Amazonia - A Guerra Na Floresta. Samuel Benchimol.pdf

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Sumário Prefácio 1. Prefácio Apresentação 2. Apresentação Capítulos 3. Trópico, meio ambiente e biodiversidade 4. Geo, bio, eco e etnodiversidades na Amazônia 5. Formação social da Amazônia Brasileira 6. Amazônia interior: apologia e holocausto 7. Africanização econômica e balcanização ecológica da Amazônia 8. De Estocolmo-72 a Rio-92 9. A grandeza planetária da Amazônia 10. O efeito estufa e os agentes da degradação ambiental 11. El niño e la niña 12. O pulmão do mundo 13. O imposto internacional ambiental 14. A Amazônia e o tempo 15. A planetarização da Amazônia 16. Os ecossistemas florestais e fluviais amazônicos na linguagem indígena 17. Os quatro paradigmas 18. A Amazônia tem valor, mas não tem preço 19. O primeiro manifesto ecológico da Amazônia 20. ECO-92: borealismo ecológico e tropicalismo ambiental 21. Estatuto do amazônida Posfácio 22. A Amazônia diante do mundo e do Brasil

1. Prefácio O conhecimento deixado por Samuel Benchimol em Amazônia: a guerra na floresta de 1992, consegue, mais uma vez, surpreender os estudiosos e demais interessados no tema. Lançado em 1992 e agora relançado no âmbito do Prêmio Prof. Samuel Benchimol de 2011, a obra inicia localizando a região Amazônica na riqueza encontrada no espaço entre os trópicos de Câncer e Capricórnio. O autor assegura, que somente compreendendo a diversidade dessa faixa intertropical, que inclui uma enorme variedade de geomorfologia, clima, cultura e biologia, pode-se compreender a totalidade da Amazônia. Benchimol assim o faz: apresenta detalhes dos ecossistemas, da formosura, da fartura e também dos preconceitos, das análises parciais, dos conceitos anacrônicos que acompanham a Amazônia, o Caribe, a África Sahariana, o Nilo, o Congo, a Índia, a Indochina, a Malásia, a Micronésia, Polinésia, Austrália, os vales do Ganges, a Arábia Saudita, o Iêmen, entre tantos e tantos outros. Ao relatar a abundância e o esplendor do mundo tropical, com efeito, nota-se delicadamente a igualmente farta expressão em língua portuguesa do ilustre professor. É impossível não se emocionar com o texto de Benchimol sobre os trópicos. Faz-nos orgulhar também de pertencer a essa porção do planeta.Compreendendo a partir de agora que é impossível ver a Amazônia una, o autor apresenta sua cosmovisão, geodiversidade, biodiversidade, ecodiversidade, economia e sistemas de produção, etnodiversidade, caboclos e descendentes, perfazendo um total de mais de cem itens cobertos. Como exemplos, da geodiversidade, ele mostra a Amazônia em Amazônia Atlântica, Amazônia Ribeirinha da Calha Central, Amazônia Mediterrânea da Calha Sul, Amazônia de Transição, Amazônia Setentrional, livro.pmd

Amazônia Guiano-Orenocense e Amazônia Cisandina. Da ecodiversidade, ele mostra os ecossistemas florestais (em áreas de inundação e em terra firme) e os ecossistemas fluviais e lacustres. É também nesta obra que a questão econômica é mais profundamente explorada: dados estatísticos, de produção, de impacto e de retorno são a todo o momento apresentados. Mesmo escrito em 1992, Benchimol não escreveu para uma conjuntura. Escreveu de maneira a deixar reflexões para o futuro e escreveu de maneira prospectiva, tanto do ponto de vista econômico, quanto tecnológico. Por exemplo, os grandes problemas por ele apontados, ainda estão sem solução definitiva. Mas ele deixou recomendações, que a cada avaliação, ganha mais sentido, dimensão e oportunidade. Samuel Benchimol escreveu para o futuro, a fim de encontrar as ações urgentes do hoje em nome do amanhã. A exemplo de todas as principais obras, e de diferentes maneiras, ele apresenta a formação social da Amazônia Brasileira, com a contribuição indígena e cabocla, a portuguesa e hispânica, a europeia, com destaque para os ingleses, a nordestina, a semítica, a norte-americana, a asiática e japonesa e fundamentalmente, o processo de integração. Particularmente, ele mostra a Amazônia Interior, em uma visão dialética, que de um lado exalta e isola os valores da biodiversidade do ambiente selvagem. De outro, menospreza ou omite a realidade econômica, social e humana de penúria dos que lá vivem. A publicação detalha, por exemplo, a economia minguante e o preconceito empresarial que impede o aproveitamento responsável da região. Benchimol, no entanto, visionário e otimista, apresenta também alternativas, opções e propostas, com uma reativação da tradição agrícola, reversão do êxodo rural, renovação de polos do interior, enfim, uma nova ordem econômica. Do ponto de vista de esforço histórico para solução dos problemas da região, a obra se consagra com o levantamento de eventos, pessoas e organizações que preparam toda a sorte de modelos, cartas e demais manifestações nacionais e internacionais para responder à crescente pressão demográfica, econômica, social e tecnológica sobre os ecossistemas do planeta. Nesse ponto, além de trazer as diversas e fundamentais contribuições que desde 1971, pelo menos, são trazidas a público, ele toca no delicado ponto da internacionalização e planetarização da Amazônia. Sua defesa da soberania brasileira é irretocável e seu entendimento do conceito de planetarização, idem. Um grande momento ocorre ao demonstrar que novas posturas, muitas vezes indesejáveis, estão em curso, sendo elas: que o mundo valoriza sempre mais o que a Amazônia lhe oferece; o despertar no Brasil de uma consciência política que integra as três vertentes da geopolítica continental: a platina, a atlântica e a amazônica; a necessidade de implantar na Amazônia uma política ambiental e econômica capaz de conciliar os valores sociais e ecológicos; que não devemos nos constranger, diante de pressões, a soberania nacional; e a urgência em buscar novos conhecimentos científicos e tecnológicos para a realidade do mundo tropical, investindo em educação, aprofundando estudos regionais, estimulando o empreendedorismo em profissionais engajados na nova política de produção econômica e proteção ambiental. Finalmente, a obra traz ainda inúmeras e significativas contribuições: o Estatuto do Amazônida, as manifestações nacionais preparadas em todo o Brasil para a Rio 92, um pequeno dicionário indígena e o detalhamento do mais popular dos legados de Benchimol: o pensamento de que “o projeto amazônico deve obedecer a quatro paradigmas, isto é, deve ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo”. E quanto mais conheço sua obra, mais compreendo e valorizo essas palavras... Abidias José de Sousa Júnior

Presidente do Banco da Amazônia

2. Apresentação O ano de 2011 vem apresentando marcos singulares para a Federação das Indústrias do Estado do Amapá. Entre outras realizações, pela primeira vez, a Fieap tem a honra de sediar os Prêmios Samuel Benchimol e Banco da Amazônia de Empreendedorismo Consciente, cuja trajetória iniciada em 2004, na Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, coroa neste ano o Estado do Amapá. Envolvendo em suas abrangências a Amazônia Continental e, sem dúvida, a Amazônia Legal Brasileira, levanos a reverenciar estas iniciativas de patrocinar os maiores prêmios literários da América Latina. Com o mesmo respeito, louvo o Banco da Amazônia por esta parceria, que leva o seu nome em ações de empreendedorismo e desenvolvimento sustentável.

Destaco a participação efetiva nos anos que nos precederam das federações de indústrias dos diversos Estados amazônicos, dos quais tive a honra de participar nas solenidades anteriores, inclusive, entregando alguns prêmios a pesquisadores do Amapá. A comemoração em 2011, do Ano Internacional das Florestas, idealizado pela Organização das Nações Unidas, com o objetivo de estimular a consciência pública dos problemas que afetam grande parte das florestas e as pessoas que delas dependem, levou-nos, de alguma forma a apoiar o lançamento do “Guerra na Floresta”, cuja autoria é do maior pensador da Amazônia, Prof. Samuel Benchimol, com a certeza de que os conhecimentos que nele aportam, permite-nos comemorar com maior grandeza este marco da ONU e o que é mais importante, reforçar as ações de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Dou continuidade assim, as parcerias do Sistema CNI, editando, com o apoio do Banco da Amazônia, a cada ano, mais um livro da rica bibliografia do Prof. Samuel Benchimol. Telma Gurgel Presidente de Federação das Indústrias do Estado do Amapá

Início da fala do Dr. Gilberto Freyre, na sessão de abertura do Segundo Encontro Regional de Tropicologia, realizado em Manaus-Amazonas, de 3 a 6/9/1985, referindo-se à tese apresentada pelo professor Samuel Benchimol, “Grupos Culturais na Formação da Amazônia Brasileira e Tropical”.

Sugestões de um aprendiz de amazonologia Venho falar a um inteligente público de Manaus sob a forte impressão de uma empolgante leitura recente: a do trabalho apresentado, ou a ser apresentado, por um mestre insigne, o professor Samuel Benchimol, ao Segundo Encontro Regional de Tropicologia, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, em Manaus. Trata-se, a meu ver, de estudo monumental da Amazônia, em que, ao saber, se junta àquela camoniana experiência, que dá a um saber a dimensão magnífica de sabedoria. É obra que se situa entre as clássicas no assunto. Nasce obra clássica, como diria Roquette-Pinto. E a seu caráter de obra clássica acrescenta a modernidade do arrojo futurológico.

3. Trópico, meio ambiente e biodiversidade Trópico Geo-Bio-Social – Os trópicos são mais ubíquos do que se pensa e menos tópicos do que se imagina. Eis que abrangem uma larga extensão da superfície terrestre: quarta orbis pars, uma quarta parte de sua quilometragem quadrada.

Essa área intertropical, situada entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio, compreende 47 graus de latitude: 23° 30’ ao norte e 23° 30’ ao sul do Equador terrestre, o que corresponde a uma distância de 5.405 km, tomando por base a equivalência de 111 km para cada grau de latitude. Em termos de longitude, o seu espaço abrange 360 graus ao longo e ao redor da linha equatorial, o que representa uma área acima de 40.000 km lineares na latitude zero. Essa tropicália geográfica é um conglomerado de muitas terras sub-sobre-super-para-cis-trans e equitropicais, pois compreende uma grande variedade de trópicos. Entre outros, os trópicos geomorfológicos: de planícies, planaltos, peneplanos, mares, rios, lagos, dunas, praias e mangues; os trópicos climáticos: de climas quentes, chuvosos, úmidos, secos, semiáridos, desérticos, temperados e glaciais; os trópicos biológicos: de florestas densas, caatingas ralas, savanas xerófilas, sertões brabos, agrestes amenos; os trópicos humanos: dos povos centro e sul-americanos do Caribe, Antilhas, do Orenoco, Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica do litoral e do sertão nordestino e do Brasil Central, dos povos negros e arábicos da África Saariana, do Sahel, do Nilo e do Congo, de gente da Índia e da Indochina, os vales do Ganges e do rio Mekong, do sudeste asiático da Malásia, Indonésia, das etnias chinesas e mongólicas dos mares do Pacífico Sul, da Micronésia, Polinésia, Oceania e Austrália. Sem contar com os povos subtropicais do Mediterrâneo e de outras áreas paratropicais; os trópicos políticos, constituídos de povos e nações do Terceiro Mundo, oprimidos durante séculos pela escravidão, colonialismo, subdesenvolvimento e pobreza; os trópicos culturais que definem e caracterizam o espaço daqueles grupos sociais que conseguiram criar o seu modo de ser, pensar, agir e fazer como resultado da interação, assimilação e integração com outras culturas e alhures seres, pensares, creres, fazeres e falares. Essa faixa intertropical, do ponto de vista astronômico e geográfico, é importante porque baliza a trajetória e a projeção diurna do sol sobre a superfície terrestre nos dois solstícios, definindo assim, de acordo com a sua posição, as estações do inverno e do verão, que são fundamentais para a formação do clima e do meio ambiente, com grandes repercussões sobre a vida vegetal, animal e humana. E até sobre-humana, mágica e preternatural para aqueles que acreditam nos poderes e influências dos signos de Câncer e Capricórnio, da quarta à décima constelação do zodíaco. Espaço Trigêmeo e Tempo Tríbio – Esses trópicos celestiais, universais e locais constituem, assim, um espaço triplano e trigêmeo, multidimensional, policultural e oligomórfico: uma ordem intertropical, geossocial e ambiental que se combina com aquele Tempo Tríbio, de que nos fala Gilberto Freyre. Tempo tríbio tão bem-interpretado por Maria do Carmo Tavares de Miranda: “O passado enquanto memória é copresente e convivente, é gesta que se continua, e o futuro como antecipação é o presente criando o amanhã, é o futuro possível fecundando as criações do homem” (MIRANDA, M. C. T. “A tropicologia como fenomenologia”. In: Ciências e Trópicos. Recife, 1987). Desse modo, o tempo tríbio freyriano – o ontem, o hoje e o amanhã – se combina e se integra com o espaço trigêmeo do trópico ubíquo – o locus, o orbis e o astral, a assinalar a intercorrência e a interação entre o ambiente físico, o meio social e o tempo dinâmico. Esse trópico trigêmeo no espaço e tríbio no tempo incendiou durante séculos a mente de muitos humanos que viram nele o horizonte da expansão do homem branco e europeu. Durante o ciclo dos descobrimentos, a aventura geográfica e colonial que partiu para a conquista e a posse dessas terras do mundo tropical, nas Índias, nas Áfricas e nas Américas, tinha uma imagem destorcida e preconceituosa das terras e das gentes que habitavam ao longo e abaixo da linha do Equador. Trópico e Paz Ibérica – As Terras Tordesilhanas, divididas por uma linha entre leste e oeste e doadas para portugueses e espanhóis, iriam servir de campo de prova e experimentação para o encontro de duas culturas: a ibérica e a ameríndia. Encontro esse que iria mais tarde resultar na amenização de grande parte do preconceito religioso e cultural luso-espanhol e na aceitação dos valores e conceitos de vida e trabalho dos povos tropicais indígenas. Esse encontro não foi tão pacífico como muitos apregoam, pois os entrechoques e conflitos na conquista do México, do Peru, na Amazônia e no Brasil bem atestam o nível de hostilidade e resistência dos conquistadores e conquistados. Após esses entreveros, a serviço da fé e do Império, a paz ibérica foi alcançada pela via da submissão indígena aos valores europeus ou por via da aceitação europeia dos costumes e usos nativos. Vias e caminhos que abriram espaço para um novo tempo de

tropicalização luso-hispânica quando os preconceitos éticos de latitude foram sendo, paulatinamente, vencidos pela necessidade de sobrevivência e existência nesse vasto mundo estranho, longínquo e alheio. Um novo tempo, também, para os povos indígenas tropicais e equatoriais que, ao se espanholizarem e se lusitanizarem, foram perdendo grande parte de sua identidade original ao adquirirem modismos, gestos, hábitos, costumes, vícios e doenças extras e até antitropicais. Esse padrão de encontro entre essas duas culturas viria a ser enriquecido, também, pela terceira via da africanização americana, quando contingentes de negros escravos foram trazidos às Américas para substituir ou complementar a mão de obra indígena arredia ou escassa. A mesclagem e a miscigenação dessas raças e culturas iriam produzir um novo tipo de percepção dos valores tropicais lusoafroamericanos que passaram a ser valorizados e assimilados por aqueles que vieram Fazer a América, Fazer o Brasil ou Fazer a Amazônia. Fazeres esses que mais tarde iriam produzir uma nova sociedade menos formal nos seus contatos e mais íntima nas suas inter-relações com a natureza e o meio ambiente. Trópico e Biodiversidade – A natureza e hábitat tropical tão diverso, rico, variado e exótico iriam produzir um grande impacto na mente dos conquistadores, soldados, missionários e colonos. É que a localização do círculo tropical na faixa do Equador térmico propiciou condições extremamente favoráveis para o surgimento de uma infinita variedade e formas de vida vegetal e animal: novas plantas, bichos, pássaros, peixes, frutas e alimentos abriram caminho para um novo estilo de vida e de relacionamento do homem com a natureza. Essa luxuriante explosão biológica nos trópicos não tem paralelo em nenhuma região boreal, pois o calor, a umidade, a chuva e outras condições ambientais favoreceram o surgimento de uma grande diversidade e heterogeneidade genética. Apenas para exemplificar, na região equatorial amazônica – onde a flora e a fauna representam um décimo da biota universal – um hectare de floresta densa, em terra firme, chega a pesar mil toneladas de fitomassa contra algumas dezenas de quilos nas regiões setentrionais ou meridionais até alcançar o inecúmeno zero nos círculos polares ártico e antártico. Essa intensa, densa e variada vegetação de floresta tropical chuvosa da Amazônia, Orinóquia, Central América, Bacia do Congo, Indo-Malásia e Filipinas exerce, também, um papel importante na reciclagem do clima mundial. Quer sob a forma de energia irradiante e evapotranspiração, quer em razão de sua capacidade de absorção do dióxido de carbono (CO2), responsável pelo efeito estufa, gerado pela poluição ambiental lançada, principalmente, pelos países industrializados do hemisfério norte. As virtudes tropicais da floresta chuvosa são muito mais intensas, porém no campo da biodiversidade, da biocenose e da coevolução das espécies que constituem formas e forças decisivas para o desenvolvimento atual e futuro da biotecnologia. Uma espécie de abre-te Sésamo do código genético para orientar a ciência e a tecnologia prospectiva do século 21. Trópico e Preservação – Não é de se admirar, portanto, porque os países mais desenvolvidos do norte, que já destruíram os seus ecossistemas naturais, hoje se engajam numa intensa campanha mundial para a preservação das florestas tropicais. Preservação que se justifica até certo ponto, mas que levada até as suas formas radicais pode tornar inviáveis a vida e o trabalho das populações tropicopolitanas pelo impedimento do uso, fruição e gozo dos recursos naturais. Uma espécie nova de imperialismo ou colonialismo ecológico boreal exercido sobre as populações tropicais à imagem e semelhança do passa do de triste memória. Isso não invalida, de nenhum modo, aquele outro legítimo e sincero esforço daqueles ecologistas que, reconhecendo a importância do trópico, lutam para conciliar os interesses do desenvolvimento econômico com as necessidades de preservação ambiental. Trópico, Formosura e Fartura – Devemos reconhecer, no entanto, que os atuais modismos ecológicos, por meio de suas variadas formas, inclusive as românticas, fizeram subir os valores tropicais na cotação das bolsas e dos mercados internacionais; valores esses, antes, tão depreciados quando não vilipendiados. Só falta cunhar o novo slogan do Tropic is Beautiful, agora proposto, para a melhor divulgação desse marketing ecológico e ambientalista. Efetivamente Trópico é Formosura é um justo título para qualificar as inúmeras virtudes e contribuições que esse espaço tem produzido para todo o mundo. Talvez nenhuma outra área terrestre tenha dado tanto de si para o desfrute e deleite de tanta gente. No campo das bebidas: o chá da Índia, o café da África, o chocolate da América, o guaraná do Amazonas, o vinho de açaí do Pará, a cachaça do Brasil, o caxiri dos índios, a tequila do México, o rum de Cuba e o pisco do Peru. Entre os cereais: o arroz da Tailândia e dos vales e deltas dos rios asiáticos; o milho do México, do planalto asteca ao platô incaico. No reino das raízes e tubérculos: a mandioca e macaxeira sul-americanas, a batata andina, o inhame da África, o gengibre asiático e da Oceania, além da batata-doce, do cará, da taioba e outros comuns a vários países.

As frutas tropicais constituem o deleite de muitas sobremesas, doces, sucos e licores: a manga, a jaca, a fruta-pão, os cítricos da Índia, da Ásia e Oceania; o tamarindo nativo das savanas secas da África e do Senegal (a cidade-capital Dakar relembra o nome nativo dessa fruta); o caju e a goiaba da América do Sul; o abacaxi encontrado por Colombo nas Índias Ocidentais e na América e depois levado pelos portugueses, em 1502, para a Ilha de Santa Helena e aí migrado para Madagascar até chegar ao Havaí e às ilhas do Pacífico Sul. O trópico amazônico, nesse particular, é extremamente rico no seu patrimônio biológico de frutas que dão água na boca para todos os gulosos paladares: cupuaçu, açaí, bacuri, bacaba, cubiú, araçá-boi, piquiá, buriti, uxi, mari, tucumã, pupunha, pajurá e outras delicatessen que fazem a festa das sobremesas, sucos, compotas, sorvetes e doces que desafiam a mesmice da rotina das clássicas sobremesas tipo romeu e julieta e o cansaço do surrado complexo boreal da maçã e pera. O elenco dessas frutas amazônicas, muitas delas já transplantadas para outros continentes, se expande com a inclusão de outras frutas e produtos tropicais, entre eles o abacate da América Central; o maracujá sul-americano; a banana da Índia e Indochina; a cana-de-açúcar nativa da Ásia Meridional; o coco da Ásia e Oceania. A biodiversidade genética amazônica se manifesta, também, de forma excepcional na sua ictiofauna, representada por mais de 3.000 variedades de espécies de peixes. Peixes que constituem os quitutes da culinária amazônica tal qual o tambaqui, pirarucu, tucunaré, pacu, pirapitinga, matrinxã, curimatá, sardinha, acari-bodó e tantos outros, preparados de mil e uma maneiras: frito, assado, na brasa, cozido, moqueado, escabeche, caldeirada, seco, salgado ou defumado. Falar em trópico é falar, também, na riqueza e profusão das especiarias tropicais, entre elas o cravo, canela, cominho, nozmoscada, baunilha, pimentado-reino que abundavam na costa do Malabar, Índia, Indonésia, Java, Ceilão e tantas ilhas do oceano Índico; dos óleos vegetais: o dendê, o de palma, o de coco, o patauá, a andiroba, a copaíba, e os óleos essenciais: o pau-rosa amazônico, o petit-gran paraguaio, o vetiver do Haiti, de Java e Ilha de Réunion do Índico, o cinamomo de Java, o sândalo indiano, a priprioca, o patchuli, o manjericão e outros cheiros-cheirosos. Essências, cheiros e perfumes, que tanto serviam para fins litúrgicos como para a higiene, embelezamento do corpo e para ampliar o poder da sedução e atração sexual. A contribuição tropical, nesse particular, não se limitou apenas ao campo dos comes e bebes, das sobremesas e doces, dos sabores picantes das especiarias e dos óleos, dos afrodisíacos, cheiros e perfumes. Também se fez notar na produção de matérias-primas tal a borracha amazônica, a castanha-do-pará, a juta da Índia e do Paquistão, a piaçaba da Bahia e do rio Negro, o caroá e a cera de carnaúba e óleo de babaçu do Nordeste; e na grande variedade das milagrosas plantas e raízes medicinais: o quinino, a ipecacuanha, o jaborandi, mucuracaá, saracura-muirá, crajiru, pau-d’arco, capim-santo, carapanaúba e tantos outros produtos etnobotânicos que nos foram deixados pela herança indígena dos curandeiros e pajés e pela pajelança africana das mães de santo e pais de terreiro. No campo da pecuária e do criatório os trópicos deram, também, uma grande contribuição com os seus animais de tiro para ajudar o transporte das cargas e de corte para alimentação do homem: o elefante das Áfricas e das Índias; o camelo dos desertos do Saara; o cavalo das Arábias; o burro, as bestas e as cabras das áreas secas da África e da Ásia; o porco domesticado na China e na Índia por volta do ano 2900 a.C., que se difundiu para as ilhas do Pacífico Sul, da Polinésia e da Melanésia; o búfalo e o zebu da Ásia e do Ganges; o lhama dos trópicos andinos, o caititu e a queixada das florestas latifoliadas da Amazônia e Orinóquia. Gaio Trópico – O trópico e os tropicopolitanos não são apenas ricos em termos biológicos e geoambientais. Sua riqueza se manifesta, outrossim, pelas múltiplas expressões sociais e ambiências culturais da música e da dança. Contrariando o pensamento preconceituoso dos Trópicos Tristes do antropólogo francês Lévi Strauss, o trópico é, antes de tudo, gaio. Gaio, alegre e festeiro: expressões de um modo de ser e de viver que se manifestam, mesmo em face das precárias e adversas condições de vida e de pobreza. O que não impede, mesmo assim, que os atabaques, tamborins, cuícas, pandeiros, guitarras, cavaquinhos, violas, berimbaus e agora os trios elétricos cantem a alegria popular nos carnavais de rua, nas escolas de samba, nos salões de baile, nas danceterias, nos terreiros, nos bares e nos botequins da vida. Danças e músicas tropicais que refletem o trágico, o passional, o melancólico, o romântico, o sensual e o frenético nos diferentes trópicos: no hula-hula lento e harmonioso do Havaí, no ritmo moroso e cadenciado da dança das mãos da Índia, na contorção da dança do ventre do Oriente árabe, na saudade do fado português – que se originou no lundu afro-brasileiro, levado por D. João VI para os salões portugueses em 1821; na dor de cotovelo do tango argentino com forte influência do candombe dos negros do rio da Prata, na guarânia paraguaia, e nas centenas de formas lúdicas e expressões corporais, de canto, das danças e das festas dos povos africanos que migraram para as Américas: o triste soul e o frenético jazz dos negros americanos de New Orleans, o alegre ritmo do bolero, rumba, conga, cúmbia, merengue, habanera e milonga do Caribe e das

Antilhas; o ritmo vibrante e festivo do samba, bossa-nova, baião, umbigada, capoeira, maracatu, cateretê, frevo, forró e carimbó dos brasileiros. Essas formas e expressões do gaio trópico brasileiro, atualmente, explodem nos salões e nos palcos do mundo, por meio do alucinante, sensual, gracioso, jovem e supererótico ritmo e coreografia da lambada paraense-baiana, que acaba de conquistar a mente, os corpos, os quadris, os umbigos, as coxas e os bumbuns dos povos boreais. Narcotrópico – E para não falar apenas de danças, frutas, flores e amores, por que não dizer também, aqui e agora, que os trópicos produziram os mais devastadores tóxicos e narcóticos: o ópio da Indochina, a coca do trópico andino, a marijuana do México, a maconha da América do Sul, o ipadu da Amazônia e outras drogas alucinógenas que ameaçam destruir o corpo e a mente dos humanos. Sem falar no famigerado tabaco, cultivado originalmente pelos indígenas da América do Sul, México e Índias Ocidentais. Trópico e Intercâmbio – Esses produtos da flora e da fauna tropical e outros bens ambientais sofreram um intenso processo de intercâmbio e migração entre continentes e países a partir dos séculos 15 e 16, durante e após o ciclo dos grandes descobrimentos. Os colonizadores, notadamente os portugueses e espanhóis, inicialmente, e depois ingleses, franceses, holandeses tiveram um papel importante na difusão e propagação dos produtos tropicais entre os países da Ásia, África e América. Troca e intercâmbio que muito contribuíram para ajudar os países tropicais a enriquecer, ainda mais, o seu patrimônio biológico e genético, pela aclimatação de novas espécies ou cultivares de híbridos mais produtivos e resistentes às pragas. Pragas e juquiras que constituem um dos grandes problemas e desafios para a agricultura e o criatório de todos os trópicos. Tristes Trópicos e Preconceitos – Os dotes, dons, primícias e bonanças do trópico e do seu meio ambiente, abordados até aqui sob uma ótica um pouco cor-de-rosa, contrastam com aquele outro tipo de imagem e de análise muito difundido, desde longa data, na literatura, ciência e fé de muitos escritores, doutores e acadêmicos: a imagem de um trópico de terras inóspitas, clima doentio, solos pobres, águas palúdicas, selvas selvagens, gentes indolentes, raças inferiores, costumes bárbaros, comidas exóticas, mulheres sensuais e fogosas, reinos da licenciosidade, da luxúria e do pecado, onde tudo era permitido abaixo da linha do Equador. O antitrópico é um preconceito ambiental, racial e social profundamente arraigado no pensamento humano há muitos milênios. correlação do calor tropical com a lassidão, indolência e inferioridade e do frio boreal com vitalidade física, criatividade e superioridade é uma associação que vem sendo repetida desde os tempos de Aristóteles. Na sua Política, ele já afirmava a superioridade dos gregos sobre os povos asiáticos, submissos à lassidão e ao calor dos trópicos. Essa maldição climática se desenvolveu ao longo de muitos séculos até chegar aos tempos modernos, com Montesquieu no seu Espírito das Leis, afirmando que o calor diminui o vigor e a coragem dos homens, enquanto o frio produz vitalidade e força no corpo e no espírito, justificando assim a superioridade francesa e de outros povos das regiões temperadas e frias. Essa escola francesa de superioridade boreal sobre os povos tropicais iria obter novos adeptos com Pierre Gourou (Les Pays Tropicaux) que profetizava a perenidade da pobreza tropical pela impossibilidade de sua industrialização, com o conde Gobineau (Traité de l’Inégalité de Races Humaines) ao defender o mito de superioridade racial dos homens do norte, que mais tarde iria servir de base para a doutrina nazista do arianismo. A linha francesa desse preconceito contra os povos tropicais, mais recentemente, iria outra vez ser discutida, de forma mais amena, por Lévi Strauss nos seus Tristes Tropiques. A linha alemã desse pensamento antitropical, por sua vez, está representada no velho pensamento do geógrafo Friedrich Ratzel com o seu determinismo geográfico “O solo rege o destino dos povos com uma cega brutalidade” até o extremo radicalismo de Haushoffer, que, deturpando o pensamento original do sueco Rudolph Kjellen, criou a doutrina do espaço vital para sustentar a política imperial nazista. Trópico e Floresta Amazônica – Modernamente essa velha tese antitropical iria adquirir nova roupagem e conceituação teórica com o surgimento de um grande número de recentes pesquisas ambientais sobre o trópico úmido e a floresta chuvosa da Amazônia. Algumas dessas pesquisas revelaram a existência de um ecossistema, biologicamente muito rico, porém assentado sobre solos pobres, ácidos, com alto teor de alumínio e com baixo nível de nutrientes minerais. Esses solos quando despidos de sua cobertura vegetal, pela derrubada e queimada, entram em processo de lixiviação, erosão e degradação. A luxuriante floresta tropical densa seria, assim, mais um produto de fatores exógenos – luz, calor, umidade, chuvas e compostos químicos incorporados às plantas pela fotossíntese e pela reciclagem superficial de nutrientes, provenientes da decomposição da matéria orgânica caída na liteira do chão florestal. Essa reciclagem de energia e a autossustentação trófica, que formam a cadeia alimentar, de crescimento e de regeneração nos ecossistemas florestais, constituem um complexo de integração biogeoeconômica, cujas funções e relações ainda estão por ser

avaliadas e bem-definidas. Em face da fragilidade desses ecossistemas, divulga-se a noção de que a melhor opção seria preservar a floresta e deixá-la intacta, pelo valor de sua biodiversidade, permitindo-se, apenas, o seu usufruto primitivo pelas chamadas reservas extrativistas destinadas aos índios, seringueiros e outros povos da floresta. Trópico e Determinismo Ecológico – O quadro dessa avaliação qualitativa entre o trópico amazônico e o meio ambiente florestal tem levado muitos pesquisadores a conclusões ambíguas ou equivocadas, pois, quase sempre, essas análises padecem de vício do reducionismo, ao tentar compreender e avaliar a Amazônia como uma região uniforme e homogênea, do ponto de vista morfológico, geográfico, climático, pedológico e biológico. Ao contrário, a Amazônia se apresenta com tal nível de diversidade e diferenciação que o próprio conceito de unidade regional precisa ser apreciado sob o novo ângulo e percepção de pluralidade e multiplicidade de paisagens e quadros bio, geo e ecológicos que se diferenciam no espaço. Diferenciação a exigir um novo tipo de valorização e enfoque para poder compreender a complexidade e variedade deste mundo novo tropical. Se essa atitude for esquecida ou desconsiderada, estaremos condenados a repetir chavões ultrapassados, conceitos anacrônicos, análises parciais, interpretações reducionistas ou visões distorcidas que se multiplicam à sombra do desconhecimento. Entre essas visões e versões, no mundo de hoje, destacamos o surgimento de um novo tipo de dogmatismo que parecia estar definitivamente sepultado no cemitério das ciências: o determinismo ecológico. À semelhança do providencialismo de Bossuet, do heroísmo historicista de Carlyle e Nietzsche, do materialismo histórico marxista, do economicismo selvagem do laissez-faire e laissez-passer, do psicanalismo freudiano, do arianismo de Gobineau, do geografismo de Ratzel e do climatologismo de Huntington – o novo determinismo ecológico busca explicar a complexidade do mundo tropical por meio do enfoque ambientalista. Esse enfoque, ao mesmo tempo em que exalta os valores da vida selvagem e o preservacionismo do status quo exante da pureza original da terra, limita e constrange a capacidade e a aptidão humana, e reduz as relações do mundo tropical à camisa de força do meio ambiente todo-poderoso. Meio ambiente que se transformaria no árbitro e regulador de um novo ordenamento territorial, a ser demarcado segundo os critérios do zoneamento ecológico que passariam a presidir e comandar a ocupação e a exploração dos recursos naturais. Não é de admirar, portanto, que a onda verde desse ecologismo queira militarizar o uso da terra, dos rios e das florestas tropicais, e em particular da Amazônia, seguindo o passo e a ordem unida de uma matriz ecológica plotada em cima dos mapas e das imagens dos satélites de sensoriamento remoto. Ordem unida e plotagem que ignoram que toda a terra tem sempre usos múltiplos a depender do nível de racionalidade, ciência, tecnologia e capacidade de adaptação humana, para fazer o melhor uso desses recursos sem degradá-los e em harmonia com outros valores políticos, econômicos e sociais. Valores que não podem ser esquecidos, pois a criatividade e a inventividade humanas são capazes de melhorar os ecossistemas naturais, tornálos mais produtivos, sem destruir as próprias fontes perenes da vida atual e das gerações futuras. O novo determinismo ecológico, ao tentar transformar as florestas tropicais e equatoriais e, sobretudo, a Amazônia em santuário ecológico, parte de dois falsos pressupostos: o primeiro baseia-se na supervalorização dos valores selvagens e naturalísticos, pregando a volta da filosofia smithiniana do laissez-faire, laissez-passer: le monde va de lui même, dessa vez voltada para o meio ambiente; o segundo subestima a capacidade de inteligência, invenção e criatividade humana e o seu extraordinário poder de adaptação e mudança. A imagem euclidiana do imigrante cearense na Amazônia como “‘um ser intruso e impertinente’, que chegou sem ser desejado nem querido enquanto a natureza preparava o seu vasto salão” é apenas uma imagem literária sem nenhum valor do ponto de vista socioecológico. Ao invés de intruso e impertinente, o Homem Situado no Trópico, como no pensar e saber gilbertiano, é uma criatura que não somente habita, mas convive, realiza, assimila, transforma e cria um novo relacionamento homem-natureza no mundo tropical. Trópico: Homem-Natureza-Sociedade e Ciência – O binômio Homem-Natureza precisa, hoje, ser reavaliado e repensado como tentou fazer o jovem Marx, em 1844, na sua fase humanista, quando bem soube interpretar a dialética desse processo, ao dizer que era preciso naturalizar o homem e humanizar a natureza (MARX, KARL. Manuscritos Econômico-Filosóficos, escrito originalmente em 1844 e somente revelado e publicado, pela primeira vez, em 1927). Binômio esse que hoje, talvez, melhor pudesse ser expresso por meio de um novo polinômio: homem-natureza-sociedade-ciência. A despeito de tantos depoimentos e do avanço das ciências, no campo interdisciplinar e interinstitucional, o neodeterminismo ecológico vem ganhando espaço nos foros, assembleias e congressos internacionais. Alguns autores, por serem notórios e haverem ganhado fama e reconhecimento em suas pesquisas sobre a Amazônia, merecem ser destacados: Betty Meggers, partindo do enunciado de que o desenvolvimento de uma cultura está na dependência da capacidade da produção agrícola do meio ambiente e, como a Amazônia é caracterizada pela baixa fertilidade dos solos e fragilidade do seu ecossistema, chegou à conclusão de que a região era a Ilusão de um Paraíso (MEGGERS, B. J. Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Chicago, 1971; Environment limitation on the development of culture. Am. Anthrop., 1954). Robert Goodland, seguindo o mesmo raciocínio,

tirou, contudo, conclusões muito mais radicais e pessimistas, ao afirmar que a floresta tropical úmida deveria ser preservada intacta até que as pesquisas revelassem o melhor momento de explorá-la, pois ela é, ecologicamente, um deserto coberto de árvores, e, se as árvores forem removidas, a região se converteria em um deserto (GOODLAND, ROBERT IRWIN H. A selva amazônica: do inferno verde ao deserto vermelho, 1975). Contrariando esse excesso de reducionismo ecológico, Paulo Alvim, sem desprezar a necessidade de adotar práticas conservacionistas, reconhece a existência, na Amazônia, de manchas de solos de boa fertilidade natural nas terras firmes, além das terras de aluvião e várzeas altamente férteis. Nessas terras firmes e nos varzeados, a agri- cultura e a agronomia tropical têm meios de promover um desenvol- vimento autossustentado, tanto para culturas perenes de plantas arbóreas quanto para cultivos de curto ciclo. O importante, segundo Paulo Alvim, é uma adaptação das técnicas agronômicas às exigênci- as dos trópicos, cujos solos podem ser pobres, porém essa baixa fertili- dade pode ser compensada por um manejo adequado e pela abun dância e riqueza dos fatores exógenos como a luz, umidade, calor e água (ALVIM, PAULO. “Perspectivas de produção agrícola na região amazônica”. In: Interciência. Caracas, jul./ago., 1978; “Floresta amazô- nica: equilíbrio entre utilização e conservação”. In: Ciência e Cultura, jan., 1978). Seguindo o mesmo raciocínio, Aloísio Sotero, no Seminário de Tropicologia realizado em Caruaru (PE), em 1986, afirmou magistral- mente: “A biomassa das plantas é composta de 44% de carbono, 45% de oxigênio, 6% de hidrogênio e 5% dos demais elementos minerais. Os três primeiros são incorporados às plantas mediante a fotossíntese. A quantidade de nutrientes do solo é, assim, vinte vezes menor do que a incorporada pela fotossíntese. A nutrição do vegetal se verifica muito mais pelas folhas do que pelas raízes. A atmosfera, com a ajuda da ener- gia solar e da clorofila, contribui muito mais que o solo para a nutrição do vegetal. Esses fatos elementares justificam a preferência de alguns de que a agricultura é a arte de aproveitar a luz mais do que a arte de cultivar a terra (SOTERO, ALOÍSIO. “A agricultura no trópico brasileiro. Subsídios para uma política de ação”. In: Em torno de alguns problemas do trópico brasileiro. Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1986). Trópico: Literatura e Interciência – Na medida em que velhos preconceitos antitropicalistas vão sendo desfeitos pela análise crítica e pela observação empírica, novos julgamentos equivocados ou am- bíguos vão surgindo para substituí-los. No caso amazônico, em parti- cular, falácias, mitos e meias verdades se propagam de forma epidê- mica nos meios de comunicação de massa, nas mídias, nos parlamen- tos e até nos seminários acadêmicos. Inferno verde, deserto vermelho, paraíso naturalista, pulmão do mundo, celeiro do mundo, clímax bio- lógico, clima glorioso, museu vegetal, mar dulce, terra imatura, silva horrida, selva selvaggia, floresta senil, terra espoliada, hileia, reino das náiades, último capítulo do gênesis, são todas expressões literárias, mas que bem revelam o nível preconceituoso ou apologético de seus autores. O trópico em geral e a Amazônia em particular necessitam, com urgência, de uma releitura e reinterpretação de seu papel e de sua importância nas suas relações antrópicas e ambientais. O intercâmbio homem e natureza no trópico úmido, seco ou semiárido não pode mais dispensar o concurso interdisciplinar das ciências, nem fazer tábula rasa da grande e rica vivência e experiências das populações tropicopolitanas. Esse viver, essa experiência e esse saber não podem ficar redu- zidos ao clássico e superado maniqueísmo do bem e do mal. O ho- mem e a natureza, em toda a parte, estão submetidos a múltiplos pro- cessos de interação e a uma complexa rede de intercâmbio simbiótico, sinérgico e sincrético. Nos trópicos essa interação adquire a máxima importância dada a riqueza e variedade do mundo humano, biológico e social. Longe de ser dicotômico, dialético ou binário, o mundo tropical é, sobretu- do, um universo pluralístico, eclético e ecumênico.

4. Geo, bio, eco e etnodiversidades na Amazônia A questão amazônica não se centra exclusivamente no problema do relacionamento do homem com a natureza. Se essa relação é a grande questão que nos preocupa a todos nós, esse binômio homem-natureza, ao envolver duas ciências: a ecologia e a economia trazem evidentemente no seu bojo outros problemas humanos, sociais e políticos.

Assim, começaria dizendo que, na verdade, nós nos enfrentamos com três níveis de questões fundamentais. A primeira é a relação homem com o homem, a segunda é a relação natureza com a natureza, e a terceira é a relação natureza com o homem ou o homem com a natureza. O primeiro nível dessa questão, a relação homem com o homem, é uma relação de caráter existencial, filosófico e social: como nós nos relacionamos com nossos semelhantes e somos capazes de viver em sociedade. Então é fundamental a compreensão das ações e reações interantrópicas. Esse é o problema fundamental na análise de qualquer quadro ecológico, econômico ou político. Do outro lado existe o problema da natureza, a relação do mundo natural com o mundo natural, a relação das plantas e dos animais com as outras espécies da flora e da fauna. Isso é importante porque os ecossistemas são muito diferenciados e um ecossistema está em íntima conexão com outros ecossistemas: a biosfera, geosfera, ecosfera, enfim, o mundo da natureza é extremamente dinâmico. Finalmente, o relacionamento do homem com a natureza necessita maior atenção porque exatamente aí é onde os problemas se tornam muito complexos e diferenciados no tempo e no espaço. Exatamente porque trazemos à discussão aspectos culturais, valores éticos e sociais gerados pelo homem e pela sociedade. Muitos desses valores entram em confronto e contradição com o mundo da natureza e precisam ser harmonizados com a complexidade da biosfera, ecosfera e todas as relações físiconaturais. Na medida em que passamos da relação homem com o homem para homem com a sociedade e depois homem com a natureza, crescemos em termos de dificuldades doutrinárias e de formulações teóricas. Há também outro problema de natureza metodológica. É que, ao passar da relação do homem com a sociedade ou ao passar da relação da natureza para a biosfera e com a comunidade em geral, surgem desde logo três instâncias metodológicas de análise: o nível micro, o nível macro e o nível mega. No campo microeconômico, essa ciência estuda o uso eficiente de recursos escassos que podem ter usos alternativos. As relações de produção inserem-se no nível da firma, do produtor, do consumidor e de outros agentes econômicos, que na economia de mercado resulta no surgimento dos problemas de preços, salários, rendas individuais demonstrados por meio da análise dos custos-benefícios, sem considerar os efeitos dos impactos ambientais. No nível macroeconômico, a análise passa a incluir novos vetores intersetoriais, relações de conjunto, valores regionais e nacionais, que dependem de uma ação ou intervenção social em busca da maximização do produto, da distribuição da renda e do emprego nacional. Nessa instância macroeconômica é preciso considerar as economias internas e externas, i.e., as relações de eficiência geradas dentro da empresa, bem como as externalidades. Essas externalidades ocorrem quando uma ação ou omissão de uma ou mais empresas tem efeitos positivos ou negativos sobre a produção dos vizinhos e de terceiros. Essas novas relações observadas fora da firma, porém muitas vezes geradas por ela, podem causar dano ou prejuízo considerável em nível local, nacional ou mundial. Essas externalidades negativas, como é o caso da poluição do ar e da água, da degradação ambiental e da destruição dos ecossistemas naturais, constituem, hoje, séria preocupação em âmbito megaeconômico. Isso ocorre porque o poluidor, ao gerar essas externalidades ecológicas negativas, não leva em conta no cálculo de suas planilhas de preços as despesas que outros terão de pagar para despoluir ou melhorar a qualidade de vida degradada por tecnologias antiambientalistas de baixo custo operacional em nível micro, porém de altíssimo preço em nível macro e mega, pela destruição e falência que causam ao conjunto da economia dos mercados. A instância megaeconômica apresenta, assim, dificuldades extraordinárias para integrar, articular e harmonizar as diferentes variáveis, interesses, custos, necessidades e aspirações dos mercados nacionais e internacionais dentro de uma nova ordem econômica mundial. Nesse nível é importante que a comunidade internacional se conscientize da inadiável necessidade de criar-se um imposto internacional ambiental a ser pago pelas indústrias e países reconhecidamente poluidores, causadores de

graves danos ambientais como os gerados pelo efeito estufa, chuvas ácidas, buraco de ozônio, desmatamento e devastação dos recursos naturais e biológicos. O meio ambiente como recurso escasso e de uso alternativo constitui, assim, o mais novo fator a ser considerado na formulação das políticas econômicas em nível mundial. A microssociologia, ou a relação microantrópica, é muito fácil de ser percebida porque se trata de estudar o comportamento pessoal do indivíduo, seu nível de vida, a sua personalidade, os seus traços característicos culturais etc. Mas quando passamos para o nível macro as coisas começam a se complicar, porque aí temos o homem inserido na sociedade e, ao transpormos do nível macrossocial para o megassocial da humanidade e da comunidade internacional as dificuldades a transpor são imensas e extremamente difíceis porque, como disse Hélio Jaguaribe: “Em termos de comunidade internacional, as 150 nações representam 150 egoísmos”. O mesmo fenômeno vamos encontrar no mundo da natureza: enquanto que a microecologia é relativamente simples, pois o comportamento individualizado do clima, da planta, do animal, do solo e dos rios de um ecossistema não é muito difícil de ser analisado, desde que se disponha de um razoável acervo de conhecimento científico. Mas ao evoluirmos da microecologia para a macroecologia, começamos a receber os impactos e as interações, não apenas da flora e da fauna, mas também da biosfera, da atmosfera, dos oceanos, englobando uma grande multidiversidade de ecossistemas. As coisas começam a se complicar, ainda mais, ao transpormos o nível mega, que é a instância planetária. Aí, então, o processo se universaliza e se planetariza porque as variáveis e equações ficam extremamente complexas e difíceis, e os problemas das origens, causas e fins levam à formulação de diferentes hipóteses e inúmeras dúvidas e incertezas. Surgem, assim, as contradições, perplexidades e polêmicas, exatamente porque a única certeza é a própria dúvida. Em recente conferência, o Dr. Shelby Tilford, do programa do EOS, da Nasa, declarou com bastante honestidade que não se tem certeza ainda do processo das origens, da composição e das consequências do efeito estufa e dos níveis de poluentes que causam as chuvas ácidas e rompem a camada de ozônio. Nem mesmo os professores Enéas Salati e Luís Mollion, dois grandes climatologistas brasileiros, podem afirmar com precisão os fatores de modificação do clima global da Terra, pois o próprio efeito estufa tem a sua validade confrontada pelas duas hipóteses do aquecimento e esfriamento dos polos. Os fatos e indícios se tornam tão complexos que o nível do nosso conhecimento ainda é bastante relativo para poder projetar, em âmbito mundial e planetário, todas as inter-relações da natureza com a natureza, do homem com o homem e, finalmente, do homem com a natureza. Temos de nos preocupar, porém, com os aspectos globais e universais, mesmo se esses níveis de certeza são precários, pois devemos caminhar para a compreensão desse mundo complexo com que todos temos de conviver para evitar o dano irreversível. Para tanto, devemos estar preparados para cooperar com as instituições internacionais, os organismos de pesquisa internacional e tentar evitar que os nossos 150 egoísmos nacionais impeçam a realização de um processo de cooperação internacional que ajude a obter uma visão global do problema ambiental, social e econômico. Isso posto, vamos ver como a Amazônia se insere dentro desse contexto. Durante muitos anos pensou-se que a Amazônia era uma região uniforme e homogênea, aquilo que eu chamo de “visão horizontal linear daAmazônia”.Os cientistas do século 19 viam a Amazônia como uma grande planície de inundação e pensavam que isto aqui era um mundo de água, florestas e solos férteis, vistos sempre a partir do rio. Na ocasião em que passamos a ter a visão vertical e espacial da Amazônia chegamos à conclusão de que a planície de inundação varia de cinco a sete por cento da superfície amazônica dos sete milhões de quilômetros quadrados da Amazônia sul-americana. O resto são terras firmes, nem sempre férteis, cobertas por diferentes tipos de formações florestais. E a Amazônia, que era, até então, considerada como uma região homogênea, passou a ser concebida como um mundo extremamente diversificado e multidimensional. Do ponto de vista planetário, a Amazônia representa a vigésima parte da superfície terrestre; 1/5 da disponibilidade mundial de água doce; 1/3 das florestas latifoliadas (as árvores são latifoliadas exatamente em função da umidade e radiação solar, porque ela se alimenta mais pelas folhas do que pelas raízes dos solos pobres, e é por isso que Paulo Alvim disse que “a agricultura nos trópicos é a arte de cultivar a luz, mais do que a arte de cultivar o solo”); 1/10 da biota universal, e isso é importante em função da biodiversidade e da coevolução biológica. Somos 3/5 do Brasil, 5/10 da América do Sul e quatro milésimos da população mundial. A população atinge 20 milhões de pessoas na Amazônia sul-americana dos quais 16 milhões vivem na chamada “Amazônia Brasileira”. Bem, feita essa colocação de escala planetária, aí creio então que a análise da Amazônia deve considerar as suas múltiplas diversidades e peculiaridades. A Amazônia, como região continental, comporta ao menos cinco heterogeneidades

