Introdução à edição brasileira
A publicação de um manifesto libertário no Brasil é mais um sinal de dois desdobramentos animadores: o contínuo processo de aproximação entre os povos e a disseminação mundial de ideias de paz e liberdade depois de um século de guerra e estatismo. Pode parecer que este livro está chegando ao Brasil inoportunamente, num momento em que as pessoas, do presidente da França a Prêmios Nobel de Economia, estão proclamando o fim do laissez-faire. Um intelectual de centro-esquerda americano chegou a exultar-se com o “fim do libertarismo”. Esses críticos são míopes. A ideia do libertarismo, da liberdade sob a lei, é agora mais necessária do que nunca. Depois da crise econômica que se iniciou no fim de 2008, nossa primeira tarefa é entender a própria crise e suas causas. Trata-se de uma crise causada por regulamentação, subvenção e intervencionismo, e não será resolvida com a manutenção das mesmas políticas. Christopher Hitchens estava com a razão quando escreveu: “Há muitas causas para o show de horrores do mercado obrigacionista e de derivativos que destruiu nossa confiança na ideia de crédito, mas uma forma de definir isso seria dizer que se prometeu tudo a todos, e quase todo mundo mordeu a isca populista”. A economia americana é frequentemente vista ao redor do mundo como um modelo laissez-faire, e realmente sua relativa abertura econômica e ausência de regulamentação tornaram os Estados Unidos um líder em matéria de inovação, crescimento e prosperidade. Mas foi o distanciamento do laissez-faire que precipitou a crise. O comitê do Banco Central dos Estados Unidos, o Federal Reserve Board, usou seu poder para manter baixas as taxas de juros e criar dinheiro barato, encorajando um aumento na compra de imóveis e uma bolha nos preços da habitação. O governo federal pressionou os bancos e as companhias hipotecárias a emprestar dinheiro a mutuários inaptos. “Prometeu-se tudo a todos” — dinheiro barato, empréstimos fáceis e preços de imóveis em alta. E, quando todas as contas foram apresentadas de uma vez só, em vez de permitir que negócios fracassados ruíssem, o governo federal entrou em cena para 7
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manter todas as empresas em atividade. Essa é a política econômica de um estado corporativista, e não de um governo libertário. Se essa crise nos leva a questionar o “capitalismo à americana” — o tipo no qual uma autoridade monetária central manipula o dinheiro e o crédito, o governo central tributa e redistribui 3 trilhões de dólares por ano, enormes empresas patrocinadas pelo governo criam um duopólio assegurado pelo dinheiro do contribuinte no negócio de hipotecas, as leis tributárias encorajam o uso excessivo do financiamento de dívidas e o governo pressiona os bancos a fazer maus empréstimos — bem, esse é um “capitalismo à americana” que vale a pena questionar. O libertarismo pede liberdade e responsabilidade, livres mercados, liberdades civis e um governo mínimo, que não se meta em nossas salas de reunião nem em nossas salas de estar. Obviamente o libertarismo não estava na pauta do governo Clinton, nem na do governo Bush. Na esteira da crise, os americanos elegeram um novo presidente, alguém que proclama que “nossa salvação individual depende da salvação coletiva”, propõe um extenso plano para o controle, por parte do governo, da saúde, educação, energia, finanças e da remuneração de executivos, entre outras coisas. Muitos observadores acreditam que a eleição de Obama marca uma guinada da opinião americana para a esquerda, uma rejeição à “revolução Reagan” e às ideias mais monarquistas que passaram por uma revigoração no fim dos anos 1970. Mas isso talvez seja uma extrapolação exagerada de uma mudança de maré eleitoral. A eleição de 2008 é mais bem vista como uma rejeição a George W. Bush e suas políticas fracassadas. Na verdade, muitos libertários americanos sentem que, embora o Partido Republicano houvesse prometido menos governo, trouxe mais — um enorme aumento nos gastos públicos, expansão dos direitos sociais, intrusões nas liberdades pessoais, restrições às liberdades civis, aumento do poder do presidente, além de uma guerra desnecessária. Ao fim de seu primeiro ano no cargo, não só a popularidade de Obama estava em queda como seus programas se tornaram ainda menos populares. Os Estados Unidos conseguiram ter um governo maior como resultado da crise financeira e da eleição de 2008, mas ainda não está claro se houve uma verdadeira mudança ideológica na opinião pública. Tanto o sistema capitalista quanto a ideia do libertarismo vão ter mais durabilidade do que seus críticos gostariam. Houve uma época em que metade do mundo rejeitava o capitalismo, e os líderes intelectuais do “mundo livre” temiam que as economias de planejamento centralizado fossem obviamente superar os países capitalistas e que a “convergência” para algum tipo de modelo metade capitalista, metade socialista seria a onda do futuro. Mas, depois que o mundo viu os resultados dos dois sistemas nas Alemanhas Oriental e Ocidental, nas Coreias do Norte e do Sul, em Hong Kong e Taiwan e na China, nos Estados Unidos e na União Soviética, ficou claro que o
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socialismo é uma receita grosseira e retrógrada de estagnação, no melhor dos casos, e de tirania, no pior. Enquanto isso, as economias parcialmente planejadas do Ocidente — Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Estados Unidos, além de outras — desenvolveram uma versão mais branda de esclerose econômica. A partir dos anos 1970, muitos desses países começaram a eliminar controles de preços, suspender restrições à concorrência de mercado, abrir a economia, cortar índices de tributação e reduzir barreiras comerciais. Passou a ser amplamente reconhecido — eventualmente em ambos os lados da Cortina de Ferro — que a propriedade privada e os mercados são indispensáveis à organização de uma economia moderna. Uma revolução cultural quase simultânea trouxe abertura à sociedade. Mulheres, minorias raciais e homossexuais ganharam aceitação na sociedade em todo o mundo ocidental. A arte, a literatura e os estilos de vida se tornaram mais diversificados e individualizados. As décadas de 1960 e 1980 nos levaram àquilo que Brink Lindsey em The Age of Abundance [A era da abundância] chamou de “a síntese libertária implícita” dos Estados Unidos hoje. Algumas pessoas veem um futuro com governos cada vez mais poderosos. Outras o veem com mais liberdade. Os editores Nick Gillespie e Matt Welch, da revista Reason, escreveram: “Estamos, na verdade, vivendo na crista do que deveria ser chamado de Momento Libertário, o amanhecer (...) de uma era cada vez mais hiperindividualizada, de escolhas hiperexpandidas em cada aspecto de nossa vida (...). Este de agora é um mundo no qual é mais possível do que nunca que cada um viva a vida em seus próprios termos; é um primeiro rascunho da “utopia das utopias” do filósofo libertário Robert Nozick. (...) Este novo século do indivíduo, que comparativamente faz a Década do Eu parecer marcadamente comunitária, terá implicações de vasto alcance onde quer que pululem indivíduos reunidos no comércio, na cultura ou na política. Gillespie e Welch fazem o libertarismo, ou liberalismo, parecer um fenômeno muito próprio do século XXI. Mas as ideias de direitos individuais e de governo limitado são muito mais distintas e antigas do que isso. Como mostra este livro, suas raízes podem ser encontradas nos escritos do filósofo chinês Lao-tsé e na Bíblia, especialmente no aviso de Deus ao povo de Israel sobre a natureza de um governo. E essas ideias podem ser encontradas também na história de Portugal e do Brasil. No fim do século XVI, a Universidade de Coimbra, em Portugal, abrigava um grupo de professores jesuítas conhecidos como conimbricenses, que eram os líderes intelectuais do mundo católico. Estudiosos como Francisco Suarez e Luís de Molina contribuíram para o corpo de pensamento econômico e ético que se tornou mais conhecido como a Escola de Salamanca. Sua ênfase na dignidade e
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liberdade do indivíduo, na importância da propriedade privada, no livre-comércio e na moeda forte, na imoralidade da escravidão e no consentimento dos governados se fundamentava na teologia católica e nos escritos de São Tomás de Aquino e pressagiavam muito do liberalismo moderno. Os principais movimentos brasileiros na primeira metade do século XIX compartilhavam os mesmos valores liberais que haviam guiado os revolucionários americanos. No início do século, homens como José da Silva Lisboa e Bernardo Pereira de Vasconcelos defenderam a causa do livre-comércio e da liberdade política, que eventualmente levaria à independência do Brasil em 1822. Após a independência brasileira, os partidos que outrora lutaram por um objetivo comum se separaram em diferentes facções e grupos ideológicos. Havia, porém, um consenso sobre a superioridade da liberdade pessoal entre republicanos, constitucionalistas e defensores do governo representativo em geral, contra seus oponentes, chamados por eles de servis ou corcundas (dada sua disposição a se curvar perante o poder). O ideal republicano levou Frei Caneca a contestar a legitimidade do imperador D. Pedro I ao escrever ele próprio a Constituição de 1824. Segundo Caneca, caberia ao povo brasileiro compor o pacto social que deveria defender e sustentar “a vida dos cidadãos, sua liberdade, sua propriedade”. Mesmo seus opositores, na linha de José Bonifácio de Andrada e Silva, defendiam uma monarquia constitucional, por julgar que ela preservaria mais adequadamente as liberdades dos brasileiros. Os esforços desses brasileiros da primeira metade do século XIX prepararam o terreno para o progresso econômico e cultural do país. Mas uma minoria significativa de brasileiros teria que esperar até o fim do século para gozar de algum tipo de liberdade pessoal. A escravidão foi abolida somente em 1888, depois de uma longa e incansável luta abolicionista cujos líderes tinham o exemplo de outros países da América a inspirá-los. Joaquim Nabuco foi talvez o mais eloquente deles. Seu livro Abolicionismo inclui estas palavras comoventes que devem inspirar libertários de toda parte: “Eduquem os seus filhos, eduquem-se a si mesmos, no amor da liberdade alheia, único meio de não ser a sua própria liberdade uma doação gratuita do destino e de adquirirem a consciência do que ela vale e coragem para defendê-la”. O libertarismo é às vezes percebido como uma filosofia radical. E de fato ele é, de algumas formas: tanto rejeita como tem combatido, alternadamente, o absolutismo, o comunismo, o fascismo, o nacional-socialismo, o estatismo corporativista, a teocracia e cada forma de tirania sobre a mente do homem. Os libertários defendem uma visão radical e coerente de direitos individuais e governo estritamente limitado que eliminaria a maior parte do estado moderno, mesmo em democracias de economia mista. Mas, em um sentido mais amplo, o libertarismo é a filosofia fundamental do mundo moderno: liberdade, igualdade, empreendedorismo, estado
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de direito, governo constitucional. Essas ideias se tornaram tão lugar-comum, que nós esquecemos quão radicais elas foram em outros tempos. Os libertários querem aplicar esses princípios mais coerentemente do que os seguidores de outras ideologias. Mas poucas pessoas no mundo moderno desejariam rejeitar inteiramente as ideias libertárias. As mais fortes tendências do mundo refletem valores libertários. O comunismo está praticamente extinto, e o preocupante crescimento do socialismo de estado na América Latina vem sendo cada vez mais combatido pela sociedade civil latino-americana. A Europa Oriental está lutando para construir sociedades baseadas em direitos de propriedade, mercados e estado de direito. Qualquer observador honesto em todo o mundo desenvolvido pode ver que os estados de bem-estar social da classe média são insustentáveis e terão que ser radicalmente reformados. A revolução da informação está fortalecendo indivíduos e pequenos grupos e enfraquecendo a autoridade do poder centralizado. Talvez mais importante, a globalização cada vez maior do mundo significa que países que querem prosperar terão que adotar um modelo econômico descentralizado, livre de regulamentações e orientado para o mercado. Não se podem evitar mercados mundiais no século XXI; ou, se isso se der, corre-se o risco de ser excluído do crescimento econômico fenomenal que os mercados globais e o desenvolvimento tecnológico trarão. Uma razão, portanto, pela qual os leitores brasileiros devem se interessar pelo libertarismo é muito simples e prática: essas são as ideias que impelem o mundo moderno, e é preciso conhecê-las. A outra razão é que o libertarismo oferece a cada país a promessa de paz, crescimento econômico e harmonia social. Espero que os leitores brasileiros se unam aos libertários ao redor do mundo na luta para restringir o poder do estado e libertar indivíduos, famílias, associações e empresas. David Boaz
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Capítulo 1
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libertarismo é a visão de que cada pessoa tem direito a viver sua vida da maneira que decidir, contanto que respeite os mesmos direitos de outros. (Ao longo deste livro, vou me referir a indivíduos em geral utilizando pronomes masculinos: “ele”, “eles” etc.; exceto se o contexto indicar o contrário, devem ser entendidos como se referindo conjuntamente a homens e mulheres.) Os libertários defendem o direito de cada um à vida, liberdade e propriedade — direitos naturais de todo indivíduo, anteriores à criação de governos. Na visão libertária, todas as relações humanas devem ser voluntárias; as únicas ações que devem ser proibidas por lei são as que envolvem o uso da força contra indivíduos que não a usaram — ações como assassinato, estupro, roubo, sequestro e fraude. A maior parte das pessoas costuma acreditar nesse código de ética e o adotam em sua vida. Os libertários acreditam que o código deve ser aplicado uniformemente — e, em especial, que deve ser aplicado tanto às ações do governo quanto às dos indivíduos. O governo deve existir para garantir direitos, para nos proteger daqueles que podem usar a força contra nós. Quando os próprios governos empregam a força contra pessoas que não violaram os direitos dos outros, são eles que se tornam os violadores. Portanto, os libertários condenam ações governamentais como a censura, o recrutamento militar, o controle de preços, o confisco de propriedade e a regulamentação de nossa vida pessoal e econômica. Colocada tão assertivamente, a visão libertária pode soar como algo sobrenatural, como uma doutrina aplicável a um universo de anjos que nunca existiu nem existirá. Não seria melhor, no mundo caótico e frequentemente desagradável em que vivemos, que os governos realizassem muito? Mas eis a surpresa: a resposta é não. Na verdade, quanto mais caótico e moderno é o mundo, melhor funciona o libertarismo, em comparação, por exemplo, com o monarquismo, as ditaduras e mesmo com o estado de bem-estar social no estilo do pós-guerra americano. O despertar político dos Estados Unidos hoje é, sobretudo, a percepção de que o libertarismo não é uma relíquia do passado. É uma filosofia — mais ainda, um plano prático — para o 13
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futuro. Na política americana, é o que há de mais arrojado; não um retrocesso, mas uma vanguarda. O pensamento libertário é tão difundido hoje, e o governo americano, tão inchado e ridículo, que os dois escritores mais engraçados dos Estados Unidos são libertários. P. J. O’Rourke resumiu sua filosofia política da seguinte maneira: “Dar dinheiro e poder ao governo é como dar uísque e as chaves do carro a um adolescente”. Dave Barry entende o governo com tanta clareza quanto Thomas Paine: “A melhor forma de entender tudo isso é olhar o que o governo faz: toma dinheiro de algumas pessoas, fica com uma boa parte, e dá o resto a outras”. O libertarismo é uma filosofia antiga, mas sua estrutura de liberdade sob a lei e o progresso econômico o torna particularmente adaptável ao mundo dinâmico que adentramos agora — chame-se ele Era da Informação, Terceira Onda ou Terceira Revolução Industrial.
O ressurgimento do libertarismo
Alguns leitores talvez se perguntem por que o povo de um país de maneira geral livre e próspero como os Estados Unidos precisaria adotar uma nova filosofia de governo. Não estamos nos saindo razoavelmente bem com nosso atual sistema? De fato, temos uma sociedade que trouxe uma prosperidade sem precedentes a um número de pessoas maior do que em qualquer época. Porém enfrentamos problemas — de altos tributos a más escolas, de tensões raciais à destruição do meio ambiente — com os quais nossa atual abordagem não está lidando adequadamente. O libertarismo tem a solução para esses problemas, como tentarei demonstrar. Por ora, ofereço três razões pelas quais o libertarismo é a solução certa para os Estados Unidos. Em primeiro lugar, não somos nem de longe tão prósperos quanto poderíamos ser. Se a economia estivesse crescendo à taxa que cresceu de 1945 a 1973, o Produto Interno Bruto seria 40% maior do que é. Mas essa comparação não dá a medida real dos danos econômicos que o excesso governamental está nos causando. Em um mundo de mercados globais e mudanças tecnológicas cada vez mais aceleradas, não deveríamos estar crescendo à mesma taxa que há quarenta anos, mas sim mais rápido. Mais confiança nos mercados e mais empreendimentos individuais trariam maior riqueza para todos nós, o que é particularmente importante para os que hoje são mais pobres. Em segundo, nosso governo se tornou poderoso demais e ameaça cada vez mais nossa liberdade — como disseram aos perplexos entrevistadores aqueles 52% de americanos. O governo tributa demais, regula demais, interfere demais. De Jesse Helms a Jesse Jackson, os políticos procuram impor seu próprio sistema moral a 250 milhões de americanos. Episódios como o ataque aos adventistas davidianos, as execuções de Vicki Weaver e Donald Scott, o espancamento de Rodney King e as
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tentativas cada vez mais frequentes do governo de confiscar propriedades privadas sem processos judiciais nos fazem temer um governo fora de controle e nos lembram da necessidade de restabelecer limites mais estritos ao poder. Em terceiro lugar, em um mundo de mudanças rápidas, em que todo indivíduo terá acesso sem precedentes à informação, burocracias centralizadas e regulamentações coercitivas não poderão acompanhar a economia real. A existência de mercados capitais globais significa que os investidores não se tornarão reféns de governos nacionais e seus sistemas tributários confiscatórios. Novas oportunidades de teletrabalho significam que cada vez mais trabalhadores poderão escapar aos tributos altos e outras políticas governamentais intrusivas. As nações prósperas no século XXI serão aquelas que atraírem pessoas produtivas. Precisamos de um governo limitado para abrir as portas para um futuro sem limites. O século XX foi o século do poder do estado, de Hitler e Stalin aos estados totalitários além da Cortina de Ferro, das ditaduras em toda a África ao estado de bem-estar social burocratizado da América de Norte e da Europa Ocidental. Muitos presumem que, à medida que o tempo passa e o mundo se torna mais complexo, os governos se tornam naturalmente maiores e mais poderosos. No entanto, o século XX foi sob muitos aspectos um desvio do curso de 2.500 anos de história do mundo ocidental. Desde o tempo dos gregos, a história do Ocidente foi em grande parte uma história de crescente liberdade, com um papel cada vez mais limitado para governos coercitivos e arbitrários. Desde o final do século XX, há sinais de que estamos retomando o caminho da contenção do governo e aumento da liberdade. Com o colapso do comunismo, quase não restou apoio ao planejamento central. Países do Terceiro Mundo estão privatizando indústrias estatais e liberando mercados. Com a prática do capitalismo, os países da costa do Pacífico foram da pobreza à liderança econômica mundial em uma geração. Nos Estados Unidos, o leviatã burocrático é ameaçado pelo ressurgimento das ideias libertárias sobre as quais o país foi fundado. Somos testemunhas de um colapso de todas as crenças celebradas do estado de bem-estar social. Os americanos assistiram à falência dos estados intervencionistas. Nos anos 1960, aprenderam que governos entram em guerras impossíveis de vencer, espionam seus opositores domésticos e mentem a esse respeito. Nos anos 1970, aprenderam que a administração da economia pelo governo leva a inflação, desemprego e estagnação. Nos anos 1980, aprenderam que o custo e as intromissões do governo crescem mesmo com uma sucessão de presidentes que se candidatam com a promessa de mudar a situação. E, a partir dos anos 1990, os americanos estão prontos para aplicar essas lições, fazendo do século XXI o século não do estado, mas do indivíduo livre. Essas mudanças apresentam duas raízes principais. Uma é o crescente reconhecimento ao redor do mundo da tirania e ineficiência inerentes ao planejamento estatal. A outra é o crescimento de um movimento político centrado em ideias,
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particularmente as do libertarismo. Como escreveu E. J. Dionne Jr. em Why Americans Hate Politics [Por que os americanos detestam política] O ressurgimento do libertarismo foi um dos menos notados e mais notáveis acontecimentos dos últimos anos. Durante os anos 1970 e 1980, sentimentos antibélicos, antiautoritários, antigovernamentais e antitributários se juntaram para reanimar uma tendência política há muito estagnada.
Por que o renascimento libertário neste momento? A principal razão é que as alternativas ao libertarismo — o fascismo, o comunismo, o socialismo, o estado de bem-estar social — foram todas tentadas no século XX e não produziram paz, prosperidade nem liberdade. O fascismo, como exemplificado pela Itália de Mussolini e pela Alemanha de Hitler, foi o primeiro a cair. Sua centralização econômica e coletivismo racial soam agora repulsivos para qualquer pessoa civilizada, o que talvez nos faça esquecer que antes da Segunda Guerra Mundial muitos intelectuais americanos admiravam as “novas formas de organização econômica na Alemanha e na Itália”, conforme matéria da revista Nation publicada em 1934. O horror mundial diante da Alemanha nacional-socialista ajudou a produzir não somente o movimento dos direitos civis, mas prenúncios do renascimento libertário como The God of the Machine [O deus da máquina], de Isabel Paterson, e O caminho da servidão, de Friedrich A. Hayek. Outro grande sistema totalitário do século XX foi o comunismo, conforme delineado por Karl Marx e implementado na União Soviética e seus satélites. O comunismo preservou seu apelo perante os idealistas por muito mais tempo do que o fascismo. Até pelo menos as revelações dos expurgos de Stalin, nos anos 1950, muitos intelectuais americanos viam o comunismo como uma tentativa nobre, embora por vezes excessiva, de eliminar as desigualdades e a “alienação” do capitalismo. Mesmo lá adiante, nos anos 1980, alguns economistas americanos continuavam a elogiar a União Soviética pelo seu suposto crescimento econômico e eficiência — até o momento do colapso, na verdade. Quando o comunismo implodiu subitamente, em 1989-1991, os libertários não ficaram surpresos. O comunismo, já se vinha dizendo havia anos, era não somente inimigo da liberdade e dignidade humanas, mas também arrasadoramente ineficiente, e sua ineficiência apenas pioraria com o tempo, enquanto o mundo capitalista progredia. O colapso do comunismo teve um profundo impacto no panorama ideológico do mundo inteiro: praticamente eliminou o socialismo já desenvolvido do debate entre as ideologias. Hoje é evidente que o estatismo total é um completo
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desastre, que leva um número cada vez maior de pessoas a se perguntar por que qualquer sociedade iria querer implementar um pouco de socialismo se pleno ele é tão catastrófico. Mas e os estados de bem-estar social do Ocidente? As batalhas ideológicas restantes podem ter um escopo relativamente estreito, mas ainda são importantes. O governo não deveria equilibrar o mercado? Os estados de bem-estar social não são mais humanos do que seriam os estados libertários? Embora a Europa Ocidental e os Estados Unidos jamais tenham tentado implantar o socialismo completo, essas preocupações causaram um aumento dramático do controle governamental sobre a vida econômica das pessoas ao longo do século XX. Os governos europeus nacionalizaram mais indústrias e criaram mais monopólios estatais do que os Estados Unidos; companhias aéreas, empresas de telefonia, minas de carvão, siderúrgicas, fábricas de automóveis e estações de rádio e televisão estiveram entre as principais indústrias que nos Estados Unidos eram geralmente privadas e na Europa Ocidental, estatais. Os países europeus também estabeleceram, mais cedo e com maior abrangência, programas de benefícios que acompanhavam a população por toda a vida. Nos Estados Unidos, poucas indústrias foram nacionalizadas (entre elas as ferroviárias Conrail e Amtrak), mas a regulamentação e a restrição de escolhas econômicas cresceram por todo o século. E, embora não tenhamos criado exatamente um sistema de “segurança social” como fizeram os europeus, temos transferências de renda que vão do programa Women, Infants, and Children ao Head Start, de empréstimos para financiamento do ensino superior ao salário-desemprego, da Previdência Social (Social Security) ao Medicare — um belo começo para um acompanhamento vitalício por parte do governo. No entanto, hoje, em todo o mundo desenvolvido, os estados de bem-estar social estão perdendo força. Os níveis de tributação necessários para sustentar os colossais programas de transferência de renda estão mutilando as economias do Ocidente. A dependência do governo tirou valor da família, do trabalho e da temperança. Da Alemanha à Suécia e à Austrália, as promessas do estado de bem-estar social já não podem ser mantidas. Nos Estados Unidos, a Previdência Social começará a incorrer em déficit em 2017 e estará sem dinheiro em 2041. Alguns economistas calculam que um americano nascido em 1975 teria que pagar 82% de sua renda em tributos para manter ativos os programas de benefícios do governo. Essa é a razão pela qual muitos jovens estão hesitando diante da perspectiva de trabalhar durante a maior parte de sua vida para arcar com programas de transferência de renda que de qualquer jeito acabarão indo à falência. Uma pesquisa de 1994 mostrou que 63% dos americanos entre 18 e 64 anos não acreditam que a Previdência Social ainda existirá quando eles se aposentarem; os jovens creem mais em Óvnis (46%) do que na Previdência Social (28%).
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Abandonar o estado de bem-estar social será um problema político-econômico complicado, mas cada vez mais pessoas — não só nos Estados Unidos — reconhecem que o estado intervencionista à moda ocidental está passando por uma versão em câmera lenta do colapso do comunismo. O crescimento econômico desacelerou dramaticamente nos Estados Unidos e na Europa no início dos anos 1970. Várias explicações foram oferecidas para esse fenômeno; a mais convincente, eu diria, é que a carga tributária e a regulamentação aumentaram substancialmente ao longo dos anos 1960. O número de páginas do Registro Federal (Federal Register), onde se imprimem as novas regulamentações, dobrou de 1957 a 1967 e triplicou entre 1970 e 1975. A Grã-Bretanha, que tinha tributos mais altos e era mais socialista do que os Estados Unidos, sofreu ainda mais. No século XIX, era o país mais rico do mundo, mas nos anos 1970 sua estagnação econômica e mal-estar nacional eram conhecidos em todo o mundo como a “doença britânica”. Esse tipo de problema levou à eleição de Margaret Thatcher ao cargo de primeiraministra da Grã-Bretanha em 1979 e Ronald Reagan ao de presidente dos Estados Unidos em 1980. Thatcher e Reagan eram diferentes dos líderes anteriores de seus respectivos partidos. Mais do que administrar o estado de bem-estar social um pouco mais eficientemente do que os Partidos Trabalhista e Democrata, eles prometeram fazer recuar o socialismo no Reino Unido e os altos tributos nos Estados Unidos. Seus programas não eram, de forma alguma, consistentemente libertários, mas a eleição desses candidatos indicou que os eleitores estavam cada vez mais desconfortáveis com o fardo econômico de um governo inchado. Infelizmente, nem Reagan nem Thatcher, apesar da extensão de seus mandatos, fizeram muito para reduzir o crescimento do estado de bem-estar social. É verdade que Thatcher privatizou um bom número de indústrias nacionalizadas, incluindo a British Airways, a companhia telefônica, as habitações públicas e a fábrica de automóveis Jaguar. Mas fez poucos avanços contra o “estado de direito” da classe média, e os gastos do governo como parte do Produto Nacional Bruto não diminuíram. Reagan conseguiu talvez ainda menos na área econômica. Reduziu o imposto de renda, mas aumentou os impostos sobre a massa salarial para preservar a pedra angular do estado de bem-estar social, a Previdência Social. A percentagem da renda nacional gasta em pagamentos de programas de transferência de renda continuou aumentando. Nos anos 1980, surgiram algumas evidências de que um país levaria à falência o estado de bem-estar social para tornar possível uma reforma. A maior história de sucesso não era a Grã-Bretanha de Thatcher ou os Estados Unidos de Reagan, mas a Nova Zelândia, cujo estado corporativista e paternalista havia quebrado. Ironicamente, foi o governo trabalhista do primeiro-ministro David Lange e do ministro das Finanças Roger Douglas que se desfez de tarifas prejudiciais aos negócios, reduziu tributos, moderou a assistência social da classe média e explorou ideias como a
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livre escolha de escolas na educação. Em relação a um índice mundial de liberdade econômica, a Nova Zelândia decolou de um sombrio 4,9 (em 10) em 1985 para 9,1, o terceiro mais alto do mundo, em 1995. O Chile e a Argentina, outros dois estados de bem-estar social particularmente extravagantes, também atingiram o fundo do poço e fizeram grandes reformas nos anos 1990. Como na Nova Zelândia, as reformas na Argentina vieram de uma fonte surpreendente: o presidente Carlos Menem, do Partido Peronista, que da década de 1940 à de 1970 havia implementado programas populares de assistência que levaram a Argentina da posição de um dos países mais ricos do mundo à de um país pobre e com um governo falido.
A desilusão com a política
A incapacidade dos governos ocidentais de cumprir suas promessas de prosperidade, segurança e justiça social — somada às não exatamente bem-sucedidas tentativas de reforma — levou a uma profunda desilusão com a classe política em todo o Ocidente. O historiador Paul Johnson escreveu em seu livro Tempos modernos: A desilusão com o socialismo e outras formas de coletivismo foi somente um dos aspectos de uma perda muito mais ampla da fé no estado como um agente da benevolência. O estado era o grande ganhador do século XX; e seu principal fracasso (...). Enquanto, no tempo do Tratado de Versalhes, a maior parte das pessoas inteligentes acreditava que um estado ampliado poderia aumentar a soma total de felicidade humana, nos anos 1980, essa visão não era adotada senão por um pequeno, decrescente e cabisbaixo bando de fanáticos. O experimento havia sido conduzido de inúmeras maneiras e falhou em quase todas elas. O estado demonstrou que era um gastador insaciável, sem rivais em seu desperdício. De fato, no século XX, também se revelou o maior assassino de todos os tempos.
Nos anos 1990, os líderes políticos de todos os grandes países do Ocidente haviam alcançado baixas de popularidade sem precedentes. Nos Estados Unidos, pode-se afirmar que a cada eleição presidencial desde 1968 os eleitores vêm escolhendo o candidato que parece oferecer mais perspectivas de um governo menor. No entanto, o maior e o mais complexo governo da história permaneceu praticamente inacessível ao desejo do povo de redução de seu tamanho e poder. (Note-se que não estou de maneira nenhuma afirmando que o governo americano é o mais opressivo de todos os tempos; longe disso. Penso, contudo, que é justo dizer que esse governo dispõe de mais recursos,
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confere mais favores e promulga mais regras e regulamentações do que qualquer outro.) A insatisfação pública vem sendo capturada pelas pesquisas do instituto Gallup, que regularmente investiga o nível de confiança das pessoas no governo federal. Desde 2001, o número vem caindo continuamente durante o governo de George W. Bush até alcançar uma das piores baixas de todos os tempos com Barack Obama em 2009. Michael Ledeen, do American Enterprise Institute, afirma que ao longo da Guerra Fria os eleitores ocidentais perceberam que tinham que ficar junto de suas classes dominantes para evitar um destino muito pior. Mas, nos anos 1990, “tendo caído a ameaça externa, as pessoas estão prontas para reclamar o controle de seu próprio destino”. Essas pessoas percebem, pelo menos intuitivamente, que a Era da Política não cumpriu suas promessas e estão preparadas para uma filosofia e um movimento políticos que possam explicar por que a política fracassou e o que pode vir a substituí-la.
Por que a política falha
Uma grande parte deste livro será dedicada ao exame dos problemas do governo coercitivo e da alternativa libertária. Ofereço aqui apenas uma breve introdução. O verdadeiro problema nos Estados Unidos é o mesmo observado em todo o mundo: governo demais. Quanto maior o governo, maior o fracasso; por isso o socialismo de estado foi a política mais obviamente fracassada. Como avisaram os libertários ao longo de todo o século XX, o socialismo, bem como outras tentativas de substituir a tomada de decisão individual por soluções governamentais, retirou a liberdade e a dignidade do indivíduo — o objetivo pelo qual se travaram tantas batalhas na civilização ocidental. O socialismo também enfrentava vários problemas políticos e econômicos incontornáveis: r O problema do totalitarismo, de que tamanha concentração de poder fosse um convite irresistível a abusar dele; r O problema do incentivo, da falta de estímulo para que os indivíduos trabalhassem muito ou com eficiência; r O menos entendido deles, o problema do cálculo, a incapacidade de um sistema socialista, sem preços ou mercados, alocar recursos segundo as preferências do consumidor. Durante décadas, economistas libertários como Friedrich A. Hayek e Ludwig von Mises insistiram em que o socialismo simplesmente não podia funcionar, que não tinha meios de utilizar eficazmente todos os recursos e conhecimentos de uma grande sociedade para servir aos consumidores. E no Ocidente, por décadas, os social-democratas menosprezaram esses argumentos, respondendo que não só o comunismo soviético continuava vivo, como sua economia estava crescendo mais rápido do que as economias ocidentais.
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Os social-democratas estavam errados. Embora a desastrada economia soviética pudesse produzir grandes quantidades de concreto e aço de baixa qualidade — pois praticava o que o filósofo de origem húngara Michael Polanyi chamou de “produção conspícua” — e até colocar homens no espaço, nunca conseguiu produzir nada que os consumidores quisessem. No fim da década de 1980, a economia soviética não tinha dois terços do tamanho da economia americana, como a CIA estimou; não fazia “uso total de sua mão de obra”, como o economista John Kenneth Galbraith, da Universidade Harvard, afirmou; não era “uma poderosa máquina de crescimento econômico”, como o livro-texto de Paul Samuelson, ganhador do Prêmio Nobel, disse a gerações de estudantes. Tinha, na verdade, mais ou menos 10% do tamanho da economia americana, em uma comparação tão aproximada quanto se pode fazer entre duas coisas tão díspares, e fazia um uso grosseiramente ineficiente da mão de obra soviética qualificada. Um fracasso na era industrial tornou-se um dinossauro na era da informação, um fato óbvio para qualquer um — exceto para os intelectuais ocidentais — que visitasse a União Soviética. A intervenção governamental na sociedade e nos mercados nos Estados Unidos sofre dos mesmos problemas, embora menos intensamente. O poder sempre corrompe, e o poder do governo de dizer às pessoas como viver sua vida ou de transferir o dinheiro que elas ganharam para outras é sempre uma tentação para ceder à corrupção. Tributos e regulamentações reduzem o estímulo para que as pessoas produzam riqueza, e os programas de transferência de renda do governo reduzem o incentivo ao trabalho, à poupança e a ajuda a amigos e familiares em caso de doença, incapacidade ou aposentadoria. E, embora os burocratas americanos não tenham cometido os mesmos erros grosseiros dos planejadores socialistas, de todo modo está claro que as empresas estatais são menos eficientes, menos inovadoras e mais perdulárias do que as empresas privadas. Compare-se o Correio dos Estados Unidos (United States Postal Service) com a Federal Express (FedEx). Ou compare-se a experiência de ligar para a American Express para resolver um problema e fazer a mesma coisa com a Receita Federal (Internal Revenue Service). Ou compare-se um condomínio privado com um conjunto habitacional do governo. As pessoas que não detêm a posse de uma propriedade não cuidam dela tão bem quanto se fossem seus donos; as pessoas que não investiram seu próprio dinheiro em uma empresa, e portanto não vão lucrar com ela, nunca vão inovar, servir a consumidores e cortar custos tão bem quanto empresários interessados em obter lucros. Em seu livro The Affluent Society [A sociedade afluente], Galbraith observou “a opulência privada e a esqualidez pública” — isto é, observou uma sociedade em que os recursos de propriedade privada são geralmente limpos, eficientes, bem mantidos e em contínua melhoria, enquanto os espaços públicos são sujos, lotados e pouco seguros — e chegou à estranha conclusão de que deveríamos carrear mais recursos para o setor público. Este livro sugere uma conclusão diferente.
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Escolhas políticas básicas
Durante séculos se vêm discutindo as questões básicas de política e governo. Segundo Aristóteles, os sistemas políticos possíveis seriam a tirania, a aristocracia, a oligarquia e a democracia. Em meados do século XX, as escolhas pareciam ser o comunismo, o fascismo e o capitalismo democrático. Hoje, todas essas escolhas caíram em descrédito, exceto o capitalismo democrático, e muitos intelectuais adotaram a proclamação do “fim da história” de Francis Fukuyama, que quer dizer que as grandes batalhas em torno de ideologias terminaram com o triunfo da democracia de economia mista. Já à época da publicação de seu livro, no entanto, o fundamentalismo islâmico estava despontando em uma parte do mundo, e alguns líderes políticos e intelectuais asiáticos começavam a desenvolver um argumento favorável a uma forma de capitalismo autoritário que eles chamavam de “valores asiáticos”. Em todo caso, o suposto triunfo da democracia ainda deixa muito espaço para ideologias concorrentes. Mesmo a identificação da “democracia” como alternativa ocidental para o fascismo e o socialismo é problemática. Os libertários, como o nome implica, acreditam que o valor político mais importante é a liberdade e não a democracia. Muitos leitores modernos talvez se perguntem: qual é a diferença? Liberdade e democracia não são a mesma coisa? Certamente o ensino-padrão da história americana poderia levar a essa concepção. Pondere-se, porém: a Índia é a maior democracia do mundo, e no entanto seu comprometimento com a liberdade de expressão e o pluralismo é fraco e seus cidadãos estão enredados em uma teia de regulamentações protecionistas que limitam sua liberdade a cada movimento. Nas últimas décadas, Hong Kong não foi uma democracia — seus cidadãos não têm o direito de votar em seus líderes —, no entanto, concedeu mais espaço às escolhas e à liberdade do indivíduo do que qualquer outro lugar no mundo. Há uma conexão entre liberdade e democracia, mas não há identidade. Como diz meu amigo Ross Levatter, se vivêssemos em uma sociedade em que o cônjuge de cada um fosse escolhido pela comunidade mediante o voto da maioria, viveríamos em uma democracia, mas não teríamos lá muita liberdade. Grande parte da confusão se origina nos dois sentidos diferentes da palavra “liberdade”, uma distinção notavelmente explorada no século XIX pelo libertário francês Benjamin Constant, em um ensaio intitulado “A liberdade dos antigos comparada à liberdade dos modernos”. Constant notou que para os escritores da Grécia Antiga a ideia de liberdade significava o direito de participar da vida pública, da tomada de decisões em favor de toda a comunidade. Atenas, portanto, era uma politeia livre porque todos os cidadãos — isto é, todos os atenienses homens, adultos e livres — podiam ir à arena e participar do processo decisório. De fato, o próprio Sócrates era livre porque pôde participar da decisão coletiva sobre sua execução por suas opiniões heréticas. O conceito moderno de liberdade, porém, enfatiza o direito do indivíduo
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de viver como desejar, de falar e praticar sua religião livremente, de possuir propriedades, de praticar o comércio, de estar a salvo de prisões ou detenções arbitrárias — nas palavras de Constant, “de ir e vir sem necessidade de permissão, sem ter que dar conta de motivos e propósitos”. Um governo baseado na participação dos governados é uma valiosa salvaguarda dos direitos individuais, mas a liberdade em si é o direito de tomar decisões e buscar objetivos de acordo com sua própria escolha. Para os libertários, a questão política básica é a relação do indivíduo com o estado. Que direitos (se há algum) têm os indivíduos? Que forma de governo (se houver) melhor protegerá esses direitos? Que poderes deve ter o governo? Que exigências poderão os indivíduos fazer uns aos outros por intermédio do mecanismo de governo? Como coloca Edward H. Crane, do Cato Institute, há somente duas maneiras básicas de organizar a sociedade: coercitivamente, por meio de ditames do governo, e voluntariamente, por meio das miríades de interações entre indivíduos e associações privadas. Todos os vários “ismos” políticos — monarquismo, oligarquismo, fascismo, comunismo, conservadorismo, liberalismo, libertarismo — se reduzem a uma única pergunta: quem decidirá sobre esse particular aspecto de sua vida? Você ou outra pessoa? É você que vai gastar o dinheiro que ganhar ou o Congresso? É você que vai escolher a escola para seus filhos ou uma junta escolar? É você que vai decidir que remédios tomar quando estiver doente ou será a FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos — Food and Drug Administration) em Washington? Em uma sociedade civil, é você que toma as decisões sobre sua vida. Em uma sociedade política, é outra pessoa que faz isso. E, como as pessoas naturalmente resistem a deixar que outros façam escolhas importantes por elas, a sociedade política é necessariamente baseada na coerção. Ao longo deste livro, vamos explorar as implicações dessa análise.
Principais conceitos do libertarismo
Com esse pano de fundo em mente, quero agora explicitar alguns dos principais conceitos do libertarismo abordados de modo recorrente neste livro. Essas ideias vêm se desenvolvendo por muitos séculos. Seus primeiros indícios podem ser encontrados na China, Grécia e Israel antigos; começaram a se desenvolver como algo semelhante à filosofia libertária moderna pelo trabalho de filósofos dos séculos XVII e XVIII, como John Locke, David Hume, Adam Smith, Thomas Jefferson e Thomas Paine.
Individualismo. Os libertários encaram o indivíduo como a unidade básica de análise social. Somente indivíduos fazem escolhas e são responsáveis por suas ações. O pensamento libertário enfatiza a dignidade de cada indivíduo, que gera
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tanto direitos quanto responsabilidades. A progressiva extensão da dignidade a mais pessoas — a mulheres, a pessoas de outras crenças e raças — é um dos grandes triunfos libertários do mundo ocidental. Direitos individuais. Por serem agentes morais, os indivíduos têm direito a sentir segurança em relação a sua vida, liberdade e propriedade. Esses direitos não são garantidos pelo governo ou pela sociedade; são inerentes à natureza do ser humano. É intuitivamente correto que os indivíduos gozem da segurança de tais direitos; o ônus da explicação deve ser daqueles que os restringem. Ordem espontânea. É necessário que haja um alto grau de ordem na sociedade para que os indivíduos sobrevivam e prosperem. É fácil presumir que a ordem devesse ser imposta por uma autoridade central, da forma como se organiza uma coleção de selos ou um time de futebol. O grande lampejo da análise social libertária foi o surgimento espontâneo da ordem na sociedade, a partir da atuação de milhares ou milhões de indivíduos que coordenam suas ações entre si de maneira a atingir seus propósitos. Ao longo da história, vimos optando gradualmente por mais liberdade e ainda conseguimos desenvolver uma sociedade complexa e intrincadamente organizada. As mais importantes instituições da sociedade humana — a língua, a lei, o dinheiro e os mercados —, todas, se formaram espontaneamente, sem orientação do centro. A sociedade civil — a complexa rede de associações e conexões entre as pessoas — é outro exemplo de ordem espontânea; as associações feitas no âmbito da sociedade civil se formam com um propósito, mas a sociedade civil em si não é uma organização e não tem um objetivo próprio. O estado de direito. O libertarismo não é libertinismo nem hedonismo. Não é a afirmação de que “todos podem fazer o que bem entenderem, e ninguém pode reclamar”. Na verdade, o libertarismo propõe uma sociedade de liberdade sob a lei, na qual os indivíduos são livres para se ocupar de sua própria vida contanto que respeitem os mesmos direitos de outros. Um estado de direito significa que os indivíduos são governados por regras legais desenvolvidas de modo espontâneo e genericamente aplicáveis, e não por ordens arbitrárias; e que essas regras devem proteger a liberdade dos indivíduos de buscar a felicidade à sua própria maneira, e não almejar algum propósito ou resultado em particular. Governo limitado. Para proteger direitos, os indivíduos formam governos. Mas o governo é uma instituição perigosa. Os libertários têm forte antipatia pelo poder concentrado, pois, como disse Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Querem, portanto, dividir e limitar o poder,
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o que significa em especial limitar o governo, geralmente mediante uma Constituição escrita, enumerando e limitando os poderes que o povo delega ao governo. Governo limitado é a implicação política básica do libertarismo, e os libertários apontam o fato histórico de que foi a dispersão de poder na Europa — mais do que em outras partes do mundo — que levou à liberdade individual e ao contínuo crescimento econômico. Mercados livres. Para sobreviver e prosperar, os indivíduos precisam desenvolver atividades econômicas. O direito à propriedade acarreta o direito de trocar propriedades por acordo mútuo. Os mercados livres são o sistema econômico dos indivíduos livres, e eles são necessários para criar riqueza. Os libertários acreditam que as pessoas serão mais livres e mais prósperas se a intervenção do governo nas escolhas econômicas das pessoas for minimizada. A virtude da produção. Muito do ímpeto pelo libertarismo no século XVII foi uma reação contra monarcas e aristocratas que viviam do trabalho produtivo de outras pessoas. Os libertários defenderam o direito das pessoas de manter os frutos de seu trabalho. Esse esforço desabrochou como respeito pela dignidade do trabalho e da produção, e especialmente pela classe média em expansão, que era desprezada pelos aristocratas. Os libertários desenvolveram uma análise de classe pré-marxista que dividia a sociedade em duas classes básicas: aqueles que produziam riqueza e os que a tomavam dos outros pela força. Thomas Paine, por exemplo, escreveu: “Há duas classes distintas de homens nas nações: os que pagam tributos e aqueles que os recebem e vivem deles”. Do mesmo modo, Jefferson escreveu em 1824: “Temos mais maquinário de governo do que é necessário, parasitas demais vivendo do trabalho dos industriosos”. Os libertários modernos defendem o direito das pessoas produtivas de preservar o que ganham com sua produção, protegendo-se de uma nova classe de políticos e burocratas que querem tomar seus ganhos e transferi-los para quem não produz. Harmonia natural de interesses. Os libertários acreditam que em uma sociedade justa há uma harmonia natural de interesses entre pessoas produtivas e pacíficas. Os planos individuais de uma pessoa — entre os quais está conseguir um emprego, começar um negócio, comprar uma casa, e assim por diante — podem conflitar com os planos de outros, de forma que o mercado faz com que muitos de nós mudemos os nossos. Mas todos prosperamos com o funcionamento do mercado livre, e não há nenhum conflito entre fazendeiros e comerciantes, manufatureiros e importadores. Somente quando o governo começa a distribuir recompensas com base em pressões políticas é que nos vemos envolvidos em conflitos coletivos, sendo obrigados a nos articular para competir com outros grupos por uma fatia do poder político.
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Paz. Os libertários sempre lutaram contra o antigo flagelo da guerra. Eles compreendiam que a guerra traz morte e destruição em grande escala, perturba a vida social e econômica e põe mais poder nas mãos da classe dominante — o que pode explicar por que os líderes nem sempre compartilham o sentimento pacifista do povo. Homens e mulheres livres, evidentemente, em muitas ocasiões já tiveram que defender suas sociedades de uma ameaça estrangeira; mas, ao longo da história, a guerra em geral foi um inimigo comum das pessoas produtivas e pacíficas em ambos os lados do conflito. Esses temas serão apresentados e desenvolvidos ao longo do livro. Neste ponto talvez seja apropriado admitir a provável suspeita do leitor de que o libertarismo seja exatamente a estrutura-padrão do pensamento moderno: individualismo, propriedade privada, capitalismo, igualdade sob a lei. De fato, depois de séculos de luta política e intelectual, às vezes violenta, esses princípios cardeais do libertarismo se tornaram a estrutura básica do pensamento político moderno e dos governos de hoje, pelo menos no Ocidente, e cada vez mais em outras partes do mundo. No entanto, três observações adicionais precisam ser feitas. Primeiro, o libertarismo não se limita apenas a esses princípios liberais generalizados. O libertarismo aplica esses princípios, plena e uniformemente, bem mais do que a maioria dos pensadores modernos e certamente mais do que qualquer governo moderno. Em segundo lugar, enquanto nossa sociedade permanece genericamente baseada em direitos iguais e capitalismo, todos os dias se criam novas exceções a esses princípios em Washington e outras capitais, como Albany, em Nova York, Sacramento, na Califórnia, e Austin, no Texas (para não falar em Londres, Bonn, Tóquio e outras). Cada nova diretriz do governo usurpa um pouco de nossa liberdade, e devemos pensar com cuidado antes de abrir mão de qualquer fração dela. Em terceiro lugar, a sociedade liberal é resiliente; suporta muitos golpes e continua a prosperar; mas não é infinitamente resiliente. Aqueles que alegam acreditar em princípios liberais mas advogam cada vez mais confiscos da riqueza gerada pelas pessoas produtivas, mais restrições à interação voluntária, mais exceções aos direitos de propriedade e à soberania da lei, mais transferência de poder da sociedade para o estado, involuntária e fatalmente acabam se envolvendo na ruína da civilização.
Esquerda ou direita?
No discurso político americano de hoje, quer-se determinar um lugar para cada pessoa dentro de um espectro cujos extremos são rotulados de esquerda e direita, ou, nos Estados Unidos, respectivamente de liberal e conservative. O libertarismo é então de esquerda ou de direita? Bem, vamos ponderar o que significam esses
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termos. O American Heritage Dictionary diz que os liberais* favorecem “o progresso e a reforma”, enquanto os conservadores “favorecem a preservação da ordem existente e veem propostas de mudança com desconfiança”. O Random House Dictionary diz que as pessoas de esquerda advogam “reforma liberal (...) geralmente em benefício de maior liberdade pessoal ou melhores condições sociais”, enquanto as de direita “defendem a manutenção da ordem econômica, política ou social existente, às vezes por meios autoritários”. Bem, se essas são as alternativas, fico com a “esquerda”. Mas, por esse critério, poderíamos chamar, por exemplo, Ronald Reagan ou Newt Gingrich de conservadores? Eles não apoiaram mudanças significativas no governo americano, acreditando que seriam “reformas” e trariam “melhores condições sociais”? Essas definições não parecem dizer muita coisa a respeito da política americana moderna. Alguns livros-texto de ciência política mostram ideologias políticas dentro de um espectro da esquerda para a direita, como se vê a seguir:
Mas será o liberalismo realmente uma versão moderada do comunismo e o conservadorismo uma versão moderada do fascismo? Não seriam o fascismo e o comunismo ambos totalitários, de modo que têm mais em comum um com o outro do que com seus vizinhos do espectro direita-esquerda? O colunista Charles Krauthammer, tentando achar sentido nas palavras “liberal” e “conservador” ao redor do mundo, sugeriu que concordássemos em que direita significa menos governo e esquerda, mais governo. Seu diagrama pareceria com o seguinte:
Mas, no mundo real, as pessoas não são sempre coerentes quanto a favorecer mais governo ou menos. No diagrama de Krauthammer, onde se situaria o conservador que quer diminuir tributos e censurar pornografia na internet? Ou o liberal que quer aumentar a regulamentação governamental mas repelir leis anti-homossexualismo? Na verdade, se examinarmos as pessoas que na política americana são chamadas de liberais e conservadoras, encontraremos um padrão: os liberais geralmente querem mais intervenção do governo na vida econômica — tributação e regulamentação — e menos intervenção do governo em decisões pessoais e na liberdade de * Mas não no sentido clássico, como se discutirá adiante. (N. T.)
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expressão. Os conservadores geralmente querem menos intervenção do governo na vida econômica e mais intervenção em questões pessoais e na liberdade de expressão. Alguns cientistas políticos sugeriram que essas são as opções disponíveis nos Estados Unidos de hoje; qualquer um que não se enquadre em uma dessas categorias é rotulado de “confuso”. Os cientistas políticos William S. Maddox e Stuart A. Lilie, em seu livro Beyond Liberal and Conservative [Para além de liberais e conservadores], fizeram uma pergunta simples: se há duas dimensões nessa abordagem, cada uma com duas posições básicas, não deveríamos reconhecer as quatro combinações possíveis de posições? Eles criaram o diagrama mostrado abaixo. Intervenção do governo em questões econômicas Expansão das liberdades pessoais
A favor Contra
Contra
A favor Liberal
Libertário
Populista
Conservador
Os libertários acreditam que a história da civilização é o movimento do progresso em direção à liberdade. Além disso, as posições libertária e populista (“estatista” talvez fosse uma palavra melhor) são bem mais coerentes do que as posições liberal e conservadora. Por que então não girar o diagrama para mostrar que um comprometimento consistente com a liberdade não é apenas uma entre quatro escolhas possíveis, mas o apogeu do pensamento político? Com esse raciocínio, chegamos ao diagrama que se segue.
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Podemos agora responder à pergunta formulada há algumas páginas. No espectro esquerda-direita americano da atualidade, o libertarismo não é nem esquerda nem direita. Os libertários coerentemente acreditam em liberdade individual e governo limitado, diferentemente tanto dos liberais quanto dos conservadores contemporâneos. Alguns jornalistas dizem que os libertários são conservadores em se tratando de questões econômicas e liberais, em assuntos sociais, mas teria muito mais sentido dizer que os liberais de hoje são libertários em (algumas) questões sociais mas estatistas em questões econômicas, enquanto os conservadores de hoje são libertários em (algumas) questões econômicas mas estatistas nas questões sociais.
