Aprendizagem ao Longo da Vida / Luisa Lopes
“ L I F E L O N G L E A R N I N G I S A N E L U S I V E C O N C E P T. IT MEANS MANY THINGS TO MANY PEOPLE AND OFTEN MEANS MORE T H A N O N E T H I N G AT T H E S A M E T I M E ” Biesta
A P R E N D I Z A G E M A O LO N G O D A V I D A E E D U C A Ç Ã O P E R M A N E N T E
A expressão aprendizagem "ao longo da vida" (Lifelong Learning) sugere-nos algo que tem relação com o tempo: aprender durante uma vida, estar toda a vida a aprender, uma disseminação da aprendizagem que pode decorrer em todas as dimensões da nossa vida, em todas as fases e durante todo o percurso da nossa existência, abrangendo todos os domínios. Remete assim para uma complementaridade das aprendizagens a nível formal, não-formal e informal, lembrando que uma aquisição de conhecimentos útil e agradável pode decorrer, e decorre de facto, no seio da família, durante o tempo de lazer, na convivência comunitária e na vida profissional quotidiana. A aprendizagem em todos os domínios da vida faz-nos também perceber que ensinar e aprender são papéis e actividades que podem ser alterados e jogados em diferentes momentos e espaços. Contudo, a aprendizagem ao longo da vida (ALV) é ainda objecto de diversas definições consoante os diferentes contextos nacionais, internacionais, transnacionais e as diferentes perspectivas políticas. As análises políticas mais recentes sugerem que as definições continuam a ser, em larga medida, informais e pragmáticas, associadas mais estreitamente à acção do que à clareza conceptual, a normas jurídicas ou mesmo a regras de aplicação. É um conceito que continua vago e indefinido, em nome do qual se actua de diferentes modos mas que não tem um programa estabelecido. É
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ainda um conceito que leva a diferentes posicionamentos, ora interpretando a ALV numa perspectiva economicista, ora defendendo a perspectiva humanista herdada do anterior conceito de educação permanente em que se considera que “ o esforço educativo terá de ser continuado para além da idade escolar a fim de poder garantir a distribuição dos conhecimentos e os tipos de formação de que vão necessitar, de maneira crescente, os indivíduos e as sociedades. Esta acção só poderá conceber-se graças à utilização em larga escala de todos os grandes meios modernos de difusão de conhecimentos e de formação” (Paul Lengrand, 1970). Este conceito de Educação Permanente nasce no início dos anos 70, tendo a Unesco publicado o relatório “Aprender a ser” (1972) que servirá de base à implementação desta ideia que estabelece um processo educativo coincidente com o ciclo vital e a construção da pessoa. “Esta emergência da pessoa como sujeito de formação aparece associada a três pressupostos sobre educação: o da sua diversidade, o da sua continuidade e o da sua globalidade”. Este conceito surge como uma possibilidade de pensar e reorganizar todo o processo educativo, subordinando-o à construção de “uma cidade educativa” e acaba por ser um marco, um ponto de viragem na concepção de novos e diferentes processos educativos. Nesta perspectiva, para alguns, (Biesta/ Rui Canário), a ALV é a herdeira dos conceitos introduzidos nos anos 70 pela Educação Permanente, agora transformados pela nova perspectiva de economia de mercado. Recorde-se que, nos anos 70, a perspectiva da Educação Permanente era demasiado redutora e apontava sobretudo para uma formação contínua de adultos. Era, pois, uma educação que dava uma 2ª oportunidade de escolarização, como uma espécie de prolongamento da mesma ideia de escola. No entanto, este conceito punha de lado e desvalorizava os restantes aspectos da educação informal e não-formal. Os anos 90 colocaram a ALV nas agendas políticas numa perspectiva de melhorar a empregabilidade e a adaptabilidade dos cidadãos face a novas exigências de mercado e a mudanças sociais e políticas. O desemprego estrutural que afecta trabalhadores menos qualificados criou a justificação para diferentes modos de aprendizagem de uma forma continuada para resolver esses problemas. A perspectiva de uma população europeia em drástico envelhecimento significa que a necessidade de conhecimentos e competências actualizados não poderá ser satisfeita unicamente pela entrada de novos trabalhadores no mercado de trabalho, como
