Quarta-feira, 28/10/2009. A febre passageira A febre voltara tão alta. Ela fechou os olhos e engoliu em seco, deixando a cabeça rolar de uma ponta a outra do travesseiro. Então todas as janelas foram abertas e o céu avistado. Seu corpo doía; soltou um gemido com os lábios entreabertos: o mundo parecia tão pequeno para ela. Na verdade, sentia o mundo arder na febre forte de seu corpo ― Quando foi que ele entrara? Talvez tenha confundido com algum comprimido e, simplesmente, mandara-o para dentro, sem água ou qualquer outra coisa. E pela janela de vidro aberta, ela via as nuvens gordas brancas flácidas que, em seu delírio febril, não eram nada mais do que sua respiração condensada. Então sorriu, orgulhosa, porque só de existir biologicamente ela já produzia coisas tão bonitas de se ver ― "Eu, fábrica de nuvens" pensou, provocando a ira do pequeno grilo verde que morava nas florestas de sua consciência. O grilo já havia advertido sobre os perigos de pensar em si mesmo como uma fábrica. Então, ele começou a grigrilar na cabeça dela, enchendo-a de "cri, cri, cri, cri, cri, cri, criança não creia completamente com certeza" enquanto pulava. Ela ainda olhava através do vidro ― nem percebera que fora fechado ―, as nuvens tão bonitas só estando lá no céu, só sendo simples e bonitas, só para chover. A febre era muito alta, o grilo grigrilava conselhos e as nuvens continuavam só estando algumas coisas, enquanto ela via o mundo através da janela ― ora aberta, ora fechada. Ela com os olhos dilatados e brilhantes, daquele brilho febril e vidrado dos loucos, sabia que quando passasse a febre, teria que fazer algo para recuperá-la (mesmo que parcialmente). Porque jamais estaria tão consciente, quanto estava agora. Marina F. Rocha www.mariseoceanos.blogspot.com