Um comentário sobre rótulos: por que libertários?
Algumas pessoas dizem que não gostam de rótulos. Afinal, cada um de nós é muito complexo para ser reduzido a uma só palavra, seja ela preto ou branco, homossexual ou heterossexual, rico ou pobre, ou um termo ideológico como socialista, fascista, liberal, conservador ou libertário. Mas os rótulos servem a um propósito; eles nos ajudam a conceituar e economizam palavras. Se nossas crenças são coerentes e consistentes, provavelmente há um rótulo para descrevê-las. E, de qualquer maneira, se você não rotular sua filosofia ou movimento, alguém o fará por você. (Foi assim que se rotulou de “capitalismo” o sistema de criatividade humana e progresso em um mercado livre, um termo que se refere à acumulação de dinheiro, o que se dá em qualquer economia. Foi Karl Marx, inimigo jurado do capitalismo, quem lhe deu esse nome.) Assim, estou disposto a usar o termo “libertário” para descrever minha filosofia política e o movimento que busca promovê-la. Por que alguém escolheria um termo esquisito como “libertária” para descrever uma filosofia política? É um neologismo desajeitado e muito comprido. Provavelmente essa não seria a primeira escolha de ninguém. Mas há uma razão histórica para o termo. Alguns elementos do libertarismo têm raízes tão remotas quanto o filósofo Lao-tsé, da China antiga, e o conceito de lei superior dos gregos e israelitas. Na Grã-Bretanha do século XVII, as ideias libertárias começaram a tomar sua forma moderna através dos escritos dos Levellers (Niveladores) e de John Locke. No meio do século, opositores do poder real começaram a ser chamados de Whigs, ou às vezes meramente de “oposição” ou “escritores do campo” (country writers), em contraste com os da corte. Nos anos 1820, os representantes da classe média nas Cortes Gerais, ou Parlamento, da Espanha começaram a ser chamados de Liberales (liberais). Eles rivalizavam com os Serviles (servis), que representavam os nobres e a monarquia absolutista. O termo “serviles” para os que advogavam o poder do estado sobre os indivíduos infelizmente não persistiu. Mas a palavra “liberal” para os defensores da liberdade e do estado de direito se espalhou rapidamente. O partido Whig da Grã-Bretanha veio a se chamar
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Partido Liberal (Liberal Party). Hoje conhecemos a filosofia de John Locke, Adam Smith, Thomas Jefferson e John Stuart Mill como liberalismo. Mas, por volta de 1900, o uso do termo “liberal” nos Estados Unidos sofreu uma mudança. Pessoas que apoiavam o estado intervencionista e queriam limitar e controlar o mercado livre começaram a se autodenominar liberais. O economista Joseph Schumpeter comentou: “Em um supremo, ainda que involuntário, elogio, os inimigos da iniciativa privada acharam por bem se apropriar de seu rótulo”. Desse modo, hoje nos referimos à filosofia dos direitos individuais, mercados livres e governo limitado — a filosofia de Locke, Smith, e Jefferson — como liberalismo clássico. Mas “liberalismo clássico” não é lá um grande nome para uma filosofia política moderna. “Clássico” soa velho, datado, cinzelado em pedra. (E nesta era de “analfabetismo histórico”, aquele que se apresenta como liberal clássico será tomado por um admirador de Teddy Kennedy!) Alguns dos defensores do governo limitado começaram a usar o nome de seus velhos adversários, os “conservadores”. Mas conservadorismo propriamente dito significa, se não uma defesa da monarquia absolutista e da velha ordem, pelo menos uma indisposição para a mudança e um desejo de preservar o status quo. Seria estranho se referir ao capitalismo de livre mercado — o mais progressista, dinâmico e adaptável sistema que o mundo jamais conheceu — como conservador. Edward H. Crane propôs que os herdeiros de Locke e Smith chamem a si mesmos de “liberais de mercado” (market liberals), mantendo a palavra “liberal”, com sua conexão etimológica com a liberdade, mas reafirmando o compromisso liberal com o mercado. Esse termo foi bem recebido pelos intelectuais liberais de mercado, mas sua absorção pelos jornalistas e pelo público parece improvável. O termo correto para os defensores da sociedade civil e do mercado livre talvez seja “socialista”. Thomas Paine fazia distinção entre sociedade e governo, e o escritor libertário Albert Jay Nock resumiu todas as coisas que as pessoas fazem voluntariamente — por amor, caridade ou lucro — como “poder social”, que está sob constante ameaça de invasão pelo poder estatal. Poderíamos então dizer que aqueles que advogam poder social são socialistas, e os que apoiam o poder do estado são estatistas. Mas infelizmente a palavra “socialista”, assim como a palavra “liberal”, foi reclamada por aqueles que não defendem a sociedade civil nem muito menos a liberdade. Em grande parte do mundo os defensores da liberdade ainda são chamados de liberais. Na África do Sul, os liberais, como Helen Suzman, rejeitaram o sistema de racismo e privilégio econômico conhecido como apartheid em favor de direitos humanos, políticas não raciais e mercados livres. No Irã, os liberais se opõem ao estado teocrático e fazem pressão por um “capitalismo democrático” no estilo ocidental. Na China e na Rússia, os liberais são aqueles que querem substituir o totalitarismo em todos os seus aspectos pelo sistema liberal clássico dos mercados livres e do governo constitucional. Até mesmo na Europa Ocidental, liberal ain-
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da denomina pelo menos uma versão nebulosa do liberalismo clássico. Os liberais alemães, por exemplo, geralmente encontrados no Partido Democrático, se opõem ao socialismo dos social-democratas, ao corporativismo dos democratas cristãos e ao paternalismo de ambos. Fora dos Estados Unidos, até os jornalistas americanos entendem o significado tradicional de liberal. Em 1992, um artigo do Washington Post referido em Moscou relatava que “os economistas liberais criticaram o governo por não levar adiante rápido o suficiente as reformas estruturais e por permitir que fábricas estatais que trazem prejuízo continuem a produzir bens dos quais ninguém precisa”. Economistas liberais como Milton Friedman fazem críticas similares nos Estados Unidos, mas aí o Post os chama de economistas conservadores. Nos Estados Unidos, porém, nos anos 1940, a palavra “liberal” claramente já havia se perdido para os defensores do estado intervencionista. Alguns liberais clássicos resistiram por algum tempo, insistindo obstinadamente em que eles eram os verdadeiros liberais e que os chamados “liberais” de Washington estavam na verdade recriando a velha ordem de poder estatal que os liberais haviam lutado para subverter. Mas outros se resignaram a encontrar um novo termo. Nos anos 1950, Leonard Read, fundador da Foundation for Economic Education, começou a se apresentar como libertário. A palavra já vinha sendo usada havia muito tempo para designar os defensores do livre-arbítrio (contra o determinismo); e, como “liberal”, era derivada do latim liber (livre). O nome foi gradualmente adotado por um grupo crescente de libertários nos anos 1960 e 1970. Um Partido Libertário foi formado em 1972. O termo ainda era rejeitado por alguns dos maiores libertários do século XX, como Ayn Rand, que se autodenominava “radical do capitalismo”, e Friedrich A. Hayek, que continuou a chamar a si mesmo de liberal ou Old Whig. Neste livro, admito o uso contemporâneo. Chamo as ideias que advogo e o movimento que procura promovê-las de libertarismo. O libertarismo pode ser encarado como uma filosofia política que aplica as ideias do liberalismo clássico com coerência, levando os argumentos liberais a conclusões que limitariam mais estritamente o papel do governo e protegeriam as liberdades individuais mais plenamente do que outros liberais clássicos o fariam. Na maior parte do tempo, uso a palavra “liberal” no seu sentido tradicional; chamo os equivocadamente ditos liberais de hoje de liberais do bem-estar social ou de social-democratas. E devo notar que as ideias libertárias e o movimento libertário são muito mais amplos do que qualquer partido político, tal como o Partido Libertário. Referências ao libertarismo não devem ser tomadas como referências ao Partido Libertário, exceto quando assim colocadas explicitamente. Tentou-se adotar as velhas ideologias e descobriu-se que elas são deficientes. À nossa volta — do mundo pós-comunista às ditaduras militares da África, passando pelos estados de bem-estar social falidos e vacilantes da Europa e das
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Américas do Sul e do Norte — vemos o legado fracassado da coerção e do estatismo. Ao mesmo tempo, vemos movimentos na direção de soluções libertárias — governos constitucionais na Europa Oriental e na África do Sul, privatizações na Grã-Bretanha e na América Latina, democracia e estado de direito na Coreia e em Taiwan, e uma demanda de redução dos tributos em toda parte. Vemos até mesmo pessoas em muitas partes do mundo — Québec, Croácia, Bósnia, Itália setentrional, Escócia, e grande parte da África, para não falar nas 15 novas repúblicas da velha União Soviética — desafiando os grandes, intrusivos e incorrigíveis estados nacionais em que se encontram e exigindo uma devolução do poder. O libertarismo oferece uma alternativa ao governo coercitivo que tem apelo para as pessoas produtivas e pacíficas em qualquer lugar. Não, um mundo libertário não será um mundo perfeito. Ainda haverá desigualdade, pobreza, crime, corrupção e desumanidade de um homem com outro. Mas, diferentemente dos visionários teocratas, dos socialistas utópicos com os pés nas nuvens, ou dos sonhadores Senhores Resolvem-Tudo do New Deal e da Grande Sociedade, os libertários não estão prometendo um mundo cor-de-rosa. Karl Popper disse certa vez que as tentativas de criar o paraíso na terra levam invariavelmente ao inferno. O libertarismo propõe como objetivo não uma sociedade perfeita, mas outra melhor e mais livre. Promete um mundo em que uma parte maior das decisões será tomada da maneira certa pela pessoa certa: você. O resultado não será o fim do crime, da pobreza e da desigualdade, mas haverá uma quantidade menor — frequentemente bem menor — da maior parte dessas coisas, durante a maior parte do tempo.
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Capítulo 2
As raízes do libertarismo
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e certo modo, sempre houve apenas duas filosofias políticas: liberdade e poder. Ou as pessoas deveriam ser livres para viver sua vida como bem entendessem, contanto que respeitassem os mesmos direitos dos outros, ou algumas deveriam ser capazes de usar a força para obrigar outros indivíduos a agir de formas que não seriam de sua escolha. Não é surpresa, é claro, que a filosofia do poder tenha sido sempre mais atraente para aqueles que o estão exercendo. Muitas foram as denominações que ela já recebeu — cesarismo, despotismo oriental, teocracia, socialismo, fascismo, comunismo, monarquismo, ujamaa, estatismo assistencialista —, e os argumentos em favor de cada um desses sistemas foram distintos o suficiente para disfarçar sua essencial similaridade. A filosofia da liberdade também teve muitos nomes, mas seus defensores sempre mantiveram um elo comum de respeito pelo indivíduo, confiança na habilidade das pessoas comuns de tomar decisões sobre sua própria vida e hostilidade para com aqueles que usam de violência para conseguir o que querem. O primeiro libertário de que se tem notícia talvez seja o filósofo chinês Lao-tsé, que viveu por volta do século VI a.C. e é mais conhecido como autor do Tao Te Ching. Lao-tsé aconselhava: “Sem lei ou compulsão, os homens viveriam em harmonia”. O Tao é uma clássica afirmação da serenidade espiritual associada com a filosofia oriental. O Tao é a união de opostos, o yin e o yang; o Tao antecipa a teoria da ordem espontânea por meio do ensinamento de que a harmonia pode ser atingida mediante a competição e aconselha os líderes a não interferir na vida do povo. Apesar do exemplo de Lao-tsé, o libertarismo realmente nasceu no Ocidente. Isso o torna uma ideia estritamente ocidental? Acredito que não. Os princípios de liberdade e direitos individuais são universais, assim como o são os princípios da ciência, embora a maior parte da descoberta desses princípios tenha se dado no Ocidente.
A pré-história do libertarismo
Ambas as principais linhas de pensamento do Ocidente, a grega e a judaico-cristã, contribuíram para o desenvolvimento da liberdade. De acordo com o Antigo 33
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Testamento, o povo de Israel viveu sem rei ou qualquer outra autoridade coercitiva, autogovernando-se não pela força, mas pela adesão mútua a seu pacto com Deus. Então, como está registrado no Primeiro Livro de Samuel, os judeus foram a Samuel e disseram: “Constituí um rei para nos julgar, como há em todas as nações”. Mas, quando Samuel orou fazendo esse pedido, Deus disse: Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós: ele tomará vossos filhos e os porá em seus carros. E tomará vossas filhas como cozinheiras. E tomará o melhor de vossas terras e de vossos olivais e os dará a seus servos. E dizimará vossas sementes e vossas vinhas. Dizimará vosso rebanho, e vós lhe servireis de servos. E nesse dia clamareis por causa do vosso rei que houverdes escolhido; mas o Senhor não vos ouvirá nesse dia.
Apesar de o povo de Israel ter desafiado esse terrível aviso e criado uma monarquia, a história serviu como lembrete constante de que as origens do estado não são de modo nenhum de inspiração divina. O aviso de Deus ressoou não apenas em Israel de antigamente, mas alcançou os tempos modernos. Thomas Paine o cita em Senso comum, para lembrar aos americanos que “os poucos bons reis” nos três mil anos desde Samuel não poderiam “obscurecer a perversidade da origem” da monarquia. O grande historiador da liberdade, Lord Acton, presumindo que todos os leitores da Grã-Bretanha do século XIX estariam com ele familiarizados, referiu-se casualmente ao “momentoso protesto” de Samuel. Apesar de terem instaurado um rei, os judeus talvez tenham estado entre os primeiros povos a elaborar a ideia de que o rei era subordinado a uma lei superior. Em outras civilizações, o rei era a lei, geralmente por ser considerado divino. Mas os judeus disseram ao faraó egípcio e a seus próprios reis que um rei continua sendo apenas um homem e que todos os homens são julgados pela lei de Deus.
Lei natural
O conceito de uma lei superior também foi desenvolvido na Grécia Antiga. O dramaturgo Sófocles, no século V a.C., contou a história de Antígona, cujo irmão Polinice havia atacado a cidade de Tebas e morrido na batalha. Por essa traição, o tirano Creonte ordenou que seu corpo fosse deixado fora dos portões, para apodrecer, sem luto nem enterro. Antígona desafiou Creonte e enterrou o irmão. Levada diante de Creonte, ela declarou que uma lei feita por um mero homem, mesmo sendo ele um rei, não poderia se sobrepor às “leis tácitas e infalíveis dos deuses”, que existiam havia mais tempo do que qualquer um poderia afirmar.
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A noção de uma lei pela qual até os governantes podiam ser julgados perdurou e cresceu por toda a civilização europeia. Foi desenvolvida no mundo romano pelos filósofos estoicos, que argumentavam que, mesmo sendo o povo o governante, ele pode fazer somente o que é justo, segundo a lei natural. O duradouro poder dessa ideia estoica no Ocidente deveu-se em parte a um feliz acidente: o jurista estoico Cícero foi posteriormente considerado o maior escritor da prosa latina, de modo que seus ensaios foram lidos durante muitos séculos pelos europeus cultos. Não muito depois do tempo de Cícero, em um famoso encontro, perguntou-se a Jesus se seus seguidores deveriam pagar tributos. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Ele respondeu. Ao fazer isso, dividiu o mundo em dois domínios, deixando claro que nem toda vida está sob o controle do estado. Essa noção radical imperou na cristandade ocidental, mas não na igreja oriental, que foi totalmente dominada pelo estado, sem deixar na sociedade espaço no qual fontes alternativas de poder pudessem se desenvolver.
Pluralismo
A independência da igreja ocidental, que veio a ser conhecida como Católica Romana, significou que em toda a Europa havia duas instituições poderosas disputando o poder. Nem estado nem igreja gostavam muito da situação, mas seu poder dividido deixava espaço para que os indivíduos e a sociedade civil se desenvolvessem. Papas e imperadores frequentemente denunciavam o caráter um do outro, contribuindo para sua própria deslegitimação. Repetimos que esse conflito entre igreja e estado era praticamente único no mundo inteiro, o que ajuda a entender por que os princípios da liberdade foram descobertos primeiro no Ocidente. No século IV, o imperador Teodósio ordenou que o bispo de Milão, Santo Ambrósio, entregasse sua catedral ao império. Ambrósio repreendeu o imperador, dizendo: Não é lícito para nós entregá-la e nem para vossa majestade recebê-la. Por lei nenhuma se pode violar a casa de um particular. Pensais que a casa de Deus pode ser tomada? Afirma-se que todas as coisas são lícitas para o imperador, que todas as coisas são suas. Mas não deixeis pesar em vossa consciência o pensamento de que como imperador tendes algum direito sobre as coisas sagradas. Exaltai não a vós, mas, se quiserdes reinar por mais tempo, sujeitai-vos a Deus. Está escrito: “Daí a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”.
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O imperador foi forçado a ir à igreja de Ambrósio e implorar perdão por sua transgressão. Séculos depois, um conflito similar teve lugar na Grã-Bretanha. O arcebispo de Canterbury, Thomas Becket, defendeu os direitos da igreja contra as usurpações de Henrique II. Henrique disse em voz alta que poderia se livrar “desse sacerdote intrometido”, ante o que quatro cavaleiros partiram para assassinar Becket. Quatro anos depois, Becket foi canonizado, e Henrique, forçado a andar descalço pela neve até a igreja de Becket, como penitência por seu crime, e a recuar em suas exigências à igreja. Como a luta entre igreja e estado impediu o surgimento de qualquer poder absoluto, houve sempre espaço para que instituições autônomas se desenvolvessem e, já que a igreja não tinha poder absoluto, as dissidências religiosas fermentavam desimpedidas. Mercados e associações, relações firmadas sob juramento, corporações de ofício, universidades e cidades autogovernadas, todos contribuíram para o desenvolvimento do pluralismo e da sociedade civil.
Tolerância religiosa
O libertarismo é muitas vezes considerado, antes de tudo, uma filosofia de liberdade econômica, mas suas verdadeiras raízes históricas jazem na luta pela tolerância religiosa. Os primeiros cristãos começaram a desenvolver ideias de tolerância como contraposição à perseguição que sofriam por parte do estado romano. Um dos primeiros foi Tertuliano, um cartaginês conhecido como “pai da teologia latina”, que escreveu, por volta de 200 a.C.: É um direito humano fundamental, um privilégio da natureza, que todo homem deva adorar segundo suas próprias convicções. A religião de um homem não prejudica nem ajuda outro homem. Certamente não faz parte da religião impor uma religião à qual o livre-arbítrio, e não a força, deve nos levar.
Já então a defesa da liberdade se fazia em termos de direitos fundamentais ou naturais. O crescimento do comércio, de interpretações religiosas diversas e da sociedade civil significou que havia mais fontes de influência dentro de cada comunidade, e que esse pluralismo levou a uma exigência de limitações formais ao governo. Em uma década notável, em três partes muito dispersas da Europa, grandes passos foram dados em direção a um governo limitado e representativo. A mais famosa, pelo menos nos Estados Unidos, ocorreu na Grã-Bretanha em 1215, quando os barões confrontaram o rei João em Runnymede e o forçaram a assinar a Carta Magna, que garantia a todos
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os homens livres segurança contra interferências legais em sua vida pessoal ou em sua propriedade e justiça para todos. Limitou-se a capacidade do rei de aumentar a receita, garantiu-se à igreja certo grau de liberdade e confirmaram-se as liberdades das cidadelas. Enquanto isso, por volta de 1220, a cidade alemã de Magdeburgo desenvolveu um conjunto de leis que enfatizavam a liberdade e o autogoverno. A lei de Magdeburgo era tão amplamente respeitada que foi adotada por centenas de cidades que começavam a se formar por toda a Europa Central, e casos legais de algumas cidades da Europa Centro-Oriental eram encaminhados para os juízes de Magdeburgo. Finalmente, em 1222, os nobres menores e a pequena nobreza da Hungria — na época parte importante da corrente europeia influente — forçaram o rei André II a assinar a Bula de Ouro. Ela isentava de tributos o clero e a pequena nobreza, assegurava-lhes liberdade para dispor de seus domínios como desejassem, protegia-os de prisão e confisco arbitrários, garantia-lhes uma assembleia anual para apresentar reclamações e dava-lhes até mesmo o Jus Resistendi, o direito de resistir ao rei se ele investisse contra as liberdades e privilégios da Bula de Ouro. Os princípios que orientavam esses documentos estavam longe do libertarismo pleno; ainda excluíam muitas pessoas das garantias de liberdade, e tanto a Carta Magna quanto a Bula de Ouro discriminavam explicitamente os judeus. No entanto, são marcos em um avanço contínuo na direção da liberdade, do governo limitado e da expansão do conceito de pessoalidade para todos os indivíduos. Eles mostraram que por toda a Europa havia pessoas refletindo sobre o conceito de liberdade e acabaram gerando em outros grupos a inveja de pessoas que também queriam defender suas liberdades. Posteriormente, no século XIII, São Tomás de Aquino, quiçá o maior de todos os teólogos católicos, e outros filósofos desenvolveram o argumento teológico para limitar o poder real. São Tomás escreveu: “Um rei infiel a seus deveres perde o direito à obediência. Não é rebeldia depô-lo, pois ele próprio é um rebelde a quem a nação tem direito de destronar. Mas é melhor abreviar seu poder, para que não possa abusar dele”. Era essa a autoridade teológica por trás da ideia de que tiranos podiam ser depostos. Tanto João de Salisbury, bispo inglês que testemunhou o assassinato de Becket no século XII, quanto Roger Bacon, pensador do século XIII — os quais Lord Acton descreve como os mais distintos escritores ingleses de suas respectivas épocas —, defenderam até mesmo o direito de matar tiranos, um argumento inimaginável em praticamente qualquer outro lugar do mundo. Os pensadores escolásticos espanhóis do século XVI, às vezes chamados de Escola de Salamanca, partiram da obra de São Tomás para explorar teologia, lei natural e economia. Eles anteciparam muitos dos temas encontrados posteriormente na obra de Adam Smith e da Escola Austríaca. De sua cátedra da Universidade de Salamanca,
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Francisco de Vitória condenou a escravidão dos índios pelos espanhóis no Novo Mundo em termos de individualismo e direitos naturais: Todo índio é um homem, sendo por isso capaz de alcançar a salvação ou a danação (...) Por ser uma pessoa, todo índio tem livre-arbítrio e é, consequentemente, senhor de suas ações (...) Todo homem tem o direito à própria vida e à integridade física e mental.
Vitória e seus colegas também desenvolveram doutrinas de lei natural em áreas como propriedade privada, lucro, juros e tributação; sua obra influenciou Hugo Grócio, Samuel Pufendorf, e, por intermédio deles, Adam Smith e seus colegas escoceses. A pré-história do libertarismo culmina no período da Renascença e da Reforma Protestante. A redescoberta do aprendizado clássico e o humanismo que marcaram a Renascença costumam ser vistos como a emergência dos tempos modernos após a Idade Média. Com paixão de romancista, Ayn Rand resumiu uma visão da Renascença, a da tensão secular, individualista e racionalista do liberalismo: A Idade Média foi uma era de misticismo, dominada por fé cega e cega obediência ao dogma de que a fé é superior à razão. A Renascença foi especificamente o renascimento da razão, a liberação da mente humana, o triunfo da racionalidade sobre o misticismo — um vacilante e incompleto mas apaixonado triunfo que levou ao nascimento da ciência, do individualismo e da liberdade.
No entanto, o historiador Ralph Raico defende a ideia de que a Renascença pode ser superestimada como progenitora do liberalismo; as declarações de direitos medievais e as instituições legais independentes ofereceram um fundamento mais seguro para a liberdade do que o individualismo prometeico da Renascença. A Reforma contribuiu mais para o desenvolvimento das ideias liberais. Os reformadores protestantes, como Martinho Lutero e João Calvino, não eram de forma nenhuma liberais. Mas, ao quebrar o monopólio da igreja católica, inadvertidamente encorajaram uma proliferação de seitas protestantes, algumas das quais — tais como os quacres e os batistas — não cultivavam o pensamento liberal. Após as guerras religiosas, começou-se a questionar a noção de que a comunidade deveria ter apenas uma religião. Pensava-se que, sem uma única autoridade religiosa e moral, a comunidade assistiria a uma proliferação interminável de transgressões
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morais e se faria literalmente em pedaços. Essa ideia profundamente conservadora tem uma longa história. Data pelo menos da insistência de Platão em regulamentar até mesmo a música em uma sociedade ideal, e mesmo em nosso tempo já foi enunciada pelo escritor socialista Robert Heilbroner, que diz que o socialismo requer “um objetivo moral adotado coletivamente” que “toda voz dissidente ameaça”. E pode ser ouvida no medo dos habitantes da rural Catlett, na Virgínia, que relataram ao Washington Post seus receios quando um templo budista foi construído em sua comunidade: “Acreditamos em um único Deus verdadeiro, e creio que temíamos que uma falsa religião como aquela pudesse influenciar nossas crianças”. Felizmente, a maior parte das pessoas notou que após a Reforma a sociedade não se desfez ante a existência de visões morais e religiosas diferentes. Ao contrário, tornou-se mais forte ao acomodar a diversidade e a competição.
A reação ao absolutismo
No fim do século XVI, enfraquecida por sua própria corrupção e pela Reforma, a igreja precisava mais do apoio do estado do que ele da igreja. A fraqueza da igreja abriu uma brecha para o surgimento do absolutismo real, visto especialmente nos reinos de Luís XIV na França e na dinastia Stuart na Grã-Bretanha. Os monarcas passaram a criar suas próprias burocracias, impor novos tributos, estabelecer exércitos permanentes e reclamar cada vez mais poder. Inspirando-se na obra de Copérnico, que provou que os planetas giram ao redor do sol, Luís XIV se autodenominava Rei Sol, por se considerar o centro da vida na França, e declarou celebremente: “L’état, c’est moi” (“O estado sou eu”). Luís XIV baniu o protestantismo e tentou se tornar o líder da igreja católica na França. Durante seu reinado de quase setenta anos, nunca convocou uma sessão da assembleia representativa, os Estados Gerais. Seu ministro das Finanças implementou uma política de mercantilismo na qual o estado supervisionaria, guiaria, planejaria, projetaria e monitoraria a economia — subsidiando, proibindo, concedendo monopólios, nacionalizando, fixando salários e preços e assegurando qualidade. Na Grã-Bretanha, os reis Stuart também tentaram instituir um governo absolutista. Procuraram ignorar o direito consuetudinário e aumentar tributos sem a aprovação da assembleia representativa da Grã-Bretanha, o Parlamento. Mas a sociedade civil e a autoridade do Parlamento se mostraram mais resistentes na Grã-Bretanha do que no continente, e quarenta anos depois da ascensão de Jaime I ao trono a campanha absolutista dos Stuart foi atalhada. A resistência ao absolutismo culminou na decapitação de seu filho, Carlos I, em 1649. Nesse ínterim, enquanto o absolutismo criava raízes na França e na Espanha, os Países Baixos passaram a ser um ícone de tolerância religiosa, liberdade comercial e limitação do governo central. Depois que os holandeses se tornaram independentes
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da Espanha, no começo do século XVII, eles criaram uma frouxa confederação de cidades e províncias, transformando-se na primeira potência comercial do século e num abrigo para os refugiados da opressão. Muitos livros e panfletos de dissidentes ingleses e franceses foram publicados nas cidades holandesas. Um desses refugiados, o filósofo Baruch Spinoza, cujos pais judeus haviam fugido da perseguição católica em Portugal, descreveu em seu Tratado político-teológico a feliz interação entre a tolerância religiosa e a prosperidade na Amsterdã do século XVII: A cidade de Amsterdã colhe os frutos da liberdade em sua grande prosperidade e na admiração de todos os outros povos. Pois nesse mais vicejante dos estados e mais esplêndida das cidades, homens de todas as nações e religiões vivem juntos na maior harmonia e nada perguntam antes de confiar seus bens a um concidadão. A religião ou seita de um cidadão não é considerada importante; por isso não tem efeito perante os juízes quanto a ganhar ou perder uma causa, e não há nenhuma seita tão desprezada que seus seguidores, contanto que a ninguém prejudiquem, paguem o que devem e vivam honestamente, sejam privados da proteção da autoridade do magistério.
O exemplo de harmonia social e progresso econômico na Holanda inspirou protoliberais na Grã-Bretanha e em outros países.
A Revolução Inglesa
A oposição inglesa ao absolutismo do rei criou uma intensa fermentação intelectual, e a primeira agitação de ideias claramente protoliberais pode ser encontrada na Grã-Bretanha do século XVII. Novamente, ideias liberais nasceram da defesa da tolerância religiosa. Em 1644, John Milton publicou Areopagitica, uma eloquente defesa da liberdade de culto e um ataque ao licenciamento oficial da imprensa. Sobre a relação entre liberdade e virtude, uma questão que preocupa até hoje a política americana, Milton escreveu: “A liberdade é a melhor escola da virtude”. A virtude, disse ele, só é virtuosa quando escolhida livremente. Sobre a liberdade de expressão, escreveu: “Quem já viu a Verdade ser derrotada em um duelo livre e aberto?”. Após a decapitação de Carlos I, quando a Grã-Bretanha estava no período entre reis e sob o governo de Oliver Cromwell, houve um intenso debate intelectual. Um grupo conhecido como os Levellers começou a enunciar um conjunto de ideias que viria a ser conhecido como liberalismo. Eles colocavam a defesa da liberdade de culto e dos antigos direitos dos ingleses em um contexto de soberania individual e direitos
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naturais. Em um famoso ensaio “An arrow against all tyrants” [Uma flecha contra todos os tiranos], o líder dos Levellers, Richard Overton, defendeu a ideia de que todo indivíduo tem o que chamou de self-property (literalmente, propriedade sobre si), isto é, que todo homem é dono de si mesmo e portanto tem direito à vida, à liberdade e à propriedade. “Nenhum homem tem poder sobre meus direitos e liberdades, nem eu o tenho sobre os de homem nenhum”. Apesar dos esforços dos Levellers e outros radicais, a dinastia Stuart retornou ao trono em 1660, na pessoa de Carlos II. Carlos prometeu respeitar a liberdade de consciência e os direitos dos proprietários de terra, mas ele e seu irmão, Jaime II, novamente tentaram ampliar o poder real. Na Revolução Gloriosa de 1688, o Parlamento ofereceu a coroa a Guilherme e Maria de Orange (netos de Carlos I). Guilherme e Maria concordaram em respeitar os “verdadeiros, antigos e indubitáveis direitos” dos ingleses, como referidos na Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1689. Podemos dizer que o nascimento do liberalismo data da época da Revolução Gloriosa. John Locke é corretamente visto como o primeiro verdadeiro liberal e como o pai da filosofia política moderna. Sem conhecer as ideias de Locke, não é possível entender realmente o mundo em que vivemos. Sua grande obra, O segundo tratado sobre o governo, foi publicada em 1690, mas havia sido escrita alguns anos antes, para refutar o filósofo absolutista Sir Robert Filmer, o que tornou sua defesa dos direitos individuais e do governo representativo muito mais radical. Locke pergunta: qual é o objetivo do governo? Por que temos que ter um? E responde: as pessoas têm direitos anteriores à existência de governo — por isso os chamamos de naturais, porque existem na natureza. As pessoas formam um governo para proteger esses direitos. Seria possível fazer isso sem ele, mas o governo é um sistema eficiente para a proteção de direitos. E, se o governo extrapola esse papel, é justo que o povo se revolte. O governo representativo é a melhor maneira de garantir que ele vai se ater ao objetivo adequado. Ecoando uma tradição filosófica arraigada há anos no Ocidente, Locke escreveu: “Um governo não é livre para fazer o que bem entender (...) A lei da natureza permanece regra eterna para todos os homens, legisladores ou não”. Locke também articulou claramente a ideia de direitos de propriedade: Todo homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta nenhum corpo tem direito senão ele próprio. O trabalho de seu corpo, e a obra de suas mãos, podemos dizer, são propriamente seus. Tudo aquilo que então recolher do estado que a natureza ofereceu e em que deixou, ele misturou com seu trabalho e juntou ao que é seu, fazendo assim sua propriedade.
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As pessoas têm um direito inalienável à vida e à liberdade e adquirem um direito à propriedade previamente sem dono que “misturam com seu trabalho”, por exemplo, cultivando a terra. É papel do governo proteger a “vida, a liberdade e a propriedade” do povo. Essas ideias foram recebidas com entusiasmo. A Europa ainda estava sob as garras do absolutismo real, mas, graças à experiência com os Stuarts, os ingleses suspeitavam de todas as formas de governo. Acolheram calorosamente essa vigorosa defesa filosófica dos direitos naturais, do estado de direito e do direito à revolução. Começaram também, é claro, a trazer para o Novo Mundo, de navio, as ideias de Locke e dos Levellers.
O século XVIII liberal
A Grã-Bretanha desabrochou sob um governo limitado. Assim como a Holanda havia um século antes inspirado os liberais, o modelo inglês passou a ser citado pelos pensadores liberais do continente e, por fim, de todo o mundo. Podemos dizer que o Iluminismo data de aproximadamente 1720, quando o escritor francês Voltaire fugiu da tirania francesa e chegou à Inglaterra. Lá ele viu tolerância religiosa, governo representativo e uma classe média próspera. Notou que o trabalho era mais respeitado do que na França, onde os aristocratas olhavam com desprezo para os que se envolviam com o comércio. Observou também que, quando se permite que as pessoas comerciem livremente, seus interesses próprios relegam a um segundo plano os preconceitos, como em sua famosa descrição da bolsa de valores em Cartas filosóficas: Vá à Bolsa de Valores de Londres — um lugar mais respeitável do que muitas cortes — e lá você verá representantes de todas as nações reunidos em serviço da humanidade. Lá o judeu, o muçulmano e o cristão tratam um com o outro como se fossem da mesma religião e dão o nome de infiel somente a quem vai à falência. Lá o presbiteriano confia no anabatista, e o anglicano aceita a promessa do quacre. Ao sair dessas livres e pacíficas assembleias, alguns vão à sinagoga, outros vão beber (...) outros ainda vão à igreja aguardar a inspiração de Deus, de chapéu na cabeça, e todos estão contentes.
O século XVIII foi o grande século do pensamento liberal. As ideias de Locke foram desenvolvidas por muitos escritores, notavelmente John Trenchard e Thomas Gordon, que escreveu uma série de ensaios para jornais assinando “Catão”, lembrando Catão, o Jovem, defensor da República Romana contra a busca de poder por Júlio
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César. Esses ensaios, que denunciavam o governo por continuar a infringir os direitos dos ingleses, vieram a ser conhecidos como Cartas de Catão. (Nomes reminiscentes da República Romana eram populares entre os escritores do século XVIII; exemplo disso são os artigos de O federalista, que eram assinados por “Publius”.) Na França, os Fisiocratas desenvolveram a ciência moderna da economia. Seu nome vinha do grego physis (natureza) e kratos (soberania); defendiam a soberania da natureza, com o que queriam dizer que leis naturais similares às da física governavam a sociedade e a criação de riqueza. A melhor maneira de aumentar a oferta de bens reais era permitindo o comércio livre, desimpedido de monopólios, regulamentação de profissões ou altos tributos. A ausência de restrições coercitivas produziria harmonia e abundância. É desse período que data o famoso lema libertário “laissez-faire”. Segundo a lenda, Luís XV perguntou a um grupo de mercadores: “Como posso ajudá-los?”. E eles responderam: “Laissez-nous faire, laissez-nous passer. Le mond va de lui-même”. (Deixe-nos fazer, deixe-nos passar. O mundo segue por si mesmo.) Os principais fisiocratas incluíam François Quesnay e Pierre Du Pont de Nemours, que fugiu da Revolução Francesa para a América, onde seu filho fundou um pequeno negócio em Delaware. Um companheiro dos Fisiocratas, A. R. J. Turgot, foi um grande economista nomeado ministro das Finanças por Luís XVI, um “déspota esclarecido” que queria aliviar o peso do governo sobre o povo francês — e possivelmente criar mais riqueza para ser tributada, pois, como apontaram os Fisiocratas, “camponeses pobres, reino pobre; reino pobre, rei pobre”. Turgot promulgou os Seis Éditos para abolir as corporações de ofício (que haviam se tornado monopólios calcificados), abolir tributos internos e trabalho forçado (a corvée) e estabelecer tolerância para os protestantes. Deparou-se com a dura resistência dos grupos de interesse e foi demitido em 1776. Com ele, diz Raico, “foi-se a última esperança para a monarquia francesa”, que de fato caiu com a revolução treze anos depois. O Iluminismo francês é o que a história melhor conhece, mas houve também um importante Iluminismo escocês. Os escoceses havia muito se ressentiam da dominação inglesa, tendo sofrido muito com o mercantilismo britânico e em um século haviam atingido melhores taxas de alfabetização e melhores escolas do que os ingleses. Estavam bem preparados para desenvolver ideias liberais (e para dominar a vida intelectual inglesa por um século). Entre os intelectuais do Iluminismo escocês estava Adam Ferguson, autor do Essay on the History of Civil Society [Ensaio sobre a história da sociedade civil], que cunhou a expressão “produto da ação humana, mas não realização de um desígnio humano”, que inspiraria futuros teóricos da ordem espontânea; Francis Hutcheson, que antecipou os utilitaristas com a noção de “maior bem para o maior número”; e Dugald Stewart, cujo Philosophy of the Human Mind [Filosofia da mente humana] foi amplamente lido nas primeiras universidades americanas. Mas os mais preeminentes foram David Hume e seu amigo Adam Smith.
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Hume era filósofo, economista e historiador, num tempo em que a aristocracia universitária ainda não havia declarado que o conhecimento precisa ser dividido em categorias distintas. Ele é mais conhecido entre os estudantes contemporâneos por seu ceticismo filosófico, mas também ajudou a desenvolver nosso entendimento moderno da produtividade e benevolência do mercado livre. Defendia a propriedade e o contrato, a livre concorrência entre os bancos e a ordem espontânea das sociedades livres. Argumentou, contra a teoria mercantilista da balança comercial, que todos se beneficiam da prosperidade dos outros, inclusive da prosperidade de pessoas de outros países. Junto com John Locke, Adam Smith foi um dos pais do liberalismo, ou do que agora chamamos de libertarismo. E, como vivemos em um mundo liberal, Locke e Smith podem ser vistos como os arquitetos do mundo moderno. Em Teoria dos sentimentos morais, Smith distinguiu entre dois tipos de comportamento: o beneficente e o autointeressado. Muitos críticos afirmam que Adam Smith, os economistas em geral ou os libertários acreditam que todo comportamento é motivado por interesse próprio. Em seu primeiro grande livro, Smith deixou claro que não é esse o caso. É claro que as pessoas às vezes agem por benevolência, e a sociedade deve incentivar tais sentimentos. Mas, disse ele, se necessário, a sociedade poderia existir sem que a beneficência se estendesse para além da família. As pessoas ainda teriam alimento, a economia funcionaria, o conhecimento progrediria; mas a sociedade não pode existir sem justiça, isto é, a proteção dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade. A justiça, portanto, deve ser a primeira preocupação do estado. Em seu livro mais conhecido, A riqueza das nações, Smith estabeleceu as bases para a moderna ciência da economia. Disse que estava descrevendo “o simples sistema da liberdade natural”. Em palavras atuais, poderíamos dizer que capitalismo é o que ocorre quando se deixam as pessoas em paz. Smith mostrou como, quando produzem e comercializam segundo seus próprios interesses, as pessoas são levadas “por uma mão invisível” a beneficiar outras. Para conseguir um emprego ou vender algo por dinheiro, cada pessoa deve descobrir o que outras gostariam de ter. A benevolência é importante, mas “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seus próprios interesses”. Portanto o mercado livre permite que mais pessoas satisfaçam mais desejos — e consequentemente gozem de um padrão de vida mais alto — do que qualquer outro sistema social. A mais importante contribuição de Smith para a teoria libertária foi o desenvolvimento da ideia de ordem espontânea. Frequentemente ouvimos que há um conflito entre liberdade e ordem, e esse ponto de vista soa racional. Mas Smith, de modo mais completo do que os Fisiocratas e pensadores anteriores, enfatizou que a ordem, nos assuntos humanos, surge espontaneamente. Quando se deixa que as
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pessoas interajam livremente umas com as outras, protejem-se seus direitos à liberdade e à propriedade, a ordem emerge sem um controle central. A economia de mercado é uma forma de ordem espontânea; centenas ou milhares — ou hoje, bilhões — de pessoas entram no mercado ou no mundo dos negócios todos os dias, imaginando como produzir mais bens ou conseguir um emprego melhor ou ganhar mais dinheiro para si mesmos e para sua família. Essas pessoas não são guiadas por uma autoridade central nem pelo instinto biológico que leva as abelhas a produzir mel; e no entanto criam riqueza para si e para outros mediante a produção e o comércio. O mercado não é a única forma de ordem espontânea. Considere-se a linguagem natural. Ninguém decidiu criar a língua inglesa, por exemplo, e ensiná-la aos primeiros ingleses. A língua surgiu e se transformou natural e espontaneamente, em resposta às necessidades humanas. Considere-se, ainda, o direito. Hoje pensamos em leis como algo que o Congresso aprova, mas o direito consuetudinário amadureceu muito antes que qualquer rei ou legislatura o registrasse por escrito. Quando duas pessoas entravam em conflito, pediam a uma terceira que atuasse como juiz. Às vezes júris eram reunidos para ouvir um caso. Juízes e júris não tinham a incumbência de “fazer” a lei; em vez disso, procuravam “encontrar” a lei, perguntando-se qual era a prática costumeira ou o que havia sido decidido em casos semelhantes. Assim, de caso em caso, a ordem jurídica se desenvolveu. O dinheiro é outro produto de ordem espontânea; surgiu naturalmente quando as pessoas passaram a precisar de algo para facilitar o comércio. Friedrich A. Hayek escreveu que se [o direito] tivesse sido projetado deliberadamente, mereceria um lugar entre as maiores invenções humanas. Mas é claro que ele não foi produto de uma única mente mais do que o são a língua, ou o dinheiro, ou a maior parte das práticas e convenções sobre as quais se sustenta a vida social.
O direito, a língua, o dinheiro, os mercados — as mais importantes instituições da sociedade humana — surgiram espontaneamente. Com a elaboração sistemática de Smith do princípio de ordem espontânea, os princípios básicos do liberalismo estavam essencialmente completos. Poderíamos definir esses princípios básicos como a ideia da lei superior ou natural, a dignidade do indivíduo, os direitos naturais à liberdade e à propriedade e a teoria social da ordem espontânea. Muitas ideias mais específicas derivam desses fundamentos: liberdade individual, governo limitado e representativo, mercados livres. Levou-se muito tempo para defini-los; ainda era preciso lutar por eles.
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Criação de um mundo liberal
Assim como se deu com a Revolução Inglesa, o período que antecedeu a Revolução Americana foi de intenso debate ideológico. Até mais do que a Grã-Bretanha do século XVII, a América do século XVIII era dominada por ideias liberais. De fato, seria correto dizer que não havia praticamente nenhuma ideia não liberal em circulação na América; havia apenas os liberais conservadores, que instavam os americanos a continuar pacificamente a reivindicar seus direitos como ingleses, e os liberais radicais, que acabaram rejeitando até uma monarquia constitucional e clamaram por independência. O mais eletrizante dos liberais radicais foi Thomas Paine. Paine era o que poderíamos chamar de agitador de fora, um missionário da liberdade. Nascido na Grã-Bretanha, foi para a América com a intenção de ajudar a fazer a revolução. Quando deu sua tarefa por terminada, cruzou novamente o Atlântico para ajudar os franceses a fazer a deles.
Sociedade versus governo
A grande contribuição de Paine para a causa revolucionária foi seu panfleto Senso comum, do qual se diz que foram vendidas cerca de 100 mil cópias em poucos meses, em um país de três milhões de pessoas. Todos o leram; aqueles que não sabiam ler o ouviram lido em voz alta em tavernas e participaram da discussão das ideias que continha. Senso comum não era apenas um chamado à independência. O panfleto apresentava uma teoria radicalmente libertária para justificar os direitos naturais e a independência. Paine começava fazendo uma distinção entre a sociedade e o governo: “A sociedade é produzida por nossos desejos e o governo, por nossas perversidades (...) A sociedade em qualquer estado é uma bênção, mas o governo, mesmo em seu melhor estado, não é mais do que um mal necessário; e, em seu pior estado, um mal intolerável”. Denunciava então as origens da monarquia: “Pudéssemos remover o escuro véu da antiguidade (...) descobriríamos no primeiro [rei] nada mais do que o principal rufião de algum bando agitado, cujos modos selvagens ou preeminência na argúcia conseguiram para ele o título de líder entre os saqueadores”. Em Senso comum e em escritos posteriores, Paine desenvolveu a ideia de que a sociedade civil é anterior ao governo e que as pessoas podem interagir pacificamente para criar a ordem espontânea. Sua crença na ordem espontânea se fortaleceu quando ele viu que a sociedade continuava funcionando mesmo depois que os governos coloniais eram expulsos das cidades e colônias americanas. Em seus escritos, fundiu com elegância a teoria normativa dos direitos individuais com a análise positiva da ordem espontânea. Nem Senso comum nem A riqueza das nações foram os únicos marcos na luta pela liberdade em 1776. Na verdade, talvez nenhum dos dois tenha sido o mais importante evento naquele ano de sucessos, pois em 1776 as colônias americanas promulgaram sua Declaração de Independência, provavelmente o mais belo texto libertário da história. As palavras eloquentes de Thomas Jefferson proclamaram a todo o mundo a visão liberal:
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Sustentamos como verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais, que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar tais direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Que sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva em relação a esses fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la.
A influência dos Levellers e de John Locke é óbvia. Sucintamente, Jefferson fez três afirmações centrais: que as pessoas têm direitos naturais; que o propósito do governo é proteger esses direitos; e que, se o governo excede seu propósito, o povo tem o direito de “alterá-lo ou aboli-lo”. Por sua eloquência ao expor a causa liberal e por ter atuado por toda a vida na revolução liberal que mudou o mundo, o colunista George F. Will nomeou Jefferson “o homem do milênio”. Longe de mim contestar tal escolha. Mas deve-se notar que, ao redigir a Declaração de Independência, Jefferson pouco trouxe de novo. John Adams, talvez ressentido pela atenção recebida por Jefferson, disse anos depois que “não há sequer uma ideia [na Declaração] que não houvesse ficado banalizada no Congresso durante os dois anos anteriores”. O próprio Jefferson disse que, embora “não tivesse consultado nenhum livro ou panfleto ao escrevê-la”, seu objetivo não era “encontrar novos princípios ou novos argumentos”, mas meramente produzir “uma expressão da mente americana”. As ideias da Declaração eram, disse, os “sentimentos do momento, expressos seja em conversas, cartas, ensaios impressos ou nos livros elementares de cultura geral”. O triunfo das ideias liberais nos Estados Unidos foi avassalador.
Limitando o governo
Depois de sua vitória militar, os americanos independentes passaram a pôr em prática as ideias que os liberais ingleses vinham desenvolvendo por todo o século XVIII. O distinguido historiador Bernard Bailyn, da Universidade Harvard, escreve em seu ensaio “The central themes of the American Revolution” [Os temas centrais da Revolução Americana], de 1973, que os grandes temas do libertarismo radical do século XVIII foram trazidos aqui à concretude. O primeiro é a crença de que o poder é perverso — uma necessidade, talvez, mas uma necessidade perversa; que é infinitamente corruptor; e que deve ser controlado, limitado, restringido
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de todas as formas compatíveis com um mínimo de ordem civil. Constituições escritas; a separação dos poderes; as declarações de direitos; as limitações em relação aos executivos, legisladores, tribunais; as restrições ao direito de coagir e de fazer guerras — todos expressam a profunda desconfiança que jaz no coração ideológico da Revolução Americana e que se preservou entre nós como um legado permanente desde então.
A Constituição dos Estados Unidos elaborava as ideias da Declaração para estabelecer um governo adequado a um povo livre. Era baseada no princípio de que os indivíduos têm direitos naturais que precedem o estabelecimento de um governo e de que todo o poder de um governo é a ele delegado pelos indivíduos para proteção de seus direitos. Com base nesse entendimento, os pais da Constituição (conhecidos como Framers) não constituíram uma monarquia nem criaram uma democracia ilimitada, um governo de plenos poderes restritos somente pelo voto popular. Em vez disso, enumeraram cuidadosamente (no Artigo I, Seção 8) os poderes que teria o governo federal. A Constituição, cujo maior teorizador e arquiteto foi James Madison, amigo e vizinho de Jefferson, foi verdadeiramente revolucionária ao estabelecer um governo cujos poderes eram delegados, enumerados e portanto limitados. Quando surgiu a ideia de uma Declaração de Direitos, muitos dos pais da Constituição responderam que ela não seria necessária, pois os poderes enumerados eram tão limitados que o governo estaria impossibilitado de infringir os direitos individuais. Finalmente, ficou decidido o acréscimo de uma Declaração de Direitos, nas palavras de Madison, “por cautela”. Após enumerar direitos específicos nas primeiras oito emendas, o primeiro Congresso adicionou mais duas, que resumiam toda a estrutura do governo federal tal como ele foi criado: a Nona Emenda assegura que “a enumeração na Constituição de certos direitos não será distorcida para negar ou rebaixar outros, detidos pelo povo”. A Décima Emenda diz: “Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição nem proibidos por ela aos Estados são reservados respectivamente aos Estados ou ao povo”. Novamente, os preceitos fundamentais do liberalismo: as pessoas têm direitos antes mesmo de ser criado o governo e retêm todos os direitos que não delegaram a ele expressamente; e o governo nacional não tem senão aqueles poderes especificamente concedidos a ele na Constituição. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, o século posterior à Revolução Americana foi marcado pela disseminação do liberalismo. Constituições escritas e declarações de direitos protegeram a liberdade e garantiram o estado de direito. Guildas e monopólios foram em grande parte eliminados, com todas as mercadorias lançadas à competição com base no mérito. As liberdades de imprensa e de culto
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foram amplamente expandidas, os direitos de propriedade, mais bem assegurados, e o comércio internacional, liberado.
Direitos civis
O individualismo, os direitos naturais e os mercados livres conduziram logicamente a uma agitação em favor da extensão dos direitos civis e políticos àqueles que haviam sido excluídos da liberdade e do poder — notavelmente escravos, servos e mulheres. A primeira sociedade antiescravidão do mundo foi fundada na Filadélfia em 1775, e a escravidão e a servidão foram abolidas em todo o mundo ocidental durante o século seguinte. No debate sobre a ideia de compensar os senhores de escravos pela perda de sua “propriedade”, no Parlamento britânico, o libertário Benjamin Pearson replicou que “achava que os escravos é que deveriam ser compensados”. O Pennsylvania Journal de Thomas Paine publicou uma veemente e precoce defesa dos direitos das mulheres em 1775. Mary Wollstonecraft, amiga de Paine e de outros liberais, publicou A Vindication of the Rights of Women [Uma reivindicação dos direitos das mulheres] na Grã-Bretanha, em 1792. A primeira convenção feminista dos Estados Unidos ocorreu em 1848, quando as mulheres começavam a exigir os direitos naturais que os homens brancos haviam reclamado em 1776 e estavam sendo exigidos pelos homens negros. Como apontou o historiador inglês Henry Sumner Maine, o mundo estava passando de uma sociedade de status a uma sociedade de contrato. Os liberais também se ocuparam do sempre presente fantasma da guerra. Na Inglaterra, Richard Cobden e John Bright argumentaram incansavelmente que o livre-comércio uniria as pessoas de diferentes nações pacificamente, reduzindo a probabilidade de guerra. Os novos limites sobre os governos e o maior ceticismo popular em relação aos governantes tornaram mais difícil para os líderes políticos se intrometer nos problemas estrangeiros e ir à guerra. Após o turbilhão da Revolução Francesa e a derrota final de Napoleão, em 1815, e com exceção da Guerra da Crimeia e das guerras de unificação nacional, a maior parte dos povos da Europa desfrutou de um século de relativa paz e progresso.