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acontecia no passado – serão demasiado poucos os jovens e o ritmo da mudança tecnológica é demasiado rápido, com especial incidência na célere transição para a economia digital. Um dos marcos fundamentais dos anos 90 é o designado Livro Branco (1995) editado pela Comissão Europeia, com o título Enseigner et apprendre. Vers la société cognitive em que a ALV passa a ser justificada com base em 3 tipos de argumentos que reflectem supostas necessidades: 1. Evolução tecnológica – mutação para a nova era do conhecimento - a tecnologia digital como factor de mudança comportamental (tendo em conta a Nova economia) - As mudanças ao nível da tecnologia aparecem como elementos determinantes para a evolução da sociedade e da vida humana. 2. Eficácia produtiva (produtividade, competitividade e empregabilidade) – gestão global da mão-de-obra capaz de responder a uma situação marcada por drásticas mudanças. 3. Coesão social – (contrário da ideia de combate à exclusão) – traduz a preocupação central de combater ou prevenir formas de conflitualidade social que poderiam abalar o sucesso da nova ordem económica: está em causa a capacidade de conciliar um crescimento económico dinâmico que reforce simultaneamente a coesão social. A ALV é uma “estratégia que visa melhorar conhecimentos, aptidões e competências necessários para uma sociedade e uma economia assentes no conhecimento” (2000 CE) - passa a instituir-se como “a chave do reforço da competitividade da Europa e da melhoria da empregabilidade e da adequabilidade da força de trabalho. É graças a esta perspectiva que a ALV se constitui como assunto de debate em todas as agendas políticas. Para Rui Canário a ALV pode ter tido um embrião na educação Permanente mas acaba por marcar, na realidade, uma ruptura ao nível do próprio conceito. Se até meados dos anos 90 ter um diploma era sinónimo de trabalho e de uma boa colocação no mercado, a partir desse momento, graças à aceleração do processo de integração económica, graças aos efeitos da globalização, como diz Biesta, teremos que passar do “aprender a ser” para o “aprender a ser competitivo” (learning for earning). Nesse sentido tem lógica a perspectiva de Claude Dauber segundo a qual “cada um deve ter consigo próprio a relação de um empresário com o seu produto, procurar vender-se, negociar o capital em que se tornou”. Tal como afirma o Memorando, trata-se de considerar cada indivíduo como o responsável principal pela sua formação, pela sua inserção no mercado de trabalho, já que a empregabilidade é o resultado de uma aprendizagem bem sucedida. Passou-se, na realidade, do “aprender a ser” para o “aprender a ter”. A educação e a formação são instrumentos para a produção de uma mão-de-
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obra adequada à nova economia, instrumentos de amortecimento de conflitos sociais e de preservação da harmonia e da ordem imprescindíveis ao bom funcionamento dessa mesma economia. A qualificação dos trabalhadores relaciona-se com a produtividade e o aumento da economia de mercado. A mundialização é a nova ordem do mundo, um imperialismo simbólico nas palavras de Bourdieu, que funciona como argumento para tudo mas que é algo que nem sequer é discutível. O desemprego torna-se um mal necessário. As políticas e as práticas da educação e formação procuram induzir processos de conformidade social relativamente a um presente que é o resultado de um fatalismo e a um futuro que se prevê inexorável. A ALV valoriza o trabalho que cada um realiza sobre si próprio, na construção de si, de uma visão e de uma intervenção no mundo, o que implica admitir que o mundo social, como construção humana, pode ser compreendido e objecto de uma acção transformadora. Atingir este nível de posicionamento social implicará certamente mudanças, novas atitudes e um novo posicionamento relativamente ao saber, mas também pressupõe questionar o próprio ensino e /ou adaptá-lo a novos contornos sociais de maior competitividade.