fundamentais: a geodiversidade, a biodiversidade, a ecodiversidade e a etnodiversidade. Estamos, portanto, num mundo extremamente rico, plural e multidimensional, e o relacionamento homem-natureza e o relacionamento ecológico e econômico têm de levar em consideração essas geocaracterísticas próprias. Por exemplo, quando se fala em geodiversidade, a primeira pergunta a fazer é: Qual a Amazônia de que está falando? Está se referindo à Amazônia Atlântica, das costas do Amapá, do golfão marajoara, do delta-estuário, do nordeste paraense, do golfão de São Luís, do litoral com 1.200 quilômetros de costa, onde a vegetação é de mangues, de dunas, de praias de areia? Estamos falando daquela Amazônia ribeirinha, das várzeas salobras do estuário, do baixo, Médio e Alto Amazonas, que possuem problemas ecológicos diferentes? Estamos nos referindo às sub-regiões do sistema Parimo-Guiano, do Pediplano do Alto Rio Negro, de Tumucumaque etc., que são regiões pré- cambrianas de 600 milhões de anos e, em razão disso, dão origem aos chamados “rios de água preta”, por conta do ácido húmico e do weathering e do intemperismo que desde o paleozoico lavaram as rochas que continham os principais nutrientes e sais minerais? Por isso, os rios de água preta que provêm do sistema guiano, lixiviado, intemperizado, são, geralmente, rios extremamente pobres em termos de nutrientes e sais minerais. No entanto, as regiões pré-cambrianas – aí entra o fator econômico – são regiões extremamente ricas do ponto de vista mineral, minérios metálicos e não metálicos. É por isso que a calha norte começou a fazer história recente em termos de ouro, bauxita, de alumínio, de manganês, de cassiterita. Apenas para dar ideia, a cem quilômetros de Manaus existe hoje a maior mina de cassiterita do mundo, a Província de Pitinga, que no ano passado produziu 150 milhões de dólares de estanho, fundido em São Paulo, o que é realmente um valor considerável para a economia do Estado do Amazonas. Essa mina é tão importante que chegou a abalar e fechar grande parte das usinas da Malásia. Ainda em termos de geodiversidade, na parte sul, temos a calha sul, que foi a grande atração humana durante o período da borracha porque, por fatores biológicos, a Hevea brasiliensis praticamente inexiste na calha norte. Nesta, o que existe é a Hevea spruceana, benthamiana, guianensis e a pauciflora, que são variedades bastante pobres de látex, porém resistentes às pragas. A “brasiliensis” é da calha sul e, por isso, o desenvolvimento e a economia amazônica se projetaram na parte sul e, assim, seus rios Juruá, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu e Tocantins começaram a fazer história. Essa região da Amazônia Meridional passou a acolher os excedentes demográficos brasileiros que vieram do Sul do País e do Planalto Central, nestes últimos vinte anos, deslocando o antigo eixo de povoamento que anteriormente era feito por meio dos rios da calha central e de seus afluentes. A abertura dos grandes eixos rodoviários Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e a Transamazônica propiciou a abertura dessa frente demográfica. A Amazônia do mediterrâneo sul e do escudo sul-amazônico pré-cambriano constitui a região de transição da floresta densa para o cerrado, e lá as novas frentes agrícolas, pecuárias e de mineração começaram a criar impactos ambientais e econômicos consideráveis. Os tributários da Amazônia Oriental que descem do escudo sul-amazônico possuem um potencial hidrelétrico considerável, pelo fato de existirem duas condições favoráveis: primeiro, é que o Planalto Central avança para a região amazônica, causando um estrangulamento em Óbidos, e essa penetração gera declives e diferentes degraus e níveis de altitudes. Essa declividade combina-se com a vazão e a descarga dos rios, criando a possibilidade de geração de grandes blocos de energia com um mínimo de inundação e de impactos ambientais. Já as hidrelétricas de planície, a exemplo da de Balbina, têm um grande impacto ambiental pela grandeza da superfície da área florestal a ser inundada. Mas nessa área, como é pré-cambriana, a vocação mineral pode superar a pobreza da adaptação agrícola dos rios de água preta, geralmente situados no hemisfério norte da bacia. Novos minérios vão sendo descobertos, tanto na calha norte quanto na calha sul, e graças a eles podemos direcionar o nosso desenvolvimento sem sacrificar a sua floresta. Há também a Amazônia Cisandina. Esta Amazônia da encosta oriental da cordilheira é a mais rica da Amazônia Sul-Americana, porque nela estão situadas as montanhas jovens do continente sulamericano. A Amazônia Andina tem perto de 60 milhões de anos, o que bem atestam a altura de suas montanhas e a riqueza em material orgânico e mineral de suas terras, o que causa a fertilidade dos rios de água amarela. Esses rios de água amarela de nascentes andinas têm um grande papel a desempenhar na agricultura de suas várzeas. É o Ucayale, o Marañon, o Juruá, o Purus e o Madeira, além do rio Amazonas. São rios extremamente ricos, porque, como disse Sioli:“O rio é a urina do ecossistema”. A lavagem das terras mineralizadas dos Andes torna esses varzeados, pelo sistema de sedimentação e colmatagem, extremamente ricos e propicia uma agricultura temporária de curto ciclo durante a baixada das águas, com um mínimo de impactos ambientais adversos. Com referência à biodiversidade, a Amazônia detém cerca de 1/10 da biota universal, e isso é excepcional, porque esse

mundo biologicamente diversificado e rico continua sendo o maior banco genético do planeta. Essa heterogeneidade e biodiversidade típicas do mundo tropical, por sua vez, geram problemas para a ocupação humana e a exploração dos recursos naturais. Pierre Deffontaines bem definiu o problema ao dizer que a riqueza botânica da floresta gerava a sua pobreza econômica, pelas dificuldades tecnológicas e custos de extração e exploração industrial em função da baixa densidade da ocorrência das árvores mais nobres de maior procura no mercado doméstico e exterior. Essa biodiversidade genética é muito ampla e complexa, pois abrange três níveis biológicos: a fitodiversidade, a zoodiversidade e a ictiodiversidade. Os recursos provenientes desse banco de biodiversidades genéticas possuem grandes potenciais econômicos que devem ser trabalhados à luz de perspectivas e condicionalidades ecológicas e ambientais. Por isso precisamos de mais ciência e biotecnologia em nível micro, macro e mega, para que possamos utilizar inteligentemente esses recursos da flora, da fauna e dos peixes, sem destruir as opções do futuro. E esse é o nosso grande problema: o saber usar com inteligência – eu não gosto da expressão racionalidade, porque implica uma lógica fria de julgamento e razão. Prefiro a expressão inteligência, porque é a capacidade do homem de se adaptar a situações novas, e o saber usar implica sempre inovar, criar e ampliar a imaginação em busca de novas alternativas e opções. Ao lado dessas biodiversidades devemos, também, nos referir, em termos agronômicos e agrostológicos, à juquiradiversidade para incluir nesta análise o problema dos fungos, pragas, ervas e insetos daninhos, que constituem um grande problema agronômico, agrostológico, pedológico e florestal a ser resolvido para que se possa implantar uma agricultura rentável e autossustentada, sem os onerosos custos da mão de obra e uso exagerado de agrotóxicos e herbicidas. Em termos de ecodiversidade, podemos citar duas formas de heterogeneidade: a ecodiversidade ecossistemática e a ecodiversidade econômica, porque, na verdade, economia e ecologia provêm da mesma raiz etimológica grega. Então, as diversidades dos ecossistemas são bastante amplas, pois incluem formações florestais diferenciadas e não se limitam, apenas, àqueles dois sistemas florestais que os indígenas chamavam de caá-eté para descrever e diferenciar as matas da terra firme das florestas do caá-igapó da planície de inundação das várzeas e igapós. Ao lado desses três ecossistemas florestais tradicionais, na verdade, existem dezenas de outras formações florestais: florestas de alta e densa biomassa, matas baixas e esparsas, campinaranas, caatingas, campos, cerrados, savanas, vegetação serrana, matas litorâneas, conforme estudos de William Rodrigues, Murça Pires e tantos outros cientistas que a têm estudado. Inclusive as zonas savânicas não florestadas e das matas de transição para o cerrado do Planalto Central, onde se processa, em grande parte, o desmatamento que tem causado tanta polêmica no mundo todo. Parte desse desmatamento está situada na floresta densa amazônica, porém a maior parte se concentra na zona de transição na Amazônia periférica, ao longo dos eixos rodoviários norte-sul. Ao lado dessa biodiversidade florestal temos de mencionar, também, a variedade e peculiaridade dos ecossistemas fluviais, dos rios de água amarela, preta e cristalina e que geram e criam problemas, oportunidades e múltiplas opções. Alguns deles, os rios ácidos de água preta, biologicamente pobres, por exemplo, o rio Negro, que forçou a mudança da sede da Capitania de São José do Rio Negro, antecessora histórica do Estado do Amazonas, de Barcelos para Manaus, em razão da fome e da pobreza de suas terras e de suas águas. Os portugueses, para sobreviver, nos tempos coloniais, tinham de mandar buscar macaxeira e mandioca no rio Solimões, e peixe nos pesqueiros reais de Puraquequara e Manacapuru e no Lago do Rei do Careiro, em decorrência da pobreza das águas do rio Negro. Os rios de água clara ou cristalina, que nascem no Planalto Central, entre eles o rio Tapajós, Xingu e outros, também são rios sem várzea e relativamente pobres em matéria orgânica e, portanto, as suas aptidões são diferenciadas e peculiares. Desse modo, os ecossistemas fluviais, os ecossistemas silvestres, exigem zoneamentos agroecológicos e econômicos diferenciados. A multidiversidade econômica constitui, por sua vez, outra grande questão. Muita gente pensa que a Amazônia econômica de hoje pouco mudou nos últimos vinte anos, isso porque as pesquisas econômicas não têm sido bastante intensivas ou divulgadas. Num passo de ousadia, entreguei recentemente a ilustres colegas uma pesquisa que acabava de ser publicada sob o título Quadros Econômicos da Produção Amazônica. Nesse trabalho, procurei identificar e analisar o que se está produzindo na Amazônia de hoje em relação ao que se produzia há dez anos, para vermos o que mudou na sua escala e na sua pauta de produção. Hoje em dia, a Amazônia já produz sete milhões de toneladas de grãos, equivalentes a dez por cento da produção brasileira de cereais. Só na Serra de Parecis, em Mato Grosso, que é zona do cerrado, produzem-se três milhões de toneladas de grãos. Nos Estados de Roraima, Rondônia, Pará, Maranhão e Tocantins, a produção atinge a um milhão de toneladas de grãos em cada uma dessas unidades federadas. A pecuária bovina e bubalina, na Amazônia Clássica, tem tido um enorme crescimento, com um efetivo de sete milhões de bovinos e um rebanho bubalino de, aproximadamente, um milhão de cabeças. Se a pecuária bovina tem sido acusada de ser, em grande parte, responsável pelo desmatamento da floresta amazônica, a pecuária bubalina criada nos campos de Marajó, nos lagos e nas várzeas ribeirinhas, constitui uma alternativa válida para o

nosso desenvolvimento autossustentado. A prova disso é que grande parte dos fazendeiros do beiradão está mudando seus rebanhos para o búfalo d’água, que é um animal resistente e melhor adaptado aos trópicos. Com referência à pecuária bovina é necessário contê-la para fora da floresta densa pelos prejuízos e danos ambientais que a derrubada e a conversão de pastos possam causar, até que o nosso conhecimento de manejo bovino e agroflorestal avance para torná-la autossustentável. Nesse particular é importante confessar que temos sérias deficiências de conhecimento científico e tecnológico na prática de manejo florestal e de reflorestamento. Na Amazônia, como no restante do Brasil, e na maior parte do mundo, não se sabe fazer reflorestamento. No máximo fazemos “rematamento”, expressão que criei para diferenciar a plantação de matas energéticas e industriais do cultivo de reprodução das florestas primitivas. Há uma distinção muito sutil, em português, entre mata e floresta. A floresta é uma comunidade biológica muito complexa e muito difícil. A mata é uma vegetação mais ordinária, mais simples e, no Brasil, tem até um significado de coisa de pouca valia. Como as espécies florestais estudadas são poucas, passamos a trabalhar e rematar com Pinus caribeia, Pinus hondurense e eucalipto, além dos experimentos da Gmelinea arborea do Projeto Jari, para fins energéticos, produção de celulose, lenha e carvão. Foi assim que o Brasil se tornou o maior produtor mundial de celulose de fibra curta com a plantação intensiva do eucalipto, a ponto de abalarmos o mercado papeleiro mundial. O eucalipto, nas suas diferentes variedades, e, agora, o novo “supereucalipto” e outras espécies exóticas de Pinus foram já bastante estudados e a tecnologia existente para fazer reprodução por estaca, que é uma nova técnica de plantação silvicultural, que precisa ser desenvolvida na Amazônia, especialmente destinada à cobertura das áreas já degradadas. Por meio dessa nova tecnologia do culture tissue, ao invés de plantar a semente para fazer a reprodução, parte-se do tecido celular que irá reproduzir exatamente as características genéticas das árvores-matrizes selecionadas. Como essa tecnologia já está disponível, o rematamento constitui uma nova opção não só para as áreas degradadas quanto também para a formação de matas energéticas para carvoejamento, celulose e outros fins. O rematamento seria, assim, também uma alternativa enquanto não se desenvolve a ciência e a tecnologia do difícil reflorestamento, porque reflorestar é substituir a floresta antiga por uma floresta com as mesmas condições biológicas e as características dos mesmos ecossistemas. Nesse particular, creio que as áreas degradadas da Amazônia devem ser rematadas, com urgência, para evitar a erosão dos solos, enquanto a ciência nos vai ensinando a fazer o manejo florestal e o reflorestamento verdadeiro, que constituem o tema fundamental em termos de macro e megaecologia e economia autossustentadas. A tarefa não é fácil, pois o Dr. Manoel Sobral Filho, da International Timber Tropical Organization, com sede em Tóquio, informa que, no momento atual, o manejo florestal autossustentado só suporta o corte seletivo de cinco a dez metros cúbicos de madeira por hectare/ano apenas, o que torna a atividade economicamente inviável. O uso inteligente dos recursos florestais, da flora e da fauna, bem como dos recursos pesqueiros e o uso do solo para fins agrícolas ou para outros sistemas de produção duradoura têm de ser compatibilizados com as variáveis ecológicas e ambientais. Por último, desejamos fazer uma referência ao processo cultural do povoamento e ocupação humana da Amazônia. Nesse particular, a característica principal da sociedade amazônica sempre foi a multidiversidade étnica. Etnodiversidade histórica e original que se manifestava não tanto pelos caracteres raciais, mas por aspectos antropológicos culturais ricos, típicos e diferenciados na linguagem, ritos, magias, usos, costumes, produtos ergológicos, formas próprias de subsistência nas suas lavouras itinerantes, nos processos de caça e pesca e, sobretudo, no uso e aproveitamento dos recursos florestais, dos quais extraíam os seus fármacos, frutos, óleos, fibras, resinas, cipós, venenos, afrodisíacos e alucinógenos, para as suas necessidades do quotidiano e do ciclo anual e sazonal da vida. Essa Amazônia multiétnica e linguística índia dos karibes, aruaks, tupis, gês, omáguas, chibchas, quechuas, inças, aymarás e tantos outros grupos linguísticos sofreu um terrível choque cultural na presença do colonizador luso-espanhol nos dias da conquista e da colonização europeia dos séculos 16, 17 e 18. Desse encontro da cultura ameríndia autóctone com as culturas europeias surgiriam a Amazônia Lusíndia no Brasil (mais índia que lusa), a Iberoíndia (mais indígena que espanhola), cuja fusão iria dar origem à sociedade cabocla dos “cholos”, uma sociedade crioula e híbrida, que talvez tivesse absorvido, muitas vezes, o pior dos dois mundos, mas foi graças a elas que os povos indígenas conseguiram sobreviver pela miscigenação étnica e cultural.

Aqueles grupos que se conservaram isolados e imunes à dominação europeia encontram-se, hoje, em processo agônico de extinção, vítimas da dominação, da violência, das doenças e da própria decadência cultural por falta de ambiência e condições de vida que propiciem o salto qualitativo de suas virtualidades. Essas comunidades estão em processo rápido de perecimento, integração e absorção por parte de todos os países que compõem a Amazônia Sul-Americana. Os sobreviventes dessa rica multidiversidade cultural, que foi capaz de gerar mais de duzentas línguas e dialetos somente na Amazônia Brasileira, lutam, hoje, por suas terras e reservas e pelo direito de manterem a própria identidade, mesmo sabendo que o processo de aculturação, fatalmente, irá destruir, mais cedo ou mais tarde, os seus valores culturais e a riqueza de seus saberes naturais, produto do convívio e da experiência secular do contato com a floresta, os rios, os animais, os peixes, as plantas e a própria terra. Saberes, labores e viveres que o rádio e a televisão estão solapando insidiosamente por intermédio dos programas e telenovelas, transmitindo-lhes formas alienígenas, alheias e alienadoras, quando não guerrilheiras e narcotraficantes. O quadro, anexo, descreve os grupos indígenas remanescentes na Amazônia Legal Brasileira, discriminados por Estados, com as suas respectivas áreas e reservas indígenas demarcadas ou por demarcar, que totalizam 362 áreas com aproximadamente 85.000.000 de hectares de reservas, para uma população em torno de 170.000 índios remanescentes, que ainda conseguem manter de forma muito tênue e frágil as suas declinantes culturas, que se extinguem na medida em que desaparecem as suas malocas, as suas lideranças, os seus pajés e a sua consciência de identidade cultural e tribal. Dessa etnodiversidade amazônica de grupos índios e ibéricos herdamos muitos valores culturais diferenciados e contraditórios de crenças, falares, mitos, lendas, labores artesanais e conhecimentos dos valores dos nossos ecossistemas florestais, fluviais e lacustres. A essa etno e antropodiversidade foram sendo adicionados por acomodação, integração, absorção ou dominação outros valores e correntes culturais como a dos nordestinos e cearenses durante o ciclo da borracha, que se internaram e povoaram a calha sul do Amazonas, passando a constituir a grande massa crítica da população regional. A esse contingente sofrido dos sobreviventes das secas do Nordeste, que buscaram a Amazônia como forma de superação ou em busca da fugaz fortuna que o látex propiciou, vieram também agregar-se novos contingentes humanos: de afro-negros com suas mulatas e descendentes, sobretudo na Amazônia Oriental litorânea do nordeste paraense, no Maranhão e nas minas de Cuiabá e Mato Grosso; de grupos europeus extraibéricos, de ingleses e de norte-americanos, que investiram na implantação da infraestrutura urbana e rural durante o boom da borracha; grupos semitas e descendentes atraídos pelos empórios mercantis e que mais tarde iriam propiciar as primeiras lideranças econômicas e do processo de industrialização regional, após o período da depressão cíclica dos anos 30; dos grupos asiáticos, notadamente japoneses, que, como inovadores, introduziram novas variedades exóticas de cultivo da juta, pimenta-do-reino e outros cultivares e técnicas agronômicas de olericultura e pomicultura, além de uma intensa participação no processo de implantação e modernização do polo tecnológico e industrial da Zona Franca de Manaus. E, finalmente, nesses últimos tempos, essa etnodiversidade viria a ser enriquecida com a presença dos gaúchos, paranaenses, mineiros, capixabas, paulistas, goianos e mato-grossenses, que no papel de colonos ou empresários vieram ocupar as novas fronteiras agrícolas, ao longo dos eixos rodoviários na Amazônia periférica do norte de Mato Grosso, Tocantins, Rondônia, Acre, sul do Pará e Amazonas. Ocupação essa que tem sido responsável pelos níveis de desmatamento, cujos impactos ambientais têm provocado tanto clamor e preocupação nos diferentes segmentos da comunidade internacional. O pluralismo do homem, da sociedade e da terra amazônica que se manifesta por meio da geo, bio, eco e etnodiversidades constitui um grande desafio científico e tecnológico, que o trópico úmido tem de enfrentar para poder conciliar e preservar valores culturais, ambientais, econômicos e sociais compatíveis com um desenvolvimento autossustentado. Árdua é a tarefa, pois, ao contrário do modelo industrial cujas tecnologias já foram criadas e podem ser transplantadas para os países em vias de desenvolvimento, o mundo tropical amazônico terá de desenvolver localmente as suas matrizes científicas e tecnológicas, os seus experimentos e as suas práticas agrícolas, biológicas, econômicas e ambientais. Assim, necessitaríamos desenvolver as novas fontes de saber puro, experimental e operacional, criando plantas mais produtivas e resistentes, melhorar as raças de novos animais, criar novos clones, híbridos e cultivares para as nossas fazendas, lavouras e florestas, porque elas ainda não existem e nem podem ser transplantadas dos grandes centros de pesquisa do mundo desenvolvido. Cada grão, cada árvore, cada peixe ou espécie viva nova ou melhorada precisa ser desenvolvida a partir das peculiaridades e necessidades dos nossos típicos e peculiares ecossistemas. Para chegar a esse ponto, necessitamos de cooperação financeira e científica internacional para apoiar os nossos centros de

pesquisa, ensino, experimentação e extensão, e o Banco Mundial, o BID e outras agências internacionais de financiamento têm um grande papel a desempenhar. Para finalizar, gostaria de deixar como lembrança uma singela e profunda mensagem: o mundo amazônico não poderá ficar isolado ou alheio ao desenvolvimento brasileiro e internacional, porém ele terá de se autossustentar em quatro parâmetros e paradigmas fundamentais: isto é, ele deve ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo.

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DADOS DE APOIOS

1. Cosmovisão: l /20 da superfície terrestre 1/5 das disponibilidades de água doce 1/3 das florestas latifoliadas 1/10 da biota universal 3/5 do Brasil 5/10 da América do Sul 4/1.000 da população mundial

2. Geodiversidade: a. Amazônia Atlântica Litoral amapaense Golfão marajoara Leste paraense Golfão maranhense de São Luís

b. Amazônia ribeirinha da Calha Central Baixo Amazonas Médio Amazonas Alto Amazonas

c. Amazônia Mediterrânea (Calha Sul)

Juruá Purus Madeira Tapajós Xingu Tocantins-Araguaia

d. Amazônia de transição Planalto Central Escudo sul-amazônico

e. Amazônia setentrional Içá-Putumaio Japurá-Caquetá Negro Uatumã-Jatapu Nhamundá Trombetas-Mapuera Maicuru Paru Jari

f. Amazônia Guiano-Orenocense Pediplano do Alto Rio Negro Serras Imeri-Tapirapecó (Pico da Neblina, com 3.014 m) Serras Parima-Paracaima Região montanhosa da serra da Lua a Tumucumaque Pediplano do Amapá

g. Amazônia Cisandina Marañon Ucayale

Nascentes dos rios Madeira, Purus, Juruá, Javari, Içá e Japurá

3. Biodiversidade: Fitodiversidade Zoodiversidade Ictiodiversidade

4. Ecodiversidade: I – Ecossistemas florestais

a. Florestas em áreas de inundação – Florestas de várzeas – Florestas de várzeas das marés – Florestas de mangais – Florestas de igapós

b. Florestas de terra firme – Florestas altas com larga biomassa – Florestas baixas com reduzida biomassa – Florestas de lianas, cipós e bambuais – Florestas de campinas altas (caatingas) – Florestas secas em áreas de transição – Florestas de encostas montanhosas – Vegetação costeira do estuário, mangues, dunas e praias oceânicas – Vegetação de praias dos rios – Campos, campinas, lavrados, cerrados e savanas

II – Ecossistemas fluviais e lacustres – Rios de água barrenta (paraná-pitinga) – Rios de água preta (paraná-pixuna) – Rios de água clara e verde – Lagos de várzea – Lagos de terra firme

5. Ecodiversidade: economias e sistemas de produção 5.1 – Economia extrativa florestal e animal 5.2 – Economia extrativa mineral dos garimpos 5.3 – Economia extrativa da indústria de mineração 5.4 – Economia fluvial, lacustre e oceânica da pesca 5.5 – Economia ribeirinha das várzeas de lavoura de alimentação e de matérias-primas 5.6 – Economia campestre de pecuária varzeana e de terra firme, de pecuária bubalina, bovina e de criatório miúdo 5.7 – Economia de agricultura perene e temporária nas terras firmes 5.8 – Economias agroindustriais e agroflorestais e silviculturas 5.9 – Economia urbana industrial e de serviços

6. Etnodiversidade: 6.1 – Acre GRUPOS INDÍGENAS: Kaxinawá, Kulina, Arara, Jaminawá, Katukina, Kampa, Nukini, Poynawá, Yamanawá 27 áreas indígenas com 1.673.205 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com 8.000 índios 6.2 – Amapá

GRUPOS INDÍGENAS: Galibi, Karipuna, Waiapi cinco áreas indígenas com 1.013.635 ha, demarcada ou a serem regularizadas, com 3.000 índios 6.3 – Amazonas

GRUPOS INDÍGENAS: Yanomâmi, Apurinã, Sateré-Mawé, Jamamadi, Kokama, Kambeba, Tikuna, Mura, Kulina, Mundurucu, Baniwá, Baré, Kobewa, Deni, Kuripaco, Parintintin, Kanamati, Juma, Kanamari, Kaxarari, Kaxinawá, Paumari, Mayoruna, Maku, Desana, Miranha, Hichkaryana, Wai-wai, Tukano, Piraná, Katukina, Arapaso, Tenharim, Matis, Marubo, Kurubo, Warekana, Waimiri, Atroari, Zuruahá 140 áreas indígenas com 34.832.704 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com 56.000 índios 6.4 – Pará

GRUPOS INDÍGENAS: Amanayé, Anambé, Parakana, Arara, Arawete, Xikrin, Menkranotire, Maramã, Penebe, Urubu, Kaapor, Karajá, Kararaó, Kayabi, Kayapó, Assurini, Gavião, Menkragnoti, Munduruku, Juruna, Parakanã, Apalai, Waiana, Suruí, Tembé, Wanana, Xipaia, Curuaya 43 áreas indígenas com 21.046.969 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, em torno de 25.000 indíos (estimativa) 6.5 – Rondônia

GRUPOS INDÍGENAS: Apurinã, Arude, Pakaá-Nova, Gavião, Jaboti, Karipuna, Makurap, Massacá, Parintintin, Tupari, Aikana, Latundé, Uru-Eu-Wau-Wau, Uru-Pa-In, Urubu 31 áreas indígenas com 3.531.984 ha, demarcadas ou a serem demarcadas, com quase 10.000 índios (estimativa) 6.6 – Roraima

GRUPOS INDÍGENAS: Yanomâmi, Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taulipang, Wai-Wai 40 áreas indígenas com 6.962.838 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com aproximadamente 20.000 índios

6.7 – Tocantins GRUPOS INDÍGENAS: Apinayé, Karajá, Xerente, Krahô, Avá-Canoeiro, Javaé, Tapirapé, Guarani

Sete áreas indígenas com 2.171.324 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com aproximados 5.000 índios 6.8 – Maranhão

GRUPOS INDÍGENAS: Urubu-Kaapor, Guajajara, Guajá, Timbira, Gavião-Katige, Kanela, Krikati 17 áreas indígenas com 1.850.960 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com média de 15.000 índios 6.9 – Mato Grosso

GRUPOS INDÍGENAS: Apiaká, Kaiabi, Arara, Xavante, Apurinã, Cinta Larga, Bakairi, Mentuktire, Txucarramãe, Canoeiro, Erikpatsa, Pareci, Irantxe, Bororó, Menku, Nambikwara, Kwarib, Suya, Matipu, Ywalapiti, Kamwura, Trumai, Txikão, Aweti, Tapayuna, Waura, Kren-Akarore, Juruna, Krukuru, Nafugua, Melanaku, Enauene-Naué, Karajá, Manairisu, Suruí, Wasusu, Tapirapé, Halo-Tezu, Barbados, Zoró 52 áreas indígenas com 12.381.265 ha, demarcadas ou a serem regularizadas, com 20.000 índios. TOTAL: 362 áreas indígenas com 85.464.884 hectares (854.648 km2), demarcadas ou a serem regularizadas, com mais ou menos 172.000 índios. Existem ainda 86 áreas de índios isolados a confirmar e a serem localizados, em média de 10.000 índios. Esses grupos indígenas que vivem na Amazônia Legal estão distribuídos entre 200 grupos étnicos, falando 170 línguas diferenciadas e assistidos por 215 postos indígenas da Funai. A reserva demarcada ou a ser regularizada (85.464.884 ha) equivale a 502 hectares por índio. O total da população indígena brasileira é de 220.000 índios localizados em 541 reservas. Fonte: Funai: Sigfrido Graziano. Problemática Indígena na Amazônia, 1987.

7. Grupos caboclos e descendentes 7.1 – GRUPOS NORDESTINOS E DESCENDENTES

7.2 – GRUPOS AFRO-NEGROS, MULATOS E SEUS DESCENDENTES 7.3 – GRUPOS SULISTAS E DESCENDENTES 7.4 – GRUPOS HISPANO-PORTUGUESES E DESCENDENTES 7.5 – GRUPOS EUROPEUS E DESCENDENTES 7.6 – GRUPOS SEMITAS (ÁRABES E HEBRAICOS) E DESCENDENTES 7.7 – GRUPOS ASIÁTICOS E DESCENDENTES

5. Formação social da Amazônia Brasileira 1. O contexto cultural O complexo cultural amazônico compreende um conjunto tradicional de valores, crenças, atitudes e modos de vida que delinearam a sua organização social e um sistema de conhecimentos, práticas e usos dos recursos naturais extraídos da floresta, rios, lagos, várzeas e terras firmes, responsáveis pelas formas de economia de subsistência e de mercado. Dentro desse contexto, desenvolveram-se o homem e a sociedade amazônicos, ao longo de um secular processo histórico e institucional.

O conhecer, o saber, o viver e o fazer na Amazônia Equatorial e Tropical inicialmente foram um processo predominantemente indígena. A esses valores foram sendo incorporados por via de adaptação, assimilação, competição e difusão, novas instituições, técnicas e motivações transplantadas pelos seus colonizadores e povoadores. Entre eles: portugueses, espanhóis, outros europeus, com algumas contribuições africanas e asiáticas, além de novos valores aqui aportados por imigrantes nordestinos e de outras regiões brasileiras. Esses grupos, ao se amazonizarem, foram perdendo parte de sua identidade original e adquirindo, pelo contato e conhecimento da região, novos padrões de comportamento e conduta tropical. A primeira manifestação desse estilo, ainda nos tempos coloniais, foi a formação de uma economia agro-mercantil-extrativa, aproveitando a vocação florestal e fluvial da região, como imperativo de sobrevivência. O processo de tropicalização e amazonização não parou com a chegada dos primeiros colonizadores. A riqueza e os recursos biológicos da floresta e do rio ofereciam sempre oportunidades de inovação e criação de novas formas e estilos de vida e de trabalho. As especiarias, as drogas do sertão, a banha de tartaruga, as ervas medicinais, as madeiras, os frutos, os bichos, os peixes e as pimentas ofereciam um mundo novo e exótico, que exaltavam a imaginação, o medo, a cobiça e o paladar dos novos senhores. Na base e no fundo desse quadro, a figura dos índios, de muitas nações, etnias, falas e linguagens diversas, nheengatus e nheengaíbas, muitas vezes rebeldes e insubmissos à pressão da força invasora da conquista. Assim começou a Amazônia Lusíndia. Dois séculos depois principiaram a chegar os cearenses, como aqui são chamados todos os nordestinos. Eram flagelados da seca e chegavam aflitos e sofridos do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Bahia. A Amazônia os acolheu e durante todo o ciclo da borracha, durante quase um século, os nordestinos tornaram a Amazônia mais rica, maior e, sobretudo, mais brasileira. Chegaram brabos e a Amazônia os domesticou; tornaram-se seringueiros mansos e experientes na linguagem regional. Enquanto eles passavam por esse processo de amazonização, a região passou a cearensizar-se, assimilando os ímpetos de coragem, valentia, audácia e resistência dos homens do Nordeste brasileiro. Mais recentemente, com a abertura dos grandes eixos rodoviários que passaram a integrar, por via terrestre, as Amazônias Oriental, Central e do Sudoeste com o litoral, o planalto e o Centro-Oeste, a região passou a receber, agora, o contributo dos fluxos migratórios de gaúchos, paranaenses, paulistas, mineiros e capixabas. Com eles chegaram as fazendas de gado, as serrarias, as plantações de terra firme, a mineração e o impacto da tecnologia industrial, que ameaça romper o delicado equilíbrio dos nossos frágeis ecossistemas. A Amazônia os está assimilando e aprendendo com eles as suas novas técnicas e os seus estilos de vida, enquanto que, em contrapartida, eles vão aprendendo os segredos da selva e de nossa gente, e absorvendo os nossos usos e costumes, ou se não, pagando o alto preço do desmatamento, da degradação do solo e da regressão das pastagens em suas fazendas. Desse modo, a Amazônia é um segmento e produto brasileiro tropical de múltiplas correntes e grupos culturais, e a sociedade que aqui se formou traz, ainda, a marca e os insumos sociais, biológicos e étnicos de muitos povos, tradições e costumes. Por isso nos tornamos, como bem visualizou Gilberto Freyre, uma sociedade aberta, cordial e acolhedora, capaz de incorporar novos valores e técnicas, adaptando-os e recriando-os. Apesar de as múltiplas forças e formas de modernização e terraplanagem cultural, conseguimos manter vivas as peculiaridades regionais e a nossa identidade amazônica, que enriquece e valoriza os outros regionalismos brasileiros. A seguir, dentro desse contexto, passaremos a analisar os contingentes formadores desse quadro de referências culturais.

2. Contribuição indígeno-cabocla

Os ameríndios, que iniciaram a ocupação humana da Amazônia e os seus descendentes caboclos (do tupi caa-boc, “tirado ou procedente do mato”, segundo Teodoro Sampaio), desenvolveram as suas matrizes histórico-culturais em íntimo contato com o ambiente físico, adaptando o seu ciclo de vida às peculiaridades regionais e oportunidades econômicas oferecidas pela floresta, várzea e rio, deles retirando os recursos materiais de sua subsistência, os seus mitos e lendas. O rio, como meio de transporte, como fonte de água de beber, como viveiro de peixes, plantas, animais e gramíneas; as várzeas dos rios de ricas águas barrentas – paraná-pitinga, em oposição aos rios de água preta mais pobre – paraná-pixuna – como base do trabalho agrícola dos roçados, ambos formando um sistema regulador do plantio, colheita e pesca em função da dinâmica das cheias e vazantes; a floresta, com a sua distinção de caa-etês de terra firme e caa-igapó das áreas inundadas, como fonte de suprimento de caça, fruto, alimento, drogas, madeiras e cipós. Esses três elementos físico-geográficos moldaram o seu sistema de vida, e a partir deles foram sendo obtidos utensílios, instrumentos, técnicas, mitos e valores preternaturais, estabelecendo as suas relações sociais e ecológicas em função de suas exigências, virtualidades e necessidades que individualizaram os seus traços culturais dominantes. Desse complexo indígeno-caboclo destacam-se contribuições culturais muito importantes como: 1) práticas agrícolas, roçados de mandioca e culturas de subsistências; 2) técnicas de desmatamento pela broca, queimada e coivara, típicas da agricultura itinerante do slash-and-burn, em função da pobreza dos solos florestais da terra firme; 3) coleta e extrativismo de produtos da floresta equatorial chuvosa, entre eles a seringa, balata, castanha, sorva, timbó, urucu, guaraná, ipadu, ipeca, piaçava, tucum, as chamadas “drogas do sertão”, fontes de matérias-primas, especiarias e ervas medicinais; 4) a descoberta dos deliciosos frutos silvestres entre os quais, o tucumã, cupuaçu, bacuri, mari, pupunha, pajurá, abiu, cubiú, murici, açaí, bacaba, patauá, uxi, mangaba, sorva, piquiá; 5) hábitos alimentares baseados no complexo da mandioca: farinha-d’água, seca e suruí, tapioca, beiju, caribé, goma, tucupi, tacacá e maniçoba; 6) no complexo alimentar do peixe: pirarucu, tambaqui, tucunaré, pacu, sardinha, jaraqui, piramutaba, piraíba, preparados nas suas variadas formas de peixe frito, assado, cozido, moqueado e as caldeiradas, temperados com molho de tucupi, pimenta-de-cheiro, murupi e jambu; 7) na caça dos animais silvestres para fins alimentares e industriais, o caititu, capivara, anta, tatu, veado, onça; 8) na apanha dos bichos de casco, o jacaré, tartaruga, jabuti, tracajá, matamatá, muçuã e dos mamíferos aquáticos e aos quais se inserem o peixe-boi, lontra, ariranha e os lendários botos-vermelhos e tucuxi; 9) nos meios de transporte como a montaria, a igarité, a balsa e a jangada; 10) nos tipos de casa e abrigo como a maloca, o tapiri, a maromba, as casas flutuantes, as palafitas e os materiais de construção entre eles, a paxiúba, palha de buçu, madeiras, cipós; 11) nos nomes dados às coisas, bichos, peixes, aves, plantas, rios e lugares que constituem a riqueza da toponímia regional; 12) no artesanato de cuias, paneiros, jamaxis, cestos, redes e nos produtos ergológicos da cerâmica marajoara e tapajônica, as mais altas manifestações da arte indígena amazônida.

3. Contribuição portuguesa/hispânica A conquista europeia e a posse da Amazônia, no decorrer dos séculos 17 e 18, se realizaram sob um intenso processo de luta e disputa entre portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. Os portugueses acabaram dominando o delta e a maior parte da calha central do rio Amazonas e os seus principais afluentes, ao norte e ao sul, enquanto que os espanhóis, obstaculizados pela cordilheira andina, consolidaram a sua conquista na periferia setentrional dos vales dos rios Içá (Putumaio), Japurá (Caquetá) e Alto rio Negro (Guainia); e, a montante, no oeste e sudoeste, a partir do rio Javari, e em todo o percurso do Alto Amazonas até as suas nascentes, por meio dos seus principais formadores rios Ucayale e Marañon. Os franceses, ingleses e holandeses acabaram ficando confinados nos estreitos limites da região das Guianas. No plano interno, todavia, a grande luta foi a consolidação dessa conquista em face da rebeldia das populações nativas que se opunham à escravidão, aos descimentos e às tropas de resgate, por meio dos quais se procurava incorporar a mão de obra nativa aos trabalhos de colonização e assentamento dos núcleos de povoamento. Tanto portugueses quanto espanhóis, no processo de conquista e ocupação, transplantaram e difundiram os valores e símbolos culturais europeus. A sociedade nativa amazônica, ao receber o impacto dominante desses valores e sistemas imperiais, aculturou-os, por via de submissão, acomodação, assimilação ou conflito, sobrepondo-os ou integrando-os à sua cultura original. De outro lado, os conquista- dores que vieram fazer a Amazônia, a serviço da fé e do Império, tive- ram de ceder e adaptar-se ao mundo tropical circunjacente para poder sobreviver em meio às surpresas, incertezas e agressividades de um ambiente exótico e desconhecido.

Dentro desse complexo de ação e interação cultural podemos assinalar na Amazônia Portuguesa – ou melhor, na Amazônia Lusíndia – os seguintes traços e contribuições: 1) a expansão política territorial que se inscreve nos quadros do ciclo do descobrimento, da expansão geográfica e do mercantilismo europeu, que acabou por anular o Tratado de Tordesilhas de 1494 e instituir o direito de uti possidetis, consagrado pelos Tratados de Madrid de 1750 e Santo Ildefonso de 1777; 2) o reconhecimento de que era impossível “fazer a Amazônia” sem a cooperação da população indígena, daí o estímulo oficial aos casamentos mestiços entre soldados e índias, na ausência da mulher e da família portuguesa que ficaram na metrópole; 3) o sertanismo imperial de além-fronteira, que passou a exigir a vassalagem a El Rey, a conversão à fé e a imposição da língua portuguesa em substituição aos dialetos e linguajares ameríndios, inclusive na toponímia regional, que ainda conserva na região, em muitas cidades, vilas e aldeias, velhos nomes tradicionalmente portugueses; 4) o uso e abuso da força pelos sertanistas, cabos de canoas e tropeiros de resgate para obtenção de mão de obra servil ou escrava para o trabalho nas missões, aldeias ou para a coleta das drogas, ou como guia, mateiro e remador; 5) tentativas de pacificação das tribos, por meio da mancebia e/ou casamento de colonos com as filhas do tuxaua, expediente conhecido e praticado pela nobreza europeia para unir monarquias e firmar alianças; 6) destruição de muitos valores da cultura índia e sua destribalização por meio das missões e do processo de conversão do gentio, muito embora compensado pelo trato paternalístico de fins místicos e pastorais; 7) sincretismo religioso católico-ameríndio, em torno do qual, por exemplo, entidades religiosas indígenas como Tupã e Jurupari eram transfiguradas para Deus e Diabo, respectivamente, no catecismo das missões; 8) influência sensual da cunhatã-poranga sobre o colono português, atraindo-o para os gozos da alcova ou dos quitutes da cozinha; 9) formação da classe dominante mercantil e da liderança política; 10) organização comercial baseada no binômio metrópole-colônia, que impunha um sistema de dependência nas relações de troca, cabendo à Amazônia o suprimento das “drogas do sertão” para receber em contrapartida tecidos, chitas, azeite, vinho, ferramentas, machados, anzóis etc.; 11) hábitos alimentares, modos de vestir e educação europeia que prevaleceram até muito tempo após a Independência; 12) organização jurídica baseada nas ordenações do Reino e na política oriunda dos modelos de origem ou adquiridos pela sua função colonizadora na África e na Índia; 13) introdução de escravos africanos em Belém e São Luís, por intermédio da Companhia de Cacheu e Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, em número calculado de aproximadamente 30.000, pelo professor Mário Meireles, provenientes dos navios tumbeiros que transportavam as peças da Guiné e os fôlegos vivos de Angola, Costa da Mina e do Marfim; 14) introdução do boi na ilha de Johannes (Marajó), que chegou a 150.000 cabeças ao tempo da expulsão dos jesuítas, e no Baixo Amazonas, na região de Óbidos, Santarém, Parintins, e em Rio Branco, e de plantas alimentares, entre elas, a manga, jaca, fruta-pão, café, cana-de-açúcar etc.; 15) técnicas de construir casas, ruas, praças, igrejas, aldeias, vilas e cidades; 16) arte de construir fortes e fortalezas, que transformaram a Amazônia em uma grande praça de guerra, em torno de 40 unidades militares, algumas de grande porte como a Fortaleza de Macapá e Príncipe da Beira. Os colonos portugueses tiveram assim importante função na modelagem da sociedade e da economia amazônicas, tanto nas cidades quanto no interior. Como classe política dominante, com o surgimento das atividades agrícolas e florestais extrativas, tornaram-se agentes dominadores suprindo a essas atividades a liderança empresarial necessária nas funções de produtores, mercadores, exportadores e comerciantes, alcançando posição oligopolista que conseguiam manter até o advento de novas correntes e grupos culturais mais dinâmicos e inovadores. Durante a fase da borracha, imigrantes lusos, atraídos pela fortuna, foram os pioneiros na organização do sistema mercantilista de intercâmbio, representado pelo comércio típico de casas aviadoras. As firmas portuguesas, estabelecidas em Belém e Manaus, transformaram essas cidades em entrepostos comerciais e estabeleceram as linhas logísticas de suprimento rio-acima de mercadorias à base de crédito pessoal com os seringalistas e seringueiros cearenses e nordestinos, recebendo, em contrapartida, rio-abaixo, mediante conta de venda, os gêneros e produtos extrativos destinados à exportação. Esse período histórico da economia amazônica o denominei de Era dos Jotas, pela prevalência dessa letra nas iniciais das firmas portuguesas de então (J. G. Araújo, J. S. Amorim, J. A. Leite, J. Soares, J. Rufino etc.). À medida que a economia amazônica atingia o pico da prosperidade, os portugueses e seus descendentes brasileiros tiveram o seu prestígio econômico acrescido pelo enriquecimento e melhorado ainda mais o seu status na classificação social e política. Essa promoção econômica permitiu, inclusive, a manutenção do constante contato e dos vínculos com as suas bases culturais e familiares do além-mar, por meio de viagens, educação de filhos, remessa de mesadas, regressando muitos deles, definitivamente, às suas quintas e aldeias em Portugal – uma espécie de paroaras lusitanos – deixando aos filhos, já brasileiros, na continuidade dos seus negócios. Com forte pendor pelos bens de raiz, iniciaram nessa fase grandes inversões, no campo imobiliário residencial, com a ajuda de mestres de obras, pedreiros, carpinteiros, ferreiros e serralheiros portugueses, criando condições de habitabilidade nas duas principais cidades amazônicas, o que lhes permitiu sobreviver na época da depressão como rendeiros e senhorios. Muitos deles passaram a dominar o mercado varejista no ramo de secos e molhados, mercearias, padarias, açougues, quitandas e botequins nas principais esquinas dessas cidades. Essa função varejista seria assumida pelos portugueses de classe média e de renda inferior, que assim obtinham a oportunidade, pelo duro labor, para se promoverem social e

economicamente.

4. Contribuição europeia, predominantemente inglesa Os ingleses foram atraídos para a Amazônia ao findar o século 19 e durante o boom da borracha, no auge de seu prestígio imperial, nela realizando a mais importante tarefa cultural de transferência de tecnologia de serviços públicos e inversão no campo da infraestrutura econômica. Desempenhando o papel de inovadores e transmissores de tecnologia, gerada no bojo da Revolução Industrial, os investimentos ingleses se dirigiram para a formação de empresas concessio-nárias de serviços públicos e, assim, permitiram criar as precondições estruturais para todo o processo de desenvolvimento ulterior. Foi durante essa época que se formaram, com a ajuda do capital e de empresários britânicos, as economias externas nos setores de navegação, portos, energia, transporte público, telefonia, telegrafia, distribuição de água, rede de esgotos e outros serviços construídos nos polos dominantes de Belém e Manaus. É numerosa a relação dos empreendimentos ingleses na Amazônia durante esse período. Dentre eles, destacamos a Port of Pará, Pará Electric Co., Pará Co., Amazon River Steam Navigation Co. Ltd., Amazon Engineering Co., Manaus Harbour Ltd., Manaus Tramways & Light Co. Ltd., Manaus Improvements Ltd., Manaus Market Co., Booth Line Co., Bank of London & South America Ltd. Ao lado das companhias inglesas estabeleceram-se, também, nessa época, na Amazônia, durante o período áureo da borracha, empresas privadas de capitais franceses, alemães e outros, sobretudo no setor de aviamentos, comercialização e exportação de produtos regionais, que migraram ou pereceram durante a depressão causada pela tecnologia inglesa da heveicultura desenvolvida nos seringais da Malásia. A contribuição cultural europeia não se limitou, no entanto, aos aspectos materiais e às relações de troca mercantis, porém se desenvolveu, paralelamente, no campo da ciência, por meio de expedições botânicas, etnográficas, geográficas e geológicas que, desde longa data, percorreram e trabalharam na região. Tais expedições portuguesas, inglesas, francesas, alemãs, americanas, muito contribuíram, juntamente com cientistas brasileiros, para melhorar o conhecimento científico da região, dentro das limitações do seu tempo, bem como serviram para revelar a natureza, os segredos e as potencialidades dos recursos naturais, lançando assim as bases de uma futura tropicologia amazônica, que deverá definir, por meio da pesquisa e experimentação, a tecnologia e o saber para armar o homem com os instrumentos, o conhecimento e os recursos para o seu desenvolvimento. Entre esses cientistas e expedições destacamos, entre outros: Charles Marie de la Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, Von Martius, Alcide D’Orbigny, Louis Agassis, Alfred Russell Wallace, Charles Hartt, Orville Derby, Jules Crevaux, Henry Coudreau, Koch-Grünberg, Humboldt, e em épocas menos recuadas e mais recentes: Lévi Strauss, Curt Nimuendaju, Paul Le Cointe, A. Metraux, Pierre Gourou, Pierre Deffontaines, Harold Sioli e tantos outros cientistas que ajudaram a revelar ao mundo a nossa herança patrimonial genética, representada pelos recursos naturais da Floresta Equatorial Chuvosa, dos seus rios e do nosso homem.

5. Contribuição “cearense”/nordestina A partir de 1827, a borracha amazônica começa a aparecer na pauta da exportação amazônica com um embarque de 30 toneladas. Com a descoberta do processo de vulcanização em 1839 e o aumento do uso dessa matéria-prima, os registros subiram para 1.445 toneladas no quadriênio 1840-1844; no período de 1875-1879 figurava com 30.360 toneladas; em 1901 iria alcançar, nesse ano, 30.241 toneladas e no auge do boom, em 1912, chegava a 42.286 toneladas, índice jamais atingido ulteriormente, até decair para 6.224 toneladas no final da depressão em 1932. No auge do preço, em 1910, a borracha gerou £25.254.371 de exportação, equivalente a 40% do total da exportação brasileira, enquanto o café de São Paulo atingia nesse mesmo ano £25.825.283 de exportação. No ano mais negro da depressão, em 1932, com uma receita de exportação de £217.012, correspondente a 6.224 toneladas, a borracha amazônica havia perdido, se comparados os anos de 1910 com 1932, perto de 99% do seu produto bruto, em valor, e 85% em peso. Para se compreender a importância desse produto para a economia regional, basta citar o fato de que durante o período de 1870 a 1947 a Amazônia produziu perto de 1.500.000 toneladas de borracha, com um valor total de aproximadamente £347.000.000.

No decorrer desse longo período acima, de quase 80 anos, a Amazônia recebeu uma considerável massa humana de imigrantes nordestinos, aqui genericamente conhecidos como cearenses. Procediam geralmente das zonas do agreste e do sertão, sendo tangidos pela seca – imigração por fome –, ora simplesmente atraídos pelo apetite de seringa – imigração por cobiça, fortuna e aventura, ou simultaneamente por ambos. Geograficamente nascia, assim, uma nova Amazônia baseada na seca e na hevea, e na conjunção de duas linhas: a de maior flagelo e sofrimento – o sertão – e a de mais resistência e atração – a floresta. Tudo isso culminou no Acre – o right em razão do rush – a Economia na Geografia do Direito. As secas de 1877 e 1883 deslocaram 19.910 retirantes. Em 1892 as entradas registraram uma imigração de 13.593 nordestinos. No triênio 1898/1900, nos portos de Belém e Manaus entraram 88.709 migrantes, no auge desse movimento povoador. Contados os números, teríamos um afluxo de 158.125 nordestinos que vieram fazer a Amazônia, cerca de 20% da população amazônica da época. De 1900 até a depressão, estimamos que a Amazônia recebeu mais 150.000 e no período da 2.a Batalha da Borracha, de 1941 a 1945, calculo que o “exército dos soldados da borracha” tinha incorporado em torno de 150.000 cearenses, paraibanos, pernambucanos, rio-grandenses-do-norte e baianos. Grosso modo, podemos estimar que aproximadamente 500.000 nordestinos vieram para a Amazônia, representando assim o maior movimento humano das migrações internas da História brasileira, superado somente por São Paulo, e nos dias atuais pela expansão da fronteira humana do Sul e do Centro-Oeste, em direção a Mato Grosso, Rondônia, norte de Goiás e sul do Pará. Essa formidável corrente imigrantista e cultural se inscreve dentro do quadro da extraordinária expansão e mobilidade da população brasileira, facilmente seduzida e arrastada no passado pela mística da fortuna, da lenda e da riqueza fácil, na pista do boi, na rota das bandeiras, no garimpo do ouro e do diamante, na onda verde do café, no rush da seringa e, no presente, pela euforia da Zona Franca, no fascínio da Serra Pelada, na cata da cassiterita em Rondônia e Pitinga, na corrida às terras e às madeiras ao longo dos eixos rodoviários da Belém-Brasília, Cuiabá-Porto Velho e Cuiabá-Santarém. O ciclo da borracha apenas repetiu outros movimentos históricos da população brasileira, sendo que tal movimento vinha garantir a ocupação da Amazônia Meridional e Ocidental, deslocando o eixo demográfico histórico do rio Negro para os rios Madeira, Purus e Juruá. Foi ele que propiciou a recuperação, reconquista e incorporação do Acre, sob a liderança do gaúcho Plácido de Castro, comandando um exército de seringueiros cearenses-nordestinos-amazônicos, ao final ratificado pelo Tratado de Petrópolis de 1903. A Amazônia começou, assim, a abrasileirar-se mais, com a chegada desse novo tipo de imigrante, que trouxe consigo outra cultura de valentia e cobiça, bem distante da Amazônia tradicional dos caboclos do beiradão da calha central, das marombas e dos currais do Baixo Amazonas, dos oleiros e vaqueiros de Marajó, dos castanhais de Tocantins, dos cacauais de Cametá, Óbidos e Parintins, dos guaranazais de Maués, dos piaçabeiros do rio Negro, dos mariscadores e“viradores” de tartaruga nos tabuleiros dos rios Trombetas e Solimões e, mais recentemente, dos juteiros do Médio Amazonas. Em contraste com esse panorama econômico tradicional que também fez história e não foi tão morto como se pensa, iríamos viver com os nordestinos uma nova aventura na outra Amazônia precipitada, inquieta, excitante. Dos seringueiros do Acre, dos balateiros do Juruá, dos caucheiros do Abunã, dos comboieiros e mateiros do Xapuri, que passaram a atuar marcando a fisionomia econômica regional com o complexo do barracão e do tapiri, com a grande propriedade florestal-latifundiária, com os seus coronéis de barranco e os seus instrumentos de trabalho: o terçado, o machado, o rifle, a faca, a tigelinha e o burro. Esse animal, introduzido pelos nordestinos, iria desempenhar um notável papel no transporte pelos varadouros e estradas de seringa, servindo de elo entre o tapiri do seringueiro e o barracão do seringalista e patrão. Na ausência de animais nativos de grande porte, a exemplo do elefante, existente em outras florestas tropicais chuvosas da África, Índia e sudeste asiático, ao jegue nordestino coube a função de aliviar o peso das costas do seringueiro, transportando as mercadorias e as pelas de borracha, estabelecendo um sistema de circulação e contato entre a sede do seringal, à beira-rio, com os distantes centros e colocações dos seringueiros na selva da terra firme. O imigrante nordestino percorreu na Amazônia um longo caminho de sofrimento e resistência para, ao final, chegar à ascensão e classificação econômica, social e política. Flagelado, retirante, brabo, seringueiro e extrator na sua primeira fase. A seguir, regatão, seringalista, coronel de barranco, chefe político até atingir a governança de diversos Estados e territórios amazônicos. Se não na primeira geração, com certeza na segunda e terceira gerações de seus filhos e netos amazônicos. Com o colapso da borracha, muitos dos sobreviventes dessa fronteira humana regressaram ao Nordeste, quando podiam, criando a figura típica do paroara no sertão, ou se deixaram ficar, estabelecendo-se na calha principal do rio Solimões, Médio e Baixo Amazonas, abandonando a “economia de bugre manso” para o estágio da economia agropastoril de onde partiram. Nessa fase, com o agricultores e criadores, já inteiramente assimilados à vivência amazônica, iriam suprir e impor à sociedade cabocla a sua liderança política pelo seu espírito de agressividade e dinamismo. Posteriormente, já na fase do êxodo rural, seriam atraídos para os grandes centros urbanos de Rio Branco, Porto Velho, Cuiabá, Manaus, Santarém, Belém. Muitos deles transformaram-se em arigós, aves de arribação, santo-desordeiro-milagroso-e-valentão, apelidos e caricaturas

que figuravam e foram registrados nas crônicas policiais dos jornais das décadas de 40 e 50. Outros que não conseguiram se classificar seriam absorvidos pela massa popular das classes de baixa renda, morando na periferia das baixadas e favelas, trabalhando de feirantes e camelôs no centro da cidade. A minoria, promovida pela sorte e pelo êxito econômico, iria participar, na liderança regional, como comerciantes, industriais, políticos, profissionais e intelectuais.