Os resultados do liberalismo
A libertação da criatividade humana gerou assombroso progresso científico e material. A revista Nation, que na época era um jornal verdadeiramente liberal, escreveu, em uma retrospectiva em 1900: “Liberados da vexatória intromissão dos governos, os homens devotaram-se à sua ocupação natural, a melhoria de sua condição, com os maravilhosos resultados que nos cercam”. Os avanços tecnológicos do século XIX liberal são inúmeros: o motor a vapor, a estrada de ferro, o telégrafo, o telefone, a eletricidade, o motor de combustão interna. Graças à acumulação de capital e ao “milagre dos juros compostos”, na Europa e América as grandes massas
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começaram a ser libertadas do duríssimo trabalho braçal que havia sido a condição natural da humanidade desde tempos imemoriais. A mortalidade infantil caiu, e a expectativa de vida começou a subir a níveis inauditos. Uma pessoa que olhasse para trás em 1800 veria um mundo que ao longo de milhares de anos tinha mudado bem pouco para a maioria das pessoas; mas, em 1900, ele estava irreconhecível. O pensamento liberal continuou a se desenvolver por todo o século XIX. Jeremy Bentham propôs a teoria do utilitarismo, a ideia de que o governo deve promover “a maior felicidade para o maior número de pessoas”. Embora suas premissas filosóficas fossem diferentes das premissas dos direitos naturais, chegou a muitas das mesmas conclusões sobre o governo limitado e os mercados livres. Alexis de Tocqueville viajou à América para observar como funcionava uma sociedade livre e publicou suas brilhantes observações em Democracia na América, entre 1834 e 1840. John Stuart Mill publicou, em 1859, Sobre a liberdade, uma eloquente defesa da liberdade individual. Em 1851, Herbert Spencer, um eminente estudioso cuja obra é hoje em dia injustamente negligenciada e frequentemente deturpada, publicou Social Statics [Estática social], trabalho em que propôs sua “lei da igual liberdade”, uma exposição precoce e explícita do credo libertário moderno. O princípio de Spencer era “que todo homem pode reivindicar a maior liberdade de exercício de suas faculdades que for compatível com a posse da mesma liberdade por todos os outros homens”. Spencer apontou que “a lei da igual liberdade claramente se aplica a toda a espécie — tanto a mulheres quanto a homens”. Ele também estendeu a crítica liberal clássica da guerra com uma distinção entre dois tipos de sociedades: a sociedade industrial, em que as pessoas produzem e comerciam pacífica e voluntariamente; e a sociedade militante, em que a guerra prevalece e o governo controla a vida de seus governados como meio de alcançar seus próprios fins. Em sua era de ouro, a Alemanha produziu grandes escritores como Goethe e Schiller, que eram liberais, e contribuiu para a filosofia liberal com as ideias de filósofos e estudiosos como Immanuel Kant e Wilhelm von Humboldt. Kant enfatizou a autonomia individual e tentou fundamentar os direitos e liberdades individuais nos requisitos da própria razão. Ele clamou por uma “Constituição legal que garanta a todos sua liberdade sob a lei, de modo que cada um esteja livre para buscar a felicidade naquilo que julgar melhor, contanto que não viole a liberdade e os direitos legais de seus companheiros”. O clássico Os limites da ação do estado, de Humboldt, fortemente influenciado pela obra Sobre a liberdade, de Mill, defendia a ideia de que o pleno desabrochar do indivíduo requer não apenas liberdade, mas uma “variedade de situações”, querendo dizer com isso que as pessoas devem ter acesso a uma larga variedade de circunstâncias e acomodações — o termo moderno seria “estilos de vida alternativos” — que possam continuamente testar e escolher. Na França do início do século, Benjamin Constant era o mais conhecido liberal do continente. “Ele amava a liberdade como outros amam o poder”, disse um contemporâneo. Como Humboldt, via a liberdade como um sistema
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no qual as pessoas poderiam descobrir e desenvolver da melhor forma possível sua própria personalidade e interesses. Em um ensaio importante, contrastou o significado da liberdade nas antigas repúblicas — igual participação na vida pública — com a liberdade moderna — a liberdade individual para falar, escrever, possuir propriedades, comerciar e se dedicar a interesses privados. Uma associada a Constant foi Madame de Stäel, romancista, mais célebre talvez por sua frase: “A liberdade é antiga; o despotismo é que é recente”, referindo-se à tentativa dos monarcas absolutistas de dissolver as duramente conquistadas garantias de liberdade na Idade Média. Outro liberal francês, Frédéric Bastiat, serviu no Parlamento como um ávido defensor do livre-comércio e escreveu miríades de ensaios impactantes e espirituosos atacando o estado e todas as suas ações. Seu último ensaio, “O que é visto e o que não se vê”, ofereceu a importante percepção de que tudo aquilo que um governo faz — construir uma ponte, subsidiar as artes, pagar pensões — tem efeitos simples e óbvios. Dinheiro circula, empregos são criados e tem-se a impressão de que o governo gerou crescimento econômico. A tarefa do economista é ver o que não é tão facilmente visto — as casas não construídas, as roupas não compradas, os empregos não criados — porque pela tributação o dinheiro foi tirado daqueles que o teriam gasto em seu próprio interesse. Em “A lei”, atacou o conceito de “espoliação legal”, pelo qual as pessoas usam o governo para se apropriar do que outros produziram. E em “A petição”, zombou dos industrialistas franceses que queriam se proteger da concorrência fingindo falar em nome de fabricantes de vela, que queriam que o Parlamento bloqueasse o sol, por dispensar o uso de velas durante o dia — uma das primeiras refutações de leis protecionistas. Nos Estados Unidos, o movimento abolicionista foi naturalmente liderado por libertários. Os principais abolicionistas chamavam a escravidão de “roubo de homens”, por ir contra a soberania individual e roubar do homem sua própria pessoa. Seus argumentos eram paralelos aos dos Levellers e de John Locke. William Lloyd Garrison escreveu que seu objetivo era não somente a abolição da escravatura, mas “a emancipação de toda a nossa raça do domínio do homem, da sujeição do indivíduo, do governo da força bruta”. Outro abolicionista, Lysander Spooner, partiu dos argumentos naturalistas contra a escravidão para concluir que não se podia alegar, sobre nenhuma pessoa, que ela abrira mão de seus direitos por algum contrato, até mesmo a Constituição, que não tivesse assinado pessoalmente. Frederick Douglass, igualmente, formulou seu argumento pela abolição em termos do liberalismo clássico: soberania individual e direitos naturais.
O declínio do liberalismo
Mais perto do fim do século XIX, o liberalismo clássico começou a dar lugar a novas formas de coletivismo e poder estatal. Se o liberalismo havia sido tão
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bem-sucedido — livrando a grande massa da humanidade do fardo esmagador do estatismo e def lagrando uma melhoria sem precedentes nos padrões de vida —, o que aconteceu? Essa pergunta atormentou liberais e libertários por todo o século XX. Um dos problemas foi que os liberais se tornaram preguiçosos; esqueceram a advertência de Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, e pensaram que a óbvia abundância e harmonia social trazidas pelo liberalismo significavam que ninguém ia querer reviver a velha ordem. Alguns intelectuais liberais deram a impressão de que o liberalismo era um sistema fechado, sem nenhum trabalho interessante a realizar. O socialismo, especialmente a variedade marxista, apareceu com uma teoria inteiramente nova para desenvolver e atraiu os jovens intelectuais. É possível também que as pessoas tenham esquecido como foi difícil criar uma sociedade de abundância. Americanos e britânicos nascidos na segunda metade do século XIX entraram num mundo em que a riqueza, a tecnologia e os padrões de vida avançavam rapidamente. Para eles, não era tão óbvio que o mundo não houvesse sido sempre assim. E, mesmo aqueles que sabiam que o mundo era diferente, talvez tenham presumido que o velho problema da pobreza estivesse solucionado, e que não era mais importante manter as instituições sociais que o solucionaram. Um problema relacionado a isso foi a separação de dois assuntos: o da produção e o da distribuição. Em um mundo de abundância, as pessoas pararam de se preocupar com a produção e começaram a discutir “o problema da distribuição”. O grande filósofo Friedrich A. Hayek disse-me certa vez em uma entrevista: Estou pessoalmente convencido de que a razão que levou os intelectuais, especialmente no mundo anglófono, ao socialismo foi um homem que é visto como o grande herói do liberalismo clássico, John Stuart Mill. Em seu famoso livro Princípios de economia política, publicado em 1848 e que por algumas décadas foi um texto extensamente lido, ele faz a seguinte afirmação, ao passar da teoria da produção à teoria da distribuição: “Uma vez que elas estão lá, a humanidade, coletiva ou individualmente, pode fazer as coisas como bem entender”. Bem, se isso fosse verdade eu admitiria que é uma obrigação moral evidente garantir que elas estejam distribuídas de maneira justa. Mas não é verdade, porque se fizéssemos com o produto realmente o que bem entendêssemos, jamais se produziria algo novamente.
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Além disso, pela primeira vez na história, as pessoas começaram a questionar se a pobreza é tolerável. Antes da Revolução Industrial, todos eram pobres e não havia problema a ser estudado. Somente quando a maior parte das pessoas se tornou rica — pelos padrões históricos — surgiram questionamentos sobre por que algumas pessoas continuavam pobres. Charles Dickens então lamentou a prática já esmorecente do trabalho infantil, que mantinha vivas muitas crianças que em outros tempos teriam morrido, como a maior parte das crianças desde tempos imemoriais; e Karl Marx ofereceu uma visão de um mundo de perfeita liberdade e abundância. Enquanto isso, o sucesso da ciência e dos negócios deu origem à noção de que engenheiros e executivos poderiam planejar e dirigir uma sociedade inteira como se ela fosse uma grande corporação. A ênfase utilitarista de Bentham e Mill sobre “o maior bem para o maior número” levou alguns estudiosos a questionar a necessidade de limitação do governo e proteção dos direitos individuais. Se o objetivo é gerar prosperidade e felicidade, por que tergiversar a respeito da proteção aos direitos individuais? Por que não ir diretamente ao ponto do crescimento econômico e da prosperidade generalizada? Novamente, as pessoas esqueciam o conceito da ordem espontânea, presumiam a superação do problema da produção e criavam planos para guiar a economia numa direção escolhida por meios políticos. E, é claro, não devemos negligenciar o velho desejo humano de exercer poder sobre os outros. Alguns esqueceram as raízes do progresso econômico, outros lamentaram a perturbação da família e da comunidade trazida pela liberdade e riqueza, e outros mais acreditaram sinceramente que o marxismo poderia tornar a todos prósperos e livres, sem necessidade de trabalho nos moinhos satânicos das trevas. Mas muitos outros usaram essas ideias para subir ao poder. Se o direito divino dos reis não persuadia mais as pessoas a abrir mão de sua liberdade e propriedade, os sedentos de poder se voltariam para o nacionalismo, ou o igualitarismo, ou o preconceito racial, ou a belicosidade entre as classes, ou a vaga promessa de que o estado viria aliviar qualquer mal que acometesse o indivíduo. Na virada do século, os liberais remanescentes se desesperavam com as perspectivas futuras. O Nation publicou um editorial dizendo que “o conforto material cegou a presente geração para as causas que o tornaram possível”, mostrando preocupação ao afirmar “antes que [o estatismo] seja novamente repudiado, haja conflitos internacionais em tremenda escala”. Herbert Spencer publicou The Coming Slavery [A volta da escravidão] e lamentou, à sua morte em 1903, que o mundo estivesse retornando à guerra e ao barbarismo. Realmente, como os liberais haviam temido, o século da paz na Europa, que começou em 1815, desabou com estrondo em 1914, com a Primeira Guerra Mundial. A substituição do liberalismo pelo estatismo e nacionalismo foi uma das grandes culpadas, e a própria guerra talvez tenha lhe dado o golpe de misericórdia. Nos
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Estados Unidos e na Europa, os governos aumentaram seu escopo e poder em resposta à guerra. Tributação exorbitante, alistamento militar obrigatório, censura, nacionalização e planejamento central — para não mencionar os dez milhões de mortes nas batalhas de Flandres, Verdun e muitas outras — assinalaram que a era do liberalismo, que havia tão recentemente suplantado a velha ordem, estava então sendo superada pela era do megaestado.
O surgimento do movimento libertário moderno
Ao longo da era progressista, a Primeira Guerra Mundial, o New Deal e a Segunda Guerra Mundial, houve grande entusiasmo por um governo maior entre os intelectuais americanos. Herbert Croly, o primeiro editor da New Republic, escreveu em The Promise of American Life [A promessa da vida americana] que tal promessa seria cumprida “não pela (...) liberdade econômica, mas por um certo grau de disciplina; não pela abundante satisfação dos desejos individuais, mas por uma grande dose de subordinação individual e abnegação”. Nem mesmo o horrendo coletivismo que começava a emergir na Europa repugnava muitos jornalistas e intelectuais “progressistas” na América. Anne O’Hare McCormick relatou no New York Times, durante os primeiros meses do New Deal de Franklin Roosevelt: A atmosfera [em Washington] remete estranhamente a Roma nas primeiras semanas depois da marcha dos Camisas-Negras, a Moscou no começo do Plano Quinquenal... Algo bem mais afirmativo do que aquiescência reveste o presidente da autoridade de um ditador. Essa autoridade é uma oferta grátis, uma espécie de procuração unânime (...). Os Estados Unidos de hoje literalmente pedem ordens (...). O presente ocupante da Casa Branca não apenas possui mais autoridade do que qualquer de seus predecessores, como preside um governo que tem mais controle sobre as atividades privadas do que qualquer outro que jamais tenha existido nos Estados Unidos (...) [O governo Roosevelt] vislumbra uma federação de indústria, trabalho e governo à moda do estado corporativo como o existente na Itália.
Embora alguns liberais — notoriamente o jornalista H. L. Mencken — tenham continuado a defender suas opiniões, houve de fato uma aquiescência geral dos intelectuais e do povo diante da tendência na direção do estado intervencionista. O aparente sucesso do governo em pôr fim à Grande Depressão e vencer a Segunda
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Guerra Mundial deu ímpeto à noção de que o governo poderia resolver todo tipo de problema. Não foi senão cerca de 25 anos depois do fim da guerra que o sentimento popular começou a se voltar contra o megaestado.
Os economistas austríacos
Enquanto isso, até no momento mais difícil do libertarismo, grandes pensadores continuaram a emergir e a refinar ideias liberais. Um dos maiores foi Ludwig von Mises, um economista austríaco que fugira dos nazistas, primeiro para a Suíça, em 1934, e depois para os Estados Unidos, em 1940. Seu devastador Socialism mostrava que o socialismo jamais poderia funcionar, porque sem propriedade privada e um sistema de precificação não há forma de determinar o que deve ser produzido e como. Seu aluno Friedrich A. Hayek recorda a influência que a obra Socialism exerceu sobre alguns dos mais promissores jovens intelectuais da época: Quando Socialism apareceu, em 1922, seu impacto foi profundo. Provocou alterações graduais mas fundamentais na perspectiva de muitos dos jovens idealistas que retornavam a seus estudos universitários após a Primeira Guerra Mundial. Sei disso porque eu era um deles (...). O socialismo prometia corresponder às nossas esperanças de um mundo mais racional e justo. E então veio esse livro. Nossas esperanças se despedaçaram.
Outro jovem intelectual cuja fé no socialismo se esfacelou por Mises foi Wilhelm Roepke, que se tornou o principal conselheiro de Ludwig Erhard, o ministro da Economia da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial e principal arquiteto do “milagre econômico” alemão nos anos 1950 e 1960. Outros não aprenderam tão rápido. Robert Heilbroner, popular autor e economista americano, escreveu que nos anos 1930, quando estudava economia, o argumento de Mises sobre a impossibilidade do planejamento “não pareceu uma razão particularmente convincente para que se rejeitasse o socialismo”. Cinquenta anos depois, Heilbroner escreveu na New Yorker: “Acontece que Mises, é claro, estava certo”. Antes tarde do que nunca. A obra-prima de Mises foi Ação humana, um abrangente tratado de economia. Nele, o autor desenvolveu uma ciência econômica completa, que considerava ser o estudo de todas as ações humanas intencionais. Ele era um defensor inflexível do mercado livre, que apontou muito duramente como toda intervenção do governo no mercado tende a reduzir a riqueza e o padrão geral de vida. O aluno de Mises, Friedrich A. Hayek, tornou-se não só um brilhante economista — ganhou o Prêmio Nobel em 1974 —, como talvez tenha sido o maior pensador
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social do século. Seus livros The Sensory Order [A ordem sensorial], The CounterRevolution of Science [A contrarrevolução da ciência], Os fundamentos da liberdade e Direito, legislação e liberdade exploraram tópicos que foram da psicologia à aplicação errônea dos métodos das ciências naturais ao direito e à teoria política. Em sua mais famosa obra, O caminho da servidão, publicada em 1944, avisou aos próprios países que estavam envolvidos numa guerra contra o totalitarismo que o planejamento econômico levaria não à igualdade, mas a um novo sistema de classe e status; não à prosperidade, mas à pobreza; não à liberdade, mas à servidão. O livro sofreu amargos ataques de intelectuais socialistas e de tendências esquerdistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas vendeu muito bem (possivelmente uma das razões pelas quais os escritores de livros acadêmicos se ressentiram) e inspirou uma nova geração de jovens a explorar as ideias libertárias. O último livro de Friedrich A. Hayek, The Fatal Conceit [A arrogância fatal], publicado em 1988, quando ele chegava aos 90 anos, retornava ao problema que havia consumido a maior parte de seu interesse acadêmico: a ordem espontânea, que é resultado “da ação humana, mas não de um desígnio humano”. A arrogância fatal dos intelectuais, disse, é pensar que pessoas inteligentes podem planejar uma economia ou uma sociedade melhor do que as interações aparentemente caóticas de milhões de pessoas. Esses intelectuais não percebem quanto eles não sabem, ou como o mercado utiliza todo o conhecimento localizado que cada um individualmente possui.
Os últimos liberais clássicos
Um grupo de escritores e pensadores políticos também estava contribuindo para manter vivas as ideias libertárias. H. L. Mencken era mais conhecido como jornalista e crítico literário, mas refletia profundamente sobre política; dizia que seu ideal era “um governo que quase não é governo”. Albert Jay Nock (autor de Our Enemy, the State [Nosso inimigo, o estado]), Garet Garrett, John T. Flynn, Felix Morley e Frank Chodorov preocupavam-se com o futuro do governo limitado e constitucional em face do New Deal e do que parecia ser a permanente atitude bélica que os Estados Unidos assumiram durante o século XX. Henry Hazlitt, jornalista que escrevia sobre economia, funcionou como ponte entre essas escolas. Ele trabalhava para a Nation e para o New York Times, tinha uma coluna na Newsweek, escreveu para o Ação humana de Mises uma exultante resenha e popularizou a economia de mercado livre em um pequeno livro chamado Economia numa única lição, que aprofundava as implicações do “que se vê e o que não se vê” de Bastiat. A seu respeito, Mencken afirmou que “foi um dos poucos economistas da história humana que realmente sabiam escrever”. No terrível ano de 1943, nas profundezas da Segunda Guerra e do Holocausto, quando o mais poderoso governo da história dos Estados Unidos se aliou a um poder totalitário para derrotar outro, três mulheres notáveis publicaram livros dos quais
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se poderia dizer que deram à luz o movimento libertário moderno. Rose Wilder Lane, filha de Laura Ingalls Wilder, a autora de Little House on the Prairie [Casinha na pradaria] e outras histórias de austero individualismo americano, publicou um apaixonado ensaio histórico chamado The Discovery of Freedom [A descoberta da liberdade]. Isabel Paterson, romancista e crítica literária, produziu The God of the Machine [O Deus da máquina], que defendia o individualismo como fonte de progresso no mundo. E Ayn Rand publicou The Fountainhed [A nascente].
Ayn Rand
A nascente é um extenso romance sobre arquitetura e integridade. Seu tema individualista não se adequava ao espírito da época, e os críticos o atacaram ferozmente. Mas o livro encontrou os leitores a quem se destinava. Suas vendas começaram devagar, mas depois foram crescendo. Passados dois anos inteiros, ainda estava na lista dos mais vendidos do New York Times. Centenas de milhares de pessoas leram-no na década de 1940, chegando a milhões, e milhares delas sentiramse inspiradas o suficiente para procurar saber mais sobre as ideias de Ayn Rand. Em seguida, em 1957, ela escreveu um romance ainda mais bem-sucedido, Quem É John Galt?, e fundou uma associação de pessoas que compartilhavam sua filosofia, que ela chamava de Objetivismo. Embora sua filosofia política fosse libertária, nem todos os libertários concordavam com suas visões sobre metafísica, ética e religião. Outros foram afastados pela sua dura franqueza e por seus seguidores. Como Mises e Friedrich A. Hayek, Rand demonstra a importância da imigração não apenas para a América, mas para o libertarismo americano. Mises fugira dos nazistas e Rand, dos comunistas que haviam tomado o poder em sua Rússia natal. Quando um importunador lhe perguntou, depois de um discurso: “Que importância tem o que uma estrangeira pensa?”, ela respondeu, com seu ardor habitual: “Eu escolhi ser americana. O que você já fez, além de nascer?”.
O renascimento no pós-guerra
Não muito depois da publicação de Quem É John Galt?, o economista Milton Friedman, da Universidade de Chicago, publicou Capitalismo e liberdade, no qual defendia a ideia de que a liberdade política não poderia existir sem propriedade privada e liberdade econômica. A estatura de Friedman como economista, que lhe rendeu um Prêmio Nobel em 1976, vinha de seu trabalho em economia monetária. Mas, por causa de Capitalismo e liberdade, de sua longa atuação como colunista da revista Newsweek e do livro de um seriado televisivo de 1980, Livres para escolher, ele se tornou o mais preeminente libertário americano da última geração. Outro economista, Murray Rothbard, obteve menos fama, mas teve um importante papel na construção tanto de uma estrutura teórica para o pensamento libertário
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moderno como de um movimento político dedicado a essas ideias. Rothbard escreveu um importante tratado econômico, Man, Economy and State [Homem, economia e estado]; uma história em quatro volumes da Revolução Americana, Conceived in Liberty [Concebido em liberdade]; um guia conciso da teoria dos direitos naturais e suas implicações, The Ethics of Liberty [A ética da liberdade]; um popular manifesto libertário, For a New Liberty: The Libertarian Manifesto [Por uma nova liberdade: o manifesto libertário]; e incontáveis panfletos e artigos em revistas e boletins. Os libertários o comparam tanto a Marx, construtor de uma teoria político-econômica integrada, quanto a Lenin, o organizador incansável de um movimento radical. O respeito da comunidade acadêmica pelo libertarismo recebeu um grande impulso em 1974, com a publicação de Anarquia, estado e utopia, de Robert Nozick, filósofo da Universidade Harvard. Com espirituosidade e uma lógica minuciosa, Nozick apresentou uma defesa dos direitos individuais, que concluía que um estado mínimo, limitado a estreitas funções de proteção contra a força, o roubo [e] a fraude, imposição de contratos, e assim por diante, é justificado; que qualquer estado maior do que esse violará o direito das pessoas de não ser forçadas a fazer certas coisas, e é injustificado; e que o estado mínimo é tanto inspirador quanto correto.
Em tom mais cativante, ele clamou pela legalização de “atos capitalistas consensuais entre adultos”. O livro de Nozick — junto com For a new liberty [Por uma nova liberdade], de Rothbard, e os ensaios de Rand sobre filosofia política — definiu a versão “intransigente” do libertarismo moderno, que essencialmente reafirmava a lei da igual liberdade de Spencer: os indivíduos têm o direito de fazer o que quiserem, contanto que respeitem os mesmos direitos dos outros. O papel do governo é proteger os direitos individuais de agressores estrangeiros e domésticos que assassinam, estupram, roubam, atacam ou fraudam. E, se o governo procurar fazer mais do que isso, ele próprio estará nos privando de nossas liberdades.
O libertarismo hoje
O libertarismo é às vezes acusado de ser rígido e dogmático, mas na verdade trata-se apenas de uma estrutura básica para as sociedades, na qual os indivíduos possam conviver em paz e harmonia, cada um empreendendo o que Jefferson chamou de “sua própria busca por trabalho e melhorias”. A sociedade criada sobre a estrutura libertária é a mais dinâmica e inovadora jamais vista, como mostram os avanços sem precedentes na ciência, tecnologia e qualidade de vida desde a revolução liberal do século XVIII. Uma
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sociedade libertária é marcada pela disseminação da caridade empreendida como resultado da benevolência pessoal, não mais entregue à coerção estatal. O libertarismo é também uma base criativa e dinâmica para a atividade intelectual. Hoje são as ideias estatistas que parecem antigas e cansadas, enquanto há uma explosão de estudos libertários em campos como economia, direito, história, psicologia, feminismo, desenvolvimento econômico, direitos civis, educação, meio ambiente, teoria das sociedades, bioética, liberdades civis, política externa, tecnologia, a Era da Informação e outros. O libertarismo desenvolveu uma base para a análise e solução de problemas, mas nosso entendimento da dinâmica de sociedades livres e não livres continua a se desenvolver. Hoje, o desenvolvimento intelectual de ideias libertárias continua, mas o impacto geral dessas ideias resulta de uma rede em expansão de revistas e think-tanks (grupos de estudo) libertários, do retorno da tradicional hostilidade americana ao governo centralizado e, mais importante, do fracasso continuado do estado intervencionista em cumprir suas próprias promessas.
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Capítulo 3
Que direitos temos?
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ríticos tanto da esquerda quanto da direita já reclamaram que os Estados Unidos nos anos 1990 mergulharam num discurso sobre direitos. Em nenhum debate político se passa muito tempo antes que um lado, ou ambos, apoie seus argumentos em direitos: de propriedade, direitos sociais, direitos femininos, direitos dos homossexuais, direitos dos não fumantes, direito à vida, direito ao aborto, direito ao porte de armas — basta escolher. Um jornalista recentemente me perguntou o que eu achava de uma proposta de autodenominados comunitaristas para “suspender por algum tempo a criação de novos direitos”. Comunitaristas, nos Estados Unidos do fim do século XX, são pessoas que acreditam que “a comunidade” deve de algum modo ter precedência sobre o indivíduo, de modo que é natural que respondam à sobrecarga do discurso sobre direitos dizendo simplesmente: “Vamos parar com isso”. Fiquei pensando: sob quantos aspectos diferentes isso está errado? Comunitaristas parecem ver direitos como pequenas caixas: quando há caixas demais, não há espaço para todas. Na visão libertária, temos um número infinito de direitos contidos em um único direito natural. Esse direito humano fundamental é o direito de viver como bem entender, contanto que não infrinja os mesmos direitos dos outros. Esse único direito tem infinitas implicações. Como disse James Wilson, um signatário da Constituição, em resposta à proposta de que se adicionasse uma Declaração de Direitos à Constituição: “Enumerar todos os direitos dos homens! Estou certo, senhores, de que nenhum cavalheiro na última convenção teria tentado tal coisa”. Afinal, uma pessoa tem o direito de usar chapéu ou não; de se casar ou não; de cultivar feijões ou maçãs; de abrir uma loja de miudezas. De fato, para citar um exemplo específico, uma pessoa tem o direito de vender uma laranja a um comprador voluntário mesmo que a laranja tenha somente 5,95 cm de diâmetro (embora isso seja ilegal pela lei federal vigente). É impossível enumerar espontaneamente todos os direitos que temos; geralmente nos damos ao trabalho de identificá-los somente quando alguém propõe limitar um 61
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ou outro. Tratar os direitos como reivindicações tangíveis que devessem ser limitadas em número demonstra total incompreensão do conceito. Mas a reclamação a respeito da “proliferação de direitos” não é totalmente errônea. Há de fato um problema nos Estados Unidos de hoje com a proliferação de falsos “direitos”. Quando direitos se tornam simplesmente reivindicações legais ligadas a interesses e preferências, está preparado o cenário para conflitos sociais e políticos. Interesses e preferências às vezes podem conflitar, mas direitos não. Não há conflito entre direitos humanos genuínos em uma sociedade livre. Há, porém, muitos conflitos entre os detentores dos chamados direitos sociais, os quais requerem que alguém nos forneça o que queremos, seja educação, saúde, previdência social, assistência, subsídios agrícolas ou que a vista de nossa casa não seja obstruída por alguma construção na propriedade vizinha. Esse é um problema fundamental da democracia de grupos de interesse e do estado intervencionista. Em uma sociedade liberal, as pessoas assumem riscos e obrigações por meio de contratos; um estado intervencionista impõe às pessoas, pelo processo político, obrigações que conflitam com seus direitos naturais. Que direitos, então, temos de fato e como podemos diferenciá-los dos falsos “direitos”? Comecemos revisitando um dos documentos básicos da história dos direitos humanos, a Declaração de Independência americana. No segundo parágrafo da Declaração, Thomas Jefferson delineou uma afirmação dos direitos e seus significados, de graça e brevidade sem igual. Como se observou no capítulo 2, a tarefa de Jefferson ao escrever a Declaração era expressar os sentimentos comuns dos colonos americanos, e ele foi escolhido não porque tivesse novas ideias, mas por sua “peculiar felicidade de expressão”. Apresentando ao mundo a causa americana, Jefferson explicou: Sustentamos como verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais, que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Que para assegurar tais direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Que sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la.
Procuremos agora destrinchar as implicações desse documento fundador americano.
Direitos básicos
Qualquer teoria de direitos deve começar em algum lugar. A maior parte dos filósofos libertários iniciaria o argumento em um ponto anterior àquele em que Jefferson
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o iniciou. Os seres humanos, diferentemente dos animais, vêm ao mundo sem um conhecimento instintivo de suas necessidades e de como satisfazê-las. Como disse Aristóteles, o homem é um animal racional; os humanos usam o poder da razão para entender suas próprias necessidades, o mundo à sua volta e como usar esse mundo para satisfazer essas necessidades. Precisam, portanto, de um sistema social que lhes permita utilizar sua razão, agir no mundo e cooperar com outros para atingir propósitos que não poderiam alcançar sozinhos. Cada pessoa é um indivíduo único. Os seres humanos são animais sociais — gostamos de interagir com outros e nos beneficiamos disso —, mas pensamos e agimos individualmente. Cada indivíduo é dono de si mesmo. Que outras possibilidades há além da soberania individual? Alguém — um rei ou uma raça soberana — poderia ser dono de outros. Platão e Aristóteles defenderam a ideia de que havia tipos diferentes de humanos, alguns mais competentes do que outros e dotados por isso do direito e da responsabilidade de governar, assim como os adultos orientam as crianças. Algumas formas de socialismo e coletivismo são — explícita ou implicitamente — baseadas na noção de que muitas pessoas não têm competência para tomar decisões sobre sua própria vida, de modo que os mais talentosos devem agir por elas. Mas isso significaria que não há direitos humanos universais, somente direitos que alguns têm e outros não, negando-se assim a essência humana dos que estão fadados a ser propriedade alheia. Todos são donos de todos, um sistema comunista pleno. Em tal sistema, antes que alguém pudesse fazer qualquer coisa, precisaria da permissão de todas as outras pessoas. Mas como seria possível que cada pessoa concedesse sua permissão sem antes consultar todas as demais? Teríamos uma regressão infinita, tornando qualquer ação logicamente impossível. Na prática, uma vez que a soberania mútua é impossível, esse sistema se desfaria no anterior: alguém, ou algum grupo, se tornaria dono de todos os outros. Foi o que aconteceu nos países comunistas: o partido se tornou uma elite ditatorial governante. Assim, tanto o comunismo quanto o governo aristocrático dividiriam o mundo em facções ou classes. A única possibilidade humanizada, lógica e apropriada à natureza dos seres humanos é a soberania individual. Essa discussão, obviamente, apenas arranhou a superfície da questão da soberania individual. De qualquer forma, gosto muito da declaração simples de Jefferson: os direitos naturais são autoevidentes. Conquistadores e opressores disseram às pessoas por milênios que os homens não foram criados iguais, e que alguns estavam destinados a governar e outros a ser governados. No século XVIII, essa antiga superstição havia sido descartada; Jefferson
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denunciou-a com sua habitual felicidade de expressão: “A massa da humanidade não nasceu com sela nas costas nem alguns poucos afortunados, com botas e esporas, prontos para montá-los legitimamente com a graça de Deus”. Agora, entrando no século XX, a ideia de igualdade é quase universalmente aceita. É claro, as pessoas não são igualmente altas, igualmente bonitas, igualmente inteligentes, igualmente bondosas, igualmente elegantes ou igualmente bem-sucedidas. Mas têm direitos iguais, e por isso devem ser igualmente livres. Como escreveu Cícero, o jurista estoico: “Embora seja indesejável equalizar a riqueza e embora não tenham todos os mesmos talentos, ao menos os direitos legais devem ser iguais entre cidadãos da mesma nação”. Em nossa época, vemos muita confusão sobre esse ponto. Têm-se defendido políticas públicas, algumas brandas, outras repressivas, para se obter igualdade de resultados. Os defensores da igualdade material aparentemente não sentem necessidade de defendê-la como princípio; ironicamente, tomam-na como autoevidente. Ao defender a igualdade, geralmente confundem três conceitos: r O direito à igualdade perante a lei, que é o tipo de igualdade que Jefferson tinha em mente. r O direito de igualdade de resultados, ou que todos tenham a mesma quantidade de... de quê? Geralmente os igualitaristas falam na mesma quantidade de dinheiro, mas por que seria o dinheiro o único teste? Por que não igualdade de beleza, de cabelo ou de trabalho? A verdade é que a igualdade de consequências exige uma decisão política sobre medida e alocação, uma decisão que nenhuma sociedade pode tomar sem que algum grupo imponha sua visão sobre os outros. A verdadeira igualdade é logicamente impossível em um mundo de diversidades, e a tentativa de atingi-la resulta em um pesadelo. Para produzir igualdade de resultados, é preciso tratar as pessoas desigualmente. r O direito à igualdade de oportunidades, que significa uma chance igual de ser bem-sucedido na vida. Geralmente quem usa “igualdade” nesse sentido quer se referir a direitos iguais, mas a tentativa de criar verdadeira igualdade de oportunidade pode ser tão ditatorial quanto igualdade de resultados. Crianças criadas em famílias diferentes nunca estarão igualmente preparadas para o mundo adulto, e no entanto qualquer alternativa à liberdade da família de criar seus filhos significaria um estado-babá da pior espécie. A plena igualdade de oportunidade pode de fato levar à solução proposta no conto Harrison Bergeron, de Kurt Vonnegut, no qual os belos são deformados, os ágeis, algemados, e os inteligentes têm seus padrões cerebrais continuamente perturbados. O tipo de igualdade apropriado para uma sociedade livre é a igualdade de direitos. Como está claramente afirmado na Declaração, os direitos não são uma concessão do governo. São naturais e permanentes, inerentes à natureza da espécie humana
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e detidos pelas pessoas em virtude de sua humanidade, especificamente por sua capacidade de se responsabilizar por suas ações. Se os direitos vêm de Deus ou da natureza não é uma questão essencial nesse contexto. Lembre-se de que o primeiro parágrafo da Declaração se refere a “leis da natureza e do Deus da natureza”. O que é importante é que direitos são imprescritíveis, isto é, não são assegurados por nenhum outro ser humano. Em particular, não são garantidos pelo governo; as pessoas formam governos para proteger os direitos que já têm.
Soberania individual
Como toda pessoa é dona de si mesma, de seu corpo e de sua mente, ela tem o direito à vida. Tomar a vida de outro sem justificativa — assassiná-lo — é a maior violação possível de seus direitos. Infelizmente, o termo “direito à vida” é usado de duas formas hoje em dia, levando a confusão. Talvez seja melhor que fiquemos com “soberania individual”. Algumas pessoas, em sua maioria de direita, usam “direito à vida” para defender os direitos dos fetos (ou nascituros) contra o aborto. Obviamente, esse não é o sentido em que Jefferson usou o termo. Outras pessoas, principalmente de esquerda, diriam que “direito à vida” significa um direito, que todos têm, às necessidades da vida: comida, roupas, abrigo, cuidados médicos e talvez até mesmo uma jornada de trabalho limitada a oito horas e duas semanas de férias. Mas, se o direito à vida significa isso, então uma pessoa tem o direito de forçar as outras a lhe dar coisas, violando seus direitos iguais. A filósofa Judith Jarvis Thomson escreve: “Se estou doente, à beira da morte, e a única coisa que salvará minha vida é o toque fresco da mão de Henry Fonda sobre minha testa febril, mesmo assim não tenho direito ao toque fresco da mão de Henry Fonda sobre minha testa febril”. E se ela não tem o direito ao toque de Henry Fonda, por que teria direito a um quarto na casa de Henry Fonda, ou um pouco do dinheiro de Henry Fonda para comprar comida? Isso significaria forçá-lo a servir-lhe, tomando o produto de seu trabalho sem seu consentimento. Não; o direito à vida significa que cada pessoa tem direito a agir visando ao prosseguimento de sua vida e de sua prosperidade, e não de forçar os outros a prover suas necessidades. O universalismo ético, o modelo mais comum para uma teoria da moral, afirma que uma teoria ética válida deve ser aplicável para todos os homens e mulheres, em qualquer tempo e local em que se encontrem. Os direitos naturais à vida, liberdade e propriedade podem ser desfrutados pelas pessoas em quaisquer circunstâncias normais. Mas os chamados “direitos” a habitação, educação, saúde, televisão a cabo ou férias remuneradas, generosamente proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, não podem ser desfrutados em todo lugar. Algumas sociedades são pobres demais para prover a todos com lazer, habitação ou mesmo
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comida. E lembremos que não há entidade coletiva conhecida como “educação” ou “saúde”; existem apenas bens específicos e particulares, tais como uma vaga, por um ano, nesta ou naquela escola, ou uma operação feita pelo bondoso Dr. Fulano na quinta-feira. Alguma pessoa ou grupo de pessoas teria que prover cada unidade particular de “habitação” ou “educação”, e oferecer essas coisas a uma pessoa significa necessariamente negá-las a outra. Portanto, é logicamente impossível tornar esses desejáveis bens “direitos humanos universais”. O direito à soberania individual leva imediatamente ao direito à liberdade; de fato, podemos dizer que o “direito à vida” e o “direito à liberdade” são apenas duas formas de expressar a mesma coisa. Se as pessoas são donas de si mesmas, e têm tanto o direito quanto a obrigação de agir como é necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento, então elas devem gozar da liberdade de pensamento e ação. A liberdade de pensamento é uma implicação óbvia da soberania individual. Em certo sentido, é claro, é difícil negar a liberdade de pensamento. Quem poderia controlar o conteúdo da mente de outra pessoa? A liberdade de expressão também é uma consequência lógica da propriedade sobre si. Muitos governos já tentaram tornar ilegal ou restrita a liberdade de expressão, mas o discurso é inerentemente fugaz, então o controle é difícil. A liberdade de imprensa — incluindo, em tempos modernos, difusão de rádio e televisão, televisão a cabo, correio eletrônico e outras novas formas de comunicação — é um aspecto da liberdade intelectual que governos opressivos costumam atacar. E, quando defendemos a liberdade de imprensa, estamos necessariamente falando sobre direitos de propriedade, pois as ideias são expressas por meio de propriedades — de impressoras, auditórios, carros de som, outdoors, equipamento de rádio, de frequências de difusão, de redes de computadores, e assim por diante.
Direitos de propriedade
Na verdade, a propriedade sobre bens é uma implicação necessária da propriedade sobre si mesmo, porque toda ação humana envolve posse. De que outro jeito poderíamos buscar a felicidade? No mínimo, precisamos de um lugar onde nos instalar. Precisamos do direito a usar a terra e outras propriedades para produzir novos bens e serviços. Veremos que todos os direitos podem ser entendidos como direitos de propriedade. Mas esse é um argumento controverso, nem sempre facilmente entendido. Muitas pessoas se perguntam por que não poderíamos voluntariamente compartilhar nossos bens e propriedades. A propriedade é uma necessidade. “Propriedade” não significa simplesmente terras ou outros bens materiais. Propriedade é qualquer coisa que as pessoas possam usar, manipular ou jogar fora. O direito à propriedade é o direito de usar, manipular e jogar fora um objeto ou ente. Será essa uma necessidade perversa, ou própria da exploração? De modo nenhum.
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Se nosso mundo não fosse caracterizado pela escassez, não precisaríamos dos direitos de propriedade. Isto é, se tivéssemos infinitas quantidades de tudo o que as pessoas querem, não precisaríamos de nenhuma teoria sobre como alocar essas coisas. Mas está claro que a escassez é uma característica básica de nosso mundo. Note-se que escassez não implica pobreza ou falta de subsistência básica. Escassez significa simplesmente que os desejos humanos são essencialmente ilimitados, de modo que nunca temos recursos produtivos suficientes para supri-los todos. Mesmo um asceta que tivesse transcendido o desejo de posse de bens materiais além da subsistência básica se defrontaria com a escassez mais elementar de todas: a escassez do corpo, da vida e do tempo. O tempo que devotasse à oração não estaria mais disponível para o trabalho manual, para a leitura dos textos sagrados ou para a realização de boas ações. Não importa quão rica nossa sociedade se torne — nem quão indiferentes aos bens materiais nos tornemos —, sempre teremos de fazer escolhas, o que significa que precisamos de um sistema para decidir quem pode usar quais recursos produtivos. Não é possível abolir os direitos de propriedade, como os visionários socialistas prometem fazer. Enquanto existirem coisas, alguém deverá ter o poder de usá-las. Em uma sociedade civilizada, não queremos que esse poder seja exercido simplesmente pela pessoa mais forte ou mais violenta; queremos uma teoria da justiça dos títulos de propriedade. Quando governos socialistas pretensamente “abolem” a propriedade, o que prometem é que toda a comunidade será dona da propriedade. Mas, dado que — com ou sem teoria visionária — somente uma pessoa pode comer uma determinada maçã, ou dormir em uma determinada cama ou estar em pé em um determinado local, alguém terá que decidir quem terá direito a isso. Esse alguém — o oficial do partido, o burocrata, o czar — é o verdadeiro detentor do direito de propriedade. Os libertários acreditam que o direito à soberania individual significa que os indivíduos devem ter o direito de adquirir e trocar propriedades para satisfazer suas necessidades e desejos. Para nos alimentar, abrigar nossas famílias ou abrir um negócio, precisamos fazer uso de uma propriedade. E, para que as pessoas se disponham a poupar e investir, precisam estar confiantes em que seus direitos de propriedade estão legalmente assegurados e de que ninguém pode chegar e confiscar a riqueza que geraram, seja ela a colheita do que plantaram, a casa que construíram, o carro que compraram ou a grande corporação que criaram por meio de uma rede de contratos com muitas outras pessoas. Aquisição original da propriedade. Em primeiro lugar, como se adquire uma propriedade? Se uma nave espacial cheia de homens e mulheres pousasse em Marte, talvez não houvesse necessidade de conflito a respeito da terra. Seria só escolher um lugar e começar a plantar ou construir. Um cartunista certa vez representou dois homens das cavernas dizendo um ao outro: “Vamos cortar a terra em pequenos retângulos e vendê-los”. Colocado assim, parece absurdo. Por que fazer tal
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coisa? E quem compraria esses retângulos? E com quê? Mas, à medida que a população aumenta, torna-se necessário decidir que terras — e que água, e que espectro de frequência — pertencem a quem. John Locke descreveu uma forma de adquirir propriedade: quem quer que fosse o primeiro a “misturar com seu trabalho” um pedaço de terra se tornaria dono dela. Ao entrelaçar seu próprio esforço com um pedaço de terra até então sem dono, tornava-o seu. O homem tem então direito a construir nele uma casa, cercá-lo, vendê-lo ou dispor dele como bem entender. Para cada entidade há na verdade um feixe de direitos de propriedade, que podem ser desagregados. Pode haver tantos direitos de propriedade associados a uma entidade quantos são os aspectos dessa entidade. Por exemplo, você pode comprar ou alugar o direito de perfurar um terreno para encontrar petróleo, mas não o direito de cultivá-lo ou construir nele. Você pode ser dono de um terreno, mas não da água que houver sob ele. Você pode doar sua casa para uma instituição de caridade, mas preservar o direito de morar nela enquanto viver. Como disse Roy Childs em Liberty Against Power [A liberdade contra o poder]: “Antes que houvesse uma tecnologia disponível para difundir áudio por ondas, certas coisas (...) não poderiam ser propriedade, pois não poderiam ter sido especificadas por nenhum meio tecnológico”. Mas, uma vez que entendemos a física da radiodifusão, podemos criar direitos de propriedade sobre o espectro de frequência. Childs prossegue: “À medida que a sociedade fica mais complicada (...) e a tecnologia avança, os tipos de propriedade que as pessoas podem ter se tornam cada vez mais complexos”. O princípio do usucapião — de adquirir, inicialmente, um título de propriedade por ser o primeiro a usá-la ou transformá-la — pode funcionar de maneira diferente para diferentes tipos de propriedade. Por exemplo, em estado de natureza, quando a maior parte da terra não tem dono (por exemplo, no caso de homens chegarem a um novo planeta), poderíamos dizer que simplesmente acampar em um pedaço de terra e lá permanecer é suficiente para adquirir o direito de propriedade. Certamente assentar as fundações para erguer uma casa e então começar a construí-la estabeleceria um direito de propriedade. O direito à água — seja em lagos, rios, ou lençóis subterrâneos — tradicionalmente tem sido adquirido de formas diferentes da aquisição de terras. Quando se começou a usar o espectro de frequência para radiodifusão nos anos 1920, adotou-se em geral um princípio de aquisição pelo uso: comece a transmitir em uma frequência e adquira o direito de continuar a usá-la. (O papel do governo em todos esses casos é simplesmente proteger, em grande medida por intermédio dos tribunais, os direitos que os indivíduos adquirem por si mesmos.) A questão importante, que discutirei mais adiante, é termos alguma forma de estabelecer direitos de propriedade e, depois, de permitir que as pessoas os transfiram umas para as outras por consentimento mútuo. Direitos de propriedade são direitos humanos. O que exatamente significa ser dono de uma propriedade? Podemos citar a definição de Jan Narveson:
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“Se x é propriedade de A significa que ‘A tem o direito de determinar como dispor de x’”. Note-se que um direito de propriedade não é um direito da propriedade nem um direito próprio de uma propriedade, como frequentemente insinuam os opositores dos direitos de propriedade. Na verdade, o direito de propriedade é um direito humano à propriedade, o direito do indivíduo de usar e dispor da propriedade que adquiriu justamente. Direitos de propriedade são direitos humanos. Realmente, como se defende acima, todos os direitos humanos podem ser vistos como direitos de propriedade, derivados do direito fundamental à soberania individual, nossa propriedade sobre nosso corpo. Como coloca Murray Rothbard em Power and Market [Poder e mercado]: No sentido mais profundo, não há direitos senão os direitos de propriedade (...). Isso é verdade em vários sentidos. Em primeiro lugar, cada indivíduo, por um fato da natureza, é dono de si mesmo, o governante de sua própria pessoa. Os direitos “humanos” defendidos na sociedade puramente de mercado livre são, com efeito, o direito de propriedade de cada um a seu próprio ser, e desse direito de propriedade deriva seu direito aos bens materiais que tiver produzido.
Em segundo lugar, os direitos alegados “humanos” podem ser reduzidos a direitos de propriedade (...) por exemplo, o “direito humano” à liberdade de expressão. Liberdade de expressão significa o direito de cada um dizer o que quiser. Mas a pergunta que não se faz é: onde? Em que locais um homem tem o direito de dizer o que quiser? Certamente não em uma propriedade que tenha invadido. Em resumo, ele só tem esse direito ou em sua propriedade ou na propriedade de alguém que tenha concordado, por doação ou contrato de aluguel, em permitir sua permanência nela. Na verdade, então, não há nada que possa ser considerado separadamente um “direito à liberdade de expressão”; existe somente o direito à propriedade, o direito de fazer o que desejar com sua propriedade, ou de fazer acordos voluntários com outros detentores de propriedades [incluindo aqueles cuja propriedade consista somente em seu próprio trabalho]. Quando entendemos a liberdade de expressão dessa forma, vemos o que há de errado com a famosa afirmação do juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes de que a liberdade de expressão não pode ser absoluta, pois ninguém tem direito de gritar em falso “Fogo!” em um teatro lotado. Quem gritaria “Fogo”? Possivelmente o dono, ou um de seus agentes, caso em que teria fraudado seus clientes: vendeu
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ingressos para uma peça ou filme e então perturbou o espetáculo, além de pôr sua vida em risco. Se não foi o dono, foi um dos clientes, que está violando os termos de seu contrato: seu ingresso lhe dá direito de desfrutar do espetáculo, e não de perturbá-lo. O argumento do falso grito de “fogo” no teatro não é razão para cercear a liberdade de expressão; é uma ilustração da maneira como os direitos de propriedade resolvem problemas e da necessidade de protegê-los e aplicá-los. A mesma análise se aplica ao muito debatido direito à privacidade. No caso Griswold v. Connecticut, de 1965, a Suprema Corte derrubou uma lei de Connecticut proibindo o uso de anticoncepcionais. O juiz da Suprema Corte William O. Douglas encontrou, em “penumbras, formadas por emanações” de várias partes da Constituição, um direito à privacidade para casais casados. Conservadores como o juiz Robert Bork ridicularizam há trinta anos esse raciocínio vago e sem raízes. As penumbras continuaram a emanar, até incluir o direito de casais não casados à anticoncepção e o direito de uma mulher levar a termo uma gravidez, mas subitamente, em 1986, descobriu-se que as emanações não iam longe o suficiente para cobrir atos consensuais de homossexualismo em um recinto privado. Uma teoria de privacidade enraizada em direitos de propriedade não teria precisado de penumbras ou emanações — as quais, sendo penumbra a sombra imperfeita, são necessariamente bem vagas — para descobrir que uma pessoa tem o direito de comprar anticoncepcionais de quem quiser vendê-los, ou de ter relações sexuais consensuais em sua própria casa. “A casa de um homem é seu castelo” oferece uma fundação bem mais forte para a privacidade do que “penumbras, formadas por emanações”. Aqueles que rejeitam o princípio dos direitos de propriedade precisam oferecer mais do que apenas críticas. Precisam oferecer um sistema alternativo que defina com a mesma eficiência quem pode usar que recursos e de que maneiras; assegure que a terra, bem como outras propriedades, seja devidamente preservada; forneça uma base para o desenvolvimento econômico; e evite a guerra de todos contra todos que pode sobrevir quando o controle sobre bens valiosos não está claramente definido.
A teoria do justo título de Nozick
Em seu livro de 1974, Anarquia, estado e utopia, o filósofo Robert Nozick, de Harvard, discutiu concepções alternativas dos direitos de propriedade de forma muito elucidativa. Embora comumente chamado de “justiça distributiva”, o termo propende para a discussão. Como aponta Nozick, o termo, do modo como é usado frequentemente, implica algum processo de distribuição que talvez tenha se desviado e queiramos corrigir. Mas, em uma sociedade livre, não há distribuição central de recursos. Milton Friedman fala de visitar a China na década de 1980 e ser inquirido por um ministro do governo: “Quem está encarregado da distribuição de materiais nos Estados Unidos?”. Friedman ficou quase sem fala com a pergunta, mas teve que
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explicar que em uma economia de mercado não há nenhuma pessoa ou comissão “encarregada da distribuição de materiais”. Milhões de pessoas produzem bens — através de uma complexa rede de contratos em uma economia avançada — e então os trocam. Como diz Nozick, “O que cada pessoa recebe, recebe de outros, que o cede em troca de algo ou como um presente”. Nozick sugere que há duas formas de ver a questão da justiça nos direitos de propriedade. A primeira é histórica: se as pessoas adquiriram sua propriedade justamente, então elas têm um título de propriedade, e seria errado interferir pela força e redistribuir essa propriedade. A outra visão baseia-se em padrões, ou resultados finais, ou o que Nozick chama de “princípios do momento presente”. Isto é, “a justeza de uma distribuição é determinada pelo modo como as coisas estão distribuídas (quem tem o que), segundo um julgamento determinado por algum princípio estrutural de distribuição justa”. Os defensores de distribuições padronizadas não perguntam se a propriedade foi justamente adquirida, mas se o padrão da distribuição do momento se ajusta ao que consideram o padrão correto. Há muitos tipos de padrões que as pessoas podem preferir: que brancos tenham mais propriedades (ou dinheiro, ou qualquer coisa) que negros ou cristãos tenham mais do que judeus, que pessoas inteligentes tenham mais, que pessoas boas tenham mais, que cada um tenha tudo de que precisar. Algumas dessas visões são odiosas. Outras talvez sejam defendidas por seus amigos e muitas pessoas decentes. Mas o que todas têm em comum é a presunção de que uma distribuição justa é determinada por quem tem o quê, sem nenhuma menção a como a propriedade foi obtida. Hoje em dia, no entanto, os críticos do capitalismo provavelmente defenderão a ideia de que todos devem ter propriedades iguais, ou que ninguém deve ter mais do que o dobro de outra pessoa, ou alguma outra variante de igualdade. Assim, essa é a alternativa ao libertarismo que levaremos em consideração. Nozick delineia sua teoria do justo título da seguinte maneira: em primeiro lugar, as pessoas têm direito a adquirir uma propriedade que não tenha dono. Esse é o princípio da justa aquisição. Em segundo lugar, as pessoas têm direito de dar essa propriedade a outros, ou de trocá-la voluntariamente com outros. Esse é o princípio da justa transferência. Portanto: Se o mundo fosse totalmente justo, a seguinte definição indutiva esgotaria o assunto da justiça nos valores: 1. Uma pessoa que adquire um valor de acordo com o princípio da justa aquisição tem um título sobre esse valor. 2. Uma pessoa que adquire um valor de alguém que tenha direito a ele, de acordo com o princípio da justa transferência, tem um título sobre esse valor.