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A inovação do ensino e da aprendizagem não pode ser reduzida a uma vertente tecnológica. É ao nível da relação com o saber e o poder que toda a discussão se deve situar. A escola do passado foi construída historicamente em harmonia com um mundo que já não existe, caracterizado por uma nova ordem económica (a sociedade industrial), uma nova ordem social (formas de dominação baseadas na transformação do trabalho humano em mercadoria) e uma nova ordem política (o liberalismo nacional) a que a guerra de 14-18 pôs termo. Estamos face a um novo quadro social, político e económico e teremos que perceber anteriores percursos, nomeadamente o que vai do estabelecimento do conceito de Educação permanente à Aprendizagem ao Longo da Vida. O Memorando consagra um dos temas à Inovação no ensino e na aprendizagem apresentando como objectivo principal desenvolver métodos de ensino e aprendizagem eficazes para uma oferta contínua de aprendizagem ao longo e em todos os domínios da vida. – Inovar para crescer, inovar para vencer - a inovação é o factorchave da competitividade. As TIC ganham uma importância fundamental nesta perspectiva da inovação e os processos educativos passam a ter um carácter mais instrumental. Dá-se a mecanização do ensino e altera-se a relação com o saber. Pretendese que aumente a eficácia e a produtividade. “Esta aposta na inovação e na investigação aplicada é uma resposta à crise mundial da educação que representa a importação para o mundo da educação de processos de produção industrial de inovações e de formas de engenharia social para garantir a sua aplicação generalizada, as grandes reformas educativas” (Canário, 1993). A centralidade da inovação nos sistemas de educação e formação tem como principal finalidade aumentar a eficácia e a produtividade de sistemas cujo crescimento exponencial não alterou o carácter fundamentalmente artesanal dos processos de ensino. Segundo Canário, a problemática da inovação educativa implica quatro dimensões: 1. Uma dimensão epistemológica: experiência dos aprendentes em situação educativa que implica responder à questão do que é aprender, em que consiste; 2. Uma dimensão ética: remete para os valores subjacentes a uma determinada proposta de educação/formação. A
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educação supõe uma maneira de conceber a pessoa. Entre o aprender a ser e o “tornar-se um empresário de si” há um imenso abismo. 3. Uma dimensão política: remete para as concepções de vida em sociedade que pressupõem o exercício individual e colectivo do exame crítico e da escolha. 4. Uma dimensão técnica: remete para os modos concretos de fazer a formação, quer se trate de conceber situações ou programas, de organizar a relação pedagógica e de definir o modus operandi do formador ou animador de formação, ou ainda de conceber ou produzir materiais pedagógicos e instrumentos de regulação dos processos formativos. Não há projecto educativo que não esteja associado a um projecto social e político, com a ideia de justiça social e cidadania activa. Mas a ALV inscreve-se numa lógica de desigualdades sociais que é contraditória. A relação entre a educação e a questão da igualdade é um bom analisador desta relação. Como escreveu Claude Dubar “a formação, no fundo, pode ser considerada como uma peça de um vasto dispositivo que compreende o sistema educativo e o conjunto das condições de trabalho e de emprego, no qual intervém como elemento que favorece a homogeneidade do todo. Quando se verifica que o emprego e o sistema educativo geram cada vez mais desigualdades, a formação acompanha este movimento”. Estas dimensões propostas levam à emergência de novas ideias sobre o equilíbrio entre direitos e responsabilidades dos cidadãos e das autoridades públicas. Mais e mais indivíduos adquiriram confiança acrescida, reivindicando identidades e modos de vida distintivos. É cada vez mais lugar-comum exigir que as decisões sejam tomadas tão próximo quanto possível das vidas quotidianas das pessoas, com maior envolvimento das mesmas. Por estes motivos, a atenção volta-se progressivamente para a necessidade de modernizar a governação, a todos os níveis, das sociedades europeias. Ao mesmo tempo, acentuaram-se as disparidades entre os socialmente integrados e os que estão em risco de exclusão social a longo prazo. A educação e a formação assumem importância sem precedentes em termos da influência que exercem nas hipóteses de os indivíduos "estarem, participarem e subirem" na vida. No caso dos jovens, os cada vez mais complexos padrões de transição inicial entre aprendizagem e vida profissional ou vida activa poderão ser um indicador do que o futuro reserva aos indivíduos de todas as idades.