6. Contribuição semítica As primeiras famílias de origem e fé judaicas se estabeleceram na Amazônia a partir de 1820, conforme atestam as sepulturas nos cemitérios de Belém, Cametá e Santarém, muito antes do boom da borracha haver adquirido momentum. Procediam, na maioria, do norte da África, especialmente de Tânger, Tetuan, Fez, Rabat, Casablanca, do Marrocos francês e espanhol, que lá se estabeleceram após serem expulsos pela Inquisição espanhola e portuguesa, na última década do século 15. Eram todos judeus hispano-portugueses ou sefaraditas (Sefarad em hebraico significa Espanha), que se haviam refugiado nessa parte do continente cultural afro-ibérico. A expulsão dos sefaraditas da Península Ibérica deu origem a três correntes migratórias: 1) uma foi para a Holanda, e representantes dela chegariam ao Brasil no tempo de Maurício de Nassau, tendo participação ativa no ciclo do açúcar; fundaram o primeiro rabinato em terras da América, no Recife, e daqui, após a expulsão dos holandeses, foram se localizar em Curaçao, Suriname, nas Antilhas, em New York e na Ilha de Barbados, onde fui encontrar, em uma das minhas viagens, um velho cemitério de judeus-batavos-pernambucanos, na capital de Bridgetown, com lápides esculpidas em português; 2) a segunda corrente se dirigiu ao Cairo, ao tempo de Maimônides, indo parar em Smyrna e Istambul, onde encontrei, ainda em 1972, a velha geração falando fluentemente o ladino e o espanhol medieval do tempo de Cervantes, e que ainda conservam as chaves de suas casas de Toledo, de onde haviam sido expulsos quatrocentos anos antes, e de lá se expandiram até a Bulgária; 3) a terceira corrente foi se localizar no Marrocos francês e espanhol. Desta última corrente, centenas de famílias vieram parar na Amazônia, a partir da segunda década do século passado. A característica principal desse movimento residiu no fato de que, ao contrário de muitas outras correntes migratórias, ela foi uma imigração familiar, fazendo-se acompanhar da mulher, filhos e parentes. Isso se deve ao caráter gregário e doméstico da vida judaica, milenarmente presa aos valores culturais e religiosos, centralizados em torno da família e da comunidade, que procuram criar como forma de assegurar a sobrevivência de sua tradição e seus valores culturais. Esses imigrantes se localizaram, inicialmente, nas pequenas cidades e vilas do interior do Pará e Amazonas: Cametá, Almerim, Alenquer, Óbidos, Santarém, Aveiros, Itaituba, Itacoatiara, Tefé, Humaitá, Porto Velho, além de Belém e Manaus, trabalhando de empregados em escritórios e estabelecimentos comerciais de aviadores e, mais tarde, já no período áureo do ciclo da borracha, se iniciou a fase de sua promoção econômica como regatões, arrendatários e proprietários de seringais, no interior, ou como compradores de produtos regionais nas praças de Belém e Manaus. O colapso e a estagnação econômica da Amazônia, durante as décadas de 20, 30 e 40, determinaram o seu êxodo para as duas capitais, onde tentaram sobreviver, ou daqui partiram para se fixar no Rio de Janeiro, onde se integraram à comunidade religiosa da Sinagoga Shel Guemilul Hassadim, da rua Rodrigo de Brito, cujos membros são, na sua maioria, amazonenses ou paraenses, ou seus descendentes. Os que ficaram na Amazônia, por meio dos seus descendentes brasileiros de primeira e segunda gerações, iriam ter um destacado papel quando a classe empresarial dominante, constituída pelas grandes firmas inglesas, alemãs, francesas e portuguesas, desapareceu ou deixou de operar no mercado de exportação regional. Essa retirada abriu caminho e espaço para a sua ascensão econômica e social urbana. Com a reativação da economia amazônica, durante e após a Segunda Grande Guerra, esses empresários foram estimulados e atraídos para o campo industrial, pela instalação de indústrias de beneficiamento de produtos e matérias-primas regionais, sendo pioneiros na instalação de usinas de beneficiamento de borracha e castanha, destilaria de óleo de pau-rosa, curtição de couro, serrarias, tecelagem de juta e refino de petróleo. Mais recentemente, o Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus iria atrair um grande número de empresários paulistas-judeus de ascendência askenazt, que para aqui vieram montar inúmeros empreendimentos industriais, nos polos eletroeletrônico, joalheiro e relojoeiro, aproveitando os incentivos fiscais proporcionados pelo Decreto-Lei n.° 288, de 1967. A contribuição cultural dessa corrente imigratória e de seus descendentes brasileiros-amazônidas, já na terceira geração, não se esgota, no entanto, na provisão de quadros empresariais no campo mercantil-industrial que ajudaram a formar, para dar continuidade ao intercâmbio do comércio exterior e iniciar o processo do desenvolvimento industrial. Ela se projeta, também, no campo das profissões liberais, magistério, serviço público e no próprio campo político. Desse modo, vozes e sobrenomes judaicos passaram a colorir o caleidoscópio humano e cultural da Amazônia, ao lado dos nomes e famílias portuguesas, nordestinas e caboclas. Dentro do grupo cultural semítico destacamos, igualmente, a participação ativa dos sírio-libaneses que

emigraram para a Amazônia no princípio deste século e durante todo o período do ciclo da borracha. Essa corrente cultural também se realizou na forma familiar, dado o caráter gregário e comunal da cultura árabe tradicional do Oriente Médio. O processo de sua ascensão social e econômica se iniciou pelo comércio ribeirinho, destacando-se nessa fase, principalmente, como regatões, tipo social e comercial surgido das contingências do meio ambiente, em flagrante desafio aos aviadores tradicionais, aos monopólios dos seringais e dos “rios fechados” dos coronéis de barranco. Em fase posterior passaram a atuar na sociedade urbana nas principais cidades da Amazônia, com a criação de estabelecimentos fixos ou ambulantes, por intermédio da figura tradicional do“teque-teque”, como pioneiros do sistema de venda atual de crediário, em competição com os médios e grandes estabelecimentos comerciais. A persistência, sobriedade, ambição, natural em todo o imigrante, foram fatores que promoveram a sua rápida ascensão, já na fase final do ciclo da borracha, quando conseguiram firmar-se no próprio domínio dos barracões dos seringais, especialmente no Acre e nos altos rios. O êxodo das populações rurais para as cidades viria ensejar outras oportunidades para a revelação da capacidade empresarial desse grupo que assim se promoveu, ou por meio dos seus descendentes já integrados à vida amazônica, no comércio, na indústria, na política e no exercício das profissões liberais.

7. Contribuição norte-americana A participação do contingente cultural norte-americano é mais recente, sendo de assinalar a sua presença em substituição ao poder e influências declinantes dos países europeus. Essa atuação, no entanto, está condicionada às limitações, contingências e preconceitos, prevalecentes em quase todas as regiões ou países em desenvolvimento, ditadas pelo receio e ressentimento de que se transformem na força cultural dominante, em face do espaço vazio amazônico. A despeito dessas limitações podemos ressaltar, de modo genérico, as seguintes contribuições: 1) empreendimento malogrado de colonização, tentado por famílias sulistas, que após a Guerra de Secessão, sob a direção do major Warren Lansford Hasting, localizado perto de Santarém, cuja primeira leva de migrantes chegou em 1867, com 109 pessoas, chegando ao número de 212 colonos no ano de 1874. Plantaram, com algum sucesso, algodão e cana-de-açúcar, porém o empreendimento foi abandonado. Seus descendentes se mesclaram com os nativos, e muitos deles, da velha geração mocoronga, ainda recebem pensão de guerra do governo americano; 2) construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no período de 1907 a 1913, entre Porto Velho e GuajaráMirim, num percurso total de 364 km, resultante do compromisso assumido pelo governo brasileiro com a Bolívia, clausulado no Tratado de Petrópolis de 1903; 3) experiência pioneira agrícola, no campo da heveicultura, realizada pela Companhia Ford, na década de 20, em Fordlândia e Belterra, no rio Tapajós, que, a despeito do investimento superior a dez milhões de dólares, terminou em fracasso, resultante da praga da Dothidela ulei (mal das folhas) e do desinteresse da própria empresa que a entregou ao governo brasileiro, em 1944, por um preço simbólico de cinco mil contos de réis; 4) obras de saneamento básico pela Fundação Rockefeller e, posteriormente, em associação com o governo brasileiro, por intermédio do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp); 5) esforço e mobilização de guerra para a reativação da economia extrativa da borracha silvestre, resultante dos Acordos de Washington de 1942, dos quais resultou a famosa Batalha da Borracha e a criação da Rubber Reserve Co., posteriormente substituída pela Rubber Development Corp. (RDC), cuja finalidade era a de dar apoio logístico para o transporte da borracha e suprimento de bens para os seringais; 6) criação do Banco de Crédito da Borracha, em 1942, com a finalidade de incentivar a produção da borracha e realizar o monopólio das operações finais de compra e venda do produto, que contou inicialmente com uma participação do governo norte-americano de 40% no seu capital acionário, que depois foi vendido ao governo brasileiro; 7) participação minoritária no complexo minerador de manganês do Amapá, pela associação da Bethlehem Steel Corp. com a Icomi do grupo Azevedo Antunes, do qual resultou o primeiro grande projeto de mineração na Amazônia, e o complexo mina-estrada-porto, representado pela Serra do Navio, estrada de ferro e porto de Santana, associação essa recentemente desfeita com a venda da participação acionária do capital norte-americano ao grupo Azevedo Antunes; 8) empreendimento do grupo Daniel Ludwig no rio Jari, no Pará, o primeiro grande projeto integrado agropecuário-florestal e industrial, abrangendo a silvicultura com o cultivo da Gmelinea arborea, cultivo do arroz em São Raimundo, fábrica de celulose em Monte Dourado, mineração de caulim e criação de búfalos, recentemente vendida ao grupo Azevedo Antunes, Banco do Brasil e mais dezoito outros grupos empresariais brasileiros, após uma tormentosa década de polêmica; 9) associação da Cia. Vale do Rio Doce com a Alcan e outras mineradoras estrangeiras, para a instalação do complexo minerador de bauxita, pela Mineração Rio do Norte, no rio Trombetas, perto de Oriximiná; 10) associação da Shell-Billington com a Alcoa, para a produção de alumina e alumínio metálico, no consórcio da Alumar, com sede em São Luís do Maranhão; 11) contribuição científica e tecnológica, por meio dos grandes inventos como o uso do radar para fotografia a grande altura e do lançamento de satélites no espaço, paraobtençãodeimagensdasuperfíciedaTerra,coberturaflorestale descobrimentos de recursos naturais, que resultou na criação do Projeto Radam Brasil do governo brasileiro, pelo qual passamos a conhecer e inventariar melhor a Amazônia.

8. Contribuição asiática e japonesa

Se é verdade que existe uma espécie de mágoa no povo amazônida pelo fato de os ingleses terem levado, em 1876, por Henry Wickham Steed, as sementes da Hevea brasiliensis para as plantações coloniais do Ceilão e Malásia, responsáveis pela grande depressão que encerrou o ciclo da borracha silvestre, de outro lado são bem pouco conhecidas e analisadas as contribuições que as terras e povos do longínquo Oriente e outros continentes fizeram para desenvolver a Amazônia pela difusão e transplante de seus produtos. Já no período colonial os portugueses transplantaram da Índia para a Amazônia algumas espécies nobres de árvores frutíferas que se adaptaram muito bem em nosso mundo tropical, entre outros: a jaca, a manga, a fruta-pão. De outros países e continentes, os portugueses trouxeram o café, a cana-de-açúcar, o gado bovino e cavalar, os animais domésticos, graças ao seu contato e conhecimento com o mundo tropical africano e asiático. Esse processo de intercâmbio tem sido muito útil à Amazônia, pois, graças a ele, além dos produtos acima, passamos a contar com a juta da Índia, a pimenta-do-reino trazida de Cingapura, o mamão papaia do Havaí, o limão do Haiti, o zebu e o búfalo da Índia, e a maioria dos capins e pastagens aqui aclimatados, provenientes da África tropical. A imigração japonesa para a Amazônia inscreve-se dentro desse quadro cultural, pois, nos últimos cinquenta anos, um grande contingente deles adaptou-se ao nosso meio, nas várzeas e terras firmes, e aportando novas contribuições e inovações para o nosso desenvolvimento. Em breve síntese, enumeramos a seguir: 1) criação da Companhia Nipônica de Plantações do Brasil, criada em 1929, em Belém do Pará, para promover a colonização dos municípios de Acará, Tomé-Açu, Monte Alegre e Marabá, por concessões de terras doadas pelo governo do Pará. Em Acará e Tomé-Açu desenvolveram-se extensas plantações de pimenta-do-reino, trazidas de Cingapura pelo Sr. Makinosuke Usui, e que hoje representa um dos produtos agrícolas de maior valor na pauta da exportação regional e com uma produção superior a 20.000 toneladas; 2) no princípio da década de 30 foi fundada, pelo Sr. Isukasa Uetsuka, a Companhia Industrial Amazonense, que se instalou num local próximo a Parintins, em Vila Amazônia, com o objetivo de promover a imigração e colonização japonesa no Amazonas e introduzir a juta indiana. A experiência de aclimatação foi feita pelo Sr. Riota Oyama, que conseguiu obter sucesso em suas experiências, colhendo, já em 1937, as primeiras nove toneladas dessa fibra. A juticultura transformou a paisagem agrícola, econômica e cultural do Baixo e Médio Amazonas pelas seguintes razões: a) cultura de pequeno ciclo, típica das várzeas, aproveitando a riqueza dos sedimentos trazidos pelas águas barrentas do rio Amazonas; b) regime de economia familiar, de pequena e média propriedade; c) crédito bancário oficial, com preço mínimo garantido; e d) com o apoio das indústrias de fiação e tecelagem instaladas em Manaus, Parintins, Santarém e Belém, que garantiram o abastecimento de sacaria para acondicionar as grandes safras de grãos produzidos no Centro-Sul. O domínio da juta sobre as várzeas, com uma área cultivada em torno de 60.000 hectares, ao substituir a tradicional produção de gêneros alimentícios de curto ciclo, causou, todavia, sérios problemas de abastecimento alimentar para as grandes e médias cidades da malha urbana da Amazônia, porém muito contribuiu para intensificar o intercâmbio amazônico com o restante do País; 3) é de se destacar, igualmente, a contribuição japonesa no campo da produção hortigranjeira e avícola, em redor dos grandes centros urbanos da região, melhorando sensivelmente o abastecimento de frutas, legumes, hortaliças, ovos e frangos; 4) outra contribuição nipônica, mais recente, pertence à fase atual das grandes empresas e conglomerados industriais, que foram atraídos para o Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus, em decorrência dos estímulos, incentivos e franquias estabelecidos pelo Decreto-Lei n.° 288, de 28/2/1967. Consociadas com grupos locais ou outros grupos do Centro-Sul, as indústrias japonesas, graças ao seu alto nível de desenvolvimento científico e tecnológico, conseguiram dominar o polo eletroeletrônico, relojoeiro e veículos de duas rodas na Zona Franca de Manaus, que passou a suprir a demanda brasileira desses produtos, contribuindo para reverter a nosso favor o desequilíbrio nas relações de troca entre o Amazonas e o restante do Brasil. Os grandes nomes e marcas mundiais dessa indústria estão aqui representados, sob o regime de joint-ventures, participação minoritária ou subsidiárias integrais: Sharp, Sanyo, Mitsubishi, Sony, Honda, Yamaha, Seiko, Orient, Citizen, Matsushita etc. Essa nova fase de transformação de capitais e tecnologias japonesas para a Amazônia está sendo ampliada pela sua participação no campo da mineração por meio dos projetos de produção de alumina e alumínio metálico, do Projeto Albrás-Alunorte e no Projeto Grande Carajás. Assim, os japoneses e seus descendentes nissei-amazônicos, nessas últimas cinco décadas de intenso labor e participação, evidenciaram adaptação à terra, aculturação com a nossa gente. O elemento nativo o tem acolhido, e a cooperação resultante desse encontro de duas culturas tem proporcionado inequívocas vantagens para a região.

9. Processo de integração brasileira

A sociedade brasileira à época da Independência caracterizava-se por um arquipélago de quatro sistemas isolados e quase autônomos, assim constituídos: 1) Grupo GrãoPará e Maranhão vivendo na base da economia florestal e da agricultura do arroz e algodão; 2) Região Nordeste, onde dominava a economia do açúcar na zona da mata e do criatório no sertão e no São Francisco; 3) Complexo Minas-Rio de Janeiro-São Paulo, com certo grau de articulação política, agricultura mais diversificada e núcleos de mineração; 4) Frente Gaúcha dispersa em função da predominância pecuária nas campinas, mas com um forte sentido político de preservação de sua identidade, em face do contato e do potencial de conflito com a proximidade da fronteira platina.

Os relacionamentos entre esses sistemas eram tênues e fragmentários, porém já se observava certo grau de interligação entre a região mineira e a pecuária do Sul, e entre a região açucareira com a do criatório do agreste baiano e do sertão do Piauí. Todos eles, em maior ou menor grau, sobrevivendo à custa de uma economia de produtos primários e matérias-primas sempre subordinados às oscilações, aos interesses dominantes e aos centros de decisão dos grandes mercados europeus e norteamericanos. A Amazônia, de todas elas, foi a região brasileira que atravessou a primeira metade do século 19 em completa estagnação e isolamento com a sua estrutura colonial quase autônoma e com uma economia primitiva e decadente. A relativa prosperidade agrícola na região maranhense e no oriente amazônico ressentia-se da falta de mão de obra e capitais. No hinterland amazônico, o principal problema era a grande distância a vencer e a escassa base populacional resultante do trauma da conquista quando grande parte da população indígena havia sido dizimada pelas epidemias e pela escavidão. Precárias eram, pois, as suas possibilidades de intercâmbio com as demais regiões brasileiras, por falta de complementariedade econômica e dificuldades de comunicação e transporte. O superdimensionamento de sua base física, com um mínimo de circulação social e política, segundo a lúcida análise de Oliveira Viana, era o mais grave problema de nossa sobrevivência como parte integrante do País brasileiro. De outro lado, a excessiva centralização administrativa e política a essa época levou à incorporação como províncias do Império apenas as Capitanias do Pará, Maranhão, Goiás e Mato Grosso, recusando a autonomia ao Amazonas, que somente passou a ser província do Império em 1850. Na segunda metade do século 19 é que a presença brasileira na Amazônia começou a atuar, a partir do advento da empresa seringalista. Essa participação agiu ora de forma espontânea, ora de modo induzido, porém continuadamente durante um período de quase 70 anos, pelo deslocamento da população nordestina, estimulada pelos altos preços da borracha ou por ação política realizada de maneira improvisada e aleatória pelos governos imperial e republicano, durante as épocas da seca do Nordeste, em socorro da população flagelada. Iniciou-se, assim, a fase de abrasileiramento da Amazônia Lusíndia – mais índia que lusa – quando esta passou a receber e acolher as levas de migrantes de todos os Estados nordestinos, ampliando, assim, a sua base demográfica. O crescimento populacional está evidenciado pelos censos, que em 1872 registraram 332.847 habitantes para saltar para 695.112 habitantes em 1900 e 1.439.052 habitantes em 1920. Entre 1920 e 1940, durante o período de depressão, o crescimento populacional estagnou; isso, quando não houve regressão, como nos casos do Pará e do Acre. Já em 1950, esse crescimento atingiria 1.844.655, em 1970 – 3.603.860 e 5.866.673 no último censo de 1980. Isso para a Amazônia Clássica da Região Norte, pois os números da Amazônia Legal, com base na Lei n.° 1.806/1953, incluindo a parte oeste do Maranhão e os nortes de Mato Grosso e Goiás, a população atingiu 7.256.651 habitantes em 1970 e 11.218.385 habitantes em 1980, com um crescimento de 54,5% em uma década. Acompanhando a crescente articulação da economia amazônica com as demais regiões brasileiras, a ação política federal na região, destinada a incorporar valores nacionais àqueles tradicionais e primitivos da região, iria ganhar novo ímpeto quando os constituintes de 1946 acolheram a proposição de autoria do deputado amazonense Leopoldo Péres, fixando no artigo 199, da Constituição Federal, a obrigação do Governo da União em aplicar na execução do plano de valorização econômica da Amazônia, durante pelo menos 20 anos, quantia não inferior a 3% de sua receita tributária, obrigação essa também estendida a todo o Nordeste. Entramos, assim, num novo período em que a ação política do Governo Federal se fez mais atuante na região, por meio de novos instrumentos de ação, planejamentos e incentivos, visando diminuir as desigualdades regionais. Inúmeras agências e instituições se sucedem durante esse período. Na década dos anos 40 surgem o Banco de Crédito da Borracha (BCB), o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (Sava), o Instituto Agronômico do Norte (IAN), o Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (Snapp). Em 1943, foram criados os novos Territórios Federais de Guaporé (hoje Estado de Rondônia), o do Rio Branco (atual Roraima) e Amapá, reiniciando, assim, a reorganização política do espaço amazônico, que havia sido interrompido, a partir de 1850, com a criação da Província do Amazonas e retomado em 1904 com o Território Federal do Acre.

Na década de 50, surgem a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (Spvea), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), a Companhia de Eletricidade do Pará (Celpa), o Banco do Estado do Amazonas (BEA), o Banco do Estado do Pará (Banpará), e outros Bancos de Estados e Territórios, e o Comando Militar da Amazônia (CMA), que iria ter papel decisivo na construção dos eixos rodoviários de integração nacional nas décadas seguintes. Nos anos 60, o processo de institucionalização de agências e programas brasileiros na Amazônia continuaria a sua marcha com a modificação e correção dos rumos da política da década anterior, ou com a criação de novos órgãos ou projetos em âmbito federal e estadual como a transformação da antiga Spvea na nova Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Banco de Crédito da Amazônia para Banco da Amazônia, a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha (Sudhevea), responsável pelos programas de plantação de borracha, que iriam se expandir nas décadas subsequentes nos projetos do Probor l, 2 e 3, a criação, instalação ou consolidação das universidades do Pará, Maranhão, Amazonas e Acre, e a implantação de comissões estaduais de planejamento e desenvolvimento. Foi também durante essa década de 60, após a mudança da capital federal para Brasília em 1959, na administração do presidente Juscelino Kubitschek, que foram lançados e iniciados os grandes projetos dos eixos rodoviários de integração da Amazônia com o restante do País. Em consequência dessa nova política, o Governo federal passou a dar prioridade para as interligações regionais com a nova capital federal, daí nascendo o eixo rodoviário Belém-Brasília (BR-010), a estrada Cuiabá-Santarém (BR-163) e a Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco (BR-364), proporcionando, assim, pela primeira vez, a interligação da região amazônica, por via terrestre, ao litoral, ao Planalto Central e ao Centro-Oeste, e logo em seguida, nas décadas seguintes, com a construção da BR-319, ligando Porto Velho a Manaus, e a BR-174 unindo Manaus a Caracaraí e Boa Vista até alcançar as fronteiras da Venezuela e da Guiana. O impacto dessa nova política de integração nacional iria adquirir mais amplitude na década de 70, quando o I Plano Nacional de Desenvolvimento estabeleceu como objetivo nacional a integração física, social e econômica da Amazônia com o Nordeste, pela construção da Transamazônica (BR-230), e o programa de colonização e assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para Rondônia, bem como a política de incentivos fiscais que criou o Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam), em ação paralela à instituição do Finor para o Norte e do Fiset para os investimentos setoriais de reflorestamento, pesca e turismo, na forma do Decreto-Lei n.° 1.376, de 1974. É nessa década, ainda, que são lançados o Programa de Integração Nacional (PIN) pelo Decreto-Lei n.° 1.106, de 1970, o Programa de Redistribuição de Terras (Proterra) pelo Decreto-Lei n.° 1.178, de 1971, o Projeto Radam (Radar da Amazônia) para proceder ao mapeamento aerofotográfico e inventários dos recursos naturais e minerais da região, complementado pela nova tecnologia do sensoriamento remoto proporcionado pelo satélite Landsat, expansão no campo das telecomunicações pela Telebras e a construção da rede de aeroportos pela Comara. Tendo em vista que a política da Sudam estava concentrando demais os seus recursos e a aplicação de seus incentivos em determinadas áreas amazônicas, o Governo Federal mudou a estratégia de desenvolvimento, pelo Decreto n.° 74.607, de 1974, instituindo o programa conhecido como Polamazônia, que criou 15 polos de desenvolvimento regional, selecionados nas áreas do Xingu-Araguaia, Carajás, Araguaia-Tocantins, Trombetas, Altamira, Pré-Amazônia Maranhense, Rondônia, Acre, JuruáSolimões, Roraima, Tapajós, Amapá, Juruena, Aripuanã e Marajó. Mais tarde, acrescido do Pronopar para a recuperação do nordeste paraense, do Promam para a região do Médio Amazonas, e na área do Sudeco o Polonoroeste para beneficiar as populações da rodovia Cuiabá-Porto Velho, ao longo da rodovia BR-364. Na medida em que a Amazônia ia sendo revelada ao Brasil por meio dos inúmeros inventários e levantamentos de seus recursos naturais, minerais e energéticos, essa década iria assistir ao lançamento de grandes projetos de impacto, sobretudo no setor de mineração e eletricidade. Assim, foram lançados o Projeto Trombetas, pela Cia. Vale do Rio Doce, para exploração da bauxita; o Projeto Grande Carajás, para exploração de minério de ferro, compreendendo o complexo mina-ferrovia-porto; o Projeto Albrás-Alunorte, em Vila do Conde, para produção de alumina e alumínio metálico; o Projeto Tucuruí, no rio Tocantins, para produção de aproximadamente quatro milhões de quilowatts; e projetadas as hidrelétricas de Balbina, no rio Uatumã, e de Samuel, no rio Jamari. A maior parte desses projetos já está em fase de operação ou em vias de conclusão, cujos resultados têm provocado intensa discussão acadêmica e científica, dados os impactos ecológicos sobre o meio ambiente, o estilo concentrador da renda e os seus efeitos sobre o agravamento da dívida externa brasileira.

Enquanto se desenha esse novo panorama econômico para a região, mediante a descoberta e a exploração de seus recursos naturais e minerais e se processa igualmente a implantação de uma infraestrutura econômica e social que permita o seu desenvolvimento, a Amazônia passou novamente a exercer a sua função de “foco de apelo e atração”. Não mais apenas para o nordestino, mas para muitos outros brasileiros do Centro-Oeste, do Sudeste e do extremo Sul. Esse novo fluxo migratório começa a ser sentido com muita intensidade no Estado de Rondônia, ao longo da BR-364, onde a expansão populacional na década 1970-1980 cresceu 333,5% a um ritmo de 15,8% ao ano; no norte de Mato Grosso, na zona de influência da BR-163, no sul do Pará, no norte de Goiás e no Maranhão, ao longo da rodovia Belém-Brasília e da ferrovia Carajás-Ponta da Madeira. A implantação de projetos de colonização e assentamento agrícolas, fazendas de gado, exploração madeireira, garimpagem, construção de barragens e hidrelétricas, mineração, construção de rodovias e ferrovias, distritos industriais etc., estão provocando o deslocamento da fronteira humana, econômica e social, que se desborda do Centro-Sul e do Planalto Central em direção à floresta tropical chuvosa da Amazônia. Paranaenses, gaúchos, catarinenses, paulistas, mineiros, capixabas, goianos e mato-grossenses e, ainda, nordestinos, em número superior a 200.000 por ano, estão migrando para a região em busca de um novo horizonte de vida e oportunidades de trabalho. Muitos deles provêm dos Estados mais desenvolvidos do Sudeste e do Sul, sobretudo dos centros e zonas rurais de populações empobrecidas pela substituição do regime de colonato do café pela grande lavoura mecanizada da soja e do trigo, que ocasionou o surgimento de uma grande população de trabalhadores volantes e boias-frias. Os hábitos, costumes e estilos de vida moldados da velha Amazônia Lusíndia e nordestina estão passando agora por um grande processo de mudança e transformação. As vilas e cidades de Rondônia, ao logo da BR-364, em Ji-Paraná, Cacoal e Ariquemes já têm, inclusive, o seu centro de tradições gaúchas, com as suas danças e folclore típicos, e o hábito do chimarrão e do churrasco foi, rapidamente, introduzido pelos novos migrantes paranaenses e gaúchos. As consequências desse novo processo de povoamento na Amazônia se de um lado vieram contribuir para a expansão demográfica e da fronteira agrícola, pecuária e mineral e a criação de novos centros de produção, de outro lado deram origem, também, ao surto de muitas tensões sociais, conflito de terras, disputas de posse, invasão de áreas indígenas, dada a precariedade e desordem de nossa estrutura fundiária. Também o impacto ecológico da devastação da floresta tornou-se crítico em muitas áreas de expansão e penetração dessa fronteira humana, especialmente nas áreas de transição do cerrado para a mata densa, por meio de sua ocupação desordenada por grandes fazendas pecuárias, em função dos incentivos fiscais e colaboração financeira proporcionados pela Sudam e Finam. É preciso, também, alertar para o fato de que o mero aumento da população per se não significa desenvolvimento, pois, muitas vezes, é um mero reflexo e consequência de graves problemas oriundos de outras regiões do País, decorrentes tanto de fatores climáticos recorrentes, a exemplo do Nordeste, quanto de desemprego estrutural, excesso populacional, minifúndio, quando não oriunda de angústias e tensões sociais geradas no bojo de uma péssima distribuição de renda e ausência de oportunidades de vida e trabalho. As migrações, muitas vezes, servem mais para transferir problemas de uma região para outra do que ensejar soluções permanentes e duradouras. De outro lado, é preciso também observar que o fluxo migratório para a Amazônia não se processa apenas em nível interregional, mas também no sentido intrarregional, pelo êxodo rural para as pequenas vilas, na primeira fase, e para as grandes cidades na etapa subsequente. Os números dos censos de 1940 e 1980 indicam bem essa tendência, pois a população rural amazônica, no espaço de 40 anos, decresceu de 72,3% para 49,3%, enquanto a população urbana subiu de 27,7% para 51,7%, sendo que o problema mais sério de concentração urbana se observa no Estado do Amazonas, onde as cidades já absorviam cerca de 60% da população total, no ano de 1980, dada a excessiva força de atração exercida pela cidade de Manaus. Tudo isso indica que a Amazônia está sofrendo um grande processo de mudança e transformação. Mudança, tanto no sentido econômico, pela ampliação e surgimento de novas atividades produtivas, quanto no campo cultural, pela absorção de novos grupos humanos que para aqui se deslocaram ao longo de mais de um século. Só uma coisa permanece constante: a extraordinária capacidade que a sociedade amazônica demonstra em acolher, absorver, assimilar e integrar povos e culturas diferentes. E, sobretudo, nesse contínuo processo de adaptação, de renovar-se a si mesma, influenciando e se deixando influenciar, sem perder o seu caráter e a sua identidade brasileira e tropical.

6. Amazônia interior: apologia e holocausto 1. Dialética maniqueísta do bem e do mal A Amazônia vem sendo vítima de um processo dialético esquizofrênico. De um lado se procuram exaltar e isolar os valores biológicos naturais do meio ambiente selvagem. De outro, menosprezam-se ou se omitem realidades e situações econômicas, sociais e humanas de extrema penúria daqueles que conseguem, a duras penas, sobreviver em condições adversas, explorando os únicos fatores de que dispõem: os recursos naturais da floresta, do rio e da terra. Além disso, alguns chegam a condenar até atividades primitivas de derrubada e queima das lavouras itinerantes e toda ação humana que interfira nos ecossistemas silvestres que deveriam ser preservados no estado de pureza original.

A verdade é que se confundem mitos e realidades, falácias e meias verdades, utopias e falsas vivências. Profecias e fatos são discutidos, em nível teórico, acadêmico ou ideológico. Muitas vezes de modo superficial, preconceituoso ou preconcebido, com um único propósito: manter a região intacta e virgem porque os seus dons e os seus frágeis ecossistemas não resistem à ação antrópica e, portanto, devem ser preservados em benefício da humanidade. Não se analisa, nem se respeita o esforço considerável que se vem fazendo na Amazônia para torná-la mais humana e social, por meio de tantos empreendimentos economicamente viáveis e ecologicamente autossustentáveis. Não bastasse a nossa Constituição já ter consagrado a Amazônia como patrimônio nacional, a comunidade internacional a quer converter, agora, em patrimônio comum da humanidade. A sua preservação seria necessária para salvar o Primeiro Mundo dos efeitos deletéricos do efeito estufa, da chuva ácida e da destruição da camada de ozônio, causados pelo dióxido de carbono, óxido nitroso, dióxido de enxofre, metano e clorofluorcarbonos, expelidos pelas suas indústrias poluidoras e antiambientalistas, que há séculos vêm destruindo os valores naturais e biológicos do nosso planeta. Mais ainda: procuram atribuir, a nós outros, a responsabilidade desses próprios males numa total inversão dos agentes responsáveis por essa destruição, enquanto alimentam, com suas atividades, processos destrutivos de erosão do solo, contaminação da água, poluição do ar e destruição dos recursos naturais. As campanhas internacionais que os meios de comunicação e os próprios centros acadêmicos e políticos promovem contra a Amazônia exageram a nossa participação e responsabilidade nesse processo destruidor. Em nome da salvação planetária é preciso cessar a construção de hidrelétricas, proibir a mineração e garimpagem, eliminar a pecuária, proibir o desmatamento e as queimadas. Se for bem verdade que, em muitos casos, havia motivos para preocupação em face da irresponsabilidade de alguns agentes e políticas que, no devido tempo, já foram contidos ou minimizados – o certo é que, a despeito de termos adotado políticas preservacionistas e restringido o nosso desenvolvimento com essa moratória ecológica, mesmo assim insistem nas mesmas acusações, colocando-nos permanentemente no banco dos réus de lesa-humanidade. Exigem de nós um comportamento vitoriano e puritano, enquanto se sentem à vontade para continuar poluindo a atmosfera, contaminando os oceanos, destruindo a vida e acumulando mortíferos arsenais nucleares, armas químicas, biológicas e artefatos atômicos inseguros. Ou por meio de guerras, como a do Golfo Pérsico, provocando incêndios em poços de petróleo, cujos efeitos maléficos se farão sentir, por dezenas ou centenas de anos, no vasto ecossistema de todo um continente. E mais ainda, enquanto apregoam a modernidade e a livre competição para poder florescer a economia do mercado, continuam a praticar políticas discriminatórias e de subsídios para a sua agricultura, que, somente no ano passado, custaram ao tesouro dos países da comunidade europeia, Japão e Estados Unidos perto de US$ 250 bilhões/ano. E se isso não bastasse para destruir a crença na tão propalada ideia do desenvolvimento autossustentado, os países mais pobres veem as suas bases de sobrevivência ameaçadas em face dos preços desfavoráveis de suas matérias-primas, produtos alimentícios e minerais. Exigem de nós atividades e economias autossustentadas. Mas apesar da força de sua ciência e tecnologia, são incapazes de criar e transferir técnicas brandas, suaves e não agressivas ao meio ambiente. Técnicas e tecnologias que, no caso amazônico, bem poderiam nos ajudar a promover um desenvolvimento mais equilibrado com a adoção de práticas de manejo da floresta, do rio, dos solos e de sistemas de produção de alimentos e energéticos, cujo domínio constitui a verdadeira revolução ecológica que o mundo todo espera e precisa para poder conciliar os valores econômicos e ambientais.

2. Apologia do extrativismo Nesse enfoque maniqueísta que confunde a fantasia com a realidade, os ecologistas radicais tentam impingir um falso modelo de extrativismo para índios, seringueiros e caboclos que vivem na mata e no beiradão. Segundo essa tese, os chamados povos da floresta são os novos heróis da salvação da Amazônia, pois mantêm a integridade da floresta. De outro lado, apregoam que a renda per capita obtida pelos extrativistas é de US$ 6.000 por hectare/ano, o que é evidentemente uma manipulação fantasiosa de dados, para provar que devemos preservar intacta a floresta, pois os seus rendimentos são maiores do que qualquer forma de agricultura ou criatório.

Esse é o discurso patrocinado pelos países do Primeiro Mundo, de pseudocientistas arvorados em especialistas da Amazônia e que desconhecem completamente as lutas e os sofrimentos históricos desses povos. A apologia do extrativismo constitui um discurso geopolítico falacioso. Se a solução fosse essa, se cada extrator, para sobreviver, necessita de duzentos hectares, a floresta amazônica de trezentos milhões de hectares somente poderia abrigar um milhão e meio de habitantes. Ainda mais, apenas para melhor argumentar: se a renda per capita de US$ 6.000 hectare/ano fosse verdadeira, bastariam trinta milhões de hectares da floresta (10% do seu total) para produzir uma receita anual de cento e oitenta bilhões de dólares. Evidentemente, um disparate estatístico e uma grosseira manipulação geopolítica da realidade. O extrativismo, tal como vem sendo praticado na Amazônia desde longa data, constitui uma atividade primária que só pode sobreviver quando o produto tem um preço unitário elevado. Isso para poder superar os altos custos da coleta, extração, distância e transporte que somente se viabilizam quando o monopólio naturístico do produto consegue manter preços que suportem essas enormes desvantagens. A heterogeneidade da floresta e a dispersão das espécies tornam proibitivos os custos de extração, sobretudo quando surgem em outros mercados produtos concorrentes ou se criam nos laboratórios produtos sintéticos substitutivos. Ademais, a simples economia de caça e coleta é a forma mais primitiva e primária das atividades econômicas, pois antecede a revolução da agricultura e da domesticação dos animais que propiciaram o advento de formas produtivas mais avançadas. Isso sem falar no enorme custo social que acarreta para o trabalhador o viver isolado no meio da floresta, onde inexistem comunidades organizadas e nenhum serviço de infraestrutura, de apoio à saúde e educação. Tais atividades geram um regime de exploração quando não de servidão e completo desamparo e desassistência. Como bem disse o professor Paulo Alvim, o extrativismo atual preserva a natureza, mas conserva também a pobreza. A alternativa para esse tipo de extrativismo passa, necessariamente, por uma transformação tecnológica policultora que inclui adensamento, enriquecimento, manejo, agrossilvicultura, sistemas multidimensionais e altamente sofisticados de extração de fármacos, fibras, essências, óleos, frutas, flores, raízes, madeiras, pássaros e animais, ou seja, a criação de um novo modelo florestal industrial, de alto nível tecnológico e científico.

3. Burocracia ecológica Enquanto esse discurso de Apologia da Floresta e do Extrativismo ganha foro internacional e aceitação em quase todas as conferências, congressos e seminários nacionais e internacionais, o outro lado da dialética esquizofrênica se manifesta ostensivamente por meio de constrangimentos, leis, regulamentos e portarias. A burocracia ecológica, que assumiu o poder neste País, tenta, por todos os meios, impedir que os povos da floresta e do beiradão usufruam os recursos naturais do meio ambiente e, pelo terrorismo fiscal, destrói humildes homens e comunidades do interior. Dá pena ver as queixas, que não chegam a sensibilizar as classes políticas, de homens rudes do interior, de pescadores que tiveram seus arpões, tarrafas e malhadeiras tomadas; de humildes canoeiros do beiradão, cujos remos foram tomados; de exploradores da selva que tiveram seus machados, serras e motosserras apreendidas; de agricultores multados extorsivamente quando preparavam suas roças de sobrevivência; de extratores de pau-rosa que tiveram seus produtos confiscados; de pescadores de peixes ornamentais do rio Negro, apreendido o produto de seu labor; de madeireiros que, mesmo com guias florestais, tiveram suas jangadas confiscadas; de garimpeiros que tiveram as suas bateias e o seu ouro confiscados. Isso com referência aos humildes homens da floresta e do beiradão. Com referência às empresas, as autoridades ambientalistas nos foros nacionais e internacionais se jactam de que, no ano passado, lavraram autos de infração no valor de cinquenta milhões de dólares. Existem exemplos dramáticos de injustiças como uma empresa plantadora de dendê, que foi multada em um milhão de dólares, por tentar plantar dendê, embora tivesse seu projeto aprovado; uma empresa laminadora de compensados de Itacoatiara foi multada (de helicóptero) em um milhão de dólares; uma destilaria de álcool do Acre foi multada em idêntica quantia. Milhares de outras injustiças, todos os dias, são cometidas nos Estados do Pará, Roraima, Rondônia e Mato Grosso.

4. Educação para conservação Enfim, o discurso oficial que sempre enfatizou um processo de educação para a conservação do meio ambiente com desenvolvimento foi uma vã promessa, pois não se criaram nem se desenvolveram tecnologias brandas para os povos do interior usarem os recursos naturais da floresta e do rio. Fala-se apenas em tese em manejo florestal, pesqueiro, pecuário, mineral, garimpeiro e energético, mas esse discurso é pura demagogia ecológica, pois essas tecnologias ou não existem ou estão em vias de serem desenvolvidas, e o País não vem fazendo nenhum esforço nesse sentido, a não ser por meio de pura publicidade de órgãos de pesquisas inoperantes, burocratizadas e alienadas, que se esquecem de que o caboclo do beiradão e os homens da floresta existem e procuram sobreviver com as suas famílias. Assim, a única face ambientalista que vigora hoje na Amazônia é a da proibição. Porque proibir, coagir, multar, confiscar é fácil e ligeiro. Produz manchetes de jornais e reportagens na TV. O problema básico, porém, de como desenvolver em harmonia com a natureza, mediante a complementação ecologia-economia, não vem sendo abordado nem difundido porque é uma tarefa árdua, difícil e que demanda tempo. A visão do burocrata ecologista é de curto prazo e precisa apresentar autos de infração, cada vez maiores, para satisfazer o seu ego de poder e bajular as autoridades que vivem nessa Ilha da Fantasia, que é Brasília. Não se vê, infelizmente, nenhum programa vigoroso de apoio à ciência e à tecnologia para desenvolver métodos novos e técnicas brandas de exploração e manejo florestal, agrícola, pecuário e pesqueiro, que combine o desenvolvimento econômico com as necessidades de conservação e proteção ambiental.

5. Holocausto do interior Esse mundo de utopia ecológica chega, agora, na selva e no rio, de modo dramático, provocando a migração em massa de suas populações para as cidades de Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Santarém e Belém. São todos egressos da produção interiorana que vão engrossar as favelas e as vilas-misérias das periferias e baixadas, criando um caos urbano criador de marginalidades e violências. O caboclo do beiradão e o homem da floresta daquele discurso de apo- logia estão sendo, agora, crucificados nesse novo tipo de holocausto: a destruição de sua identidade, de seus valores tradicionais, de suas formas de trabalho no interior, pelo espaço urbano miserável e violentador de sua dignidade de homem de produção. Para agravar ainda mais esse quadro: enquanto a apologia exalta a floresta, os produtos do extrativismo florestal ribeirinho e da mineração sofrem uma violenta deterioração nos seus termos de troca e preços extremamente desvalorizados, quando não são sistematicamente abandonados pelas novas tecnologias dos produtos sintéticos. Apenas para exemplificar: o cacau baixou de US$ 2.500 para US$ 1.000 a tonelada, o estanho baixou de US$ 12.000 para US$ 6.000 a tonelada, o alumínio em lingote desceu de US$ 2.500 para US$ 1.500, e o próprio ouro baixou de US$ 450 para US$ 370 a onça troy. Na área do extrativismo, a fonte de produtos exportáveis da floresta, que constituíam no passado a sobrevivência da família e comunidades interioranas, diminuiu drasticamente. Os seguintes produtos extrativos deixaram de ser exportados: ucuquirana, balata, caucho, cumaru, baunilha, ipecacuanha, jutaicica, maçaranduba, murumuru, jarina, piaçava, timbó, ucuuba, breu, puxuri, andiroba, patauá, cipó-titica, couros e peles etc. Enquanto isso ocorre, ao longo do beiradão e da terra firme, as populações tradicionais de caboclos, nordestinos e novos migrantes, impossibilitados de ganhar a vida, honestamente, explorando os únicos recursos naturais disponíveis, são compulsivamente expulsas para a cidade grande ou se voltam para a economia informal e subterrânea do descaminho, do contrabando e do narcotráfico. No primeiro caso vão se tornar camelôs ou enfrentar, despreparados, o caminho do lúmpen-proletariado urbano, quando não se deixam atrair para a marginalidade e violência. No segundo caso, o imperativo da sobrevivência os pode levar facilmente ao submundo da plantação da maconha, do ipadu e da coca, engrossando a cadeia de sustentação do narcotráfico dos diferentes cartéis da droga que sustentam a economia da maioria dos países amazônicos vizinhos, agora também já radicados na Amazônia Brasileira. Não é de se estranhar, pois, que a Igreja do Santo-Daime tenha ganho tantos adeptos nas chamadas reservas extrativistas e agora invadam os morros, favelas e até as altas rodas das metrópoles brasileiras.

O holocausto caboclo na selva acabou se transformando no túmulo do vício, da droga e do crime na cidade grande. É o efeito borboleta de que nos falam os novos economistas para caracterizar o vínculo de causa e efeito entre eventos separados por longos intervalos de distância e de tempo.

6. Economia minguante Esse desaparecimento de produtos florestais fez minguar a economia florestal, e o que restou inviabilizou o sistema de produção extrativista. O panorama, hoje, é constrangedor como se observa nos seguintes exemplos: • a borracha nativa não tem comprador, e os caboclos que deveriam ter seus preços de Cr$ 120 por quilo assegurados imploram para vender aos usineiros ao preço vil de Cr$ 70 o quilo. É que a indústria de pneus de São Paulo está em crise e com a nova política de modernidade e competitividade industrial abriram-se as portas para a importação da borracha da Malásia, a preços subsidiados. Chegou-se ao cúmulo de importar, agora, de Hong Kong dez milhões de dólares de carcaças de pneus usados para serem recauchutados no País. Essa é a realidade do holocausto. O discurso de apologia ficou enterrado nos programas do Probor l, 2 e 3. Hoje, a Amazônia não produz mais que vinte mil toneladas de borracha, e brevemente o eixo produtor será deslocado para a Bahia e São Paulo; • a sorva acaba de sofrer um rude golpe. Os importadores e fabricantes norte-americanos de chicletes avisaram aos exportadores locais que não irão comprar mais sorva da Amazônia, pois mudaram as suas fórmulas para incluir em substituição produtos químicos sintéticos mais baratos. A economia amazonense, este ano, vai perder dois milhões de dólares de exportação, e milhares de famílias de sorveiros ficarão desempregadas; • a castanha-do-brasil vem sofrendo grandes restrições por parte das autoridades sanitárias do Mercado Comum Europeu, pois o padrão anterior de aceitação de dez partes por milhão de aflatoxina (fungo da castanha) foi muito rebaixado. Continua aberto, com restrições, o mercado americano, mas os exportadores, com a perda do mercado europeu, temem o futuro do produto, pois o governo brasileiro nada fez para desenvolver tecnologias de combate à aflatoxina. A produção de castanha-daamazônia, que era trinta mil toneladas, este ano deve baixar para vinte mil toneladas, com uma perda de mais de cinco milhões de dólares; • a juta plantada nos beiradões tornou-se anacrônica com o advento da fibra de polipropileno e com o embarque pelo sistema de granel ou containers dos grãos agrícolas. Perdemos o mercado, e a metade das fábricas para tecelagem de juta já foi fechada em Belém, Santarém, Parintins e Manaus. A safra de juta no Amazonas não ultrapassa, este ano, quinze mil toneladas, com uma perda de cinco milhões de dólares; • o óleo essencial de pau-rosa se vê, agora, ameaçado pela burocracia ecológica, pois está na iminência de ter a sua proibição decretada, tendo alguns exportadores já sido avisados para que não comprem mais esse óleo, a não ser que provenha de florestas de plantação ou de livro.pmd manejo autossustentado. Existiam, há dez anos, cinquenta destilarias no interior, que produziam 2.000 a 3.000 tambores por ano desse óleo essencial. Com o advento do óleo sintético sobraram apenas sete usinas instaladas em Maués, Parintins, Manicoré, Nova Olinda, Presidente Figueiredo, Manaus e Silves. Cada usina, hoje, só produz cinquenta tambores por ano. Como para produzir um tambor são utilizadas dezesseis toneladas de madeira, ou quatro árvores por tambor, o número de árvores utilizadas monta a quase duzentas árvores por usina por ano. No total, apenas mil e quatrocentas árvores são usadas anualmente pelas sete usinas, que conseguem sobreviver a duras penas. O modo de produção é o corte seletivo, e existem provas empíricas do rebrotamento e regeneração de árvores de pau-rosa após dez anos de sua derrubada, pois uma vez que o pau-rosa é rolado na mata não causa prejuízo nem à floresta nem a terra, pois o trabalho é totalmente manual. Agora as autoridades ecológicas estão exigindo planos de manejo florestal para todas essas pequenas empresas rurais de agroindústria pau-roseira. Como não se sabe nada a respeito de manejo florestal de pau-rosa, nem se desenvolveram técnicas novas de plantação ou reprodução por estacas, esses humildes empresários estão contratando engenheiros florestais a um custo de um milhão de cruzeiros por projeto, para cumprir as exigências das autoridades. Mesmo assim, como essas repartições estão sem verbas, não mandam fazer vistorias da floresta para verificar a existência do projeto. Nessas condições, corremos o risco de ver proibida a exportação do óleo de pau-rosa, com um prejuízo para os produtores e o Estado de aproximadamente dois milhões de dólares. Esse manejo florestal exigido não passa de mera formalidade, pois é

inviável para um produtor que usa duzentas árvores por ano gastar milhões em projetos de manejo florestal, cujo conhecimento ninguém possui, pois o único projeto de manejo da floresta de Tapajós feito pela Sudam existe há trinta anos, e até agora não se chegou a nenhuma conclusão. No entanto, existem técnicas simples de educação ambiental que poderiam ser divulgadas e incentivadas junto aos extratores de pau-rosa. Ao invés de se fazer o corte raso de árvores, deixar, pelo menos, cinquenta centímetros de toco para rebrotamento e regeneração, como os ingleses faziam na Malásia com a conhecida árvore Teka, concorrente e similar de nossa Itaúba. • Outro produto que vem sendo permanentemente perseguido pelas autoridades ambientalistas é o peixe ornamental, capturado nas zonas do Médio e Alto Rio Negro. Trata-se do único produto de que o caboclo do rio Negro consegue sobreviver, pois a piaçaba já não mais existe. Os peixes ornamentais representam uma receita de cinco milhões de dólares para os produtores e para o Estado do Amazonas. Os exportadores vêm sendo sistematicamente perseguidos; suas embarcações, confiscadas. É tão reduzida a lista de peixes liberados, que praticamente aniquila esse comércio exportador. Como são peixes pequenos, que não crescem e vivem pouco mais de um ano, não servem para a alimentação do povo ribeirinho. Obstruir ou proibir essa atividade trata-se de mais uma iniquidade. Bastaria a política do defeso, que já vem sendo praticada, para proteger as espécies na época da desova.