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3. Ninguém mais tem um título sobre um valor exceto por aplicação (iterativa) de 1 e 2. O princípio completo da justiça distributiva diria simplesmente que uma distribuição é justa se todos tiverem títulos sobre os valores que detêm sob essa distribuição. Uma distribuição é justa se derivar de outras distribuições justas por quaisquer meios legítimos.
Uma vez que as pessoas tenham uma propriedade (incluindo o trabalho de sua própria mente e corpo, que são inerentemente propriedade sua), elas podem legitimamente trocá-la com outras pessoas por qualquer propriedade que estas tenham legitimamente adquirido. Podem ainda doá-la. O que as pessoas não podem fazer é tomar a propriedade de outra pessoa sem seu consentimento. Nozick passa a discutir a questão da igualdade em uma famosa seção de seu livro, intitulada “Como a liberdade perturba os padrões”. Suponha que comecemos uma sociedade na qual a riqueza é distribuída da forma que você acha mais justa. Poderia ser o caso de todos os cristãos possuírem mais do que qualquer judeu, ou que os membros do Partido Comunista fossem donos de toda a propriedade (exceto do corpo das pessoas), ou qualquer outra coisa. Mas vamos presumir que seu padrão preferido é que todos tenham igual quantidade de riqueza e que é isso que observamos em nossa sociedade hipotética. Agora considere um único evento. Suponha que o grupo de rock Pearl Jam esteja em turnê. Eles cobram 10 dólares pelo ingresso da apresentação. Durante a turnê, um milhão de pessoas veem seus shows. No final, um milhão de pessoas estão 10 dólares mais pobres, e os membros do Pearl Jam estão 10 milhões de dólares mais ricos. Eis a pergunta: a distribuição de riqueza agora é desigual. Será ela injusta? Se sim, por quê? Concordamos em que a distribuição de riqueza no início era justa, porque estipulamos que era a sua distribuição favorita. No início, cada pessoa, presumivelmente, tinha direito ao dinheiro que possuía e, portanto, o direito de gastá-lo como quiser. Muitas pessoas exerceram esse direito, e agora os músicos do Pearl Jam estão mais ricos do que todo mundo. Isso é errado? Todas aquelas pessoas escolheram gastar seu dinheiro dessa forma. Elas poderiam ter comprado CDs do Michael Jackson, ou granola, ou exemplares da New York Review of Books. Elas poderiam ter dado dinheiro ao Exército de Salvação ou para o Habitat for Humanity. Se elas tinham direito ao dinheiro que possuíam no começo, certamente tinham direito de gastá-lo, e nesse caso o padrão de distribuição de riqueza mudará. Qualquer que seja o padrão, quando diferentes pessoas escolhem gastar seu dinheiro e oferecer bens e serviços para ganhar mais dinheiro para gastar, o padrão
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estará em constante mudança. Alguém abordará o Pearl Jam e se oferecerá para promover seus shows em troca de uma parte da renda da bilheteria, ou para produzir seus álbuns e vendê-los. Outra pessoa abrirá uma gráfica e produzirá os ingressos para os shows. Como diz Nozick, para evitar as desigualdades em relação à riqueza, teríamos que “proibir atos capitalistas consensuais entre adultos”. Ele nota ainda que nenhum padrão de distribuição pode ser mantido “sem contínua interferência na vida das pessoas”. Ou se tem que continuamente impedir que as pessoas gastem seu dinheiro como bem entenderem, ou ficar continuamente — ou a intervalos regulares — tomando das pessoas o dinheiro que outras decidiram lhes dar. É fácil dizer que não nos incomodamos que artistas de rock enriqueçam. Mas é claro que o mesmo princípio se aplica a capitalistas, inclusive bilionários. Se Henry Ford inventou um carro que as pessoas querem comprar, ou se Bill Gates inventou um sistema operacional, ou se Sam Walton inventou um jeito eficiente e barato de distribuir bens de consumo, e temos o direito de gastar nosso dinheiro como quisermos, então eles ficarão ricos. Para impedir isso, teríamos que proibir as pessoas adultas de gastar seu dinheiro do modo que quiserem. Mas e os filhos deles? É justo que os filhos do magnata nasçam em meio a mais riqueza, que provavelmente levará a uma educação melhor, do que eu ou você? Essa pergunta parte de premissas errôneas sobre a natureza de uma sociedade complexa. Em aldeias primitivas, abrangendo apenas umas poucas pessoas que provavelmente são parentes distantes, era apropriado distribuir os bens da tribo na base da “equidade”. Mas uma sociedade diversificada nunca vai concordar com uma “justa” distribuição de bens. Por outro lado, conseguimos concordar sobre justiça — que as pessoas devem ter o direito de preservar aquilo que produziram. Isso não significa que o filho de Henry Ford tenha “direito” de herdar riqueza, mas que Henry Ford tinha o direito de adquirir riqueza e de então dá-la a quem quisesse, inclusive a seus filhos. Uma distribuição por uma autoridade central — como um pai distribui mesadas, ou como um professor dá notas — pode ser considerada “justa” ou “injusta”. Mas o complexo processo pelo qual milhões de pessoas produzem bens e os vendem ou dão a outras é de uma natureza diferente, e não há sentido em julgar isso pelas leis de equilíbrio que se aplicam a grupos pequenos sob uma autoridade central. De acordo com a teoria do justo título, as pessoas têm o direito de trocar a propriedade adquirida justamente. Algumas ideologias têm por princípio “a cada um segundo ”. Para Marx, era “de cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo sua necessidade”. Note que Marx separa a produção da distribuição; entre essas duas orações, há alguma autoridade decidindo quais são a sua capacidade e a minha necessidade. Nozick oferece uma prescrição libertária, integrando produção e distribuição em um sistema justo:
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De cada um segundo o que escolhe fazer, e a cada um segundo o que faz para si (talvez com a ajuda contratada de outras pessoas) e o que outros escolhem fazer por ele e dar a ele do que lhes foi dado (sob esta máxima) e ainda não tiverem gasto ou transferido.
Falta nessa passagem o vigor de um bom slogan. Então, parafraseando Nozick, podemos resumi-la assim: De cada um conforme sua escolha, e a cada um conforme é escolhido.
O axioma da não agressão
Quais são os limites da liberdade? O corolário do princípio libertário de que “cada pessoa tem direito a viver sua vida como bem escolher, contanto que não interfira nos direitos iguais de outros” é este: Nenhum indivíduo tem direito de iniciar uma agressão contra a pessoa ou a propriedade de nenhum outro.
Isso é o que os libertários chamam de axioma da não agressão, e é um princípio central do libertarismo. Note-se que o axioma da não agressão não proíbe o uso da força em retaliação, isto é, para recuperar a propriedade roubada, para punir os que violaram os direitos alheios, para retificar uma injúria, ou até para impedir uma injúria iminente. O que o axioma afirma é que é errado usar ou ameaçar de agressão física uma pessoa ou propriedade de alguém que antes não tenha feito uso ou ameaça de agressão. A justiça, portanto, proíbe o assassinato, o estupro, o roubo, o sequestro e a fraude. (Por que fraude? Será a fraude de fato uso não retaliativo da força? Sim, porque é uma forma de roubo. Se prometo lhe vender uma cerveja Heineken por um dólar, mas em vez dela lhe dou uma Bud Light, eu roubei o seu dólar.) Como foi abordado no capítulo 1, a maior parte das pessoas costuma acreditar nesse código de ética e o adota em sua vida. Os libertários acreditam que o código deve ser aplicado coerentemente tanto às ações do governo quanto às dos indivíduos. Direitos não são cumulativos; não se pode dizer que os direitos de seis pessoas têm mais peso que os direitos de três, e que então essas seis podem tomar a propriedade das outras três. Igualmente, um milhão de pessoas também não podem “combinar” seus direitos em alguma forma de direito cumulativo para tomar a propriedade de outras mil. Por isso os libertários condenam as ações do governo que se apossam de nossa pessoa ou propriedade, ou nos ameaçam com multas ou prisão pela forma como vivemos nossa vida ou como nos envolvemos em interações voluntárias com outras pessoas (inclusive em transações comerciais).
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A liberdade, na visão libertária, é a condição na qual os direitos de soberania individual e o direito de propriedade do indivíduo não sofrem invasões ou agressões. Alguns filósofos chamam a concepção libertária dos direitos de “liberdade negativa”, no sentido de que ela impõe somente obrigações negativas aos outros — o dever de não agredir ninguém. Mas para cada indivíduo, como afirma Ayn Rand, um direito é uma reivindicação moral a um positivo: “sua liberdade de agir segundo seu próprio julgamento, para seus próprios propósitos e por sua própria escolha, livre e voluntária”. Alguns comunitaristas dizem que “a linguagem dos direitos é moralmente incompleta”. Isso é verdade; os direitos dizem respeito somente a um certo domínio da moral — um estreito domínio, aliás —, e não a toda a moral. Os direitos estabelecem alguns padrões mínimos sobre como devemos tratar uns aos outros: não devemos matar, estuprar, assaltar ou iniciar outras formas de força uns contra os outros. Nas palavras de Ayn Rand, “A pré-condição de uma sociedade civilizada é o banimento da força física das relações sociais — estabelecendo assim o princípio de que, se os homens querem interagir, podem fazê-lo somente pelos meios da razão: discussão, persuasão e consentimento livre e voluntário”. Mas a proteção dos direitos e o estabelecimento de uma sociedade pacífica é somente uma precondição para a civilização. A maior parte das perguntas importantes sobre como devemos lidar uns com os outros deve ser respondida com máximas morais. Isso não significa que a ideia de direitos seja inválida ou incompleta no domínio ao qual se aplica; significa apenas que a maior parte das decisões que tomamos diariamente envolve escolhas que geralmente só são circunscritas pela obrigação de respeitar os direitos dos outros.
Implicações dos direitos naturais
Os princípios básicos da soberania individual, a lei da liberdade igual e o axioma da não agressão têm infinitas implicações. Os libertários conseguem identificar tantos direitos quantos são os modos que o estado consegue imaginar de regular e expropriar nossa vida. A mais óbvia e ultrajante violação do direito à soberania individual é a servidão involuntária. Desde tempos imemoriais, as pessoas reclamam o direito de escravizar outras. A escravidão nem sempre foi racial; geralmente começa com os despojos de uma vitória. Os conquistadores tinham o poder de escravizar os conquistados. A grande cruzada libertária da história foi o esforço de abolir a escravidão, que culminou no movimento abolicionista do século XIX e na heroica Ferrovia Subterrânea (Underground Railroad), a vasta rede secreta que ajudava a libertar escravos nos Estados Unidos. Mas, apesar da Décima Terceira Emenda à Constituição, que aboliu a servidão involuntária, ainda hoje vemos vestígios dela. O que é a conscrição — o alistamento militar obrigatório — senão escravidão temporária (com consequências permanentes para os recrutas que não voltam vivos para casa)?
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Nenhuma questão hoje separa mais nitidamente os libertários daqueles que põem a coletividade acima do indivíduo. A crença libertária de que as pessoas defenderão voluntariamente um país que valha a pena ser defendido e que nenhum grupo de pessoas tem o direito de forçar outro a abrir mão de um ano ou dois de sua vida — e possivelmente da própria vida — sem seu consentimento. O princípio liberal básico da dignidade do indivíduo é violado quando os indivíduos são tratados como recursos da nação. Alguns conservadores (como o senador John McCain) e alguns dos chamados liberais de hoje (como Franklin Thomas, o presidente da Ford Foundation) defendem um sistema de serviço nacional compulsório, em que todos os jovens seriam obrigados a passar um ano ou dois trabalhando para o governo. Um sistema como esse seria uma violação abominável do direito humano à soberania individual, e só podemos esperar que a Suprema Corte o considere inconstitucional sob a Décima Terceira Emenda.
Liberdade de consciência
Também é fácil, para a maioria das pessoas, ver as implicações do libertarismo na liberdade de consciência, de expressão e pessoal. As ideias modernas do libertarismo começaram na luta pela tolerância religiosa. O que pode ser mais inerente, mais íntimo ao indivíduo, do que seus pensamentos? À medida que os dissidentes religiosos foram desenvolvendo a defesa da tolerância, as ideias dos direitos naturais e uma esfera de privacidade emergiram. Liberdade de expressão e de imprensa são outros aspectos da liberdade de consciência. Ninguém tem o direito de impedir outra pessoa de expressar seus pensamentos e tentar persuadir os outros a aceitar suas opiniões. Esse argumento, hoje, deve ser estendido ao rádio, à televisão aberta e por assinatura, à internet e outras formas de comunicação eletrônica. Pessoas que não quiserem ler livros de autores comunistas (ou libertários!), assistir a filmes sangrentos ou baixar fotos pornográficas da internet não precisam fazê-lo; mas elas não têm direito de impedir que outras pessoas façam suas próprias escolhas. Há muitas formas pelas quais o governo interfere na liberdade de expressão. Os governos americanos vêm constantemente tentando proibir ou regulamentar livros e filmes considerados indecentes, obscenos ou pornográficos, apesar da clara formulação da Primeira Emenda: “O Congresso não fará nenhuma lei (...) que cerceie a liberdade de expressão ou de imprensa”. Como disse uma manchete da revista Wired, “Que parte de ‘nenhuma lei’ vocês não entendem?”. Os libertários veem dezenas de violações da liberdade de expressão no direito americano. Baniram-se informações sobre o aborto; na instância mais recente pela lei de 1996, que regulamenta a comunicação pela internet. O governo federal frequentemente tem usado seu monopólio sobre os correios para impedir o envio de
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materiais moral ou politicamente ofensivos. Emissoras de rádio e televisão precisam adquirir licenças federais e seguir várias regulamentações federais sobre o conteúdo das transmissões. A Agência de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (Bureau of Alcohol, Tobacco, and Firearms) proíbe que os produtores de vinho e outras bebidas alcoólicas mencionem nos rótulos que há estudos indicando que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doença cardíaca e aumenta a longevidade — embora as últimas orientações nutricionais do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (Department of Health and Human Services) falem dos mesmos benefícios. Nos anos 1990, mais de uma dúzia de estados aprovaram leis tornando ilegal a depreciação pública da qualidade de itens perecíveis — isto é, frutas e vegetais — sem se basear em “sólidos dados, fatos ou investigação científica”. Um senhorio não pode anunciar que um apartamento fica “a algumas quadras da sinagoga” — um eficaz apelo publicitário para judeus ortodoxos, que não podem dirigir veículos no Sabá — porque supostamente estaria subetendida aí a intenção de discriminar. Faculdades tentam banir o discurso politicamente incorreto — a Universidade de Connecticut ordenou que os estudantes não tomassem parte em “riso por motivos impróprios, piadas maldosas e exclusão conspícua [de outro estudante] da conversa”. (Para ser preciso nesse ponto, acredito que as universidades privadas têm o direito de estabelecer regras sobre como seus docentes e alunos devem interagir, inclusive sobre seu discurso — o que não equivale a dizer que tais regras demonstrem sabedoria. Mas as faculdades públicas devem obedecer à Primeira Emenda.) E é claro que cada nova tecnologia traz consigo novos pedidos de censura por parte daqueles que não a compreendem, ou que compreendem perfeitamente que novas formas de comunicação podem estremecer as ordens estabelecidas. O ato de reforma das telecomunicações em 1996, que, admiravelmente, desregulamentou grande parte da indústria, incluiu, porém, a Lei de Decência nas Comunicações, visando a impedir que adultos vissem material que pudesse ser inapropriado para crianças. Uma lei de 1996 na França determina que pelo menos 40% da música transmitida pelas estações de rádio seja francesa. Requer também que metade das canções francesas seja de um artista que nunca teve um grande sucesso. “Estamos forçando os ouvintes a ouvir músicas que eles não querem ouvir”, diz um programador de rádio. Mais importante, pessoas que querem gastar seu dinheiro apoiando a candidatura de políticos de sua escolha estão limitadas a contribuições de mil dólares — o que é mais ou menos como dizer ao New York Times que ele pode escrever um editorial apoiando Barack Obama, mas só tem permissão para imprimir mil cópias do jornal. Dessa forma, o governo, embora proclame devoção à liberdade de expressão, cerceia o uso de um tipo de discurso que poderia vir a ameaçar o poder. Há um argumento utilitário para a liberdade de expressão, é claro: do conflito de opiniões, emergirá a verdade. Como disse John Milton: “Quem jamais viu a Verdade
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ser derrotada em um duelo livre e aberto?”. Mas, para a maioria dos libertários, a razão primária para defender a liberdade de expressão são os direitos individuais. O direito de soberania individual implica o direito de decidirmos por nós mesmos que alimentos, bebidas ou drogas vamos ingerir; com quem vamos fazer amor (presumindo que o parceiro escolhido concorde); e que tipo de tratamento médico queremos (supondo que algum médico concorde em oferecê-lo). Essas decisões são certamente tão íntimas e pessoais quanto a escolha dos objetos de nossa crença. Podemos cometer erros (pelo menos aos olhos dos outros), mas ser donos de nossa vida significa que as outras pessoas devem limitar sua interferência a conselhos e persuasão moral, sem coerção. E, em uma sociedade livre, esse aconselhamento deve vir de particulares, e não do governo, que no mínimo é potencialmente coercitivo (e, em nossa sociedade, completamente coercitivo). O papel do governo é proteger nossos direitos, sem interferir em nossa vida pessoal. No entanto, alguns governos estaduais, não há muito tempo, na década de 1980, baniram bebidas alcoólicas dos restaurantes, e cerca de vinte estados ainda hoje proíbem as relações homossexuais. O governo federal, em nossos dias, proíbe o uso de certas drogas, disponíveis na Europa, que aliviam a dor e podem salvar vidas. E nos ameaça com prisão se escolhemos usar drogas como maconha ou cocaína. Mesmo quando não está banindo nada, o governo se intromete em nossas escolhas pessoais. Intimida-nos com ameaças sobre o tabagismo, insiste em que comamos direito — com tudo o que comemos no dia a dia apresentado ordenadamente em forma de pirâmide num cartaz próximo — e nos dá conselhos sobre como fazer sexo seguro e satisfatório. Os libertários não se incomodam em receber conselhos, mas nós não achamos que o governo deva tomar à força o dinheiro de nossos impostos e o usá-lo para aconselhar todas as pessoas da sociedade sobre como viver sua vida.
Liberdade de contratar
O direito de firmar contratos é de importância crucial para o libertarismo e para a própria civilização. O estudioso britânico Henry Sumner Maine escreveu que a história da civilização é a transformação de uma sociedade de status numa sociedade de contratos — isto é, de uma sociedade em que cada pessoa já nasce em seu lugar e é definida por seu status, para uma sociedade em que as relações entre indivíduos são determinadas por livre consentimento e acordo. O libertarismo não é libertinismo nem caos. As pessoas de uma sociedade libertária podem ser limitadas por várias regras e restrições, só que a mais genérica delas não é escolhida: o dever mínimo de respeitar os direitos naturais das outras pessoas. A maior parte das regras que nos orientam numa sociedade livre foi aceita por nós através de contratos, isto é, por escolha própria. Podemos assumir uma obrigação, por exemplo, ao assinar um contrato de aluguel. Nesse caso, o dono da casa assume
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a obrigação de deixar que o locatário viva nela por, digamos, um ano, e mantenha a casa nas condições acordadas. O locatário assume a obrigação de pagar o aluguel todo mês e de evitar qualquer dano desnecessário à casa. O contrato pode explicitar outras obrigações para qualquer das partes — aviso prévio de trinta dias para suspender o acordo, garantia de aquecimento e água quente (nos Estados Unidos, hoje em dia, esta garantia talvez seja tácita, mas não era, absolutamente, admitida há cinquenta anos, nem o é atualmente em muitas partes do mundo), nada de festas barulhentas, e assim por diante. Uma vez assinado o contrato, ambas as partes se comprometem a observar seus termos. Pode-se também dizer que pelo contrato ambas as partes adquiriram novos direitos — não naturais, mas direitos especiais. O dono passa a ter direito a um pagamento feito pelo locatário todo mês, e o locatário tem direito a viver na casa pelo período acordado. Esse não é um direito genérico a renda ou habitação, mas um direito particular criado por um acordo voluntário. Outros contratos podem, é claro, se aplicar a praticamente qualquer coisa em uma sociedade livre: hipotecas, casamentos, empregos, vendas, acordos cooperativos, seguros, filiação a clubes ou associações e outras. Por que as pessoas assinam contratos? Em geral, para remover parte da incerteza em nossa vida e permitir que persigamos objetivos que requeiram alguma garantia de cooperação de outras pessoas por determinado tempo. A pessoa poderia ligar para seu empregador todo dia pela manhã e perguntar se ele tem trabalho para ela e quanto estaria disposto a pagar, mas ambos preferem fazer um acordo de longo prazo (embora a maior parte dos contratos de emprego americanos permita a qualquer das partes cancelar o acordo quando assim desejar). Também poderia pagar ao senhorio a cada manhã pelo abrigo durante a noite, mas obviamente ambos preferem eliminar a incerteza do acordo. E, para pessoas que não podem fazer acordos de longa duração, há opções de curto prazo, como hotéis para viajantes, em que o contrato frequentemente se aplica a uma única noite. Qual é a natureza de um contrato? É apenas uma promessa? Não, um contrato é uma troca mútua de títulos de propriedade. Para que um contrato seja válido, ambas as partes precisam ter o título legítimo da propriedade que propõem negociar. Se o têm, então podem concordar em transferir esse título para outra pessoa em troca do título de alguma propriedade que ela possua. É bom lembrar que todo objeto tem uma série de direitos de propriedade a ele associados; o dono pode transferir alguns ou todos eles. Quando se vende uma maçã ou uma casa, geralmente se transfere todo o conjunto de direitos em troca de algum bem, provavelmente dinheiro, da outra parte. Mas, quando se aluga uma casa, transfere-se apenas o direito de viver na casa, por um período específico de tempo e sob certas regras. Quando se empresta dinheiro, transfere-se o título para certa quantia de dinheiro, dessa vez em troca de um título por certa soma de dinheiro em algum momento no futuro. Como ter o dinheiro agora é sempre melhor do que tê-lo depois, quem pede o empréstimo geralmente
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concorda em pagar por ele uma soma maior do que a cedida a título de empréstimo. Assim, os juros são aquilo que induz o prestamista a abrir mão de seu dinheiro num momento para recebê-lo de volta só algum tempo depois. O descumprimento de um contrato é uma forma de roubo. Se Smith toma emprestados 1 mil dólares de Jones, concorda em pagar 1.100 dólares um ano depois e não o faz, ele é um ladrão. Ele roubou 1.100 dólares que pertencem a Jones. Se Jones vende um carro a Smith, garantindo que ele possui um rádio funcionando, e o carro não tem, então Jones é um ladrão: ele tomou o dinheiro de Smith e não lhe entregou o que, por contrato, deveria entregar. Sem contratos, seria difícil para qualquer economia crescer além do nível de subsistência. Os contratos nos permitem fazer planos de longo prazo, fazer negócios a grandes distâncias geográficas e com pessoas que não conhecemos. Para que uma sociedade extensa funcione, é essencial que as pessoas cumpram as obrigações assumidas e que os contratos sejam executados. Se as pessoas não forem de modo geral dignas de confiança, ninguém vai querer fazer contratos com desconhecidos, e a economia de mercado não poderá se expandir e se desenvolver. Se determinados indivíduos faltam com a palavra em seus contratos, ninguém vai querer fazer negócios com eles, e talvez por isso as oportunidades no sistema de mercado se tornem restritas para eles. Mas, quando as pessoas honram seus contratos, e especialmente quando a maior parte das pessoas age assim, vastas e complexas redes de contratos podem tornar possíveis extensas cadeias de produção ao longo do tempo e através da distância, permitindo a concretização de maravilhosas façanhas tecnológicas e o antes inimaginável padrão de vida do capitalismo moderno.
É preciso acreditar em direitos naturais para ser libertário?
A maior parte dos intelectuais que se consideram libertários acredita no conceito de direitos naturais individuais e mais ou menos concorda com o que se afirmou acima. A defesa dos direitos aqui apresentada reflete os argumentos de John Locke, David Hume, Thomas Jefferson, William Lloyd Garrison e Herbert Spencer, bem como de libertários do século XX, como Ayn Rand, Murray Rothbard, Robert Nozick e Roy Childs, e filósofos contemporâneos, como Jan Naverson, Douglas Rasmussen, Douglas Den Uyl, Tibor Machan e David Kelley. No entanto, alguns libertários, especialmente os economistas, não aceitam a teoria de direitos naturais dos indivíduos. Jeremy Bentham, um filósofo britânico de maneira geral libertário, do início do século XIX, zombou dos direitos naturais, tachando-os de “colossal estupidez”. Economistas modernos como Ludwig von Mises, Milton Friedman e seu filho David Friedman rejeitam os direitos naturais e defendem o programa político libertário com base em suas consequências benéficas.
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Essa posição é conhecida como utilitarismo. Em sua formulação clássica, utilitarismo significa adotar como padrão para a ética e a filosofia política “o maior bem para o maior número”. Essa filosofia parece irrepreensível, mas apresenta alguns problemas. Como sabemos o que é melhor para milhões de pessoas? E se a esmagadora maioria em alguma sociedade quiser algo decididamente repreensível: expropriar os gulags russos, submeter garotas adolescentes à mutilação genital ou assassinar os judeus? Com certeza, defrontado com a alegação de que, em certas situações, o maior número de pessoas achou que essas políticas resultariam no maior bem, um utilitarista certamente recorreria a algum outro princípio — provavelmente um senso inato de que alguns direitos fundamentais são autoevidentes.
O utilitarismo de Mises
O economista Ludwig von Mises era tanto um firme utilitarista quanto um advogado inflexível da economia do laissez-faire. Como ele justifica sua rejeição a toda interferência coercitiva nos processos do mercado, se não por uma doutrina de direitos individuais? Mises dizia que, como cientista econômico, podia demonstrar que as políticas intervencionistas trariam resultados que até seus defensores os considerassem indesejáveis. Mas, como pergunta Murray Rothbard, que foi aluno de Mises, como ele pode saber o que querem os intervencionistas? Mises pode demonstrar que o controle de preços causará escassez, mas talvez os defensores do controle de preços sejam socialistas que queiram tais controles por representarem eles um degrau na escalada para o controle total da economia pelo governo. Talvez sejam ambientalistas extremistas que deploram a ideia de consumo excessivo e consideram uma boa ideia termos menos bens, ou talvez igualitaristas, que acham que, se houver escassez, pelo menos os ricos não poderão comprar mais do que os pobres. Mises explica que ele “pressupõe que as pessoas preferem a vida à morte, a saúde à doença, a alimentação à fome, a abundância à pobreza”. Se for esse o caso, o economista consegue demonstrar que a propriedade privada e os mercados livres são a melhor maneira de atingir esse objetivo. Ele está certo, conforme discutiremos em mais detalhes no capítulo 8, mas trata-se de uma extensa pressuposição. As pessoas podem muito bem preferir um pouco menos de abundância em troca de mais igualdade, ou da preservação da agricultura familiar, ou simplesmente do prejuízo para os ricos, por inveja. Como pode um utilitarista fazer objeção à tomada de propriedade se a maioria determinou que não se importa com a redução do crescimento econômico gerada por tal decisão? Por isso, a maior parte dos libertários conclui que a liberdade é mais bem protegida em um sistema de direitos individuais do que simplesmente pelo utilitarismo ou pela análise econômica. Isso não é dizer: “Faça-se justiça, ainda que desabem os céus”. É claro que as consequências importam, e poucos de nós seríamos libertários se achássemos que uma
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adesão estrita aos direitos individuais levaria a uma sociedade de conflito e pobreza. Mas, por serem os direitos individuais enraizados na natureza humana, é natural que sociedades que respeitam esses direitos sejam caracterizadas por um maior grau de harmonia e abundância. Uma política econômica de laissez-faire, baseada na estrita observância dos direitos, vai levar a mais prosperidade para um maior número de pessoas. Porém, a raiz de nossas regras sociais deve ser a proteção do direito de cada indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade.
Emergências
Em seu livro The Machinery of Freedom [O maquinário da liberdade], depois de fazer uma vigorosa defesa dos benefícios das políticas libertárias, David Friedman apresenta várias objeções aos princípios libertários segundo o modo como eles são representados na lei da igual liberdade e no axioma da não agressão. Muitos deles envolvem situações emergenciais, do tipo “bote salva-vidas”. O exemplo clássico do bote salva-vidas é o seguinte: suponha que você está em meio a um naufrágio e que há somente um bote, com capacidade para quatro pessoas, mas há oito tentando se agarrar nele. Como se decide? E — pergunta dirigida aos libertários e outros defensores dos direitos naturais — como sua teoria dos direitos responde a essa pergunta? David Friedman coloca: suponha que ao roubar uma arma ou um equipamento científico você possa impedir que um louco assassine várias pessoas inocentes, ou que um asteroide caia em Baltimore. Você o faria? E como ficam os direitos de propriedade? Essas questões podem ser valiosas para testar os limites de uma teoria dos direitos. Em algumas emergências, as ponderações sobre direitos saem de cena. Mas essas perguntas não são as primeiras que os estudantes de ética devem examinar nem nos dizem muito sobre os sistemas éticos de que a humanidade precisa, porque envolvem situações com as quais as pessoas provavelmente nunca vão se deparar. A primeira tarefa de um sistema ético é permitir a homens e mulheres viver uma vida cooperativa, produtiva e pacífica no curso normal dos acontecimentos. Nós não vivemos em botes salva-vidas, mas num mundo de recursos escassos no qual todos procuramos melhorar a própria vida e a das pessoas que amamos.
Os limites dos direitos
Podemos imaginar outros desafios, menos remotos, à noção de que os direitos naturais são absolutos, isto é, nas palavras dos filósofos Douglas Rasmussen e Douglas Den Uyl, que “‘ganham’ de todas as outras considerações morais na determinação constitucional de quais questões de moralidade serão problemas de legalidade”. Um homem morrendo de fome deve respeitar os direitos de outros e não roubar um pedaço de pão? As vítimas de enchentes ou de penúria devem morrer de fome ou frio enquanto outros têm abrigo e comida de sobra?
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Condições de enchente ou carestia não são normais. Quando ocorrem, segundo Rasmussen e Den Uyl em Liberty and Nature [Liberdade e natureza], talvez seja preciso reconhecer que as condições para a vida social e política deixaram de existir, pelo menos temporariamente. Um sistema de regras libertário permite que exista vida social e política e oferece um contexto no qual cada pessoa pode se dedicar a seus próprios propósitos. Em uma situação emergencial — dois homens se digladiando por um único bote, multidões desabrigadas em razão de um desastre —, a vida social e política talvez seja impossível. A obrigação moral de cada pessoa é assegurar pelo menos as condições mínimas de sua própria sobrevivência. Rasmussen e Den Uyl escrevem: “Quando a vida social e política não é possível, quando em princípio a convivência entre os seres humanos e a busca de seu bem-estar são impossíveis, as considerações sobre direitos individuais ficam deslocadas: não se aplicam mais”. É extremamente raro, em uma sociedade funcional, que um homem se veja na situação de não encontrar trabalho ou assistência e à beira da inanição, sem ter feito nada para provocá-la. Há quase sempre algum trabalho disponível, com remuneração suficiente para a sobrevivência (ainda que leis de salário mínimo, tributos e outras intervenções governamentais possam diminuir o número de empregos). Para aqueles que realmente não conseguem encontrar trabalho, há parentes e amigos que podem ajudar. Para os que não os têm, há abrigos, missões e outras formas de caridade. Mas, no interesse da análise teórica, vamos supor que um indivíduo não conseguiu encontrar trabalho nem assistência e está diante da inanição iminente. É presumível que ele viva em um mundo no qual a vida social e política ainda seja possível; no entanto, podemos dizer que ele está numa situação de emergência e deve adotar as ações necessárias para sua própria sobrevivência, mesmo que isso signifique roubar um pedaço de pão. No entanto, se a vítima, ao ouvir sua história, não se convencer, talvez seja apropriado levá-la à justiça e condená-la por roubo. Ainda existe uma ordem legal, embora um juiz ou júri possa decidir inocentá-la diante das circunstâncias — sem com isso descartar as leis gerais sobre justiça e propriedade. Note-se que essa análise não sugere que o homem faminto ou a vítima da enchente tenham direito à assistência ou à propriedade de outras pessoas; afirma apenas que os direitos não são aplicáveis em situações nas quais a vida social e política não é possível. Mas, teremos com isso descartado completamente os direitos, abrindo a porta para a redistribuição da riqueza para todos os que se encontram em sérios apuros? Não. Enfatizamos que essas exceções se aplicam somente em situações emergenciais. Um aspecto-chave da situação é que a pessoa se encontre em situação desesperada sem ter feito nada para provocá-la. Não pode bastar que ela simplesmente não tenha tanto quanto os outros, ou nem mesmo que não tenha o suficiente para sobreviver. Rasmussen e Den Uyl escrevem:
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Pobreza, ignorância e doença não são emergências metafísicas. Riqueza e conhecimento não são coisas recebidas automaticamente, como maná dos céus. A natureza da existência e da vida humana é tal que cada pessoa deve usar sua própria razão e inteligência para criar riqueza e conhecimento.
Se uma pessoa se recusa a receber a educação e o treinamento necessários, a trabalhar em empregos desinteressantes ou mal pagos, ou destrói sua própria saúde, ela não pode alegar que está em condições desesperadas e que nada fez para provocá-las. Uma mulher escreveu a Ann Landers perguntando se devia sentir-se obrigada a doar um rim para sua irmã, que, apesar de repetidos avisos e ajuda oferecida pela família, havia feito uso de álcool e drogas em excesso e ignorado os conselhos médicos. A teoria dos direitos não pode nos dizer quais obrigações morais devemos sentir em relação a nossos familiares, qualquer que seja o grau de responsabilidade deles por sua própria condição; mas pode nos dizer que não há equivalência moral entre essa pessoa e a vítima de um naufrágio ou de fome. Chegamos a essas exceções extremas à proteção dos direitos somente depois de satisfeitas várias condições: que uma ou mais pessoas estejam sob iminente risco de morte por exposição à intempérie, fome ou doença; que tenham chegado a tal situação sem nada ter feito para provocá-la; que não haja tempo ou oportunidade para nenhuma outra solução; que apesar de todos os seus esforços elas tenham sido incapazes de encontrar trabalho remunerado ou caridade privada; e que reconheçam ter incorrido em uma obrigação com as pessoas cuja propriedade tomaram, isto é, a obrigação de, tão logo possam, se esforçar para pagar o que quer que tenham tomado. A eventualidade de que os direitos não se apliquem a condições em que a vida social e política seja impossível não enfraquece o status moral ou os benefícios sociais dos direitos, em situações normais. Vivemos praticamente a vida inteira em situações normais. Nossa ética deve ser planejada para a sobrevivência e o desenvolvimento em condições normais. Uma palavra final sobre o utilitarismo libertário: os libertários que rejeitam os direitos naturais como base para seus pontos de vista chegam às mesmas conclusões políticas que os libertários que se baseiam em direitos. Alguns até dizem que o governo deveria operar como se as pessoas tivessem direitos naturais — isto é, que o governo deve proteger cada pessoa e propriedade da agressão alheia e deixar os indivíduos livres para que tomem suas próprias decisões. O jurista Richard Epstein, depois de oferecer em seu livro Simple Rules for a Complex World [Regras simples para um mundo complexo] uma defesa essencialmente utilitarista da soberania
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individual e da propriedade privada, conclui argumentando que “as consequências para a felicidade e produtividade humanas” do princípio da soberania individual “são tão fortes que ele deve ser tratado como um imperativo moral, ainda que a mais poderosa justificativa para a regra seja empírica e não dedutiva”.
O que os direitos não são
Como indicam as reclamações sobre a proliferação de direitos, o debate político nos Estados Unidos de hoje é de fato dirigido pela reivindicação de direitos. Até certo ponto, isso reflete o esmagador triunfo do liberalismo (clássico) baseado em direitos. Locke, Jefferson, Madison e os abolicionistas colocaram como regra fundamental, tanto para o direito quanto para a opinião pública, que a função do governo é proteger os direitos. Assim, na prática, qualquer reivindicação de direitos atropela todas as outras considerações nas políticas públicas. Infelizmente, o entendimento acadêmico e popular dos direitos naturais decaiu ao longo dos anos. Americanos demais acreditam, hoje em dia, que têm direito a qualquer coisa desejável. Alguns reclamam o direito a um emprego, outros, de ser protegidos da pornografia existente em algum lugar da cidade. Outros reivindicam o direito de não ser incomodados por fumaça de cigarro em um restaurante; outros ainda, de não ser despedidos por serem fumantes. Ativistas gays pedem o direito de não sofrer discriminação; seus oponentes — ecoando a zombaria de Mencken sobre o puritanismo ser “o medo perturbador de que alguém em algum lugar possa estar feliz” — alegam o direito de saber que ninguém está envolvido em relações homossexuais. Milhares de lobistas rondam os corredores do Congresso reclamando para seus clientes o direito a assistência social, habitação, educação, previdência social, subsídios agrícolas, proteção contra a concorrência das importações, e assim por diante. À medida que tribunais e legislaturas reconhecem esses “direitos”, as reivindicações de direitos se tornam cada vez mais audaciosas. Uma mulher em Boston alega “meu direito constitucional de fazer exercícios com os pesos [mais pesados] que puder levantar”, mesmo que eles estejam na ala masculina, que é vedada às mulheres. Um homem em Annapolis, no estado de Maryland, exige que o conselho municipal obrigue os entregadores de pizza e outros alimentos a atender ao seu bairro, que as empresas alegam ser perigoso demais, e o conselho acolhe sua exigência. Ele diz: “Eu quero os mesmos direitos de qualquer outro cidadão de Annapolis”. Mas nenhum cidadão de Annapolis tem o direito de forçar pessoa alguma a fazer negócios consigo, especialmente no caso da empresa que receia estar pondo seus empregados em perigo. Um homem surdo está processando a YMCA, que não o certifica como salva-vidas porque, segundo a associação, um salva-vidas precisa ser capaz de ouvir gritos de socorro. Um casal não casado na Califórnia alega o direito de alugar um apartamento de uma mulher que diz que seu relacionamento ofende suas crenças religiosas.
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Como discriminamos todas essas reclamações? Há dois caminhos básicos. O primeiro é decidir com base no poder político. Qualquer pessoa que consiga persuadir a maioria no Congresso, na Assembleia Legislativa do estado ou na Suprema Corte, terá o “direito” de fazer o que deseja. Nesse caso, teremos uma pletora de reivindicações conflitantes, e as exigências postas sobre o tesouro público serão ilimitadas, mas não teremos nenhuma teoria para lidar com elas; quando ocorrerem conflitos, as cortes e legislaturas os classificarão segundo o caso. Quem parecer mais simpático, ou tiver mais poder político, ganha. A outra abordagem é voltar aos princípios primordiais e avaliar cada reivindicação de direitos à luz do direito de cada indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade. Direitos fundamentais não podem estar em conflito. Qualquer reclamação de direitos conflitantes deve ser uma interpretação errônea dos direitos fundamentais. Essa é uma das premissas, e das virtudes, da teoria de direitos: como os direitos são universais, podem ser desfrutados por todas as pessoas ao mesmo tempo em qualquer sociedade. A adesão aos princípios primordiais pode requerer que, em dada instância, rejeitemos uma alegação de direitos de um requerente simpático ou que reconheçamos o direito de um outro de ter comportamentos que a maioria de nós considera ofensivos. O que significa ter direitos, afinal, se não se inclui aí o direito de cometer erros? Reconhecer a capacidade de cada pessoa de assumir a responsabilidade por suas ações, que é a essência de qualquer entidade que dê apoio a direitos, é aceitar o direito de cada um de ser “irresponsável” no exercício deles, respeitando a mínima condição de não violar os direitos alheios. David Hume reconhecia que a justiça frequentemente requer que tomemos decisões que em seu contexto parecem infelizes: “Embora atos isolados de justiça possam ser contrários ao interesse público ou privado, é verdade que o plano ou esquema como um todo é muito útil ou de fato absolutamente necessário, tanto ao apoio à sociedade quanto ao bem-estar de qualquer indivíduo”. Com isso, afirma, podemos às vezes ter de “devolver uma grande fortuna a um avarento ou um intolerante sedicioso”, mas “cada indivíduo se descobrirá um beneficiário” da paz, ordem e prosperidade que um sistema de direitos de propriedade estabelece na sociedade. Se aceitamos a visão libertária dos direitos individuais, temos um padrão por meio do qual é possível discriminar todos esses direitos conflitantes. Podemos ver que uma pessoa tem o direito de adquirir propriedade, seja pelo uso, se ela não tiver dono, seja — em quase todos os casos, na sociedade moderna — persuadindo outra pessoa a lhe dar ou vender uma propriedade que possua. O novo dono da propriedade tem então o direito de usá-la como quiser. Se quiser alugar um apartamento para uma pessoa negra, ou para uma avó com dois netos, uma lei de zoneamento que o proíba é uma violação dos direitos de propriedade. Se uma senhoria cristã se recusa a alugar um quarto para um casal não casado, seria injusto usar o poder do governo
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para forçá-la a fazê-lo. (É claro que outras pessoas têm todo o direito de considerá-la preconceituosa e de expressar suas opiniões, em sua própria propriedade ou em jornais que aceitem publicar suas críticas.) As pessoas têm direito de se envolver em qualquer tipo de negócio para o qual encontrarem um empregador ou clientes voluntários — daí o clássico lema liberal “la carrière ouverte aux talents” (“oportunidade aos talentosos”) não protegido por guildas ou monopólios —, mas não têm direito de forçar ninguém a contratá-los ou fazer negócios com eles. Agricultores têm direito de plantar grãos em sua propriedade e vendê-los, mas não têm “direito a um salário para sobreviver”. As pessoas têm direito de não ler textos com informações sobre a profissão de parteira; têm o direito de não vendê-los em sua livraria ou não permitir que sejam transmitidos pelo seu serviço online; mas não têm direito de impedir que outras pessoas assinem contratos para produzir, vender e comprar tais materiais. Aqui, novamente, vemos que o direito à liberdade de imprensa retoma a liberdade de propriedade e de contrato. Um dos benefícios do sistema de propriedade privada — ou propriedade individualizada, como Friedrich A. Hayek e outros a chamaram — é o pluralismo e a descentralização da tomada de decisões. Há seis milhões de empresas nos Estados Unidos; em vez de estabelecer regras para todas elas, um sistema de pluralismo e direito de propriedade significa que cada uma tomará suas próprias decisões. Alguns empregadores oferecerão salários mais altos e condições de trabalho menos agradáveis; outros oferecerão combinações diferentes, e os potenciais empregados poderão escolher. Alguns empregadores certamente terão preconceito contra negros, ou judeus, ou mulheres — ou até homens, como se alegou em um processo de 1995 contra a Jenny Craig Company — e pagarão os custos associados a isso, e outros lucrarão contratando os melhores trabalhadores, independentemente de raça, gênero, religião, orientação sexual ou qualquer outra característica não relacionada ao trabalho. Há 400 mil restaurantes nos Estados Unidos; por que deveriam ter todos as mesmas regras sobre o fumo, como mais e mais governos vêm decretando? Por que não deixar que os diversos restaurantes experimentem formas diferentes de atrair clientes? A diretoria do Cato Institute proibiu o fumo em nosso prédio. Essa é uma exigência dura para um de meus colegas, que mais ou menos a cada hora escapa para a garagem, para um desesperado trago da erva vil. A atitude dele é: Eu gostaria de ter um trabalho interessante, com colegas simpáticos, um ótimo salário, em um escritório que permitisse o fumo. Mas ter um trabalho muito interessante, com colegas simpáticos, por um salário adequado, em um escritório que não permite o fumo é melhor do que as outras opções disponíveis para mim.
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O Wall Street Journal publicou recentemente que “cada vez mais os empregadores têm que lidar com as exigências de trabalhadores que querem expressar sua fé durante o expediente e de outros que não querem ouvir”. Alguns empregados estão exigindo o “direito” de praticar sua religião no local de trabalho — com sessões de oração e estudo da Bíblia, uso de enormes buttons antiaborto com fotos coloridas de fetos, e assim por diante —, enquanto outros estão entrando com processos para exigir o “direito” de não ouvir nada a respeito de religião no trabalho. O governo, por intermédio do Congresso ou dos tribunais, poderia fazer regras sobre como empregadores e empregados devem lidar com religião e outras ideias controversas no local de trabalho. Mas, se nos apoiássemos no sistema de direitos de propriedade e pluralismo, deixaríamos milhões de empresas tomar suas próprias decisões, cada dono pesando suas próprias convicções religiosas, as preocupações de seus empregados e quaisquer outros fatores que lhe parecessem importantes. Empregados potenciais poderiam negociar com seus empregadores, ou tomar suas próprias decisões sobre que ambiente de trabalho preferem, levando também em consideração fatores como salário, benefícios, proximidade de casa, horário do expediente, quão interessante é o trabalho etc. A vida é cheia de concessões e compensações; é melhor que elas sejam decididas de forma localizada e descentralizada do que por uma autoridade central.
Como o governo complica os direitos
Tenho argumentado que os conflitos sobre direitos podem ser decididos com o apoio de uma definição consistente dos direitos naturais, especialmente os de propriedade privada, dos quais todos os nossos direitos dependem. Muitos dos mais controversos conflitos sobre direitos em nossa sociedade ocorrem quando transferimos decisões do setor privado para o governo, em que não há propriedade privada. Deve haver oração nas escolas? Deve-se permitir que os residentes em um determinado prédio tenham armas de fogo? Devem-se apresentar produções de conteúdo sexual explícito nos teatros? Nenhuma dessas questões seria política se as escolas, os apartamentos e os teatros fossem privados. A atitude apropriada seria deixar que os donos tomassem suas próprias decisões, e então os potenciais clientes poderiam decidir se iam querer ou não patrocinar seus estabelecimentos. Mas, tornem-se públicas essas instituições, e subitamente não haverá um proprietário com um claro direito de propriedade. Alguma instituição política decide, e toda a sociedade pode acabar envolvida na discussão. Alguns pais não querem que seus filhos sejam forçados a ouvir oração na escola; mas, se ela for banida das instituições públicas, outros pais sentirão que seu direito de criar os filhos da forma que acharem melhor está sendo negado a eles. Se o Congresso diz ao Fundo Nacional para as Artes (National Endowment for the Arts) que não financie arte supostamente obscena, os artistas podem sentir que sua liberdade está sendo cerceada; mas e a liberdade dos
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contribuintes que elegeram os membros do Congresso para gastar com sabedoria o dinheiro de seus impostos? O governo deveria dizer a um médico em uma clínica obstétrica estatal que não recomende o aborto? O professor de direito Walter Dellinger, da Universidade Duke, uma alta autoridade jurídica no governo Clinton, alertou para o fato de que tais regras são “especialmente alarmantes à luz do crescente papel do governo como patrocinador, senhorio, empregador e patrono das artes”. Ele tem razão. Essas regras estendem o alcance do governo para um número cada vez maior de aspectos de nossa vida. Mas, enquanto o governo for o maior senhorio e empregador, não podemos esperar que os cidadãos e seus representantes fiquem indiferentes à maneira como seu dinheiro é gasto. O dinheiro do governo sempre vem com restrições. E o governo precisa fazer regras para a propriedade que ele controla, regras que quase certamente vão ofender alguns cidadãos contribuintes. É por isso que seria melhor privatizar o maior número possível de propriedades, para despolitizar decisões sobre o uso da propriedade. Deveríamos reconhecer e proteger os direitos naturais porque a justiça requer e também porque um sistema de direitos individuais e propriedade amplamente dispersa leva a uma sociedade livre, tolerante e civilizada.
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Capítulo 4
A dignidade do indivíduo
H
á não muito tempo, numa manhã de sábado, em uma pequena cidade na França, fui até um caixa automático embutido na maciça parede de pedra de um banco que estava fechado durante o fim de semana. Inseri um pedaço de plástico na máquina, apertei alguns botões, esperei uns segundos e retirei cerca de 200 dólares, sem nenhum contato com outro ser humano, muito menos alguém que me conhecesse. Então tomei um táxi até o aeroporto, onde falei com um atendente no balcão de uma locadora de veículos, mostrei-lhe outro pedaço de plástico, assinei um formulário e saí com a chave de um carro de 20 mil dólares, que prometi devolver a outra pessoa, em outro lugar, dentro de alguns dias. Essas transações são tão rotineiras que o leitor se pergunta por que me dei ao trabalho de mencioná-las. Mas pare por um momento e reflita sobre as maravilhas do mundo moderno: um homem que eu nunca vira e o qual nunca me veria de novo, com quem eu mal conseguia me comunicar, me confiou um carro. Um banco estabeleceu um sistema automático para me dar dinheiro vivo sob demanda a milhares de quilômetros de casa. Há uma geração, tais coisas não seriam possíveis; há duas gerações, seriam inimagináveis; hoje, são um lugar-comum da infraestrutura de nossa economia. Como surgiu essa rede mundial de confiança? Discutiremos os aspectos estritamente econômicos desse sistema em um capítulo mais à frente. Neste e nos próximos, desejo explorar como passamos do indivíduo isolado à complexa rede das associações e conexões que constituem o mundo moderno.
Individualismo
Para os libertários, a unidade básica de análise social é o indivíduo. É difícil imaginar como poderia ser qualquer outra. Os indivíduos são, em qualquer caso, fonte e fundamento do pensamento criativo, da atividade e da sociedade. Somente os indivíduos pensam, amam, desenvolvem projetos, agem. Grupos não têm planos ou intenções. Somente os indivíduos são capazes de escolher, no sentido de antecipar os resultados de diferentes escolhas e pesar suas consequências. Os indivíduos, é 91
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claro, frequentemente criam e deliberam em grupo, mas no fim das contas é a mente individual que faz as escolhas. Mais importante, somente os indivíduos podem se responsabilizar por suas ações. Como São Tomás de Aquino escreveu em A unidade do intelecto, o conceito de mente ou vontade coletiva significaria que um indivíduo não seria “senhor de seus atos e que nenhum de seus atos seria louvável ou condenável”. Todo indivíduo é responsável por suas ações; é isso que lhe dá direitos e o obriga a respeitar os direitos dos outros. Mas e a sociedade? A sociedade não tem direitos? A sociedade não é responsável por muitos problemas? A sociedade é de importância vital para os indivíduos, como discutiremos nos próximos capítulos. É para atingir os benefícios das interações com outras pessoas, como explicaram Locke e Hume, que os indivíduos ingressam na sociedade e estabelecem um sistema de direitos. Mas, no nível conceitual, devemos entender que a sociedade é composta de indivíduos. Se dez pessoas formam uma sociedade, ainda há dez pessoas, e não onze. Também é difícil definir os limites de uma sociedade; onde termina uma “sociedade” e começa outra? Em contraste, é fácil ver onde termina um indivíduo e começa outro, uma vantagem importante para a análise social e para a alocação de direitos e deveres. O escritor libertário Frank Chodorov escreveu em The Rise and Fall of Society [Ascensão e queda da sociedade] que “sociedades são pessoas”: Sociedade é um conceito coletivo e nada mais; é uma forma conveniente de designar uma quantidade de pessoas (...) A noção de Sociedade como conceito metafísico cai por terra quando observamos que a Sociedade desaparece quando seus componentes se dispersam; como no caso de uma “cidade-fantasma” ou de uma civilização que desvendamos por meio dos artefatos que foram deixados para trás. Quando os indivíduos desaparecem, desaparece o todo. O todo não tem existência independente.