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Segundo Rui Canário a forma escolar reveste-se de características essenciais que a marcam de forma negativa:
cinco
1- Instituir uma modalidade de aprendizagem em ruptura com a experiência 2- Encarar a relação entre teoria e prática num mero registo de aplicação e de transferência 3- Desvalorizar a inquirição privilegiando as respostas por oposição às perguntas 4- Privilegiar a repetição de informações 5- Tendencial alienação do trabalho escolar pela sua exterioridade relativamente ao sujeito. Graças a estas características negativas foi possível estabelecer aspectos a considerar nos processos formativos e educativos: Ao nível da dimensão individual está em causa a capacidade de promover situações que permitam aprender com e contra a experiência, ou seja, instituindo formas permanentes de alternância entre o experiencial e o simbólico; construção de processos de aprendizagem baseados na pesquisa – implica reconhecer o valor do erro e aceitar que a aprendizagem supõe um estádio inicial de confusão; a aprendizagem passa a basear-se na produção de saberes, instituindo os aprendentes como autores e instituindo um novo papel para o professor. Ao nível organizacional - procura promover a inserção social da formação. Isto significa privilegiar a organização dos processos de educação e de formação a partir da identificação de problemas e não da identificação de necessidades. Ao nível da concepção dos processos de educação e formação – a possibilidade de inovar articula-se com a valorização dos processos de natureza informal que constituem a matriz fundamental das nossas aprendizagens. Trata-se de encarar a educação e a formação como inscritas num processo largo e multiforme de socialização, coincidente com o ciclo de vida, concebendo então a educação e a formação como situações reconstruídas de socialização. O processo de fabrico das situações de educação e formação constitui um apelo à mudança. A ALV preconiza uma educação que tem como objectivo produzir seres adaptáveis. É uma concepção educativa que retira as componentes de sonho, utopia e projecto. É algo de completamente independente de um processo de educação ou de um sistema de aprendizagem. É uma aprendizagem individualizada e encarada pela EU como a solução para a competitividade da sua economia no mercado global. Nesse sentido espera-se que sejam criadas novas
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oportunidades de aprendizagem que cada um, individualmente, aproveitará para se tornar mais competitivo. Jarvis (2000) afirma que “o mercado de aprendizagem se tornou num mercado global com as instituições a procurarem vender as suas mercadorias pelo mundo fora. A ideia de escolha passa a ser central, fruto de estratégias e racionalidades individuais, (…) serviços prestados segundo os estilos de vida, as culturas de aprendizagem, os interesses e as capacidades aquisitivas de cada indivíduo”. Passa a recair sobre o indivíduo a responsabilidade da escolha, as boas escolhas podem ser reflexo de um bom nível de empregabilidade, competitividade, adaptabilidade e mobilidade. A educação caminha assim para a perspectiva de um bem de consumo e a ALV é um atributo individual capaz de superar todas as inadaptações ao mercado do trabalho. Ao estabelecer-se uma relação entre os sistemas educativos e a empregabilidade surge a ideia de inadequabilidade só ultrapassável se cada um colmatar as suas lacunas com novas aprendizagens que são da sua inteira responsabilidade. Se os sistemas educativos se alterarem na perspectiva do mercado, tornar-se-ão sistemas opostos aos de “uma educação para todos” pois, dar ferramentas de sucesso que conduzam o homem a sobreviver e a ser capaz de sobressair, é estabelecer que nem todos podem ser tudo mas que serão tudo aqueles que conseguirem sobreviver. É um novo discurso economicista que estabelece como regra que a ALV