunista – defende. No campo econômico, o professor acredita que a solução será chinesa. - Já há processo de abertura. Esse é o cenário mais razoável – diz. Da mesma opinião compartilha o professor Luís Fernando Ayerbe, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). - Essa abertura econômica deverá ser controlada pelo governo, como vem acontecendo no setor de turismo. Ainda que Fidel não volte, não haverá queda do regime, mas continuidade – diz Ayerbe. A descentralização do poder é defendida por Laura Tavares, professora da UFRJ. - O projeto socialista não é só do Fidel. Os cubanos estão comprometidos com essa idéia.

continuará, seja quem for a pessoa que tome o lugar dele. Não queremos perder nossas conquistas sociais. Para o presidente do Instituo Cubano de Amizade com os Povos (ICAP), Sérgio Hernández, o país está preparado para viver sem Fidel: - Homens como ele não nascem todos os dias, mas teremos que seguir.

Cubano protesta em Miami, dizendo que Fidel está morto

‘Teremos que seguir’ Moradora de Havana, a professora de literatura Mery Pupo pensa parecido: - Depois do desaparecimento do nosso comandante, o processo revolucionário Matéria publicada no Jornal Extra nos dias 25/02 a 01/03 de 2007 Criação Paulo M Fernandez – E-mail: [email protected] Documento protegido por senha 7

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