Cuidados Paliativos Entrevista Idade Maior

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ENTREVISTA – CUIDADOS PALIATIVOS (IDADE M AIOR)

Caracterização 1. O que são os cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos correspondem a um significativo avanço da medicina moderna. Respondem às necessidades globais – físicas, psicológicas, sociais e espirituais – desencadeadas pela doença incurável e avançada, quer nos doentes quer nos familiares que convivem com esta situação, tendo em vista a promoção da qualidade de vida. O controlo de sintomas, digamos, que é a sua parte médica no sentido mais tradicional do termo. Mas todas as outras questões necessitam também de respostas. O que é significativo é percebermos que os cuidados paliativos vieram colmatar uma “deficiência” escandalosa da medicina científica moderna interessada na cura, que abandonava o doente nas fases terminais da doença ou então persistia de forma irrealista numa obstinação terapêutica, insensível ao sofrimento e até causadora de mais sofrimento. São os cuidados paliativos que melhor exemplificam a necessidade de humanizar a própria medicina.

2. Que tipo de doenças se encontram integradas dentro dos cuidados paliativos?

A doença que primeiro beneficiou dos cuidados paliativos foi o cancro. De algum modo até se criou a ideia que são uma abordagem exclusiva desta doença. Mas não. Todas as doenças crónicas, nas suas fases avançadas, podem beneficiar destes cuidados. São exemplos a insuficiência cardíaca, a cirrose, a insuficiência renal, o AVC, a SIDA, a demência, a senilidade, a esclerose em placas, entre outras. O movimento actual dos cuidados paliativos, vai exactamente no sentido de incluir todas as doenças incuráveis, nos últimos meses de vida, que podem ser seis meses, mas também um ano ou mesmo mais.

3. Em que é que os cuidados paliativos se diferenciam das outras disciplinas clássicas da medicina?

Os cuidados paliativos pertencem de corpo inteiro à medicina. Cicely Saunders, a pioneira moderna desta área, chamou exactamente a atenção para isto. A medicina devia estar presente até ao fim da vida do doente, porque tem recursos para isso, e não deve abandonar, como fazia tradicionalmente. Eu acho que não há diferença nenhuma com as disciplinas clássicas. A medicina deve ser adequada em qualquer situação. Mais. A visão global da pessoa, com aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais, não é descabida seja em que especialidade médica for. Foi talvez preciso virem os cuidados paliativos a chamar a atenção para isso. Claro que a

Entrevista neurologia tem especificidades diferentes da anestesiologia, por exemplo, tal como os cuidados paliativos também têm a sua especificidade. São, como sabe, uma especialidade em vários países, como na Inglaterra, na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos.

4. Como é que, no decorrer do diagnóstico/tratamento se opta pelos cuidados paliativos? É o doente que decide ou o médico?

Os cuidados paliativos têm a sua indicação precisa, exactamente, como nas outras especialidades médicas. O médico deve ser competente e deve saber quando os cuidados paliativos estão indicados. Ninguém aceita que um médico troque os tratamentos. Gastrenterologia em vez de nefrologia, por exemplo. Aqui, o problema é o mesmo. Mais. Os cuidados paliativos “convivem” bem com os outros tratamentos específicos, quando estes têm indicação. Depois, o doente deve ser informado de qual é a medicina indicada para ele. E o normal é se tudo for bem feito, o doente aceitar o que é melhor para si, respeitando a arte.

5. Aceitar os cuidados paliativos significa aceitar que se tem uma doença incurável, e em estado terminal. Como é que o doente deve gerir este processo?

Penso que a questão colocada assim pode levar a equívocos. Não são os cuidados paliativos que determinam a incurabilidade de uma doença crónica. É antes o facto de a doença ser crónica e estar na sua fase avançada que tem indicação para estes cuidados. Penso que em qualquer situação, a informação conveniente deve acompanhar todos os processos.

O médico não pode mentir nunca e deve corresponder aos

interesses do doente. E é humano morrer. Tal processo poderá ser natural se bem apoiado pela equipa de cuidados paliativos. A nossa experiência, já longa, desde 1993, com mais de dois mil casos seguidos, prova que a vida no seus últimos tempos, pode ser vivida com alguma qualidade, sabendo o doente que tem uma doença grave e que pode morrer. O que ele pede é que não o abandonemos e lhe aliviemos o sofrimento. E esse é o papel dos cuidados paliativos.

6. De que forma é que os cuidados paliativos conferem uma maior qualidade de vida ao doente?

Exactamente, aliviando o sofrimento, através das respostas às suas múltiplas necessidades. A equipa multidisciplinar – médico, enfermeira, assistente social, psicólogo e assistente espiritual – que deve funcionar de forma interdisciplinar, trabalha neste sentido e pode ter excelentes resultados.

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Entrevista O papel da família e dos amigos mais próximos 7. De que forma é que se deve acompanhar um familiar que necessita de cuidados paliativos?