implica sucesso, quem não enveredar por esse caminho optará pelo desemprego. O desemprego passa a ser definido “como um problema de aprendizagem que deveria ser resolvido por cada indivíduo” (Nóvoa, 2002) Uma das mais evidentes mudanças das últimas décadas, na forma como se fala de educação, é o aparecimento do conceito de aprendizagem e a quebra de uso do conceito de educação. O conceito de ensinar foi redefinido e tornou-se um suporte da aprendizagem, uma oportunidade de aprendizagem ou experiência de aprendizagem. A educação do adulto tornou-se a aprendizagem do adulto. Os governos debatem-se agora com este conceito de aprendizagem ao longo da vida e a necessidade de criar uma sociedade em permanente desenvolvimento (formação) em vez de se falar de questões recorrentes da educação. (Não se trata já de combater a analfabetização dos povos, mas de manter etapas de formação ao longo da vida que permitam que as pessoas estejam
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em actualização permanente). A Comissão Europeia tem tido um importante papel na divulgação destes conceitos. O papel dos professores passa a ser o de orientadores, acompanhantes de um processo de aprendizagem. A aquisição contínua de conhecimentos e competências
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A educação constitui um direito humano fundamental, não podendo ser encarado como uma mercadoria sujeita a forças não reguladas e incontroladas do mercado. É certo porém que, a teoria do “burro velho não aprende línguas” não é mais aceitável visto que a sociedade e o mundo perderam as anteriores características e a nova visão do homem é decididamente a de “aprender até morrer”. Licínio Lima sugere que se actue “contra visões tecnicistas da educação, hoje tão dominantes quanto esgotadas” e refere que “ é necessário insistir na revalorização ética da vida ao longo da educação, da formação, da aprendizagem, por referência a um conceito de aprendizagem socialmente responsável e sustentável”. Utilizando a metáfora das mãos de Miró1 faz a apologia da “necessidade de cruzar saberes, de desaprender para aprender, de seguir regras mas também ser capaz de quebrá-las, intimidade com os conteúdos mas também espírito crítico, por um lado a destreza e a técnica, por outro lado a curiosidade e a vontade de aprender”. A escola, a par da família é, objectivamente e desde a infância, um dos lugares onde se aprendem as capacidades de julgar, onde se aprende a socialização e todos os pressupostos que orientam o ser humano para os ideais de justiça, igualdade, liberdade e solidariedade que, a par com uma eficiência técnica ou uma capacidade produtiva, são os pilares fundamentais da nossa “sociedade global”. Se estes princípios não se mantiverem teremos que questionar outros aspectos como por exemplo o papel do conhecimento do ser humano e da sua integração numa vida em sociedade. O mundo e a estrutura social são mais do que um sistema económico por maior que seja o peso deste sector no mundo contemporâneo. Apesar das dimensões económica e demográfica dominarem actualmente o mundo e serem o grande motor da mudança, a escola terá que continuar a servir as várias áreas do pensamento social. A desigualdade de acesso às novas formas de conhecimento cria desfasamentos sociais, disparidades e clivagens culturais cada vez maiores entre grupos sociais e gerações. Em absurdo poderemos até questionar o próprio futuro da democracia. As mudanças não se estabelecem por decreto. O paradigma actual será a diferenciação que se estabelece em termos de empregabilidade entre o curriculum formal, tradicional, 1 Artigo citado, Lima, 2003
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escolástico/escolar e o curriculum real de cada indivíduo que contem as suas aptidões nos vários níveis de aprendizagem e formatado com base na valorização de aprendizagens de domínios difíceis de avaliar e comparar.
