O PARQUE DOS COGUMELOS HOBBIT SILMARILION
A zona que me rodeia é lindíssima. O vento assobia, a ramagem mexe, alguns cães ladram calmamente. O céu está povoado de densas nuvens negras. Trovejou toda a tarde. Depois choveu...
É aqui o parque dos cogumelos. Parque, porque é uma zona fechada. De cogumelos porque eles existem, vermelhos, brancos, acastanhados e também venenosos. Neste parque há, porém, um cogumelo que impera. Tem muito maiores dimensões, é de uma cor diferente e ninguém tem medo dele. No entanto, ele é o cogumelo chefe, rei, divindade, o Supremo. Todos os outros cogumelos têm tamanhos idênticos. Ao fundo do parque há uma casa minúscula, sem tecto, de chão térreo, sem sofás nem televisão, extremamente confortável. É aí que moro. No parque dos cogumelos, na casa do fundo. Os cogumelos não sabem da minha existência. Costumo espreitá-los à noite que é quando eles se movimentam mais, quando as suas cabeças brilham com o luar ou com os trovões, quando eu posso enfim ver, sem ser visto. Um dia, quando me fartei de viver no parque das couves (fartei-me porque elas só se vêem bem nas noites de orvalho ou de geada e o Verão foi longo), saí. Fui andando, andando por caminhos estreitos e percebi que neste mundo tudo está dividido em parques. Espreitei vários e constatei que todos têm uma casa ao fundo. Mas nenhum me agradou. Começava a precisar de refúgio. É que estava vestido há anos com um fato feito de espigas de milho e começava a estar estragado. Se não arranjasse refúgio depressa seria banido da terra dos parques e isso eu não queria, apesar de tudo... Quando espreitei pelo muro deste parque agradou-me. Em primeiro
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lugar porque já conhecia a mitologia dos cogumelos. Em segundo lugar porque me agradou a organização “cogumelar” e me interessaram as suas cores. Saltei o muro ao entardecer, que é quando todos eles se viram para o pôr do sol. Rastejei até casa e aí me escondi. Nenhum me viu entrar. Esta é, aliás, a única técnica a utilizar quando se quer assaltar um parque de cogumelos. Segundo a mitologia, ao pôr-do-sol os cogumelos erguem as suas cabeças ocas e viram-se para o lider espiritual. Isto porque o desproporcinalmente grande cogumelo está colocado numa posição tal, que a essa hora do dia, sendo mais alto que os outros, se torna misterioso, enfim, diurno. A essa hora do dia dita as suas ordens. No parque dos cogumelos há ordens que todos cumprem sob pena de passarem a pertencer aos montes de estrume. O cogumelo-supremo ergue a sua cabeça duplamente oca, entoa um cântico de louvor. Todos os outros sussurram baixinho, em coro, porque a voz do maior tem que se impôr para que a sua mensagem seja ouvida. Todos os dias o cântico é igual: Misterioso ser ó todo poderoso de quem sou o enviado DÁ-NOS A NOITE!
Ser divino criador de todos os parques universalmente reconhecido DÁ-NOS A NOITE!
Ó ser que desconheço
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ser a quem devo obedecer se queres ver tuas ordens cumpridas DÁ-NOS A NOITE!
É um cântico pouco original e ideologicamente repetitivo. No entanto, é entoado diariamente ao entardecer. Posto isto, o chefe manda e todos os outros obedecem. A finalidade da existência do parque dos cogumelos é a seguinte: Todas as noites nascem cogumelos. Por cada um que nasce, outro deve morrer. A guarda de execução que é formada pelos recém-nascidos que todos os dias são treinados, mal recebe a ordem arranca da terra o cogumelo seguinte e lança-o para o monte de estrume que fica aqui mesmo à porta. Como nunca se sabe quantos nascem, a finalidade do jogo consiste em ver quando é que acontece no mesmo dia morrerem todos. Só praticam este jogo à noite. O problema que existe agora é inexplicável para os cogumelos. Os cadáveres executados começaram a desaparecer. No último discurso o chefe deu a entender aos seus súbditos, todos eles futuros executados, que há algo de errado. Solicitou-lhes assim, e repete isso diariamente, que cada morto tente comunicar com ele dando-lhe indicações sobre o destino dos cadáveres. Eles têm, de facto, em certas circunstâncias, poderes para comunicarem depois de mortos. Ora quem está a criar o problema sou eu. Por isso, mais do que nunca, preciso de ser cuidadoso. Depois desta cerimónia, todos os cogumelos ficam emocionalmente arrasados com a expectativa de não saberem quando pára o nascimento. Então adormecem. Logo que eles entram nesse estado de letargia salto o muro, ou a parede desta casa, e vou ao monte de estrume. Habituei-me a estas excursões nocturnas. Na primeira noite apanhei um enorme susto com um gato que tinha fugido do parque dos gatos e que me assustou. Depois
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percebi que os cogumelos têm um sono leve e comecei a manifestar-me à vontade e a mover-me despreocupadamente. Com cada cadáver que recolho faço um objecto novo. Assim tenho a casa quase mobilada. Fiz bancos, mesa, púcaros e estou agora a pensar em começar a forrar as paredes com as suas cabecinhas coloridas. A vantagem de não ter tecto é que o sol na minha casa entra em cheio e seca os cogumelos sem os deixar apodrecer. Gostava de ter telhado mas sou contra os telhados de vidro. Pois bem, descobri ainda que, quando se lhes arranca a cabeça deitam um líquido maravilhoso. Também as suas raízes alimentam. Não tenho mais problemas de sobrevivência. Mas como o bem de uns é o mal de outros, comecei a causar-lhes problemas. O único que se me põe agora é a hipótese de eles desconfiarem que eu sou o causador da perturbação. Receio pois que eles tentem descobrir-me. Não sei se mude de parque se veja até onde tudo isto me vai levar. Isto porque no fundo a mim interessa-me estudar esta estranha forma de ser cogumelo. No dia em que conseguir ser um deles serei imediatamente executado. Sou o mais velho. Não posso aspirar à chefia porque não sou verdadeiramente um deles. Quem sabe se não me elegem “Entidade suprema”?
Luísa Lopes