Não podemos escapar da responsabilidade por nossas ações pondo a culpa na sociedade. Ninguém pode nos impor obrigações apelando para os supostos direitos da sociedade ou da comunidade. Em uma sociedade livre, temos nossos direitos naturais e a obrigação geral de respeitar os direitos de outras pessoas. Nossas outras obrigações são aquelas que escolhemos assumir por contrato. No entanto, nada disso é defender o tipo de “individualismo atomista” de que filósofos e acadêmicos gostam de zombar. Nós vivemos juntos e trabalhamos em grupos. Como alguém poderia ser um indivíduo atomista na complexa sociedade moderna não está claro: isso significaria comer apenas o que ele próprio cultiva, vestir somente
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o que ele próprio fabrica, viver em uma casa construída por suas próprias mãos, restringir-se a remédios naturais extraídos de suas próprias plantas? Alguns críticos do capitalismo ou defensores da “volta à natureza” poderiam endossar tal plano, mas poucos libertários iam querer se mudar para uma ilha deserta e renunciar aos benefícios do que Adam Smith chamou de Grande Sociedade, a complexa e produtiva sociedade viabilizada pela interação social. Os indivíduos se beneficiam enormemente de suas interações uns com os outros, o que a filosofia tradicional resume como “cooperação”, e textos modernos de sociologia e administração, como “sinergia”. A vida seria mesmo desagradável, bruta e curta se fosse solitária.
A dignidade do indivíduo
Na realidade, a dignidade do indivíduo no libertarismo é uma dignidade que aumenta o bem-estar social. O libertarismo é bom não só para os indivíduos, mas para as sociedades. A base efetiva da análise social libertária é o individualismo metodológico, o reconhecimento de que somente os indivíduos agem. A base ética ou normativa do libertarismo é o respeito pela dignidade e pelo valor de todo indivíduo. Isso se expressa na máxima de Immanuel Kant de que toda pessoa deve ser tratada não meramente como meio, mas como fim em si mesma. É claro que ainda no tempo de Jefferson, e até depois, o conceito de indivíduo com plenos direitos não incluía todas as pessoas. Observadores perspicazes notaram o problema à época e começaram a aplicar mais plenamente as sonoras palavras da Declaração de Independência e do Segundo tratado sobre o governo, de Locke. A igualdade e o individualismo que constituíam a base do surgimento do capitalismo levaram naturalmente as pessoas a começar a pensar nos direitos de mulheres e escravos, especialmente escravos negros nos Estados Unidos. Não é acidente que o feminismo e o abolicionismo tenham emergido do fermento da Revolução Industrial e das Revoluções Americana e Francesa. Assim como um melhor entendimento dos direitos naturais se desenvolveu durante a luta americana contra injustiças particulares sofridas pelas colônias, a feminista e abolicionista Angelina Grimké observou, em uma carta de 1837 a Catherine E. Beecher: “Encontrei na causa abolicionista a escola superior de moral em nossa nação — a escola em que os direitos humanos são investigados mais completamente e mais bem compreendidos e ensinados do que em qualquer outra”.
Feminismo
A escritora liberal Mary Wollstonecraft (esposa de William Godwin e mãe de Mary Wollstonecraft Shelley, a autora de Frankenstein) reagiu às Reflections on the Revolution in France [Reflexões sobre a revolução na França] de Edmund Burke escrevendo
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A Vindication of the Rights of Men [Uma reivindicação dos direitos dos homens], no qual argumentou que “o direito inato do homem (...) é um grau de liberdade, civil e religiosa, compatível com a liberdade de todos os outros indivíduos com os quais está unido em um pacto social”. Apenas dois anos depois, publicou A Vindication of the Rights of Woman, que perguntava: “Considere (...) se, quando os homens lutam por sua liberdade (...) não é incoerente e injusto subjugar as mulheres?”. As mulheres envolvidas no movimento abolicionista também levantaram a bandeira do feminismo, baseando seus argumentos em ambos os casos na ideia da soberania individual, o direito fundamental de propriedade sobre a própria pessoa. Angelina Grimké baseou explicitamente sua obra em favor da abolição e dos direitos das mulheres numa fundação libertária lockeana: Seres humanos têm direitos, porque são seres morais: os direitos de todos os homens são derivados de sua natureza moral; e, como todos os homens têm a mesma natureza moral, possuem essencialmente os mesmos direitos (...) Se os direitos se fundamentam na natureza de nosso ser moral, então a mera circunstância do sexo não dá ao homem maiores direitos e responsabilidades do que às mulheres.
Sua irmã, Sarah Grimké, também uma militante pelos direitos dos negros e das mulheres, criticou o princípio legal anglo-americano de que uma esposa não era responsável por um crime cometido sob instrução ou mesmo na presença de seu marido, em uma carta à Sociedade Antiescravista Feminina de Boston: “Seria difícil encontrar uma lei mais bem calculada para destruir a responsabilidade da mulher enquanto ser moral ou agente livre”. Nessa defesa, enfatizava o fundamental argumento individualista de que todo indivíduo deve, e somente um indivíduo pode, assumir a responsabilidade por suas ações. Um libertário é necessariamente feminista, no sentido de defender a igualdade sob a lei para todos os homens e mulheres, embora infelizmente algumas feministas contemporâneas estejam longe de ser libertárias. O libertarismo é uma filosofia política, não um guia completo para a vida. Um homem e uma mulher libertários poderiam perfeitamente decidir iniciar um casamento tradicional, com o homem trabalhando fora e a mulher sendo dona de casa, mas por um acordo voluntário. A única coisa que o libertarismo nos diz é que homem e mulher são politicamente iguais, com plenos direitos a escolher a forma de vida que preferirem. Em seu livro de 1986, Gender Justice [Justiça de gênero], David L. Kirp, Mark G. Yudof e Marlene Strong Franks endossaram esse conceito libertário de feminismo: “Não é nem a igualdade como
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exigência de uniformidade, nem a igualdade como aceitação da diferença que adequadamente abrange a questão, mas em vez disso o conceito muito diferente de igual liberdade sob a lei, enraizada na ideia da autonomia individual”.
Escravidão e racismo
O movimento abolicionista, também, derivou logicamente do libertarismo lockeano da Revolução Americana. Como poderiam os americanos proclamar que “todos os homens são criados iguais (...) dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis” sem notar que eles mesmos estavam mantendo outros homens e mulheres em cativeiro? Não poderiam, é claro, e realmente a primeira sociedade antiescravista do mundo foi fundada na Filadélfia um ano antes que Jefferson escrevesse essas palavras. O próprio Jefferson tinha escravos e no entanto incluiu uma apaixonada condenação da escravidão em seu rascunho da Declaração de Independência: “[O rei George] empreendeu guerra cruel contra a própria natureza humana, violando seus mais sagrados direitos de vida e liberdade nas pessoas de um povo distante que nunca o ofendeu”; O Congresso Continental apagou essa passagem, mas os americanos viviam em desconforto com a óbvia contradição entre seu comprometimento com os direitos individuais e a instituição da escravidão. Embora estejam intimamente conectados na história americana, a escravidão e o racismo não estão inerentemente associados. No mundo antigo, o ato de escravizar outra pessoa não implicava sua inferioridade intelectual ou moral; simplesmente era aceito que conquistadores podiam escravizar seus cativos. Escravos gregos frequentemente eram professores em domicílios romanos, sendo sua eminência intelectual reconhecida e explorada. Em todo caso, o racismo em suas diferentes formas é um problema desde o princípio dos tempos, mas conflita claramente com a ética universal do libertarismo e os direitos naturais iguais de todos os homens e mulheres. Como Ayn Rand apontou em seu ensaio “Racism” [Racismo], O racismo é a mais baixa, mais cruelmente primitiva forma de coletivismo. É a ideia de atribuir significância política, social ou moral à linhagem genética de um homem (...) o que significa, na prática, que um homem será julgado não pelo seu caráter e suas ações, mas pelo caráter e pelas ações de um coletivo de ancestrais.
Em suas obras, Rand enfatizou a importância das realizações produtivas do indivíduo para a sensação de eficiência e felicidade. Argumentou: “Assim como todas as outras formas de coletivismo, o racismo é uma busca do que não foi conquistado.
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É uma busca do conhecimento automático — por uma avaliação automática do caráter dos homens que ignora a responsabilidade de exercer um julgamento moral ou racional — e, sobretudo, a busca de uma autoestima automática (ou pseudoautoestima)”. Isto é, algumas pessoas querem se sentir bem consigo mesmas porque têm a mesma cor de pele de Leonardo da Vinci ou Thomas Edison, em vez de se sentir assim por causa de suas conquistas pessoais; e outros querem diminuir as conquistas de pessoas mais inteligentes, produtivas e bem-sucedidas do que elas simplesmente enunciando um epíteto racista.
O individualismo hoje
Como vai o indivíduo nos Estados Unidos hoje? Conservadores, liberais e comunitaristas, todos reclamam de vez em quando do “individualismo excessivo”, em geral querendo dizer que os americanos parecem mais interessados em seu próprio emprego e família do que nos projetos de planejadores sociais, intelectuais e grupos de interesse em Washington. No entanto, o verdadeiro problema nos Estados Unidos hoje não é um excesso de liberdade individual, mas sim as miríades de maneiras como o governo infringe os direitos e a dignidade dos indivíduos. Durante boa parte da história ocidental, o racismo foi usado por brancos contra negros e, em menor escala, pessoas de outras raças. Da escravidão às leis de Jim Crow e à Comissão de Soberania do Estado do Mississippi (State Sovereignty Commission of Mississippi), do abrangente sistema racista do apartheid ao tratamento dos habitantes nativos da Austrália, Nova Zelândia e América, alguns brancos usaram os mecanismos coercitivos do estado para negar tanto a humanidade quanto os direitos naturais das pessoas de outras raças. Os americanos de origem asiática também foram submetidos a privação de liberdade, embora nunca na escala da escravidão: a Lei de Exclusão Chinesa de 1882, que proibiu no século XIX que os chineses testemunhassem em tribunais, e mais notoriamente o encarceramento de nipoamericanos (e o roubo de suas propriedades) durante a Segunda Guerra Mundial. Os colonos europeus na América do Norte às vezes comerciavam e coabitavam em paz com os índios americanos, mas com frequência excessiva roubaram suas terras e praticaram políticas de extermínio, tais como a notória remoção de índios dos estados do Sul e sua marcha forçada pela Trilha das Lágrimas na década de 1830. Milhões de americanos lutaram para derrubar primeiro a escravidão e, mais recentemente, as leis de Jim Crow e outros aparatos do racismo patrocinado pelo estado. No entanto, os movimentos de direitos civis finalmente ficaram à deriva e solaparam seu objetivo libertário de igualdade de direitos sob a lei com a defesa de uma nova forma de discriminação patrocinada pelo estado. Em vez de garantir a todo americano iguais direitos de possuir propriedades, firmar contratos e participar de instituições públicas, as leis hoje exigem discriminação racial, tanto por gover-
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nos como por empresas privadas. Em 1995, o Serviço de Pesquisa do Congresso (Congressional Research Service) identificou 160 programas federais empregando critérios explícitos de gênero e raça. No começo da década de 1990, era política da Universidade da Califórnia em Berkeley ocupar metade de suas vagas com base em notas e exames padronizados e a outra metade com base em cotas raciais. Outras grandes faculdades, apesar de muita retórica para tornar a questão confusa, fazem a mesma coisa. Se distribuirmos empregos e vagas no ensino superior com base na raça, podemos esperar bastante conflito a respeito do número de lugares que cada grupo conseguirá, como já vimos em vários países, da África do Sul à Malásia, onde se faz distribuição de bens com base em cotas raciais. Veremos mais casos como o do membro hispânico do Conselho de Governadores do correio americano, que reclamou que o correio estava contratando negros demais e hispânicos de menos. Assim como alguns negros tentaram “se fazer passar” por brancos para conseguir os mesmos direitos e oportunidades reservados a eles no começo do século XX, vemos hoje pessoas — e podemos esperar ver mais — tentando reclamar que pertencem a qualquer grupo racial que tenha as cotas mais altas. No condado de Montgomery, no estado de Maryland, em 1995, uma escola francesa negou a duas meninas de cinco anos, de origem metade caucasiana e metade asiática, vagas como asiáticas, mas disse-lhes que poderiam se candidatar novamente como brancas. Em São Francisco, centenas de pais a cada ano mudam sua etnia oficial para conseguir que seus filhos entrem nas escolas que preferem, e bombeiros brancos fazem elaboradas investigações genealógicas na esperança de descobrir um distante ancestral espanhol que os qualifique como hispânicos. Um construtor na Califórnia ganhou um contrato de 19 milhões de dólares com o metrô de Los Angeles porque tinha 1/64 de sangue índio. Em breve talvez precisemos enviar observadores à África do Sul para descobrir como funcionava a antiga Lei de Registro da População, com cortes raciais decidindo quem era realmente branco, negro, “de cor” ou asiático. Não é uma perspectiva muito feliz para uma nação fundada nos direitos do indivíduo. Quão melhor estaríamos hoje se o censo tivesse aceitado a proposta da American Civil Liberties Union de remover a pergunta sobre “raça” do formulário do censo em 1960! É claro, discriminação oficial de raça e gênero não é a única forma pela qual os governos atualmente nos tratam como grupos em vez de indivíduos. Somos constantemente exortados a avaliar políticas públicas pelo seu efeito sobre grupos e não pelo tratamento dos indivíduos em consonância com o princípio de igualdade de direitos. Grupos de interesse, da American Association of Retired Persons à National Organization for Women, da Gay and Lesbian Task Force aos Veterans of Foreign Wars, da National Farmers Organization à American Federation of Government Employees, nos encorajam a pensar em nós mesmos como membros de grupos e não como indivíduos.
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A ex primeira-dama Hillary Rodham Clinton oferece exemplos perfeitos de alguns dos problemas que o individualismo encontra hoje nos Estados Unidos. Começando com o provérbio — sensato, apesar de quase sempre exagerado — de que “é tarefa de uma aldeia educar uma criança”, ela acaba, em seu livro É tarefa de uma aldeia, convocando todos os 250 milhões de americanos a educar cada criança. Não temos a menor possibilidade de assumir responsabilidade por milhões de crianças, é claro. Ela invoca “um consenso de valores e uma visão comum do que podemos fazer hoje, individual e coletivamente, para construir famílias e comunidades sólidas”. Mas não pode haver tal consenso coletivo. Em qualquer sociedade livre, milhões de pessoas terão ideias diferentes sobre como formar uma família, criar filhos e como se associar voluntariamente entre si. Essas diferenças não são apenas resultado de uma falta de compreensão; não importam quantos seminários de Harvard e National Conversations financiados pelo Fundo Nacional para as Humanidades tivermos, nunca chegaremos a um consenso nacional sobre questões morais tão íntimas. Clinton implicitamente reconhece isso quando insiste em que haverá ocasiões em que “a própria aldeia [leia-se: o governo federal] deverá agir no lugar dos pais” e aceitar “essas responsabilidades em nome de todos nós através da autoridade que conferimos ao governo”. No final, então, ela revela seu antilibertarismo: o governo deve tomar decisões sobre como criamos nossos filhos. Mesmo quando o governo não interfere para tirar dos pais seus filhos, Hillary Clinton o vê constantemente aconselhando, incomodando, intimidando os pais: “Vídeos com cenas de cuidados comuns com bebês — como ajudá-lo a arrotar, o que fazer quando cai sabão em seus olhos, como deixar confortável um bebê com dor de ouvido — poderiam ser exibidos continuamente em consultórios médicos, clínicas, hospitais, escritórios dos departamentos de trânsito ou qualquer outro lugar onde há reunião de pessoas”. Os vídeos sobre cuidados com crianças poderiam se alternar com outros sobre a pirâmide alimentar, os males do tabagismo e das drogas, a necessidade da reciclagem, técnicas de sexo seguro, as alegrias da boa forma física e todas as outras coisas que os cidadãos adultos responsáveis de uma complexa sociedade moderna precisam saber. Mais ou menos como a tela de TV no filme 1984. Quando Bill Clinton anunciou que iria promulgar, com sua própria autoridade, novas regulamentações sobre tabaco e tabagismo em nome da “juventude dos Estados Unidos”, ele disse: “Somos seus pais, e cabe a nós protegê-los”. E Hillary Clinton disse à Newsweek em 1996: “Não há isso de filhos de outras pessoas”. Essas ideias são profundamente anti-individualistas e antifamília. Em vez de reconhecer pais individualmente como agentes morais que podem e devem assumir a responsabilidade por suas decisões e ações, o casal Clinton os absorveria em uma gigantesca massa de paternidade coletiva dirigida pelo governo federal.
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O estado, cada vez maior, tem tratado os cidadãos adultos como crianças. Toma cada vez mais dinheiro daqueles que ganham e o devolve, como uma mesada, por meio de um sem-número de “programas de distribuição de renda” que vão do Head Start e dos empréstimos estudantis a subsídios agrícolas, assistencialismo corporativo, programas de auxílio-desemprego e previdência social. O governo não confia em nossas decisões (nem nas consultas a nossos médicos) sobre que remédios tomar, quando nossos filhos devem ir para a escola ou o que podemos acessar de nossos computadores. O cerco universal do estado é ainda mais sufocante para aqueles que caem em sua disputada rede de segurança, que acaba prendendo as pessoas num pesadelo de subsídio e dependência, tirando deles a obrigação de, como adultos, se sustentar, subtraindo-lhes o amor-próprio. Recentemente, um ouvinte de um programa de entrevistas numa emissora de rádio do governo ligou e reclamou: “Você não pode cortar o orçamento sem causar a total aniquilação econômica — e em alguns casos física — de milhões de nós que não temos a quem recorrer senão ao governo federal”. O que foi que o governo fez com esses milhões de americanos adultos com medo de não conseguir sobreviver à perda de um cheque de auxílio-desemprego? Os libertários às vezes dizem: “Conservadores querem ser seu pai, dizendo-lhe o que fazer ou não fazer. Os social-democratas querem ser sua mãe, alimentando-o, colocando-o na cama e assoando seu nariz. Os libertários querem tratá-lo como adulto”. O libertarismo é o tipo de individualismo apropriado a uma sociedade livre: adultos são tratados como adultos, permite-se que tomem suas próprias decisões, mesmo quando cometem erros e confia-se neles para encontrar as melhores soluções para sua própria vida.
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Capítulo 5
Pluralismo e tolerância
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m dos fatos centrais da vida moderna, que qualquer teoria política deve enfrentar, é o pluralismo moral. Os indivíduos têm concepções diferentes sobre o significado da vida, a existência de Deus e as formas de buscar a felicidade. Uma das respostas a essa realidade pode ser chamada de “perfeccionismo”, uma filosofia política que procura uma estrutura institucional que aperfeiçoe a vida humana. Marx ofereceu uma resposta dessa natureza, alegando que o socialismo permitiria que os seres humanos, pela primeira vez, atingissem seu pleno potencial humano. As religiões teocráticas oferecem uma resposta diferente, propondo unir todo o povo num entendimento comum de sua relação com Deus. Filósofos comunitaristas também procuram formar uma comunidade em que a “vida material”, nas palavras de Michael Walzer, filósofo da Universidade Harvard, “é vivida de certa maneira — isto é, fiel aos entendimentos compartilhados de seus membros”. Mesmo alguns conservadores modernos, que acreditam, como diz o colunista George F. Will, que “a arte de governar é a arte da alma”, estão tentando usar o poder do governo para remediar o pluralismo moral. Libertários e liberais individualistas têm uma resposta diferente. A teoria liberal aceita que nas sociedades modernas haverá diferenças irreconciliáveis sobre o que é bom para os seres humanos ou o que é sua natureza fundamental. Alguns liberais mais aristotélicos argumentam que os seres humanos têm de fato uma única natureza, mas que cada indivíduo possui um conjunto de talentos, circunstâncias e ambições; assim, uma boa vida para uma pessoa pode não ser boa para outra, apesar de sua natureza comum. O governo de si mesmo, a capacidade de escolher seu próprio caminho na vida, é parte do bem humano. Portanto, em ambas as correntes, os libertários acreditam que o papel do governo não é impor uma determinada moralidade, mas estabelecer uma estrutura de regras que possa garantir a cada indivíduo a liberdade de procurar seu próprio bem à sua maneira, seja individualmente e, seja em cooperação com os outros, contanto que não infrinja a liberdade alheia. Como nenhum governo moderno pode admitir 101
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que seus cidadãos compartilhem um código moral completo e exaustivo, as obrigações impostas às pessoas pela força devem ser mínimas. Na concepção libertária, as regras fundamentais do sistema político devem ser essencialmente negativas: não violar o direito de outra pessoa de buscar seu próprio bem à sua maneira. Se um governo tenta alocar recursos e atribuir deveres com base em uma concepção moral particular — segundo a necessidade ou o mérito —, ele vai criar conflitos sociais e políticos. Isso não significa que não haja moralidade material, ou que todas as formas de vida sejam “igualmente boas”, mas apenas que o consenso sobre o que é melhor dificilmente será alcançado e que, quando tais questões são colocadas no domínio da política, o conflito é inevitável.
Tolerância religiosa
Uma das implicações óbvias do individualismo, a ideia de que cada pessoa é um agente moral individual, é a tolerância religiosa. O libertarismo se desenvolveu a partir de uma longa luta pela tolerância, dos primeiros cristãos no Império Romano às experiências de Roger Williams e Anne Hitchinson nas colônias americanas e além, tendo passado pelos Países Baixos, pelos anabatistas na Europa Central e pelos dissidentes da igreja anglicana. A posse de si mesmo certamente inclui o conceito de “propriedade da própria consciência”, como James Madison afirmou. O Nivelador Richard Overton escreveu em 1646 que “todo homem por natureza [é] sacerdote e profeta em seu próprio circuito e bússola naturais”. Locke concordou em que “a liberdade de consciência é um direito natural de todo homem”. Além dos argumentos morais e teológicos, porém, havia fortes argumentos práticos para a tolerância religiosa. Como defende George Smith em “Filosofias de tolerância”, ensaio de 1991, um dos grupos de defensores da tolerância teria preferido ver crenças religiosas uniformes, “mas não queriam impor uniformidade na prática por causa de seus custos sociais elevados — compulsão maciça, guerras civis e caos social”. Eles recomendavam tolerância como a melhor forma de produzir paz na sociedade. O filósofo judeu Baruch Spinoza, explicando a política holandesa de tolerância, escreveu: “É imperativo que seja concedida a liberdade de julgamento, para que os homens possam viver juntos em harmonia, não importa quão diversas ou abertamente contraditórias forem suas opiniões”. Spinoza apontou para a prosperidade que os holandeses tinham atingido ao permitir que pessoas de todas as seitas vivessem pacificamente e fizessem negócios em suas cidades. Como os ingleses, observando o exemplo holandês, adotaram uma política de relativa tolerância, Voltaire comentou o mesmo efeito e a recomendou aos franceses. Embora Marx tenha mais tarde denunciado a natureza impessoal do mercado, Voltaire reconhecia as vantagens dessa impessoalidade. Como George Smith afirmou,
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“A capacidade de lidar com outros impessoalmente, de lidar com eles unicamente para benefício mútuo, significa que características pessoais, como crença religiosa, se tornam largamente irrelevantes”. Outros defensores da tolerância enfatizaram os benefícios do pluralismo religioso na teoria. A verdade, diziam, emergirá da discussão. John Milton era um eminente defensor dessa visão, mas também a endossavam Spinoza e Locke. Os libertários britânicos no século XIX usaram termos como “livre-comércio na religião” para se opor à oficialização da igreja anglicana. Alguns dissidentes ingleses vieram à América para encontrar a liberdade de praticar a religião à sua própria maneira, mas não para garanti-la a outros. Eles não se opunham à existência de privilégios especiais para uma religião, apenas queriam que a vigente fosse a sua. Mas outros novos americanos não apenas apoiavam a tolerância religiosa, como estendiam a discussão para reclamar a separação entre igreja e estado, uma ideia radical naquele tempo. Depois de ser banido da Colônia da Baía de Massachussets em 1636 por suas opiniões heréticas, Roger Williams escreveu The Bloudy Tenent of Persecution, for Cause of Conscience [A sangrenta perseguição de habitantes por motivos de consciência], insistindo na separação e procurando proteger a cristandade do controle político. As ideias de Williams, junto com as de John Locke, se espalharam pelas colônias americanas; religiões oficiais foram gradualmente desoficializadas, e a Constituição adotada em 1787 não incluía nenhuma menção a Deus ou religião, exceto pela proibição de testes de religião para cargos públicos. Em 1791, a Primeira Emenda foi adicionada, garantindo a liberdade de culto e proibindo qualquer religião oficial. Membros da direita religiosa hoje insistem em que os Estados Unidos são — ou pelo menos foram — uma nação cristã com um governo cristão. O ministro batista de Dallas que deu a bênção na Convenção Nacional Republicana de 1984 disse que “não existe separação entre igreja e estado”, e o fundador da Christian Coalition, Pat Robertson, escreve: “A Constituição foi planejada para perpetuar uma ordem cristã”. Mas, como Isaac Kramnick e R. Laurence Moore observam em The Godless Constitution [A constituição sem Deus], os antepassados de Robertson entendiam melhor a Constituição. Alguns americanos se opuseram à ratificação da Constituição porque ela era “friamente indiferente à religião” e a deixaria “arranjar-se sozinha”. Apesar disso, a Constituição revolucionária foi adotada, e a maioria de nós acredita que a experiência da separação entre igreja e estado foi feliz. Como Roger Williams talvez tivesse previsto, as igrejas são bem mais fortes nos Estados Unidos, onde se permite que sobrevivam por si mesmas, do que nos países europeus, onde ainda há religião oficial (como na Inglaterra e na Suécia) ou onde as igrejas são apoiadas por tributos que o governo colhe de seus adeptos (como na Alemanha).
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Separação entre consciência e estado
Poderíamos refletir sobre por que a separação entre igreja e estado parece tão boa ideia. Em primeiro lugar, é errado a autoridade coercitiva do estado interferir em questões de consciência individual. Se temos direitos, se somos agentes morais individuais, devemos ser livres para exercer nosso julgamento e definir nossa relação com Deus. Isso não significa que uma sociedade livre e pluralista não incluirá muita persuasão e proselitismo — sem dúvida incluirá —, mas significa que esse proselitismo deverá ser de natureza inteiramente persuasiva e voluntária. Em segundo lugar, a harmonia social é reforçada com a remoção da religião do domínio da política. A Europa sofreu durante as guerras de religião, quando as igrejas forjaram alianças com governantes e procuraram impor sua teologia a todas as pessoas em uma região. Inquisições religiosas, segundo Roger Williams, punham as cidades “em rebuliço”. Se as pessoas levam sua fé a sério, e o governo vai tornar universal e compulsória uma única fé, então as pessoas vão lutar seriamente — inclusive até a morte — para assegurar que a verdadeira fé seja oficializada. Como as experiências da Holanda, da Grã-Bretanha e depois dos Estados Unidos mostram, as pessoas conseguem lidar umas com as outras na vida secular sem necessariamente endossar suas opiniões particulares. Em terceiro lugar, a competição produz resultados melhores do que o subsídio, a proteção e a conformidade. O “livre-comércio na religião” é a melhor ferramenta que os seres humanos têm para encontrar uma aproximação mais íntima com a verdade. Empresas mimadas por subsídios e tarifas serão fracas e pouco competitivas, como o serão também as religiões, sinagogas, mesquitas e templos. Religiões que são protegidas da interferência política mas vivem por sua própria conta serão provavelmente mais fortes e vigorosas do que uma igreja que tem o apoio do governo. Essa última questão reflete a humildade, que é uma parte essencial da visão de mundo libertária. Os libertários são às vezes criticados por serem muito “extremistas” ou terem uma visão “dogmática” do papel do governo. Na verdade, seu firme compromisso com a total proteção dos direitos individuais e um governo estritamente limitado reflete sua fundamental humildade. Uma das razões para se opor à oficialização de uma religião ou qualquer outra moralidade é que reconhecemos a possibilidade muito real de que nossas próprias visões podem estar erradas. Os libertários apoiam o mercado livre e a propriedade amplamente dispersa porque sabem que as chances de um monopolista descobrir um grande avanço para a humanidade são muito pequenas. Friedrich A. Hayek enfatizou o crucial significado da ignorância humana em toda a sua obra. Em Os fundamentos da liberdade, escreveu: O argumento em favor da liberdade individual está principalmente no reconhecimento da inevitável ignorância
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de todos nós sobre muitos dos fatores dos quais dependem o cumprimento de nossos propósitos e nosso bemestar (...). A liberdade é essencial para deixar espaço para o imprevisível e o inesperado.
Lillian Harman, libertária americana do século XIX, rejeitando o controle do estado sobre o casamento e a família, escreveu em Liberty [Liberdade] em 1895: “Se eu for capaz de conseguir que o mundo inteiro viva exatamente como eu vivo hoje, em que isso me beneficiará em dez anos, quando, como espero, eu tiver um conhecimento maior da vida e portanto minha vida provavelmente tiver mudado?”. Ignorância, humildade, tolerância — não exatamente um sonoro grito de guerra, mas um argumento importante para limitar o papel da coerção na sociedade. Se esses temas são verdadeiros, eles têm implicações além da religião. A religião não é a única coisa que nos afeta de forma pessoal e espiritual, como não é a única coisa que leva a guerras culturais. Por exemplo, a família é a instituição dentro da qual desenvolvemos a maior parte do entendimento que temos do mundo e nossos valores morais. Apesar da visão de Mario Cuomo dos Estados Unidos como uma grande família, ou da aldeia global de Hillary Clinton, cada um de nós cuida mais de seus próprios filhos do que de quaisquer outras crianças, e queremos inculcar nelas nossos próprios valores e visão de mundo. É por isso que a interferência do governo na família é tão ofensiva e controversa. Precisamos estabelecer um princípio de separação entre família e estado, uma muralha tão firme quanto a que há entre igreja e estado, pelas mesmas razões: para proteger as consciências individuais, reduzir conflitos sociais e diminuir os efeitos perniciosos do subsídio e da regulamentação em nossas famílias. Outra área na qual ensinamos formalmente valores aos nossos filhos é a educação. Esperamos que as escolas deem a nossos filhos não somente conhecimento, mas também força moral para tomar boas decisões. Infelizmente, em uma sociedade pluralista nem todos concordam sobre quais devem ser esses valores morais. Para começar, alguns pais querem que a reverência a Deus seja ensinada nas escolas, e outros não. Interpretou-se corretamente que a Primeira Emenda proíbe a oração nas escolas públicas; mas compelir pais religiosos a pagar impostos para sustentar escolas e depois proibir que essas instituições, que eles ajudam a manter, deem a seus filhos a educação que eles desejam certamente é injusto. No Estatuto pela Liberdade de Culto da Virginia, Thomas Jefferson escreveu: “Compelir um homem a alimentar com contribuições em dinheiro a propagação de ideias nas quais não acredita é perverso e tirânico”. Mais ofensivo ainda é onerar uma família com impostos para transmitir a seus próprios filhos opiniões nas quais ela não acredita! Os problemas vão bem além da religião. As escolas devem exigir uniformes, iniciar as aulas com o Juramento de Lealdade, aceitar professores homossexuais,
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separar meninos e meninas, ensinar o ambientalismo antiempresarial, cultivar apoio à Guerra do Golfo, celebrar o Natal e/ou o Hanucá, exigir exames de drogas? Todas essas decisões envolvem escolhas morais, e pais diferentes terão preferências diferentes. Nessas questões, um sistema de monopólio estatal precisa tomar uma única decisão para toda a comunidade. Uma separação estrita entre a educação e o estado respeitaria a consciência individual de cada família, reduziria os conflitos políticos em torno de questões muito carregadas e fortaleceria em cada escola a percepção de sua missão, bem como o compromisso de seus estudantes e famílias. Os pais poderiam escolher escolas privadas para seus filhos com base nos valores morais e na missão educacional que as escolas oferecessem, e não surgiria nenhum conflito político sobre o que ensinar. Como a igreja, a família e a escola, a arte também expressa, transmite e questiona nossos valores mais profundos. Como coloca o diretor administrativo do Center Stage, em Baltimore, “A arte tem poder. Tem o poder de sustentar, curar, humanizar (...) de mudar algo nas pessoas. É um poder assustador e também belo (...) E é essencial em uma sociedade civilizada”. Por ser a arte — pintura, escultura, teatro, literatura, música, cinema e outras — tão poderosa, ocupando-se de verdades humanas básicas, não ousamos misturá-la com poder coercitivo. Isso significa ausência de censura ou regulamentação da arte. Significa também ausência de subsídios financiados por tributos para artes ou artistas, porque, quando o governo entra no negócio de financiar a arte, surgem conflitos políticos: o Fundo Nacional para as Artes pode financiar fotografia erótica? O Public Broadcasting System pode transmitir o programa “Tales of the City”, que tem personagens homossexuais? A Biblioteca do Congresso pode mostrar uma exibição sobre a vida dos escravos antes da guerra? Para evitar essas batalhas políticas sobre como gastar o dinheiro dos contribuintes e manter a arte e seu poder no domínio da persuasão, seria uma boa decisão estabelecer a separação entre arte e estado. E quanto à divisora questão da raça? Não sofremos gerações suficientes de discriminação racial financiada pelo governo? Após o fim da escravidão — que era uma violação odiosa demais dos direitos individuais para ser categorizada como mera discriminação racial —, adicionamos três emendas à Constituição, cada uma com a intenção de cumprir as promessas da Declaração de Independência garantindo a todos os americanos (homens) direitos iguais. Especificamente, essas emendas aboliram a escravidão, prometeram igual proteção das leis para todos os cidadãos e garantiram que o direito ao voto não seria negado a ninguém com base em sua raça. Mas, no período de poucos anos, governos estaduais, com a aquiescência dos tribunais federais, começaram a limitar os direitos dos negros a votar, usar serviços públicos e participar da vida econômica. A era Jim Crow durou até os anos 1960. Então, infelizmente, o governo federal, num piscar de olhos, passou por cima da
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política libertária de igualdade de direitos para todos e começou a substituir velhas formas de discriminação racial por outras novas. Assim como as leis de Jim Crow enraiveceram negros (e todas as pessoas que acreditavam em direitos iguais), o novo regime de cotas enraiveceu brancos (e todas as pessoas que acreditavam em direitos iguais). Estava preparado o cenário para mais conflitos sociais, e a animosidade racial parece estar aumentando de muitas formas, mesmo à medida que a integração prossegue e a renda dos negros aumenta rapidamente em relação à dos brancos. Certamente seria melhor aplicar a lição das guerras de religião e manter o governo fora dessa área sensível: repelir as leis que concedem ou negam direitos ou privilégios com base na raça e estabelecer a separação entre raça e estado. Ao mesmo tempo, devemos olhar criticamente as políticas que têm um impacto desproporcionalmente negativo sobre quem há muito tempo sofre nas mãos do governo. Tributos e regulamentações que criam obstáculos para novos negócios e para a geração de empregos, por exemplo, prejudicam especialmente aqueles que ainda não são parte do grande mercado. Benjamin Hooks, que depois dirigiu a National Association for the Advancement of Colored People, certa vez comprou uma loja de doughnuts em Memphis, no estado do Tennessee, de um homem que tinha sido seu dono por 25 anos. “Naqueles 25 anos, haviam aprovado todo tipo de leis”, lembrou ele. “Era preciso ter banheiros separados para homens e mulheres, dedetizar as paredes e tudo o mais que se podia imaginar. Fomos atingidos por todas essas regulamentações, e elas nos custaram 30 mil dólares. Tivemos que fechar a loja.” E continuou: “É óbvio que hoje ninguém, mas ninguém mesmo, vai comprar alguma coisa em um gueto negro em decadência, exceto os próprios negros. Assim, o efeito produzido por algumas regulamentações é quase inteiramente a exclusão de negros”. Leis de exercício profissional também funcionam da mesma forma utilizada pelas corporações de ofício medievais para manter as pessoas longe dos bons empregos. Em cidades como Miami, Chicago e Nova York, conseguir um alvará para dirigir um táxi custa dezenas de milhares de dólares, fazendo que uma forma de empreendimento que poderia ser acessível seja negada para as pessoas que não têm capital. Uma política governamental cuja discriminação contra os negros passa largamente despercebida é o sistema politicamente intocável da previdência social. Direi mais sobre o sistema como um todo no capítulo 10, mas comento aqui que, como qualquer outro imenso monopólio governamental, a previdência social foi planejada para a “típica” família da década de 1930. Não funciona tão bem para pessoas que não se encaixem naquele padrão. Exige-se que pessoas solteiras e sem filhos paguem por benefícios previdenciários que elas não comprariam de uma seguradora privada. Mulheres casadas que trabalham fora não podem ser beneficiárias das contribuições do marido, embora os dois paguem os tributos. E os negros — porque apresentam uma expectativa de vida mais baixa do que a dos brancos — pagam os mesmos tributos
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mas recebem muito menos benefícios. Um estudo do National Center of Policy Analysis constatou que se entrasse no mercado de trabalho em 1986 um homem branco podia esperar receber 74% mais em benefícios da previdência social e 47% mais em Medicare do que um homem negro. Um casal de brancos empregados poderia esperar 35% mais benefícios do que um casal de negros. A disparidade é ainda maior no nível da renda. Um sistema de previdência privado e competitivo ofereceria diferentes planos para atender às necessidades de diferentes pessoas em vez de um único plano para todos. À medida que eliminamos preferências raciais na lei, devemos também procurar rejeitar leis que prejudicam de modo desproporcional as minorias e pessoas pobres. Como em tantas outras áreas, porém, a solução libertária não é uma panaceia. Conflitos sociais em torno de educação, reprodução e raça não vão terminar nem mesmo com uma emenda constitucional livrando todas elas da interferência do governo. Afinal, a Primeira Emenda não pôs fim às batalhas políticas e legais sobre a relação entre governo e religião. Mas é certo que já as diminuiu e confinou, e as batalhas legais sobre onde traçar a linha nas outras áreas seriam travadas em terreno bem mais restrito do que os conflitos de hoje, nos quais um governo expandido alcança cada canto da vida americana. A despolitização de nossas desavenças culturais seria um grande avanço na redução da escala da guerra cultural.
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Capítulo 6
O direito e a Constituição
I
ntimamente relacionado com as questões do escopo da atuação do estado está o venerável princípio libertário do estado de direito. Em sua forma mais simples, o princípio significa que devemos ser governados por leis de aplicabilidade geral e não por decisões arbitrárias dos governantes — “um governo de leis e não de homens”, como afirma a Declaração de Direitos de 1780 de Massachusetts. Em Os fundamentos da liberdade, Friedrich A. Hayek discute em detalhes o estado de direito. Ele apresenta três aspectos do princípio: as leis devem ser gerais e abstratas, sem ser planejadas para ordenar ações específicas aos cidadãos; devem ser certas e conhecidas, a fim de que o cidadão possa saber antecipadamente que suas ações estão de acordo com a lei; e devem se aplicar igualmente a todas as pessoas. Esses princípios têm implicações importantes: r As leis devem se aplicar a todos, inclusive a quem as faz. r Ninguém está acima da lei. r Para impedir a acumulação de poder arbitrário, o poder deve ser dividido. r As leis devem ser feitas por um órgão e aplicadas por outro. r Um Judiciário independente é necessário para assegurar que as leis sejam administradas com justiça. r Aqueles que administram a lei devem ter pouca discrição, porque o poder discricionário é o próprio mal que o estado de direito deve impedir.
Direito jurisprudencial
Há uma certa confusão no inglês moderno sobre o significado da palavra law (lei e também direito). Tende-se a pensar em lei como algo escrito pelo Congresso ou pela Assembleia Legislativa do estado. Mas na verdade a lei é mais antiga do que qualquer órgão legislativo. Como observa Hayek, “somente a observância a regras comuns pode tornar possível a coexistência pacífica de indivíduos em uma sociedade”. Essas regras são o direito, que foi desenvolvido originalmente pelo processo de resolver disputas. As leis não eram estabelecidas antecipadamente por um legislador 109
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ou um corpo legislativo; eram acumuladas uma a uma, conforme cada disputa era resolvida. Cada nova decisão ajudava a delinear que direitos tinham as pessoas, especialmente com relação a como a propriedade poderia ser usada e como deveriam ser interpretados e executados os contratos. A evolução da lei dessa maneira é anterior aos registros históricos, mas é mais conhecida na forma do Direito Romano, especialmente o Código Justiniano (ou Corpus Juris Civilis), que subjaz na base do direito continental europeu, e do direito consuetudinário inglês, que continuou a se desenvolver nos Estados Unidos e em outras ex-colônias inglesas. A codificação das leis, como no Código Comercial Uniforme (Uniform Commercial Code), geralmente reflete uma tentativa de coletar e reunir em um único lugar as decisões que juízes e júris tomaram em miríades de casos e os termos dos contratos em áreas da economia que estão em evolução. O American Law Institute, uma organização privada, recomenda regularmente às legislaturas revisões dos códigos comerciais. Segundo Hayek, mesmo os grandes legisladores da história, como Hammurabi, Sólon e Licurgo, “não pretendiam criar novas leis, mas apenas afirmar o que era e sempre havia sido a lei”. Como observaram juristas ingleses como Coke e Blackstone, o direito consuetudinário é parte da delimitação constitucional da concentração de poder. Um juiz não promulga editos; ele só pode julgar quando uma disputa é levada até ele. Essa limitação mantém sob controle o poder do juiz, e o fato de que a lei é feita por muitas pessoas envolvidas em várias disputas limita o potencial de exercício arbitrário do poder por um legislador, seja um monarca, seja uma legislatura. (Frequentemente, faz parte do trabalho de um advogado dizer ao cliente: “A lei é clara. Você não tem defesa. Você só vai desperdiçar o tempo e o dinheiro de todos nós indo à justiça”.) Desse modo, muitas pessoas participam da evolução da lei para lidar com novos problemas e circunstâncias. A legislação — que infelizmente é chamada de lei pela maioria das pessoas — é um processo diferente. Grande parte da legislação envolve regras para gerir o governo, caso em que é similar aos regulamentos internos de muitas organizações. Outras partes da legislação, como se observou acima, consistem na codificação do direito consuetudinário. Mas a legislação envolve cada vez mais ordens sobre como as pessoas devem agir, com o propósito de obter resultados específicos. Assim, a legislação afasta a sociedade das regras gerais que protegem os direitos e deixam as pessoas livres para buscar o que quiserem e a aproxima de regras detalhadas que especificam como as pessoas devem usar sua propriedade e interagir com os outros.
O declínio do direito contratual
Enquanto a legislação suplantou o direito consuetudinário na regulamentação de nossas relações uns com os outros, os legisladores têm se apropriado cada vez mais de nossa renda em tributos e limitado os direitos de propriedade com regulamentações
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destinadas a assegurar de habitação a baixo custo a vistas panorâmicas. Os juízes, infelizmente, não apenas têm apoiado essas decisões legislativas, ignorando disposições da Constituição americana que protegem os direitos de propriedade, como também anulado contratos por achar que eles refletiam “poder de barganha desigual” ou que não eram “de interesse público”. Em qualquer caso, embora o legislador ou juiz tenha achado que estaria de acordo com seus valores transferir os direitos de propriedade de seu legítimo dono para um reivindicante mais digno de compaixão, ou aliviar alguém das obrigações contratuais que havia assumido, por outro lado os grandes benefícios de um sistema de propriedade e contrato foram descartados. Em seu livro Sweet Land of Liberty? [Doce terra da liberdade?], o jurista Henry Mark Holzer identifica vários marcos na erosão da santidade dos contratos do governo. Antes da Guerra Civil, afirma ele, o dinheiro nos Estados Unidos consistia em moedas de ouro e prata. Para financiar a guerra, o Congresso autorizou a emissão de papel-moeda inflacionário, que declarou ser “moeda de curso legal”. Isso significava que deveria ser aceita para pagamento de dívidas, mesmo que o credor esperasse ser pago em ouro ou prata. Em 1871, a Suprema Corte apoiou a Lei da Moeda de Curso Legal, efetivamente reescrevendo todos os acordos de empréstimo — e pondo as pessoas com dinheiro sob aviso de que o governo poderia unilateralmente mudar os termos de futuros empréstimos. Então, em 1938, apesar da explícita provisão na Constituição proibindo os estados de aprovar “qualquer lei que obstruísse a obrigação dos contratos”, a Suprema Corte apoiou uma lei de Minnesota dando aos mutuários mais tempo do que o contrato especificava para pagar suas hipotecas, deixando os credores sem outra escolha senão esperar pelo dinheiro que lhes era devido. Mais ou menos na mesma época, a Suprema Corte deu mais um golpe na liberdade de contratar. Uma grande preocupação de qualquer credor é assegurar que o dinheiro a ser devolvido terá tanto valor quanto o que foi emprestado, o que pode não ser o caso se a inflação nesse meio-tempo tiver reduzido o valor do dinheiro. Depois da decisão sobre a Lei da Moeda de Curso Legal, muitos contratos incluíam uma “cláusula do ouro”, especificando o valor da quantia a ser devolvida em ouro, que preserva seu valor melhor do que o dólar emitido pelo governo. Em junho de 1933, o governo Roosevelt persuadiu o Congresso a omitir em todos os contratos a cláusula do ouro, efetivamente transferindo bilhões de dólares dos credores, que haviam emprestado de boa-fé o dinheiro, para os mutuários, que poderiam então devolvê-lo em dólares inflacionários. Em cada um desses casos, os legisladores e juízes disseram que em sua opinião a aparente necessidade de um grupo de partes contratantes deveria se sobrepor às obrigações que essas partes tinham assumido voluntariamente. Tais decisões foram enfraquecendo cada vez mais o progresso econômico, que depende da segurança da propriedade e da confiança em que as obrigações contratuais serão cumpridas.
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Leis de interesse especial
Em larga medida, os Estados Unidos são uma nação governada pelo estado de direito. Mas é possível apontar leis — Friedrich A. Hayek as chamaria de legislação e não leis verdadeiras — que parecem conflitar com o estado de direito. Há subsídios e coberturas explícitos para empresas específicas, como a garantia pelo Congresso, em 1979, de 1,5 bilhão de dólares em empréstimos para a Chrysler Corporation. Um tanto menos óbvias, há em muitos projetos de leis cláusulas ao longo das linhas de “mas este requerimento não se aplicará a nenhuma sociedade anônima constituída no estado de Illinois em 14 de agosto de 1967” — isto é, uma empresa está recebendo isenção de um requisito imposto a seus competidores. Há grandes incentivos no código tributário a produtos particulares como o etanol, um substituto da gasolina fabricado com milho, 65% do qual é produzido por uma única empresa, generosa colaboradora da política, a Archer-Daniels-Midland. Há partes valiosas do espectro de frequência de transmissão reservadas para empresas cujos donos pertençam a minorias, e há contratos do governo reservados para pequenas empresas. A Quinta Emenda afirma que se a propriedade privada for desapropriada para uso público o dono deve ser compensado. E no entanto a todo momento regulamentações desvalorizam propriedades, e os governos resistem a compensar os donos por suas perdas. Os defensores dos direitos de propriedade dizem: “Se um governo quer preservar a costa me proibindo de construir uma casa em minha propriedade, ou quer criar uma ciclovia atravessando minhas terras, tudo bem — que me pague o valor da parte de minha propriedade que me foi tirada”. Mas em geral o Judiciário permite que o governo faça tais desapropriações, que frequentemente são impingidas de forma arbitrária, após o dono ter comprado a propriedade com certo plano em mente. Mesmo se a propriedade estiver sendo desapropriada com objetivo público, o dono deve ser compensado; mas com frequência o propósito é privado, não público — como quando a cidade de Detroit condenou as casas e negócios em uma vizinhança de descendentes de poloneses chamada Poletown para que a General Motors pudesse construir uma fábrica lá. Para tornar o episódio ainda mais ofensivo, depois que as pessoas foram forçadas a se mudar do local onde haviam morado por toda a vida, a General Motors acabou decidindo não construir a fábrica. Leis de exercício profissional frequentemente conflitam com o espírito do estado de direito. Exigir que os indivíduos obedeçam a regulamentações específicas do estado para poder oferecer serviços ao público, tais como advogados, motoristas de táxi, esteticistas ou cerca de outras 800 ocupações, pode não entrar em conflito com o estado de direito — embora seja certamente uma violação da liberdade econômica. Mas obrigar uma cabeleireira licenciada no Tennesse a morar no Kentucky por um ano antes que ela possa exercer sua profissão nesse estado parece mostrar claramente que os cidadãos estão sendo tratados de modo diferente sob a lei e obviamente está
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criando o equivalente a uma tarifa protecionista em benefício dos cabeleireiros já residentes no Kentucky. Talvez a mais séria violação do estado de direito pela lei americana vigente esteja na delegação de Poder Legislativo e Judiciário a administradores não eleitos e invisíveis. Em 1948, Winston Churchill reclamou: “Ouvi dizer que trezentos oficiais têm o poder de fazer, totalmente separados do Parlamento, novas regulamentações contendo a penalidade da detenção por crimes até então desconhecidos pela lei”. Teríamos muita sorte hoje se somente trezentos oficiais tivessem o poder de fazer leis. Até o New Deal de Franklin Roosevelt, entendia-se que era ao Congresso que a Constituição dos Estados Unidos dava o exclusivo poder de legislar. De conformidade com o estado de direito, dava ao presidente o poder de executar as leis e ao Judiciário, o de interpretá-las e aplicá-las. Nos anos 1930, porém, o Congresso começou a aprovar leis mais amplas e a deixar os detalhes para agências administrativas. Tais agências — o Departamento de Agricultura (Agriculture Department), a Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission), a Agência de Alimentos e Medicamentos, a Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency) e incontáveis outras — agora cospem regras e regulamentações que claramente têm força de lei mas nunca foram aprovadas pela autoridade legisladora constitucional. Algumas vezes o Congresso não soube como tornar reais suas amplas promessas, outras, nem sequer quis votar as compensações concretas envolvidas em dar a algumas pessoas o que elas queriam à custa de outras pessoas, outras ainda simplesmente não se importou com os detalhes. O resultado são dezenas de milhares de burocratas cuspindo leis — 60 mil páginas em um ano normal — pelas quais o Congresso não assume nenhuma responsabilidade. Para piorar a ofensa ao estado de direito, essas agências então interpretam e executam suas próprias regras, decidindo como vão aplicá-las em cada caso. Elas são legislador, promotor, juiz, júri e executor, todos em um só — uma violação do estado de direito tão clara quanto se poderia imaginar. Um problema em particular é a federalização e criminalização das leis ambientais ao longo das últimas três décadas. Em seu zelo pela proteção do ambiente, o governo federal criou uma teia de regulamentações tão densa que o cumprimento da lei é, em essência, inatingível. Promotores e tribunais privaram os suspeitos de crimes ambientais de defesas legais tradicionais como boa-fé, prevenção e risco duplo, ao mesmo tempo em que exigiam que os potenciais suspeitos se autoincriminassem. Justamente ao buscar um objetivo de espírito tão público quanto a proteção ambiental, devemos lembrar a nós mesmos de ter o máximo cuidado com o cumprimento das regras e a obediência às proteções constitucionais, de modo a não permitir que o mérito de um objetivo em particular nos leve a erodir os princípios que nos permitem atingir todos os nossos objetivos.
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Limites constitucionais ao governo
Talvez a mais notável contribuição americana à proteção aos direitos individuais e ao estado de direito tenha sido nossa Constituição escrita. O propósito do governo foi estabelecido claramente na Declaração de Independência: “para assegurar tais direitos, governos são instituídos entre os homens”. Tendo concluído que o governo era necessário, os americanos procuraram produzir uma Constituição que limitasse o governo a apenas esse propósito. Cada indivíduo detém naturalmente o poder de proteger os direitos, enquanto ele é delegado ao governo na Constituição. Para deixar claro que a Constituição não era uma concessão genérica de poder ao governo, os poderes específicos cedidos ao governo federal são enumerados no Artigo 1, Seção 8. Por serem delegados e enumerados, os poderes do governo federal são limitados. Um governo de poderes delegados, enumerados e limitados: essa é a maior contribuição americana ao desenvolvimento da liberdade sob a lei. O jurista Roger Pilon delineia o significado da Constituição em seu ensaio de 1995 “Restoring Constitutional Government” [Restaurando o governo constitucional]: O Congresso pode agir, em qualquer área e sobre qualquer assunto, somente se tem autoridade sob a Constituição para fazê-lo. Se não, essa área ou assunto deve ser abordada pela ação estatal, local ou privada. A doutrina dos poderes enumerados, conforme enunciado, foi destinada pelos pais da Constituição a ser sua peça central. Como tal, ela serve a duas funções básicas. Em primeiro lugar, explica e justifica o poder federal: fluindo do povo para o governo, o poder é legítimo na medida em que foi assim delegado. Mas, em segundo lugar, a própria doutrina que justifica o poder federal serve para limitá-lo, pois o governo tem somente os poderes que o povo lhe concedeu. De fato, a enumeração dos poderes, e não a enumeração dos direitos na Declaração de Direitos, foi idealizada pelos pais da Constituição como a principal limitação sobre o poder governamental. Pois eles dificilmente poderiam ter enumerado todos os nossos direitos, e no entanto poderiam ter feito isso com os poderes federais. Por implicação, onde não há poder, há um direito pertencente aos estados ou ao povo.