A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA E E-LEARNING
Hoje em dia cada vez mais pessoas estão a investir em áreas de aprendizagem sobretudo em áreas de educação não-formal (pesquisas na Net, livros de instruções, dvd’s, faça você mesmo, livros de combate ao stress, actividades em clubes, etc.) … mas a nova aprendizagem tornou-se bastante mais individualista. Sites como o citado por Biesta, Learn directhttp://learndirect.co.uk/personal (conceito de a minha página em cada site, etc.) imperam neste novo mundo. A ideia de uma Learning Society em permanente aceleração, implica uma permanente actualização individual e um permanente mergulho na sociedade do conhecimento. Será este o sistema de educação a nível universal ou planetário que o relatório Faure preconizava? Nesse relatório falava-se em educação em mudança, a verdadeira concepção global de educação. Voltamos ao embrião: O relatório da Unesco de 1972 refere que a aprendizagem não pode ser feita apenas enquanto se é estudante e se tira um curso, mas que há a necessidade de um prolongamento da aprendizagem quando o indivíduo entra no mundo produtivo. Não há um ciclo de estudos que se fecha, a aprendizagem deve corresponder a todo um ciclo de vida, factor que conduzirá à formação de uma verdadeira sociedade do conhecimento. Essa sociedade do conhecimento deverá agora inflectir para o e-learning? Para Van der Pas 2 (2001) “Lifelong learning is not only about employment and adaptability… is also a means to personal fulfillment, active citizenship and social inclusion”. A sociedade do conhecimento também acarreta riscos e incertezas consideráveis na medida em que pode reforçar desigualdades e ser motivo de exclusão social. ALV poderá significar actualmente que, se uma pessoa tem o desejo e a necessidade de aprender poderá fazê-lo desde que tenha onde, como e o quê. O e-learning possibilita a aprendizagem à distância de um clique. Mas esta nova fórmula via Web, em plena expansão é sem dúvida um novo meio de aprendizagem a considerar na implementação de um sistema de ALV. As possibilidades de difusão do conhecimento e informação aumentaram exponencialmente e fizeram aparecer um novo mundo do conhecimento e uma nova forma de democratizar o ensino, com toda a informação sempre disponível. É um novo mundo de partilha de informação e de conhecimento, uma forma de 2 Director Geral para a educação e cultura da CE
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democratizar o saber visto que este está acessível a todas as camadas da população com acesso às novas tecnologias. O conhecimento e a aprendizagem estão disponíveis a qualquer hora e em qualquer lugar. Desenvolvem-se novos sistemas como os LMS’s (Learning Management System), sistemas de gestão de ensino e aprendizagem na Web. Novos Softwares são projectados para actuarem como salas de aula virtuais, gerando várias possibilidades de interacções entre os seus participantes como por exemplo o Second Life ou o Sloodle. Com o desenvolvimento da tecnologia na Web, os processos de interacção em tempo real passaram a ser uma realidade, permitindo que o aluno tenha contacto com o conhecimento, com o professor e com outros alunos, por meio de uma sala de aula virtual. Será este o caminho da ALV? BIBLIOGRAFIA
ALVES, Mariana Gaio – 2008, Aprendizagem ao Longo da Vida: entre a novidade e a reprodução de velhas desigualdades, Texto apresentado no IV Congresso Português de Sociologia, mundos sociais: saberes e práticas, Junho de 2008 BIESTA, Gert, 2006, “What’s the point of Lifelong Learning if Life Long Learning has no point? On the Democratic Deficit of Policies for Lifelong Learning” in European Educational Research Journal, volume 5, numbers ¾ BIESTA, Gert, 2005, “Against learning. Reclaiming a language of education in a time of learning” in Nordisk Pedagogik, 25, 54-66 CANÁRIO, Rui, 2003, “Aprendizagem ao longo da vida. Análise crítica de um conceito e de uma política”, in Canário, Rui (org.) Formação e situações de trabalho, Porto, Porto Editora EUROPEAN COMMISSION (2001) A Memorandum of Lifelong Learning, Brussels, European Commission, DG Education and Culture LENGRAND, Paul, 1970, Introdução à Educação Permanente, Biblioteca do Educador Profissional, Lisboa, Livros Horizonte LIMA, Licínio, 2003, “Formação e Aprendizagem ao longo da vida: entre a mão direita e a mão esquerda de Miró” in Vários,
Aprendizagem ao Longo da Vida / Luisa Lopes
Cruzamento de Saberes e Aprendizagens Sustentáveis, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian PARECER N.º 11/2002- CONSELHO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR - REGULAÇÃO E AVALIAÇÃO DO ENSINO TRANSNACIONAL