7. Preconceito antiempresarial Existe, também, um forte sentimento antiempresarial para impedir o aproveitamento dos recursos minerais da região, notadamente a cassiterita, bauxita, caulim e garimpagem de ouro. No entanto, o desenvolvimento da Amazônia mineral combinado com o da Amazônia hidráulica, florestal e agrícola pode constituir um novo modelo de desenvolvimento autossustentado. O mesmo preconceito e hostilidade se observam em quase todos os quadrantes da atividade empresarial, industrial, agrícola ou mer-livro.pmd cantil e de serviços, por ônus fiscais exagerados, de regulamentos absurdos, da falta de assistência técnica, financeira e de investimentos. Em grande parte esse labor é desestimulado pela incerteza, instabilidade, diminuição dos horizontes de tempo, quando não por meio de confisco de poupanças, lucros e receitas, cuja destinação improdutiva tende a causar desânimo, fuga e êxodo desses agentes. Os investimentos que geram empregos, renda, impostos migram em face desse clima de hostilidade que hoje se procura reverter para poder retomar o nível do desenvolvimento e estancar a fatalidade da recessão e desemprego.

8. Nova fronteira agrícola Uma nova fase agrícola foi iniciada na Amazônia com a abertura dos eixos rodoviários e a colonização oficial e espontânea nas áreas periféricas e de transição da Amazônia para o planalto. Essa produção agrícola já monta, hoje, a quatro milhões de toneladas de grãos nessas novas zonas de fronteira agrícola sul-amazônica e abriga um rebanho de vinte milhões de bovinos na área de transição da floresta para o cerrado, um milhão de cabeças de búfalos nos varzeados e um efetivo de vinte milhões de galinhas, o que determinou uma melhoria considerável na produção de carne, leite e ovos para a população amazônica. Agora a nova política agrícola do Governo Federal prevê a desativação dessa nova fronteira agrícola, criada no escudo periférico sul-amazônico em favor da verticalização e concentração da produção agrícola nas áreas dinâmicas do Centro-Sul pelas facilidades já existentes de infraestrutura de apoio. Esse desencorajamento de implantação de polos econômicos na Amazônia se faz, atualmente, mediante: a) pressão internacional de grupos ecológicos governamentais e não governamentais para que se mantenha a Amazônia isolada, mediante o combate à interconexão rodoviária Acre-Pacífico pelas rodovias BR-364 (via Cruzeiro do Sul/Pucalpa/Lima/Callao), BR-317 (via Boca do Acre/Rio Branco/Xapuri/Brasileia/Assis Brasil/Inapari/ Cuzco/Matarani), Manaus-Boa Vista-Caracas pela BR-174, e pela deterioração das condições de tráfego da Manaus-Porto Velho (BR-319), Santarém-Cuiabá (BR-163), Belém-Brasília (BR-010/153), Transamazônica (BR-230), impedindo o acesso aos mercados do

Pacífico, do Caribe e a integração ao restante do País; b) essa pressão também se realiza contra a construção de hidrelétricas na Amazônia, como a segunda etapa e as eclusas da hidrelétrica de Tucuruí, a construção da Cachoeira Porteira e a conclusão da hidrelétrica de Samuel e outras, impedindo assim a industrialização regional e a melhoria da qualidade de vida das populações do interior; c) a nova lei agrícola que definiu a floresta amazônica como patrimônio nacional que deve receber apenas incentivos fiscais que visem à sua preservação (sic) e à manutenção dos hábitos tradicionais de sua população. Desestimula-se, assim, a inovação, experimentação, criatividade e o surgimento de novos métodos não predatórios de utilização dos recursos naturais; d) desequalização dos preços dos combustíveis com a extinção do Fundo de Uniformização dos Preços dos derivados de petróleo. Assim, as zonas mais distantes, como o interior da Amazônia, iriam pagar preços altíssimos pelo óleo diesel e outros derivados, inviabilizando, assim, os transportes e tornando os fretes proibitivos e a produção impossível.

9. Política antiamazônica A prática discriminatória de preços agrícolas constitui um instrumento de uma política antiamazônica. Assim, pelo decreto de 18/3/1991, publicado no Diário Oficial da União de 19/3/1991, assinado pelo presidente Collor, ministra Zélia e ministro Cabrera, o preço mínimo e/ou aquisição do arroz de sequeiro em casca (saca de 60 kg) foi fixado em livro.pmd Cr$ 1.198 no Amazonas, Pará e Rondônia, Cr$ 1.645 em Goiás e Brasília e Cr$ 1.955 para o arroz agulhinha em casca no Sul do País. O preço de garantia do milho na Amazônia foi fixado em Cr$ 847 (saca de 60 kg), enquanto esse mesmo milho passou a ser pago a Cr$ 1.298 no Sul e Sudeste, ou seja, um subsídio de 53% para a agricultura do Sul, em detrimento do pobre agricultor nortista. O sorgo de Mato Grosso teve o seu preço fixado em Cr$ 596 a saca de 60 kg, contra Cr$ 909 no Sul e Sudeste, e a soja de Mato Grosso e Tocantins vale apenas Cr$ 1.275, contra Cr$ 1.546 no Centro-Sul. Trata-se, portanto, de uma política antiamazônica ou pelo menos anamazônica (para dar a Brasília o benefício da dúvida) com o objetivo de frear o desenvolvimento agrícola, transformando a região em uma área-museu ou santuário-selvagem para venda apenas de paisagem para o ecoturismo ou para guardá-la como reserva de recursos para a biotecnologia do século 21. Essa política se traduz, também, pela perda da prioridade regional amazônica dentro da nova estratégia do desenvolvimento nacional, pois os grandes investimentos na infraestrutura regional, em hidrelétricas, rodovias, telecomunicações, aeroportos, foram desativados ou minimizados, inclusive aqueles destinados à ciência e tecnologia nos órgãos de pesquisa, desenvolvimento e extensão.

10. Zona Franca de Manaus A situação da Zona Franca de Manaus, cujo modelo sempre esteve em fase de crise crônica, passou a entrar em fase de crise aguda e traumática, pois o seu horizonte de sobrevivência está ameaçado no próximo quadriênio, tanto pela nova política de competitividade industrial, modernidade tecnológica e abertura do mercado doméstico para a invasão de produtos dos países mais avançados, quanto pelo surgimento da nova política platina iniciada pelo Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), assinado em 26 de março de 1991. No primeiro caso, a Zona Franca de Manaus, como produzia artigos proibidos de importação registrados na lista da Cacex, tinha o mercado nacional garantido protegido por uma barreira alfandegária que eliminava a concorrência do exterior e tornava o consumidor doméstico cativo e submisso. A queda desse muro aduaneiro, que promete reduzir a alíquota de importação para 20% em quatro anos, constitui uma séria ameaça à sobrevivência do modelo, caso não surjam constrangimentos cambiais que impeçam esse livre câmbio em face da escassez de divisas e da situação precária do nosso endividamento externo. É preciso considerar que nenhum modelo pode ser mudado, nem criado outro assim tão bruscamente. A ZFM industrial levou 24 anos para ser implantada até atingir o estágio atual de 500 indústrias, com uma geração de empregos diretos de 80.000 operários, em Manaus, e indiretos de 250.000 trabalhadores no Amazonas e no restante do País (os efeitos multiplicadores desse emprego no restante do país em função da ZFM precisam ser incorporados nos manifestos e nas cartas de defesa da

ZFM das classes sindicais, empresariais e políticas). Se levarmos em conta o setor terciário, do comércio e de serviços, poderíamos até afirmar que a geração de empregos diretos e indiretos, em todos os segmentos de influência da ZFM, deve aproximar-se de 500.000 empregos que não podem ser desmontados ou desarticulados a golpe de uma medida provisória ao arrepio dos princípios constitucionais do artigo 40, das Disposições Transitórias da Constituição de 1988. Não se pode esquecer, também, que a Zona Franca de Manaus contribuiu consideravelmente para introduzir novos produtos e tecnologias no mercado brasileiro e, portanto, constitui uma plataforma e base que pode alavancar processos mais avançados de gestão administrativa e tecnológica. Também é relevante salientar que é a prin-livro.pmd cipal responsável pela geração de renda e de impostos no Estado, pois o valor adicionado na agregação industrial permitiu que contribuísse em torno de US$ 300 milhões/ano em Imposto de Circulação de Mercadoria, cerca de 50% do total de US$ 600 milhões do recolhimento do ICMS do Estado. Vale também ressaltar que o Estado do Amazonas é o maior arrecadador de impostos federais em toda a Amazônia, pois só em 1990 recolheu perto de US$ 580 milhões na Delegacia da Receita Federal de Manaus, o que comprova que as isenções fiscais da ZFM vêm sendo compensadas com um grande incremento da arrecadação da União. Isso se deve tanto à boa administração fazendária federal no Estado quanto, também, a uma resposta favorável do modelo, em termos de custo-benefício e de renúncia fiscal/arrecadação tributária. A carga fiscal suportada pela população da Amazônia é uma das maiores do Brasil, pois em 1990 representava um ônus de US$ 637 per capita/ano contra US$ 359 em 1989, devendo ser a mais alta taxa de oneração fiscal do País. Ônus esse que deve estar chegando aos limites da exaustão pela sobrecarga que isso representa em termos de custos e despesas.

11. Tratado de Assunção: Mercosul Por sua vez, a assinatura do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, criou um mercado comum de bens, serviços e fatores produtivos, eliminando as barreiras alfandegárias entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai por um período de quatro anos, que pode trazer vantagens para esses países, em virtude do aumento das economias de escala, à semelhança do que está ocorrendo em diversos continentes. O que se discute, porém, é que esse horizonte de curtíssimo prazo por si só é inviável e economicamente desastroso para o Brasil, pois vai entregar o grande mercado consumidor brasileiro aos nossos vizinhos do rio da Prata, sem uma contrapartida de vantagem ou cláusula de salvaguarda, em caso de gerar, num prazo tão curto, efeitos desastrosos para muitas economias brasileiras localizadas, tanto no setor industrial quanto agrícola e nas regiões mais distantes do Centro-Sul, Nordeste e Amazônia. Não é que estejamos nos posicionando a priori contra uma ideia de cooperação e integração que pode até produzir bons resultados. O que causa insegurança é a pressa de fazê- lo em quatro anos, quando o mercado europeu levou 40 anos para a sua implementação e, mesmo assim, muitos países da comunidade europeia estão pedindo prorrogação do prazo fatal de 1992, quando cairão todas as barreiras. O Tratado do Mercosul prevê uma desagravação imediata de 47% no imposto de importação já em 30 de junho de 1991 e a partir daí uma redução linear e automática de 7% de seis em seis meses, de modo que em 31 de dezembro de 1994 tenhamos chegado à alíquota zero e o mercado comum inteiramente livre de barreiras e impostos. O que mais assusta, no entanto, é que a qualificação de origem, para gozar dos benefícios do Mercosul, considera como nacional todo e qualquer produto que tenha apenas 50% de insumos nacionais ou provenientes de países do Tratado. Assim, qualquer indústria competidora da Zona Franca de Manaus pode ser instalada no Paraguai ou Uruguai e, usando os insumos brasileiros, competir com o produto da ZFM. Como esses mercados se encontram a 12 e 15 horas de distância, por via rodoviária, as desvantagens locacionais de Manaus irão se acentuar e provocar o desestímulo a novos investimentos.

12. Alongamento do horizonte de tempo Somente a enunciação de tais políticas, a de modernização e competitividade industrial e o Tratado do Mercosul, reduzindo o prazo de sua implantação para quatro anos, fez reduzir o horizonte de decisão do empresário zona-franquino para esse mínimo de tempo, livro.pmd incompatível com qualquer política de estabilidade e manutenção do prazo constitucional de 25 anos. Resta-nos esperar que o

Congresso Nacional, ao estudar o Tratado, venha a dilatar o prazo de sua implementação, pois é de experiência internacional que nenhum tratado é aprovado pelos Congressos dos países membros sem prévio e amplo debate com a sociedade. Em nosso caso, esperamos que os nossos parlamentares introduzam cláusulas de salvaguarda para a ZFM e criem mecanismos institucionais compensatórios que permitam que a Amazônia se beneficie, também, com a ampliação do Mercado Comum do Cone Sul, onde está situado o nosso consumidor preferencial e de alto poder de compra. O parque industrial da ZFM, já instalado, constitui uma vantagem em termos operacionais de tempo, que bem pode oferecer uma abertura pronta de intercâmbio a despeito das desvantagens de localização espacial excêntrica. Seus custos de transferência precisam ser bem-avaliados para aferir o potencial desse mercado para os produtos aqui montados e fabricados com os atuais índices de nacionalização e agregação. É preciso considerar, também, nesse Mercosul, que o nosso País é signatário do Pacto Amazônico com os países vizinhos da bacia amazônica. O Tratado de Cooperação Amazônica assinado em 1978, e até hoje não operacionalizado, pode se constituir num futuro mercado comum pan-amazônico. Daí a necessidade de incluir no Mercosul uma cláusula de salvaguarda para os interesses e necessidades do referido pacto, pois tudo indica que a ZFM, estando situada na calha norte, tem o seu destino de expansão vinculado aos países do Caribe e aos mercados amazônicos vizinhos.

13. Alternativas, opções e propostas Não podemos, de outro lado, usar a política do avestruz, enterrando a nossa cabeça na areia, esperando que a tempestade passe e nos deixe incólumes e íntegros. O mundo mudou e continua a mudar. O Leste europeu comunista desintegrou-se e está ávido de investimentos privados internacionais. Os tigres asiáticos (Coreia, Hong Kong, Taiwan, Cingapura e agora Indonésia, Malásia) estão enfrentando o poder tecnológico e financeiro do Japão, Estados Unidos e Europa. Estão sendo criados grandes mercados comuns para aproveitar economias de escala. A ciência e a tecnologia estão encurtando o tempo existente entre a descoberta na ciência básica e a sua aplicação prática nas fábricas e nos campos. O meio ambiente constitui um novo vetor que não pode ser mais desconsiderado nas análises de custos e benefícios. A ecologia chegou para ficar e não é um modismo passageiro e efêmero. A economia, por sua vez, passa a assumir maiores responsabilidades, pois vai ter de incorporar, além dos fatores produtivos, recursos humanos mais qualificados e mais bem-remunerados, gerar mais empregos, mais impostos, contribuir para aumentar a justiça social e usar os recursos naturais de maneira mais eficiente e inteligente de modo autossustentável, de forma que a vida na face da Terra continue a existir, a despeito da usura ou da cobiça humana e política. Por isso, creio que o Amazonas enfrenta diversas ordens de problemas de grandeza e dimensão diferentes: a) um deles trata de tornar mais eficiente e competitivo o modelo da Zona Franca de Manaus, adaptando-o mediante o aperfeiçoamento de sua tecnologia por intermédio da incorporação de novas máquinas e equipamentos. Para tanto, todo bem de capital, máquinas, equipamentos importados do exterior ou de outros Estados do País devem estar inteiramente isentos de ICM e de quaisquer outros impostos e gravames fiscais. Trata-se de um verdadeiro absurdo a exorbitância fiscal em querer tributar bens do ativo permanente de qualquer estabelecimento econômico, seja industrial, comercial ou agrícola. Essa adaptação, ao lado da modernização tecnológica, exige, durante ao menos um horizonte de uma década, tarifas de proteção e de equilíbrio para compensar o fator da distância e isolamento, que continuam a existir e que constituem um dos motivos da criação do Decreto-Lei n.o 288, de 1967; b) para diminuir a distância e o isolamento é preciso criar uma infraestrutura de serviços básicos, tanto técnicos quanto humanos, a fim de que o modelo possa, também, se tornar exportador e não depender apenas dos mercados domésticos do Centro-Sul. Para isso é indispensável: eliminar todo e qualquer tributo que onere a exportação que foi duramente penalizada pelos constituintes de 1988; prover as indústrias de energia elétrica mais acessível e barata (a construção da hidrelétrica da Cachoeira Porteira ou o aproveitamento do gás da Urucu é indispensável); construir estradas pavimentadas, sobretudo a BR174, para nos abrir o caminho para o Caribe, pois o nosso destino está mais voltado para os mercados da calha norte do que para a área da calha sul; estabelecer sistemas eficientes de transporte fluvial e marítimo roll-on/roll-off para baratear custos; melhorar o ensino e educação em todos os níveis; investir em ciência, tecnologia e extensão agropecuária; melhorar o nível de gestão empresarial; inovar e ampliar o quadro de nossa pauta de exportação; aperfeiçoar o aparelho institucional público, racionalizar e tornar o aparelho burocrático do Estado mais sensível às necessidades de atrair, incentivar e cooperar com o

setor da economia privada; diminuir o desperdício em gastos supérfluos e aumentar a eficiência do setor da administração pública. A capacidade tributária está chegando aos limites da exaustão, em face da elevada incidência e superposição dos 53 tributos federais, estaduais e municipais. Nesse particular, é preciso notar que o Estado do Amazonas exporta apenas US$ 70 milhões/ano, ou seja, o equivalente à exportação paraense de 15 dias, pois o vizinho Estado já está exportando o equivalente a US$ 1,5 bilhão/ano; c) a adaptação e a modernização não serão problemas tão difíceis, pois já temos sediadas na área um elenco de grandes empresas multinacionais e nacionais, que podem transferir os novos inventos e produtos, desde que se criem condições de acolhimento favorável e ambiente propício à sua atração. Não se pode hostilizar o empresário pelo simples poder e arrogância de fazê-lo, a fim de desafiá-lo com exigências exorbitantes e descabíveis, sobretudo se pretendemos viver numa economia de livre empresa e de mercado; d) é preciso considerar que já existem investidos em instalações e ativos fixos no Parque Industrial de Manaus mais de US$ 10 bilhões, e esse investimento pesado constitui uma garantia de que ele continuará a operar, a não ser que o hostilizemos de tal forma e o tributamos com tal rigor, que a sua lucratividade venha a zerar. É preciso não esquecer que o poder de tributar, como disse o juiz Marshall, da Suprema Corte dos Estados Unidos, implica também o poder de destruir. Não apenas o poder de destruir, mas também o poder de complicar, burocratizar, hostilizar, negar direitos, mudar as regras do jogo, o que podem ser absolutamente deletérios para a manutenção e sobrevivência do nosso parque industrial. Muitas vezes, o custo da obediência aos regulamentos, decretos e portarias inviabiliza qualquer empreendimento. Esse é o melhor caminho das pedras que nos pode levar à albanização da nossa economia, com consequente estagnação secular. Tal estagnação pode inviabilizar a Amazônia interior para os próximos cinquenta anos, repetindo o ciclo da depressão da borracha, pois não existe garantia nenhuma de que o processo de desenvolvimento seja automático e contínuo, de vez que há exemplos de economias que retrocederam no tempo e se inviabilizaram de forma permanente, por meio de políticas antagônicas, incompatíveis e incompetentes; livro.pmd e) a adaptação do modelo industrial da ZFM passa, necessariamente, pelo aprofundamento e melhora na tecnologia das empresas já instaladas, como também pela sua diversificação, de modo a torná-lo menos vulnerável à monocultura industrial do polo eletroeletrônico. Temos uma ampla gama de novos segmentos industriais que devem ser incorporados ao modelo da ZFM. Entre eles podemos citar a metalurgia dos minérios, como a do estanho, tantalita, zircônio, caulim, potássio e outros minérios recém-descobertos, que devem passar por um processo de fundição e agregação de valor na área, ao invés de serem exportados como mera matéria-prima para processamento em outras áreas. Outras áreas suscetíveis de serem ampliadas são a de componentes que, infelizmente, a política de substituição do critério de nacionalização crescente pelo mero valor agregado de 30% constitui, a meu ver, um retrocesso no processo de complementariedade e agregação do valor da produção regional. Setores novos como o da micromecânica, química fina, informática, biotecnologia, necessitam ser explorados e atraídos com maior intensidade; f ) explorar novos setores de tecnologia de ponta que sejam de alto valor e pouco peso para compensar os fatores adversos do isolamento e da grande distância. É preciso considerar que Manaus se encontra a 1.500 km de Belém e, portanto, o transporte marítimo de ida e volta exige um percurso de 3.000 km e um mínimo de tempo de oito dias, o que em termos de custo de frete implica para as companhias de navegação um adicional de custo de US$ 100.000 por viagem. Como não existe carga de retorno e a nossa exportação para o exterior é insignificante (cerca de US$ 70 milhões/ano), os fretes se tornam excessivos. Para exemplificar: do Japão para Manaus o custo do transporte de uma tonelada ou metro cúbico é de US$ 350 contra menos de US$ 200 do Japão para o Rio ou Santos. Somos, pois, penalizados pela distância que nos encontramos do oceano Atlântico e cujos altos fretes impedem que nos transformemos num entreposto aduaneiro à semelhança de Cólon, no Panamá; g) criar novos polos agroindustriais, madeireiros, xiloquímicos, farmacêuticos, que industrializem matérias-primas regionais e recursos naturais.

14. Reativação de uma tradição agrícola Outra alternativa válida seria a de ressuscitar velhos setores desativados e que no passado contribuíram para a geração de renda, imposto, emprego e abastecimento. Manaus já foi autossuficiente na produção de hortigranjeiros, leite e flores, pois no passado as hortas e as vacarias dos imigrantes portugueses abasteciam Manaus; Careiro e Cambixe foram importantes polos abastecedores de leite, queijo, manteiga e flores, especialmente rosas, jasmins e angélicas, bem como um centro de produção de abacaxis que, juntamente com a produção do Aleixo, abastecia Manaus. Antes do advento da juta, na década de 40, toda a

várzea era ocupada por produtores hortigranjeiros, bem como de cereais, milho, arroz, feijão, melancia, farinha, verduras, frutas e tubérculos.

15. Diáspora empresarial Essa tradição agrícola em grande parte foi perdida, à medida que Manaus passou a ser o principal polo de atração do interior, e na hinterlândia fatores de expulsão forçaram o êxodo rural pela impossibilidade de sobrevivência. As gerações mais novas foram se tornando mais exigentes em termos de qualidade de vida e os serviços públicos e de infraestrutura foram se degradando e se extinguindo. As doenças e endemias muito contribuíram, também, para acelerar a expulsão desses agentes econômicos. livro.pmd A existência de uma classe empresarial no interior, juntamente com os coronéis de barranco, donos de seringais, castanhais e empresas de aviamento e navegação ajudaram a manter durante décadas a sobrevida dessas populações, mesmo durante o período de depressão. O interior, no entanto, foi perdendo a sua liderança empresarial, e as principais famílias interioranas foram se mudando para Manaus, o que determinou também a diáspora dos empresários, que largaram os seus barracões, seringais, castanhais, flutuantes, casas de comércio, campos de gado, roças de lavouras, para se estabelecerem em Manaus. Um dos fatores que contribuíram para esse êxodo rural foi a extinção dos internatos nos colégios particulares, aonde vinham estudar os filhos desses empresários. Com a extinção desses internatos, a única solução foi a transferência da família inteira para Manaus.

16. Nova ordem econômica É possível ainda, no entanto, com muito esforço, pertinácia, motivação política e, agora, com novos investimentos em ciência e tecnologia para melhorar a produção e eficiência da flora, do agro, do criatório e da pesca, criar novos centros de desenvolvimento que venham a constituir outra ordem econômica com novas propostas e soluções que possam complementar, aperfeiçoar e interiorizar o modelo da ZFM. É necessário e urgente estancar o processo do êxodo rural mediante investimento no interior e na criação de cidades de porte médio. Esses investimentos, ações e políticas devem ser orientados tanto para a infraestrutura econômica e social quanto para a criação de novos sistemas de produção, com a introdução de novos cultivares, novas espécies de plantas e animais que introduzam dinamismo nas relações econômicas e permitam melhorar as condições de vida do empresário e do trabalhador rural.

17. Reversão do êxodo rural O problema rural possui um nível de complexidade mais alto que a questão do desenvolvimento urbano, visto que o campo se encontra, hoje, despovoado e desprovido de serviços básicos, pois até água e luz são serviços extremamente precários. Os investimentos, assim, terão de ser maiores, e o Estado, com uma receita tributária de US$ 600 milhões/ano, não tem como atender as exigências de uma população de perto de 1,4 milhão de habitantes de Manaus (dos quais a metade vive em condições de extrema pobreza e carência) e, ao mesmo tempo, inaugurar um novo tempo na hinterlândia, cujo processo de desagregação e estagnação dura mais de meio século de abandono e frustração. Esses investimentos terão de ser aportados pelo Governo Federal, a fundo perdido, ou de retorno em longo prazo, ou proveniente de fundos internacionais, caso esses organismos obcecados pela paranoia ecológica viessem a admitir algum tipo de atividade econômica, em substituição à parte da floresta que precisa ser removida para instalação desses novos centros de produção.

18. Renovação e polos do interior Dentro desse novo cenário de renovação do interior e de recuperação do tempo perdido, poderíamos implantar polos ou projetos comunitários ou individuais especializados na produção de tubérculos, entre eles a macaxeira, cuja resposta rápida pode imediatamente suprir as carências quantitativas (não qualitativas) de fome endêmica, que lavra tanto nas capitais quanto nas sedes dos municípios. Essas carências são tão gritantes que, hoje, o interior depende de Manaus e do Sul do País para se

abastecer daqueles produtos básicos a exemplo do frango, ovo, leite e outros produtos alimentícios que, outrora, eram produzidos localmente. Ao lado dessa produção de tubérculos (macaxeira, mandioca, cará, batata-doce, ariá etc.) poderiam ser introduzidos centros de produção de arroz, milho, feijão e hortigranjeiros nos extensos varzeados durante o período da vazante, de setembro a abril, quando as férteis várzeas dos rios de água barrenta são capazes de produzir duas safras por vazante. As opções e alternativas são muito grandes, pois existe todo um campo de cultivares e culturas a serem desenvolvidos como fruticultura e indústrias de sucos, compotas e geleias de espécies nativas e exóticas e de outras culturas permanentes na terra firme e nos altos varzeados. A bubalinocultura, a agropecuária e o criatório de espécies menores: o carneiro e a cabra, que já foram, no passado, criados intensivamente no interior do Estado e cuja criação, hoje, praticamente desapareceu, constituem opções válidas. Ao lado desse programa agrocriatório, o campo da piscicultura abre um novo horizonte econômico para o Estado, a partir do momento em que se descobriu que é possível a criação de peixes em cativeiro e em lagos ou represas, e a sua reprodução mediante a técnica de hipofisão que induz a função sexual tanto do macho quanto da fêmea. A piscicultura leva uma vantagem sobre outras formas de criação, pois o seu poder de multiplicação é infinito e não está limitado pela capacidade da fêmea em produzir uma gestação longa como é o caso dos mamíferos. A produção de alevinos é infinita, e o seu potencial de produção supera qualquer forma de vida vegetal ou animal. Um setor primário que precisa ser reativado nesse novo modelo é o da produção de óleos e essências, para fins de perfumaria, farmácia, cocção ou produção de energia. A biodiversidade da floresta amazônica oferece centenas de essências de óleos, fragrâncias, cheiros que podem deflagrar a criação de centros xiloquímicos especializados. Hoje, praticamente, a única agroindústria química existente no meio rural é a da destilação de óleo de pau-rosa. Existem, porém, inúmeras possibilidades de expansão desse setor, com a utilização de outras espécies como a copaíba, andiroba, patauá, dendê, coco etc. É um setor de alta rentabilidade que pode ser autossustentado mediante o corte da espécie, com uma altura de 50 centímetros do chão para permitir a regeneração, ou por meio de manejo florestal, técnicas de enriquecimento, plantações homogêneas ou consorciadas contra o perigo da monocultura ou das pragas. Seria a introdução de um novo conceito de poliextrativismo tecnológico, inteligente e autossustentado por intermédio da intensificação de seu aproveitamento pela diversificação das espécies mais nobres e de alto valor econômico. Outro segmento que um dia já fez história na Amazônia é o setor das especiarias, ao tempo do ciclo das “drogas do sertão”. Esse setor possui inúmeras alternativas autóctones ou exóticas. A introdução da pimenta-do-reino pelos japoneses, em ToméAçu, gerou um faturamento superior a US$ 40 milhões/ano para a economia paraense. O cravo foi adaptado e floresce abundantemente na Bahia. O urucu se expande hoje na Paraíba. Existem, pois, boas razões para se acreditar que a localização de centros de produção de especiarias, que constitui uma vocação dos trópicos, precisa ser estimulada e rentabilizada no interior. Espécies que merecem citação especial: pimenta-do-rei- no, pimenta-de-cheiro, cominho, canela, cumaru, urucu, cravo, anil, baunilha, noz-moscada, gengibre, gergelim, louro, açafrão e tantas outras especiarias de largo uso na culinária amazônica e universal.

19. Uma nova agroindústria A reativação de economia interior deve passar necessariamente pela instalação de polos industriais vocacionadas para aquelas regiões que possuem maiores vantagens comparativas como: • polos madeireiros e moveleiros procurando obter o máximo de agregação de valor para evitar o desperdício mediante o uso racio-livro.pmd nal e inteligente do manejo desses recursos florestais nativos ou mediante o cultivo de florestas para fins industriais e energéticos; • polos minerais a serem localizados naquelas áreas onde esses bens existem e são lavrados, recomendando-se a sua industrialização primária, mediante processos simples de pelotização, fundição e outros. Inclusive para produção de granito laminado para aproveitar as formações geológicas do pré-cambriano do sistema guiano, muito rico em formações graníticas; • polos petroquímicos cuja localização ideal, no caso da Amazônia Ocidental, seria nos municípios de Coari e Tefé, para

aproveitar o gás e o petróleo leve do rio Urucu, mediante a instalação de unidade de processamento de gasolina e gás para abastecimento regional. Ou ainda utilizados na boca do poço como energético para produção de eletricidade que viria alimentar as cidades e vilas da calha sul, da rodovia BR-319, BR-317 e por meio de cabo subaquático até Manaus; • polos heveofabris para aproveitar a produção extrativa de látex e borracha já existentes, mediante a localização de indústrias leves que utilizem esses elastômeros naturais, revivendo uma velha indústria que já existiu na Amazônia, como a produção de galochas, bolas de sernambi, balões, camisas de vênus, saltos de borracha para sapatos e tapetes de borracha, aliados a outros novos produtos entre os quais luvas cirúrgicas e tantos outros produtos derivados de borracha e látex; • polos extrativistas para explorar recursos florestais e dos rios mediante novas tecnologias não predatórias e mais intensivas, por intermédio de métodos de enriquecimento, diversificação, concentração, tanto pelo uso de espécies nativas quanto pela introdução de espécies exóticas; florestas energéticas para áreas degradadas e outros tipos de culturas florestais, aproveitando tecnologia inovadora da biologia celular, que usa a técnica de reprodução assexuada, mediante o enraizamento de estacas e culturas a partir de células ou clonagem.

20. Prioridade amazônica e vontade política A seguir, alguns exemplos e propostas que servem para ilustrar que nem tudo está perdido e que é preferível acender uma vela à amaldiçoar a escuridão, como disse Confúcio. As perspectivas e quadros sombrios que recaem sobre o nosso sofrido caboclo, causando aquilo que denominamos de Holocausto do Interior, precisam ser imediatamente combatidos, de modo a evitar o genocídio de nossa população que vive no campo e nas pequenas vilas e povoados. É possível, ainda, desde que haja vontade política estadual, regional e nacional, reverter o atual quadro com recursos e investimentos federais e internacionais destinados a criar na Amazônia, naquelas áreas que foram zoneadas, ecológica e economicamente, centros de produção agrícola, florestal, piscicultora, criatória, mineral e energética em benefício da população amazônica, que se aproxima, hoje, de 20 milhões de pessoas (Amazônia Legal). Isso sem falar na necessidade de reservar extensas áreas, na ordem mínima de 200 milhões de hectares, para preservação ecológica permanente, que de preferência devem se situar nos vales interfluviais para conservar a biodiversidade e as necessidades de manter a coevolução das espécies características dos interflúvios dos grandes rios da calha norte e da banda sul do leito principal do rio Amazonas. De outro lado, o modelo da Zona Franca de Manaus, a despeito de sua necessária adaptação e modernização, precisa ser preservado, pois aquilo que se construiu em um quarto de século não pode ser destruído num simples golpe de medida provisória. A Amazônia e a nação precisam estar conscientes de que o País é um grande continente pela sua extensão territorial, e nele devem conviver, de forma harmoniosa, cooperativa e unitária, quatro brasis: um Brasil Atlântico, que ocupa 7.000 km da costa oceânica e que vem sendo explorado desde a descoberta; um Brasil Platino, dominado pelos interesses e livro.pmd necessidades dos países que são condôminos dos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e Prata, onde se concentra o maior centro dinâmico da América do Sul; um Brasil Sertanejo, constituído pelas sofridas populações do sertão nordestino e do Planalto Central, que ganhou força política desde a transferência da Capital Federal para Brasília; e um Brasil Amazônico, do qual o Brasil compartilha a sua soberania com a Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname. Essa pluralidade geopolítica não impediu, no entanto, que o País se mantivesse unido e solidário no seu destino comum.

21. Soberania capitis diminutio Não seria, pois, admissível nem imaginável que uma política brasileira anamazônica viesse a ser implementada na área, visto que a desistência e perda da prioridade amazônica determinariam, por via de consequência, a renúncia da plena e integral soberania e independência nacional. Soberania essa que vem sendo hoje impugnada e contestada por eminentes políticos, autoridades ecológicas e cientistas do Primeiro Mundo, sob a falsa acusação de que estamos destruindo a Amazônia e matando os índios e que, portanto, é preciso planetarizá-la em benefício da humanidade futura. Corremos o risco, assim, com essa omissão e negligência, de ter que enfrentar, na próxima Conferência Mundial de Ecologia e

Desenvolvimento, a ser realizada no Rio de Janeiro, em 1992, ameaçadoras propostas, se não de internacionalização da área amazônica, pelo menos de desistência ou limitação do uso, gozo, fruição e disposição de seus recursos naturais e potencialidades econômicas. Essa armadilha geopolítico-ecológica poderia conduzir a uma esdrúxula tese de direito internacional ambiental, mediante a criação de uma nova figura de cogestão ou de soberania compartilhada capitis diminutio. Por essa tese o Brasil manteria, apenas, os aspectos formais, adjetivos e simbólicos de uma relativa titularidade dominial soberana, cedendo ou compartilhando a plenitude do exercício do seu direi- to dominial substantivo a uma entidade supranacional que administraria a Amazônia como patrimônio cultural, biológico e paisagístico da humanidade.

22. Santuário silvestre: paraíso dos botânicos, purgatório dos políticos e inferno dos economistas Por isso é inadmissível que, agora, surja uma nova forma de colonialismo ou imperialismo travestido em paranoia ecológica ou amazonoia que se arrogue o direito de isolar e transformar a região em um santuário silvestre. Santuário que seja o paraíso dos botânicos, o purgatório dos políticos e o inferno dos economistas, dos caboclos e dos homens que vieram se fazer e viver na Amazônia para trabalhá-la e desenvolvê-la. Trabalho e desenvolvimento autossustentado que deve se compatibilizar com as necessidades de uma política ambiental de conservação, pois toda política ambiental passa, inevitavelmente, pela necessidade de promover o desenvolvimento econômico. Desenvolvimento que é sempre um processo de expansão quantitativa e qualitativa de produção de bens e serviços destinados à melhoria da vida e ao bem-estar de todos, mediante o uso racional e inteligente dos recursos naturais, humanos, financeiros, tecnológicos e organizacionais.

23. Cooperação internacional ambiental Esse receio não invalida ou inibe a necessidade de uma política de cooperação internacional com relação aos problemas comuns do meio ambiente causados, quer por externalidade negativa de sistemas de produção antiambientais, quer por processos destruidores como os relativos à erosão dos solos, à contaminação das águas, à poluição atmosférica, à destruição da nossa herança biológica e cultural, à pobreza e à miséria humanas. Para combater todas essas externalidades negativas e, ao mesmo tempo, conviver com a necessidade de promover o desenvolvimento econômico autossustentado, o mundo, como um todo, teria de criar novos instrumentos e mecanismos de assistência e proteção que busquem compatibilizar o trinômio homem-natureza-sociedade. Essa nova ordem institucional, sem ferir ou invadir a soberania de apenas alguns países subdesenvolvidos, procuraria, por meio de incentivos e de estímulos, criar condições de sobrevivência e cooperação no campo ecológico e econômico. Entre esses novos instrumentos, à semelhança de alguns pesquisadores, propus há tempos a criação de um imposto internacional ambiental, assim como outros sugeriram a criação de um fundo de cooperação e financiamento do ecodesenvolvimento, para permitir que esforços comuns sejam feitos no campo da ciência, tecnologia e produção para gerar novos conhecimentos e técnicas não invasivas, não agressivas, não poluidoras e não destruidoras da vida, sem a perda do sentimento social e humano.

7. Africanização econômica e balcanização ecológica da Amazônia A Amazônia entra no ano 1 da década de noventa sob o signo da crise, da recessão, do desemprego e do empobrecimento. Pior do que isso: entra, também, na era da regressão de sua fronteira agrícola, econômica e humana. Mais ainda: enfrenta o peso esmagador das limitações internas e dos constrangimentos externos. Limitações internas causadas pela crise financeira que gerou perda de capacidade de investir do poder público federal e pela perda de prioridade regional nas políticas de interiorização do desenvolvimento nacional e nas áreas pioneiras de expansão. Constrangimentos externos determinados por pressões de grupos e organizações governamentais e não governamentais, que, sob o pretexto de preservação ambiental e argumentos de caráter ecológico radical ou romântico, tentam opor-se ao aproveitamento dos recursos naturais, florestais, minerais e energéticos da região, em nome da salvação e sobrevivência universal. Salvação e sobrevivência da humanidade, que muitos políticos ideólogos militantes e cientistas creem que dependem da manutenção e sacralização das florestas e dos recursos naturais amazônicos, que devem ser preservados na sua forma bíblica original, edênica e adâmica. Em nome desse edenismo e adamismo divulga-se uma grande campanha internacional pelos meios de comunicação de massa, visando a preservar na sua integridade os ecossistemas amazônicos, na sua forma primitiva e selvagem; permitindo-se, apenas, que os povos da floresta – índios, seringueiros, castanheiros e extratores – povoem-na e usufruam-na, numa escala econômica de simples sobrevivência, conduzindo essas populações à perpetuação da pobreza, solidão e isolamento. Essa forma de exploração e sobrevivência do extrativismo primitivo, algumas correntes confundem com desenvolvimento autossustentado, pois desconhecem que esse tipo de processo tem de ser sincrônico e diacrônico, isto é, deve atender às necessidades das populações atuais sem destruir as opções e oportunidades das gerações futuras. Desenvolvimento autossustentado que tem de obedecer àqueles quatro paradigmas que venho pregando há mais de 30 anos: que o desenvolvimento amazônico deve ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo. Desse modo, premidos por fatores de ordem interna e externa, já estamos enfrentando um processo contínuo e sistemático de africanização econômica e balcanização ecológica. Africanização econômica por uma política de empobrecimento e desestímulos da nova fronteira agrícola, mineral e energética de Rondônia, norte de Mato Grosso, sul do Pará e Estado de Tocantins, e áreas esparsas localizadas no Acre, Amazonas, Roraima e Amapá. A desequalização dos preços mínimos de garantia, financiamento e valores básicos de custeio agrícola foram reduzidos drasticamente para a safra de 1991 do Norte e Centro-Oeste. De acordo com a portaria publicada no dia 10 de outubro pelos ministérios da Agricultura e da Economia, a vigorar a partir daquela data, o arroz de sequeiro, produzido na Amazônia, tem uma garantia de preço mínimo de Cr$ 2.838 por saca de 60 quilos (menos 38%) contra Cr$ 4.541 no Sul e Sudeste; o milho no norte de Mato Grosso e Rondônia vale, apenas, Cr$ 1.994 (menos 42%) contra Cr$ 3.417 no Sul e Sudeste; e a soja em Mato Grosso e Tocantins Cr$ 3.495 (menos 17%) contra Cr$ 4.177 no Sul e Sudeste. Por trás dessa política de empobrecimento e africanização econômica existe toda uma filosofia de centralização e verticalização do espaço agrícola no Centro-Sul, fazendo com que se inviabilize a produção nos centros mais distantes da Amazônia, sujeitos ainda ao peso do excesso da distância, dos fretes e da intermediação financeira e mercantil. No rastro dessa africanização econômica virá, sem dúvida, a regressão da fronteira humana duramente ocupada à custa de pesados sacrifícios humanos e investimentos ao longo da BR-364 (Cuiabá- Porto Velho), BR-163 (Cuiabá-Santarém), BR-010 (Belém-Brasília) e BR- 230 (Transamazônica). Os produtos do extrativismo florestal, cada vez mais escassos, obtêm cotações e preços aviltados, acelerando o processo do êxodo rural e das migrações para os centros urbanos. A borracha tem o seu preço defasado em 50%, e a sua safra regional de 25.000 toneladas caiu para menos de 12.000 toneladas. Isso quando se fala em criar a República das Reservas Extrativas dos

Seringueiros e dos Povos da Floresta. A castanha, cuja safra já chegou a 40.000 toneladas, hoje não são colhidas mais que 20.000 toneladas. A produção da sorva, no Amazonas, despencou de 3.000 para 300 toneladas, pois o produto sintético acabou com a produção do Estado, restando apenas uma exportação de 300 toneladas para o Japão. Das 40 usinas que produziam 3.000 tambores de óleo de pau-rosa restam apenas sete, com uma produção de 300 tambores, redução que se deve à descoberta do linalol sintético. A juta e a malva despencaram de uma safra de 80 a 100.000 toneladas para 30/40.000 toneladas em toda a região, com fechamento de fábricas e a sua substituição pelo polipropileno sintético. Há 25 anos curtíamos em Belém e Manaus 500.000 couros de jacaré, com uma contribuição de US$ 50 milhões para o balanço de pagamento do País. Com a Lei n.o 5.197, de 1976, quando a caça foi proibida, perdemos esse importante item em nossa pauta de exportação, em benefício do descaminho e da economia subterrânea e informal. O cacau, que chegou a ser produzido em torno de 50.000 toneladas, em Rondônia, ao longo da BR-364, e no Pará, em Altamira, ao longo da BR-230, teve a sua produção drasticamente reduzida, em função da cotação internacional ter caído de US$ 2.500 para US$ 1.000 a tonelada, e de nossa incapacidade para combater as pragas e a vassoura-de-bruxa pela desativação da Ceplac e dos programas de pesquisa agronômica. O café, que constituía uma das riquezas de Rondônia, com o anúncio de uma produção de um milhão de sacas da variedade canelão (conilon) e arábica, teve o seu preço achatado de US$ 200 para menosdeUS$80asacade60kg. No setor mineral, a tonelada do lingote de alumínio caiu de US$ 2.100 para US$ 1.200, afetando drasticamente os projetos de Trombetas, Albrás e Alumar; a queda do estanho, de US$ 12.000 para US$ 6.000 a tonelada, ameaça fechar ou inviabilizar até as maiores minas do mundo, situadas em Bom Futuro (Rondônia) e em Pitinga (Amazonas). O preço do ferro-gusa (incorporados os custos ambientais, deveria ser de US$ 180 a tonelada, que é pago a US$ 120) força os guseiros, de Marabá, a praticar o abate predatório da floresta, pela impossibilidade de custear a plantação de florestas energéticas, que assegurem o desenvolvimento autossustentado. Na Zona Franca Industrial e Comercial de Manaus, uma análise micro e macroeconômica e social revela e avalia o peso da crise montada pela nova política industrial de abertura de fronteiras, de “competitividade” e “modernidade”. O principal indicador dessa crise que se abate sobre a ZFM, no segmento industrial, é a queda do nível de emprego. De um total de 90.000 operários, em 1991, a classe trabalhadora perdeu perto de 35.000 empregos, uma dramática perda para as classes de mais baixa renda. A avaliação dessa perda pode ser medida pela massa salarial que deixou de circular nesse segmento amazonense. Como as indústrias da ZFM continuam a pagar um piso salarial médio de US$ 200 mensais, fora os custos e benefícios sociais e previdenciários, essa perda representa US$ 7 milhões/mês, ou Cr$ 3,15 bilhões/ano. Essa massa salarial, ao comprar bens e serviços no comércio, iria gerar impostos estaduais e municipais da ordem de Cr$ 551 milhões/mês de ICMS e Cr$ 137 milhões/mês para os municípios. O reflexo, em termos de Previdência Social, tomando por base uma contribuição de 10% do empregado e 20% do empregador, significa uma perda da ordem de Cr$ 975 milhões/mês no orçamento do INSS. Assim, em termos de renda pública estadual e municipal, a africanização da Zona Franca de Manaus deverá afetar as fazendas federal, estadual, municipal e previdenciária, com uma queda na receita da ordem de Cr$ 1,5 bilhão/mês, ou Cr$ 18 bilhões/ano. No segmento comercial da ZFM, o efeito demolidor da queda do muro de Berlim alfandegário e a abertura da fronteira paraguaia de Ciudad del Leste (antiga Presidente Stroessener) para o comércio subterrâneo e informal do descaminho e contrabando têm gerado um efeito devastador sobre esse segmento comercial amazonense. Um dos melhores indicadores levantados pela Embratur revela, nas declarações de bagagem (DBAs) no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, que de janeiro a maio de 1989 foram declaradas pelos turistas saídas de mercadorias no valor de US$ 73,3 milhões, contra US$ 43,7 milhões em 1990 e US$ 33 milhões em 1991. O quadro estatístico, que apresentamos, revela que, durante o ano de 1990, o turista comprou mercadorias na ZFM de US$ 165 milhões contra US$ 177 milhões em 1989. Se prevalecer a tendência de queda já registrada no primeiro semestre deste ano, em 1991 iremos ter uma venda para turistas de apenas US$ 100 milhões, com uma perda de US$ 65 milhões sobre o ano passado. Enquanto isso, informações recebidas do paraíso fiscal “brasileiro” da Ciudad del Leste nos indicam um movimento comercial da ordem de US$ 200 milhões/mês movimentado por turistas brasileiros que acorrem nos fins de semana, em número superior a 50.000. Mais de US$ 2 bilhões de vendas/ano faturados pelo Paraguai para os brasileiros, isentos de impostos, taxas de hospedagem, hotéis, tarifas de avião, graças a um conluio de interesses, alienação e descontrole aduaneiro. Bastaria exigir de cada “turista” brasileiro uma declaração de bagagem com direito a uma franquia de US$ 250 por ano e reforçar a fiscalização na Ponte da Amizade, para estancar essa sangria de divisas. Essa situação fez antecipar, para o Paraguai, a vigência do Tratado de Assunción, que criou o Mercosul, antes mesmo de sua aprovação pelo Congresso Nacional.