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Hoje, quando uma nova lei federal é proposta, muitas pessoas de mentalidade libertária da direita e da esquerda vão à Declaração de Direitos para ver se a lei viola algum direito constitucional. Mas deveríamos primeiramente olhar para os poderes enumerados e ver se o governo federal recebeu o poder de empreender a ação proposta. Somente se ele detém tal poder, devemos passar à pergunta sobre se a ação viola algum direito protegido. Muito — talvez a maior parte — do que o governo federal faz hoje não é autorizado no Artigo 1, Seção 8. Isso quer dizer que o governo federal assumiu muitos poderes que não foram delegados pelo povo ou enumerados na Constituição. Seria difícil encontrar na Constituição qualquer autorização para planejamento econômico, auxílio à educação, um programa de aposentadoria financiado pelo governo, subsídios agrícolas, subsídios às artes, assistência a corporações, produção energética, habitação pública, ou a maior parte da panóplia de empreendimentos federais. Durante grande parte de nossa história, os limites sobre os poderes federais foram dados como certos. Já em 1794, James Madison, principal autor da Constituição, levantou-se na Câmara dos Deputados (House of Representatives) para se opor a um projeto de lei porque “não podia apontar precisamente o artigo da Constituição Federal que garantia ao Congresso o direito de gastar, sob pretexto de benevolência, o dinheiro dos eleitores que representa”. Bem mais tarde, em 1887, o presidente Grover Cleveland vetou um projeto de lei para oferecer sementes a agricultores atingidos pela seca porque “não encontrava justificativa para tal apropriação na Constituição”. Em 1935, as coisas haviam mudado; Franklin Roosevelt escreveu ao presidente do Comitê de Recursos da Câmara: “Espero que seu comitê não permita que dúvidas sobre constitucionalidade, por mais razoáveis que sejam, bloqueiem a legislação proposta”. Trinta e três anos depois, Rexford Tugwell, um dos principais conselheiros de Roosevelt, admitiu: “Até o ponto em que essas [políticas do New Deal] se desenvolveram, elas eram interpretações forçadíssimas de um documento que tinha a intenção de impedi-las”. Hoje, ao que parece, nem sequer perguntamos onde o Congresso encontra a autoridade constitucional para aprovar as leis que faz. É difícil lembrar uma ocasião em que um membro do Congresso tenha se levantado para perguntar: “Onde na Constituição encontramos esse poder?”. Se um crítico externo o fizesse, provavelmente lhe seria apontado o preâmbulo da Constituição: Nós, o povo dos Estados Unidos, para formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade doméstica, prover a segurança pública, promover o bem-estar geral e garantir as bênçãos da liberdade para nós e para a posteridade, ordenamos e estabelecemos a Constituição dos Estados Unidos.
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A menção de “bem-estar geral”, se dirá, autoriza quase qualquer coisa que o Congresso queira fazer. Mas essa é uma interpretação errônea da cláusula do bem-estar geral. É claro que, como argumentaram Locke e Hume, criamos governos para aumentar nosso bem-estar no sentido mais geral. Mas o que vai aumentar nosso bem-estar é a oportunidade de viver em uma sociedade civil na qual nossa vida, liberdade e propriedade estejam protegidas e sejamos deixados em paz para buscar a felicidade à nossa própria maneira. Nosso bem-estar decididamente não é aumentado por um governo sem limites, arrogando-se o poder de decidir que qualquer coisa, de um pacote de ajuda para a Chrysler a um V-chip, passando por um programa de treinamento profissional, seja boa para nós. Uma crítica mais restrita dessa leitura expansiva da cláusula do bem-estar geral diria que por “bem-estar geral” os pais da Constituição estavam deixando claro que o governo deve agir no interesse de todos e não em nome de qualquer pessoa ou grupo específico — mas praticamente tudo o que o Congresso faz hoje em dia envolve tomar o dinheiro de uns e dá-lo a outros. O valor da uma Constituição escrita é que ela define precisamente quais são os poderes do governo e, pelo menos por omissão, indica os que não são. Estabelece procedimentos metódicos para a operação do governo e, mais importante, sistemas para impedir qualquer tentativa de exceder a autoridade constitucional. Mas o verdadeiro impedimento ao poder de qualquer governo é a eterna vigilância do povo. A Constituição americana foi um feito brilhante não só porque foi concebida por gênios, mas porque o povo americano na era da fundação tinha plena consciência dos perigos da tirania e estava imerso na teoria de direitos de Locke e na experiência com o constitucionalismo britânico. Um amigo me disse por volta de 1990 que tinha sido procurado pelo povo da recém-libertada Bulgária para ajudá-los a escrever uma Constituição que protegesse a liberdade. “Tenho certeza de que você vai escrever uma ótima Constituição”, eu disse, “até melhor do que a americana, mas não é apenas uma questão de escrever um bom documento e entregá-lo à assembleia popular. Escrever a Constituição americana levou quinhentos anos — da Carta Magna em 1215 à Convenção Constitucional em 1787”. A questão é se o povo da Bulgária percebe a importância, para a liberdade e a prosperidade, da garantia dos direitos individuais por um governo de poderes delegados, limitados e enumerados. Aqui nos Estados Unidos, a pergunta é se os americanos ainda conseguem apreciar a Constituição e o pensamento subjacente a ela. Como a Constituição americana poderia ser melhorada? Friedrich A. Hayek nos recomenda prudência nas tentativas de melhorar instituições de longa data, e nenhum de nós estaria bem aconselhado a empreender com humildade a tarefa de melhorar o trabalho de Washington, Adams, Madison, Hamilton, Mason, Randolph, Franklin e seus colegas. Mas, com duzentos anos de experiência, talvez possamos sugerir algumas pequenas melhorias. A estrutura geral de poderes delegados, enumerados e portanto
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limitados, está obviamente de acordo com os valores libertários. Um libertário apoiaria entusiasticamente a separação de poderes e não teria nenhuma crítica óbvia à estrutura de um corpo legislativo com duas casas de proporções diferentes, um presidente com poder de veto, um processo de emenda razoavelmente difícil, e assim por diante. Alguém sugeriu que além das salvaguardas contra o governo excessivo já constantes da Constituição — a estrutura de poderes enumerados e limitados, a Declaração de Direitos, a Nona Emenda esclarecendo que todos os outros direitos são detidos pelo povo, a Décima Emenda reservando os poderes não enumerados aos estados ou ao povo — fosse adicionada mais uma camada: uma emenda dizendo “E estamos falando sério”. Nesse espírito, quem estivesse revisando a Constituição ou para os americanos ou para algum outro país poderia adicionar uma cláusula esclarecendo que os poderes garantidos no Artigo 1, Seção 8 são de fato todos os poderes do governo federal. E, caso isso também fosse insuficiente, se poderia expandir a Declaração de Direitos para garantir não apenas a separação entre igreja e estado mas entre família e estado, escola e estado, raça e estado, arte e estado e até economia e estado. Talvez fosse também desejável emendar a Constituição para r exigir um orçamento equilibrado, como recomendou Thomas Jefferson e como fazem quase todas as constituições dos estados; r proibir o Congresso de delegar sua autoridade legisladora a agências administrativas; r reviver o princípio colonial de rotação no cargo, limitando os mandatos dos membros do Congresso e do presidente; e r dar ao presidente um veto parcial para que ele possa vetar partes individuais de um projeto de lei, ou esclarecer que quando o Artigo 1 se refere a “lei”, quer dizer uma única peça legislativa lidando com um único assunto e não um enorme amálgama de assuntos e apropriações. Os pais da Constituição e da Declaração de Direitos escreveram seus limites ao governo e suas garantias de direitos específicos com base em sua experiência com as depredações da liberdade levadas a cabo pelo governo britânico. Com duzentos anos a mais de experiência com as formas como o governo procura romper as limitações que lhe impomos, vemos novos direitos a enumerar e novos limites a impor ao poder. Por ora, porém, aplicar a Constituição como ela é seria um grande passo na direção libertária, isto é, no sentido de proteger a liberdade de todo americano e manter o poder coercitivo do estado fora da sociedade civil.
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Capítulo 7
A sociedade civil
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a visão libertária, o papel do governo é proteger os direitos das pessoas — e só. Mas essa é uma tarefa e tanto, e um governo que a desempenhe bem merece nosso respeito e parabéns. A proteção aos direitos, porém, é apenas uma condição mínima para a busca da felicidade. Como defenderam Locke e Hume, estabelecemos governos para que estejamos seguros em nossa vida, liberdade e propriedade enquanto nos ocupamos de sobreviver e progredir. Mal podemos sobreviver, quanto mais progredir, sem interagir com outras pessoas. Queremos nos associar a outros para atingir fins instrumentais — produzir mais comida, trocar bens, desenvolver novas tecnologias —, mas também porque sentimos uma profunda necessidade de conexão, amor e amizade e comunidade. As associações que formamos com outros constituem o que chamamos de sociedade civil. Essas associações podem tomar uma impressionante variedade de formas: famílias, igrejas, escolas, clubes, sociedades fraternas, associações condominiais, grupos de vizinhos e as miríades de formas da sociedade comercial, como parcerias, corporações, uniões sindicais e associações comerciais. Todas essas associações servem de diferentes formas aos propósitos humanos. A sociedade civil pode ser largamente definida como todas as associações voluntárias e naturais na sociedade. Alguns analistas distinguem entre organizações com e sem fins comerciais, argumentando que os negócios são parte do mercado e não da sociedade civil; mas eu sigo a tradição de que a real distinção está entre as associações coercivas (o estado) e as naturais ou voluntárias (todas as outras). Se uma associação em particular é estabelecida para obter lucro ou para atingir algum outro propósito, a característica-chave é que nossa participação nela é voluntária. As associações na sociedade civil são criadas para atingir propósitos particulares, mas a sociedade civil como um todo não tem propósito; ela é o resultado que emerge espontaneamente, sem planejamento, de todas essas associações propositais. Algumas pessoas não gostam muito da sociedade civil. Karl Marx, por exemplo. Comentando a liberdade política em um de seus primeiros ensaios, “Sobre a questão 119
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judaica”, Marx escreveu que “os chamados direitos do homem (...) nada são senão os direitos do membro da sociedade civil, isto é, um homem egoísta, separado dos outros homens e da comunidade”. Argumentou que “o homem, tal como é na sociedade civil”, é “um indivíduo recolhido em seus interesses e manias próprias e separado da comunidade”. Lembre-se de que Thomas Paine distinguia a sociedade do governo, a sociedade civil da sociedade política. Marx revive essa distinção, mas com uma diferença: ele quer que a sociedade política tome o espaço da sociedade civil. Quando as pessoas forem realmente livres, diz ele, verão a si mesmas como cidadãos da comunidade política como um todo, e não “decompostos” em papéis diferentes e não universais, como comerciante, trabalhador, judeu, protestante. Cada pessoa será “um ser comunal” unido com todos os outros cidadãos, e o estado não vai mais ser visto como instrumento de proteção aos direitos, para que os indivíduos possam buscar seus objetivos egoístas, mas como a entidade por meio da qual todos atingirão “a essência humana [que] é a verdadeira coletividade do homem”. Nunca foi esclarecido como essa liberação viria, e a experiência real com regimes marxistas não foi lá muito libertadora, mas a hostilidade em relação à sociedade civil está bastante clara. Marxismo hoje em dia é quase um palavrão (e assim deve ser) nos Estados Unidos, mas a poderosa influência de Marx sobre tantas pessoas indica que ele estava observando algo importante quando escreveu sobre as pessoas se sentirem alienadas e atomizadas. As pessoas querem pelo menos sentir alguma conexão entre si. Em comunidades tradicionais pré-capitalistas não havia muita escolha a esse respeito; em uma aldeia, as pessoas que alguém conhecera por toda a vida estavam à sua volta. Desejado ou não, o sentimento de comunidade não podia ser evitado. À medida que o liberalismo e a Revolução Industrial trouxeram liberdade, riqueza e mobilidade para mais pessoas, um número cada vez maior delas decidiu deixar as aldeias onde tinha nascido, às vezes até o próprio país, e ir fazer uma vida melhor em outro lugar. A decisão de partir indica que as pessoas esperavam encontrar uma vida melhor; e a mobilidade e a emigração contínuas na sociedade moderna, geração após geração, indicam que as pessoas realmente encontram oportunidades melhores em novos lugares. Mas mesmo uma pessoa que está feliz por ter deixado sua aldeia ou país talvez sinta a perda do sentimento de comunidade, assim como a partida do seio familiar para se tornar um adulto pode gerar um profundo sentimento de perda, mesmo quando a pessoa desfruta de autonomia e independência. Foi a essa ânsia que o marxismo pareceu, para muitas pessoas, oferecer uma resposta. Ironicamente, o marxismo prometeu liberdade e comunidade, mas deu tirania e atomização. A tirania dos países marxistas é bem conhecida, mas talvez não se tenha entendido tão bem que o marxismo criou uma sociedade muito mais atomizada do que qualquer outra no mundo capitalista. Os governantes marxistas no império soviético, em primeiro lugar, acreditavam teoricamente que os homens sob condições
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de “verdadeira liberdade” não teriam necessidade de organizações que servissem a seus interesses individuais e, em segundo lugar, entendiam na prática que as associações independentes ameaçariam o poder do estado. Por isso, não eliminaram apenas a atividade econômica privada; procuraram proibir igrejas, escolas independentes, organizações políticas, associações de moradores e tudo o mais, até clubes de jardinagem. Afinal, segundo a teoria, essas organizações não universais contribuíam para a atomização. O que aconteceu, é claro, foi que as pessoas, privadas de qualquer forma de comunidade e conexão entre a família e o todo-poderoso estado, se tornaram indivíduos extremamente atomistas. Como escreveu o filósofo e antropólogo Ernest Gellner, “O sistema criava individualistas sem oportunidade, cínicos, amorais e isolados, habilidosos em dar respostas evasivas e em se adaptar à opinião da maioria”. As maneiras normais pelas quais as pessoas se ligavam a seus vizinhos, companheiros de paróquia e pessoas com quem faziam negócios foram destruídas, deixando-as com desconfiança umas das outras, sem ver razões para cooperação mútua ou mesmo se tratar com respeito. Talvez a ironia ainda maior, no entanto, foi que o marxismo afinal produziu uma renovada valorização da sociedade civil. À medida que a corrupção do tempo de Brejnev se desfez na liberalização de Gorbachov, as pessoas começaram a procurar uma alternativa para o socialismo e acabaram encontrando-a nos conceitos de sociedade civil, pluralismo e liberdade de associação. O investidor bilionário George Soros, ansioso para libertar sua terra natal (a Hungria) e seus vizinhos, começou a fazer grandes contribuições destinadas não a provocar uma revolução política, mas a reconstruir a sociedade civil. Procurou subsidiar tudo, de clubes de xadrez a jornais independentes, para conseguir que as pessoas voltassem a trabalhar juntas em instituições não estatais. O florescimento da sociedade civil não foi o único fator na restauração da liberdade na Europa Central e Oriental, mas uma sociedade civil mais forte ajudará não só a proteger a nova liberdade como também a proporcionar todos os outros benefícios que só podem ser obtidos em associações. Até pessoas não marxistas compartilham algumas preocupações de Marx sobre comunidade e atomização. Os filósofos comunitaristas, por exemplo, que acreditam que os indivíduos devem necessariamente ser vistos como parte de uma comunidade, se preocupam com o fato de que as pessoas no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, enfatizam demais as reivindicações de direitos individuais, sobrepondo-as à comunidade. Sua visão de nossas relações com os outros pode ser representada por uma série de círculos concêntricos: um indivíduo é parte de uma família, de uma vizinhança, de uma cidade, de uma área metropolitana, de um estado, de uma nação. A implicação desses argumentos é que às vezes nos esquecemos de enfocar todos os círculos e deveríamos de alguma forma ser encorajados a fazê-lo.
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Mas serão esses círculos meramente concêntricos? Uma maneira melhor de entender as comunidades no mundo moderno é como uma série de círculos que se entrecruzam, com inúmeras conexões complexas entre eles. Cada um de nós tem muitas formas de se relacionar com outras pessoas — precisamente o que criticou Marx e o que celebram os libertários. Uma pessoa pode ser esposa, mãe, filha, irmã, prima; empregada em uma empresa, dona de outra e acionista de uma terceira; locatário e senhorio; responsável por uma associação condominial; membro de uma liga mirim e dos escoteiros; membro da Igreja Presbiteriana; voluntária do Partido Democrata nas eleições; membro de uma associação profissional; membro de um clube de bridge; de um fã-clube de Jane Austen; de uma organização conscientizadora feminista, de uma vigilância comunitária e de outras associações. (É verdade que essa pessoa em particular provavelmente se sente sobrecarregada, mas pelo menos em princípio pode-se ter um número indefinido de associações e conexões.) A maior parte dessas associações serve a um propósito particular — ganhar dinheiro, reduzir a criminalidade, ajudar os filhos —, mas também permite que as pessoas mantenham conexões umas com as outras. Nenhuma delas, porém, vai exaurir nenhuma personalidade nem defini-la completamente. (Uma pessoa pode se aproximar dessa definição exaustiva juntando-se a uma comunidade religiosa que encerre todos os aspectos da vida, digamos, uma ordem católica de freiras contemplativas; mas tais escolhas são voluntárias e — como ela não pode se alienar de seu direito de fazer escolhas — reversíveis.) Nessa concepção libertária, nós nos conectamos com diferentes pessoas de distintas formas por consentimento livre e voluntário. Ernest Gellner diz que a sociedade civil moderna requer um “homem modular”. Em vez de ser inteiramente produto de e absorvido por uma cultura em particular, o homem modular “pode se juntar a associações limitadas, ad hoc, de propósitos específicos, sem se comprometer por um ritual de sangue”. Ele pode formar com outras pessoas vínculos “efetivos, embora flexíveis, específicos e instrumentais”. À medida que os indivíduos se combinam de incontáveis maneiras, a comunidade emerge: não a comunidade próxima da aldeia, nem a comunidade messiânica prometida pelo marxismo, pelo nacional-socialismo ou por religiões que absorvem todos os aspectos da vida, mas uma comunidade de indivíduos livres em associações voluntariamente escolhidas. Os indivíduos não emergem da comunidade; a comunidade emerge dos indivíduos. Emerge não porque alguém planeje isso e certamente não porque o estado a crie, mas porque deve ser assim. Para satisfazer suas necessidades e desejos, os indivíduos precisam se associar a outros. A sociedade é uma associação de indivíduos governados por regras legais, ou talvez uma associação de associações, mas não uma grande comunidade, ou uma família, na concepção completamente errônea de Mario Cuomo e Pat Buchanan.
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As regras da família e do pequeno grupo não são — não podem ser — as regras da sociedade ampliada. A distinção entre indivíduo e comunidade pode levar a erros. Alguns críticos dizem que a comunidade envolve uma entrega da individualidade. Mas o fato de se pertencer a um grupo não necessariamente diminui a individualidade; pode amplificá-la, libertando as pessoas dos limites que encontram como indivíduos solitários e aumentando as oportunidades de atingir seus próprios objetivos. Tal visão de comunidade requer que essas associações sejam voluntárias e não compulsórias.
Cooperação
Como os seres humanos não podem conseguir sozinhos grande parte daquilo que desejam, eles cooperam com outras pessoas de diversas maneiras. A proteção do governo aos direitos e à liberdade de ação cria um ambiente em que os indivíduos podem buscar seus objetivos, seguros quanto a sua pessoa e propriedade. O resultado é uma rede complexa de livres associações na qual as pessoas assumem e cumprem voluntariamente obrigações e contratos. A liberdade de associação ajuda a reduzir os conflitos sociais. Permite que os membros da sociedade se vinculem e construam redes entrelaçadas de relações pessoais. Muitas dessas relações atravessam fronteiras religiosas, políticas e étnicas. (Outras, é claro, como as associações étnicas e religiosas, unem pessoas num determinado grupo.) O resultado é que pessoas diferentes e desconhecidas se juntam numa comunidade. Tensões que de outro modo poderiam dividi-las são compensadas por esses aspectos de ligação. Um católico e um protestante, que poderiam entrar em conflito, encontram-se como vendedor e comprador no mercado, como membros da mesma associação de pais e mestres, como participantes de um time esportivo, onde também se encontram e se associam com muçulmanos, judeus, hindus, taoístas e agnósticos. Eles podem discordar sobre religião e até crer que os outros estão cometendo um erro mortal, mas a sociedade civil oferece um espaço onde eles podem cooperar mútua e pacificamente. Uma matéria do Washington Post sobre a crescente popularidade dos serviços religiosos no horário do almoço começa dizendo: “Nas ruas, esses homens e mulheres são balconistas e advogados, democratas e republicanos, urbanos e suburbanos. Aqui, são católicos”. Uma história diferente poderia se iniciar assim: “Lá fora, esses homens e mulheres são católicos e batistas, negros e brancos, homossexuais e heterossexuais, casados e solteiros. Aqui eles são empregados da America Online”. Ou: “Aqui eles são tutores de crianças carentes”. Em cada circunstância, pessoas que talvez não se sintam à vontade participando de um grupo, em estreita comunidade com os demais membros, podem se juntar a eles com um propósito específico, aprendendo no processo, se não a abraçar, a coexistir.
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Nenhuma pessoa fez surgir essa ordem complexa. Ninguém a planejou. Ela é produto de muitas ações humanas, mas de nenhum desígnio.
Responsabilidade pessoal e confiança
Em outro capítulo comentei a notável rede de confiança que me permite conseguir dinheiro e automóveis em qualquer lugar no mundo. Se os críticos do libertarismo estivessem certos, a sociedade comercial “atomista” não tenderia a reduzir os níveis de confiança e cooperação que permitem que caixas automáticos deem dinheiro a estranhos? Essa crítica comum é desmentida pelas evidências à nossa volta. Se vamos buscar a felicidade entrando em acordo com outras pessoas, é importante que sejamos capazes de confiar uns nos outros. Além da obrigação mínima de não violar os direitos alheios, em uma sociedade livre temos somente as obrigações que assumimos voluntariamente. Mas, quando assumimos obrigações firmando contratos ou participando de associações, somos obrigados moral e legalmente a cumprir nossa parte. Vários fatores asseguram que o façamos: nosso próprio senso de certo e errado; nosso desejo de ter a aprovação alheia; exortação moral; e, quando necessário, várias formas de cumprir essas obrigações, inclusive a recusa de outros a fazer negócios com pessoas que falham nesse particular. À medida que a sociedade se desenvolve e as pessoas querem assumir tarefas maiores, torna-se necessário ser capaz de confiar em mais pessoas. No começo, elas podiam confiar somente em sua própria família ou nas pessoas de sua aldeia ou tribo. A extensão do círculo de confiança é um dos maiores avanços da civilização. Contratos e associações desempenham um papel importante ao permitir que confiemos uns nos outros. Como o herói celebrado na canção, meu pai era um homem que podia tomar dinheiro emprestado no banco apenas com sua própria palavra. Esse tipo de honra e confiabilidade é essencial para os mercados e a civilização. Mas não é suficiente em uma sociedade extensa. A boa reputação de meu pai não ia muito além da pequena cidade onde vivíamos, e ele poderia ter tido problemas para conseguir um empréstimo de imediato até mesmo por perto, a poucas cidades adiante, quanto mais do outro lado do país ou do mundo. Mas eu, como observei acima, tenho acesso instantâneo a dinheiro em espécie e a crédito em praticamente qualquer lugar do mundo — não porque eu tenha uma reputação melhor do que a de meu pai, mas porque o mercado livre desenvolveu instituições de crédito que se estendem pelo mundo todo. Contanto que eu pague minhas contas, as complexas redes financeiras da American Express, Visa e most me permitem conseguir bens, serviços e dinheiro aonde quer que eu vá. Esses sistemas funcionam tão bem que nós os consideramos coisa garantida, mas eles são realmente uma maravilha. Funcionam em uma escala muito maior do que meus saques ou aluguéis de veículos, é claro.
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A combinação de instituições que atestam a credibilidade de um indivíduo e as instituições legais que punem as violações de contrato, quando necessárias, tornam possíveis vastos empreendimentos econômicos, do projeto e fabricação de aviões à construção de um túnel sob o Canal da Mancha e a redes sociais mundiais como a Facebook e Twitter. À medida que o crédito se torna tão difundido e facilmente disponível, algumas pessoas começam a pensar nele como um direito e ficam moralmente incomodadas quando se nega crédito a alguém. Elas exigem a regulamentação de escritórios de créditos, a supressão de informação sobre crédito ruim, limites às taxas de juros, e assim por diante. Elas não entendem a importância crucial da confiança. Parecem não perceber que as pessoas não querem emprestar seu dinheiro, duramente conseguido, a altos riscos de crédito. Se informações confiáveis sobre crédito não estiverem disponíveis, as taxas de juros vão subir para cobrir o aumento do risco. Se a informação não for confiável o suficiente, a extensão do crédito vai parar de funcionar, ou o crédito estará disponível somente mediante conexões familiares e pessoais, certamente o oposto do que querem os críticos dos escritórios de crédito. A rede de confiança e crédito se apoia em todas as instituições de uma sociedade livre: direitos e responsabilidades individuais, direitos de propriedade seguros, liberdade de contrato, mercados livres e o estado de direito. Uma ordem complexa jaz sobre uma fundação simples mas segura. Como na teoria do caos, uma equação não linear simples pode produzir uma complexidade matemática sem fim, de modo que as regras simples da sociedade livre podem produzir relações legais, econômicas e sociais infinitamente complexas.
As dimensões da sociedade civil
Seria difícil descrever todas as formas que a sociedade civil assume em um mundo complexo. Há mais de cem anos, Alexis de Tocqueville escreveu em Democracia na América: Americanos de todas as idades, condições e disposições constantemente formam associações (...) para oferecer entretenimento, fundar seminários, construir hospedarias, formar igrejas, difundir livros, enviar missionários ao outro lado do mundo; dessa maneira fundam hospitais, prisões e escolas.
Hoje em dia pode-se pegar qualquer jornal diário e olhar os tipos de organizações nele descritos: empresas, associações comerciais, associações étnicas e religiosas, associações de moradores, grupos de música e teatro, museus, instituições de caridade, escolas e
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outras. No dia em que comecei a escrever este capítulo, olhei o Washington Post. Além de todos os grupos usuais que formam o pano de fundo das notícias de cada dia, encontrei três histórias que me chamaram a atenção como exemplos da diversidade da sociedade civil. Na primeira página estava uma história sobre três famílias de subúrbio, em que marido e mulher trabalham fora, que criaram um clube do jantar, no qual cada família cozinha uma vez por semana uma refeição, que as outras duas pegam e levam para casa. Dessa forma, as famílias ocupadas podem ter mais refeições caseiras do que qualquer uma delas poderia produzir sozinha, no mundo frenético das famílias em que ambos os pais trabalham. Talvez não tão comunitário quanto se as famílias se sentassem juntas para comer, mas os participantes afirmavam ter uma sensação de extensão da família: “Ficamos um na cozinha do outro e falamos sobre nossos filhos”. Outra matéria discutia uma devota família batista que “tenta proteger seus [seis filhos] das tentações e provações do mundo secular criando uma vida largamente povoada por pessoas com valores e crenças similares”. A mãe educa os filhos em casa e procura oferecer a eles jogos, vídeos e livros saudáveis, promove seu envolvimento com outras crianças de sua igreja, em sua rede de conhecidos que educam os filhos em casa e aproveita o interesse do filho mais velho por piano. Pode parecer que essa família está se retirando da sociedade civil, mas creio que devemos ver a história como um exemplo da diversidade que a sociedade civil permite, mesmo para os que querem buscar um modo de vida diferente daquele que a maioria das pessoas na sociedade desejam. Finalmente, uma terceira matéria contava sobre o grupo infantil de brincadeiras que conectava cinco famílias havia dez anos. Não somente o grupo oferecia parceiros de brincadeiras para as crianças como também as mães, alternando-se no acompanhamento das crianças, podiam proporcionar umas às outras “alguns preciosos momentos de independência”. O autor concluía: “[Minha filha] não se lembra de um tempo em que não conhecia os amigos de seu grupo, e eu mal me lembro de quando não conhecia os meus. Os vínculos entre amigos são assim às vezes; na ausência de familiares próximos, eles podem ser os que mais nos amparam”.
Caridade e ajuda mútua
Instituições de caridade são um aspecto importante da sociedade civil. São o foco da citação de Tocqueville acima. As pessoas têm um desejo natural de ajudar os menos afortunados e formam associações para fazer isso, de cozinhas de sopa locais e bazares de igreja a complexos empreendimentos nacionais e internacionais, como a United Way, o Exército de Salvação, Médicos sem Fronteiras e Save the Children. Os americanos gastam cerca de 150 bilhões de dólares em caridade todos os anos. Os críticos do libertarismo afirmam: “Vocês querem abolir programas governamentais essenciais sem pôr nada no lugar”. Mas a ausência de programas
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coercitivos do governo decididamente não é “nada”. É uma economia em crescimento, é a iniciativa e criatividade individual de milhões de pessoas e milhares de associações que se estabelecem para atingir propósitos comuns. Que espécie de análise social é essa que olha para uma sociedade complexa como a americana e não vê “nada” além do que o governo faz? A caridade tem um papel importante na sociedade livre. Mas não é “a” resposta para a pergunta sobre como uma sociedade livre vai ajudar os pobres. A primeira resposta a essa pergunta é que, por meio do dramático aumento e disseminação da riqueza, uma economia livre alivia e até elimina a pobreza. Pelos padrões históricos, mesmo as pessoas pobres nos Estados Unidos e na Europa são muito ricas. O fabuloso palácio de Versalhes não tinha esgoto; as laranjeiras no terreno eram uma tentativa de encobrir o fedor. Gorman Beauchamp, da Universidade de Michigan, escreveu na revista American Scholar, em 1995, sobre a abundância que os mercados livres e a tecnologia moderna produziram: [Um filme] sobre a vida da imperatriz Wu, equivalente chinesa de Catarina, a Grande (...) começava com um mensageiro cavalgando furiosamente para entregar um pacote obviamente valioso a outro mensageiro, que dispara para a próxima estação para dar o pacote a outro mensageiro — e assim por diante pelo norte da China até Pequim e finalmente até o Palácio Imperial. O conteúdo do pacote, trazido com tanto esforço dos picos distantes das montanhas, é então revelado como... gelo. Gelo para resfriar as bebidas da imperatriz. O que me marcou tanto a respeito dessa cena, me lembro, foi a percepção de que eu poderia ter, a qualquer momento, todo o gelo que quisesse simplesmente abrindo a porta de minha geladeira. Nesse aspecto, como em incontáveis outros, o nível de conforto material de minha vida — uma pessoa jovem, sem nenhuma importância, vivendo de uma modesta bolsa acadêmica — era marcadamente superior ao de um poderoso imperador da China... Tenho mais calor no inverno (com o aquecimento central) e mais frescor no verão (com o ar-condicionado) do que ele; obtenho mais e melhores informações, com mais rapidez e credibilidade, do que ele; posso chegar a qualquer lugar em menos tempo e com mais conforto; sinto (muito provavelmente) menos dor, por menos tempo, e
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tenho atenção médica superior; vejo bem por mais tempo (com lentes bifocais), tenho dentes melhores (com flúor) e um dentista que usa novocaína; e se ele tinha um pássaro dourado cantando para ele — certo, certo, esse era o imperador bizantino —, eu tenho Rosa Ponselle ou Ezio Pinza ou Edith Piaf [para os leitores mais jovens, podemos adicionar os Rolling Stones, o Grateful Dead ou Alanis Morrissette] ou qualquer um entre literalmente as centenas de intérpretes cuja voz tenho em minhas prateleiras e posso convocar com o apertar de alguns botões.
Não devemos perder de vista a pobreza universal e o árduo trabalho braçal que os mercados livres eliminaram. Mas, por padrões contemporâneos, é claro, milhões de americanos vivem numa pobreza que é menos material do que espiritualmente mortal: marcada por um sentimento de desesperança. Então, a segunda resposta à pergunta é que o governo deve parar de encurralar as pessoas na pobreza e impedi-las de escapar. Tributos e regulamentações eliminam empregos, especialmente para os menos capacitados, e o sistema de assistência social possibilita a maternidade fora do casamento e dependência por longo prazo. Uma terceira resposta é a ajuda mútua: pessoas se associando não para ajudar os menos afortunados, mas para ajudar umas às outras em tempos de dificuldades. Vou abordar o crescimento econômico, o assistencialismo estatal e a caridade nos próximos capítulos, mas aqui quero enfocar a ajuda mútua. A ajuda mútua tem uma longa história — e de maneira alguma limitada ao Ocidente. As primeiras corporações de ofício, antes de se tornarem os monopólios sem sentido que todos os estudantes de história medieval conhecem, eram associações para ajuda mútua entre pessoas da mesma ocupação. No costume africano do susu, as pessoas contribuíam com certa quantia para um pote, e quando o fundo chegava a um certo montante os membros alternadamente o recolhiam. Como escreveu o economista ganês George Ayittey, “Se o ‘primitivo’ sistema de susu fosse introduzido nos Estados Unidos, iria se chamar cooperativa de crédito”. Ou, se isso fosse feito por americanos de origem coreana, talvez se chamasse keh, um grupo de pessoas que se reúnem uma vez por mês para jantar, conviver socialmente, aconselhar e contribuir com dinheiro para um pote comum, dado a cada mês a um dos participantes. A historiadora Judith M. Bennett escreveu na edição de fevereiro de 1992 de Past and Present sobre os ales da Grã-Bretanha medieval e moderna, eventos nos quais as pessoas se reuniam para beber, dançar e jogar, pagando preços acima do mercado para ajudar um vizinho; havia ales das igrejas, para ajudar a levantar dinheiro para a paróquia; ales de noiva, para dar o impulso inicial a um casal recém-casado; e ales de assistência, para ajudar aqueles que estavam enfrentando dificuldades. Bennett
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considera os ales um exemplo de como pessoas comuns “procuravam não somente os ‘de melhor condição’ para obter ajuda, mas também uns aos outros”, uma “instituição social por meio da qual vizinhos e amigos se ajudavam em tempos de crise ou necessidade”. Os ales reafirmavam a solidariedade social entre os trabalhadores. Geralmente requeriam esforços ativos da pessoa necessitada, e as contribuições dependiam do grau em que ela era considerada merecedora. Diferentemente da caridade, os ales envolviam uma relação entre iguais: “Ao fundir esmolas com sociabilidade e comércio, os ales de caridade minimizavam o potencial divisório da pobreza e da caridade na sociedade”. Havia também um sentimento de reciprocidade entre “as pessoas que poderiam razoavelmente esperar tanto contribuir quanto se beneficiar de ales de caridade no curso de sua vida”. Um exemplo mais moderno de ajuda mútua — que até recentemente passou praticamente despercebido entre os historiadores que estudam a pobreza, caridade e assistência estatal — é o papel das sociedades fraternas e amistosas. David Green, do Institute of Economic Affairs, em Londres, descreve as maneiras como os trabalhadores braçais britânicos formavam “sociedades amigáveis”, que consistiam em associações autogovernadas para benefício mútuo. Os indivíduos participavam e contribuíam para o grupo, comprometendo-se a ajudar uns aos outros em tempos difíceis. Como eram associações mútuas, os pagamentos recebidos — auxílio-doença, assistência médica, despesas fúnebres e benefícios de pensionistas — eram “não uma questão de generosidade, mas de direito, conquistado pelas contribuições regulares pagas a um fundo comum por todos os membros e justificada pela obrigação de fazer o mesmo pelos outros membros”. Algumas sociedades eram apenas clubes de vizinhos, mas outras envolviam federações nacionais com centenas de milhares de membros e extensos investimentos. Em 1801 estimava-se que havia 7.200 sociedades na Grã-Bretanha, com 648 mil membros, homens adultos, de uma população total de 9 milhões. Por volta de 1911, havia 9 milhões de pessoas cobertas por seguros de associações voluntárias, mais de dois terços das quais em sociedades amigáveis. Tinham nomes como Manchester Unity of Oddfellows, Ancient Order of Foresters e Workingmen’s Conservative Friendly Society. As sociedades amigáveis tinham um importante propósito econômico: oferecer a seus membros seguro em grupo contra doenças, envelhecimento e morte. Mas serviam também a outros propósitos, como companheirismo, entretenimento e ampliação da rede de contatos de cada um. Mais importante ainda, os membros da sociedade se sentiam unidos por ideais comuns. Um propósito central era a promoção de bom caráter. Eles entendiam que o desenvolvimento de bons hábitos não é fácil; muitos de nós achamos útil ter apoio externo para nossas boas intenções. Muitos o encontram em igrejas e sinagogas; os Alcoólicos Anônimos o oferecem para um aspecto específico do bom caráter: a sobriedade. Outro benefício das sociedades
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amigáveis era que os trabalhadores podiam adquirir experiência em gerir uma organização, uma oportunidade rara na sociedade classista britânica. O historiador David Beito fez uma pesquisa similarmente pioneira sobre as sociedades fraternas americanas, como os Masons, Elks, Odd Fellows e Knights of Pythias. Beito escreve: Somente as igrejas rivalizavam com as sociedades fraternas como provedoras institucionais de assistência social antes do advento do estado de bem-estar social. Em 1920, cerca de 18 milhões de americanos pertenciam a uma sociedade fraterna, isto é, quase 30% de todos os adultos.
Um artigo de 1910 na Everybody’s Magazine explicava: “Os ricos fazem seguro nas grandes companhias para construir um patrimônio, os pobres, nas ordens fraternas, para produzir pão e carne. É um seguro contra a necessidade, contra o abrigo para pobres, a caridade e a degradação”. Note-se a aversão à caridade: as pessoas se associavam a sociedades fraternas para que pudessem prover mutuamente suas necessidades em tempos de infortúnio e não ser forçadas à indignidade de apelar para a caridade alheia. No início, os seguros fraternais se centravam no benefício do sobrevivente. No começo do século XX, muitas ordens estavam oferecendo também seguros contra doença e acidentes. Um aspecto interessante dos seguros fraternais é o modo como eles superam o problema do risco moral de que as pessoas venham a se aproveitar do sistema. Ao lidar com uma agência do governo ou uma distante companhia seguradora, um indivíduo talvez se sinta tentado a fingir que está doente, ou reclamar benefícios exagerados para problemas menores ou inexistentes. Mas o sentimento de comunidade com outros membros da ordem fraterna e o desejo de ter a aprovação dos companheiros diminui a tentação de trapacear. Beito sugere que é por isso que sociedades fraternas “continuaram a dominar o mercado do seguro contra doenças muito depois de ter perdido o poder de concorrência na área dos seguros de vida” — em que as fraudes são um pouco mais problemáticas. Em 1910, seguros de saúde fraternais incluíam tratamento com um “médico do abrigo”, que era contratado para oferecer atenção médica a todos os membros por um preço fixo. Os imigrantes formaram muitas sociedades fraternas, tais como a National Slovak Society, a Croatian Fraternal Union, a Polish Falcons of America, a United Societies of the USA for Russian Slovaks. Grupos judeus incluíam o Arbeiter Ring, a American-Hebrew Alliance, o National Council of Jewish Women, o Hebrew Immigrants Aid Society e outras. Em 1918, havia mais de 150 mil membros nas
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maiores associações tcheco-americanas. Springfield, no estado de Illinois, com três mil habitantes italianos em 1910, tinha uma dúzia de sociedades italianas. Em seu estudo de referência de 1944, An American Dilemma [Um dilema americano], o economista sueco Gunnar Myrdal afirmou que americanos negros de todas as classes tinham ainda mais chances do que brancos de se associar a ordens fraternais como a Prince Hall Masons, True Reformers e Grand United Order of Galilean Fishermen, além de versões paralelas da Elks, Odd Fellows e Knights of Pythias. Ele estimou que em Chicago mais de quatro mil associações foram formadas pelos 275 mil negros da cidade. Em 1910, o sociólogo Howard W. Odum estimou que, no Sul, o “pertencimento total a sociedades negras, pagantes e não pagantes é quase igual ao pertencimento total a igrejas”. As sociedades fraternas, disse, eram uma “parte vital” da “vida comunitária [dos negros], frequentemente seu centro”. Assim como as sociedades britânicas, as sociedades fraternas americanas enfatizavam um código de ética e as mútuas obrigações de cada membro perante os outros. O historiador Don H. Doyle, em The Social Order of a Frontier Community [A ordem social de uma comunidade fronteiriça], descobriu que a pequena cidade de Jacksonville, em Illinois, tinha “dúzias (...) de abrigos fraternais, sociedades de reforma dos bons costumes, clubes literários e companhias de bombeiros”, e que os abrigos punham em prática “uma ampla disciplina moral que afetava o comportamento pessoal em geral e a temperança em particular, questões intimamente ligadas ao importantíssimo problema da obtenção de crédito”. Companheirismo e solidariedade desencorajavam os membros a reclamar benefícios sem causa justa, mas as sociedades também tinham regras e práticas para assegurar adesão a elas. As regras da Western Miners’ Federation, de orientação socialista, negavam benefícios aos membros quando “a doença ou acidente for causado por intemperança, imprudência ou conduta imoral”. O Sojourna Lodge of the House of Ruth, a maior organização voluntária de mulheres negras no início do século, exigia que seus membros apresentassem um atestado médico autenticado para reclamar benefícios médicos e dispunha ainda de um comitê para doenças, destinado tanto a apoiar quanto a investigar os membros doentes. Associações fraternas também ajudavam as pessoas a lidar com a crescente mobilidade na sociedade. Algumas das sociedades britânicas de múltiplas sedes ofereciam a seus membros alojamento quando iam para outras cidades a fim de procurar trabalho. Doyle descobriu que para o membro em trânsito, um cartão dos Odd Fellows ou dos Masons era mais do que um ingresso de readmissão em outro alojamento. Era também um certificado portátil do status e reputação conquistado em sua comunidade
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anterior e lhe dava acesso a toda uma nova rede de negócios e contatos sociais.
Os críticos afirmam frequentemente que as soluções libertárias para os problemas sociais são fantásticas. “Eliminar a rede de segurança do governo e simplesmente ter esperança de que igrejas, casas de caridade e grupos de ajuda mútua vão se expandir para preencher o vazio?” A resposta vem em duas partes. Sim, esses grupos vão emergir; eles sempre emergiram. Mas, mais importante, a existência da rede de segurança do governo e dos maciços tributos que a alimentam tomou o lugar de tais esforços. As formas que toma a ajuda mútua são inúmeras, de grupos de brincadeiras e clubes de jantares a associações comerciais e vigilâncias comunitárias. Elas diminuíram dramaticamente não pelo ingresso das mulheres na força de trabalho, nem porque a televisão toma todo o nosso tempo livre, mas por causa da expansão do governo.
O governo e a sociedade civil
A proteção governamental aos direitos individuais é vital para a criação de um espaço em que as pessoas possam se dedicar a seus muitos e variados interesses, em voluntária associação umas com as outras. Quando o governo se expande para além desse papel, porém, ele invade o domínio da sociedade civil. Assim como os pedidos de empréstimo do governo “expulsam” os pedidos particulares, a atividade do governo em qualquer campo expulsa a atividade voluntária (inclusive a comercial). Da Era do Progresso em diante, o estado tem perturbado cada vez mais as comunidades naturais e instituições mediadoras nos Estados Unidos. Escolas públicas substituíram as escolas privadas das comunidades, e distritos escolares grandes, distantes e inadministráveis substituíram os de menor porte. A previdência social não só removeu a necessidade de economizar para a própria aposentadoria como enfraqueceu os laços familiares, ao diminuir a dependência que os pais têm dos filhos. Leis de zoneamento reduziram a disponibilidade real da habitação acessível, limitaram as oportunidades para que famílias numerosas vivam juntas e tiraram as lojas de varejo das vizinhanças residenciais. Regulamentações exigindo creches no ambiente de trabalho reduziram o tempo de permanência das crianças em casa. Todas essas são maneiras como a sociedade civil foi massificada pelo estado. O que se passa com as comunidades enquanto o estado se expande? O estado de bem-estar social assume as responsabilidades dos indivíduos e comunidades e, no processo, subtrai muito do que traz satisfação a nossa vida: se é papel do governo alimentar os pobres, então a caridade local não é necessária. Se uma burocracia estatal no centro da cidade administra as escolas, então as organizações de pais perdem importância. Se agências governamentais gerem o centro comunitário, dão às crian-
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ças lições sobre sexo e cuidam dos idosos, então as famílias e associações de moradores se sentem menos necessárias.
De caridade e ajuda mútua ao estado de bem-estar social
A caridade e a ajuda mútua foram particularmente invadidas pela expansão do estado. Judith Bennett nota que já no século XIII “oficiais reais e eclesiásticos tinham ordenado a eliminação das scot-ales”. No século XVII, a oposição era mais séria por causa de uma campanha generalizada contra a cultura tradicional, uma tendência na direção de um controle mais centralizado da caridade, e o desenvolvimento de assistência aos pobres financiada por tributos. Na discussão sobre sociedades fraternais acima, os leitores talvez tenham se perguntado: se essas sociedades eram tão boas, onde estão elas agora? Muitas continuam por aí, é claro, mas têm menos membros e menor estatura na sociedade, pelo menos em parte porque o estado assumiu suas funções. David Green escreve: “Foi no pico de sua expansão que o estado interveio e transformou as sociedades amigáveis ao introduzir o seguro de saúde nacional compulsório”. Nacionalizada sua função maior, as sociedades atrofiaram. Beito apurou que as seguradoras fraternais americanas foram obstruídas por leis de exercício profissional de medicina que impediam a contratação dos “médicos de abrigo”, por proibições legais a certas formas de seguro e pelo crescimento do estado de bem-estar social. À medida que os estados e o governo federal foram criando seguros contra acidente de trabalho, auxílio a mães solteiras e previdência social, a necessidade de sociedades de ajuda mútua diminuiu. Uma parte do impacto pode ter sido involuntário, mas o presidente Theodore Roosevelt criou objeções contra as sociedades fraternas dos imigrantes, dizendo: “O próprio povo americano deve fazer [note-se o pronome coletivo] essas coisas para os imigrantes”. Até o historiador Michael Katz, um defensor do estado de bem-estar social, concorda em que as iniciativas de bem-estar federais “podem ter enfraquecido [essas] redes de apoio nos centros metropolitanos, transformando a experiência da pobreza e fomentando o aumento do número de sem-teto”. O governo continua tomando o lugar de instituições de caridade. O Exército de Salvação opera vinte abrigos para sem-teto em Detroit, mas em 1995 a cidade aprovou uma lei para licenciar e regulamentar alojamentos para os sem-teto. A lei requeria que todos os membros da equipe fossem treinados, que todos os cardápios tivessem a aprovação de um nutricionista registrado, que se guardassem as medicações em um depósito trancado, que o abrigo averiguasse a idade das pessoas atendidas e assegurasse que todas as crianças fossem à escola. Todas boas ideias, mas o encarregado do Exército de Salvação diz: “Todas essas exigências custam dinheiro, e nosso orçamento é de 10 dólares por dia por pessoa”. O que vai acontecer? Alguns abrigos provavelmente vão fechar, e então ou os sem-teto vão morar em prédios abandonados
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e caixas de papelão ou haverá pressão para que Detroit gaste ainda mais dinheiro na construção de abrigos municipais. E os voluntários do Exército de Salvação terão menos oportunidade de ajudar. Burocratas do Texas exigiram que um bem-sucedido programa de reabilitação de viciados em drogas chamado Teen Challenge cumprisse as regulamentações estatais quanto aos registros, padrões de manutenção dos abrigos e especialmente ao uso de terapeutas licenciados em vez de seu programa religioso, gerido muitas vezes por ex-alcoólatras e viciados reabilitados. O Teen Challenge não recebe ajuda do governo, e um estudo do Departamento de Saúde e Serviços Humanos descobriu que ele era tanto o melhor quanto o mais barato programa de reabilitação entre os examinados. Mas em 1995 o estado do Texas ordenou que o programa do sul do estado fosse fechado ou pagasse uma multa de 4 mil dólares por dia. O Teen Challenge levou os burocratas à justiça, com o custo de no mínimo ter dirigido parte de seus escassos recursos de tempo e dinheiro para lutar por permissão para continuar funcionando. Qual é o custo para nossa sociedade ver o governo assumir cada vez mais papéis que costumavam ser desempenhados por indivíduos e comunidades? Tocqueville nos alertou quanto ao que poderia acontecer: Assim, após ter sucessivamente tomado e modelado à vontade cada membro da comunidade em suas poderosas garras, o poder supremo então estende seu braço sobre toda a comunidade. Cobre a superfície da sociedade com uma rede de complicadas regrinhas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e as disposições mais enérgicas não podem penetrar para se erguer acima da multidão. A vontade do homem não é esmigalhada, mas amaciada, curvada e guiada: os homens dificilmente são forçados a agir, mas são constantemente impedidos de agir: tal poder não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica um povo até que cada nação fique reduzida a não mais do que um bando de tímidos e industriosos animais, dos quais o governo é o pastor.
Como afirmou Charles Murray, “Quando o governo retira uma função essencial [das comunidades], isso empobrece não só a fonte de vitalidade pertencente àquela função particular, mas também a vitalidade de um conjunto muito maior de respostas”. A atitude de “deixe que o governo cuida disso” se torna um hábito.
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Em seu livro In Pursuit: Of Happiness and Good Government [Em busca: da felicidade e de um bom governo], Murray relata algumas evidências de que a dependência do governo de fato substitui a ação privada. Ele descobriu que, dos anos 1940 até 1964, a percentagem da renda americana cedida a causas filantrópicas aumentou — como se poderia esperar, dado que a renda estava subindo e as pessoas provavelmente se sentiam aptas a fazer mais pelos outros. “Então, subitamente, no período de 1964-1965, no meio de uma explosão econômica, essa tendência firme se reverteu.” Embora a renda tivesse continuado a crescer (a grande desaceleração do crescimento econômico não começou senão em 1973), a percentagem da renda doada para causas filantrópicas diminuiu. Em 1981, durante uma recessão, a tendência de repente se reverteu, e as contribuições em percentagem da renda aumentaram enormemente. O que aconteceu? Murray sugere que quando a Grande Sociedade começou, em 1964-1965, com o presidente Lyndon Johnson proclamando que o governo federal ia promover uma Guerra à Pobreza, talvez as pessoas tenham achado que suas contribuições não fossem tão necessárias. Mas em 1981 o presidente Ronald Reagan assumiu o cargo, prometendo reduzir os gastos do governo; talvez então as pessoas tenham pensado que, se o governo não ia ajudar os pobres, era melhor que elas o fizessem.
A formação do caráter
Um governo expansivo destrói mais do que instituições e contribuições filantrópicas; enfraquece o caráter moral necessário tanto para a sociedade civil quanto para a liberdade sob a lei. As “virtudes burguesas” de trabalho, temperança, sobriedade, prudência, fidelidade, autonomia e preocupação com a própria reputação se desenvolveram e perduraram porque elas são as virtudes necessárias para o progresso em um mundo no qual comida e abrigo devem ser produzidos e as pessoas são responsáveis por sua prosperidade. O governo não pode fazer muito para incutir essas virtudes nas pessoas, mas pode fazer muito para miná-las. Como David Frum nota em Dead Right [Certíssimo], Por que ser frugal quando sua velhice e saúde já estão garantidas, não importa quão libertinamente você tenha agido em sua juventude? Por que ser prudente quando o estado assegura seus depósitos bancários, substitui sua casa destruída por uma enchente, compra todo o trigo que você puder cultivar e o resgata quando você se perde em uma zona de combate estrangeira? Por que ser diligente quando metade de seu salário é tomada de você e dada a quem não trabalha? Por que ser sóbrio quando os
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contribuintes financiam clínicas para curá-lo de seu vício assim que ele já não o diverte?