A família faz parte do foco de atenção da equipa. Ajudando o doente é logo uma ajuda importante para a família. Os familiares são envolvidos em todo o processo, fazem-se conferências familiares e avaliam-se as suas necessidades. Uma questão importante tem a ver com a escolha do local onde vai estar o doente, quando precisa destes cuidados. Defendemos que compete ao doente e à família essa escolha. E a escolha só pode ser genuína se a equipa puder responder sem entraves em qualquer local que lhes interesse.

8. Os familiares mais próximos devem procurar ajuda ? Que tipo de ajuda?

Para além da ajuda ao seu familiar doente, os familiares mais próximos podem necessitar de apoio psicológico, ou de outro tipo de ordem social. A questão do luto tem uma importância primordial e os lutos patológicos devem ser identificados, se possível prevenidos, e sempre apoiados. A psicóloga tem aqui um papel fundamental, mas qualquer elemento da equipa pode ajudar.

9. Que associações de apoio existem para familiares de pessoas em cuidados paliativos? Destaco em particular “A nossa âncora” que dá apoio aos pais que sofreram a perda de um filho. Mas é um campo que em Portugal precisa de mais desenvolvimento.

10. Existem cursos para familiares? Onde? Qual o valor efectivo destes cursos?

Todos os processos que envolvem doentes, e muito particularmente, nos casos de doenças crónicas devem ser acompanhados de acções de educação aos familiares. Isso compete à equipa de cuidados paliativos, no decurso da sua actividade. Não falamos em cursos propriamente ditos, mas em acções de educação orientada para cada caso concreto. Se isto for feito e bem feito, penso que é o mais adequado.

Dados da patologia em Portugal, na Europa e no Mundo 11. Existem dados sobre o número de pessoas que em Portugal necesistam de cuidados paliativos?

A aproximação pode ser feita assim: 85% de todos os doentes que morrem, anualmente, por cancro e cerca de 66% de todos os outros doentes que morrem com doenças crónicas. Pelo menos. Esta estimativa decorre da presença de sintomas

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Entrevista muito peníveis nesses doentes, como é o caso da dor crónica, que necessitam de controlo efectivo. Fazendo as contas para a situação portuguesa teremos cerca de 66.000 doentes, aos quais temos que associar mais os seus familiares. Falar em cerca de cento e cinquenta mil pessoas não é despiciendo.

12. Qual a evolução da taxa de portugueses que necssitam de cuidados paliativos nas ultimas décadas? Como deverá evoluir nos próximos anos?

Devemos ter em atenção a evolução da mortalidade em Portugal. As doenças cardiovasculares são as que mais matam e esta posição deve manter-se nos próximos anos. Depois vem o cancro, que tem aumentado sensivelmente todos os anos. Prevê-se um aumento muito particular em determinados cancros, como o do pulmão. E como a população continua a envelhecer a um ritmo espantoso, também as doenças degenerativas vão aumentar. A necessidade de cuidados paliativos só tem tendência em aumentar e nunca o contrário. 13. Como é que o sistema de saúde nacional tem procurado dar resposta a esta necessidade?

É ainda uma área muito incipiente. Nós começámos há mais de 15 anos, com a fundação da Unidade de Tratamento da Dor, no então Hospital Distrital do Fundão, e se é certo que os cuidados paliativos têm hoje mais visibilidade, ainda são algo que muitos médicos desconhecem simplesmente ou não valorizam. Este é que é o grande problema. Sem formação apropriada pouco se caminhará. No entanto, a legislação actual dos cuidados continuados vai promover mudanças significativas. Também a maior disponibilidade de medicamentos essenciais, como a passagem recente dos opióides para o primeiro escalão da comparticipação, vai ter um efeito considerável. Estamos, efectivamente, em tempo de mudança e isso só pode regozijar-nos.

14. Quais são as principais insuficiências existentes?

Eu resumiria assim: 1. Problemas de formação dos profissionais; 2. Discurso público pouco adequado sobre a sua importância na moderna medicina, transparecendo às vezes que são considerados cuidados de 2ª classe; 3. Peso excessivo dos serviços médicos para doenças agudas, tendo em vista as necessidades reais da população portuguesa; 4. Impossibilidade de implementar os cuidados paliativos se não se estabelecer um equilíbrio de acordo com as necessidades reais de toda a medicina;

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Entrevista 5. Criação de uma zona “artificial” denominada “cuidados continuados” que engloba tipologias diferentes, como os cuidados de reabilitação, a geriatria e os cuidados paliativos, definindo-os logo á partida como cuidados “mais pobres” comparados com os tratamentos agudos. Se o foco não for a qualidade dos cuidados mais certos em cada situação, sejam para doentes agudos

sejam

para

crónicos,

os

profissionais

não

atraem

e

o

desenvolvimento dos cuidados paliativos vai demorar. E isto pode ser dramático para todos nós.

António Lourenço Marques

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