Estes são apenas alguns exemplos do nosso empobrecimento africanizador, tanto comercial quanto industrial e de serviços, que está fazendo despencar os índices do PIB e da renda per capita regional de US$ l.500, na década de 80, para perto de US$ l.000 neste início de decênio. A queda de cotação de produtos primários, agrícolas, minerais e extrativistas está inviabilizando qualquer projeto autossustentável de desenvolvimento na Amazônia. Essa sustentabilidade depende, basicamente, da introdução de moderna tecnologia de manejo e uso dos recursos naturais e de preços que permitam incorporar os chamados custos ambientais e ecológicos. Custos ambientais e ecológicos representados por técnicas sofisticadas e de ponta, que exigem conhecimentos e altos investimentos em silvicultura, manejo e adensamento florestal, agricultura orgânica, gerência de recursos pesqueiros e uso de energéticos limpos e não poluentes como os produzidos pela hidreletricidade, bem como a diminuição dos custos dos fretes pela melhoria e abertura de novas hidrovias e rodovias de bom padrão de tráfego para eliminar as distâncias que geram esterilidade, inércia e inviabilidade. Ao invés dessa diminuição de custos de fretes e implantação de infraestrutura moderna de transportes nos ameaçam, agora, com a desigualdade dos preços dos combustíveis, fazendo com que o consumidor ou produtor final pague o custo da distância nas áreas longínquas das bases primárias e secundárias de abastecimento de combustíveis. Essa desequalização vai acabar destruindo os agrupamentos humanos localizados nos altos rios, nas estradas vicinais e naquelas áreas de expansão pioneira e de fronteira, promovendo a diáspora dos produtores. O empobrecimento e a africanização estão, assim, mais perto do que se imagina e constituem, talvez, uma peça-chave de uma nova geopolítica preconcebida para fazer regredir a fronteira humana e econômica da região em favor de uma República Silvestre e Selvagem, cujo valor ambiental é, sem dúvida, inestimável para a conservação do banco genético e para a biotecnologia do terceiro milênio. O custo longo dessa consentida e provocada moratória do desenvolvimento amazônico pode conduzir os atuais dezoito milhões de habitantes da Amazônia Legal ao quarto mundo do empobrecimento e da miséria absoluta. Por falta de opções de trabalho, ausência de empregos, sucateamentos dos investimentos de infraestrutura, decadência geral do serviço público e falência das empresas privadas, poderemos estar criando na Amazônia condições propícias de desagregação e perda da identidade brasileira. Ao lado desse processo sistêmico de africanização econômica desponta, agora, a presença e a ameaça de balcanização ecológica da Amazônia. Entendemos por balcanização ecológica um processo de repartição e partilha territorial da atividade humana e social, por um ordenamento espacial e zoneamento ambiental que, por intermédio de critérios mal conhecidos e concebidos de rigidez locacional duvidosa, provoquem a criação de enclaves econômicos ou “repúblicas” ambientais, que venham travar o nosso desenvolvimento e sobrepor-se ao controle político da soberania brasileira. Esses enclaves ou “repúblicas” balcanizadas poderão estar a serviço de interesses geopolíticos estrangeiros multi ou transnacionais, sob a inspiração ou insinuação de forças externas, ou provenientes de outros interesses como os originados das máfias do narcotráfico, oligopólios e cartéis de grupos econômicos interessados em neutralizar a exploração dos recursos naturais, minerais e energéticos da Amazônia, de grupos missionários visando à catequização e destribalização indígena com a consequente perda de sua identidade étnica e social. Ou também por meio de grupos econômicos nacionais ou não e arrivistas que, sem compromisso ou vinculação com a região, venham a fazer a Amazônia antes que ela acabe, mediante ações predatórias e destruidoras do meio ambiente, sem maiores considerações com as necessidades econômicas e sociais e com os anseios e aspirações do povo dos Estados Amazônicos. Ou, ainda, provenientes de organizações influentes não governamentais, constituídas de milhares de sociedades ambientalistas e congêneres de amplo espectro e coloração política, romântica ou ideológica, com objetivos de fragmentar a unidade nacional, ou de servir aos seus ideais, correndo o risco de serem usados como inocentes úteis. A balcanização, que se seguiria, facilitaria o trabalho e a ação desses grupos, pois o empobrecimento da população e a rigidez locacional do zoneamento ecológico permitem a burocracia ambiental, nacional e estrangeira, exercem grande controle sobre o espaço amazônico, pois as organizações bancárias internacionais e os fundos internacionais de ajuda estão, praticamente, influenciados por livro.pmd esses grupos, para a aprovação de projetos de financiamento do nosso desenvolvimento. As condicionalidades e os constrangimentos externos que podem ser criados por meio de tais grupos de pressão e lobbies não podem ser dispensados na formulação de uma estratégia de política nacional com relação à Amazônia, por meio de medidas e providências de integração e interiorização em favor das regiões mais carentes, mais desassistidas e mais longínquas do epicentro das decisões nacionais. Infelizmente, alguns exemplos dessa contrapolítica estão aí para bem atestar as tendências

de isolamento e a perda da prioridade regional: entre eles devem ser citados a paralisação das obras da hidrelétrica de Samuel e o sucateamento dos eixos rodoviários da BR-364, BR-163, BR-319, BR-174 e BR-230, bem como a campanha contra a abertura das estradas para o Pacífico e o Caribe. Por meio desse processo de partilha, ordenamento ou descoberta de vocações e aptidões, que constituem temas econômicos e ecológicos, de grande complexidade de definição e delimitação, sobretudo numa área continental como a Amazônia, com seus cinco milhões de km2, podemos estar contribuindo para a criação de uma república silvestre e selvagem, de valor inestimável do ponto de vista da biodiversidade e biogenética, mas inteiramente indiferente e longínqua dos homens, porque os alienou de seu relacionamento e convivência. Dentro dessa república poderiam florescer diversas unidades de conservação como estações ecológicas, reservas biológicas, refúgios de caça e pesca, parques e florestas nacionais e santuários de ecossistemas, livres da interferência, ocupação ou perturbação do homem, considerado este na acepção de Euclides da Cunha como um ser intruso e impertinente. Dentro dessa linha de raciocínio, não seria de surpreender o surgimento de propostas para a criação de diversas repúblicas indígenas para a preservação dos valores étnicos, culturais e sociais dos duzentos grupos, em torno de cem mil ameríndios brasileiros, que vivem em precárias condições de sobrevivência nas suas reservas amazônicas, ainda não inteiramente demarcadas, em diversos estágios de isolamento, integração e desintegração. O ordenamento territorial e o zoneamento ecológico, ao sair do campo nebuloso das planilhas dos geógrafos e ecólogos, poderiam induzir, sob o signo da racionalidade, a criação de “descoberta” de falsas vocações ambientais. Seriam criadas, assim, por meio dos seus relatórios de impactos ambientais e sem levar em conta a análise dos custos e benefícios, uma nova burocracia e nomenklatura, que pelo seu alto poder de decisão poderiam lançar a ideia e projetos de criação das “Repúblicas” da Banana, do Dendê, da Seringueira, da Castanheira, do Garimpo, da Mineração, do Mico-Leão, do BotoTucuxi, do Peixe-Boi, da Piranha, sem falar na temível e abjurável República da Coca, Maconha e Ipadu. E, finalmente, na tão falada, decantada e polêmica República dos Jacarés. Entendemos, todavia, que algo deve ser feito em termos de planejamento indicativo e preventivo para o melhor uso e aptidão da terra e dos ecossistemas, o que a própria e clássica teoria das vantagens absolutas e relativas do século 18 aliás já recomendava. Isso, porém, não conduz ao extremo de levarmos esse processo de zoneamento à militarização e comando do espaço, mediante uma “ordem unida” e “organização do terreno”, de ocupação e especialização do solo, das florestas e das águas. É que toda a terra e os recursos naturais nela existentes têm sempre uso múltiplo, cujo uso e exploração inteligente dependem do Estado e do avanço da ciência, do engenho, da arte e da criatividade humana. Caso contrário, o zoneamento ecológico-econômico será sempre um simples desenho e mapeamento inócuo, ambíguo e duvidoso, de difícil operacionalização, por não refletir a totalidade do universo e não dispor do tratamento e metodologia interdisciplinar e holística. A não ser naqueles livro.pmd flagrantes casos de ostensiva impropriedade ou inaptidão, facilmente detectáveis, onde medidas urgentes preservacionistas devem ser implementadas, com rigor, para proteção do patrimônio ambiental e em benefício do homem e de nossa herança comum e solidária. A tão desejada proposta do desenvolvimento autossustentado que poderia ser o ponto de partida para um novo processo de ocupação e estilo de vida, representando as necessidades da população presente, sem destruir as opções e oportunidades da geração futura, requer uma regência sincrônica e diacrônica. Esse condomínio do tempo atual e futuro e o relacionamento entre homem e natureza infelizmente continuam apenas matéria de retórica e discurso de seminários e congressos. Isso porque nenhuma nação do Primeiro Mundo industrializado conseguiu desenvolver, na sua plenitude, tecnologias limpas, não agressivas e não invasivas do meio ambiente. A presença humana e a sociedade industrial conduzem, sistematicamente, à modificação da natureza e dos ecossistemas silvestres, transformando-os em sistemas de produção humanizados. Mas, também, é preciso reconhecer que, muito frequentemente, esse mundo desenvolvido adota baixos padrões de qualidade ambiental, que conduzem à poluição da atmosfera, à mortalidade das águas, à destruição do meio ambiente, com total irresponsabilidade pelos prejuízos causados por essas externalidades negativas que irão refletir sobre a qualidade de vida nos países vizinhos e sobre o destino das futuras gerações. Esses padrões de comportamento antiambientalista revelam-se, também, nos equipamentos de geração de energia elétrica, de alto teor de poluição, baseado nos combustíveis fósseis do carvão e do petróleo, responsáveis pelo efeito estufa. Ou pelo uso de gases e produtos químicos que provocam, por meio das chuvas ácidas, a destruição das florestas ou o rompimento da

camada de ozônio que nos protege das radiações ultravioleta. Ou do abuso de agrotóxicos e herbicidas que envenenam as terras e as águas dos rios; ou de técnicas agronômicas abusivas que provocam a erosão dos solos e a desertificação crescente. Isso para não falar do perigo que representa o uso inadequado da energia nuclear e do desperdício de recursos em armamentos e sofisticados equipamentos bélicos, que retiram da sociedade industrializada os recursos para melhorar a qualidade de sua vida e ajudar os países subdesenvolvidos do Segundo, Terceiro e Quarto Mundos. Mas é por aí que devemos trabalhar e lutar, um árduo e penoso caminho para criar e desenvolver ciência, tecnologia e métodos que consigam conciliar os direitos do desenvolvimento econômico com os deveres da proteção ambiental. Isso pode ser alcançado sem perda da identidade nacional, sem ferir os direitos, a soberania dos povos e sem desprezar a urgente necessidade de criar novos instrumentos e instituições de cooperação internacional. Essa deveria ser, a meu ver, a principal agenda da ECO-92. Este é o caminho que deveremos seguir para nos livrar do labéu da africanização, que nos está conduzindo à miséria (a pior das poluições) e à balcanização que está reduzindo a nossa grandeza continental aos originários limites do diminuto espaço econômico do Tratado de Tordesilhas, por onde começamos, há aproximadamente de quinhentos anos. Caso contrário, a grande Amazônia, que constitui orgulho de todos os brasileiros, poderá se transformar numa mera grandeza geográfica, botânica e ecológica, encobrindo uma simples miniatura humana, econômica e social, de miséria e solidão.

8. De Estocolmo-72 a Rio-92 Desde a Conferência de Estocolmo de 1972 que a comunidade científíco-universitária, as lideranças políticas e comunitárias e os órgãos de comunicação de massa vêm-se preocupando com as crescentes pressões demográficas, econômicas, sociais e tecnológicas sobre os ecossistemas do nosso planeta. Uma inquietação não só pelos ecossistemas naturais, mas, também, pelos níveis do desequilíbrio e desigualdade entre os países altamente industrializados, em vias de desenvolvimento e os subdesenvolvidos, gerando conflitos e tensões entre as minorias afluentes e as grandes massas destituídas. Dennis Meadows, em 1971, na reunião do Clube de Roma, em Montebelo, no Canadá, apresentou no seu livro The Limits of Growth (Os Limites do Crescimento) um quadro, no qual demonstrava que a explosão demográfica e o crescimento econômico do mundo, continuados em longo prazo, resultariam catastróficos no próximo século. Ele previa que o envenenamento da atmosfera, como resultado da queima de combustíveis fósseis, a poluição das águas dos rios, lagos, mares e oceanos, pelo lançamento de efluentes químicos, e a degradação dos solos, em razão da erosão e do uso extenso de agrotóxicos, levariam a humanidade a uma aguda escassez de alimentos, ressuscitando, assim, a velha tese malthusiana. Para evitar a fatalidade, Meadows sugeria a adoção de uma política de crescimento zero, a fim de se obter um equilíbrio estável no mundo. O modelo foi duramente questionado pelos povos no Terceiro Mundo, pois iria estratificar a riqueza dos países industrializados e eternizar a pobreza dos países periféricos subdesenvolvidos. Esse primeiro informe do Clube de Roma foi modificado pelo segundo encontro, quando Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel, da Universidade de Hanover, prepararam um novo modelo, intitulado Mankind at the turning point (Momento de Decisão), discutido em 1973. Menos contundente que o primeiro, o informe vinha examinar cenários alternativos com simulações de estratégias, permitindo ajustes condicionados às relações populações/alimentos e poluição/recursos naturais não renováveis. Embora atenuado, o modelo MesarovicPestel, ao dividir o mundo em regiões suscetíveis de maiores ou menores impactos ambientais, provocava, ainda, situações constrangedoras para o desenvolvimento dos países atrasados. Herrera e Scolnick, em 1976, criaram o modelo “Bariloche”, chamado Catastrophe or New Society, sob o argumento de que, mantendo as tendências de agravamento de concentração da renda em países avançados, o quadro mundial se tornaria insolúvel. Como exemplo, citaram que a América Latina teria de multiplicar o seu crescimento no produto bruto em 500%, até 1999, para que as grandes massas carentes e urbanizadas pudessem ter asseguradas as suas necessidades básicas. A partir dessa postura, devemos ao economista holandês Jan Timbergen (Prêmio Nobel de Economia) uma nova reformulação teórica do modelo ao publicar seu livro Reshaping the International Order (Uma nova ordem internacional). Nele são analisados os fatores de terminantes dos desequilíbrios e do uso dos recursos naturais entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O autor, acentuando que a renda medida pela razão atual de 13:1 é totalmente inaceitável, sugere que a curto e médio prazos essa relação seja reduzida para 3:1, ao longo de quatro décadas. Aurélio Peccei, em 1979, preferiu avaliar o problema homemnatureza à luz de um outro enfoque. Em seu livro Man versus manmade mutation (O problema do homem versus mutações feitas pelo homem), Peccei enfatizou as possibilidades criativas do potencial intelectual humano por meio do uso produtivo e inteligente dos recursos naturais. Segundo ele, seria possível uma nova condição humana na sociedade contemporânea, pois, respeitando os valores ecológicos, a ação econômica, pela ciência e tecnologia, faria com que a natureza se tornasse mais produtiva a serviço da qualidade da vida humana. Ainda em 1979, reuniu-se novamente, agora no Rio de Janeiro, o Clube de Roma, para discutir os desafios da década de 80 para os países desenvolvidos e os não desenvolvidos, sob a presidência de seu fundador Aurélio Peccei. Como participante do encontro, recordo-me da brilhante exposição de Lester Brown sobre a inter-relação econômico-ecológica, quando destacou a dependência humana dos quatro sistemas biológicos interligados: agricultura, criatório, pesca e floresta. Brown alertava para o fato de que as novas fronteiras agrícolas nas florestas tropicais úmidas e densas deveriam ter uma destinação mais nobre que a pecuária extensiva. Para ele, o mundo nas próximas décadas iria defrontar-se com duas grandes crises: a energética e a alimentícia, prognosticando que em muitas regiões do mundo “o que está em baixo da panela vai valer mais do que o que está dentro dela”. Brown anteviu, assim, a generalização de uma sociedade boia-fria. Outras importantes contribuições da reunião devem, ainda, ser consideradas, tais como: 1) a de Celso Furtado, que, ao dissertar sobre os aspectos polêmicos da confrontação norte-sul, entre países centrais e periféricos, salientou os grandes desafios a serem enfrentados: a) como estabelecer uma nova convivência mundial, sem as intervenções subjugadoras das nações líderes em face da pobreza

e da carência dos países pouco desenvolvidos? b) como analisar o aparecimento de novos centros dominantes e primazias emergentes, surgindo como potências na Ásia, na América Latina e outros continentes? 2) a do professor Hélio Jaguaribe, ao expressar suas dúvidas quanto à conciliação das 150 nações existentes, que classificou de “150 egoísmos”; 3) a de Magda McHale, quando declarou que a corrida armamentista e a construção dos artefatos atômicos dificultavam o direcionamento dos investimentos específicos para o setor econômico, social e ambiental; 4) a da ministra Mircea Malitza, que desenvolveu estudo sobre o processo de aprendizagem, encarado sob os aspectos participativo e antecipatório. O participativo com o caráter de manutenção e transmissão do conhecimento adquirido, enquanto o segundo aspecto como dependente do ativo processo de inovação e criação, de modo a antecipar as crises e os efeitos dos processos tecnológicos, produtivos, sociais e ambientais. As antecipações, aqui citadas, servem para demonstrar que a questão ambiental não pode ser observada separadamente dos problemas econômicos, sociais e políticos. Qualquer tentativa de reduzir a interpretação do universo, com a sua vasta e complexa teia de interações, a fatos e hipóteses meramente ecológicos ou econômicos ou políticos estará destinada ao fracasso; pois o reducionismo, a generalização ou a simplificação constituem síndromes que conduzem a falsas ou errôneas conclusões, ou meias verdades. É o que vem acontecendo, na maioria das vezes, com as pesquisas dos cientistas e ecólogos com relação à Amazônia, particularmente. Muitas delas baseadas em riscos imaginários ou especulativos, desvinculados de qualquer prova ou experimentação científica. Dada a complexidade dos ecossistemas amazônicos, com diferentes tipos de formações de florestas, rios, lagos, climas, solos e subsolos, torna-se difícil qualquer exercício de generalização que procure definir um tipo de diagnóstico, estratégia e tecnologia para o uso, conservação ou preservação dos seus recursos naturais. De outro lado, o vasto potencial dos bens minerais já encontrados em seu subsolo e nos aluviões, bem como o potencial hidrelétrico de seus rios, especialmente os da Amazônia Oriental, requerem programas especiais e considerações específicas na análise do estudo e relatório de impacto ambiental dos diferentes projetos econômicos. O estágio atual do conhecimento amazônico, já bastante adiantado, conquanto de modo fragmentado, exige de todos os cientistas um grande esforço e integração, no sentido de evitar que posições unilaterais ou dogmáticas venham a prevalecer sobre os fatos e as evidências que, por sua vez, devem ser verificadas e testadas. Fatos e evidências indicam, todavia, que, em se tratando de uma região de imensa continentalidade, existe uma multiplicidade de opções a serem avaliadas em qualquer tipo de macrozoneamento agroecológico ou ecológico-econômico-social. As opções e aberturas deverão ser exercidas ao longo do tempo, estabelecendo-se níveis e graus diferentes de urgência e prioridade. Ao lado dessas prioridades, devemos nos conscientizar e ter a humildade de saber esperar pelas melhores respostas a problemas que a ciência e a tecnologia tropicais ainda não conseguiram resolver. Isso é importante, porque temos um compromisso com as gerações futuras para darlhes também o poder decisório no exercício de melhores escolhas ou alternativas. Infelizmente, porém, a Amazônia vem sendo vítima de uma série de generalizações, falácias, preconceitos, fantasias e delírios de destruição – uma espécie de Pará-noia, ou Amazonoia, esta última expressão criada pelo professor Marcelino da Costa, da Universidade do Pará. Muitas dessas Pará-noias, Rondonoias, Acrenoias ou Amazonoias são baseadas em conhecimento obsoleto, na ausência de verificação empírica ou em emocionalismos preconceituosos e ambições suspeitas. Quando não formulados sob o disfarce de salvação planetária, a serviço de interesses políticos, imperialistas, alienígenas, ou de grandes grupos preocupados em impedir a emergência e o aproveitamento do enorme potencial de nossa fronteira de recursos. Se, no passado, os moralistas libertinos admitiam que tudo era permitido abaixo da linha do Equador, agora se proíbe tudo, para condenar as “tristes” regiões tropicais e equatoriais – entre elas a Amazônia – ao atraso perpétuo e à pobreza permanente, sob o discutível mérito de um novo determinismo ecológico. Determinismo este que, parodiando o geopolítico Ratzel, do século passado, bem poderia ser expresso no lema de que os ecossistemas – ao invés dos solos – regem os destinos dos povos com uma cega brutalidade. Essa nova Amazonia o afastaria, assim, qualquer possibilidade de uma ação humana construtiva e criativa. Afastados os radicalismos, devemos, no entanto, admitir e reconhecer que no movimento ecológico em defesa da Amazônia existem, também, interesses legítimos, sinceros e cooperativos. A esses devemos prestar toda a nossa compreensão e receber

sua ajuda; afinal, se o problema ambiental amazônico está originalmente na decisão soberana brasileira, não podemos desprezar as preocupações internacionais, para evitar que algumas ações predatórias, em curso, venham a inviabilizar a região e prejudicar o futuro da humanidade. Por isso, não podemos desprezar sequer as profecias apocalípticas de alguns movimentos de ecologistas, uma vez que mesmo essas previ sões escatológicas têm um valor pedagógico e didático. É que a melhor maneira de prevenir a catástrofe é o seu anúncio. Com essas preocupações em mente é que decidi publicar este ensaio, cujo objetivo principal é discutir as questões ambientais e socioeconômicas da Amazônia, dentro de um conceito mais amplo, abrangente e universal. A Amazônia não pode, não deve, nem precisa ser planetarizada para servir de santuário ecológico da humanidade, mas também não pode ser usada e abusada, de modo cruel e irracional, de maneira que venhamos a destruir as bases de nossa sobrevivência. A proposição de uma moratória ecológica por um prazo de 20 anos implicaria, necessariamente, a dilação do nosso desenvolvimento, pois, por motivos de interesse universal e em benefício da humanidade, importaria na criação de grandes áreas de preservação e conservação na área da floresta densa. Essa moratória ecológica terá, sem dúvida, um alto custo. E esse custo não poderá ser sustentado isoladamente pela Amazônia e pelo povo brasileiro, porque, se realmente a floresta amazônica é vital para a sobrevivência do planeta, a humanidade toda deveria contribuir, espontaneamente e sem condicionalidades, para suportar o ônus. A contribuição da comunidade internacional é bem-vinda por diversos fatores. O primeiro e o mais importante seria o de fazer cessar, no mundo desenvolvido, as práticas antiambientalistas de suas indústrias e as atividades econômicas, principais responsáveis pelo efeito estufa, pelas chuvas ácidas e pelo rompimento da camada de ozônio. Para tanto, sugerimos a criação de um imposto internacional ambiental, a ser recolhido pela ONU, por meio da Tesouraria Internacional do Meio Ambiente. O imposto teria, inicialmente, o propósito de resgatar e aliviar o peso da dívida externa dos países subdesenvolvidos, cuja pobreza impede a formulação de uma política ambiental de alto nível, bem como limpar a atmosfera e as águas do mundo desenvolvido, já extremamente poluídas. A segunda contribuição seria o desenvolvimento, nos países altamente industrializados, ou que já ingressaram na fase de pósindustrialização, de novas tecnologias alternativas capazes de gerar energia limpa, de produzir alimentos sem contaminação química, de implantar fábricas isentas de poluição. Um terceiro fator seria o redimensionamento de seus investimentos, por intermédio da redução ou eliminação da corrida armamentista e de fabricação de artefatos nucleares, para aqueles setores de educação, saúde, habitação, ciência e tecnologia, com vistas a melhorar a qualidade de vida e diminuir os níveis de desigualdade em todo o mundo. Devo, também, ressaltar que, entre os quadros, pela primeira vez, aparece aqui a visão indígena dos ecossistemas florestais e fluviais amazônicos, na própria linguagem nheengatu (tupi amazônico). Uma versão que, creio, é de grande importância pelo seu ineditismo e por ser uma constatação de que, por meio da toponímia e biotanímia indígena, esses povos conseguiram descrever, utilizando-se da ideia eda palavra, com criatividade e grande riqueza linguística e ecológica, os diferentes ecossistemas amazônicos. Chamo a atenção para o crescimento da economia amazônica no período de 1976 a 1986. A produção amazônica, no tocante aos seus diferentes segmentos, agrícola, pecuário, florestal, mineral e industrial, registrou uma grande expansão quantitativa, mas também qualitativa. A economia diversificou-se pela introdução de novos produtos na pauta de produção e exportação ou pelo desaparecimento de um grande número de produtos extrativos florestais, que antes constituíram a base do sistema produtivo, e pelo surgimento dos bens minerais e produtos industriais, como setores mais dinâmicos da economia regional. Tais mudanças estão evidenciadas pelos indicadores de sua pauta de exportação, que já atinge cerca de 10% do balanço do comércio exportador brasileiro, como também pelo aumento da arrecadação tributária federal, estadual e previdenciária. A valorização da Amazônia tem muitos aspectos que transcendem a avaliação do seu potencial econômico ou o desempenho de suas forças produtivas nos campos agrícola, pecuário, pesqueiro, mineral, hidrelétrico – inter alia. Esses valores econômicos devem, e precisam, incluir sistemas de produção autossustentados, uma vez que existem e necessitam ser integrados a outros valores e níveis de grandeza, entre eles os biológicos, ecológicos, ambientais, sociais, políticos e humanos.

Daí a razão de minha contínua pregação e afirmação de que o projeto amazônico deve obedecer aos seguintes paradigmas. Isto é,ele deve ser: – economicamente viável – ecologicamente adequado – politicamente equilibrado – socialmente justo.

9. A grandeza planetária da Amazônia A floresta amazônica passou, assim, a ser o foco da atenção e da preocupação mundial, como: 1) banco genético da biota universal, responsável pelo processo da evolução biológica sobre a Terra; 2) reguladora do ciclo hidrológico, responsável pela distribuição das chuvas, e do regime fluvial das micro e macrobacias hidrográficas, motivado pelo nível de vazão e descarga no oceano Atlântico; 3) fonte de calor para a manutenção da circulação atmosférica, que transporta para as regiões extratropicais a energia responsável pela estabilidade do clima terrestre; 4) emissora de dióxido de carbono (CO2), resultante das queimadas provenientes da devastação florestal, que seria responsável pelo nível térmico e climático do globo terrestre, nele incluindo fenômenos de ondas de calor, inundações, seca, furacões e degelo das camadas polares, que fariam aumentar o nível dos oceanos e inundar as principais cidades situadas à beira-mar; 5) guardiã e curadora da biodiversidade, graças à heterogeneidade de sua composição florística e faunística, que abriga mais de 10% da biota universal (número superior a dois milhões de espécies animais e vegetais) – tal diversidade biótica seria a mais importante fonte de descobertas de novos produtos médicos para a cura dos males da humanidade, entre eles o câncer e a aids, na opinião do cantor inglês Sting, que aqui esteve para o encontro dos povos do Xingu contra a construção da futura hidrelétrica de Kararaô, agora rebatizada com o nome de Monte Belo; 6) repositória de classes e variedades genéticas de alta resistência e produtividade que iriam servir à biotecnologia do século 21, cabendo a nós o papel de preservá-la, em favor da humanidade, da ciência e da produção de alimentos do futuro; 7) último refúgio de culturas tribais e primitivas, cujo valor antropológico não pode ser avaliado, pois esses povos são os últimos remanescentes do paraíso terrestre perdido, capazes de nos oferecer pela sua vivência, convivência com a natureza e experiência milenar novas formas de pensar, viver, agir e trabalhar, sem destruir os ecossistemas universais; 8) fonte de recursos naturais, minerais e hídricos suficientes para projetar o Brasil como potência econômica mundial na vigência do terceiro milênio; 9) penhor, hipoteca, anticrese e alienação fiduciária – as quatro garantias jurídicas reais para a dívida externa brasileira de 120 bilhões de dólares, que precisava ser rolada, com o aval amazônico nos novos empréstimos na banca internacional, mediante cláusulas de condicionalidade e intocabilidade dos nossos recursos renováveis ou não, à custa do constrangimento da soberania brasileira; 10) base geopolítica do contencioso financeiro, industrial, agrícola, comercial e tecnológico gerado pela emergência do Brasil no cenário dos países desenvolvidos do Primeiro Mundo. Apenas para dar um exemplo da distorção causada pelos meios de comunicação de massa, partindo de afirmações tomadas a priori como verdades absolutas, vejamos o caso do efeito estufa, o principal detonador de toda a campanha de planetarização da Amazônia.

10. O efeito estufa e os agentes da degradação ambiental O efeito estufa, mundialmente conhecido pelos povos de língua inglesa como greenhouse effect – em analogia às casas de vidro que, nos países de clima frio, se destinam ao cultivo de hortaliças e flores em qualquer estação –, resulta de um conjunto de ações de natureza físico-química provenientes da absorção, pela atmosfera, da radiação solar que, ao aquecer a superfície da biosfera do planeta, produz irradiação de calor que permanece nas camadas atmosféricas inferiores, elevando, consequentemente, o nível térmico da temperatura ambiental. A retenção de calor na atmosfera terrestre, que não deixa passar a radiação infravermelha, seria resultado da alta concentração de dióxido de carbono (CO2) e outros gases gerados pela queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás). Outro componente da radiação solar – os raios ultravioleta, de grande poder esterilizante e reconhecidamente cancerígenos – é retido nas altas camadas atmosféricas (entre 25 a 30 km de altitude) pela camada de ozônio (O3), que protege a biosfera terrestre. Esse efeito estufa, que serviu para desencadear no mundo desenvolvido uma campanha internacional orquestrada contra o governo brasileiro, constitui, no entanto, assunto bastante polêmico e não comprovado. Segundo o doutor Luiz Carlos Molion, um dos maiores climatologistas brasileiros, de reputação internacional, “os efeitos climáticos induzidos pelo acréscimo de CO2 na atmosfera ainda são objeto de pesquisa e muita controvérsia” (MOLION. A Amazônia e o clima do globo terrestre, 1988). O doutor Molion, pertencente ao Instituto de Ciências Espaciais de São José dos Campos (SP), afirma que duas teorias contraditórias procuram encontrar uma explicação científica para as consequências do efeito estufa. A primeira assegura que um grande desmatamento na Amazônia, com a redução da evapotranspiração e precipitação pluviométrica, liberaria menor quantidade de calor latente para a troposfera amazônica e, portanto, menor calor para as regiões extratropicais. Essas regiões, recebendo menos calor, tornar-se-iam relativamente mais frias, o que provocaria uma redução na estação de crescimento das plantas, diminuindo a produção de grãos nas maiores áreas produtoras (EUA), além de causar maior resfriamento nas regiões polares, dando início, assim, a uma nova era glacial (MOLION, Op. cit.). A segunda teoria, de acordo com outro grande climatologista, Eneas Salati, diz que a queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), florestas e compostos orgânicos, bem como a respiração dos vegetais e animais e as atividades vulcânicas, tendem a aumentar o teor de CO2 na atmosfera, com a consequente elevação da temperatura ambiental – aquecimento esse resultante da absorção dos raios infravermelhos pelo CO2 –, sendo esperado um efeito paralelo com o derretimento do gelo acumulado nas calotas polares (SALATI, ENEAS. A floresta amazônica e a concentração do gás carbônico na atmosfera). Os modelos matemáticos que simulam o clima do globo terrestre sugerem – segundo Molion – que um crescimento dobrado da con centração do CO2 provocaria um aumento de 1° a 2°C na temperatura dos trópicos, e de 5° a 7°C nas regiões temperadas e polares. Tais variações poderiam causar o degelo da Antártida, que faria subir o nível dos mares em 130 metros (MATTHEWS, W. H. Man’s impact on the climate, 1971) – ou dez metros, caso houvesse a destruição de 20% das reservas florestais do mundo (SALATI, Op. cit.). De acordo com o relatório preparado por 33 cientistas e 26 jornalistas para a revista Times, edição de 2/1/1989, que elegeu a Terra como Planeta do Ano, o problema da emissão de CO2 iniciou-se com a Revolução Industrial, pelo uso intensivo de combustíveis fósseis (carvão de pedra, petróleo, gás e lenha), gerando CO2 a um nível mais rápido do que os oceanos e as florestas poderiam absorver. No final do século 18, o CO2 encontrado na atmosfera tinha alcançado o nível de 280 a 290 partes por milhão (p.p.m.) e hoje atinge 350 p.p.m., podendo chegar de 500 a 700 p.p.m. no ano 2050. Essa previsão de calamidade mundial gerou um anseio generalizado de que algo fosse feito para controlar a emissão desenfreada de CO2. Só que o alvo escolhido como fonte da hecatombe, a Amazônia, o foi sem nenhuma base científica, pois a quantidade de emissão de CO2 pelo Brasil, resultante das queimadas realizadas na Amazônia, é insignificante quando comparada ao volume de CO2 gerado pelos países desenvolvidos do Primeiro Mundo. O documento investigativo, publicado na edição de 2/1/1989 da revista Time, apresenta, nesse particular, um relatório imparcial e objetivo, isento de passionalismo, sobre os principais agentes responsáveis pela poluição e contaminação

atmosférica, chegando à conclusão evidente de que os Estados Unidos são o responsável, sendo o maior consumidor de recursos naturais do planeta, pela espoliação do meio ambiente mundial. Pela grandeza de sua economia, esse país consome 1/4 da produção energética mundial e gera 15% da emissão global de dióxido de enxofre (a causa primária das chuvas ácidas que destroem as florestas do Canadá) e 25% da emissão global de óxido de nitrogênio e dióxido de carbono, originados pela queima de combustíveis fósseis e pelos seus 135 milhões de veículos automotores. Desse modo, conclui o relatório dos cientistas e jornalistas que os Estados Unidos, pelo alto nível de sua poluição, devem estar na vanguarda dos esforços para a solução da crise ambiental do planeta. E mais: mesmo antes que qualquer organização internacional venha a definir uma estratégia global, os Estados Unidos devem tomar providências unilaterais e medidas para resolver primeiro os seus problemas (“Planet of the Year”, Time, 2/1/1989, p. 36). Além disso, se sua conclusão não for considerada suficiente para identificar o “olho do furacão” ou o “centro da pororoca”, o documento sob análise publica ainda um mapa que aponta as maiores ameaças e perigos da poluição ambiental da Terra. A título de confrontação, transcrevemos, a seguir, o quadro comparativo da emissão de CO2, por países, no período 19601987.

Uma análise atenta do quadro mostra que o total de emissões de CO2 advindo da queima de combustíveis fósseis foi de 5.371,1 milhões de toneladas métricas (TM), os quais, somados ao carbono originado das queimadas das florestas tropicais e não tropicais, que alcançou apenas 1.659,0 milhão TM, perfazem, assim, um total de 7.030,0 milhões TM. Dessa maneira, conclui-se que a emissão de CO2 proveniente da queima das florestas tropicais e não tropicais (1.659,0 milhão TM) representa apenas 23,5% do total de emissão de carbono lançado na atmosfera terrestre. A participação do Brasil, incluindo a Amazônia, nesse grande total de 5.371,1 milhões TM de carbono é de apenas 50,2 milhões TM, ou seja, uma participação de 0,93%. Com a inclusão das queimadas da floresta (336,0 milhões TM), esse percentual elevar-se-á para 55% do total de CO2. Enquanto isso, os principais poluidores e causadores do efeito estufa, pela ordem decrescente, são os Estados Unidos com 22,80%, a União Soviética com 18,87%, a Europa Ocidental com 14,73%, a China com 10,33%, a Europa Oriental com 6,8%, a Austrália com 5,85%, o Japão com 4,6%, que juntos representam 83,98% da emissão total de CO2 derivado da queima de combustíveis fósseis. Um percentual que em tonelagem equivale a 4.513,0 milhões TM de carbono para um total mundial de 5.371,1 – ou 7.030,0 milhões TM, se considerarmos o CO2 produzido pelas florestas tropicais ou não tropicais. Esse é o verdadeiro quadro do problema ambiental revelado pelos 33 cientistas norte-americanos integrantes do fórum que produziu o relatório investigativo da Time. O relatório trata dos principais agentes e atores responsáveis pela contaminação e poluição atmosférica com base na geração do CO2 e, portanto, dos diretamente implicados nos danos ecológicos e climáticos do efeito estufa, da chuva ácida e do rompimento da camada de ozônio na Antártida e outros continentes. Cabe, pois, ao Brasil, que tão cruelmente tem sido acusado pela imprensa e opinião pública internacional e pressionado pela política, finança e diplomacia mundial, responder com o antigo e tradicional argumento latino ad hominem, isto é, rebater as acusações dos promotores dos“Tribunais da Natureza”, dos auditores e corregedores do Banco Mundial, dos senadores do Capitólio, dos presidentes e primeiros-ministros que participaram da diplomacia do funeral do imperador do Japão, usando em sua defesa seus atos ou palavras, como faziam os antigos jurisconsultos do Império Romano. O argumento ad rem, do direito ligado à coisa e ao fato, revela que as potências do Primeiro Mundo querem inverter as posições: ao invés de acusadores, devem estar sentados no banco dos réus, para serem julgados pelos crimes de lesa-ambiente e pelos danos ecológicos provocados por seu cruel desenvolvimento industrial, indiferente aos problemas ambientais que afetam o mundo inteiro. A degradação ambiental não se limita, no entanto, apenas ao aquecimento global do efeito estufa por meio das emissões de CO2, mas se expande para o fenômeno do Buraco de Ozônio sobre a Antártida e outras regiões, causado pela liberação, na atmosfera, de clorofluorcarbonos usados nas embalagens de aerossóis e como gás de refrigeração para geladeiras e condicionadores de ar e outros usos industriais, principais responsáveis pela rarefação da camada de ozônio que protege a biosfera e os seres vivos dos esterilizantes e cancerígenos raios ultravioleta.

Não poderíamos, também, deixar de fazer uma referência às chuvas ácidas causadas pelos efluentes químicos do óxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e gás carbônico, que já danificaram 55% das florestas da Holanda, 54% da Alemanha Ocidental, 49% do Reino Unido, 50% da Suíça, 28% da França, 28% da Espanha, 26% da Noruega e 25% da Hungria, segundo o relatório publicado pela revista Time, em 2/1/1989. Os responsáveis por tal nível de distorção são os mesmos países da Europa Ocidental e Oriental que sofrem, hoje, as consequências de suas práticas econômicas e industriais antiambientalistas. Problema tão sério como os já mencionados é o do lixo industrial e doméstico lançado em rios e oceanos. Um lixo, constituído de gases tóxicos e efluentes líquidos, que se acumula em toda parte e representa sérios problemas e ameaça à saúde da humanidade, contribuindo para a péssima qualidade de vida e extinção de espécies animais e vegetais nas grandes metrópoles e centros urbanos e rurais de todos os países. Isso acontece pela falta de investimentos em equipamentos de tratamento sanitário, de filtros antipoluidores e de uma legislação mais severa que penalize os autores do efeito lixo, talvez mais grave, urgente e ameaçador que o próprio efeito estufa. Símbolo universal do problema, conforme a revista Time, é o navio Pelicano. O navio, muito divulgado pela imprensa internacional, navega há dois anos pelos mares da Terra à procura de um local para despejar 14 mil toneladas de cinzas tóxicas, embarcadas na Filadélfia. O Pelicano, expulso por quase todos os países, finalmente encontrou abrigo nas praias do Haiti, provavelmente por conta do pagamento de régios royalties à ditadura dos Duvalier e dos Tonton Macoute. Esse fato levou a missão nigeriana na ONU a declarar que o despejo do lixo em países subdesenvolvidos corresponde a uma verdadeira declaração de guerra à população dessas nações. Mais grave ainda que o lixo doméstico e industrial é o lixo atômico proveniente das usinas eletronucleares, cujos rejeitos, enterrados no fundo dos mares e nas profundezas da Terra, constituem uma ameaça ambiental permanente. Afora isso, há de se considerar os vazamentos das usinas, entre elas a de Chernobyl e a de Three Mile Island, e a ameaça ambiental que os arsenais atômicos das potências nucleares representam para a sobrevivência de toda a humanidade. A produção do lixo doméstico e dos refugos e despejos industriais, nos Estados Unidos, é da ordem de quatro libras per capita/dia, ou seja, 880 milhões de libras/dia, ou perto de 400 mil toneladas/dia, que correspondem a 146 milhões de toneladas/ano. Nos países pobres do Terceiro Mundo, a quantidade de lixo equivale a uma média de 1,5 libra/dia, ou 700 gramas/dia. Nesses países, outro grande problema, além do lixo e do saneamento urbano, é a poluição causada pela miséria, fome, doença, subnutrição, superpopulação e subdesenvolvimento. A pior das poluições, porque destrói a própria dignidade da condição humana.

11. El niño e la niña Em muitos círculos científicos e políticos ainda prevalece a teoria de que o efeito estufa é o grande vilão e responsável pelas mudanças climáticas e ambientais que trazem, ou podem vir a trazer, consequências drásticas para a biosfera, uma corrente de climatologistas e meteorologistas voltou-se recentemente para o estudo de um novo fenômeno observado no oceano Pacífico: o El Niño. Originado pelo aquecimento das correntes marítimas do Pacífico Central, no período de 1982-83, o El Niño já provocou alagações e chuvas de monções na Índia, secas e estiagens na região do Sahel (África), chuvas na costa sul-americana (da Venezuela ao Chile), no leste da Austrália, inundações na China, bem como secas e distúrbios climáticos no meio oeste americano, ciclones e furacões no mar das Caraíbas e no golfo do México, segundo os professores Kevin Trenberth, chefe climatologista do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica de Boulder, Colorado, e James O’Brien, da Florida State University (revista South, Londres, edição de janeiro de 1989). O fenômeno foi denominado El Niño pelo fato de essa corrente quente do Pacífico Central registrar-se em dezembro, por ocasião do Natal. Agora, os meteorologistas descobriram que, ao lado do El Niño, existe também no Pacífico outra corrente marítima, porém fria, que provoca efeitos contrários, daí seu nome, La Niña ou anti-El Niño, adotado há dois anos para descrever os períodos em que as águas do oceano Pacífico se tornam muito frias. Por sua vez, as observações recentes informam que La Niña vem provocando distúrbios climáticos de monções no oceano Índico e chuvas pesadas no Sahel africano, bem como furacões na parte leste equatorial do Pacífico. No Brasil, o fenômeno vem sendo estudado pelos climatologistas Luiz Molion, Carlos Magno e Expedito Rebelo. De acordo com o noticiário publicado na Gazeta Mercantil, edição de 18/2/1989, o anti-El Niño ou La Niña já foi responsável pelo bloqueio à entrada de frentes frias do Sul do País, o que causou ausência de precipitações e estiagens no Cone Sul, e também em áreas de instabilidade e chuvas acentuadas em alguns pontos do Sudeste e do Centro-Oeste. Por aí se vê as dificuldades dos meteorologistas em encontrar explicações plausíveis para essas mudanças climáticas globais, apesar dos grandes avanços da climatologia, com a introdução dos satélites meteorológicos e do aperfeiçoamento dos instrumentos de medida dos fatores suscetíveis de provocar oscilações e mudanças climáticas.

12. O pulmão do mundo À semelhança do que ocorre hoje com o efeito estufa, no início da década de 70, divulgou-se, nos meios científicos, políticos e jornalísticos, que a floresta amazônica era a responsável pela maior parte da produção e emissão de oxigênio para a atmosfera terrestre. Em consequência, o desmatamento dessa biomassa iria causar a morte por asfixia de toda a biosfera. Tal como agora, argumentou-se que era preciso planetarizar e salvar a Amazônia em nome da sobrevivência da humanidade.

Em 1971, o atual deputado Delfim Netto, que na época era ministro da Fazenda, fez a seguinte declaração irônica à imprensa: “Quem quiser o oxigênio que pague. O máximo que podemos abrir mão é do seguro e do frete da mercadoria”. Continuando a sua argumentação, Delfim Netto disse que “o Brasil poderia cobrar royalties substanciais pela economia externa que vem proporcionando, de graça, ao resto do mundo (...) pois o Brasil até agora não recebeu nenhum centavo pelo oxigênio que entrega ao mundo, nem recebeu qualquer tostão de ajuda externa para manter a gigantesca usina de oxigênio em funcionamento” (STERNBERG. O pulmão verde, 1986). A tese de pulmão do mundo e fábrica de oxigênio – explica Sternberg, um brasileiro, emérito professor de Geografia na Universidade de Berkeley, Califórnia – originou-se de uma falsa e caluniosa interpretação da imprensa internacional e nacional a um pronunciamento do ilustre limnologista, professor Harald Sioli, do Instituto Max Planck e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em resposta a uma consulta da United Press International, de novembro/ 1971, quando, inquirido sobre a contribuição da floresta amazônica para o balanço oxigênio/gás carbônico, afirmou que cerca de 25% do carbono existente na atmosfera terrestre estavam armazenados na biomassa dessa floresta. Os 25% do teor de carbono foram interpretados como 25% de oxigênio, o que passou a ser veiculado nos meios de comunicação de massa, produzindo, assim, o clamor universal contra uma possível devastação da floresta amazônica. A tese apócrifa ganhou foro de verdade nos círculos ligados à “ecologia populista”, a despeito do conhecimento científico de que a composição química da atmosfera terrestre é constituída, basicamente, de 78,11% de nitrogênio (N2) e 20,95% de oxigênio livre (O2), perfazendo esses dois elementos 99,06% dos gases permanentes, e o saldo constitui pequenos percentuais de gases variáveis, entre eles gás carbônico, ozônio, dióxido de enxofre, metano e vapor d’água, conforme quadro demonstrativo publicado pelo climatologista Luiz Molion (A Amazônia e o clima do globo terrestre, edição xérox, 1988). O conceito de pulmão do mundo e fábrica de oxigênio também foi logo repudiado pelo conhecido cientista agrícola Paulo de Tarso Alvim, da Ceplac. Em seu livro Os mitos da Amazônia: por que a grande floresta não pode ser o pulmão do mundo (1972), o cientista informa que a floresta amazônica se encontra em estado de clímax, porque, em virtude de sua maturidade, alcançou uma relativa estabilidade, em que a produtividade líquida do ecossistema se aproxima de livro.pmd zero. Assim, o oxigênio liberado pela fotossíntese tende a ser consumido pela respiração dos seres que integram a sua biota e pela decomposição de sua matéria orgânica. Adiantou, ainda, que, se desejássemos que a Amazônia viesse a se tornar uma região com alto potencial de produção de oxigênio, seria preciso cortar suas florestas em estágio de clímax, para que crescessem de novo, pois um sistema florestal juvenil constitui um produtor líquido de oxigênio. Evidentemente, o professor Paulo Alvim não estava propondo o absurdo da devastação da floresta para convertê-la num “Banco de Oxigênio” para o planeta, mas apenas levantando a hipótese do que poderia ocorrer no caso de uma sucessão ecológica em função da variação etária da vegetação no ciclo do oxigênio e do carbono. As palavras do professor também foram logo mal-interpretadas em alguns círculos empresariais desejosos de transformar a floresta em pastos. Houve até um empresário paulista, proprietário de grandes glebas na Amazônia, que chegou a comunicar pela imprensa que “a Amazônia é uma floresta senil e não contribui para a renovação do oxigênio; portanto, o melhor seria cortar a floresta e deixá-la crescer”. Essa declaração foi reproduzida pelo professor Sternberg no seu livro O pulmão verde, publicado na Revista de Geografia, em outubro de 1986. Coincidentemente, a mesma declaração foi por mim denunciada à nação, no dia 15/2/1979, em um manifesto intitulado Ano I Brasileiro da Floresta Amazônia, quando afirmei: “Falar em floresta senil é o mesmo que falar em humanidade caduca; é esquecer que dentro da comunidade humana existem homens velhos, idosos, e que ao lado deles vivem crianças, jovens e adultos que constituem um elo histórico-social de gerações. Na comunidade florestal ocorre o mesmo, com árvores senis, que apodrecem e morrem, enquanto outras árvores-crianças e jovens as sucedem”.