Frum resume o impacto do governo no caráter individual como “a emancipação do indivíduo das restrições que lhe são impostas por recursos limitados, ou temor religioso, desaprovação da comunidade, risco de doença ou catástrofe pessoal”. Agora se poderia supor que o verdadeiro objetivo do libertarismo é a emancipação do indivíduo, e de fato é — mas a emancipação do indivíduo de impedimentos artificiais e coercitivos às suas ações. Os libertários nunca sugeriram que as pessoas devem ser “emancipadas” do mundo real, da obrigação de arcar com os próprios custos e assumir a responsabilidade pelas consequências de suas próprias ações. Como questão moral, os indivíduos devem estar livres para tomar suas próprias decisões e obter sucesso ou fracasso de acordo com suas próprias escolhas. Como questão prática, como Frum observa, quando protegemos as pessoas das consequências de suas ações, temos uma sociedade caracterizada não por temperança, sobriedade, diligência, autonomia e prudência, mas por libertinagem, intemperança, indolência, dependência e indiferença pelas consequências. Para voltar à imagem com que abrimos o capítulo 4 — a possibilidade de sacar dinheiro e alugar carros em todo o mundo —, a necessidade humana de cooperação ajudou a criar vastas e complexas redes de confiança, crédito e troca. Para que essas redes funcionem, precisamos de muitas coisas: disposição por parte da maioria das pessoas para cooperar com os outros e manter suas promessas, a liberdade de se recusar a fazer negócios com aqueles que não cumprem seus compromissos, um sistema legal que imponha o cumprimento dos contratos e uma economia de mercado que nos permita produzir e trocar bens e serviços com base em direitos de propriedade seguros e consentimento individual. Essa estrutura permite que as pessoas desenvolvam uma sociedade civil diversificada e complexa para atender a uma incrível variedade de necessidades.
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Capítulo 8
O processo de mercado
Q
uando vou ao supermercado, encontro uma verdadeira cornucópia de alimentos — de leite a pão, da Wolfgang Puck’s Spago Pizza a kiwis frescos da Nova Zelândia. O supermercado médio dos dias de hoje tem 30 mil itens, o dobro do número de apenas dez anos atrás. Como a maioria dos consumidores, tomo essa abundância como uma coisa natural. No meio desse festival culinário, paro e digo algo do tipo: “Não acredito que este buraco não tem Coca-cola diet sabor cereja em lata!”. Mas como é que acontece essa maravilha? Como é que eu, que não conseguiria encontrar uma fazenda nem com um mapa, posso ir a uma loja a qualquer momento do dia e esperar encontrar toda a comida que eu quiser, em pacotes convenientes e prontos para compra, com mais peru no fim do ano e mais limonada no alto verão? Quem planeja esse complexo empreendimento? O segredo, obviamente, é justamente que ninguém o planeja; ninguém conseguiria planejá-lo. O supermercado moderno é um exemplo corriqueiro mas certamente impressionante da ordem espontânea infinitamente complexa conhecida como mercado livre. O mercado surge do fato de que os seres humanos conseguem mais coisas em cooperação com os outros do que individualmente e de que somos capazes de perceber isso. Se pertencêssemos a uma espécie para a qual a cooperação não fosse mais produtiva do que o trabalho isolado, ou se não pudéssemos distinguir os benefícios da cooperação, então não apenas ficaríamos atomizados e isolados como, conforme explica Ludwig von Mises, “Cada homem teria sido forçado a ver todos os outros homens como seus inimigos; o desejo pela satisfação de seus apetites o teria levado a um conflito implacável com todos os vizinhos”. Sem a possibilidade de obter benefício mútuo com a cooperação e a divisão do trabalho, nem sentimentos de empatia ou de amizade, nem a própria ordem do mercado poderiam surgir. Aqueles que dizem que os seres humanos são “feitos para cooperar e não competir” não percebem que o mercado é colaboração. (Na verdade, ele nada mais é do que gente competindo para cooperar melhor!) 137
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O economista Paul Heyne faz a seguinte comparação de planejamento e ordem espontânea: há três grandes aeroportos na área da baía de São Francisco. Todos os dias milhares de aviões decolam desses aeroportos, cada um para um destino diferente. Colocá-los todos no ar e de volta em terra sem colidir um com o outro é uma tarefa incrivelmente complexa, e o sistema de controle do tráfego aéreo é uma maravilha de organização sofisticada. Mas, na mesma área, também todos os dias, há gente fazendo milhares de vezes mais viagens de carro, com pontos de origem, destinos e “planos de voo” muito mais individualizados. Esse sistema, a coordenação de milhares de viagens de carro, é complexo demais para ser gerido por qualquer controle de tráfego aéreo, então precisamos deixá-lo operar espontaneamente, de acordo com algumas regras específicas: dirigir à direita, parar no sinal fechado, dar a preferência ao virar à esquerda. Há acidentes, certamente, e engarrafamentos — muitos dos quais poderiam ser aliviados se as estradas fossem construídas e operadas de acordo com os princípios do mercado —, mas a questão é que seria simplesmente impossível planejar e conscientemente coordenar todas essas viagens. Assim, contrariamente a uma primeira impressão, são precisamente os sistemas menos complexos que podem ser planejados e os mais complexos que devem se desenvolver espontaneamente. Muitas pessoas aceitam que os mercados são necessários, mas têm o sentimento de que há algo vagamente imoral a respeito deles. Temem que os mercados levem à desigualdade, ou desgostam do interesse próprio neles refletido. Os mercados são frequentemente considerados “brutais” ou baseados no “cada um por si”. Mas, como este capítulo vai demonstrar, os mercados não são apenas essenciais para o progresso econômico, são mais consensuais e levam a mais virtude e igualdade do que à coerção do governo.
Informação e coordenação
Os mercados se baseiam no consentimento. Nenhuma empresa envia uma fatura de um produto que você não pediu, como ocorre com os formulários do imposto de renda. Nenhuma empresa pode forçar você a fazer negócio com ela. As empresas tentam descobrir aquilo que você quer e então o oferecem a você. Pessoas que estão tentando ganhar dinheiro vendendo alimentos, ou carros, computadores, máquinas para fabricar carros e computadores, precisam saber o que os consumidores querem e quanto eles estão dispostos a pagar. Onde conseguem essa informação? Não está em um grande livro. Em uma economia de mercado, ela não se inclui nas disposições de uma agência de planejamento (embora, claro, em teoria, nas economias socialistas os produtores de fato ajam sob ordens superiores).
Preços
Essa informação vital sobre os desejos de outras pessoas está incorporada nos preços. Os preços não nos dizem apenas quanto algo custa na loja. O sistema de
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precificação agrega toda a informação disponível na economia sobre aquilo que cada pessoa deseja, que valor atribui a que artigo seja e qual a melhor maneira de produzi-lo. Os preços tornam essa informação útil para produtor e consumidor. Cada preço contém em si informações sobre a demanda do consumidor e os custos de produção, indo da quantidade de trabalho necessária para produzir o item ao custo desse trabalho, passando pelo mau tempo do outro lado do mundo que está aumentando o preço das matérias-primas necessárias para produzir o bem. Em vez de termos que saber todos os detalhes, nos deparamos com um único número: o preço. Os preços de mercado dizem aos produtores quando uma coisa não pode ser produzida por um custo menor do que os consumidores estão dispostos a pagar por ela. O custo real de qualquer coisa não está no preço em dinheiro; está no que poderia ter sido feito com aqueles recursos em vez daquilo. O custo para ler este livro é qualquer outra coisa que você poderia ter feito com o tempo que empregou nisso: ter ido ao cinema, dormido até mais tarde, lido um livro diferente ou limpado a casa. Os 15 dólares do custo de um CD é qualquer coisa que você poderia ter feito com esse dinheiro. Cada uso do tempo ou de outros recursos para produzir um bem incorre em um custo, que os economistas chamam de custo de oportunidade. Esse recurso não pode ser usado para produzir mais nada. As informações que os preços fornecem permitem que as pessoas trabalhem juntas para produzir mais. O objetivo de uma economia não é apenas produzir mais coisas; é produzir mais coisas que as pessoas queiram. Os preços dizem a todos nós o que as outras pessoas querem. Quando o preço de um bem sobe, tendemos a reduzir nosso consumo desse bem. Alguns de nós calculamos se poderíamos passar a ganhar dinheiro produzindo esse bem. Quando o preço (isto é, o pagamento ou salário) de um certo tipo de trabalho sobe, ponderamos se deveríamos passar a trabalhar nesse campo. Os jovens geralmente se preparam para trabalhar em empregos que estão começando a pagar mais, e desistem dos treinamentos voltados para empregos cuja remuneração está diminuindo. Em qualquer economia mais complexa do que a de uma aldeia — talvez até mesmo mais complexa do que a de uma família nuclear — é difícil saber exatamente o que cada um quer, o que pode fazer e o que está disposto a fazer e a que preço. Na família, amamos uns aos outros, e temos conhecimento íntimo das capacidades, necessidades e preferências de cada um, de modo que não precisamos de preços para determinar o que cada pessoa vai oferecer ou receber. Além da família, é bom que tenhamos uma atitude benevolente com as outras pessoas. Mas não importa quanto pregadores e professores nos exortem a amar uns aos outros, nunca vamos amar cada indivíduo na sociedade tanto, ou conhecer suas necessidades tão bem, quanto as pessoas de nossa família. O sistema de preços reflete as escolhas de milhões de produtores, consumidores e detentores de recursos que talvez nunca se encontrem ou coordenem seus
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esforços. Embora não possamos sentir afeição por — e nem mesmo encontrar — todas as pessoas na economia, os preços de mercado nos ajudam a trabalhar juntos para produzir mais das coisas que as pessoas querem. Diferentemente do governo, que no máximo faz a vontade da maioria (e mais frequentemente age motivado pela pressão de um pequeno grupo) e a impõe a todos, os mercados usam os preços para deixar que vendedores e compradores decidam livremente o que querem fazer com seu dinheiro. Ninguém tem dinheiro para ter tudo, e algumas pessoas podem ter muito mais que outras, mas cada pessoa é livre para gastar seu dinheiro como quiser. E se 51% das pessoas gostam de carros pretos, ou de Barry Manilow, os dissidentes estão livres para comprar outra coisa; eles não precisam organizar um movimento político para conseguir que o país inteiro mude para carros azuis ou para Willie Nelson.
Competição
Todo esse discurso sobre a maravilha de coordenação não deve deixar a impressão de que os processos de mercado não são competitivos. Nossos planos individuais estão sempre em conflito com os das outras pessoas; planejamos vender nossos serviços ou bens para certos consumidores, mas há outras pessoas que também estão pretendendo vender para os mesmos consumidores. É exatamente por meio da competição que aprendemos como as coisas podem ser produzidas pelo menor custo, descobrindo quem vai nos vender matérias-primas ou mão de obra pelo menor preço. A questão econômica básica é como combinar todos os recursos na sociedade, inclusive o esforço humano, para produzir o melhor resultado possível — não o maior peso de aço, ou a quantidade maior de computadores, nem os filmes mais emocionantes, mas a combinação de resultados que mais vai satisfazer às pessoas. Queremos produzir o máximo possível de cada bem que as pessoas queiram, mas não tanto que chegue a ser mais vantajoso produzir outra coisa. Os preços que estamos dispostos a pagar por um bem ou serviço e os preços que estamos dispostos a aceitar por nosso trabalho ou pelo que produzimos guiam os empreendedores na direção da solução certa. Quando tomamos decisões no mercado, cada decisão é tomada de modo incremental ou “na margem”: eu quero este bife? Mais uma revista? Uma casa de três quartos? Nossa disposição para pagar e o ponto além do qual não estamos dispostos a comprar mais uma unidade diz aos produtores quanto eles podem gastar na fabricação do produto. Se não puderem produzir mais um por menos do que o preço de mercado, saberão que não devem dedicar mais recursos à produção daquele produto. Quando o interesse dos consumidores por computadores está em alta e por televisões, em baixa, as empresas se dispõem a pagar mais pelas matérias-primas e pela mão de obra para produzir computadores. Quando o custo de contratar mais mão de obra e materiais alcançar o limite do que os consumidores estão dispostos a
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pagar pelo produto final, as empresas param de dirigir recursos para a produção. À medida que essas decisões vão se repetindo milhares, milhões, bilhões de vezes, surge um sistema complexo de coordenação que traz aos consumidores qualquer coisa, de kiwis a chips Intel. É a competição entre todas as empresas para atrair novos consumidores que produz essa coordenação. Se uma empresa sente que a demanda de computadores pelos consumidores está aumentando e ela é a primeira a produzir mais peças, ela será recompensada. Ao contrário, seu concorrente na produção de televisões pode ver que suas vendas estão diminuindo. Na prática, todo ano dezenas de milhares de empresas se saem bem, e milhares vão à falência. Essa é a “destruição criativa” do mercado. Apesar de o julgamento dos consumidores parecer duro para alguém que perde um emprego ou um investimento, o mercado trabalha sobre um princípio de igualdade. Em um mercado livre, nenhuma empresa recebe privilégios especiais do governo, e cada uma deve satisfazer constantemente os consumidores para se manter ativa. Longe de induzir o próprio interesse, como acusam os críticos, no mercado, só o fato de ele existir já leva as pessoas a procurar outros. Os mercados recompensam a honestidade, porque as pessoas estão mais dispostas a fazer negócios com quem tem uma reputação de honestidade. Os mercados recompensam a civilidade, porque as pessoas preferem lidar com parceiros e fornecedores corteses.
Socialismo
É a ausência de preços de mercado que torna o socialismo inviável, como Ludwig von Mises apontou na década de 1920. Os socialistas muitas vezes pensaram na produção como uma questão de engenharia: é só fazer alguns cálculos para saber o que é mais eficiente. É verdade que um engenheiro pode responder a uma pergunta específica sobre o processo de produção, como por exemplo: qual é a forma mais eficiente de usar o alumínio para fazer uma lata de sopa de 350 ml, ou seja, que formato de lata menor poderia conter 350 ml? Mas a questão econômica — o uso eficiente de todos os recursos relevantes — não pode ser respondida por um engenheiro. A lata deve ser feita de alumínio ou de platina? Todos sabem que uma lata de sopa de platina seria ridícula, mas nós o sabemos porque o sistema de preços nos diz. Um engenheiro diria que um fio de prata ou platina conduziria melhor a eletricidade do que o cobre. Por que então usamos cobre? Porque ele oferece o melhor custo-benefício. Esse é um problema de economia, não de engenharia. Sem preços, como o planejador socialista iria saber o que produzir? Ele poderia fazer uma pesquisa e descobrir que as pessoas querem pão, carne, sapatos, geladeiras e televisores. Mas quanto de pão e quantos sapatos? E que recursos devem ser usados para produzir quais bens? “O suficiente”, alguém talvez respondesse. Mas, além da estrita subsistência, quanto de pão é “suficiente”? E em que ponto as pessoas passam
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a preferir sapatos novos a mais comida? Se há uma quantidade limitada de aço disponível, quanto deve ser usado na fabricação de carros e quanto na de fornos? E, mais importante, que combinação de recursos é a forma menos dispendiosa de produzir cada bem? O problema é impossível de resolver em um modelo teórico; sem a informação transmitida pelos preços, os planejadores estarão “planejando” às cegas. Na prática, os administradores das fábricas soviéticas tinham que ilegalmente estabelecer mercados entre si. Eles não tinham permissão para usar preços em dinheiro, então sistemas fantasticamente complexos de troca indireta — ou escambo — emergiam. Os economistas soviéticos identificaram pelo menos oitenta meios de troca, de vodca a rolamentos, de óleo para motores a pneus de trator. A analogia mais próxima desse desastrado mercado com que os americanos jamais se encontraram foi provavelmente a habilidade de barganha de Radar O’Reilly no programa de televisão “M*A*S*H”. Radar também estava trabalhando com uma economia planejada centralmente — o exército americano —, e sua unidade não tinha dinheiro para comprar bens, então ele pegava o telefone, ligava para outras unidades M*A*S*H e combinava complexas trocas de luvas cirúrgicas por rações tipo C, penicilina, bourbon, em que cada unidade escassa era trocada por outra, disponível em excesso. Imagine gerir toda uma economia dessa maneira.
Propriedade e troca
Uma grande razão pela qual o cálculo econômico é impossível no socialismo é a inexistência de propriedade privada, então, não há donos para indicar por meio de preços o que eles estão dispostos a aceitar em troca de uma parte de sua propriedade. No capítulo 3, examinamos o direito de possuir propriedade privada. Aqui, olhamos para a importância econômica da instituição da propriedade privada. A propriedade está na raiz da prosperidade gerada por um mercado livre. Quando as pessoas têm um título seguro da propriedade — seja ela terra, prédios, equipamentos ou qualquer coisa —, elas podem usá-la para atingir seus objetivos. Toda propriedade deve pertencer a alguém. Há muitas razões para se preferir a diversidade da propriedade privada à propriedade do governo. Proprietários privados tendem a cuidar melhor de sua propriedade porque vão colher os benefícios de qualquer aumento em seu valor e sofrer se ele baixar. Se você deixar que a condição de sua casa se deteriore, não vai conseguir vendê-la por tanto quanto poderia se a tivesse mantido em bom estado — o que é um grande incentivo para manter o valor da propriedade. Os donos geralmente tomam mais cuidado do que os locatários; isto é, eles preferem manter o valor do capital em vez de, na prática, consumi-lo. É por isso que muitos contratos de locação requerem que o locatário faça um depósito de caução, para assegurar que ele, também, terá um incentivo para manter o valor da propriedade. Apartamentos alugados de proprietários privados são muito mais bem
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mantidos do que conjuntos públicos. A razão é que ninguém é realmente “dono” da habitação pública; nenhum indivíduo vai perder seu investimento se o valor da propriedade pública diminuir. A propriedade privada permite que as pessoas lucrem com sua melhoria, construindo sobre ela ou tornando-a de alguma outra forma mais valiosa. As pessoas também podem lucrar melhorando a si mesmas, é claro, pela educação e o desenvolvimento de bons hábitos, contanto que lhes seja permitido colher os benefícios que vêm dessas melhorias. Não há muito propósito em se esforçar para desenvolver suas habilidades, por exemplo, se regulamentações vão impedir a pessoa de exercer a ocupação de sua escolha ou se altos impostos vão tomar a maior parte do aumento de sua renda. O valor econômico de um bem reflete a renda que ele produzirá no futuro. Portanto, os proprietários privados, que têm direito a essa renda, recebem um incentivo para manter o bem. Quando a terra é escassa e a propriedade, privada, os donos procuram extrair valor dela no presente e também assegurar que ela continuará rentável no futuro. É por isso que as madeireiras não cortam todas as árvores que há em suas terras e em vez disso plantam continuamente mais árvores para substituir as que foram cortadas. Elas podem ser motivadas por uma preocupação com o meio ambiente, mas a futura renda da propriedade provavelmente é um incentivo maior. Nos países socialistas do Leste Europeu, onde o governo controlava toda a propriedade, não havia nenhum dono para se preocupar com o valor futuro dela, e a poluição mais a destruição ambiental foram muito piores do que no Ocidente. Václav Klaus, o primeiro-ministro da República Tcheca, disse em 1995: “Os piores danos ambientais ocorrem em países sem propriedade privada, mercados ou preços”. Outro benefício da propriedade privada, não tão claramente econômico, é que ela dispersa o poder. Quando uma entidade, tal como o governo, é dona de toda a propriedade, os indivíduos não têm muita chance de se proteger da vontade do governo. A instituição da propriedade privada dá a muitos indivíduos um lugar para chamar de seu, um lugar onde estão seguros da depredação causada por outros e pelo estado. Esse aspecto da propriedade privada está capturado na máxima “A casa de um homem é seu castelo”. A propriedade privada é essencial para a privacidade e para a liberdade de imprensa. Tente imaginar “liberdade de imprensa” em um país em que o governo seja dono de todas as prensas e todo o papel.
Divisão do trabalho
Como as pessoas têm diferentes capacidades e preferências e os recursos naturais são distribuídos desigualmente ao redor do mundo, podemos produzir mais se trabalharmos em diferentes tarefas. Mediante a divisão do trabalho, todos procuramos produzir aquilo em que somos melhores, de modo que tenhamos mais para
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trocar com os outros. Em A riqueza das nações, Adam Smith descreveu uma fábrica de alfinetes na qual a produção de alfinetes era dividida em “mais ou menos dezoito operações distintas”, cada uma executada por um trabalhador diferente. Com essa especialização, os trabalhadores produziam 4.800 alfinetes/homem por dia; sem a divisão de trabalho, Smith duvidava que um trabalhador pudesse fazer ao menos vinte em um dia. Note-se que há ganho com a especialização, mesmo se uma pessoa for melhor em tudo. Os economistas chamam isso de princípio da vantagem comparativa. Se Sexta-feira pode pegar duas vezes mais peixe do que Robinson Crusoé, mas consegue encontrar três vezes mais frutas em um dia, então é melhor para ambos se Crusoé se especializar em pescar, e Sexta-feira, em colher frutas. Enquanto eles se especializam, naturalmente, é provável que cada um melhore pela repetição e experimentação. As pessoas fazem trocas porque esperam tornar-se melhores. Como colocou Adam Smith em uma famosa passagem citada anteriormente mas relevante aqui também: Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação com seus próprios interesses. Nós nos dirigimos não à sua humanidade mas ao seu amor-próprio, e não lhes falamos de nossas necessidades, mas de suas vantagens.
Isso não significa que as pessoas sejam sempre egoístas e não se preocupem umas com as outras. Como mencionamos antes, o fato de que o açougueiro precise persuadir você a comprar a carne dele o incentiva a prestar atenção em seus desejos e necessidades. Vendedores de lojas no Ocidente são sabidamente mais agradáveis do que eram seus colegas soviéticos. Ainda assim, há sentido em que instituições sociais operem efetivamente quando cada um de fato age em interesse próprio. Na verdade, quando as pessoas agem em interesse próprio em um mercado livre, elas melhoram o bem-estar de toda a sociedade. Como as pessoas trocam coisas que valorizam menos por outras que valorizam mais, cada troca aumenta o valor de ambos os bens. Só vou trocar meu livro por seu CD se eu valorizar o CD mais do que o livro, e se você valorizar o livro mais do que o CD. Ambos levamos vantagem. Da mesma forma, se eu trocar meu trabalho por um contracheque da Microsoft, é porque valorizo esse dinheiro mais do que o tempo que passei trabalhando e porque os acionistas da Microsoft valorizam meu trabalho mais do que o dinheiro de que estão abrindo mão. Através de milhões de transações como essas, bens e serviços passam para as pessoas que os valorizam mais, e a sociedade inteira se sai bem. O capitalismo incentiva as pessoas a servir a outras para conseguir o que querem. Em qualquer outro sistema, pessoas ambiciosas e talentosas têm mais chances
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de adquirir riqueza do que outras. Em um sistema estatista, seja nos velhos regimes pré-capitalistas, seja em um país socialista “moderno”, a maneira de prosperar é conseguindo pôr as mãos nas alavancas do poder e forçar outras pessoas a fazer o que se quer. Em um mercado livre, é preciso persuadir as outras pessoas a fazer o que se quer. Como se faz isso? Oferecendo algo que elas queiram. Assim, a maior parte das pessoas talentosas e ambiciosas tem um incentivo para descobrir o que os outros querem e tentar oferecer-lhes o que seja. A propriedade privada no estado de direito impede o tipo de egoísmo que envolve tomar aquilo que se quer daqueles que o têm. Além disso, incentiva as pessoas a adquirir riqueza produzindo bens e serviços que as outras querem. E assim elas fazem — Henry Ford com seus automóveis baratos e eficientes; Bill Cosby com seu popular programa de televisão; Sam Walton com suas lojas de preços baixos; Bill Gates com seu sistema operacional de computador; e muitas pessoas obscuras, em uma economia complexa como a nossa, tais como Philip Zaffere, que obteve 200 milhões de dólares quando vendeu a empresa que havia fundado, que comercializava alimentos populares pré-prontos. Leona Helmsley pode não ser uma pessoa gentil, mas, para conseguir enriquecer no negócio de hotelaria, ela tem que oferecer um quarto confortável e atendentes que pareçam gentis.
Lucros, prejuízos e empreendedores
Todos podem ver os papéis que consumidores e produtores — sejam eles fazendeiros, trabalhadores, artesãos ou donos de fábricas — desempenham em um sistema de mercado, mas às vezes o papel do empreendedor ou intermediário não é tão bem compreendido. Historicamente, muita hostilidade é dirigida aos intermediários. (Frequentemente, isso tem tomado a forma de preconceito racial ou étnico contra os empresários judeus na Europa e nos Estados Unidos, os indianos e libaneses na África, os chineses em grande parte da Ásia e os coreanos nas cidades hoje, como aponta Thomas Sowell em Race and Culture [Raça e cultura]. A ignorância econômica obviamente não é a única fonte de tais atitudes, mas um entendimento melhor de economia ajudaria a aliviá-la.) O sentimento parece ser: o fazendeiro cultiva o trigo, o moleiro o mói, o padeiro assa o pão, mas que valor é agregado pelos comerciantes e distribuidores que movem o trigo ao longo da cadeia até o consumidor? Que valor tem o comerciante de Wall Street que passa seu tempo explorando discrepâncias de preço entre mercados? Em uma economia complexa, o papel do empreendedor é de importância vital. Ele pode até ser visto como a pessoa que de fato faz a coordenação do que é o processo de mercado, a pessoa que direciona recursos para onde eles são mais necessários. Em certo sentido, somos todos empreendedores. Toda pessoa tenta prever o futuro e alocar seus próprios recursos com sabedoria. Até mesmo Robinson Crusoé tinha
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que prever se as condições climáticas futuras significavam que naquele dia seria melhor ele gastar mais tempo construindo um abrigo à custa de comer menos. Cada um de nós prevê onde nossas habilidades serão mais necessárias, que consumidores potenciais estarão dispostos a pagar por nossos produtos, se os produtos que queremos vão custar mais ou menos na semana seguinte, onde devemos investir as economias de nossa aposentadoria. É claro, ninguém é realmente o “homem econômico” tão ridicularizado, fazendo cálculos com base unicamente no retorno monetário. Podemos aceitar um emprego que pague menos por ser um trabalho interessante ou se localizar perto de casa; talvez comecemos um negócio de fotografia realmente por gostarmos de fotografia, embora pudéssemos ganhar muito mais dinheiro vendendo equipamentos; podemos estar dispostos a pagar mais por produtos vendidos por amigos ou por companhias ecologicamente corretas. Tomamos a maior parte de nossas decisões econômicas com base em uma combinação de fatores, incluindo preços, conveniência, satisfação, relações pessoais, e assim por diante. A única coisa que a análise econômica presume é que fazemos escolhas orientadas por nossos próprios interesses, qualquer que seja o modo como definimos esses interesses. Mas os economistas usam o termo “empreendedor” para denotar um participante específico no processo de mercado, que não é nem produtor nem consumidor mas alguém que enxerga e age com base em uma oportunidade de mobilizar recursos de onde são menos valiosos para onde são mais valiosos. Ele pode ver que se vendem kiwis por 30 centavos na Costa Oeste dos Estados Unidos e por 50 centavos na Costa Leste e que consegue transportá-los a um custo de 10 centavos cada um, de modo que pode ganhar 10 centavos por kiwi comprando-os na Costa Oeste e levando-os para a Costa Leste. Ele pode descobrir que uma companhia quer comprar um prédio de escritórios por até 10 milhões de dólares e que outra tem um prédio apropriado que está disposta a vender por 8 milhões de dólares. Ao comprar e revender o prédio (ou simplesmente pôr comprador e vendedor em contato mediante uma comissão), ele pode obter um belo lucro. Ele consegue observar que rádios poderiam ser produzidos a um custo muito baixo na Malásia e vendidos nos Estados Unidos por menos do que custam então e fazer um contrato com um fabricante para produzir rádios e fazer o transporte. Ele ou outro empreendedor talvez então veja que empresas americanas podem oferecer na Malásia seguros mais baratos do que qualquer empresa local, e assim outra troca lucrativa pode ser feita. Em cada um desses casos, o papel do empreendedor é enxergar uma situação na qual os recursos possam ser usados de maneira mais valiosa do que aquela que vem sendo adotada. Sua recompensa por ver isso é uma porção do valor que ele adiciona a ambas as partes. Para satisfazer o ceticismo de algumas pessoas quanto aos intermediários, consideremos: o que aconteceria se proibíssemos a atividade do empreendedorismo? As pessoas na Costa Leste não teriam os kiwis
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pelos quais pagam com alegria, os americanos pagariam mais por rádios, uma companhia não conseguiria o prédio de escritórios que poderia usar, a outra não receberia o dinheiro que valoriza mais do que um prédio. Mas essas são apenas manifestações superficiais. O que realmente aconteceria é que nossa complexa economia moderna entraria em pane. Os intermediários existem por uma razão, porque seus serviços têm um valor para as pessoas com quem fazem negócios. Os fazendeiros poderiam trazer seus próprios produtos ao mercado, mas a maior parte deles acha mais eficiente concentrar-se no cultivo e vender suas colheitas aos intermediários. Os consumidores poderiam ir aos estados rurais e lá comprar seus produtos dos próprios fazendeiros, mas é claramente mais eficiente ir até o supermercado. O papel dos empreendedores em alocar bens de capital — os recursos que são usados para produzir os bens de consumo — é ainda mais necessário. À medida que uma economia se torna mais rica e complexa, a estrutura de sua produção se alonga, isto é: surgem mais etapas entre as matérias-primas e os bens de consumo. Os primeiros bens de capital foram provavelmente redes para pesca. Na época de Adam Smith, havia muito mais etapas envolvidas na produção das máquinas que ajudariam os trabalhadores a produzir alfinetes em uma fábrica. Hoje, imagine só as etapas envolvidas em levar um computador ao consumidor: a loja, na qual alguém tem que investir; o sistema de transportes; a empresa que produz o computador; os engenheiros de software, que tiveram que ser treinados; os chips, que tiveram que ser projetados e produzidos; o metal, vidro e plástico, que tiveram que ser produzidos, refinados, moldados; e assim por diante. À medida que a estrutura de produção se alonga, demandando investimentos em processos de produção muito antes que os consumidores decidam se vão ou não comprar um produto, torna-se cada vez mais essencial ter pessoas procurando continuamente oportunidades para usar recursos de forma mais eficiente. As pessoas se envolvem em atividades econômicas para obter algo que desejam — mais bens e serviços, em última análise, mas, na situação imediata, um contracheque ou uma compra. Os trabalhadores são pagos por seu trabalho, os fazendeiros vendem seus produtos. A recompensa que um empreendedor recebe é o lucro. A palavra “lucro” pode significar várias coisas. Para um contador, ela significa apenas o dinheiro que fica após um período de atividade econômica. Frequentemente esse dinheiro é na verdade o salário pago ao dono do negócio por seu trabalho, ou juros recebidos sobre dinheiro emprestado. O lucro puro do empreendedor vem da lacuna entre os usos menos e mais valorizados de um serviço, que o empreendedor percebeu e corrigiu. Reflete sua previsão correta sobre o que os consumidores preferem. O outro lado da moeda é que os empreendedores às vezes fazem uma previsão errada, caso em que têm perdas com o empreendimento.
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As pessoas às vezes se sentem incomodadas com lucros altos. Elas querem limitar os lucros ou eliminá-los com tributos, especialmente o notório “lucro imprevisto”. (Mas dificilmente se ouve as pessoas dizendo que a sociedade devia contribuir para ajudar os empresários que têm “prejuízo imprevisto”.) Na verdade, devíamos ser gratos àqueles que obtêm lucros. Como disse o economista Murray Rothbard, “o lucro é um indício de que os desajustes [isto é, os usos menos eficientes dos recursos] estão sendo vistos e combatidos pelos empreendedores que o obtêm”. Ou, como explica Israel Kirzner, da New York University, “A busca empreendedora de lucro implica a busca de situações nas quais os recursos estão mal alocados”. Quanto mais alto o lucro de um empreendedor, maior a lacuna que ele descobriu entre como os recursos estavam sendo usados e como poderiam ser usados, portanto, maior o benefício que ele trouxe à sociedade. Quando os críticos reclamam que os lucros das empresas da indústria farmacêutica são altos demais, eles supõem que altos lucros sobre tais produtos essenciais são imorais. Na verdade, os altos lucros sinalizam a necessidade de mais investimento na produção de medicamentos e na cura de doenças. As empresas que conseguiam os maiores lucros estavam preenchendo as maiores lacunas entre aquilo de que os consumidores necessitavam e o que o mercado vinha até então produzindo. Um limite sobre os lucros das empresas farmacêuticas desincentivaria o investimento onde ele é mais necessário. Não é aquele que lucra que devemos criticar, mas quem perde. Mas não precisamos de tributos sobre perdas inesperadas. O mercado pune os empreendedores que fazem previsões equivocadas baseadas em perdas, que acabarão tirando-o do papel de empreendedor e encorajando-o a ir trabalhar para alguém melhor na alocação de recursos. Por meio desse processo enormemente complexo — que superficialmente parece tão simples, com um fluxo interminável de bens de consumo chegando às prateleiras —, os preços do mercado livre ajudam a todos nós a coordenar esforços e aumentar nosso padrão de vida. Entusiastas do processo de mercado às vezes se referem à “mágica do mercado”. Mas não há mágica nenhuma, apenas a ordem espontânea de pessoas pacíficas e produtivas interagindo livremente, cada uma buscando ganho próprio mas sendo levada a cooperar com os outros para consegui-lo. Isso não acontece de um dia para o outro, mas depois de anos e séculos o processo de mercado nos trouxe de uma sociedade caracterizada pela necessidade de um trabalho braçal enorme para atingir a subsistência mínima e uma expectativa de vida média de 25 anos ao nível verdadeiramente impressionante de abundância, saúde e tecnologia que temos hoje.
Crescimento econômico
Como se dá o crescimento econômico? Como viemos de um mundo em que as pessoas tinham somente seu próprio trabalho, terras e recursos naturais imediatamente
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visíveis à complexa estrutura econômica de hoje, que sustenta uma qualidade de vida sem precedentes? Em seu (bem acessível) livro What Everyone should Know about Economics and Prosperity [O que todos deveriam saber sobre economia e prosperidade], os economistas James D. Gwartney e Richard L. Stroup oferecem um guia conciso das fontes de prosperidade. Um primeiro ponto a notar é que para consumir mais é preciso produzir mais. A escassez é um componente básico da existência humana; isto é, nossos desejos sempre excedem os recursos disponíveis para atendê-los. Para ampliar a satisfação de nossos desejos, devemos aprender a usar os recursos mais eficientemente. Também devemos observar que nosso objetivo não é aumentar o “crescimento da economia”, muito menos o Produto Interno Bruto, a renda nacional ou qualquer outro agregado estatístico. Há muitos problemas com essas estatísticas (apesar de que ocasionalmente elas serão usadas neste livro), que podem levar as pessoas a cometer sérios erros na observação econômica, como as notórias estimativas de que a economia soviética era muito maior do que de fato era ou as ridículas estatísticas mostrando que a economia da Alemanha Oriental tinha per capita a metade da apresentada pela da Alemanha Ocidental. O objetivo da atividade econômica é aumentar a oferta de bens de consumo para as pessoas, o que leva também ao aumento da oferta de bens de capital com os quais se produzem os de consumo. Pode ser difícil medir isso com precisão, mas devemos lembrar que nossa preocupação são os bens reais e não as estatísticas. Uma forma de produzir crescimento econômico real é poupando e investindo. Ao consumir menos hoje, podemos produzir e consumir mais amanhã. Há dois benefícios básicos em poupar. O primeiro é a constituição de um fundo para os “dias de chuva”, uma metáfora que evoca uma economia primitiva, no nível até mesmo de Robinson Crusoé. Crusoé separa uma parte do peixe e das frutas que obtém num dia para o caso de estar doente no dia seguinte ou de ser impedido pelo mau tempo de conseguir mais comida. O segundo benefício é ainda mais importante. Poupamos e investimos para que possamos produzir mais no futuro. Se Crusoé poupar comida para alguns dias, ele poderá usar um dia inteiro para produzir uma rede, o que lhe permitirá pegar muito mais peixes. Em uma economia complexa, a poupança nos permite abrir um negócio ou inventar ou comprar equipamentos que nos tornem mais produtivos. Quanto mais economizamos (como indivíduos ou como sociedade), mais investimentos podemos fazer na produção futura e maior poderá ser o nosso padrão de vida futuro — e o de nossos filhos. Uma economia complexa precisa de um mercado de capitais eficiente para atrair poupanças e direcioná-las para investimentos que vão produzir mais riqueza. O mercado de capitais inclui os mercados de ações, imóveis e negócios, além de instituições financeiras como bancos, seguradoras, fundos e companhias de investimentos. Como Gwartney e Stroup escrevem:
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O mercado de capitais coordena as ações dos poupadores que proveem os fundos para o mercado e dos investidores que procuram fundos para financiar várias atividades empresariais. Investidores privados têm um forte incentivo para avaliar cuidadosamente potenciais projetos e procurar os lucrativos.
Os investidores são recompensados por tomar as decisões certas — ao direcionar o capital para projetos que atendem às necessidades dos consumidores — e castigados com perdas por aplicar capital escasso em projetos errados. Frequentemente ouvimos referências aviltantes a “empreendedores de papel”, com uma espécie de desdém machista por “pessoas que não fazem coisas” como aço ou automóveis. Mas, em uma economia cada vez mais complexa, nenhuma tarefa é mais importante do que alocar o capital em projetos certos, e é inteiramente apropriado que o mercado recompense generosamente certas pessoas por tomarem as decisões corretas sobre seus investimentos. Outra fonte de crescimento econômico são as melhorias no capital humano, isto é, nas habilidades dos trabalhadores. Pessoas que aumentam sua capacidade — aprendendo a ler e escrever, fazendo cursos de carpintaria ou programação de computadores, ou cursando uma faculdade de medicina — geralmente serão recompensadas com salários mais altos. Melhorias na tecnologia também contribuem para o crescimento econômico. Começando com a Revolução Industrial há 250 anos, as mudanças tecnológicas transformaram nosso mundo. O motor a vapor, a combustão interna, a eletricidade e a energia nuclear substituíram a força humana ou animal como nossas principais fontes de energia. Os transportes sofreram uma revolução com a estrada de ferro, o automóvel e o avião. Aparelhos que economizam esforço, como máquinas de lavar, fogões, fornos de microondas, computadores e uma panóplia de máquinas industriais, permitem-nos produzir mais em menos tempo. O entretenimento se tornou irreconhecível com o surgimento de gravações, fitas, discos compactos, filmes e televisão. No século XVIII, somente o imperador austro-húngaro e sua corte podiam ouvir Mozart; hoje qualquer um, por uns poucos dólares, ouve Mozart, Mancini ou Madonna. Hollywood pode produzir muito lixo (embora devamos lembrar que se trata de um lixo que as pessoas decidem ver), mas hoje em dia mais pessoas já viram Ricardo III, de Shakespeare, no cinema, com Laurence Olivier ou Ian McKellen no papel-título, do que as que viram sua apresentação no palco em toda a história. Uma fonte de crescimento frequentemente negligenciada são as melhorias na organização econômica. Um sistema de direitos de propriedade, estado de direito e governo mínimo permite o máximo de abrangência para que as pessoas experimentem
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novas formas de cooperação. O desenvolvimento da sociedade anônima permitiu que se realizassem tarefas econômicas maiores do que as que podiam ser desempenhadas por indivíduos ou parcerias. Organizações como associações condominiais, fundos de investimentos, seguradoras, bancos, cooperativas de trabalhadores e outras são tentativas de resolver problemas econômicos específicos por novas formas de associação. Algumas dessas formas acabam sendo ineficientes; muitos dos conglomerados corporativos dos anos 1960, por exemplo, se mostraram inadministráveis, e os acionistas perderam dinheiro. A resposta rápida do processo de mercado garante que formas bem-sucedidas de organização sejam copiadas e as malsucedidas, desencorajadas. Todas essas fontes de crescimento — poupança, investimento, melhoria do capital humano, tecnologia e organização econômica — refletem as escolhas de indivíduos motivados por seu próprio interesse em um mercado livre. O mercado nos Estados Unidos e na Europa Ocidental definitivamente não é tão livre quanto poderia ser, mas sua relativa liberdade produziu grande aumento dos resultados. Como Gwartney e Stroup apontam, “Os trabalhadores na América do Norte, Europa e Japão produzem mais ou menos cinco vezes mais resultado per capita do que seus ancestrais há cinquenta anos”. Então não é surpresa que “sua renda per capita ajustada pela inflação — o que os economistas chamam de renda real — seja aproximadamente cinco vezes maior”.
A descoordenação do governo
Qual é o papel do governo na economia? Para começar, ele desempenha um papel muito importante: proteger os direitos de propriedade e a liberdade de troca, de modo que os preços de mercado possam permitir a coordenação de planos individuais. Quando vai além desse papel, tentando oferecer bens ou serviços específicos ou encorajar determinados resultados, o governo não apenas não ajuda o processo de coordenação como faz exatamente o oposto: descoordena-o. Os preços veiculam informação. Se o governo controla ou intervém nos preços, eles não vão veicular informação precisa. Quanto mais interferência, mais imprecisa é a informação e menores a coordenação econômica e a satisfação das necessidades. A interferência na informação veiculada pelos preços é tão destrutiva para o progresso econômico quanto a interferência na linguagem seria para se ter uma conversa.
Manutenção de empregos
Sempre que se encontra uma maneira melhor de satisfazer uma necessidade humana (ou quando a demanda de um produto qualquer diminui), alguns dos recursos previamente empregados no atendimento dessas necessidades não serão mais necessários. Esses recursos podem ser máquinas, fábricas ou mão de obra. As pessoas
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estão sujeitas a perder seus investimentos ou o emprego quando um competidor aparece com uma maneira mais barata de atender aos desejos dos consumidores. Devemos ter compaixão diante daqueles que ficam desempregados ou enfrentam uma perda de investimento nessa situação, mas não devemos perder de vista os benefícios da competição e da destruição criativa. As pessoas numa situação assim muitas vezes querem que o governo tome uma atitude para manter a demanda de seu produto, impedir que um competidor entre no mercado, ou de alguma forma preservar seu emprego. A longo prazo, contudo, não há sentido em tentar preservar empregos ou investimentos desnecessários. Imagine se tivéssemos tentado preservar todos os empregos na indústria de buggies quando apareceram os automóveis. Estaríamos mantendo recursos — terras, mão de obra e capital — em uma indústria que não podia mais satisfazer os consumidores tão bem quanto outros usos dos mesmos recursos. Para citar um exemplo mais recente — que deve ser familiar àqueles que entraram na escola na década de 1960, embora talvez seja completamente ignorado entre gente mais jovem —, a régua de cálculo foi totalmente suplantada pelas calculadoras em questão de poucos anos na década de 1970. Deveríamos ter preservado os empregos dos fabricantes de réguas de cálculo? Com que propósito? Quem as compraria quando as calculadoras se tornaram acessíveis e baratas? Se fizéssemos isso cada vez que uma firma ou uma indústria se torna antieconômica, logo teríamos um padrão de vida comparável ao da União Soviética. Diz-se frequentemente que o objetivo de uma economia, ou pelo menos de uma política econômica, é criar empregos. Mas essa ideia está invertida. O objetivo de uma economia é produzir coisas que as pessoas queiram. Se realmente quiséssemos criar muitos e muitos empregos, observa Richard McKenzie, economista, poderíamos fazê-lo com uma política federal em apenas quatro palavras: proíba-se o maquinário agrícola. Isso criaria mais ou menos 60 milhões de empregos, mas significaria tirar os trabalhadores de onde eles são mais produtivos e usá-los para produzir comida, o que poderia ser feito com muito mais eficiência por menos trabalhadores e mais máquinas. Todos estaríamos bem pior. Norman Macrae, há muito tempo editor-adjunto da Economist, observou que na Inglaterra, desde a Revolução Industrial, mais ou menos dois terços dos empregos que existiam no início do século tinham sido eliminados no fim do século, e no entanto três vezes mais pessoas se encontravam empregadas no fim do século. Ele observa que no fim dos anos 1880, cerca de 60% da força de trabalho nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha estava na agricultura, no serviço doméstico e em empregos relacionados ao transporte com cavalos. Hoje, somente 3% da força de trabalho está nessas ocupações.
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Ao longo do século XX, a maior parte dos trabalhadores se transferiu desses empregos para outros, na indústria, e finalmente para o setor de serviços. Durante o século XXI, é provável que muitos, talvez a maior parte, dos trabalhadores saiam da produção direta para trabalhar com informação. Ao longo do caminho, muitas pessoas perderão o emprego e seus investimentos, mas o resultado será um padrão de vida mais alto para todos. Se tivermos sorte, daqui a cinquenta anos estaremos produzindo cinco vezes mais por pessoa do que hoje — exceto se o governo distorcer os sinais dados pelos preços, impedir a coordenação e mantiver os recursos em usos improdutivos. Em outras palavras, a melhor maneira de “preservar” um emprego é libertando a economia. Os empregos vão mudar, mas sempre haverá mais novos empregos criados do que velhos empregos perdidos. Isso é verdade até mesmo nos casos de progresso tecnológico; as pessoas são substituídas por máquinas no campo, mas o nível mais alto de investimento de capital na economia significa um aumento do nível salarial para outros empregos.
Controles de preços
Controles de preços — inclusive os salários, que são o preço do trabalho — são talvez a maneira mais direta que o governo usa para distorcer a mensagem dos preços. Às vezes os governos tentam estabelecer preços mínimos, mas em geral querem fixar preços máximos. Os controles de preços geralmente são implementados como resposta a um aumento dos preços. Esses aumentos ocorrem por várias razões. Em um mercado livre, um preço que sobe costuma indicar ou um aumento da demanda do produto ou uma redução da oferta. Em qualquer caso, haverá uma tendência de movimento dos recursos para aquele mercado para obter vantagem do preço em alta, que tenderá a reduzir ou até reverter o aumento do preço. (Podemos notar que, a longo prazo, em termos reais, o único preço que parece subir constantemente é o preço do trabalho humano. Olhando para mais ou menos cem anos atrás, vemos que os preços dos bens — do trigo ao óleo e aos computadores — caíram, enquanto o índice de salário real quintuplicou em cinquenta anos. A única coisa que fica cada vez mais escassa em termos econômicos, isto é, relativamente a todos os outros fatores, são as pessoas.) O controle de aluguéis é um exemplo particularmente difundido de controle de preços. Qualquer economista entende que o controle de aluguéis produz carência de habitações para alugar. Se os controles são estabelecidos de forma a manter os aluguéis abaixo do seu valor de mercado, então as pessoas vão procurar imóveis para alugar mais do que o fariam em uma situação diferente. Isto é, o preço estabelecido pelo estado não é o preço justo do mercado: mais pessoas vão querer ir para a cidade, ou procurar apartamentos maiores do que aqueles pelos quais estariam dispostas a pagar o preço de mercado, ou ficar em apartamentos grandes depois que os filhos saem de casa, ou procurar alugar mesmo que possam comprar uma casa. Mas, como
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os aluguéis estão sendo mantidos abaixo do preço de mercado, os investidores preferem investir em algo que possa lhes dar pleno retorno do mercado, o que faz que a oferta de habitação não aumente para suprir a demanda. De fato, se o controle de aluguéis se mantém, a oferta pode diminuir, se os donos decidirem morar em sua propriedade em vez de alugá-la, ou os imóveis deteriorados não receberem manutenção nem substituição. Se os senhorios não podem alugar apartamentos para quem oferece mais, eles encontrarão outras formas de escolher entre locatários em potencial; talvez passem a aceitar suborno por baixo do pano, conhecido em Nova York como “o dinheiro da chave”, ou a discriminar com base em raça, favores sexuais ou algum outro fator alheio ao preço. Em circunstâncias extremas, que parecem ser o caso em alguns bairros ao sul do Bronx, os donos de prédios de apartamentos cujo aluguel não é suficiente para cobrir os tributos sobre a propriedade, e portanto não podem nem sequer ser vendidos, simplesmente os abandonam e procuram desaparecer. Assim como ocorre com tantas outras formas de intervenção governamental, os problemas criados pelo controle de aluguéis levam a mais intervenção. Os senhorios tentam converter em condomínios seus prédios de apartamentos não lucrativos, por isso as Câmaras Municipais aprovam leis restringindo a conversão em condomínios. No mercado, locatários e senhorios têm boas razões para tentar manter feliz um ao outro, mas o controle de aluguéis significa que os locatários são apenas um fardo sobre o senhorio; então as partes acabam brigando, e os governos criam comissões para locatários e senhorios, visando regulamentar todos os aspectos de sua interação. Subornos e informações privilegiadas tornam-se a melhor maneira de encontrar um apartamento. A Câmara Municipal em Washington, D.C., aprovou certa vez uma lei para revogar o controle dos aluguéis assim que a taxa de desocupação subisse acima de certo nível — indicando uma oferta suficiente de habitação disponível —, mas é claro que a oferta de habitação não vai aumentar enquanto houver controle de aluguéis. Não é nenhuma surpresa que o economista sueco Assar Lindbeck tenha escrito: “Ao lado das bombas, o controle de aluguéis parece em muitos casos ser a técnica mais eficiente dentre as já conhecidas para destruir as cidades”. Os controles nem sempre são planejados para manter os preços baixos. Às vezes o governo tenta estabelecer preços mínimos, como no caso da lei do salário mínimo. É provável que nenhuma outra questão ilustre melhor a natureza às vezes contraintuitiva da ordem espontânea, do processo de mercado e da função coordenadora dos preços. Oitenta por cento dos americanos apoiam o aumento do salário mínimo — e por que não? A ideia parece boa: é difícil sobreviver ganhando, digamos, 4 dólares por hora, então por que não estabelecer um salário mínimo de 5 dólares por hora? Mas, assim como os preços máximos criam carências, os mínimos produzem excedentes. Trabalhadores cuja produtividade para o empregador vale menos do que o mínimo
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legal jamais serão contratados. Novamente, o indicador do preço é distorcido, e a coordenação não pode ocorrer. Notamos antes que o processo de mercado produz empregos para todos que queiram um — exceto quando se impede o processo de funcionar. Como os economistas William Baumol e Alan Blinder (que depois participou do governo Clinton) escreveram em seu livro-texto Economics: Principles and Politics [Economia: princípios e política], “A consequência primária da lei do salário mínimo não é um aumento na renda dos trabalhadores menos qualificados, mas uma restrição de suas oportunidades de emprego”. Os empregadores vão contratar um trabalhador qualificado em vez de dois não qualificados, ou investir em maquinário, ou simplesmente deixar alguns serviços por fazer. Pessoas mais velhas contam que antigamente havia lanterninhas em cinemas; talvez esse emprego ainda existisse, se os cinemas pudessem pagar menos do que o salário mínimo para as pessoas que procuram o primeiro emprego. Em vez disso, o índice de desemprego entre adolescentes é várias vezes mais alto do que era nos anos 1950. A maneira de aumentar os salários não é tornar ilegal o trabalho remunerado abaixo de certa quantia, mas aumentar o acúmulo de capital e aprimorar a qualificação de cada empregado, a fim de que eles possam produzir mais com as mesmas ferramentas. Os programas de sustentação de preços de produtos agrícolas são outro exemplo de preços mínimos. Em qualquer economia não inflacionária em crescimento, a expectativa seria de uma suave queda dos preços; mais produção significa que o preço real de tudo, em termos de trabalho, está caindo. Colheitas agrícolas, sendo os “primeiros” produtos em qualquer economia, seriam o exemplo mais claro disso. Realmente, ao longo dos últimos duzentos anos, as ofertas de grão e outras colheitas agrícolas vêm aumentando e os preços, caindo (quando medidos em horas de trabalho necessárias para comprar unidades de produção). Com a maior abundância de comida, precisamos de menos pessoas trabalhando no campo. Preços em queda indicam isso aos fazendeiros. É por isso que 53% dos americanos eram fazendeiros em 1870, e apenas cerca de 2,5% o são hoje. Isso são boas notícias: significa que todas essas pessoas podem produzir outras coisas, tornando a si mesmas e a todos nós mais ricos. Mas, a partir dos anos 1920, o governo federal decidiu manter os preços das colheitas altos, para deixar os fazendeiros felizes. Isto é, o governo decidiu bloquear os sinais dos preços, que diziam aos fazendeiros para passar a empreendimentos mais lucrativos. Estabeleceu então preços mínimos para colheitas agrícolas e prometeu comprar o suficiente de cada colheita para manter os preços nesse nível. Em troca, os fazendeiros tiraram da produção parte de suas terras. É daí que surgiu este dito popular nos Estados Unidos: que o programa de subsídios agrícolas paga aos fazendeiros para não trabalhar. É claro que os fazendeiros não são burros. Eles colocaram a pior terra no “banco de solo” e cultivaram a melhor parte dela. Então, como o governo pagaria um preço acima do mercado por qualquer coisa que pudessem
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produzir na terra trabalhada, os fazendeiros refinaram suas tecnologias, fertilizantes e sementes para aumentar a produção. O governo acabou comprando mais colheitas do que pretendia, acumulando bilhões de dólares em produção excedente. (Talvez o único consolo para os consumidores e contribuintes americanos tenha sido o fato de que a Comunidade Europeia implantou programas similares mas ainda menos econômicos, produzindo o que os críticos na Europa chamam de “lagos de vinho” e “montanhas de manteiga”.) Parte do excedente de alimentos foi enviada a países pobres como a Índia — o que parece simpático, mas acabou reduzindo os preços lá e desencorajando os fazendeiros locais a produzir, ajudando assim a manter os países pobres e dependentes dos excedentes que os fazendeiros americanos continuavam produzindo e vendendo para o governo dos Estados Unidos. Os programas de subsídios agrícolas mudaram ao longo dos anos, mas o objetivo continua tipicamente sendo manter os preços altos, distorcendo assim os sinais dos preços, que tenderiam a incentivar os fazendeiros a adotar linhas de trabalho mais produtivas. Controle de preços e de remuneração são a intervenção mais desastrada possível no processo de coordenação do mercado. Em termos de economia, isso equivaleria a Michael Jordan sacudindo os braços entre você e um amigo que estão tentando passar uma bola de basquete um para o outro.