13. O imposto internacional ambiental A análise microeconômica, ao se restringir às relações de produção em nível de firma, produtor, consumidor e outros agentes, tende a maximizar o lucro e o aproveitamento eficiente dos escassos recursos naturais, humanos, financeiros e organizacionais, de uso alternativo. Nesse tipo de enfoque, nas economias de mercado, os principais problemas se centralizam nas internalidades e nas relações de preços, salários, rendas individuais, eficiência produtiva, competitividade, sob a ótica do princípio custo-benefício, sem maiores considerações sobre os impactos ambientais de médio e longo prazos. Ao passarmos para o nível macro, a análise intersetorial passa a incluir novos vetores e condicionalidades no conjunto dos valores regionais e nacionais, que fogem ao âmbito estritamente produtivo para se projetar no campo da maximização social do produto, distribuição de renda, pleno emprego, utilização racional e inteligente dos recursos naturais e ambientais. Esses últimos recursos se inscrevem no campo das externalidades que ocorrem quando uma ação ou omissão de uma ou mais empresas ou nações acarreta efeitos positivos ou negativos sobre a produção de vizinhos e de terceiros. Essas novas relações observadas fora das firmas, porém muitas vezes provocadas por elas, podem causar danos ou prejuízos consideráveis que extrapolam os níveis internos nacionais para afetar a vida e a sobrevivência de outras nações e povos. Essas externalidades negativas, como é o caso da poluição e contaminação da terra, do ar e da água, da degradação ambiental, da destruição dos ecossistemas naturais e da perda dos valores genéticos da biodiversidade, constituem, hoje, a mais séria preocupação em âmbito macroeconômico e megaecológico. Isso ocorre porque, egoisticamente, o poluidor, ao gerar externalidades ecológicas negativas, desconsidera no cálculo de suas planilhas de custo e de preços as despesas que outros produtores ou países terão de pagar para despoluir ou melhorar a qualidade de vida destruída ou degradada por tecnologias agressivas e antiambientalistas, de baixo custo operacional, que se generalizam em quase todos os países, incluindo aqueles países de economia altamente desenvolvida e industrializada. Essas tecnologias geradoras de lucro imediato possuem um altíssimo custo social, a médio e longo prazos, pela destruição e falência que causam ao conjunto da economia dos mercados e dos consumidores. Para enfrentar tais desequilíbrios e ameaças, em contrapartida e muitas vezes em oposição sistemática e de confronto, nasceram diversas correntes e escolas de pensamento e movimentos ecológicos destinados a defender os ecossistemas naturais, preservar a vida selvagem, conservar as florestas, os rios oceanos, o ar atmosférico e a qualidade de vida em geral. Essa visão ambientalista precisa, porém, incorporar outros valores e vetores extraecológicos, sob pena de condenarmos a maior parte da humanidade, sobretudo, os países tropicais menos desenvolvidos, a viverem em estado de perpétua pobreza, pela impossibilidade de aproveitamento de seus recursos naturais, tendo em vista as pressões, condicionalidades e constrangimentos desencadeados pelas grandes potências e organizações financeiras internacionais. Esses países passaram a incorporar, em suas políticas, práticas ambientalistas para uso externo, enquanto que dentro de suas fronteiras, graves problemas ecológicos se acumulam e causam grandes transtornos e ameaças à sobrevivência de todos os homens. Parece que muitos desses países, para não generalizar, se cansaram de dar maus exemplos para agora começar a dar bons conselhos. No caso da Amazônia, em particular, grande parte da celeuma ambientalista levantada contém muito exagero, e pode muito bem estar servindo aos interesses geopolíticos das grandes nações para esconder ou desviar a atenção do mundo de seus gravíssimos problemas ambientais internos ou para deter o avanço do País no caminho do desenvolvimento atual e futuro. Apenas para exemplificar, a Lei do Ar Limpo (Clean Air Act), atualmente em tramitação no Senado americano, deverá custar ao governo e povo americanos uma despesa da ordem de US$ 140 bilhões/ ano, segundo cálculo recentemente efetuado pela Associação dos Empresários Americanos. Em face da gravidade desse problema que ameaça arrasar o orçamento federal dos Estados Unidos, o atual presidente Bush informou que vetaria a lei se a defesa do meio ambiente não fosse compatibilizada com a necessidade de manter o nível de emprego e de renda da população. Daí porque a análise macroeconômica necessita ampliar-se ao nível macro e mega-ambiental para poder integrar, articular, harmonizar as diferentes variáveis econômicas, ecológicas e sociais, visando otimizar e compatibilizar custos, preços, interesses, vocações e aspirações dos mercados nacionais e internacionais dentro de uma nova ordem econômica mundial. Dentro dessa nova perspectiva internacional, a compatibilização entre as necessidades econômicas básicas e os imperativos da proteção ambiental, da qual depende a continuidade da própria vida humana, estamos assistindo, agora, ao surgimento de um novo conceito e categoria – o desenvolvimento autossustentado. Esse tipo de expansão da atividade produtiva com uso inteligente dos recursos naturais finitos difere muito do ponto de vista dos preservacionistas radicais. Esses têm como ideal a proteção intacta e exaltação da vida selvagem, dos recursos florestais e de todos os recursos naturais renováveis ou não, sem maiores considerações sobre as repercussões humanas ou sociais, mesmo à custa do empobrecimento das populações. As suas prioridades estão muito mais voltadas para a preservação do meio ambiente e supervalorização da natureza do que com o bem-estar do homem e da sociedade, que necessitam explorar esses recursos. Essa filosofia ultraecológica precisa, portanto, incorporar nos seus relatórios de impacto ambiental (Rima) indexadores econômicos e sociais, a fim de procurar conter o ímpeto de seu radicalismo. O novo conceito do desenvolvimento sustentado procura alcançar níveis de satisfação das necessidades humanas e do progresso social, sem destruir ou exaurir as fontes naturais da própria vida, de modo que se estabeleça a solidariedade diacrônica entre as gerações, isto é, esse desenvolvimento deve manter abertas as opções de uso desses recursos para as futuras gerações, estabelecendo um vínculo de continuidade entre o tempo atual e o porvir. O desenvolvimento sustentado atenderia, assim, os interesses e os propósitos dos países desenvolvidos e os em vias de desenvolvimento, de modo a refrear o ritmo de poluição ambiental causados pelos países do Primeiro Mundo com as aspirações de crescimento dos países atrasados, onde a produção ineficiente, os preços vis das matérias-primas, a miséria absoluta, a pobreza, o rápido crescimento populacional, a urbanização galopante, os problemas da dívida externa são responsáveis pela pressão exagerada e exaustão dos recursos naturais. Por igual, o desenvolvimento sustentado deve prever a eliminação progressiva de subsídios, barreiras fiscais e extrafiscais, contingenciamentos, reservas de mercado, “dumpings”, cartéis e outras formas perversas de controle e domínio, que impedem o florescimento de uma economia mais justa, estável e livre. Essa nova visão do processo multidimensional do desenvolvimento sustentado não deve, porém, restringir-se aos campos econômicos e ambientais, porque tem o dever de incluir uma configuração política e social no seu contexto. Por isso venho proclamando, há longos anos, que o desenvolvimento amazônico deve adotar quatro paradigmas

básicos na sua conceituação: isto é, ele deve ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo. A esse tipo de desenvolvimento sustentado, também por outros denominados ecodesenvolvimento, preferi, há aproximadamente duas décadas, denominá-lo de desenvolvimento oikopolítico, para poder expressar o verdadeiro conteúdo semântico da raiz grega oikos, na sua inteira conotação e abrangência original, que inclui os conceitos de lar, patrimônio, hábitat e pátria. A introdução desse novo conceito de desenvolvimento sustentado ou oikopolítico, em âmbito global, necessita que a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), se conscientize da inadiável necessidade de criarem-se novos mecanismos e instrumentos que tal conceito exige para o sucesso de sua implantação. Essa nova ordem mundial incluirá, sem dúvida, a discussão dos problemas decorrentes do excessivo crescimento demográfico, da utilização desordenada e predatória dos recursos naturais e biológicos do planeta, a melhoria nas relações de troca entre as matérias-primas, “commodities” e produtos manufaturados, a difusão de tecnologias ambientalistas apropriadas, uma justa redistribuição de renda e uma melhora extraordinária na infraestrutura dos serviços de educação, saúde, saneamento básico, habitação, transporte, ciência, tecnologia e uso inteligente dos recursos naturais. Entre esses novos instrumentos ousei propor a criação de um Imposto Internacional Ambiental a ser pago à Tesouraria Internacional do Meio Ambiente – a ser criada dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) – pelos países e indústrias reconhecidamente poluidores que causam graves danos ambientais, como os gerados pelo efeito estufa, chuvas ácidas, rompimento da camada de ozônio. Também pelos efeitos criados da ameaça nuclear, rejeitos atômicos, lixo domiciliar, hospitalar e industrial lançados nos oceanos e no fundo dos mares ou despejados nas profundezas das cavernas do subsolo, pelo narcotráfico que destrói a vida dos jovens e adolescentes, pelo desmatamento indiscriminado e devastação predatória dos recursos naturais e biológicos, pela destruição da vida selvagem, erosão e lixiviação dos solos, uso abusivo de agrotóxicos e herbicidas, exaustão dos recursos pesqueiros, desertificação crescente, excesso populacional e urbanização desordenada inter alia. A criação dessa nova espécie tributária no direito internacional público teria de ser debatida e aprovada numa grande convenção pela Assembleia Geral das Nações Unidas e a seguir ratificada por instrumentos de adesão a serem aprovados pelos parlamentares dos países membros signatários. Esse tributo teria como objetivo contribuir para a solução ou minimização do problema criado pela crise ecológica e pelos efeitos globalizantes da atividade predatória, degradante e poluidora dos recursos naturais e ambientais do planeta. Justificam a sua institucionalização os seguintes objetivos: 1) Penalizar aqueles países e indústrias que poluem o ar, a terra, as águas dos rios e oceanos e contaminam a vida. Essa penalização é necessária porque os países poluidores, ao produzirem essas externalidades negativas, não levam em conta o custo de sua ação que causam aos seus vizinhos e a terceiros países. As distorções ambientais causadas pelo uso abusivo dos recursos naturais finitos e escassos provocam a falência da economia de mercado, que fica incapaz de absorver custos alheios e alienígenas, a não ser com graves prejuízos financeiros e investimento na despoluição e descontaminação. O Princípio do Pagamento pelo Poluidor (PPP) é muito justo e equânime porque força o predador a pagar pelas externalidades negativas, obrigando a escolher ou criar outros processos de produção, sob pena de, por meio desse imposto, contribuir para o custeio da limpeza ou conservação do meio ambiente. De outro lado, aqueles países ou regiões, entre eles o Brasil e a Amazônia, que atualmente subvencionam ambientalmente os países mais ricos do Primeiro Mundo, pela manutenção e conservação das suas florestas e dos seus recursos genéticos, fornecendo a eles, gratuitamente, calor, umidade, absorção de carbono, controle do ciclo hidrológico, regulagem do clima terrestre, recursos genéticos – esses países deveriam receber royalties, contribuições fiscais e financeiras pagos pela comunidade internacional pela prestação desses serviços, funções e virtualidades. 2) Identificar as principais fontes e países responsáveis pela poluição e degradação ambiental. Pelos dados conhecidos e divulgados pelo Programa Ambiental da ONU e pelas reconhecidas entidades e organizações ambientalistas não governamentais, a grande responsabilidade por essas fontes poluidoras recai sobre os países industrializados do hemisfério norte. Esses países, ao retardarem o desenvolvimento da ciência e tecnologia voltadas para a produção limpa de energia, transporte, produção agrícola e industrial, continuaram a adotar práticas agressivas e perturbadoras do equilíbrio do clima global e da qualidade de vida, a fim de poderem amortizar os seus investimentos já obsoletos. Ou então, pela incapacidade de concentrar recursos, reunir talentos e desenvolver projetos de alto custo inicial e longo prazo de retorno naquelas áreas mais carentes e necessárias que reclamam urgente reciclagem produtiva com tecnologias mais brandas, mais eficientes, menos agressivas e de menor impacto ambiental. Esses investimentos exigiriam esforços conjugados da comunidade científica, empresarial e política para encontrar formas de financiamento compartilhado e participativo. O Imposto Internacional Ambiental aqui proposto seria um dos instrumentos fiscais e financeiros, que bem poderia contribuir para a implementação dessa nova política de cooperação mundial. 3) Incentivar, por meio dos recursos arrecadados pela Tesouraria Internacional do Meio Ambiente, que poderiam ser acrescidos e suplementados por programas próprios daqueles mais desenvolvidos, projetos ambientais conservacionistas. Seriam beneficiados, assim, aqueles países que se comprometessem a adotar políticas, práticas e tecnologias que promovessem o desenvolvimento oikopolítico autossustentado. Entre esses projetos devemos mencionar que essa fonte financeira internacional, também, poderia custear, mediante transferências de recursos, com absoluto respeito à soberania de cada país e ao princípio da autodeterminação responsável e solidária, para o custeio de grandes áreas destinadas à preservação ambiental, tais como: parques nacionais e florestais, reservas biológicas, estações ecológicas, santuários da vida silvestre, rios cênicos, monumentos culturais, sítios arqueológicos, reservas indígenas e extrativistas. Também para desenvolver tecnologias tropicais adequadas para o manejo florestal e silvicultura, manejo pesqueiro e piscicultura, criatório de animais, cultivo de plantas medicinais, frutíferas, oleaginosas, tubérculos, especiarias, controle de pragas e de novos clones e cultivares, adaptadas às condições de solo, clima, umidade, calor e irradiação solar peculiares às diferentes regiões amazônicas. Sem esquecer que um programa de educação ambiental deveria ter caráter absolutamente prioritário, a fim de criar uma consciência regional e nacional de conservação dos bens naturais em cada país. Consciência ecológica, que é um dever nacional e uma obrigação social intransferível. 4) Aliviar o peso e a carga insuportável da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento. Essas dívidas, em grande parte, foram contraídas em função do pagamento de preços iníquos, deco rentes da alta arbitrária imposta nos bastidores do cartel dos países produtores de petróleo e agravados com altas taxas de juros, pela brusca elevação das condições de financiamento dos bancos internacionais na década de 80. O peso dessa dívida externa, que no caso brasileiro se eleva para perto de US$ 110 bilhões, com um serviço de juros anual da ordem de US$ 10 bilhões, tornou o País e os outros países em vias de desenvolvimento exportadores líquidos de capital. Esse desequilíbrio nas contas externas, agravadas pela deterioração nas relações de troca dos preços das matérias-primas, dos produtos agrícolas e dos produtos naturais intensivos, tornou difícil honrar o resgate desse compromisso, sem comprometer o processo de crescimento nacional. A estagnação ou o empobrecimento desses países não só causaria sérios transtornos à banca internacional como contribuiria para agravar o problema ambiental doméstico decorrente da necessidade de explorar os recursos naturais a qualquer custo, a fim de atender os compromissos externos. A criação do Imposto Internacional Ambiental serviria, outros sim, para aliviar o peso dessa dívida externa, pois do total previsto da arrecadação anual de US$ 450 bilhões

– considerando apenas a taxação do efeito estufa produzido pela emissão de 4,5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), taxado a uma alíquota de US$ 100 por tonelada/ano – US$ 300 bilhões seriam, inicialmente, destinados à compra, pela ONU, pelo valor real de mercado, com um deságio de 70%, do total da dívida nominal de aproximadamente US$ 1 trilhão. Desse modo, países, entre eles o Brasil, por meio desse imposto, teriam a sua dívida consideravelmente reduzida para US$ 36 bilhões (Brasil), cujo montante poderia ser pago à Tesouraria Internacional do Meio Ambiente, em um prazo razoável de amortização, dentro das possibilidades nacionais. Esse alívio evitaria o estrangulamento da economia do País e poderia ter permitido ao novo governo instaurado no País em março de 1990 o início de um programa vigoroso de desenvolvimento econômico e social autossustentado, dentro daqueles parâmetros que conciliassem a exploração do produto e da renda nacional per capita com a melhoria da qualidade de vida com respeito aos padrões de otimização econômica e ambiental. O saldo do orçamento ecológico de US$ 150 bilhões seria destinado aos países industrializados para investimentos ecológicos e ambientais dentro dos seus países e para desenvolver ciência e tecnologia novas e criativas para a reciclagem dos seus padrões produtivos com a adoção de novos métodos de fabricação, cultivo e geração de energia limpa, dentro da nova ordem ambiental. Segundo as normas clássicas do direito tributário, esse novo imposto teria de definir os cinco pressupostos básicos da imposição fiscal: norma legal, fato gerador, base de cálculo, alíquota e sujeitos ativo e passivo da obrigação. Precisaríamos, portanto, identificar, definir, qualificar e quantificar esses fatos, sujeitos e agentes. Em princípio, a norma institucional criadora do Imposto Internacional Ambiental seria a convenção internacional patrocinada pela ONU, mediante a assinatura de um protocolo a ser ratificado pelos parlamentos dos países signatários. Nessa convenção, protocolo ou tratado seriam especificados os fatos geradores da obrigação tributária, isto é, os principais agentes poluidores responsáveis pela degradação do meio ambiente, bem como as alíquotas e bases de cálculo para a obrigação fiscal. A listagem desses fatos geradores poderá ser bastante ampla para abranger os diferentes níveis de perturbação ambiental, podendo criar-se classes, espécies e escalões diferentes de agravação ou redução, de acordo com o grau de insalubridade, morbidade e periculosidade. Apenas a título ilustrativo, apresento no verso desta, uma listagem dos principais elementos poluidores que merecem registro especial. Essa listagem denominei de Poluição Nacional Bruta (PNB) para contrastar com a sigla homônima do PNB do Produto Nacional Bruto, a fim de poder introduzir no conceito da contabilidade macroeconômica nacional valores megaecológicos de grande repercussão e perturbação no meio ambiente universal. Com essa nova metodologia, o Produto Nacional Bruto (PNB no Brasil e GNP nos países de língua inglesa), que é o valor monetário dos bens e serviços produzidos no País durante um ano, precisa desagregar de suas contas os valores e externalidades negativas que causam dano e prejuízo no meio ambiente nacional e mundial. Esse desconto da poluição nacional bruta teria o seu valor monetarizado e quantificado pela obrigação fiscal decorrente do pagamento do Imposto Internacional Ambiental pelos países poluidores como sujeito passivo desse tributo.

De outro lado, haveria países e regiões como o Brasil e a Amazônia que, além de prestarem bons e inestimáveis serviços à humanidade com a conservação da floresta tropical chuvosa da Amazônia – apesar dos desmatamentos de 251.000 km2 num período de vinte anos – mantém ainda íntegros cerca de 90% dos seus ecossistemas naturais. Esses serviços, funções, virtualidades e préstimos, que hoje são doados à humanidade sem contrapartida, teriam de ser remunerados em função do calor, energia, umidade, controle do ciclo hidrológico, regulagem do clima, absorção do dióxido de carbono dos países poluidores, conservação da biodiversidade e valores genéticos, mediante lançamento em conta gráfica credora pela contabilidade da Tesouraria Internacional do Meio Ambiente da ONU. Essas dotações orçamentárias, a nosso crédito, seriam acrescidas às contas nacionais do Produto Nacional Bruto, pois esses valores, hoje invisíveis, e doados como subsídio ambiental a outros países, se tornariam transparentes e incorporados à contabilidade nacional do Produto Interno Bruto. Apenas para ilustrar, registramos a pesquisa recente dos climatologistas Luís Molion, do Inpe, e Song Miau, onde verificaram que a floresta amazônica absorve, por meio da fotossíntese, nove quilogramas de carbono, por hectare, por dia. Considerando os atuais 300 milhões de hectares da floresta, esse equivale a uma absorção de perto de um bilhão de toneladas/ano de carbono, ou seja, o suficiente para fixar em sua biomassa 25% do total das emissões de carbono provenientes da poluição e da queima de combustíveis fósseis emitidos pelos países do hemisfério norte. Em termos de Imposto Internacional Ambiental, a limpeza de um bilhão de toneladas/ano de carbono poluidor da atmosfera terrestre, realizada pela floresta amazônica, representaria um crédito da ordem de US$ 100 bilhões/ano, tomando por base a alíquota proposta de US$ 100 por tonelada de emissão de dióxido de carbono a ser paga pelos países poluidores. Atualmente, esse valor é transferido, gratuitamente, pela Amazônia para os países altamente desenvolvidos, responsáveis por esse tipo de poluição, sob a forma invisível de subsídio ambiental (MIAU, SONG et. al. The Amazonia and the global climate. MOLION, L. C., 1988. Uptake of CO2 by the Amazon Forest in the Wet Season, 1989). A tabela reproduzida, da Poluição Nacional Bruta (PNB), equivalente ao Gross National Pollution (GNP) dos países anglófonos, tem o intuito de apresentar, como tentativa preliminar e sujeita a revisão, a relação dos principais agentes poluidores e a sua quantificação pelos principais países, notadamente os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, União Soviética, China e América Latina. No caso do Brasil, com exceção dos dados acima mencionados dos desmatamentos florestais, não existem dados publicados para os outros segmentos em nível comparativo mundial. No entanto, é notório que enfrentamos, também, graves questões ambientais causadas pelo mercúrio dos garimpos de ouro nos rios Madeira e Tapajós, bem como pela poluição atmosférica nas regiões industrializadas do Sul e Sudeste do País, sem falar nos grandes problemas de subnutrição, pobreza, saneamento básico, saúde e habitação nos aglomerados e favelas subumanas das periferias, morros e baixadas dos grandes centros urbanos e metropolitanos em todo o País. Essas atividades de perturbação e degradação ambiental em nosso País teriam, também, de ser contabilizadas no orçamento do Imposto Internacional Ambiental. Entre esses agentes poluidores, enfatizamos o dióxido de carbono (CO2), por ser responsável pelo efeito estufa, que causa o aquecimento da temperatura pelos raios infravermelhos, que poderão determinar o degelo das camadas polares e o aumento do nível dos oceanos, proveniente da queima de combustíveis fósseis e bióticos; o dióxido de enxofre (SO2), que tem graves implicações para a formação das chuvas ácidas, que já causaram consideráveis danos nas florestas do hemisfério norte, nas seguintes proporções: 38% na Áustria, 34% na Bulgária, 49% na Tchecoslováquia, 28% na França, 54% na Alemanha Federal, 45% na Holanda, 28% na Espanha, 50% na Suíça, sem mencionar os gravíssimos prejuízos causados às florestas do Canadá e dos Estados Unidos. Essas emissões sulfurosas são provenientes da queima de carvão de pedra fóssil nas usinas térmicas obsoletas para produção de vapor e energia elétrica existentes na maioria dos países europeus; o dióxido de nitrogênio e óxido nitroso, que contribuem para a depleção do ozônio (O3) existente nas camadas estratosféricas que protege a atmosfera e a biosfera dos níveis mortais da radiação solar cancerígena ultravioleta, proveniente do uso do clorofluorcarbono (CFC), usado nos sistemas de refrigerações, aerossóis e embalagens. Os maiores responsáveis pelo consumo dos CFCs estão os países do hemisfério norte, entre os quais os Estados Unidos e a comunidade europeia, que juntos respondem por 60% do consumo mundial, o Japão com 12% e a União Soviética com 9%, cujas emissões já causaram o rompimento da camada de ozônio na Antártida, o que motivou a assinatura do Protocolo de Montreal, de 1987; o monóxido de carbono (CO) causa sérios problemas respiratórios que podem levar ao envenenamento e morte por asfixia, provenientes da queima de gasolina e outros derivados de petróleo nos veículos automotores, um grave problema a exigir mudança nos sistemas de carburação, com a instalação de catalisadores de

alto custo; o lançamento de lixo nos rios e oceanos constitui um grave problema, pois, além de levar à exaustão os recursos pesqueiros, contamina as praias, polui as águas e destrói a vida aquática e os ecossistemas marinhos, costeiros e ribeirinhos. Esse problema é tão grave que se calcula que somente os Estados Unidos estão despejando nos oceanos um bilhão de toneladas métricas por ano de lixo municipal, industrial, esgoto, efluentes e rejeitos químicos e substâncias perigosas, sem contar com os vazamentos acidentais dos grandes petroleiros e o lançamento de lixo nuclear no fundo dos mares, cuja meia-vida pode durar dezenas de milhares de anos, durante os quais a humanidade inteira fica exposta a graves riscos de uma catástrofe de radiação nuclear irreversível; a destruição da vida selvagem, com a extinção de plantas e animais e o desmatamento indiscriminado das florestas tropicais e temperadas para fins de pastoreio ou uso agrícola, ameaça também destruir a riqueza da diversidade genética, empobrecendo perenemente a biosfera dos seus recursos biológicos. Apenas para exemplificar, a despeito de estar proibida a comercialização de peles de jacarés, crocodilos e répteis, os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha Ocidental, Itália e Japão importaram, legal e ilegalmente em 1985, segundo dados divulgados pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, Conservation, Monitoring Centre (IUCN/CMC) e a Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna an Flora (Cites) – 6.365.314 peles desses sáurios e répteis, a maior parte obtida por meio de contrabando de países africanos e sulamericanos. Vale notar que, enquanto o Brasil, desde a edição da Lei n.o 5.197, de 1967, proibiu a matança de jacarés e outros animais silvestres para fins comerciais e industriais, renunciando uma receita anual de exportação superior a US$ 500 milhões, esses sete países ultradesenvolvidos, líderes mundiais do moralismo ecológico vitoriano para uso externo, permitem que as suas indústrias curtidoras e manufatureiras gerem uma receita de quase US$ 7 bilhões por ano, com a venda desses produtos no mercado interno e internacional, pois no caso dos jacarés e crocodilos, cada pele, transformada em bens de consumo final, alcança um preço superior a US$ 1.000 por pele processada; a erosão do solo, só nos Estados Unidos, destrói, a cada ano que passa, em torno de 3,1 bilhões de toneladas de terra arável, na União Soviética 2,5 bilhões, na Índia 6 bilhões, e na América Latina 1,9 bilhão. Essa perda irá determinar o aumento da desertificação no trópico úmido, seco, semiárido e nas regiões temperadas, criando seríssimos problemas para a produção agrícola, que terá de recorrer, cada vez mais, a fertilizantes químicos, herbicidas, pesticidas e recursos hídricos para irrigação, encarecendo consideravelmente o custo dos produtos agrícolas; a extração ambiciosa e o uso de madeira nas florestas temperadas e tropicais alcançaram, somente nos Estados Unidos, nos anos de 1984/1986, um bilhão de metros cúbicos de produtos (madeira serrada, painéis, contraplacados, compensados, carvão vegetal) que devem ter promovido a derrubada de 250 milhões de árvores, isso sem contar com a produção de 62 milhões de toneladas de celulose e papel de origem vegetal. Esse panorama devastador do consumo conspícuo, exagerado e indiscriminado dos recursos naturais da biosfera pelos principais países industrializados, sem contar com os efeitos extremamente perversos dos agentes poluidores e de degradação ambiental que lançam no ar, nas águas e na biosfera, precisa ser divulgado para o conhecimento dos meios acadêmicos, científicos, políticos e pela cidadania em geral. Esses números revelam, à sociedade, que o problema ambiental está sendo investido nos seus termos lógicos e na sua relação de causa e efeito. Em verdade, os países em vias de desenvolvimento que têm sido injustamente acusados como vilões e réus nos fóruns internacionais, como principais responsáveis pela degradação ambiental do planeta, são vítimas e não autores dessa destruição. Nada melhor do que a instituição do Imposto Internacional Ambiental para identificar as origens e as fontes da crise ambiental. E também para estabelecer as bases de uma ampla e solidária cooperação internacional, em âmbito científico, financeiro e de justiça fiscal para criar entre os países um amplo entendimento e uma nova ordem internacional baseada no desenvolvimento oikopolítico autossustentado.

14. A Amazônia e o tempo Na disputa radical entre preservação, planetarização e desenvolvimento, a Amazônia, com sua floresta tropical chuvosa, passou a ser a deusa e o demônio de uma nova mitologia ecológica – a ciência dos orixás – em oposição à legítima ecologia de base oikopolítica, que combina aspectos ambientais, econômicos, sociais e políticos, e cujos parâmetros e pesquisas devem ser observados na busca de uma nova ordem em favor do bem-estar dos amazônidas, dos brasileiros e, em consequência, da humanidade em geral. À falsa primeira ciência dos orixás, que combina sofismas, mitos, meias verdades, hipóteses não provadas, profecias escatológicas e ameaças de constrangimento à soberania brasileira, corre paralela uma outra igualmente falaciosa ciência, a voodoo economics – a economia da macumba, das mães de santo, pais da pátria, demagogos e empresários de terreiro de visão curta, que chegaram à Amazônia para dela se servir, na base do enriquecer-antes-que-acabe. São esses os responsáveis pela devastação indiscriminada e pelas queimadas desnecessárias da floresta; para fins especulativos ou com o intuito de firmar o direito de posse e receber incentivos fiscais, eles as fazem sem a menor consciência de que os valores ambientais devem ser respeitados e harmonizados com a produção econômica. Há também uma grande parcela de produtores e migrantes-agricultores que se dirigem para a Amazônia em busca de um lar e oportunidades de trabalho na nova fronteira agrícola que se abre na zona de transição entre o cerrado do Planalto Central, o escudo sul-amazônico e a zona da floresta tropical chuvosa. Tal fronteira estende-se mais precisamente ao longo dos eixos rodoviários da Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho e nos limites de toda a área do sul do Pará e do norte dos Estados de Tocantins e Mato Grosso, bem como nos Estados de Rondônia e Acre. Não se pode esquecer, ainda, das populações tradicionais ribeirinhas do Amazonas que precisam sobreviver e construir uma economia mais produtiva e uma sociedade mais justa. No quadro de valores ecológicos enumerados, existe outro aspecto também fundamental e importante que deve ser enfatizado: a divulgação universal de tantas distorções, mitos, falácias e meias verdades a serviço da verdadeira ciência ou da inocência útil funcionou, ao menos, para impor novas posturas, talvez indesejáveis para aqueles que pretendem a planetarização da Amazônia. Vejamos: 1) o mundo passou a dar mais importância aos valores, recursos, bens e dons que a Amazônia lhes proporciona; 2) o despertar, no Brasil, de uma consciência política, que incorpore e integre as três vertentes da nossa geopolítica continental: a platina, a atlântica e a amazônica; 3) a necessidade de implantar, dentro da Amazônia, uma nova política ambiental e econômica, que busque conciliar os interesses produtivos com os valores ecológicos e sociais; 4) a consciência de que não podemos, nem devemos, fazer “ouvidos de mercador”, mesmo perante as profecias escatológicas, ou nos deixar intimidar pela pressão alienígena que possa constranger a soberania brasileira na área; 5) a urgência de buscar novos conhecimentos, de investir mais na ciência e tecnologia tropicais, de formar novos pesquisadores, de melhorar a educação em todos os níveis, de aprofundar os estudos regionais, de aprender a desenvolver novas técnicas de manejo florestal, hídrico, pesqueiro e pedológico, e de estimular e atrair empresários e empresas engajadas na nova política de produção econômica e proteção ambiental. Não devemos, contudo, ter pressa demasiada, pois o horizonte do nosso tempo e espaço deve abranger metas diferenciadas, que busquem adequar os empreendimentos urgentes, cuja realização demanda curto e médio prazos, com aqueles que demandam prazos mais longos para se tornarem acessíveis e factíveis. Nesse particular, a ciência e a tecnologia, pelo conhecimento mais sistematizado e integrado da floresta (fauna, solo, rio dos mais variados ecossistemas), podem nos indicar caminhos menos árduos e mais seguros do que os encontrados no passado. Não podemos, ao contrário, esperar que a ciência nos dê todas as respostas, a fim de promover o nosso desenvolvimento, pois é procurando andar com passo certo que se aprende a caminhar.

O patrimônio biológico que a Amazônia nos oferece precisa ser resguardado e conservado, mas sem redomas ou santuários. Ele deve também ser usufruído e aproveitado, porém com moderação e racionalidade, para que o fazer a Amazônia pela pressa e improvisação não resulte na destruição, pela violência econômica, das inúmeras opções que devem ser preservadas para as gerações futuras. O fazer a Amazônia não pode, nem deve, transformá-la num santuário ecológico e profético – a Santa Amazônia Verde dos Santos, Anjos e Arcanjos dos Últimos Dias – nem tampouco converter, pela ação econômica predatória, a Selva de Tupã no Inferno e no Deserto Vermelho do Fogo de Satã. Saber usar o tempo adequadamente será fundamental como estratégia para o desenvolvimento amazônico, pois se há problemas que exigem ação imediata para melhorar a vida de suas populações interioranas e urbanas, há outros que demandam horizontes mais largos e longínquos. As posturas aconselháveis para o confronto temporal e de geração deverão ser a moderação sem radicalismo, a ação sem inércia, a presença sem omissão. Devemos todos, ao final, convir que, para a solução dos problemas amazônicos, existem, simultaneamente, uma Hora Alfa para começar e planejar, uma Hora H para decidir e investir, e uma Hora Ômega para saber parar, refletir e repensar. A verdadeira sabedoria consiste em saber distinguir como a mais alfa, a mais agá e a mais ômega de todas as horas devem ser combinadas na contagem progressiva do tempo.

15. A planetarização da Amazônia Em 24 de novembro de 1971, recebi do magnífico reitor da Universidade Federal do Amazonas a honrosa incumbência de saudar, em cerimônia realizada no Teatro Amazonas, o atual senador Jarbas Passarinho, então ministro da Educação. A homenagem universitária, com a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao ministro, foi extremamente justa, pois ele havia proposto uma reformulação política do conceito de educação, ao afirmar que “investimento em educação não é despesa de consumo e sim, inversão na produção do futuro”. A homenagem devia-se ainda, e particularmente, ao fato de o Ministério da Educação, sob o comando do senador, ter acabado de reconhecer oficialmente um grande número de faculdades da recéminaugurada Universidade Federal do Amazonas, sucessora e herdeira da mais antiga instituição universitária do País – a Escola Livre Universitária de Manaus, criada em 1909 e extinta nos dias negros da depressão amazônica da década de 20. Na ocasião, introduzi no meu discurso uma referência ao processo de planetarização da Amazônia, afirmando, então, que corria, nos grandes centros universitários e de pesquisa, a moeda falsa de que o mundo necessitaria manter a virgindade da selva amazônica para garantir a sobrevivência do planeta. O destino melancólico reservado à Amazônia seria o de convertê-la em fábrica de oxigênio, chuvas e trovoadas para o restante da humanidade. Ao concluir minha saudação, disse que a esse desafio planetário deveríamos responder com a vontade política e com as armas da ciência e da tecnologia – pois íamos ocupar e desenvolver a Amazônia sem transformá-la num deserto –, mas sem nos deixar intimidar pelas ameaças nem temer o desconhecido. Afinal a Amazônia, histórica e politicamente, era a imagem da grandeza e a fronteira de expansão interna de nosso País. No dia seguinte, o jornalista Fábio Lucena – anos mais tarde eleito senador da República e morto tragicamente em 1987 – escreveu um artigo abordando o tema da internacionalização da Amazônia e, reportando-se à tese de planetarização por mim defendida, pediu que eu viesse a público para esclarecer e desenvolver o tema. Atendendo a seu pedido, publiquei no dia 14 de dezembro de 1971, nos jornais de Manaus, um documento a respeito. Decorridos dezoito anos de sua publicação, o estudo continua, ainda, bastante atual e, por isso, volto a transcrevê-lo. Sua republicação, portanto, comprova o caráter cíclico e a persistência do argumento planetarizador. Sua releitura talvez possa servir como referência histórica, para compreensão e análise do problema. Inicialmente, convém esclarecer que internacionalização e planetarização, conceitualmente, constituem duas categorias diferentes. Poderia haver internacionalização com ou sem planetarização, e esta poderia ocorrer dentro de um esquema radicalmente nacionalista. A internacionalização é um processo de transferência e alienação da soberania política nacional em favor de uma entidade supranacional que passaria a exercer o domínio político-jurídico sobre uma área, em nome de um grupo ou comunidade de nações. Nesse caso, a internacionalização serviria a propósitos nitidamente políticos, institucionalizados mediante cessão, confederação, invasão, ocupação colonial, fideicomisso, comissariato e outros instrumentos que a História registra no passado, podendo haver ou não domínio imperial exclusivo. O fundamento nessa categoria é de que haja uma transferência, parcial ou total, da soberania e jurisdição política, assumindo a nova entidade os direitos e deveres perante a comunidade internacional, antes exercidos pelo titular da soberania nacional extinta, ou pelo menos que, na ausência de uma entidade supranacional, ocorra o consenso entre os povos de que sobre um determinado território nenhuma jurisdição exclusiva de qualquer nação venha a atuar. Desse modo, falamos do mar internacional, da região ártica e antártica, do espaço exterior, onde inexiste titularidade nacional. O conceito de planetarização envolve uma categoria distinta. A expressão foi inicialmente proposta por Teillard de Chardin para dimensionar, filosoficamente, o estranho e complexo mundo em que vivemos, com seus anseios de unidade da raça humana e aspiração de integração cósmica. Fomos, então, buscar esse neologismo filosófico para caracterizar uma corrente de ultraconservacionistas que se difunde, rapidamente, em todo o mundo, inclusive no nosso país, e que objetiva preservar, a qualquer custo, as fontes da vida telúrica, do meio ambiente, do equilíbrio ecológico e do ecossistema, não com objetivos políticos, mas agindo em nome da sobrevivência da Terra. A intensa, e muitas vezes abusiva, utilização dos recursos naturais, renováveis ou não; o processo de industrialização acelerada nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento; os efeitos da massificação e aglomeração urbanas; as consequências da motorização e do tráfego de superfície; o uso e experimentação de armas biológicas e nucleares; a contaminação da água, do ar e do meio natural pelos agentes químicos; a miséria, a fome e outras formas de poluição ambiental deram origem a uma crescente preocupação de que é preciso voltar ao estado de pureza original, valorizando as fontes da vida, a beleza da paisagem e o equilíbrio biótico, dentro do quadro da sociedade de consumo. Uma inquietação que constitui um ideal justo, racional e humano. Como geralmente ocorre, porém, a defesa da pureza ambiental da Terra não pode ultrapassar a fronteira do bom-senso, a ponto de, em nome dessa virgindade e estado de inocência, destruir as bases de sustentação do homem, tolher seu desejo de desenvolvimento e, pelo processo subliminar de intimidação profética, conduzir a humanidade ao imobilismo e à inércia. É o que está ocorrendo nessa investida pseudocientífica, dando livre curso à moeda falsa da planetarização amazônica. Utilizando muitas vezes cientistas de renome, divulgam-se meias verdades, generalizações e abstrações que o estágio atual de conhecimento científico regional não autoriza. Todavia, se falta uma base experimental e científica ao argumento da salvação cósmica por meio da planetarização da Amazônia, sobra-lhe, de outro lado, ardor e impetuosidade especulativa, pois, sendo uma categoria abstrata, permite a fácil incursão de profetas, astrólogos e cassandras. Os profetas da “morte-da-Amazônia-dentro-de-trinta-anos”, da “desertificação-acelerada-da-Hileia”, do “pulmão-da-Terra”, da “fábrica-de-chuvas-e-oxigênio”, do “vamos-preservar-a-vida-selvagem”, do “visite-a-Amazônia-antes-que-acabe” podem servir de instrumentos daquela estratégia do medo e da intimidação que nos pode conduzir de volta à estagnação secular, exatamente no momento em que o País inteiro, por meio de grandes projetos de pecuária, mineração, colonização e das duas transamazônicas, se lança para ocupar e integrar a região. Os investimentos, tão importantes à demarragem do nosso processo de desenvolvimento, poderão sofrer uma pausa, na expectativa de que, ao se localizarem na Amazônia, estarão contribuindo para o holocausto planetário. Não se trata de exageros, pois, mesmo entre nós, em um recente seminário, editou-se um documento básico no qual se

afirma, transcrevendo opiniões divulgadas em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Alemanha e nos Estados Unidos, a extrema fragilidade do equilíbrio biótico e do ecossistema na floresta amazônica, cuja violação e agressão seriam contrárias aos interesses de grande parte da humanidade, uma vez que essa floresta fabrica metade do oxigênio produzido no mundo e é a principal responsável pela absorção do gás carbônico originário das cidades e das indústrias. Se o gás carbônico fosse elevado ao dobro da concentração atual, geraria calor suficiente para derreter o gelo das calotas polares, elevando o nível das águas dos oceanos em 30 metros e submergindo a maior parte dos continentes. De onde se deduz, como fez Glycon de Paiva, em artigo recente, que o melhor que podemos fazer na Amazônia é vender paisagem e algum minério, cabendo-nos assim – a conclusão minha – deixar livre, para o resto do mundo, oxigênio, sombra e água fresca. E algumas trovoadas. A obsessão conservacionista já se faz sentir com intensidade no interior da Amazônia – onde o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) institucionalizou o processo planetarizador com referência à caça e à pesca, a título de preservação da vida selvagem, levando ao desespero milhares de famílias que nelas encontravam a sua fonte de sobrevivência – e nas cidades amazônicas, eliminando uma das mais modernas e florescentes indústrias, por meio da proibição sistemática de sua comercialização. Mais de cinco milhões de dólares anuais estão perdidos para o balanço de pagamentos da Amazônia com a “lei seca da proibição”, que assim poderia ser enunciada: não importa que morra o homem, desde que os bichos sobrevivam. Contudo, enquanto se transfere para os países e regiões subdesenvolvidas o ônus da planetarização, a humanidade sofre, cada dia mais, o processo poluidor que se origina nos grandes centros de economia mundial: Estados Unidos, Europa, União Soviética, China, os principais. A contaminação das águas dos rios e dos mares pelo petróleo, pelos resíduos das fábricas, pelos fertilizantes e defensivos químicos, pelos esgotos das grandes cidades, pelo lixo atômico e pelas armas biológicas incineradas no fundo dos mares; a poluição do ar pelo monóxido de carbono e outros gases sufocantes e venenosos, pelas explosões experimentais de artefatos e bombas nucleares; a poluição sonora causada pelos atritos, pelo barulho e pelos decibéis dos aviões a jato; a poluição bélica que destrói a vida e a esperança de tantas regiões do mundo não chegam a sensibilizar a consciência mundial. Caberiam a nós, da Amazônia, consoante esse novo testamento apocalíptico, a iniciativa e a responsabilidade de restaurar a pureza original da Terra e manter o equilíbrio do ecossistema, assegurando, por meio do oxigênio e da chuva que a floresta produz, a sobrevivência do planeta, sem levar em conta que a pior das poluições é a resultante da miséria e da fome. Lancei, assim, um alerta à nação contra esse processo planetarizador, por ser incompatível com a política de colonização, ocupação e integração da Amazônia, afirmando que ao desafio planetário iríamos responder com a decisão nacional e as armas da ciência e da tecnologia. Lembrei que fomos e somos um País de bandeirantes e pioneiros, e aprendemos desde cedo a não nos deixar atemorizar pelo desconhecido e pela estratégia do medo. A planetarização da Amazônia constitui uma moeda falsa, cuja circulação deve ser impedida, sob pena de retardarmos indefinidamente nosso processo de desenvolvimento. Isso não significa que devamos praticar uma economia predatória e destruidora dos recursos naturais, nem fazer tábula rasa dos conceitos ecológicos e bióticos. A perspectiva ecológica e a ótica econômica são indispensáveis no contexto do desenvolvimento, mas não podemos nos deixar levar pela profecia que os conservacionistas de todos os matizes procuram nos impingir como verdade absoluta, esquecendo que o homem e a sociedade, por meio do trabalho, da imaginação e do poder criativo, participam também do processo de criação, recriação, reciclagem, transformação e ordenação do ecossistema, e não podem ser sujeitos passivos do mundo vegetal e animal que os rodeia. O processo planetarizador constitui, pois, uma ameaça, não de base política ou internacionalizadora, mas por ser provido de falsas premissas científicas ou do exagero e preocupação excessiva de pesquisadores, profetas e filósofos, empenhados na restauração do paraíso terrestre antes da ocorrência do pecado original. Já o processo internacionalizador possui conotação, origem e perspectiva históricas. Pertence ao quadro político-histórico que se desdobra, na sua fase moderna, a partir do século 16 e termina com a Segunda Grande Guerra. O período dos grandes impérios internacionais, das grandes conquistas, seja em nome da fé ou do príncipe, constitui um capítulo encerrado e ultrapassado da História da civilização. Os tempos do mundo incógnito e sem fronteiras, aberto às aventuras coloniais, internacionalizadoras e imperiais, não se ajustam mais aos quadros institucionais vigentes, nem possuem força, ímpeto ou audiência nas assembleias políticas ou perante a opinião pública mundial. Falar de internacionalização da Amazônia, no sentido de forçar o Brasil a alienar essa área em favor de uma entidade supranacional, ou de consentir que ela se torne terra de ninguém, sujeitando-a a um condomínio internacional, não tem justificativa no mundo finito dos nossos dias. Mesmo admitindo a hipótese absurda de tal reivindicação ou ameaça, a projeção dessa tese nos dias correntes implicaria desconhecer o fato de que o Brasil se tornou uma nação adulta, e que mudou de estágio. É um País que cresce e se agiganta, tanto interna quanto externamente, com uma forte consciência nacional e um excepcional sentido de unidade físico-cultural. A sua base infraestrutural e a articulação inter-regional, que se processam aceleradamente, certamente irão conduzi-lo a um crescimento sem precedentes não só na década atual como também nas subsequentes. Breve, quase um milhão de universitários estarão matriculados nas universidades brasileiras; somos um dos países que mais investem em energia elétrica, siderurgia, mineração, construção rodoviária; não precisamos aguardar o final do milênio para nos inscrever entre as nações de economia desenvolvida. A Amazônia, nesse ínterim, estará definitivamente integrada ao espaço econômico nacional, como resultado do imenso esforço e trabalho realizado nos dias correntes. Portanto, saberemos resistir a qualquer tentativa de tal natureza, caso venha a tomar corpo e forma. Essa foi a razão da referência à falsa ameaça de internacionalização. Não se deve, porém, confundir internacionalização com pressões e interesses internacionais. O fato de a Amazônia despertar interesse internacional é decorrência da própria grandeza e magnitude de seus recursos naturais. Há muito tempo o interesse tem-se manifestado ou por expedições científicas, ou por tentativas de melhor conhecer seus recursos, ou ainda por parte de investidores potenciais. Nesse sentido, a Unesco, ao patrocinar, na década de 40, a fundação do Instituto Internacional da Hileia Amazônica, com a participação de todos os países sul-americanos integrantes da bacia amazônica, inscreveu-se no quadro. A associação que se procurou fazer entre o frustrado instituto com ameaças ocultas de internacionalização revelou uma das faces do nosso extremado zelo nacionalista, numa conjuntura excepcional de nossa vida política. A reação serviu, no entanto, para dar ao País uma consciência amazônica e projetar a necessidade inadiável de levar avante o processo integracionista. A ideia da construção de um sistema de interligação das bacias do Orenoco e do rio da Prata com o rio Amazonas constitui um velho projeto brasileiro que data dos tempos do Império e que, às vezes, é ressuscitado no Congresso Nacional e nos debates científicos do País. Bastou que essa discussão fosse retomada por um

extravagante futurólogo norte-americano, para que, automaticamente, se visse na ideia uma ameaça de internacionalização da Amazônia. Também agora a Amazônia se beneficiou, pois o País, reagindo à ideia do Grande Lago Amazônico, respondeu com a Transamazônica. Recordo-me de que, no episódio do Grande Lago Amazônico, dentre os principais contra-argumentos – além daqueles de que seu empreendimento determinaria a morte, por submersão, das cidades de Parintins, Itacoatiara e Manaus e o trágico desaparecimento dos férteis varzeados – figurava um de caráter planetarizador: a barragem sumeriana de Óbidos deslocaria o eixo da Terra, provocando o holocausto cósmico. Não se nega, também, a existência de pressões no campo internacional. Elas existem e fazem parte do jogo de poder nos cenários da diplomacia mundial. Todos os países participam do jogo de interesses e pressões para obter o máximo de vantagens, tirar partido do poder e do mercado, promover o seu desenvolvimento, melhorar a sua imagem externa e interna, desencadear conflitos e intrigas. Recentemente, Fidel Castro, por exemplo, declarou que a construção da Transamazônica tinha por objetivo estender o império brasileiro ao Pacífico e ao Caribe, para dominar e internacionalizar os países transandinos, a mando do imperialismo norte-americano. As pressões se desencadeiam de diferentes formas e estão voltadas, inter alia, contra as potências nucleares, para obter a erradicação das armas e dos artefatos atômicos, e até mesmo contra as potências não nucleares, no tratado de não proliferação, para evitar que estas alcancem o nível da tecnologia fissional. Voltam-se, ainda, contra ou a favor das barreiras alfandegárias, da desvalorização cambial, da extensão do mar territorial, dos direitos de pesca, da eliminação dos conflitos, do princípio de não intervenção, autodeterminação e da soberania limitada. Cabe, assim, a cada país, o direito de preservar e promover o interesse nacional no jogo de múltiplas pressões e tensões, que caracteriza a humanidade nesse final de milênio. Nada, porém, autoriza a deduzir daí que exista uma conspiração para promover a internacionalização da Amazônia. Nem se podem recusar, sob esse pretexto, a cooperação, os recursos financeiros e a ajuda tecnológica internacional, desde que respeitados os interesses nacionais. A ameaça da planetarização é, assim, muito séria, pois se desenvolve nos meios científicos e tecnológicos, partindo do pressuposto de que o homem é um animal poluidor por excelência e, como tal, deve tomar o partido da natureza para evitar que esta venha a ser vitimada por sua agressão. Tal ameaça não visa somente à Amazônia; também se manifesta nos demais países do mundo. No caso da Amazônia, no entanto, o argumento planetarizador ganhou dimensões e repercussões universais, e necessita que a nação dele tome conhecimento para que, no resguardo de seus interesses e desenvolvimento econômico, não permita que vingue a tese de que, para preservar a espécie humana, a Amazônia se deve converter apenas numa fábrica de chuvas e oxigênio, num santuário dos ecologistas, mesmo ao preço da extinção ou da miséria dos amazônidas.

16. Os ecossistemas florestais e fluviais amazônicos na linguagem indígena Caá-eté – mata verdadeira, mata virgem da terra firme. Caá-igapó – mata da planície de inundação e lugares baixos ao longo dos rios, cujas florestas são permanentemente ou periodicamente alagadas. Caá-tinga – mato branco, mata rala e raquítica que cresce nas terras arenosas e fica como uma mancha clara no meio da floresta circundante. Caá-puira – capoeira – mata miúda de folha fina. Vegetação secundária que sucede ecologicamente a floresta primitiva quando desmatada. Caá-panema – mata de madeiras fracas, que pouca serventia tem. Caá-membeca – mato novo e mole das capoeiras que invadem as roças abandonadas. Caá-piranga – mato vermelho. Nome dado a certas plantas que apresentam nos rebentos ou nas folhas alguma vermelhidão. Caá-pixuna – mato preto. Nome dado a certas mirtáceas, em razão das folhas escuras e sem brilho. Uma casta de tajá, que tem folhas manchadas de preto. Caá-manha – mãe do mato. Erva que invade as roças logo abandonadas e que precede a invasão da mata. Caá-iara – dono do mato, mateiro. No Pará, caai-uara. Caá-nupá – mato brocado, isto é, mato limpo e preparado para se proceder depois à derrubada das árvores grandes para fazer a roça. Caá-pora – morador da mata, silvestre, silvícola. Não confundir com caipora, que significa homem infeliz, cheio de apertos e constrangimentos. O caá-pora é também conhecido como caá-uera ou caipira; este figura com o significado pejorativo de matuto ou homem do interior que vive na roça. Teodoro Sampaio dá também a versão de caá-boc (tirado do mato), origem da palavra “caboclo” ou “morador da floresta”. Paranã-tinga – rio de águas brancas.

Paranã-pixuna – rio de águas pretas, negras ou escuras. Paranã-açu – rio grande, mar. Paranã-miri – canal, braço do rio. A parte menos volumosa do rio que se divide para se unir a outro rio. Paranã-pepena – rio torto. Paranã-piranta – rio correntoso. Paranã-piranta-yma – rio que não corre, rio parado. Paranã-pitinga – rio entupido, de má navegação. Paranã-piraré – rio que abre, que fica desobstruído. Paranã-pucá – enseada.

Paranã-ypaua – lago do rio, baía. Paranã-tembyua – margem do rio. Paranã-ticanga – rio seco, vazante. Paranã-eiké – enchente, encher do rio. Paranã-kyrimbaua – rio forte, correntoso. Paranã-iauaeté – rio bravo, perigoso. Paranã-iauaetesaua – cachoeira, corredeira, bravura do rio. Paranã-purisara – rio pulado, encachoeirado, queda do rio. Paranã-inharu – rio embravecido, perigoso, por efeito do mau tempo. Paranã-itapaua – rio pedregoso, cheio de pedras. Paranã-itapanema – baixio de pedra, laje que não se vê mas que incomoda a navegação e que pode ser perigosa para quem não a conhece.

Paranã-iuíre – rio revirado, remanso.

Paranã-manha – o rio principal, a mãe do rio. Paranã-manha cuara – nascente, buraco da mãe do rio. Paranã-panema – rio tolo, de pouca correnteza e que não opõe dificuldade a quem o sobe. Paranã-penasaua – dobra, curva do rio. Paranã-racanga – afluente, rio ou igarapé que deságua no rio principal. Paranã-sacapire – rio acima, a montante. Paranã-tomasaua – foz do rio, a jusante. Paranã-typyy – rio fundo. Paranã-typyyma – rio raso, de pouca profundidade. Paranã-uureaua – rio sorvedouro, caldeirão. Paranã-pora – que é do rio, marítimo, marinheiro. Yarapé (igarapé) – caminho de canoa, riacho navegável por pequenas embarcações. Ypororoca – água que nasce estrondando e fazendo estrago. Ypu – olho-d’água. Yputyua – lugar das nascentes. Y-panema – água morta, imprestável. Y-uayua – água má. Mortandade de peixes, por falta de oxigênio nas águas, durante o tempo da friagem que se verifica nos lagos e igarapés. É comum no interior os caboclos dizerem que os peixes estão y-uayuando, quando não conseguem respirar direito e vêm à tona em busca do ar, antes de se afogarem. Ynhãn – enxurrada, águas da chuva que correm impetuosas. Yapó (igapó) – mãe da água. Lugares baixos ao longo dos rios. Ytu – água quebrada e, por extensão, salto, queda-d’água, cachoeira. Y-tanga – água clara, transparente.

Y-iara – dona das águas (contração de Y = água e iara = dona). Daí também igara – canoa, montaria.

Fonte: STRADELLI, Ermano. “Vocabulário nheengatu-português-nheengatu”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1929.

17. Os quatro paradigmas A valoração da Amazônia tem muitos aspectos que transcendem a avaliação do seu potencial econômico – agrícola, mineral, hidrelétrico, pecuário, pesqueiro, entre outros. Valores econômicos que, sobretudo, devem e precisam incluir sistemas de produção autossustentados, conservacionistas e preservacionistas; necessitam ser integrados em outros níveis de grandeza, entre eles os biológicos, ecológicos, ambientais, sociais, políticos e humanos. Daí a afirmação constante nos congressos internacionais de americanistas dos quais tenho participado – em Manchester, em Bogotá e, mais recentemente, em Amsterdã – de que o projeto amazônico deve obedecer a quatro paradigmas, isto é, deve ser:

– economicamente viável – ecologicamente adequado – politicamente equilibrado – socialmente justo. Sem a integração desses paradigmas, que procuram combinar o Homo sapiens de Lineu com o Homo oeconomicus de Adam Smith ou Karl Max, ou com o Zoon Politikon de Aristóteles, seremos sempre levados a uma situação perversa, pois, quando interpretados separadamente, podem nos conduzir à crueldade econômica, ao romantismo ambiental, à instabilidade e exacerbação política xenófobo-nacionalista ou, ainda, à criação de uma sociedade injusta e despojada para as populações da Amazônia. Vale dizer que tais populações são constituídas de migrantes – que descem o Planalto Central, buscando na nova fronteira amazônica um chão, um lar e uma oportunidade de trabalho – e de tradicionais habitantes ribeirinhos e indígenas, que há séculos sustentam a soberania e a presença brasileira na área. Portanto, é fundamental ultrapassar a fronteira do curto prazo e da visão míope, para enxergar e adotar uma análise holística e geral, que considere e integre os valores acima mencionados. 1. O desempenho econômico Economicamente, a Amazônia é viável e, nessa última década, têm sido desenvolvidos grandes esforços, por meio da iniciativa privada e das agências de desenvolvimento do setor público, entre elas, a Sudam e a Suframa, no sentido de otimizar sua produção econômica nos distintos segmentos agrícolas, pecuários, minerais, hidrelétricos e industriais. Infelizmente, o desempenho econômico não tem sido devidamente avaliado e divulgado, para que o País tome conhecimento desse avanço. Mesmo assim, alguns números dessa grandeza econômica são hoje conhecidos. A estimativa é de que a economia agrícola produz o equivalente a um bilhão de dólares por ano; o setor pecuário tem uma produção anual da ordem de 500 milhões de dólares; o setor mineral atinge os 2 bilhões de dólares por ano; a economia extrativa vegetal gera um bilhão de dólares por ano; e a produção industrial, em termos de faturamento bruto, supera os 5 bilhões de dólares anuais, graças ao livro.pmd desenvolvimento industrial da Zona Franca de Manaus, hoje um dos maiores polos industriais da América Latina. Portanto, o nível de atividade produtiva supera, atualmente, os 9,5 bilhões de dólares anuais, para uma população em torno de oito milhões de habitantes da Amazônia Clássica da Região Norte (excluindo o Estado de Tocantins). Entretanto, se incluirmos a população da Amazônia Legal, que era estimada em perto de 16 milhões de habitantes no ano de 1989, e a ela acrescentarmos os valores da produção dos Estados de Mato Grosso, Tocantins e da Pré-Amazônia Maranhense, provavelmente elevaremos o PIB amazônico para perto de 16 bilhões de dólares por ano. Em termos de comércio exterior, os últimos dados levantados para o ano de 1987, pelo IBGE, indicavam um valor de aproximadamente 1,4 bilhão de dólares, nele incluindo a exportação mineral do Maranhão, que nada mais é do que uma produção realizada com insumos paraenses, provenientes da serra de Carajás e da hidrelétrica de Tucuruí. Além disso, com a entrada em plena produção da fábrica de alumínio metálico da Albrás, em Barcarena (PA), com o incremento da exportação do ferro de Carajás, por intermédio do porto de Ponta da Madeira, e com a exportação indireta e solidária da Zona Franca de Manaus (perto de 300 milhões de dólares por ano), podemos concluir, e até subestimar, que a Amazônia Clássica da Região Norte exporta, hoje, em torno de 3 bilhões de dólares anualmente, ou seja, em torno de 9% do total nacional. A utilidade dos números da avaliação econômica acima pode ser contestada, sob a alegação de que essa massa crítica produtiva foi criada e gerada à custa dos valores ecológicos e ambientais e com forte concentração de renda, com relativos e pequenos avanços em termos de internalização de benefícios e de melhora nos níveis de vida da população em geral.

Tal contestação em parte procede; no entanto, a produção já existe e não pode mais ser paralisada ou eliminada, mesmo em caso de um novo cenário de forte restrição ecológica, pois seria condenar a população amazônica à estagnação e à miséria. A solução mais plausível seria, portanto, compatibilizar a produção com os setores ecológicos, minimizando seus impactos ambientais, dentro de uma nova perspectiva oikopolítica, que combine aqueles quatro paradigmas do desenvolvimento inicialmente citados. 2. O custo ecológico Esse novo cenário de constrangimento ecológico, tanto no sentido conservacionista quanto no de atender à formulação de um sistema econômico produtivo autossustentado, sem o risco de uma destruição sistemática dos nossos ecossistemas mais significativos, representa, todavia, um custo, pois a conservação ambiental implicaria, necessariamente, o investimento na ampliação do quadro de preservação dos recursos naturais, nele incluindo parques nacionais, reservas biológicas, estações ecológicas, santuários de vida silvestre, monumentos naturais, rios cênicos e rodovias-parque. Em contrapartida, ao lado das áreas de preservação ambiental, nas quais os ecossistemas se mantêm íntegros, sem consumo de seus recursos, haveríamos de criar e ampliar áreas de conservação, instituindo parques nacionais, parques de caça, parques naturais, reservas de fauna, reservas ecológicas e terras indígenas, onde o manejo dos ecossistemas que as compõem se fizesse com a utilização racional e o usufruto autossustentado de seus recursos. O programa ambiental faz parte do Projeto Florestal da Amazônia Brasileira, que se encontra em tramitação no Congresso Nacional há mais de cinco anos. O esboço do projeto é o resultado de uma ampla pesquisa, da qual participaram, expressivamente, toda a comunidade científica nacional, os órgãos de pesquisa e as universidades brasileiras – todos consultados e ouvidos. Todo o acervo e labor científico parece que foi deixado de lado, e hoje o programa ambiental recomeça com a elaboração do programa Nossa Natureza, na forma do Decreto n.° 96.944, de 12 de outubro de 1988, formado por um grupo de trabalho interministerial, constituído de cinco comissões: Proteção da Cobertura Florística; Substâncias Químicas e Processos Inadequados de Mineração; Estrutura do Sistema de Proteção Ambiental; Educação Ambiental; e Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente, das Comunidades Indígenas e das Populações Envolvidas no Processo Extrativista. Esse novo programa, em andamento, deverá apresentar os resultados finais de suas sugestões e recomendações ao novo Instituto Nacional do Meio Ambiente, criado recentemente. Esperamos que este, tal como o primeiro, seja objeto de intensas discussões e que receba a colaboração de toda a comunidade científica, órgãos de pesquisa, universidades, centros de tecnologia, associações empresariais e sindicais, para que a classe política e o Congresso Nacional tenham um documento viável e bem-estruturado, para poderem discuti-lo, emendá-lo e aprová-lo soberanamente. A implementação da nova política de proteção ambiental pressupõe grandes custos e investimentos, pois não se trata apenas de preservar e conservar o meio ambiente de maneira estática ou inerte; faz-se necessário também uma dinamicidade. O caráter dinâmico do programa deverá ser instituído por meio da pesquisa científica e tecnológica, que afinal será a grande responsável pela validade do programa de proteção ambiental. Para tanto, a busca de novos conhecimentos, a pesquisa e a descoberta de novos valores e técnicas para o eficiente manejo florestal, pesqueiro, hídrico e pedológico, constituem elementos fundamentais para o sucesso da empreitada. Se isso não ocorrer, estaremos apenas instituindo mais uma lei que cairá no vazio por falta de acompanhamento, monitoramento, adesão e participação da classe científica, dos setores produtivos e da sociedade nacional. As despesas envolvidas num programa de tal natureza e magnitude, em termos de ciência, pesquisa, tecnologia, monitoramento, gerência e implementação operacional, devem requerer, sem dúvida, grandes investimentos a fundo perdido. 3. Reordenamento da economia amazônica A execução do programa de proteção ambiental implica ter em vista, afora o custo de seu investimento, uma série de medidas que devem ser observadas no tratamento e na exploração da floresta, ou seja, é preciso o reordenamento da economia amazônica, a começar pelo desestímulo, ou interdição, ao desmatamento da densa floresta pela pecuária extensiva, a principal fonte de devastação e de queimadas para a formação de pastos. É essencial ainda: – ordenar o processo de assentamento dos colonos; – criar uma nova política de migração;

– instituir um novo programa para a atividade garimpeira, visando a criar novas técnicas para a produção do ouro, com a mínima utilização do mercúrio, uma vez que ele é um agente de amalgamação e principal responsável pela contaminação dos rios e peixes; – implantar uma nova sistemática de exploração mineral, para evitar os perigos da poluição e degradação ambientais, decorrentes dos reagentes e efluentes químicos; – desenvolver uma nova política agrícola, que contemple o assentamento das férteis várzeas ribeirinhas dos ricos rios de água barrenta; – desenvolver programas de incentivo à piscicultura, com a introdução de novas técnicas de hipofisão e reprodução em cativeiro e em fazendas aquáticas; – promover o enriquecimento florestal nas áreas de conservação, para torná-las mais produtivas pelo adensamento de espécies nobres; – intensificar os estudos da silvicultura, a partir do processo de enraizamento de estacas, seguido às novas técnicas clonais de reprodução; – identificar e combater pragas, fungos, insetos e zoonoses, que até agora inviabilizaram grande parte dos esforços agrícolas na área; – introduzir novas espécies de animais, plantas e clones resistentes às pragas e de alta produtividade; – estudar os solos para descobrir sua melhor utilização e adaptação aos diferentes cultivos; – recuperar áreas encapoeiradas e degradadas pelo uso sistemático de queimadas; – criar reservas poliextrativas florestais, com aproveitamento e uso multidimensional; – estimular o criatório miúdo e a pecuária bovina e bubalina de caráter intensivo, sobretudo para a produção de leite e seus derivados; – promover o zoneamento agroecológico florestal para determinar as áreas de tensão ambiental e identificar os solos mais adaptáveis às culturas perenes e de curto ciclo; – criar um programa de etnobiologia para a descoberta de novos fármacos e produtos medicinais originários da flora e da fauna; – selecionar áreas predeterminadas, para a implantação de barragens que aproveitem o potencial hidrelétrico com o mínimo de impacto ambiental; – asfaltar e conservar as conexões viárias básicas, e intensificar a plantação de árvores de alto valor panorâmico, cênico e ambiental nas rodovias-parque; – arborizar vias, ruas e avenidas dos centros urbanos, e criar parques, praças, hortos florestais e jardins zoológicos, de sorte a melhorar a qualidade da vida e do ar da maioria da população já urbanizada;

– eliminar favelas, palafitas e habitações subumanas situadas nas baixadas, alagados, fundos de vale e morros das periferias das grandes cidades; – instituir um programa de saneamento básico, água e esgoto, bem como de tratamento sanitário do lixo domiciliar, hospitalar e industrial. Como vimos, para melhorar a qualidade de vida da população e para adaptar a atividade econômica à nova ordem ecológicoambiental, o programa requer grandiosos investimentos, os quais, sem dúvida, estão acima da capacidade investidora do governo brasileiro, necessitando, portanto, da maciça cooperação internacional. 4. A avaliação quantitativa do desmatamento

A cooperação internacional seria bem-vinda, pois, estabelecidos os pressupostos para garantir o desenvolvimento regional

amazônico, reduzindo ao mínimo os impactos ecológicos sobre o meio ambiente, o Governo Federal, com a aprovação do Congresso Nacional, comprometer-se-ia com a comunidade internacional a preservar e conservar, durante um período mínimo de 20 anos, 50% da densa floresta tropical chuvosa, eliminando o desmatamento e a queimada nas regiões de mata densa, para garantir a integridade dos nossos ecossistemas significativos. Como o total da cobertura florística amazônica é avaliada, por Clara Pandolfo (Amazônia Brasileira e suas potencialidades, Belém, 1979), em 260 milhões de hectares, sendo 253,5 milhões de hectares de florestas em terra firme (caá-eté) e 6,5 milhões de hectares em várzeas e planícies de inundação periódica (caá-igapó), essa política preservacionista reservaria 130 milhões de hectares de florestas para fins de preservação ambiental. No entanto, os cálculos não conferem nem com o inventário geobotânico da Amazônia Legal, realizado pelo Departamento de Estudos Geográficos do IBGE, nem com os dados dos botânicos Murça Pires e William Rodrigues (Tipos de vegetação da Amazônia, 1973, e Alguns dos principais recursos florestais da Amazônia, 1968). Segundo os dados do Departamento de Estudos Geográficos do IBGE, a floresta úmida e superúmida da Amazônia compreende uma superfície de 396 milhões de hectares. Tomando por base a chamada Amazônia Legal, que inclui os Estados de Goiás e Maranhão, teríamos de acrescentar à sua formação vegetal: oito milhões de hectares de florestas subtropicais e subúmidas; 111 milhões de hectares de cerrados, cerradões e complexos do Cachimbo e do Pantanal; 20 milhões de hectares de campos e campinas; e três milhões de hectares de vegetação litorânea (mangues, dunas, restingas e praias). Por esse cálculo, o total da superfície florestada da Amazônia Legal e da parte não amazônica de Goiás e Maranhão equivaleria a uma formação florestal e quase-florestal da ordem de 538 milhões de hectares. Já os dois ilustres e renomados botânicos do Museu Goeldi e do Inpa, Murça Pires e William Rodrigues, têm uma avaliação diferente para a cobertura florística amazônica. Para eles, a floresta amazônica de terra firme abrange 320 milhões de hectares; as florestas de várzea, 5,5 milhões de hectares; as florestas de igapó, 1,5 milhão de hectares; e as matas litorâneas (manguezais), perto de cem mil hectares, totalizando, assim, 327,1 milhões de hectares. A área não florestada da Amazônia, constituída de campos de várzea, campos de terra firme, vegetação de campina e vegetação serrana baixa, equivaleria a 22,6 milhões de hectares. Destarte, o total da área de floresta tropical chuvosa e das áreas de campos e vegetação baixa chegaria a aproximadamente 350 milhões de hectares. Assim, a avaliação territorial da floresta amazônica apresenta três níveis de abrangência: 260 milhões de hectares, segundo Clara Pandolfo; 538 milhões de hectares, conforme o IBGE; e 350 milhões de hectares, de acordo com Murça Pires e William Rodrigues. Em face das divergências acima, agora se explica como e por que é difícil e discutível avaliar os dados percentuais referentes à superfície desmaiada da Amazônia Brasileira, em função da conversão de suas florestas em pastagens e campos de cultura perene e de curto ciclo. As avaliações podem variar de 7 a 20%, dependendo da superfície considerada, do nível de exatidão e dos erros (já detectados pelo ecólogo Philip Fearnside, do Inpa) cometidos na interpretação das imagens dos satélites. Fearnside, por exemplo (“Desmatamento da Amazônia Brasileira”, Acta Amazonica, set./1982), estimava que, em 1978, já haviam sido desmatados 7,7 milhões de hectares. Previu, ainda, que, dada a taxa de crescimento exponencial – que felizmente não se verificou –, toda a floresta de Goiás e Rondônia já teria sido extinta no ano de 1988, a de Mato Grosso em 1989, a do Pará o seria em 1991, a do Amazonas em 2003, a de Roraima em 2002 e a do Amapá em 2159. Tais dados servem para ilustrar como são enganosos os cenários prospectivos baseados nos cálculos matemáticos e estatísticos de predições de eventos futuros, como o próprio autor teve a humildade e a idoneidade de enfatizar na sua avaliação. Dados mais recentes (1987) sobre o zoneamento socioeconômico-ecológico, organizado pelo governo de Rondônia e preparado com a ajuda de cientistas brasileiros e a cooperação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO – (Proteção Ambiental, Governo de Rondônia, 1989), indicam que a área desmatada até 1987, nesse Estado, foi de 5,1 milhões de hecta res ou 22% de sua superfície total, que é de 230.104 km2 ou 23 milhões de hectares. A utilização das terras está discriminada a seguir: – pastagens 1.300.000 hectares – culturas perenes 190.000 hectares – culturas anuais 450.000 hectares

– capoeiras 3.160.000 hectares Total de desmatamento 5.100.000 hectares Sem dúvida, o nível de desmatamento da Amazônia, sobretudo em Rondônia, norte de Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, sul do Pará, em menor escala no Acre, e mínimo no Amazonas, é preocupante, mas não alarmante a ponto de se profetizar a destruição total da floresta amazônica, no espaço de duas décadas, conforme a previsão de muitos ecólogos, climatologistas e políticos equivocados. A maximização ou extrapolação exponencial serve de base de cálculo e pano de fundo para sugerir a planetarização e o tombamento da Amazônia, como patrimônio universal da humanidade, conforme proposta da Associação Mundial de Ecologia para a Conferência Internacional do Meio Ambiente, realizada em Haia, sob os auspícios do governo da Holanda, cujas florestas já foram danificadas, em 55%, pelas chuvas ácidas provocadas pelos agentes químicos e tóxicos, produzidos por seus vizinhos europeus. Essa perspectiva apocalíptica, sem dúvida, não se realizará; primeiro porque não tem a extensão que se apregoa e, segundo, porque o governo brasileiro, pelo seu programa de proteção ambiental, não permitirá que isso venha a acontecer. Entretanto, as estimativas divulgadas em 1988, por intermédio de um relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), baseado em imagens de satélites, alarmaram as populações brasileiras e mundial. Conforme o documento, em 1987, foram observados 20,4 milhões de hectares de queimadas na Amazônia Legal e no restante dos Estados de Goiás e Maranhão, abrangendo, assim, 3,77% da área total terrestre, que é de 540 milhões de hectares ou 5.389.975 km2. Grande parte das queimadas foi realizada em pastagens dos cerrados e das savanas amazônicas; contudo, 40%, o equivalente a oito milhões de hectares, referiam-se a florestas recém-derrubadas, como informa o cientista e ecólogo do Inpa, Herbert Schubart (A Amazônia no contexto ecológico: certezas e incertezas, edição xerox, Manaus, 1988). Por outro lado, o Dr. Philip Fearnside, ilustre ecólogo do Inpa, declarou aos jornais e à televisão que a interpretação dos dados continha flagrantes erros de dimensão. O total da área devastada na Amazônia Legal, incluindo a parte não amazônica dos Estados de Goiás e Maranhão, deve abranger apenas – segundo nossas estimativas, baseadas nas avaliações dos especialistas no assunto – perto de 40 milhões de hectares, para um total de 540 milhões de hectares da área terrestre. Esses 40 milhões compreendem os diversos ecossistemas florestais e não florestais: das matas úmidas da Hileia, da floresta subúmida da Zona de Transição, da região do cerrado, cerradão e de parte do complexo dos campos, bem como das campinas e da zona do Pantanal. Dessa maneira, apenas 7,4% da área foram atingidos. Os cálculos estatísticos da equação de desmatamento, porém, precisam definir melhor os termos de referência do quadro e da área terrestre a que se referem. Por isso, muitas distorções vêm ocorrendo com referência às dimensões da devastação florestal. Para se ter ideia, se esses 40 milhões de hectares forem calculados sobre os 350 milhões de hectares da floresta dimensionada por Murça Pires e William Rodrigues, teríamos um elevado percentual de 11,5%; se aplicarmos a mesma área de desmatamento sobre a floresta hileiana, dimensionada por Clara Pandolfo em 260 milhões de hectares, encontraremos um novo vetor, de 15,4%; e se, ainda, utilizarmos os parâmetros do IBGE, teremos uma área de apenas 7,4% atingida pelo desmatamento. Existe, no entanto, outra tentativa de superestimar o problema do desmatamento da floresta amazônica, quando se procura comparar a área desflorestada com a superfície de pequenos países europeus, entre eles Holanda, Bélgica, Suíça, Dinamarca, ou com países médios a exemplo da França, Alemanha, Itália. As conclusões, por via comparativa, são estarrecedoras para esses países, pois a visão que possuem do continente amazônico está limitada pelo ângulo de sua pequenez geográfica. Outra forma de provocar impacto, ao se falar das derrubadas, é transpô-las no tempo, calculando em quantos minutos ou segundos elas acontecem e a área englobada. Semelhante cálculo, impressionista e primitivista, foi feito recentemente pelo senador Albert Gore, do Tenessee, um dos participantes da Síndrome do Capitólio, que declarou à revista Time (edição de 2/1/1989, p. 37) que a floresta tropical estava sendo destruída em um ritmo equivalente a um campo de futebol por segundo – a footballsize feet going boom, boom, boom every second, would we react? That is what is going on right now. Daí o desapontamento do senador Gore quando esteve, em dezembro de 1988, em Rondônia, para assistir às queimadas, e só encontrou chuvas e neblinas. Consoante depoimento de pessoas que estiveram em Porto Velho na ocasião – e transmitidos a mim, quando lá estive, em fevereiro, acompanhando a missão do ministro do Interior, João Alves –, o senador não se conformou com a ideia de que as queimadas eram realizadas, na Amazônia, em apenas dois meses do ano e que, nos demais meses, as chuvas e a umidade não permitiam o uso do fogo. Queimadas têmporas têm como resultado a coivara, de difícil

manejo e economicamente inviável. O que estarrece, todavia, é que o pronunciamento do senador Gore foi repetido, por meio de uma cadeia de televisão nacional, por um ilustre cientista e ecólogo americano, já brasileiro e amazonense por opção, que utilizou, recentemente, o mesmo argumento impressionista do senador Gore, cometendo um pecado capital em matemática e ciência da computação, pois o campo de futebol do senador equivale a 70% da área do campo de soccer game, futebol praticado no Brasil.

5 Kararaô: o símbolo de um mito Dentre os problemas levantados pelos ecologistas, cientistas e populistas, sobressai-se o da construção das hidrelétricas de médio e grande portes na região amazônica. O tema tem gerado muita polê mica, pois faz parte daquilo que se convencionou chamar de “Grandes Projetos” ou “Projetos de Grande Impacto”, que muitos economistas e ecologistas consideram extremamente danosos para o futuro da Amazônia. Há até uma corrente de economistas que defende a ideia de que esses projetos não introduzem benefícios e tornam a região uma mera exportadora de bens e insumos primários de baixo valor, o que leva à péssima distribuição de renda, constituindo simplesmente uma economia de enclave. Trata-se, com certeza, de uma visão parcial, pois dá ênfase apenas aos aspectos negativos e extremamente pessimistas da questão, os quais podem ser facilmente revertidos, mediante uma inteligente política de desenvolvimento econômico e ecológico, já que o problema é de ecodesenvolvimento ou, como prefiro denominar, de natureza oikopolítica. No caso da construção de hidrelétricas na Amazônia, por exemplo, veremos como são infundadas as razões que a condenam. A Amazônia, felizmente, é extremamente bem-dotada de recursos hídricos, o que permite, sem grandes danos ambientais, a instalação de hidrelétricas de médio ou grande portes, as quais estão sendo e serão construídas, não só para o bem-estar dos amazônidas, mas também para solucionar as carências energéticas do Nordeste e do Centro-Sul, dado o esgotamento da capacidade de geração elétrica dessas regiões. Um extraordinário potencial hidrelétrico, estimado em aproximadamente 100 milhões de quilowatts, é encontrado na Amazônia Oriental, nas bacias do Tocantins-Araguaia (25 mil megawatts), do Xingu (18 mil megawatts), do Tapajós (17 mil megawatts). A potencialidade de todos os afluentes meridionais do rio Amazonas se deve a dois fatores fundamentais: ao volume de água dos rios, que propicia a vazão da correnteza fluvial (no vertedouro de Tucuruí corre perto de 35 mil metros cúbicos de água por segundo, nos meses de inverno), e ao avanço do Planalto Central em direção à calha do rio Amazonas, que se estreita a partir de Óbidos, criando, assim, condições verticais de altura para muitos desses rios encachoeirados, o que favorece a construção de vertedouro, com o mínimo de bacia de inundação a montante da barragem. Esse último fator já não ocorre na parte norte do hemisfério e, sobretudo, na Amazônia Ocidental, domínio da grande planície amazônica, que se espraia a oeste, onde as condições para a construção das barragens são desfavoráveis, causando maiores impactos ambientais para um mínimo de produção hidrelétrica, salvo algumas exceções. Assim, enquanto a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, hoje, possui uma capacidade instalada de mais de três mil megawatts, inundando uma área de 230 mil hectares, a de Balbina, no rio Uatumã, com uma capacidade nominal de 250 mil quilowatts (e 150 mil de energia firme), precisou inundar uma superfície igual ou superior, para produzir vinte vezes menos (semelhante problema também ocorre na usina de Samuel, no rio Jamary, em Rondônia). Não há dúvidas de que foram cometidos erros de avaliação de impacto e de custo nos dois casos, mas precisamos salientar que grande parte deles se deu em função da pressão política exercida pelos governos, pelos deputados e pela sociedade local dos Estados do Amazonas e Rondônia, os quais desejavam que a Eletronorte construísse as hidrelétricas, com base em questões de extremado bairrismo provinciano. A partir desse fato, tentar obstaculizar a construção de hidrelétricas na Amazônia, naquelas áreas onde é possível fazê-lo, com um mínimo de custo por quilowatt gerado e com um mínimo de dano ecológico, é uma atitude condenável, pois assim se está impedindo que a Amazônia explore um recurso renovável, gerador de energia limpa, não poluidora, de uso tanto interno quanto externo, para suprir as carências das regiões vizinhas do Nordeste, Centro-Oeste e Centro-Sul. Segundo os cálculos procedidos pela Eletronorte, no seu Plano 2010 – Cenários Energéticos para a Amazônia (set./1988), chegou-se à conclusão

de que, se todas as barragens fossem construídas, seriam inundados em torno de 10 milhões de hectares, ou cem mil quilômetros quadrados, que representam 2% da Amazônia Legal. Schubart (Op. cit.) ainda acrescenta uma observação: a área inundada seria pouco superior aos oito milhões de hectares queimados apenas em 1987. Dentre os projetos já implantados ou em vias de ser, como Tucuruí (primeira fase), Balbina, Samuel, existem outros absolutamente indispensáveis para o desenvolvimento regional, como a segunda etapa do Projeto Tucuruí, que elevará seu potencial para oito mil megawatts; a futura usina de Kararaô – agora rebatizada para Monte Belo, depois do protesto dos índios caiapós do rio Xingu; a hidrelétrica de Cachoeira Porteira, na confluência dos rios Mapueira e Trombetas, com uma capacidade de 700 megawatts – e que deveria ter sido construída no lugar da de Balbina; a usina do rio Jaci-Paraná, de 500 megawatts – que deve substituir o projeto de Cachoeira de Samuel; e tantos outros em andamento. No caso particular de Kararaô, ou Monte Belo, de acordo com o relatório da Eletronorte, a potência instalada seria da ordem de 11 mil megawatts, a um custo de mais ou menos cinco bilhões de dólares, com uma superfície alagada de apenas 1.500 km2, contra 2.360 km2 de Balbina e 2.430 km2 de Tucuruí. Os argumentos proféticos usados para combater a construção das usinas continuam. Formam um quadro dramático de populismo ecológico que, combinado com argumentos planetarizadores antieconômicos, pretende tornar a Amazônia cativa e imobilizada no tempo e no espaço. Para tanto, não faltam ameaças apocalípticas, que sempre são lançadas por ocasião da construção de usinas. No caso de Tucuruí, por exemplo, alegava-se que, com o fechamento da barragem, o leito do Tocantins, a jusante, seria invadido pelo oceano Atlânti co, fazendo com que a população de Belém morresse de sede, pois as suas torneiras verteriam apenas água salgada; alegava-se, ainda, que o lago da barragem, com o apodrecimento da madeira inundada, destruiria a ictiofauna e também as turbinas da hidrelétrica (vide pronunciamento do deputado federal Gérson Perez – Pará – na edição de 4/3/ 1989 do jornal Folha de S. Paulo). Quanto ao aproveitamento hidrelétrico da bacia dos rios Tocantins e Araguaia, é preciso enfatizar que, além do balanço positivo da produção de energia, já se fazem sentir seus efeitos na redução do minério de bauxita em alumínio nas usinas de Alumar (em São Luís) e Albrás (em Barcarena, Pará), que hoje produzem perto de 500 milhões de dólares de alumina e alumínio metálico. Devemos atentar, ainda, para o fato de que a duplicação de Tucuruí e a construção de outras usinas na bacia do TocantinsAraguaia permitirão, futuramente, solucionar o eterno problema da seca do Nordeste, que afeta, periodicamente, a vida e o trabalho de quase 30 milhões de pessoas. Isso será possível com a transferência do excesso hídrico das barragens e das bacias de acumulação para o sertão nordestino, por meio de aquedutos propulsionados por possantes bombas, alimentadas pela energia das hidrelétricas. Sendo assim, Kararaô – que já se tornou o símbolo de um mito, a pretexto de proteger os caiapós, cujas reservas, demarcadas a 500 km da projetada barragem, estão isentas dos efeitos da inundação – é a grande alternativa hidroenergética para o Brasil Central e para as Regiões Centro-Oeste e Sudeste. Se a Amazônia for planetarizada e transformada num santuário ecológico – que denominei Santa Amazônia Verde dos Santos, Anjos e Arcanjos dos Últimos Dias – teremos de nos submeter à construção das usinas nucleares, iguais às de Angra dos Reis, e a toda as possíveis sequelas provocadas por vazamento ou acidente nuclear, à semelhança de Chernobyl e Three Mile Island, que constituem uma permanente ameaça à sobrevivência da humanidade. E, por ironia do destino, a luta contra Kararaô terminou, de modo cômico, para não dizer ridículo, quando um ilustre convidado estrangeiro, presente ao encontro dos povos indígenas do Xingu, propôs que, em substituição à hidrelétrica, que tantos males viria causar aos índios e à floresta amazônica, fosse construída uma usina atômica. 6 Acre: uma estrada para o Pacífico; Amazonas: uma saída para o Caribe O Acre, dentro da Federação Brasileira, é o Estado que mais sofre o problema do isolamento, das grandes distâncias e da falta de abastecimento e de mercado para os seus produtos, pois está confinado nos vales do Alto Purus e Alto Juruá, que não se intercomunicam, a não ser na época das enchentes, em um breve período de três a quatro meses. No restante do ano, os rios tornam-se inavegáveis. A situação melhorou consideravelmente com a construção da rodovia BR-364, que liga Cuiabá a Porto Velho (trecho já asfaltado), e com o seu prolongamento em terra batida até Rio Branco. Mas essa melhoria só é sentida no verão, porque

durante o inverno o trecho que vai de Porto Velho a Rio Branco se torna um grande mar de lama. A execução de seu asfaltamento foi articulada, com recursos alocados pelo Banco Mundial, mas seu andamento passou a ser obstaculizado sob a alegação de que havia necessidade da observância de cláusulas ecológicas de proteção às populações indígenas e extrativistas da região. Algumas das cláusulas foram cumpridas, como a demarcação de reservas indígenas e a criação de reservas extrativistas, porém é difícil, numa região tão remota, obedecer a rígidos padrões de controle ambiental, principalmente porque eles não são observados em nenhuma parte do mundo. Contudo, bastou que se divulgasse a pretensão dos governos federal e do Acre de estabelecer uma conexão rodoviária com o Pacífico, através do Peru, para que surgisse um tumulto ecológico e político entre os senadores do Capitólio, cuja repercussão foi imediatamente sentida no pronunciamento público do presidente George Bush. Ele alegava ser contra a construção da referida estrada que, ao que se dizia, seria financiada pelo governo japonês do premier Takeshita.

A construção da rodovia faz parte de um projeto brasileiro-peruano, que vem sendo discutido há décadas, tanto no plano governamental quanto nos encontros e seminários dos países participantes do Tratado de Cooperação Amazônica de 1978, cuja proposta é a criação de dois traçados. O primeiro partiria de Rio Branco (AC), aproveitando o eixo da rodovia BR-317, que passa por Xapuri, Brasileia, Assis Brasil, e iria encontrar a cidade de Inapari, na fronteira do Peru, de onde deveria partir uma estrada que, escalando os Andes, alcançaria Cuzco e um porto situado ao sul do litoral peruano do oceano Pacífico. Esse é o traçado preferido dos generais peruanos (dentre eles o general Juan Jarin, com quem analisei o problema na Conferência de Caracas) e do Estado-Maior das Forças Armadas. A opção pela rota, justificava o estratego e geopolítico general Juan Jarin (o equivalente peruano do general Golbery do Couto e Silva), devia-se ao temor de que o Brasil pudesse, um dia, invadir o Peru, cortando o país ao meio, caso fosse adotada a conexão via Pucalpa. Dessa forma, desviava-se a estrada para o sul, via Inapari e Cuzco, uma região de difícil acesso, o que obrigaria o Brasil a realizar um pesado investimento, que serviria como infraestrutura para o desenvolvimento da parte sul-andina peruana. O outro traçado, mais simples e viável, de interesse e preferência do governo brasileiro, seria a conexão rodoviária da BR364 que, partindo de Rio Branco e atravessando as cidades acrianas de Sena Madureira, Manoel Urbano, Feijó, Tarauacá e Cruzeiro do Sul, chegaria ao extremo da Serra do Moa e, dali a 200 km, se conectaria com a cidade peruana de Pucalpa, onde já existe uma rodovia (carretera), que atravessa os Andes e liga o oriente amazônico peruano (Pucalpa, Loreto, Iquitos) com Lima e o porto marítimo de Callao. O velho projeto de interesse bilateral dos governos brasileiro e peruano, que pretende dar ao Brasil uma saída para o Pacífico – o oceano do século 21, segundo a avaliação do general peruano Juan Jarin –, foi logo, dentro do quadro planetarizador, objeto de reunião de cúpula entre o presidente George Bush e o premier Takeshita, durante o encontro diplomático por ocasião do funeral do imperador do Japão. A alegação, agora, era de que o governo norte-americano não iria permitir que se criasse um corredor para destruir a floresta amazônica e exportá-la, através do Pacífico, para o Japão e demais países asiáticos. Todavia, ninguém se lembrou de citar que essa variante faz parte do grande projeto interamericano de construção da famosa estrada Pan-Americana, que um dia ligará o Alasca à Terra do Fogo, como um dos investimentos da Doutrina Monroe e como prova de cooperação entre os povos das três Américas. As atenções da população mundial e da imprensa internacional ainda não se voltaram para outra estrada, que consideramos de fundamental importância para a Zona Franca de Manaus. Trata-se da BR-174, que partirá de Manaus e, passando por Caracaraí, por Boa Vista e pelo marco BV-8, na fronteira da Venezuela, chegará a cidade de Santa Elena, onde já existe uma boa estrada asfaltada até Caracas, permitindo, desse modo, a saída para o Caribe, com grande economia de tempo e transporte. Ambas as estradas estão sendo construídas pelo governo brasileiro, não com intuitos imperialistas ou com objetivos predatórios que visem destruir a floresta amazônica, mas, sim, para viabilizar a economia, a produção e beneficiar a população do interior que, então, teria acesso a um novo intercâmbio comercial, econômico, cultural e turístico com os povos do Pacífico e do Caribe. Construir estradas não significa, precisamente, destruir o meio ambiente. Se assim fosse, há muito tempo elas teriam sido banidas da infraestrutura de todos os países. O importante é ter em mente que os programas voltados para a implantação de rodovias devem conter normas que conciliem o

desejado desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos ambientais. 7 A ferrovia Norte-Sul Em 1987, o governo brasileiro propôs a construção da ferrovia Norte-Sul, com uma extensão total de 1.570 km. Partindo de Brasília, ela passaria entre os vales dos rios Araguaia e Tocantins, ao longo das cidades goianas de Luziânia, Barro Alto, Uruaçu, Alvorada, Porto Nacional, Paraíso de Goiás, Miranorte, Guaraí, Colina de Goiás, Araguaína, e das cidades maranhenses de Estreito, Imperatriz e Açailândia, até o entroncamento com a estrada de ferro Carajás-Ponta da Madeira. Nesse ponto, ela aproveitaria um trecho já existente dessa última ferrovia, e prosseguiria até o porto de São Luís, no Maranhão. A ferrovia Norte-Sul, em parte, deveria ser construída pela Valec – empresa estatal que gerencia a construção de ferrovias –, com a ajuda e cooperação do Exército Brasileiro. Desde que foi lançado, o projeto passou a ser objeto da mais dura e acirrada crítica por parte de políticos, ecologistas, economistas e jornalistas. Isso se deu sob a alegação de seu elevado custo e de sua inteira desvalia e superfluidade em face da situação inflacionária do País. Chegou-se a afirmar, inclusive, que, do ponto de vista ecológico, a ferrovia iria servir de corredor de exportação da floresta amazônica. Infelizmente, o Governo Federal não tratou o assunto de forma competente e eficaz, deixando-se envolver pela trama das empreiteiras, que participaram de uma concorrência pública de cartas marcadas, conforme denúncia da imprensa nacional. Contudo, sob o ponto de vista econômico, social e estratégico, a construção da ferrovia faz-se absolutamente necessária, pois serviria como escoadouro para a exportação da produção de grãos e outros produtos do cerrado e do Planalto Central. A produção dessa nova fronteira agrícola do País mudou o perfil da economia brasileira. A soja aí produzida, por exemplo, é responsável por uma exportação de 44% do total de 22 milhões de toneladas previstas para a safra de 1988/1989, ou seja, perto de dez milhões de toneladas de grãos são produzidos hoje no cerrado. A ocupação prioritária do cerrado brasileiro é uma forma de aliviar o peso e o curso das correntes migratórias internas, que hoje veem na Amazônia uma alternativa de sobrevivência. Encarada por esse prisma, a ferrovia Norte-Sul deveria merecer a mais alta prioridade, pois, além de viabilizar a produção do cerrado e diminuir os custos do transporte, serviria também para minorizar os impactos ambientais que a ocupação da população migrante vem causando à floresta tropical chuvosa. Como a topografia do cerrado é plana, ideal para a mecanização, e como seus solos são menos pobres que os da terra firme da Hileia, sua ocupação econômica causaria o mínimo de dano ecológico, ao mesmo tempo em que contribuiria para criar, no centro do País, um polo agrícola gerador de grãos de alto nível de produtividade e competitividade nos mercados mundiais. Em face da precariedade de recursos da região e da necessidade de diminuir a despesa pública, para combater a inflação, o Governo Federal deu início à construção da ferrovia, cujo primeiro trecho de 100 km, entre Imperatriz e Açailândia, acaba de ser inaugurado. A crítica generalizada contra a implantação da ferrovia Norte-Sul é um exemplo significativo de que a Amazônia e o Centro-Oeste, por falta de força política, não podem aspirar a um desenvolvimento maior que tal integração permitiria, pois o poder político, no atual jogo democrático, pretende redirecionar os investimentos de infraestrutura e outros para as áreas mais ricas do Sudeste e do Sul. Por outro lado, também, a forte crítica dos ecologistas ao projeto revela que a ciência ambiental está sendo utilizada ideologicamente para combater e constranger um legítimo programa de desenvolvimento econômico e social. A ferrovia Norte-Sul, por sinal, constitui uma velha aspiração nacional. Seu idealizador foi o presidente marechal Hermes da Fonseca, que, em 1912, propôs o primeiro plano de desenvolvimento amazônico, convertido na Lei n.° 2.542-A, de 5/1/1912, regulamentada pelo Decreto n.° 9.521, de 17/4/1912. De acordo com o referido plano, a construção da estrada de ferro de integração federal e de linhas férreas de penetração visava facilitar a colonização, o transporte e reduzir os custos de frete. Dentre essas estradas, estava programada a construção de uma ferrovia que, partindo de Belém, unisse os pontos intermediários, nos rios Araguaia, Tocantins, Parnaíba, São Francisco, até alcançar Pirapora, no Estado de Minas Gerais. Eis que oitenta anos depois, o povo do novo Estado de Tocantins vê realizada a construção de um pequeno trecho de 100 km da ferrovia. Ela irá permitir o desenvolvimento dessa nova Unidade da Federação do Brasil, como parte integrante da região Norte e da Amazônia Brasileira, que assim será articulada com o Planalto Central, complementando o eixo rodoviário da Belém-Brasília, que constitui o primeiro marco de integração nacional. A integração será plenamente realizada quando forem

construídos os ramais Santarém-Cuiabá e Porto Velho-Cuiabá, que deverão ser articulados com a projetada ferrovia LesteOeste, idealizada pelo empresário Olacyr de Morais, do grupo Itamaraty.

18. A Amazônia tem valor, mas não tem preço Comecei dizendo que a Amazônia tem valor, mas não tem preço. E até hoje tenho me recusado a “precificá-la”, pois um patrimônio de tamanha grandeza e dimensão jamais pode ser pecuniarizado, avaliado para leilão, ou colocado à venda nas bolsas de valores. Um patrimônio florestal que cobre 1/3 das regiões latifoliadas do planeta; uma bacia hidrográfica que, com seus recursos, representa 1/5 das disponibilidades mundiais de água doce; uma biodiversidade de dois milhões de espécies, que corresponde a 1/10 da biota universal; um continente geográfico que abrange 1/20 da superfície terrestre; uma província hidrelétrica capaz de gerar cem milhões de quilowatts (metade do potencial brasileiro); uma província mineral de ferro, manganês, cobre, cassiterita, ouro, bauxita, caulim, silvinita e, agora também, gás e petróleo, do tamanho e grandeza de Carajás, Jari, Trombetas, Tapajós, Pitinga, Urucu, Madeira e Alto Rio Negro e Rio Branco; tudo isso não pode ser calculado ou medido em termos mercantis, ou convertido em cruzeiros e dólares. Alguns já o tentaram. O físico Cerqueira Leite, da Unicamp, certa vez chamou a Amazônia de Arábia Saudita do Metanol, pois, se a floresta fosse convertida numa fonte de energia, ter-se-ia combustível para o consumo brasileiro durante 2.500 anos, o equivalente, na época, a dez trilhões de dólares. Num depoimento que prestei, em 1974, à Comissão de Valorização da Amazônia, da Câmara dos Deputados, disse – reportando-me à pecuniarização da Amazônia – que uma agência noticiosa acabava de chamar a atenção da imprensa internacional para o preço da floresta amazônica, que, se fosse vendida, equivaleria a 300 trilhões de dólares. Ultimamente, a planetarização da Amazônia voltou a ser o tema predileto da imprensa e das discussões políticas e científicas das principais capitais e centros universitários do mundo. Aproveitando a discussão, e tentando introduzir o problema ecológico na equação da dívida externa brasileira de 120 bilhões de dólares, muitas propostas e sugestões de economistas, banqueiros e até ecólogos têm-se voltado para a renovação desse exercício de cálculo. Todavia, exercícios e simulações de valor têm sido tratados de maneira tão incompetente e perversa, que até o ecologista de fama internacional, Thomas Lovejoy, do Smithsonian Institute de Washington, chegou a propor o debit for nature swap – troca da natureza pela dívida externa. Mediante tal proposta, que logo recebeu a aprovação de associações de ecologistas e amigos da natureza do mundo inteiro, o Brasil e outros países do Terceiro Mundo teriam um alívio parcial de sua dívida externa, desde que aceitassem trocar parte do débito pela preservação de extensas áreas de suas florestas. A proposta vem sendo articulada em muitos países pobres da América Latina, entre eles, Equador, Peru e Bolívia, e anunciada como uma solução salvadora para eles. Entretanto, o debit for nature swap, conforme já afirmei, ao invés de uma solução é uma proposta paternalista, filantrópica e romântica, para não dizer ingênua, porque é insuficiente, ineficaz e precária. Tal proposta equivale a hipotecar a floresta pelo preço da “bacia das almas” para depois, então, negociá-la na “praça dos aflitos”. O custo ecológico de preservação da floresta amazônica, por exemplo, atingiria valores astronômicos. Isso porque a preservação, como a pretendem os defensores da natureza e os políticos que fazem a orquestração das pressões contra o Brasil, teria de passar, obrigatoriamente, por aquilo que denomino moratória ecológica. Por sua vez, essa forma de moratória ambiental implicaria, intrinsecamente, a dilação do nosso desenvolvimento, pois, por motivos imperiosos de interesse universal e em benefício da humanidade, importaria na desistência de usar e aproveitar os recursos florestais da mata densa durante a vigência da proposta moratória de 20 anos. O clima emocional e passional que passou a envolver o debate do desenvolvimento amazônico é, hoje, de tal ordem, que chega às raias da irracionalidade. Qualquer ação antrópica brasileira passou a ser considerada, como no caso da hidrelétrica de Kararaô e da estrada Acre-Pacífico, suscetível de gerar uma hecatombe universal. Uma postura irracional, que multiplicaria, a níveis inimagináveis, o custo a ser suportado pelo povo brasileiro da Amazônia. O custo, naturalmente, teria, assim, de ser repassado para aqueles países líderes do mundo desenvolvido – quer os do Primeiro Mundo, do Clube de Paris, quer os do Segundo Mundo, do antigo Pacto de Varsóvia –, todos eles os maiores responsáveis pela poluição e contaminação do meio ambiente universal.

1 O custo da moratória ecológico-florestal A avaliação do custo de uma moratória ecológico-florestal, caso viesse a ser aceita pelo governo, pelo Congresso e pela sociedade brasileira, como forma de cooperação internacional, mesmo admitindo-se a hipótese de não interferência na sua gestão e monitoramento, é uma operação matemática, cujo cálculo poderia ser equiparado ao curso das duas parcelas que se encontram no infinito do universo de Einstein. Mesmo assim, numa moratória ecológica desse tipo, é necessário e imperioso, juridicamente, indenizar os valores perdidos e os danos causados pela dilação do nosso desenvolvimento econômico. Uma das formas para o cálculo do custo, ad perpetuam rei memoriam, para resguardo ou conservação do nosso direito, que se intenciona demonstrar oportunamente nos autos do processo, seria a de avaliar, pelo preço do mercado, a biomassa florestal. Nesse caso, poderíamos utilizar três métodos de avaliação, prova ou vistoria. O primeiro seria o de apresentar e “precificar” a produtividade primária líquida anual da floresta, que, segundo Schubart (A Amazônia no contexto ecológico, edição xérox, 1988), seria da ordem de 20 toneladas de matéria orgânica seca por hectare/ano. Partindo dessa base e considerando que a área da floresta amazônica de terra firme, de acordo com cálculos efetuados por Murça Pires, é de 3,303 milhões de quilômetros quadrados ou 330,3 milhões de hectares – estimativa reproduzida e aceita pelo cientista Robert Goodland, ecólogo do Banco Mundial (A selva amazônica: do inferno verde ao deserto vermelho? São Paulo, 1975) –, teríamos, então, uma produtividade primária líquida de matéria orgânica seca da ordem de 6,6 bilhões de toneladas por ano. A produtividade primária, na hipótese de um valor de mercado de dez dólares por tonelada, significaria, desde logo, um valor a nosso crédito de 66 bilhões de dólares por ano. Esse método, todavia, não é adequado para se fazer o cálculo pecuniário da Amazônia, porque parte, apenas, de um pequeno segmento do setor florestal, que é a sua produtividade primária líquida anual. Como a moratória proposta é para o prazo de 20 anos, teríamos, assim, ao final, um valor de 1,3 trilhão de dólares. O segundo método seria calcular o valor da floresta pelo volume de sua biomassa. Os cálculos, em particular, variam consideravelmente de autor para autor. Whitaker (1970), citado por Schubart, calcula que a biomassa florestal varia de 400 a 500 toneladas por hectare. Já o cientista William Rodrigues, ilustre botânico do Inpa, calcula que o volume da biomassa seja de 989 toneladas por hectare. Estimado, pois, um volume aproximado de 600 toneladas de biomassa por hectare e multiplicando essa tonelagem pelos 330,3 milhões de hectares da floresta amazônica de terra firme, conforme Murça Pires, teremos um peso de 198 bilhões de toneladas. Os 198 bilhões de toneladas da biomassa florestal amazônica de terra firme são constituídos de árvore de todas as espécies, diâmetros e qualidades. Fixando o valor da tonelada da biomassa, no mercado internacional, por seu valor bruto não beneficiado, a 30 dólares, teríamos, então, uma importância aproximada de seis trilhões de dólares. O terceiro método seria partir do cálculo do volume, em metros cúbicos, da madeira contida em 330,3 milhões de hectares da floresta amazônica (Murça Pires). Para Clara Pandolfo (1979), com base nos dados primários fornecidos pela FAO, Sudam e Serete, o potencial médio madeireiro é de 178 m3 por hectare em terra firme e 90 m3 por hectare nas várzeas. Como estamos trabalhando apenas com a floresta de terra firme de 330,3 milhões de hectares, facilmente chegaremos a um total de 58,7 bilhões de metros cúbicos de madeira. A madeira teria diferentes valores de mercado, dependendo do nível e da natureza do seu aproveitamento. Como madeira em pé, no meio da floresta, seu valor não iria além de 20 dólares/m3, o que equivaleria a 1,1 trilhão de dólares; se reduzida a toras, o valor subiria para 50 dólares/m3, ou 2,9 trilhões de dólares; se serrada, valeria cem dólares/m3, ou o equivalente a 5,8 trilhões de dólares; se reduzida a compensados, seu preço saltaria para 250 dólares/m3, correspondendo a 14,6 trilhões de dólares; no entanto, se a madeira fosse convertida em produtos madeireiros nobres, seu preço chegaria, nos mercados mundiais, a 500 dólares/m3, ou perto de 30 trilhões de dólares. Se utilizássemos um quarto método de avaliação, baseado na preservação da biota florestal como banco genético, teríamos de acrescentar um custo subjetivamente calculado em outros 30 trilhões de dólares, o que elevaria o valor para 60 trilhões de dólares. Qualquer dos métodos de cálculo acima, com o objetivo de pecuniarizar a floresta amazônica, para fins de uma moratória ecológica, considerando apenas os termos de sua biomassa, levaria a um número arábico-pitagórico, ou a uma maluquice matemática prospectiva que, para ser mais bem-compreendida, deveria ser traduzida em dólares-luz, à semelhança do que fazem os astrônomos com os anos-luz, para medir a distância dos astros e galáxias em relação a um ponto. Sendo assim, caso o Brasil venha a declarar uma moratória ecológico-florestal, o mundo desenvolvido, beneficiário da

medida, teria de nos creditar uma conta gráfica, na ONU, num valor que poderia variar de, no mínimo, 20 a 30 trilhões de dólares, sobretudo na hipótese de uma moratória ecológica planetarizadora. Certamente, com um crédito de 30 trilhões de dólares, oriundo da moratória ecológico-florestal, poderíamos, facilmente, fazer empréstimos aos diferentes países desenvolvidos, que persistem, falaciosamente, em atribuir ao Brasil a responsabilidade pelo efeito estufa e pelos danos ambientais ao planeta. Dessa forma, os Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Alemanha, França, Itália e outros tantos países poluidores do planeta poderiam empreender um vigoroso e legítimo programa científico de preservação dos valores ambientais em seus países e, também, ajudar, com a sua experiência científico-tecnológica, a desenvolver métodos e técnicas corretas e viáveis de manejo florestal, silvicultura tropical e piscicultura. É evidente que, na realização dos empréstimos aos países desenvolvidos, o Brasil seria generoso nas cláusulas e condicionalidades contratuais. O prazo de pagamento da dívida mundial ao Brasil poderia ser de cem anos (para competir com a “generosidade” de Gorbatchev), com carência de dez anos, a juros fixos de 6% ao ano, sem cobrança de comissões ou “spreads”. Claro que não poderíamos abrir mão da correção monetária decorrente da desvalorização do dólar no mercado internacional, pois a dívida mundial seria convertida na moeda internacional da ONU – os direitos especiais da saque (DES), cuja taxa de câmbio é baseada numa cesta de moedas de livre curso internacional. A moratória ecológico-florestal excluiria, naturalmente: o aproveitamento mineral, hidrelétrico e agrícola, nas terras dos varzeados e nos solos eutróficos e oligotróficos, propícios às culturas perenes e anuais; a pecuária bovina e bubalina, criada de forma intensiva; o manejo florestal e da ictiofauna autossustentada, em regime de usufruto e anticrese ecológica; o enriquecimento florestal e a recuperação de terras degradadas e encapoeiradas; e outras formas não predatórias de desenvolvimento econômico. Afora isso, a moratória ecológica repeliria também, como pressuposto básico, qualquer forma de interferência, ingerência ou constrangimento da soberania brasileira. 2 A Amazônia tem valor, mas não tem preço A partir daí, o Brasil começaria a dar ao mundo uma resposta competente aos desafios impostos pelos países desenvolvidos e, na qualidade de credor e autor, passaria a ser admitido e respeitado em todos os fóruns científicos e políticos. Com o Imposto Internacional Ambiental – debit for greenhouse effect international tax – e mais a moratória ecológicoflorestal, que poderia ser conveniada com o resto do mundo, teríamos um grande avanço na solução dos problemas ambientais, que afligem e afetam tanto a nós como ao restante da humanidade. Entretanto, correríamos sempre o risco de nossa proposta de moratória ecológica externa ser considerada muito ambiciosa, em razão da supervalorização da Amazônia, e, por isso, não ser aceita pela comunidade dos países desenvolvidos. Com a nova postura estratégica, porém, no jogo de poder das nações, a nossa iniciativa teria resultado considerável, a favor do nosso País, nos fóruns internacionais, em face da violenta agressão de que temos sido vítimas. Sem dúvida, contaríamos com o apoio dos países desenvolvidos mais esclarecidos e da grande maioria dos povos do Terceiro Mundo na Assembleia Geral das Nações Unidas. Alternativa seria declararmos uma moratória ecológica interna, mais modesta, menos ambiciosa e, talvez, mais viável. Por meio dela, daríamos prosseguimento aos esforços nacionais empreendidos na Amazônia nas últimas décadas, no sentido de aperfeiçoar os instrumentos para uma política de preservação e conservação do meio ambiente, que se integre e harmonize com as necessidades do desenvolvimento econômico, tal como se pretendia no antigo Projeto Florestal da Amazônia Brasileira, que ainda tramita no Congresso Nacional, ou como atualmente está sendo estudado pelo programa Nossa Natureza. É indispensável que, na formulação de um programa como esse, participem dos debates, além da classe política, a comunidade científica e universitária, as classes empresariais, trabalhadoras e a sociedade civil; também não devemos esquecer que qualquer política ambiental ou moratória ecológica não pode excluir o desenvolvimento econômico harmonizado. Particularmente, ninguém melhor do que Karl Marx soube interpretar a dialética desse processo: quando ainda jovem, antes da publicação do seu famoso Manifesto Comunista (1848), escreveu nos seus Manuscritos EconômicoFilosóficos, descobertos e publicados em 1927 pelo Museu Britânico, que era preciso naturalizar o homem e humanizar a natureza. Não poderíamos dispensar, em qualquer caso, a cooperação científica e financeira internacional, que seria bemvinda, desde que respeitasse, sem interferência, a integridade inalienável da soberania brasileira na Amazônia. A soberania, por sinal, foi recentemente ameaçada pelo presidente François Mitterrand, na Conferência Inter-nacional de Haia, quando declarou que “em matéria de meio ambiente é preciso uma renúncia de parte da soberania por parte de alguns países”. Graças

à diplomacia do Itamaraty, a renúncia foi eliminada do texto final da Declaração dos 24 países participantes daquele encontro (Folha de S. Paulo, edição de 12/3/1989). O embaixador brasileiro presente à conferência, Paulo de Tarso Flecha de Lima, soube bem defender a nossa posição, ao afirmar que a irrevogável e soberana responsabilidade de cada País para administrar o seu meio ambiente não deve excluir a possibilidade de efetiva cooperação em nível multilateral. Foi com esse pensamento que procuramos fazer a análise demonstrativa e especulativa aqui desenvolvida. A esperança é de que ela possa servir de modesta contribuição e alerta para uma consciência social e política brasileira, relativa ao fato de que a Amazônia tem valor, mas não tem preço.

19. O primeiro manifesto ecológico da Amazônia Quando governador do Estado do Grão-Pará, Maranhão e Rio Negro, Francisco Xavier de Mendonça Furtado escreveu uma carta ao ministro dos Negócios Ultramarinos de Lisboa, Diogo de Mendonça Corte Real, datada de 22 de janeiro de 1752, na qual, com sua visão de estadista colonial, expressou extraordinária compreensão dos valores autóctones e testemunhou a vocação da terra que governava. Por seu conteúdo de observações e de juízos sensatos, a carta ganhou, ao correr dos tempos, notável importância histórica, tanto que, por muitos dos aspectos abordados, ainda hoje tem validade e serve de lição. É longa a carta de Mendonça Furtado, que terá causado admiração ao rei D. José I de Portugal; por isso, tomamos a liberdade de, seguindo fielmente o pensamento do autor, resenhá-la em termos de Manifesto Decálogo, considerando-a como o Primeiro Plano Ecológico de Desenvolvimento da Amazônia: 1. Devemos cultivar o arroz, o cacau, o café, o algodão, o açúcar, o carrapato, a canela, os couros em sola, a couranha, o gergelim e o tabaco. 2. Também será de grande utilidade que se produzam o anil, o almíscar, a andiroba, a baunilha, o cravo, o carajuru, a castanha, o puxuri, o pinhão e o urucu 3. Nas piores terras, o arroz dá, por alqueire, sementes de 30 novidades, chegando a dar cem nas terras mais naturais. 4. Devem-se produzir os azeites de todas as qualidades, especialmente o pinhão, o carrapato, o gergelim, a andiroba, a castanha, a bacaba. 5. Incentivar a cultura da canela, do cravo, da copaíba, da baunilha e do puxuri. 6. Com relação às tintas, é importante cultivar o carajuru e o urucu; e com relação aos produtos medicinais, a jalapa, o gengibre e a ipecacuanha, bem como o breu e a almácega. 7. No que toca às fibras, além do caraú, é importante plantar o ambé, o tucum e a piaçaba, bem como o castanheiro para tirar o breu para calafetar navios, e o algodão para fazer fazendas e chitas. 8. Ademais, há uma infinidade de madeiras, tanto para navios quanto para móveis, que são tratadas com tal desprezo e ignorância nas roças, onde são queimadas madeiras que valeriam muitos mil cruzeiros para semear uns poucos feijões. 9. Se se cultivasse tudo isso seria de muito maior utilidade, porque, além de dar melhor fruto, poupar-se-iam muitos dias metendose no mato, em busca desses gêneros, quando se poderia tê-los muito melhores à sua porta. 10. Por não fazer essa arte, o Estado está no último precipício da miséria e da pobreza, pois, podendo ser um Estado poderoso, ficou na condição de pedir socorro e esmola igual a qualquer pobre.

20. ECO-92: borealismo ecológico e tropicalismo ambiental (Palestra realizada em março de 1992 na Fundação Joaquim Nahuco, Recife).

1 Na cúpula da Terra e o conflito Norte-Sul

Quando a cúpula da Terra se reunir na próxima conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Rio- ECO-92 – fatalmente irão ocorrer divergências e confrontos teóricos, doutrinários e filosóficos entre os países desenvolvidos e industrializados do hemisfério norte e os povos retardatários e subdesenvolvidos da banda sul. Os primeiros apresentarão os pontos de vista e os enfoques do Primeiro Mundo, tentando manter e preservar a sua riqueza e hegemonia de um desenvolvimento tecnológico que, desde a Revolução Industrial, vem acumulando patrimônio e renda sem considerar a destruição e o desperdício dos recursos naturais do planeta. A degradação do meio ambiente, a contaminação das águas dos seus rios e mares, a poluição dos seus céus e ares, a erosão dos seus campos e solos, a destruição da vida pelas armas e guerras e o caos urbano de suas megalópolis serão temas constantes nos debates desse grande júri ecológico-ambiental. Os últimos, constituídos na sua maior parte por países situados na faixa intertropical dos paralelos de Câncer e Capricórnio, irão, por sua vez, dar ênfase a uma escala de valores diferentes e enfocar os seus principais problemas de população e pobreza, baixos níveis de renda e produção, preços insuficientes de suas matérias-primas, perversas relações de troca e de intercâmbio comercial e ônus insuportável da dívida externa, maiores responsáveis pela destruição de suas florestas, desertificação dos seus solos e contaminação de suas águas, que agudizam os problemas de alimentação, saneamento, habitação e expectativa de vida. Um círculo vicioso de causa-e-efeito entre pobreza e poluição, que agem, reagem e interagem entre si, reforçando os elos da corrente que os algemam a uma situação crônica de carência e penúria que Gunnar Myrdall chamou de causação circular cumulativa. 2 Agenda 21 Na pauta das discussões e na agenda dos debates figurarão, sem dúvida, muitos temas e problemas da Revolução Ambiental que antecipam a chegada do próximo século. Entre eles: 1. efeito estufa, chuvas ácidas, rompimento da camada de ozônio, alterações climáticas; 2. defesas dos recursos hídricos e proteção da qualidade e suprimento da água doce; 3. recursos pesqueiros mediante o manejo dos rios, lagos, mares, oceanos, manguezais e zonas costeiras; 4. preservação e uso autossustentado das florestas tropicais e manutenção da diversidade biológica e do patrimônio genético da flora e fauna, de fundamental importância para a biotecnologia e engenharia clonal e genômica; 5. degradação, erosão, acidificação, salinização e desertificação dos solos; 6. manejo dos resíduos tóxicos e perigosos como os rejeitos e lixo industrial, nuclear e doméstico; 7. reciclagem dos desperdícios e das matérias descartáveis com vistas à higiene, limpeza e economia dos bens ambientais; 8. uso correto de fertilizantes, herbicidas e pesticidas com vistas à instituição da agricultura orgânica; 9. desenvolvimento urbano e contenção do êxodo rural para priorizar as condições de moradia, saneamento; infraestrutura socioeconômica para evitar os problemas da marginalidade nas cidades e deteriorização do meio rural;

10. erradicação da pobreza em assentamentos humanos mediante ações ligadas à educação; oportunidade de trabalho; investimento para melhoria dos níveis de renda e qualidade de vida; 11. desenvolvimento de sistemas de geração de energia limpa e de veículos de transporte não poluentes; 12. problemas de população, superpovoamento e controle de natalidade para compatibilizar o crescimento dos humanos com a finitude da terra e da natura; 13. criação de fundos e recursos financeiros para programas nacionais e mundiais de proteção do meio ambiente e promoção de desenvolvimento autossustentado.

3 Carta da Terra A ECO-92 deverá produzir, ao final, uma Carta ou Estatuto da Terra que reflita as preocupações de todos os homens sobre o futuro do planeta e da humanidade. Deverá ser um documento político, amplo e universal, contendo princípios, direitos e deveres que deverão orientar a atenção dos governos, países e empresas com vistas a harmonizar os problemas de conservação e preservação do meio ambiente com as necessidades do desenvolvimento autossustentado. Sustentabilidade que, também, procure harmonizar as exigências da sociedade atual com as necessidades das novas gerações e da população futura. Sem devolver a Terra aos dinossauros (Mário H. Simonsen), ou regredir no tempo para restaurar o paraíso edênico dos primeiros dias da criação, o Estatuto da Terra deverá servir ao Homem, à Humanidade e à Natureza. 4 Declaração de Manaus Os países vizinhos integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica – Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname – reuniram-se em Manaus (Amazonas), nos dias 10 e 11 de fevereiro passado, para examinar os temas da ECO-92 e adotar uma posição política comum que expressasse seus interesses e necessidades. Desse histórico encontro saiu uma declaração de princípios bastante firme, revelando posição de luta e defesa do desenvolvimento regional. A seguir, vão resumidos os princípios, fundamentos e objetivos adotados por esses países integrantes do Pacto Amazônico: 1. A um planeta ambientalmente sábio deve corresponder um mundo social e economicamente justo. É preciso, pois, transformar condutas e padrões de consumo não sustentáveis. 2. O desenvolvimento econômico e social deve ser conjugado com a conservação e proteção do meio ambiente. É necessário, no entanto, afirmar o direito desses países à utilização dos seus recursos visando o bem-estar e progresso. 3. A educação e a consciência pública devem ser estimuladas para que se voltem a práticas ambientalmente sadias. A educação ecológica deve receber o apoio da comunidade internacional. 4. Os padrões internacionais de produção, consumo e distribuição estão na base dos problemas ambientais dos países em desenvolvimento e são responsáveis pela deteriorização dos ecossistemas e da pobreza, à qual foi condenada a maioria dos seres humanos. 5. Os países desenvolvidos têm maior responsabilidade pela deteriorização progressiva do meio ambiente e, por isso, não podem impor controles ecológicos e condicionalidades aos países em desenvolvimento. 6. O subdesenvolvimento é tanto causa quanto efeito da degradação do meio ambiente. A solução dos problemas ambientais está ligada à cooperação internacional, ao acesso a novas tecnologias, à ampliação dos fluxos comercias e à solução do problema da dívida externa. 7. A pobreza não será erradicada sem a ajuda de novos princípios de cooperação internacional. 8. A superação do problema ambiental requer um esforço concentrado dos Estados e indivíduos e transcendem à simples lógica das forças do mercado. 9. O desenvolvimento harmônico da região amazônica constitui uma das metas concebidas e definidas no Pacto Amazônico, e cada país possui um amplo leque de opções de desenvolvimento sustentado.

10. Os povos indígenas têm dado uma contribuição significativa para a conservação do meio ambiente. Devem ser respeitados os direitos dessa população sob suas terras na forma das leis nacionais. 11. Os países amazônicos devem continuar envidando esforços para a conservação da maior floresta nativa do planeta e todos os esforços devem ser empregados para obter a cooperação para o uso e conservação desse patrimônio. 12. A soberania de cada país deve ser respeitada sem embargo da necessidade de fortalecer a cooperação bilateral e subregional para prevenir danos ambientais e obter a cooperação internacional. 13. A ECO-92 tem a grande responsabilidade histórica de criar uma nova ordem internacional e estabelecer programas de cooperação financeira e tecnológica que permitam aos países em desenvolvimento aprofundar seus esforços para empreender o desenvolvimento sustentável de seus recursos naturais. 14. Daí o empenho dos países amazônicos em contribuir para o êxito dessa conferência, segundo os princípios já acordados na Plataforma de Tlatelolco, México, em março de 1991, e agora com as posições definidas nesta Declaração de Manaus. 5 Declaração de Canela (RS) Os cinco países do Cone Sul – Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai – reunidos em 20 de fevereiro de 1992, em Canela, Rio Grande do Sul, aprovaram, à semelhança dos países amazônicos, uma declaração de princípios e uma posição conjunta a ser defendida nas comissões e no plenário da ECO-92: 1. A crise ambiental ameaça a sobrevivência na Terra, pois vivemos em ecossistemas cujo equilíbrio é essencial para toda a humanidade. 2. Essa responsabilidade deve ser compartilhada por todos os países sem embargo das diferenciações e peculiaridades regionais. Os países em desenvolvimento devem receber recursos financeiros adicionais e contínuos em condições favoráveis e a eles devem ser asseguradas transferências de tecnologia ambientalmente sadia. 3. O desenvolvimento deve estar no centro das ações destinadas a reverter o processo de degradação do meio ambiente. 4. É indispensável acordar fórmulas solidárias que impeçam a reiteração de condutas predatórias, banam atitudes egoístas e assegurem que os projetos contenham avaliações adequadas de seu impacto ambiental. 5. A comunidade internacional deve compreender que a proteção do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais não se opõem ao progresso material e ao desenvolvimento econômico. Ao contrário, são conceitos complementares. 6. A educação é importante para a formação de uma consciência e de uma responsabilidade públicas e a comunidade deve participar ativamente dos programas ambientais por meio de suas organizações não governamentais e outras formas de ação. 7. As infraestruturas científicas e tecnológicas dos países em desenvolvimento devem ser fortalecidas. A cooperação dos países em desenvolvimento é necessária para transferências tecnológicas saudáveis, modernas e adequadas, pois elas são partes essenciais dessa tarefa solidária e comum. 8. Para atingir esses objetivos é preciso a elaboração e gradual codificação do direito internacional ambiental para aperfeiçoar os instrumentos jurídicos internacionais que contemplem a integração de recursos e as inter-relaçõcs dos atos que os afetem. 9. A economia de mercado dispõe de mecanismos que devem estimular condutas ambientais racionais, porém não é suficiente para estabelecer o desenvolvimento autossustentado. As transações comerciais devem incluir os custos ambientais causados nas etapas produtivas sem transferi-los para as gerações futuras. Reafirmamos nosso repúdio à manutenção de sistemas de subsídios que desvirtuam a produção e deformam as condições do mercado. 10. A Conferência das Nações Unidas – ECO-92 – é uma oportunidade histórica e única para iniciar uma nova etapa de cooperação internacional. As reuniões de Canela e Manaus demonstram a vontade política dos países da América do Sul de estabelecer posições comuns para o êxito da Conferência do Rio. 11. Os países signatários da Reunião de Canela acordam em adotar as seguintes posições comuns: I – Proteção da Atmosfera

A mudança global do clima exige providências para controlar e diminuir a concentração de gases de efeito estufa e a deterioração da camada de ozônio que afeta particularmente os países do Cone Sul. II – Diversidade Biológica É necessário promover a conservação e o uso racional dos recursos biológicos e genéticos. Esses recursos são inequivocadamente reservas naturais de cada país e sobre eles é exercida a soberania nacional; daí ser necessário reconhecer os direitos patrimoniais dos países sobre eles, mediante sistemas apropriados de registros. III – Degradação dos Solos e Desertificação A comunidade internacional deve levar a cabo medidas urgentes para a preservação e reversão dos processos crescentes de degradação dos solos e desertificação que ameaçam o bem-estar e a segurança alimentar. IV – Florestas O aproveitamento econômico dos recursos florestais é um direito soberano dos Estados que deve ser compatibilizado com a proteção do meio ambiente, levando em conta que as florestas são espaços onde se concentra a biodiversidade e os sumidouros de carbono. A floresta também é um espaço econômico, social e cultural, pois é hábitat de populações humanas, nativas ou não, que dela dependem para o seu sustento. V – Recursos Hídricos De acordo com a Declaração de Dublin sobre a água, a qualidade de vida das populações está vinculada ao abastecimento de água doce tratada. A gestão ambiental dos recursos hídricos constitui elemento fundamental para a conservação dos ecossistemas. VI – Meio Marinho A saúde dos oceanos como reguladores de clima e sumidouro de carbono deve ser preocupação constante da comunidade internacional. É preciso, pois, proteger o meio marinho e reduzir a poluição dos oceanos para manter a integridade do ecossistema e as atividades pesqueiras nas zonas exclusivas e no alto-mar. VII – Resíduos Tóxicos e Perigosos Faz-se necessário proibir, totalmente, o alijamento de resíduos perigosos, tóxicos e radioativos nos oceanos, bem como a sua exportação para outros países. VIII – Assentamentos Humanos As cidades constituem os principais polos de atividade econômica nos países em desenvolvimento, que se mostram incapazes de atender às necessidades básicas de água, saneamento, habitação, energia, transporte e educação. A cooperação internacional é necessária para solucionar os problemas do meio ambiente e eliminar a miséria dos assentamentos urbanos e rurais. IX – Recursos Financeiros e Comércio Internacional As práticas protecionistas devem ser desestimuladas e as normas de proteção ambiental não se devem transformar em práticas discriminatórias ou barreiras comerciais dissimuladas. O comércio deve caminhar em direção à equidade internacional e os fluxos de recursos financeiros devem ser distribuídos de forma a proteger o meio ambiente e promover o desenvolvimento. X – Fortalecimento Institucional O aperfeiçoamento dos mecanismos regionais, o fortalecimento das instituições nacionais e a cooperação internacional são elementos essenciais do desenvolvimento sustentável. No âmbito global, devem ser encontradas fórmulas para proporcionar às Nações Unidas mecanismos mais eficientes de cumprimento das decisões referentes ao desenvolvimento sustentável que

forem aprovadas pela ECO-92. 6 Borealismo ecológico Esta década de 90, que antecede o final do século, será, sem dúvida, marcada por grandes mudanças e transformações na relação homem-natureza-sociedade. Refiro-me à Revolução Ambiental, atualmente em curso, que permeia todas as ações do homem, não apenas nas ações produtivas quanto, também, nas de intercâmbio social e cultural. Se essas ações e interações sociais e culturais faltarem ou forem afastadas da concepção do novo modelo e estilo de vida, correremos o risco de construir uma ordem ecológica reducionista e sectária, à semelhança de tantas outras que foram arquivadas no cemitério da história das ideias e políticas. É o que tememos, caso as atuais preocupações ecológicas sejam interpretadas à luz do tempo curto e do espaço micro, ou venham a reboque de novas ideologias de dominação, hegemonia e dependência. Nesse particular, temos exemplos históricos bem significativos que justificam nossas legítimas preocupações. Esses exemplos nos indicam que no hemisfério norte ainda se encontram arraigadas algumas noções e políticas, se não imperiais como no passado, pelo menos exclusivistas e excludentes de grande parte da humanidade pobre. Essa exclusividade e excludentismo são praticados, ainda, por muitos dos chamados países ricos e pós-industrializados que desejam manter a sua hegemonia e liderança num mundo que aspira participação e condomínio. A ecologia, assim, poderia ser usada como um novo instrumento para consolidar posições de patrimônio, renda e emprego já alcançados, impedindo que outros povos utilizem seus recursos naturais, a fim de manter e restaurar a saúde do planeta. A defesa por alguns políticos de redomas e santuários para preservar a vida silvestre e a biodiversidade, sem maiores considerações em relação ao homem e à sociedade, podem levar os povos do Terceiro Mundo à crônica desesperança da pobreza e da fome. A imposição de condicionalidade preservacionista nas concessões de empréstimos internacionais pode esconder objetivos não revelados de eliminar concorrentes do mercado e manter os privilégios de alguns centros e polos de dominação política. Muitos desses países do hemisfério norte que alcançaram posições de liderança mundial tiveram suas economias desenvolvidas graças à utilização de instrumentos externos de dominação, obtendo vantagens de preço e mercado de países fornecedores de bens ambientais primários. As primeiras relações de troca e intercâmbio favoreciam o seu enriquecimento, enquanto mantinham naqueles países periféricos condições precárias e degradantes, que eram agravadas pelo uso e abuso dos seus recursos naturais, provocando mudanças climáticas, aquecimento da Terra, destruição das florestas, rompimento da camada de ozônio, contaminação dos oceanos, guerras econômicas e outras perversas formas antinaturais e antissociais. Por outro lado, internamente, esses países se capitalizavam à custa da introdução de tecnologias brutas, invasivas e poluentes, porém baratas, que, aplicadas ao processo produtivo, produziam bens de baixo custo e com graves repercussões sobre as bases ambientais. Toda a chamada Revolução Industrial, a partir do século 18, foi baseada num modelo extremamente poluidor da natureza, indiferente aos riscos da destruição das fontes de sustentação da vida. A geração da eletricidade, inicialmente a partir do carvão de pedra, depois do petróleo e, agora, da fissão nuclear, são exemplos significativos desse padrão de consumo e desperdício. As práticas de agricultura intensiva, mediante o uso abusivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos, constitui outra ilustração desse tipo de comportamento e padrão de consumo. Os desvios dos recursos humanos e financeiros para a fabricação de armas, mísseis e todos os instrumentos bélicos de destruição impedem que a sociedade se beneficie de todo o potencial que o conhecimento e a tecnologia possam trazer para aumentar o bem-estar de todos. Diante do reconhecimento dos riscos planetários que ameaçam a sobrevivência da própria espécie humana, agora muitas dessas lideranças internacionais do Primeiro Mundo desejam transferir aos países pobres, que ainda contam com grandes florestas primitivas e recursos naturais abundantes e diversificados, a incumbência de preservar seus grandes ecossistemas para manter a saúde global do planeta. O que deveria ser uma tarefa comum de todos passou a ser um ônus que os países boreais desejam transferir para os povos tropicais. Esse comportamento que denomino de borealismo ecológico constitui uma nova versão de velhos preconceitos antitropicais que floresceram no passado, porém revestidos de uma nova roupagem doutrinária e filosófica.

Antigamente esse preconceito criou para o trópico a imagem de terras inóspitas, clima doentio, solos pobres, águas palúdicas, selvas selvagens, povos indolentes, raças inferiores, costumes bárbaros, comidas exóticas, mulheres sensuais e fogosas, reinos da licenciosidade, luxúria e pecado, onde tudo era permitido abaixo da linha do Equador. O preconceito ecológico de que o calor tropical conduz a lassidão, indolência e inferioridade, e o frio boreal está associado à vitalidade física, criatividade e superioridade racial, é uma associação que vem sendo repetida desde longa data. Mesmo neste século, ganhou destaque com as teorias do geógrafo Friedrich Ratzel, cujo determinismo geográfico preceituava que o solo regia o destino dos povos com cega brutalidade. Com o conde Gobineau (Éssai sur l’Inégalité des Races Humaines), ao defender o mito da superioridade racial dos homens do norte que, mais tarde, aliado à doutrina do espaço vital de Haushoffer, iria servir de base à doutrina nazista do arianismo e do expansionismo alemão. Com Pierre Gourou (Les Pays Tropicaux), que profetizava a perenidade da pobreza tropical pela impossibilidade de sua industrialização. Com Lévi Strauss, de forma mais amena, no seu Tristes Tropiques. Superados esses dogmas surge, agora, um novo determinismo ecológico, que vem ganhando espaço nos fóruns, assembleias e congressos internacionais. Com Betty Meggers que, partindo do pressuposto de que o desenvolvimento de uma cultura depende da capacidade de produção agrícola do meio ambiente, chegou à conclusão de que a Amazônia, sendo caracterizada pela baixa fertilidade dos solos e fragilidade do seu ecossistema, nossa região era a ilusão de um paraíso (MEGGERS, B. J. Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Chicago, 1971). Com Robert Goodland, ao afirmar que a floresta tropical úmida deveria ser preservada intacta, até que as pesquisas revelassem o melhor momento de explorá-la, pois ela é, ecologicamente, um deserto coberto de árvores e, se as árvores forem removidas, a região se converteria em um deserto (GOODLAND, ROBERT e IRWIN, H. A Selva Amazônica: do inferno verde ao deserto vermelho, 1975). O borealismo ecológico, agora, na sua fase mais nova e recente, ao invés de destacar os velhos preconceitos negativos do clima, solo, selvas e gentes, passou a destacar a riqueza biológica tropical, a importância de seus ecossistemas silvestres, o papel de suas florestas primitivas, atribuindo-lhe a responsabilidade pela manutenção do clima global e da saúde do planeta. Essas florestas atuariam quer como sumidouro do dióxido de carbono lançado pelos países industriais, resultante da queima de combustíveis fósseis, quer como depósito desse composto químico no interior de sua biomassa. Sua destruição importaria privar a humanidade de tão rica biodiversidade que poderia conter os fármacos, plantas medicinais e clones genéticos capazes de solucionar muitos problemas médicos, agronômicos e climáticos, que interessam a todas as nações e, por isso, deve constituir patrimônio comum de toda a humanidade. Para usar uma expressão borealista, a floresta tropical e, sobretudo, a Amazônia, é uma riquíssima biblioteca genética, cuja queima e destruição corresponderia ao incêndio dos livros e códigos da Biblioteca de Alexandria, que atrasou a humanidade milhares de anos. No entanto, nem todos os pensadores e líderes do hemisfério norte possuem esse viés borealista, pois muitos deles e suas organizações não governamentais defendem a saúde do planeta Terra como tarefa comum de todos os povos, cabendo aos países do Primeiro Mundo a responsabilidade principal para conter seus padrões de consumo supérfluo, limitar os desperdícios, conter a poluição e degradação de suas indústrias e agricultura fortemente subsidiadas e desenvolver tecnologias antiagressivas e não invasivas. Nova postura que passaram a denominar de desenvolvimento sustentado e procura harmonizar o crescimento econômico com a proteção ambiental, as necessidades da população atual com as opções da geração futura. E também ajudar o Terceiro Mundo a aliviar a excessiva carga de sua dívida externa, que impede e dificulta a eliminação da miséria e a injusta distribuição de renda, em parte causadas pela deterioração dos termos de intercâmbio e os baixos preços de suas matérias-primas, que não permitem incluir nas cotações internacionais os custos de conservação e proteção ambiental. Como expoente dessa lúcida maneira de pensar, que lidera um novo modelo de pensamento nortista, destaca-se a figura da primeira- ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que, como relatora do documento das Nações Unidas Nossa Herança Comum, abre melhores perspectivas para o relacionamento Norte-Sul nas questões ecológicas e ambientais. 7 Ecologia e meio ambiente Ecologia e meio ambiente são, hoje, expressões comuns e quase sinônimas para a maioria dos especialistas e doutores. É necessário e importante, porém, fazer uma distinção denotativa e conotativa de seus reais significados. Assim é que entendo a ecologia como parte, segmento e conteúdo da ciência do meio ambiente, pois esta assume um caráter genérico, universal, abrangente e histórico. A ecologia está voltada mais para o estudo dos ecossistemas como unidade de paisagem regional, abrangendo bacias hidrográficas, climas, solos, vegetação e fauna que agem, interagem e reagem dentro de um ciclo, processos e fluxos de sucessão, energia, ciclagem de nutrientes e mecanismos de controle permitindo relativo equilíbrio e a homeostase do sistema (estabilidade e convivência dinâmica do organismo vivo em relação às várias funções e

à composição dos diversos fluxos e sistemas). A ciência ou as ciências do meio ambiente são mais universais e complexas, pois, além de conterem o estudo dos ecossistemas ecológicos, abrangem grande variedade de aspectos econômicos, sociais e culturais que permeiam e integram o mundo físico e biológico adjacente. O meio ambiente, a despeito do étimo fracionário, abrange, desse modo, os quadros geofísicos, sociobiológicos e ecoculturais, incluindo, pois, ecossistemas primários e ecossistemas humanizados. Não é uma expressão fracionária de metade, mas um integral que sabe diferenciar sem separar, qualificar sem excluir, generalizar sem esquecer o particular, socializar sem omitir o indivíduo, pluralizar sem perda do singular, universalizar sem omitir o regional e até o paroquial. Em todas as suas implicações e relacionamentos geossocioeconômicos e bioecoculturais jamais esquece o fundamental: o natural e o humano. Essa distinção entre ecologia e meio ambiente é necessária a fim de podermos melhor quantificar e qualificar os problemas do relacionamento natureza-natureza, homem-natureza, homem-homem, homem-sociedade. As relações que se estabelecem em cada nível dessa interação criam quadros e cenários que não podem ser omitidos quando se enfoca apenas um aspecto parcial da geosfera, ecosfera, biosfera e antroposfera. Essa complexidade de relacionamento se torna muito maior quando se admite nos termos de tal equação o caráter dinâmico e mutacional de cada escala de análise e instância. Diante das dificuldades e complexidades dessas variáveis na análise dos problemas ecológicos e ambientais, é natural que surjam dúvidas, incertezas e até perplexidades e contradições que dão origem a tantas polêmicas na análise dos riscos ambientais, exatamente porque, como nas ciências sociais, a única certeza é a própria dúvida. A despeito dessas dúvidas e incertezas, não podemos nos omitir ou nos deter pela inércia na análise do difícil relacionamento do homem com a natureza, pois aí residem os maiores problemas. Exatamente porque são trazidos à discussão aspectos sociais, econômicos, culturais e éticos que agem e interagem sobre as fontes naturais e biológicas da própria existência. Muitos desses valores entram em conflito e contradição com o mundo da natureza e precisam ser harmonizados e compatibilizados. O novo conceito do desenvolvimento autossustentado é avançado exemplo dessa tentativa de conciliar a biosfera com a sociosfera, abrangendo tanto o tempo sincrônico e diacrônico quanto o espaço micro, macro e mega. Nesse último nível, é necessário e urgente integrar, articular, harmonizar as diferentes variáveis, interesses, custos, necessidades e aspirações nacionais e globais dentro de uma nova ordem política mundial que se espera venha surgir dos debates e do plenário da ECO-92. 8 Tropicalismo ambiental Vencer o preconceito antitropical e equatorial e reabilitar os valores e saberes desse novo mundo foi a grande tarefa de Gilberto Freyre, o fundador da Escola Tropicalista, nascida em Apipucos e depois institucionalizada pela equipe de cientistas e pesquisadores que ele reuniu na Fundação Joaquim Nabuco e no seu Instituto de Tropicologia. Essa tarefa, já implícita na sua grande obra Casa-Grande & Senzala, seria seguida de uma longa jornada de pesquisa do insigne mestre que se estendeu por muitas latitudes e longitudes da vida intertropical em muitos continentes de língua lusohispânica e outros falares. O seu tropicalismo foi não apenas uma reação aos mitos e preconceitos borealistas, mas, sobretudo, uma atitude positiva e criadora ao revelar e interpretar os segredos, sabores, haveres, seres, trajares e viveres dos diferentes trópicos: do nordeste da zona da mata, do agreste e do sertão, do trópico úmido das águas e florestas da Amazônia, tão bem-definido por ele como trópico anfíbio, dos trópicos africanos e asiáticos. Trópicos todos esses, na sua maior parte, nascidos culturalmente de raízes luso-hispânicas, cujos valores foram sendo assimilados e desenvolvidos por muitos povos, ao longo de séculos de coexistência e convivência. A nova humanidade criada a partir dessa experiência tropical trazia consigo um novo modelo e uma nova fórmula de vida e de trabalho. Esse modelo e expressão existencial reunia os valores, virtudes e também pecados do velho mundo ibérico e mediterrâneo com os novos dons, primícias, diferentes maneiras de ser, trabalhar e viver desses povos situados aquém e além do Equador, ao largo e ao longo da faixa intertropical. Desse modo, os trópicos e tropicopolitanos formaram uma nova civilização eclética e híbrida, pois aprenderam, desde cedo, a

combinar bens e valores de muitas órbitas e espaços. Essa combinação se fez por meio de um intenso intercâmbio entre os diversos confins tropicais: bebidas, cereais, raízes e tubérculos, frutas, fibras, especiarias, animais, plantas medicinais, músicas, danças, crenças, gentes, jeitos e trejeitos. O universo tropical, assim, foi o Primeiro Mundo a experimentar as vantagens do intercâmbio de bens, gentes, plantas, animais, culturas e valores com outros povos, raças e países. Aprendeu, desde logo, as vantagens da internacionalização de recursos e do intercâmbio cooperativo ambiental, muito mais que os países boreais que ficaram, por muito tempo, arraigados a velhos costumes e hábitos conservadores e tradicionalistas, alheios às fronteiras d’além-mar. Talvez que esse alheamento e alienação ajudem a explicar o complexo borealista de superioridade, pois a introversão lhes permitiu concentrar as energias criativas no seu crescimento, o que lhes franqueou um processo acumulativo mais rápido de renda, patrimônio e tecnologia, ainda que à custa de valores sociais e naturais. Ainda mais: os tropicopolitanos ajudaram os boreanos a se desenvolver, fornecendo- lhes a preço de banana os bens ambientais e as matérias-primas básicas do equilíbrio ecológico. Isso para não dizer que os trópicos serviram, ainda, como recipientes de seus excessos populacionais (por meio de migração maciça de mão de obra), que se deslocaram para as colônias ultramarinas, e permitiram às metrópoles imperiais manter estável o equilíbrio demográfico. A visão tropicalista do meio ambiente deve ser necessariamente universal e pluralista. Porque ela vivenciou não apenas o intercâmbio de bens e valores, mas também criou, por intermédio da colonização e do imigrante, novas espécies híbridas de indivíduos, pela mestiçagem e relações sociais e sexuais interétnicas. O tropicalismo de Gilberto Freyre nos fez entender e interpretar bem o valor da mestiçagem, por meio do papel representado pelos mulatos, crioulos e caboclos no amortecimento dos conflitos de raça e classe. Foi também por intermédio do sincretismo religioso que os tropicais, ao receberem correntes étnicas e valores preternaturais diferenciados e plurais, secularizaram o sagrado – sem profaná-lo, introduzindo formas mistas e sincréticas de crenças e místicas, católicas, evangélicas, cristãs-novas (cripto-judaicas), africanas e indígenas. Esse sincretismo religioso combinou santos com orixás, diabo com jurupari, Deus com Oxalá e Tupã, padres com pais de santos e pajés, ajudando, desse modo, a mitigar o fanatismo dos padres, missionários e colonos. Sem contar com a secularização do poder temporal que buscava conciliar as autoridades religiosas com a atuação dos capitães-generais, e dos vice-reis com a precária ordem institucional íntima e escondida dos babalorixás e caciques. Na escala espacial, o pensamento freyriano da Escola de Apipucos volta-se para valorizar o local e o regional sem desprezar a importância do nacional e do universal. O regional, o local e até o paroquial assumem caráter excepcional no pensamento tropicalista, pois o homem vive na fazenda, no sítio, na floresta, à beira do rio e do mar, nas vilas, povoados e cidades. O homem, assim, tende a refletir anseios, esperanças, costumes, hábitos e tradições de sua família, tribo e clã, e, a partir daí, vai incorporando valores regionais até atingir a escala transnacional do geral e universal. Ninguém é cidadão do mundo antes de ser filho do sertão, do rio, do mar e da montanha. O tropicalismo ambiental se baseia, desse modo, no viver íntimo e nas relações sociológicas primárias de parceria com a natureza e de vizinhança com os seus amigos e parentes, para depois se projetar a inserir em outras escalas e círculos de convivência e querência. Nessa escala socioambientalista, Gilberto Freyre conseguiu reunir e combinar a sua cidadania doméstica apipucana com a qualificação citadina de recifense, de regionalista nordestino, de tropicopolitano brasileiro com a de universalista por força de sua formação acadêmica e humanística. Apipucos é, ainda, um símbolo do conúbio urbano – expressão nitidamente freyriana – para caracterizar o meio ambiente, misto de adaptação do agreste, do silvestre e do rural ao meio do asfalto e da cidade. Uma tendência ambientalista que reflete a sua preocupação ecológica de construir um modelo de vida que é, ao mesmo tempo, citadino e campestre, rural e urbano, como a que profetiza novo tipo de convivência e adaptação trópico-ambientalista que incorpore valores naturais e humanos. O tropicalismo ambientalista nutre-se, também, nas fontes do tradicional e do moderno. O sociólogo da Casa-Forte, nesse aspecto, sempre revelou um chamego pelo histórico-tradicional, sem ser tradicionalista e conservador, ao mesmo tempo em que amava o moderno e o contemporâneo, sem ser modernoso ou futurista. Um liberal humanista a iluminar as fontes de sabedoria de ambiência e vivência que se nutre das fontes e das raízes do passado e se projeta e se mistura com os anseios do homem afinado com o seu tempo e à espera do amanhecer do futuro. O tempo tropical-ambientalista não está vinculado numa escala cronológica de tempo e hora. A hora e o tempo freyriano são um relógio bioecológico em perpétua vibração, dinamismo e mudança. O tempo tríbio, que ele inventou e construiu, bem

caracteriza a filosofia cronoambientalista. O presente é o passado do amanhã e como bem disse a filósofa Maria do Carmo Tavares de Miranda, definindo o tempo tríbio freyriano: O passado enquanto memória é copresente e convivente, é gesta que se continua e o futuro, como antecipação, é o presente criando o amanhã, é o futuro possível fecundando as criações do homem (MIRANDA, M. C. T. “A tropicologia como fenomenologia”. In: Ciência e Trópicos. Recife, 1987). O reducionismo ecológico, como nova roupagem de tantos outros exclusivismos, sectarismos e desvios da realidade global, foi duramente combatido na vida e na obra de Gilberto Freyre. Não apenas por ele, mas, agora, também pelos seus discípulos e colegas que ajudou a formar na Escola de Apipucos e da Casa-Forte. Contra esse unilateralismo e várias formas preconceituosas antitropicalistas, outros ilustres brasileiros, por laboriosa pesquisa, concluíram que o meio tropical, longe de ter que ser conservado como santuário de vida silvestre, tem enorme potencial econômico a ser explorado sem prejuízo da proteção ambiental. Paulo Alvim, da Escola de Ilhéus e Itabuna, identificou no trópico anfíbio amazônico manchas de solo de boa fertilidade, além de terras de aluvião e várzeas de alta fertilidade. Nessas terras firmes e nos varzeados, a agricultura e a agronomia tropical têm meios de promover um desenvolvimento autossustentado, tanto para culturas arbóreas quanto para cultivares de curto ciclo. O importante, segundo Alvim, é proceder-se a uma adaptação das técnicas agronômicas às exigências dos solos, pois a relativa fertilidade desses solos pode ser compensada por um manejo adequado e pela abundância e riqueza de fatores exógenos como luz, umidade, calor e água (ALVIM, PAULO. “Perspectivas de produção agrícola, na região amazônica”. In: Interciência. Caracas, jul./ago., 1978; “Floresta amazônica: equilíbrio entre utilização e conservação”. In: Ciência e Cultura, jan./1978). Seguindo o mesmo raciocínio, o tropicalista pernambucano Aloísio Sotero informa que a biomassa das plantas é composta de 44% de carbono, 45% de oxigênio, 6% de hidrogênio e 5% dos demais elementos minerais. Os três primeiros são incorporados às plantas mediante a fotossíntese. A quantidade de nutrientes do solo é, assim, vinte vezes menor do que a incorporada pela fotossíntese, concluindo, pois, que a nutrição do vegetal se verifica muito mais pelas folhas do que pelas raízes. A atmosfera, com a ajuda da energia solar e da clorofila, contribui muito mais que o solo para a nutrição do vegetal. Esses fatos elementares justificam a preferência de alguns de que a agricultura é mais a arte de aproveitar a luz do que a arte de cultivar a terra (SOTERO, ALOÍSIO. “A agricultura no trópico brasileiro”. In: Em torno de alguns problemas do trópico brasileiro. Seminário de Tropicologia, Caruaru, Fundação Joaquim Nabuco, 1986). Desfeito, assim, mais um pensamento ecológico contra a viabilidade de agricultura tropical, resta ainda lutar contra outros velhos vieses, falácias, mitos e meias verdades que se propagam de forma epidêmica nos meios de comunicação de massa e que bem podem voltar a ser expostos nas comissões e plenário da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-ECO- 92, a ser realizada em junho do corrente ano. O trópico em geral, tanto do semiárido, do agreste e da mata atlântica, quanto o trópico anfíbio da Amazônia de águas e florestas, reclama com urgência releitura e reflexão sobre o pensamento e a filosofia ambientalista construídos pela vivência e pesquisa científica de Gilberto Freyre. A atual querela ecológico-ambientalista, entre borealistas e tropicalistas, precisa passar por uma revisão crítica. O reducionismo ecológico precisa abrandar suas formulações teóricas para incluir valores extras e transecológicos. Precisa eliminar preconceitos, desfazer projetos de hegemonia hemisférica e assumir nas suas propostas soluções equitativas de caráter global, que sejam compartilhadas por todos os países. O nível de sua responsabilidade perante o mundo subdesenvolvido é maior porque seu passado poluidor, a introdução de tecnologias agressivas, invasivas e perturbadoras do equilíbrio planetário, ameaçam destruir as próprias bases da vida atual e futura. Os investimentos devem ser canalizados e distribuídos não mais para financiar armas e guerras de destruição em massa – agora que ruiu o muro de Berlim e se desfizeram o mito e a utopia do comunismo soviético – mas, sim, em projetos de paz, saúde, educação e desenvolvimento sustentável, que incorporem valores sociais, culturais e éticos nas suas relações internacionais. Os países do Terceiro Mundo, que em sua maior parte estão situados na faixa intertropical, necessitam canalizar esforços no sentido de estancar excessos de desmatamento e queimadas, desenvolver e aplicar técnicas de manejo de solos, águas e florestas, a fim de conservar a biodiversidade, a riqueza do seu mundo biológico, tudo a serviço da eliminação da pobreza e da construção de uma sociedade mais justa e humana. Sociedade e mundo tropical que Gilberto Freyre ajudou a descobrir e interpretar por meio do concurso interdisciplinar das ciências e vivências do homem e da natureza. Mais do que nunca, a humanidade espera que a ECO-92 seja o fórum de debates e de formulação de políticas que ajudem a salvar a Terra do vandalismo, da poluição, da injustiça e da servidão.

A Fundação Joaquim Nabuco e seu Instituto de Tropicologia têm grande papel e contribuição a dar na criação dessa nova política de construção de uma nova ordem internacional e regional. O passado e o acervo de estudos, reflexões e pesquisas de seu fundador, Gilberto Freyre, nos indicam que é urgente a sua participação na ECO-92. Afinal uma Carta de Apipucos e da Casa-Forte seria uma contribuição importante para marcar a presença dos labores, lares e penates do nosso insigne e encantado Mestre.

21. Estatuto do amazônida 1. Confiando no êxito da próxima Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas no próximo mês de julho – ECO-92; 2. considerando a importância da Amazônia Brasileira pela sua grandeza continental, peculiaridade georregional e extensão de sua bacia hidrográfica; 3. pensando na extrema variedade e complexidade dos seus ecossistemas florestais e na grande biodiversidade de suas espécies; 4. enfatizando o rico potencial de seus varzeados, igapós, terras firmes, campos e cerrados e os seus complexos ecossistemas florestais; 5. relembrando o enorme potencial de seu sistema fluvial para seu aproveitamento energético, transporte e navegação; 6. recordando a abundância e variedade de seus recursos minerais, sua importância para a metalurgia e sua contribuição para a balança de pagamentos do País; 7. examinando as recentes descobertas de hidrocarboneto, petróleo e gás natural e suas grandes perspectivas de seu aproveitamento petroquímico e energético; 8. registrando as conquistas já alcançadas no campo industrial, pela criação de polos avançados e produção de bens e serviços, no campo agrícola com as culturas de subsistência e matérias-primas e nas áreas próprias de criação da pecuária bovina, bubalina e criatória em geral; 9. rememorando o potencial de seus inúmeros pesqueiros de água doce, salobra e salgada e a riqueza que essa diversidade representa para a piscicultura e para a produção de alimentos; 10. analisando a importância das populações nativas de índios, caboclos e nordestinos, que constituem a base de nossa formação histórica e humana; 11. observando a riqueza cultural dessa pluralidade cultural e étnica, cuja integridade devemos preservar por meio da manutenção de sua identidade e/ou integração à sociedade nacional; 12. auscultando a necessidade da educação em todos os níveis, da qualificação profissional, universitária e dos institutos de ciência, pesquisa, tecnologia e extensão; 13. verificando que a cosmovisão da Amazônia Continental mostra que ela representa a vigésima parte da superfície terrestre, um quinto das disponibilidades mundiais de água doce, um terço das reservas mundiais de florestas latifoliadas, um décimo da biota universal, um quarto do volume mundial de carbono armazenado na sua biomassa vegetal, mais da metade do potencial hidrelétrico e de gás natural do Brasil e dos minérios de ferro, bauxita, manganês, cassiterita, caulim, ouro, potássio e outros; quatro décimos da superfície da América do Sul; três quintos do Brasil e apenas quatro milésimos da população mundial; Levando em conta essa realidade e amparado em toda uma vida consagrada ao estudo desse pedaço do Brasil, lanço, aqui, o Estatuto do Amazônida para apreciação e debate dos participantes brasileiros e estrangeiros da Rio-92: 1. Todo amazônida tem direito ao pleno uso, gozo e fruição dos seus recursos naturais existentes na área, desde que o faça de modo não destrutivo. Fica estabelecido o seu direito à subsistência, liberdade de escolha, livre iniciativa, trabalho produtivo e justiça social, e resguardada a sobrevivência das gerações futuras, e ao convívio harmonioso com a natureza. 2. Todo amazônida tem direito a uma existência digna livre de quaisquer constrangimentos, injustiças e outras formas coercitivas que limitem o exercício de seus direitos de cidadania. 3. Todo amazônida tem o direito de usufruir os produtos da floresta, cuja venda, a preços justos, lhe permita um padrão de

vida digno. 4. Todo amazônida tem o direito de utilizar os recursos pesqueiros de forma autossustentada, para garantir a alimentação de sua família, a elevação de seu padrão de vida e o exercício de atividade empresarial. 5. Todo amazônida tem o direito – nas zonas apropriadas – de se beneficiar dos bens minerais existentes na região, dos recursos hídricos para transporte e geração de energia elétrica, do uso de terras para fins agrícolas e para formação de campos de criação. 6. Todo amazônida tem o dever de proteger os recursos naturais florestais, hídricos e terrestres, de forma a garantir o desenvolvimento econômico e social equilibrado, conservando-os e preservando-os para as gerações atuais e futuras. 7. Todo amazônida tem o dever de resguardar as florestas nacionais, parques nacionais, estações ecológicas, reservas biológicas, santuários de vida silvestre, monumentos cênicos e sítios arqueológicos. 8. Todo amazônida tem o dever de exigir proteção às populações indígenas, assegurando-lhes a demarcação e posse de suas terras e manutenção de sua identidade cultural. 9. Todo amazônida tem o dever de lutar pelos seus direitos à saúde, educação, transporte, obras de infraestrutura que permitam o desenvolvimento individual e de suas comunidades. 10. Todo amazônida tem o dever de reagir contra toda e qualquer forma de intervenção internacional que implique o constrangimento à soberania brasileira, sem embargo ao reconhecimento à cooperação internacional, legítima e bemintencionada, para a promoção da defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentado da Amazônia.

Samuel Benchimol

22. A AMAZÔNIA DIANTE DO MUNDO E DO BRASIL E considerável a ressonância que os problemas ambientais causam hoje em todo o mundo civilizado, já que as nações industrializadas passaram a ter consciência tardiamente culposa dos danos que as exigências de seu progresso e desenvolvimento a qualquer custo causaram à natureza. E por isso que na Europa e nos Estados Unidos surgem a cada novo dia verdadeiras legiões de autodeclarados especialistas em ecologia, de bem-intencionados proclamadores de frases feitas ou de obviedades patéticas, de cavaleiros andantes embarcados em cruzadas pretensamente nobilitantes, à sombra de verdes flâmulas. Todos eles, de um modo ou de outro, elegeram como a nova Terra Sagrada a última reserva natural contínua da Terra, que é a Amazônia – onde sua missão será de resgatar, pola ley e pola grey, o Santo Graal das mãos dos hereges (ou incompetentes) que o detêm. Atribuindo-lhe a característica de pulmão do mundo, esses adventistas da salvação universal defendem a tese da internacionalização da área, supostamente a fim de preservá-la de predatória exploração por parte dos países onde ela se localiza, muito embora fechem os olhos para o fato de que vivem e trabalham em sociedades altamente poluidoras, elas, sim, responsáveis pela deterioração, em escala global, dos níveis de habitabilidade do planeta. Por outro lado, os países de cujos territórios a Amazônia faz parte, oscilam entre o compreensível e justificável desejo de desentranhar desse mundo verde as incalculáveis riquezas que ele contém, colocando-as a serviço de seu futuro, de seus legítimos interesses e direitos, e o temor de, ao fazê-lo, contribuir para irreversível comprometimento do próprio futuro da humanidade. E um dilema paralisante, que a ninguém serve, e muito menos às nações amazônicas. Para rompê-lo, e enfrentar de modo a um só tempo pragmático, conservacionista e moralmente correto, o desafio que o desenvolvimento adequado da Amazônia coloca diante de nós, brasileiros, que temos ingerência direta sobre a maior parte da área, Samuel Benchimol nos oferece este livro luminoso e exemplar. Ninguém, em qualquer tempo, conhece mais da Amazônia Brasileira em seus aspectos socioeconômicos do que ele, segundo afirmava, com razão, mestre Gilberto Freyre. Pois é exatamente isso o que ele demonstra aqui: deixando de lado mitos e lendas, bem como arroubos românticos de nacionalismo demagógico, ele nos dá com admirável clareza uma análise científica e idônea da região e de seus problemas reais, uma sugestão prática sobre a melhor forma de torná-la socialmente útil sem que se comprometa sua integridade ecológica, e, criativamente, propõe a ideia da instauração de um imposto internacional ambiental que, sendo aprovada, universaliza responsabilidades conservacionistas sem nenhum comprometimento de soberania. Ênio Silveira

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