Tributação
As desajeitadas intervenções descritas acima devem soar patentemente injustas e não igualitárias. Consideremos agora uma forma eternamente popular de coerção pela qual os governos extraem dinheiro diretamente daqueles que trabalharam por ele: a tributação. Os tributos reduzem o retorno que cada indivíduo recebe por sua atividade econômica. Como uma das funções mais importantes da renda — incluindo lucros e perdas — é dirigir recursos para seus usos mais valorizados, uma redução artificial do retorno tem um efeito de distorção sobre o cálculo econômico. Os defensores da tributação podem argumentar que um tributo coletado igualmente sobre todas as atividades econômicas seria neutro em seus efeitos. A lista de variados e incontáveis tributos coletados pelos governos contemporâneos — impostos sobre vendas, impostos sobre a propriedade, impostos sobre heranças, impostos sobre bens suntuosos, impostos do pecado, impostos sobre formação de sociedade anônima, imposto de renda societário, contribuições para a Previdência Social e os impostos de renda, incidindo em taxas variadas sobre diferentes pessoas — sugere que os governos não estão fazendo muito esforço para chegar a um sistema de tributação neutro. Mas, mesmo que tentassem, falhariam. Os tributos sempre têm efeitos diferentes sobre agentes econômicos diferentes. Eles empurram o fornecedor e o consumidor marginais para fora do mercado. Como o tributo vem sempre acompanhado de gastos governamentais, a combinação só pode ter o efeito
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de desviar os recursos de onde os consumidores queriam que eles fossem aplicados para usá-los em algo escolhido por políticos. Os tributos inibem a função vital do empreendedorismo ao reduzir a restituição que o empreendedor pode obter ao notar e remediar uma má alocação de recursos. Tudo o que é tributado é mais escasso; tributar as recompensas do empreendedorismo significa que teremos menos empreendedorismo, menos atenção às formas como os recursos podem ser realocados para melhor atender às necessidades dos consumidores. Os tributos criam um abismo entre compradores e vendedores, incluindo empregadores e empregados, o que pode impedir que trocas produtivas sejam feitas. Se estou disposto a pagar até 200 dólares por um terno, e você está disposto a vender um por qualquer preço acima de 190 dólares, temos uma oportunidade óbvia de troca que beneficiará a ambos. Mas, adicione 10% em tributo sobre a venda, e não haverá nenhum preço sobre o qual possamos concordar. Se estou disposto a trabalhar por um salário no mínimo de 30 mil dólares, e você estima em 35 mil dólares o valor de meus serviços, então deve ser possível que cheguemos a um acordo entre essas duas cifras. Mas, adicione-se uma contribuição para a Previdência Social de 15,3%, e um imposto de renda federal de 28%, e um imposto de renda estadual, e talvez até um municipal, e não poderemos chegar a um acordo sobre o salário. Se os tributos fossem mais baixos, haveria no setor privado mais dinheiro sendo dirigido à satisfação da demanda dos consumidores, mais demanda de trabalhadores e, portanto, menos desemprego. Tributos altos desincentivam o esforço do trabalhador. Por que trabalhar horas extras se o governo vai tomar metade do que você ganhar? Por que investir em um negócio arriscado se o governo promete levar metade de qualquer lucro que você conseguir, mas deixará que arque sozinho com os prejuízos? De todas essas maneiras os tributos reduzem o esforço produtivo dirigido para servir às necessidades humanas. Impostos altos também podem encorajar investidores a pôr seu dinheiro em investimentos planejados para evitar o pagamento de impostos em vez de aplicá-lo em projetos cujo retorno real é maior na ausência do diferencial tributário. Eles também induzem as pessoas a gastar dinheiro em compras superficiais mas dedutíveis dos impostos, como escritórios mais luxuosos do que o necessário, férias disfarçadas de viagens a trabalho, carros da empresa, e assim por diante. Essas coisas podem valer a pena para as pessoas que as fazem; sabemos que sim quando gastam seu próprio dinheiro com elas. Mas as leis de tributação podem encorajar superinvestimentos em coisas nas quais ninguém gastaria seu próprio dinheiro. Finalmente, o cumprimento das leis tributárias afasta os recursos da produção de outros bens. Empresas e indivíduos gastam 5,5 bilhões em homem-hora a cada ano em formulários de tributos — o equivalente a 2,750 milhões de trabalhadores que poderiam estar produzindo bens e serviços que os consumidores querem.
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Regulamentação
Um livro inteiro, com certeza, poderia ser escrito a respeito dos efeitos da regulamentação governamental sobre o processo do mercado. Aqui poderemos olhar apenas alguns pontos básicos. Devemos começar notando que algumas regras, geralmente conhecidas como “regulamentações”, são parte inerente do processo de mercado em um sistema de direitos de propriedade e estado de direito. A proibição de poluir o ar, a água e a terra de outras pessoas, por exemplo, é um reconhecimento de seus direitos de propriedade (o capítulo 10 vai discutir um pouco mais detalhadamente que tipos de regras são eficazes e apropriados). Regulamentos que exigem que as pessoas cumpram os termos de um contrato, como proibições a fraudes, também são parte da base de direito consuetudinário do processo de mercado. Infelizmente, a maior parte das regulamentações promulgadas por órgãos legislativos e agências administrativas nos dias de hoje não se enquadram nessas categorias. As regulamentações que nos concernem aqui são projetadas explicitamente para produzir resultados econômicos diferentes daqueles que o processo de mercado teria gerado. Às vezes podemos apontar problemas específicos causados por essas regulamentações: o controle de aluguéis reduz a oferta de habitação; a regulamentação das linhas aéreas aumenta o custo das viagens aéreas; um processo muito longo de aprovação de medicamentos afasta dos consumidores drogas que podem aliviar a dor e salvar vidas. Contudo, quase sempre é mais difícil avaliar o efeito de uma regulamentação, isto é, entender o que teria acontecido se o processo de coordenação do mercado tivesse podido funcionar. São precisamente as ausências menos óbvias da coordenação que a regulamentação pode, sem que se note, impedir que os agentes do mercado identifiquem e remediem. Se estamos convencidos de que o processo de mercado funciona para satisfazer as necessidades do consumidor — isto é, para alocar recursos de maneira a produzir o máximo de valor para um dado nível de recursos —, então vamos concluir que para as regulamentações sempre há custos que impedem trocas voluntárias. Robert Samuelson escreveu na Newsweek em 1994: A totalidade das regulamentações federais agora chega a 202 volumes, com 131.803 páginas. Essa quantia é catorze vezes maior do que em 1950 e quase quatro vezes maior do que em 1965. Há dezesseis volumes de regulamentações ambientais, dezenove de agrícolas e dois de trabalhistas.
Se você tem uma empresa, é bom que saiba o que está escrito nessas regulamentações — e nas mais ou menos 60 mil páginas de outras novas (algumas das quais
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substituem ou alteram anteriores) publicadas a cada ano no Registro Federal. Cerca de 130 mil pessoas trabalham em agências reguladoras federais, e o economista Thomas D. Hopkins estima no Journal of Regulation and Social Costs que a regulamentação custe cerca de 600 bilhões de dólares para nossa economia por ano em resultados perdidos — recursos que poderiam estar sendo usados para satisfazer necessidades dos consumidores. Clifford Winston, da Brookings Institution, estima que “a sociedade ganhou pelo menos 36-46 bilhões de dólares (1990) anualmente com a desregulamentação”, o que sugere que, apesar de toda a desregulamentação recente de transportes, comunicações, energia, e serviços financeiros, o fardo regulatório praticamente não diminuiu. Winston escreve ainda que “os economistas têm tido dificuldade de prever, ou mesmo ponderar, quais são as mudanças nas operações e tecnologias das empresas, e as reações dos consumidores a essas reações, que surgiram em resposta à reforma regulatória”. Isto é, as descoordenações produzidas pela interferência no processo de mercado são tão grandes e complexas que é muito difícil avaliá-las e prever as melhorias em matéria de coordenação que poderiam ocorrer com a desregulamentação. Tomando um único exemplo, alguns economistas perceberam que a regulamentação de preços e rotas de transporte de caminhões pela Comissão de Comércio Interestadual (Interstate Commerce Commission) estava produzindo as principais ineficiências. Eles previram que uma desregulamentação poderia economizar de 5 bilhões a 8 bilhões de dólares para os consumidores e empresas ao tornar esse transporte mais eficiente. Estavam certos; na verdade, um estudo de 1990 para o Departamento de Transportes (Department of Transportation) estimou em mais ou menos 10 bilhões de dólares a economia anual resultante da desregulamentação de 1980. O que os economistas não previram foi um resultado muito mais importante: o transporte mais barato e confiável permitiu que as empresas reduzissem seu inventário, sabendo que poderiam entregar seus produtos aos compradores quando eles fossem necessários. A economia com inventário, que ficou entre 56 bilhões e 90 bilhões de dólares por ano em meados da década de 1980, fez a economia direta no custo do transporte parecer pequena. A real motivação para a regulamentação muitas vezes é interesse egoísta no pior sentido do termo, uma tentativa de conseguir por meio da coerção governamental algo que não se conseguiria pelas ações dos consumidores. Esse comportamento, conhecido como “rentismo”, se apresenta de muitas formas; várias delas são discutidas no capítulo 9. Uma indústria pode conseguir impor a uma concorrente tributos mais altos do que os que incidem sobre ela mesma. Uma grande empresa pode apoiar regulamentações que custarão às grandes e pequenas empresas montantes semelhantes de dinheiro, prejudicando proporcionalmente mais as empresas menores. Pode-se conseguir uma tarifa que proteja um produto da competição estrangeira. Pode-se conseguir uma regulamentação que torne seu produto mais barato para o
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consumidor do que o do concorrente. Pode-se conseguir uma lei de licenciamento que limite o número de pessoas competindo em sua indústria, e assim por diante. Todas essas regulamentações distorcem o processo de mercado e afastam recursos de seu uso mais valorizado. Mas hoje em dia muitas regulamentações são propostas por pessoas que geralmente acreditam que elas sejam de interesse público, que talvez até acreditem firmemente no processo de mercado, salvo quando as regulamentações parecem realmente necessárias. Promulgam-se regulamentações para garantir a segurança dos produtos para o consumidor; para proibir a discriminação com base em raça, sexo, religião, nacionalidade, estado civil, orientação sexual, aparência pessoal ou origem indígena; para reduzir os inconvenientes enfrentados pelas pessoas com deficiência; para assegurar a eficácia das drogas farmacêuticas; para garantir o acesso ao seguro-saúde; para desincentivar demissões; e muitas outras causas igualmente nobres. É difícil questionar os objetivos de quaisquer dessas regulamentações. Todos queremos uma sociedade de produtos eficazes e seguros, livre de discriminação, na qual todos tenham seguro-saúde e emprego garantido. Mas a tentativa de atingir esses objetivos pela regulamentação acaba sendo um obstáculo para eles. Substitui os resultados de um processo de mercado que coordena as necessidades e preferências de milhões de pessoas pelo julgamento de um pequeno e falível grupo de políticos. Estabelece regras estáticas e retrógradas que nunca poderão lidar tão bem com mudanças nas circunstâncias quanto trocas voluntárias e contratos. Nenhuma regulamentação vai destruir o processo de mercado. Mas, cada uma delas age como um cupim, devorando a estrutura de um sistema que é resistente mas não indestrutível. E se a regulamentação custa mesmo à nossa economia um valor aproximado de 600 bilhões de dólares, então ela está nos custando vidas. Um estudo de 1994 do Centro para Análise de Risco da Universidade Harvard mostrou que nossos sistemas regulatórios de “comando e controle” podem estar custando 60 mil vidas por ano ao investir em riscos insignificantes, deixando menos dinheiro para que as pessoas o gastem se protegendo de riscos maiores mas menos dramáticos. Como disse Aaron Wildavsky, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, ser mais abastado é ter mais saúde e ser mais rico é ter mais segurança. À medida que as pessoas ficam mais ricas, elas compram mais saúde e mais segurança — não apenas no que toca a cuidados médicos, mas a uma melhor nutrição, melhor higiene, menos horas de trabalho, cozinhas e ambientes de trabalho mais seguros. O custo de cada regulamentação proposta para melhorar a saúde ou a segurança deveria ser comparado com os custos de saúde em que se incorrerá se as pessoas tiverem menos riqueza. Além disso, Wildavsky argumenta, como as instituições e processos competitivos produzem ao longo do tempo resultados melhores do que sistemas centralizados, então o processo de mercado
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competitivo tem mais chances de promover avanços na saúde e na segurança do que sistemas mais burocráticos ou regulatórios.
Comércio internacional
O comércio internacional é uma das aplicações importantes do princípio de vantagem comparativa. Para um economista, não há nada especial no comércio internacional; os indivíduos fazem uma troca comercial quando ambos esperam obter benefícios, vivam eles na mesma rua, ou em estados ou países diferentes. Desde 1776, quando Adam Smith demonstrou os benefícios do livre-comércio, não tem havido muito debate intelectual sobre o assunto. Mais do que com a maior parte dos tópicos econômicos, o debate sobre o comércio tem sido levado adiante por interesses particulares que buscam obter do governo vantagens que não estavam conseguindo no mercado. Quando dois indivíduos fazem uma troca comercial, ambos esperam obter benefícios; e tanto a teoria quanto a observação mostram que na maior parte das vezes isso se dá realmente, e o nível de riqueza na sociedade aumenta. A divisão de trabalho permite que as pessoas se especializem naquilo que elas fazem melhor e promovam trocas com quem geralmente tem especialização em outras coisas. Como escreveu Smith, “É a máxima de [toda família] prudente (...) nunca tentar fazer em casa o que será (...) mais caro produzir do que comprar (...). O que é prudente na conduta de toda família privada dificilmente seria insensatez na de um grande reino”. Ou seja, geralmente é melhor vender algo pelo qual se pode obter o melhor preço e comprar algo que se pode obter pelo menor preço. Mas de alguma forma a existência de fronteiras nacionais confunde o pensamento das pessoas sobre os benefícios do comércio. Talvez seja porque as estatísticas a respeito de “balança comercial” sejam calculadas com base na nação. Poderíamos também calcular a balança comercial entre Nova York e o estado vizinho de New Jersey, ou entre os estados de Massachussetts e da Califórnia. Aliás, você pode calcular sua própria balança comercial, isto é, entre você e todas as pessoas com quem faz comércio. Se eu fizesse isso, teria enormes déficits com a mercearia, o dentista e certa loja de departamentos, porque eu compro muito deles e eles nunca compram nada de mim. Meus únicos excedentes seriam com meu empregador e o editor deste livro, porque não compro quase nada deles. Qual seria o sentido desses cálculos? Eu esperava obter benefício de cada uma dessas transações, e o único balanço que me importa é se minha renda excede meus gastos. O melhor jeito de fazer que isso aconteça é me concentrar em fazer aquilo que faço melhor e deixar que os outros façam o que eles fazem melhor. A própria noção de “balança comercial” é errônea. O comércio não tem que ser equilibrado. Assim como um indivíduo não pode consumir mais do que produz (exceto se ele for um ladrão ou beneficiário de presentes, caridade, ou programas
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governamentais), todos os indivíduos de um país não podem consumir mais do que produzem, ou importar mais do que exportam. Por mais que essa seja uma imagem agradável, os produtores de outros países não vão nos dar seus produtos de graça, nem em troca de dólares que nunca serão trocados por nossos bens ou serviços. Uma “balança comercial” nacional é apenas um compósito de todas as trocas comerciais feitas pelos indivíduos da nação; se cada uma dessas trocas teve sentido econômico, não é possível que a agregação delas seja um problema. Frédéric Bastiat afirmou que uma nação podia melhorar sua balança comercial carregando um navio com produtos de exportação, registrando sua partida e depois afundando-o além do limite de 3 milhas. Os bens foram exportados, não se importou nada, e a balança comercial é favorável. É óbvio que essa não seria uma política razoável. O verdadeiro problema pode estar em um erro econômico fundamental: considerar positivas as exportações e negativas as importações. Vemos essa falácia em todas as discussões de negociações comerciais. Os jornais sempre relatam que os Estados Unidos “abriram mão” de algumas de suas restrições às importações em troca de “concessões” similares de outras nações. Mas não estamos abrindo mão de nada quando o governo americano deixa que os consumidores americanos comprem de fornecedores estrangeiros. O objetivo da atividade econômica é o consumo. Produzimos com o objetivo de poder consumir. Vendemos para poder comprar. E exportamos para pagar nossas importações. Para cada participante do comércio internacional, o objetivo é adquirir bens de consumo tão baratos quanto possível. O benefício da troca é o produto importado; o custo é o produto exportado. Em sua campanha presidencial de 1996, Pat Buchanan pôs-se de pé no porto de Baltimore e disse: “Este porto em Baltimore é um dos maiores e mais movimentados da nação. Precisamos ter mais bens americanos saindo daqui”. Isso é fundamentalmente errôneo. Não queremos enviar para fora uma parte de nossa riqueza maior do que a necessária para adquirir bens de fora. Se a Arábia Saudita nos desse petróleo de graça, e o Japão, televisores, os americanos estariam em situação melhor. As pessoas e o capital usados para produzir esses televisores — ou para produzir coisas que foram trocadas por televisores — poderiam então ser deslocados para a produção de outros bens. Infelizmente, para nós, não recebemos esses bens de outros países de graça. Mas, se podemos tê-los por um custo menor do que o de produzi-los nós mesmos, então estamos em situação melhor. Às vezes o comércio internacional é visto em termos de competição entre nações. Devemos vê-lo, em vez disso, como uma forma de cooperação, tal como o comércio doméstico. E devemos lembrar que os bens são produzidos por indivíduos e empresas, não por estados-nações. O “Japão” não produz televisores; os “Estados Unidos” não produzem o entretenimento mais popular do mundo. Os Indivíduos, organizados em parcerias e corporações em cada país, produzem e trocam. Em todo caso, a
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economia de hoje é tão integrada globalmente que não está claro nem mesmo o que vem a ser uma empresa “japonesa” ou “holandesa”. Se a Ford Motor Company é dona de uma posição controladora na Mazda, que produz carros na Malásia e os vende na Europa, que “país” está ganhando pontos no placar internacional? Os ganhadores imediatos parecem ser os investidores nos Estados Unidos e no Japão, os trabalhadores na Malásia e os consumidores na Europa; mas é claro que os benefícios mais amplos do comércio internacional virão naturalmente para os investidores, trabalhadores e consumidores em todos esses lugares. O benefício do comércio internacional para os consumidores está claro: podemos comprar bens em outros países se acharmos que eles são melhores ou mais baratos. Há ainda outros benefícios. Primeiro, o comércio internacional permite que a divisão do trabalho seja feita em maior escala, tornando possível às pessoas em cada país produzir os bens nos quais elas têm vantagem comparativa. Segundo Mises, “Os habitantes da [Suíça] preferem manufaturar relógios a cultivar trigo. A relojoaria é para eles a maneira mais barata de adquirir trigo. Por outro lado, o cultivo do trigo é para o fazendeiro canadense a maneira mais barata de adquirir relógios”. Uma grande vantagem dos sistemas de preços é que eles nos dão um padrão pelo qual podemos determinar quais os bens que cada um de nós deve produzir. Devemos produzir café, milho, rádios, filmes ou máquinas de fazer roscas? A resposta é: o que nos der mais lucro. O economista Michael Boskin, da Universidade de Stanford, viu-se em dificuldades quando foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos (Council of Economic Advisers) do presidente George Bush, por, segundo relatos, ter dito algo que era absolutamente verdade: um dólar em batata frita vale tanto quanto um dólar em chips de computador, e não importa qual dos dois se produza. Um país tão avançado em tecnologia quanto os Estados Unidos vai fabricar muitos produtos de ponta e, embora muitas vezes os projetos sejam desenvolvidos localmente — onde o lucro é maior —, enviar chips, televisores e outros produtos físicos para fabricação em outros lugares, onde o custo for mais barato. Também parece que temos uma enorme vantagem comparativa na produção de cultura popular: filmes, televisão, música, jogos de computador etc. E, apesar dos nossos avanços tecnológicos, temos grandes quantidades de rica terra cultivada e fazendeiros altamente produtivos, então produzimos muitos produtos agrícolas a um preço que ninguém consegue superar. Contrariamente às ideias mercantilistas, muitas economias prosperaram graças à exportação, principalmente de materiais relativamente não transformados, como madeira, carne, grãos, lã e minerais. É só pensar no Canadá, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia. Outros prosperaram como comerciantes e manufatureiros, apesar de uma carência inegável de recursos naturais. Aí se pode pensar na Holanda, Suíça, Grã-Bretanha, Japão e Hong Kong. O importante são os mercados livres, e não os recursos ou produtos específicos.
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Deve-se lembrar que não é necessário que cada país tenha vantagem absoluta em produzir alguma coisa; sempre haverá uma vantagem comparativa em alguma coisa. Mesmo que Liz Clairborne seja a melhor digitadora em sua empresa, ainda assim ela vai continuar desenhando roupas e contratar alguém para digitar releases. Mesmo que os americanos possam fabricar qualquer produto que se imagine por um preço menor que o dos mexicanos, ambos os países continuarão ganhando com o comércio, porque as empresas mexicanas farão os bens que forem relativamente — mesmo que não absolutamente — produzidos com mais eficiência. O comércio internacional também permite economias de escala (isto é, a eficiência que as companhias podem atingir ao produzir em grandes quantidades), o que não se conseguiria em economias nacionais menores. Isso é menos importante para as empresas americanas, que já têm o maior mercado do mundo, do que para as empresas da Suíça, Hong Kong, Taiwan e outras pequenas nações. Mas, mesmo as companhias americanas, especialmente se produzirem para um mercado restrito, podem reduzir seu custo por unidade vendendo no mercado internacional. O livre-comércio internacional é um incentivo competitivo importante para empresas domésticas. Os carros americanos são melhores do que eram há vinte anos por causa da concorrência de empresas japonesas e de outros países. Segundo Brink Lindsey, um advogado especializado em direito comercial, as siderúrgicas integradas também melhoraram sua eficiência em resposta à concorrência estrangeira, e os “fabricantes americanos de semicondutores, diante da brutal concorrência japonesa em chips de memória produzidos em massa, melhoraram sua eficiência na manufatura e concentraram recursos em sua força na área de chips lógicos de design complexo”. Quando os governos restringem o comércio internacional a mando de grupos de interesse domésticos, eles impedem o processo de informação e coordenação do mercado. Eles “protegem” algumas indústrias e empregos, mas à custa de toda a economia. O protecionismo impede que o capital e o trabalho se direcionem a usos que satisfariam melhor a demanda do consumidor. Assim como as automações, as importações diminuem os empregos em uma parte da economia, permitindo que esses trabalhadores se desloquem para trabalhos mais produtivos. Henry George, economista do século XIX, apontou em Protection or Free Trade [Proteção ou livre-comércio] que as nações tentam barrar a passagem de seus inimigos para restringir o comércio internacional em tempos de guerra, o que se parece muito com protecionismo: Bloqueios navais são um meio pelo qual as nações procuram impedir que seus inimigos façam comércio; tarifas protetoras são um meio pelo qual as nações procuram impedir que seu próprio povo faça comércio.
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O que o protecionismo nos ensina é fazer a nós mesmos em tempo de paz o que os inimigos procuram nos fazer em tempo de guerra.
Finalmente, um grande benefício do comércio internacional é reduzir as oportunidades de guerra. Os liberais do século XIX diziam: “Quando os bens não podem atravessar as fronteiras, os exércitos as atravessam”. O comércio gera pessoas interessadas na paz em ambos os lados das fronteiras nacionais e aumenta os contratos e o entendimento internacional. Isso não significa que nunca haverá uma guerra entre países que praticam o livre-comércio, mas as relações comerciais realmente parecem melhorar as perspectivas de paz.
O governo e o processo produtivo
De todas essas formas e outras mais, o governo interfere na cooperação e coordenação, que são o processo de mercado. Introduzir a intervenção governamental no mercado é como introduzir uma chave inglesa em uma engrenagem complexa. Só pode reduzir sua eficiência. Felizmente, o processo de mercado é mais parecido com uma rede de computadores do que com uma engrenagem; em vez de parar completamente, o processo de mercado envia informações por rotas alternativas para contornar a intervenção destrutiva. Sua eficiência é reduzida, mas ele não para. Adam Smith certa vez encontrou um jovem que reclamava de alguma nova política, dizendo: “Esta será a ruína da Grã-Bretanha”. Ao que Smith respondeu: “Meu jovem, há muita ruína em uma nação”. De maneira semelhante, o grande historiador britânico Thomas Babington Macaulay escreveu: “Muitas vezes se percebeu que gastança exagerada, tributação pesada, restrições comerciais absurdas, tribunais corruptos [etc.] não têm sido capazes de destruir o capital tão rápido quanto os esforços de cidadãos privados podem criá-lo”. É nossa grande sorte que o processo de mercado seja tão resiliente que possa continuar a progredir e produzir apesar do fardo de tanta tributação e regulamentação. Mas há custos reais. Se apenas olharmos a desaceleração da produtividade por trabalhador, e portanto do crescimento econômico nos Estados Unidos a partir dos anos 1970 — em grande parte por causa do dramático crescimento de tributos e regulamentações nos anos 1960 e 1970 —, o americano médio poderia ser 40% mais rico hoje, se a produtividade tivesse continuado a aumentar tão rápido quanto cresceu durante os 25 anos precedentes. Pessoas prósperas podem achar que um aumento de 40% em riqueza e renda não seria tão importante (embora eu certamente fosse gostar de ver as novas tecnologias e produtos que fariam parte desse aumento), mas os americanos de renda mais baixa indubitavelmente teriam a vida melhorada por um crescimento dessa escala.
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Cada novo tributo, cada nova regulamentação torna a propriedade um pouco menos segura, dá a cada indivíduo um pouco menos de incentivo para criar riqueza, torna nossa sociedade um pouco menos adaptável, concentra o poder um pouco mais. Há muitas ruínas em uma nação, mas a sociedade civil não é infinitamente resiliente.
O que se vê e o que não se vê
Toda proposta de intervenção do governo na economia envolve um truque de mágica. Como um mágico, o político que propõe um tributo, um subsídio ou um programa quer que os eleitores olhem somente para sua mão direita e não notem sua mão esquerda. No início do século XIX, Frédéric Bastiat escreveu um brilhante ensaio que inspirou o popular Economics in One Lesson [Economia numa única lição] de Henry Hazlitt. Como afirma Hazlitt, Pode-se reduzir toda a economia a uma única lição (...). A arte da economia consiste em olhar não apenas para os efeitos imediatos, mas para os efeitos de longo prazo de qualquer ato ou política; consiste em rastrear as consequências dessa política não apenas para um grupo, mas para todos os grupos. (grifo no original)
Bastiat e Hazlitt começam ambos com a história da janela quebrada. Em uma cidade pequena, um adolescente quebra a janela de uma loja. No início, todos se reúnem na frente da loja e o chamam de vândalo. Mas então uma pessoa diz que, afinal, alguém vai ter que substituir a janela. O dinheiro que o dono da loja paga ao homem que instala a janela permitirá que ele compre um terno novo. O alfaiate então vai poder comprar uma nova escrivaninha. À medida que o dinheiro circula, todos na cidade se beneficiam do vandalismo do menino. O que se vê é o dinheiro circulando a partir da substituição da janela; o que não se vê é o que teria sido feito com o dinheiro se nenhuma janela tivesse sido quebrada. Ou o dono da loja o teria poupado, adicionando-o ao capital de investimento e conseguindo posteriormente um melhor padrão de vida, ou o teria gasto. Talvez tivesse comprado um novo terno ou uma nova escrivaninha. A cidade não está em melhor situação; as pessoas tiveram que gastar dinheiro substituindo algo, em vez de ter gerado uma riqueza nova. Colocada de maneira tão simples, a falácia pode soar obviamente absurda. Quem afirmaria que uma janela quebrada pode beneficiar a sociedade? Mas, como apontaram Bastiat e Hazlitt, a mesma falácia pode ser encontrada todos os dias nos jornais. O exemplo mais claro é a história que sempre aparece dois dias depois de um desastre natural. Sim, o furacão Andrew foi horrível, as pessoas refletem no dia seguinte, mas pense em todos os empregos na construção civil que serão criados quando forem
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reconstruídas as casas e fábricas. De fato, um jornal da Flórida trazia a manchete: “Furacão Andrew traz boas notícias para economia do sul da Flórida”. O Washington Post relatou que o Japão está considerando construir uma nova capital em algum lugar exceto Tóquio. Pode haver bons argumentos para isso, mas não este: “Os defensores afirmam que uma nova capital impulsionaria a letárgica economia do Japão. O enorme projeto de construção criaria muitos empregos, e as reverberações seriam sentidas por toda a economia nacional”. Seriam mesmo, mas em ambos os casos devemos olhar para o que não se vê. Um furacão destrói riqueza real em uma sociedade — casas, fábricas, igrejas, equipamentos. O capital e a mão de obra que são utilizados na reconstrução dessas coisas não estão sendo usados para produzir riqueza adicional. Quanto a construir uma nova capital, o mesmo número de empregos poderia ser criado com a construção de pirâmides; mas, se não há uma boa razão para uma nova capital, então capital e mão de obra estão sendo afastados de usos mais produtivos. Uma falácia relacionada com isso é a afirmação de que a Alemanha Ocidental e o Japão cresceram tão rápido após a Segunda Guerra Mundial não porque tinham tributos menores e mercados mais livres do que alguns dos vencedores da guerra, mas porque suas fábricas foram destruídas e eles construíram outras, novas e mais modernas. Até onde sei, as pessoas que afirmam tais coisas nunca chegaram a incentivar o bombardeio das fábricas, digamos, da França ou da Grã-Bretanha para impulsionar seu crescimento econômico. A falácia da janela quebrada tem uma aplicação bem mais ampla: r Sempre que os políticos propõem tributar as pessoas para construir um estádio para o dono multimilionário de um grande time esportivo, eles acenam com a mão direita a promessa de que o aumento da atividade econômica vai mais do que repor o dinheiro gasto. Mas eles não querem que você olhe para a mão esquerda — os empregos e a riqueza criados com o dinheiro que as pessoas teriam gasto se ele não lhes tivesse sido tomado sob a forma de tributos para a construção do estádio. r Depois que o governo federal deu à Chrysler Corporation 1,5 bilhão de dólares em garantias de empréstimos, os jornais relataram que o esforço era um sucesso porque a Chrysler se manteve no mercado. O que eles não relataram — não podiam relatar — foi o que não se viu: as casas que não foram construídas e as empresas que não se expandiram com o dinheiro que outras pessoas não puderam tomar emprestado, porque o governo direcionou recursos escassos para a Chrysler. r Em todas as gerações, desde a Revolução Industrial, as pessoas têm se preocupado com a ideia da eliminação de empregos pela automação. Em 1945, a primeira-dama Eleanor Roosevelt escreveu: “Chegamos a um ponto hoje em que máquinas automáticas são positivas somente quando não expulsam o
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trabalhador de seu emprego”. Nesse caso, parece que não havia muito trabalho para proteger. Gunnar Myrdal, que chegou a receber um Prêmio Nobel de economia, escreveu em 1970, em The Challenges of World Poverty [Os desafios da pobreza mundial], que máquinas para automação da produção não deviam ser introduzidas em países em desenvolvimento porque elas “diminuem a demanda de mão de obra”. É claro que a automação reduz a demanda de certos tipos de mão de obra, mas isso significa que a libera para fazer outras coisas. Se é possível produzir coisas com menos recursos, então mais coisas podem ser produzidas — mais roupas, mais casas, mais vacinas para manter nossos filhos vivos, mais comida para as pessoas subnutridas, mais centros de tratamento de água para combater a cólera e a disenteria. Cada plano para criar empregos por meio de gastos do governo significa que tributos serão cobrados das pessoas para pagar pelo projeto. O dinheiro gasto pelo governo deixa então de ser gasto pelas pessoas que trabalharam para ganhá-lo, nos projetos que elas teriam escolhido. As emissoras de televisão podem mandar câmeras para filmar as pessoas que conseguiram empregos ou serviços do programa; mas não conseguem encontrar aqueles que não conseguiram emprego porque uma pequena quantia de dinheiro foi desviada de cada pessoa na sociedade para pagar pelo programa que se vê.
Capitalismo e liberdade
No pioneiro ensaio “The use of knowledge in society” [O uso do conhecimento na sociedade], Friedrich A. Hayek escreveu: Não pensamos muito no funcionamento do [sistema de preços]. Estou convencido de que se esse fosse o resultado de planejamento humano deliberado, e se as pessoas, guiadas pelas mudanças de preços, entendessem que suas decisões têm um significado que vai muito além de seu objetivo imediato, esse mecanismo teria sido reclamado como um dos grandes triunfos da mente humana.
Mas, como enfatizo ao longo deste livro, as grandes instituições espontâneas da sociedade — o direito, a língua e os mercados — não foram planejadas por ninguém. Todos participamos, sem saber, de seu funcionamento e de fato não pensamos nelas. Isso não é problema. Afinal, elas evoluem mesmo espontaneamente. Precisamos apenas lembrar de deixar funcionar a aparente mágica do processo de mercado e não permitir que as desajeitadas intervenções do governo cheguem ao ponto de fazer que ele pare de funcionar.
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Capítulo 9
O que é realmente o governo inchado
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governo tem um papel importante em uma sociedade livre. Ele deve proteger nossos direitos, criando uma sociedade na qual as pessoas possam viver sua vida e empreender projetos em razoável segurança contra a ameaça de assassinato, assalto, roubo ou uma invasão estrangeira. Pelos padrões da maior parte dos governos ao longo da história, esse é um papel extremamente singelo. Foi isso que fez a Revolução Americana tão revolucionária. A Declaração de Independência proclamou: “Para assegurar esses direitos, são instituídos os governos entre os homens”. Não “para tornar morais os homens”. Não “para impulsionar o crescimento econômico”. Não “para garantir a todos um padrão de vida digno”. Apenas a ideia simples e revolucionária de que o papel do governo estava limitado a assegurar nossos direitos. Mas imagine quão melhor estaríamos todos se o governo fizesse bem seu trabalho nessa tarefa simples e limitada. Infelizmente, a maior parte dos governos não atende às expectativas da visão de Thomas Jefferson de duas maneiras. Primeira, eles não fazem bem o trabalho de prender e punir, rápida e certamente, aqueles que violam nossos direitos. Segunda, eles procuram se tornar maiores adquirindo mais e mais poderes, intrometendo-se em mais aspectos de nossa vida, exigindo mais do nosso dinheiro e nos privando de liberdade. O aspecto mais revolucionário da Revolução Americana foi que ela procurou criar do zero um governo nacional limitado a quase nada além de proteger os direitos individuais. Durante a Idade Média, na Grã-Bretanha e em outros países europeus, a ideia de limites ao governo havia crescido. As cidades tinham escrito suas próprias cartas constitucionais, e assembleias representativas tinham procurado controlar os reis por meio de documentos como a Carta Magna ou a Bula de Ouro da Hungria. Muitos dos colonos americanos — e alguns de seus aliados britânicos, como Edmund Burke — viam a revolução como a reclamação de seus direitos como ingleses. Mas as sublimes palavras da Declaração e as estritas regras da Constituição foram além do que qualquer esforço prévio ao declarar os direitos naturais da vida, da 169
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liberdade e da propriedade e delegar ao novo governo somente os poderes necessários para proteger esses direitos. Devemos distinguir neste ponto entre “governo” e “estado”. Esses dois termos às vezes são usados como se fossem intercambiáveis, especialmente no inglês americano; na verdade se referem a duas instituições muito importantes mas facilmente confundidas. Um governo é a organização consensual pela qual adjudicamos necessidades, defendemos nossos direitos e atendemos a algumas necessidades comuns. Uma associação de condomínio, por exemplo, tem um governo para adjudicar disputas entre os proprietários, regular o uso de áreas comuns, dar aos residentes segurança contra invasores externos e prover outras necessidades comuns. Podemos ver prontamente por que as pessoas procuram ter um governo como o descrito. Em todo caso, os residentes concordam quanto aos termos do governo (sua constituição ou carta ou estatutos) e dão seu consentimento para ser por ele governados. Um estado, por outro lado, é uma organização coercitiva que reivindica ou tem o monopólio do uso da força em alguma área geográfica e exerce poder sobre seus súditos. A audácia e o gênio dos Pais Fundadores americanos foram uma tentativa de criar um governo que não fosse um estado. Historicamente, as origens reais do estado se encontram na conquista e na exploração econômica. O sociólogo Franz Oppenheimer apontou que há duas formas básicas de adquirir os meios de satisfazer nossas necessidades humanas. “São eles o trabalho e o roubo, o labor próprio e a apropriação pela força do resultado do labor de outros.” Ele chamou o trabalho e a livre troca de “meio econômico” de adquirir riqueza, e a apropriação do trabalho de outros de “meio político”. A partir desse insight básico, Oppenheimer afirmou, podemos discernir as origens do estado. Bandidagem, roubo e fraude são as formas usuais pelas quais as pessoas procuram se apropriar à força do que outros produziram. Mas quão mais eficiente seria organizar e regularizar o roubo! Segundo Oppenheimer, “O estado é a organização do meio político”. Os estados surgiam quando um grupo conquistava outro e passava a dominá-lo. Em vez de pilhar o grupo conquistado e seguir adiante, os conquistadores se instalavam e passavam da pilhagem à tributação. Essa regularização tinha algumas vantagens para a sociedade conquistada, que é uma das razões pelas quais perdurou: em vez de desenvolver culturas ou construir casas e então ficar sujeito a assaltos imprevisíveis por saqueadores, o povo produtivo e pacífico pode preferir simplesmente ser forçado a abrir mão, digamos, de 25% de sua colheita para seus dominadores, certo de que isso vai — em geral — ser a extensão total da depredação e de que estará protegido de saqueadores. Esse entendimento básico da distinção entre sociedade e estado, entre as pessoas e seus governantes, tem raízes profundas na civilização ocidental, remetendo ao aviso de Samuel ao povo de Israel de que um rei iria “tomar seus filhos e suas
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filhas e seus campos” e ao conceito cristão de que o estado é concebido em pecado. Os Levellers, os grandes lutadores pela liberdade inglesa no tempo de Carlos I e Cromwell, entenderam que as origens do estado inglês jaziam na conquista da Grã-Bretanha pelos normandos, que impuseram aos ingleses um “jugo normando”. Um século mais tarde, quando Thomas Paine procurou enfraquecer a legitimidade da monarquia britânica, apontou que “Um bastardo francês, que desembarcou com um bando armado e investiu-se rei da Grã-Bretanha contra o consentimento dos nativos, é, falando francamente, um patife muito desprezível”. Em um ensaio de 1925, “More of the same” [Mais do mesmo], o jornalista H. L. Mencken concordou: O homem médio... vê claramente que o governo é algo que fica fora dele e da generalidade de seus companheiros — que é um poder separado, independente e hostil, apenas parcialmente sob seu controle e capaz de lhe fazer grande mal (...). [O governo] é percebido não como um comitê de cidadãos escolhidos para conduzir as preocupações comuns de toda a população, mas como uma corporação autônoma e separada, devotada principalmente a explorar a população para o benefício de seus próprios membros (...). Quando um cidadão particular é roubado, um homem digno é privado dos frutos de sua indústria e temperança; quando o governo é roubado, o pior que pode acontecer é que alguns trapaceiros indolentes tenham menos dinheiro com que brincar do que tinham antes.
O estado democrático
Geralmente se discute nos Estados Unidos que tudo isso pode ter sido verdade antigamente, ou até nos países dos quais nossos ancestrais fugiram, mas que em um país democrático “nós somos o governo”. Os próprios Pais Fundadores esperavam que uma forma de governo democrática — ou, como diziam, republicana — nunca violasse os direitos do povo ou fizesse qualquer coisa contra os interesses do povo. A lamentável realidade é que não podemos todos ser governo. A maior parte de nós está ocupada demais trabalhando, produzindo riqueza e cuidando da família para vigiar o que os governantes estão fazendo. Que pessoa normal e produtiva pode ler ao menos uma das leis de orçamento de mil páginas que o Congresso aprova a cada ano para descobrir o que realmente se diz nela? Nem um americano em cem sabe quanto realmente paga em tributos, dadas as muitas formas como os políticos escondem seus custos.
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Sim, temos o poder de mais ou menos a cada quatro anos expulsar os patifes e pôr outros em seu lugar. Mas muitos fatores limitam o valor desse poder: r Não há muitas opções fundamentalmente diferentes na cédula eleitoral. A escolha entre Bush e Clinton, ou McCain e Obama, não é lá muito emocionante. Até mesmo o supostamente revolucionário Congresso de 1994 mal diminuiu a velocidade com que o governo federal crescia. r Somos obrigados a escolher um pacote. A Vila Sésamo recentemente mostrou um exemplo do que isso significa. Em um especial da eleição, os Muppets e seus amigos humanos têm 3 dólares para gastar, e eles aprendem a votar ao decidir se querem comprar lápis de cera ou suco. Rosita: Você conta as pessoas que querem lápis de cera. Depois conta as que querem suco. Se mais pessoas quiserem suco, é suco para todos. Se mais pessoas quiserem lápis, então é lápis. Telly: Parece maluquice, mas talvez funcione! Mas por que não deixar que cada criança compre o que ela quer? Quem é que precisa de democracia para essas decisões? Talvez haja alguns bens públicos, mas com certeza suco e lápis de cera não são. No mundo real, um candidato oferece tributos mais altos, legalização do aborto e retirada das tropas do Vietnã; outro promete um orçamento equilibrado, oração nas escolas e uma escalada da guerra. E se você quiser um orçamento equilibrado e a retirada do Vietnã? No mercado, você tem muitas escolhas; a política o força a escolher entre apenas umas poucas delas. r As pessoas empregam o que os economistas chamam de “ignorância racional”. Isto é, todos gastamos nosso tempo aprendendo coisas a respeito das quais de fato podemos fazer alguma coisa, e não questões políticas sobre as quais não conseguimos opinar. É por isso que mais da metade de nós não sabe o nome de nenhum dos dois senadores de seu estado. (Tenho certeza de que os leitores deste livro sabem, mas 54% das pessoas entrevistadas pelo Washington Post não sabiam.) Por isso a maior parte de nós não tem ideia de quanto do orçamento federal vai para o Medicare, para a ajuda estrangeira ou qualquer outro programa. Como um empresário do Alabama disse ao Post, “Política não me interessa. Eu não acompanho (...). Sempre tive que ganhar meu pão”. Ellen Goodman, uma sensível colunista de esquerda que acredita no “bom governo”, reclama de um amigo que passou meses pesquisando um carro novo e de seus próprios esforços pesquisando o conteúdo de carboidrato, fibra, gordura e o preço de vários cereais. “Será que meu amigo que quer comprar um carro usaria as horas que gastou comparando sistemas de injeção de combustível para comparar programas de saúde nacionais?”, pergunta Goodman. “Talvez não. Os momentos que passo estudando cereais serão
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devotados ao estudo do efeito estufa sobre o grão? Talvez não.” Certamente não — e por que deveriam? Goodman e seu amigo terão o carro e o cereal que quiserem, mas que bem faria estudar o programa de saúde nacional? Depois de uma enorme quantidade de pesquisa sobre medicina, economia e burocracia, seu amigo pode decidir que plano de saúde prefere. Ele então passa a estudar os candidatos à presidência e descobre que oferecem apenas vagas indicações sobre o plano de saúde que implementariam. Mas, após diligente investigação, nosso eleitor bem informado escolhe um candidato. Infelizmente, o eleitor não gosta da posição daquele candidato sobre nenhuma outra questão — o problema de escolher o pacote —, mas decide votar com base na questão da saúde. Ele tem uma em centenas de milhões de chances de influenciar o resultado da eleição presidencial, após a qual, se o candidato tiver sucesso, depara com um Congresso de ideias diferentes e, no fim das contas, o candidato nem estava sendo sincero. Instintivamente percebendo todas essas coisas, a maior parte dos eleitores não gasta muito tempo estudando políticas públicas. Dê a esse mesmo eleitor três planos de seguro de saúde entre os quais ele possa escolher, no entanto, e provavelmente ele vai passar algum tempo estudando-os. Finalmente, como se observou acima, os candidatos no fim das contas provavelmente estão enganando a si mesmos ou aos eleitores. Em 2000, a campanha de George W. Bush atravessou o país dizendo a seus eleitores: “meu oponente confia no governo. Eu confio em vocês”. Essa confiança não durou muito. Os gastos federais aumentaram em 83% durante os oito anos da administração Bush, comparados com um aumento de 32% durante a presidência de Bill Clinton. Um dos atrativos de Barack Obama – até para alguns libertários – era a perspectiva de uma política externa mais contida e de melhoras para a imagem internacional dos Estados Unidos. Mas Obama logo dobrou as tropas comprometidas com o Afeganistão e frustrou aqueles que acreditaram nele quando disse, “eu terminarei com essa Guerra em 2009. É hora de trazer nossos soldados de volta pra casa”. Se nós somos o governo, por que acabamos com tantas políticas que não queremos, da integração racial forçada nas escolas e da guerra no Vietnã a enormes dívidas, tributos mais altos do que quase qualquer americano aprovaria, e a guerra no Oriente Médio?
Não, mesmo na democracia há uma diferença fundamental entre os governantes e os governados. Mark Twain disse certa vez: “Provavelmente é possível mostrar por fatos e números que não há nenhuma classe americana nativa distintamente criminosa, exceto o Congresso”. Nosso Congresso, é claro, não é pior do que o de outros países. Uma das mais fascinantes e honestas descrições da política jamais escritas veio de uma carta escrita por Lord Bolingbroke, um líder Tory inglês no século XVIII.
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Receio que tenhamos vindo à Corte com as mesmas disposições de todos os outros partidos; que a principal motivação de nossas ações tenha sido ter o governo do estado em nossas mãos; que nossos principais objetivos eram a conservação desse poder, bons empregos para nós mesmos e grandes oportunidades de recompensar aqueles que nos ajudaram a ascender e prejudicar aqueles que se opuseram a nós.
Os libertários reconhecem que o poder tende a corromper quem o detém. Quantos políticos, por mais bem-intencionados que sejam, podem evitar o abuso do considerável poder dos governos expandidos de hoje? Observe-se os constantes esforços do senador Robert Byrd para transferir toda a folha de pagamento federal para West Virgínia, ou o longo registro do senador Bob Dole de contribuições provenientes da Archer-Daniels-Midland Corporation e sua defesa de enormes subsídios federais para a empresa. Ou veja-se o claro eco da carta de Bolingbroke nas notas de um assessor da Casa Branca sobre as instruções de Hillary Clinton para demitir servidores públicos de carreira no Escritório de Turismo da Casa Branca (White House Travel Office): “Precisamos dessas pessoas fora — Precisamos de nossas pessoas dentro — Precisamos das vagas”. Uma ilustração particularmente impressionante do que poderíamos chamar de Lei de Bolingbroke é o histórico do ex-governador de Maryland, Parris N. Glendening. Eleito em 1994, Glendening parecia incorruptível e honesto, um ex-professor moderado e um tecnocrata. Ele talvez desse a Maryland um governo inchado, mas pelo menos seria um governo limpo. O que fez ele então quando assumiu? Bem, aqui está a descrição de seu primeiro orçamento no Washington Post: “Em seu primeiro grande ato como governador de Maryland, Parris N. Glendening apresentou um orçamento isento de novos tributos que descaradamente dirige a maior parte dos gastos para as três áreas que mais pesadamente votaram nele: os condados de Montgomery e Prince George e Baltimore”. Lord Bolingbroke, esse é dos seus. Alguns dias depois, veio à tona que Glendening e seu principal assessor estavam coletando dezenas de milhares de dólares em aposentadorias antecipadas do condado de Prince George — onde Glendening tinha servido no Executivo antes de sua eleição a governador —, graças à sua interpretação criativa das regras que davam os benefícios de aposentadoria antecipada a servidores do governo que tivessem sofrido “separação involuntária” de seu emprego. Glendening decidiu que tinha sido “separado involuntariamente” por causa do limite de dois mandatos sobre o Executivo do condado. E ele “exigiu” a renúncia de seus principais assessores dois meses antes de deixar seu emprego no condado — tornando-os também vítimas da “separação involuntária” —, contratando-os depois como seus principais assessores na mansão do governador.
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Como o coelhinho no anúncio da pilha Energizer, o trem de dinheiro de Glendening simplesmente seguiu em frente. Em maio de 1995, o governador pediu à legislatura para gastar 1,5 milhão de dólares em fundos de tributos para resgatar uma firma de alta tecnologia do condado de Prince George em dificuldades, dirigida por um de seus apoiadores políticos. Então, em agosto, Frank W. Stegman, secretário estadual de Trabalho, Licenciamento e Regulamentação, contratou a esposa de Theodore J. Knapp, secretário estadual de Pessoal e colega de Stegman na época do governo do condado de Prince George, para um emprego em sua agência. Knapp, que não era nenhum ingrato, retribuiu o favor recomendando um aumento de 10 mil dólares ao parco salário de 100.542 dólares de Stegman. Se isso é o que os políticos que parecem honestos fazem, imagine o que os outros não estão fazendo.
Por que os governos incham
Thomas Jefferson escreveu: “O progresso natural das coisas é que a liberdade ceda e o governo ganhe terreno”. Duzentos anos depois, James M. Buchanan ganhou o Prêmio Nobel de Economia por uma vida inteira de pesquisa acadêmica confirmando os pensamentos de Jefferson. A teoria de Buchanan, desenvolvida junto com Gordon Tullock, chama-se Escolha Pública. Baseia-se em um ponto fundamental: os burocratas e políticos são tão autocentrados quanto qualquer um de nós. Mas muitos acadêmicos tiveram — e têm — crenças diferentes, e é por isso que os livros-textos de economia nos dizem que as pessoas na economia privada agem em interesse próprio, mas o governo age em interesse público. Notou o pequeno truque da última frase? Eu disse “pessoas na economia privada”, mas depois eu disse “o governo age”. A transição do individual para o coletivo confunde a questão. Porque, na verdade, o governo não age. Algumas pessoas no governo agem. E por que deveria um rapaz que se forma na faculdade e vai trabalhar na Microsoft ter interesse em si mesmo, enquanto seu colega de quarto que vai trabalhar no Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (Department of Housing and Urban Development) subitamente, inspirado pelo altruísmo, começa a agir no interesse do público? Como se vê, assumir a simples premissa econômica de que os políticos e burocratas agem exatamente como todo mundo — ou seja, em seu próprio interesse — tem enorme poder explicativo. Muito melhor do que os modelos simplistas dos livros de educação cívica, que presumem que os oficiais públicos agem em interesse público, o modelo da Escolha Pública explica padrões de votação, esforço de lobby, gastos deficitários, corrupção, expansão do governo e a oposição de lobistas e membros do Congresso a limites do número de mandatos. Adicionalmente, o modelo da Escolha Pública explica por que o comportamento em interesse próprio tem efeitos positivos em um mercado competitivo, mas é tão danoso no processo político.
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É claro que políticos e burocratas agem em seu próprio interesse. Um dos conceitos-chave da Escolha Pública é o de benefícios concentrados e custos difusos. Isso significa que os benefícios de qualquer programa do governo estão concentrados em algumas pessoas, enquanto seus custos são pulverizados entre muitas. Tome-se o subsídio de etanol para a Archer-Daniels-Midland, por exemplo. Enquanto a ArcherDaniels-Midland ganha 200 milhões de dólares por ano com ele, o custo para cada americano é de cerca de 1 dólar. Você sabia disso? Provavelmente não. Agora que você sabe, vai escrever para seu congressista e reclamar? Provavelmente não. Vai pegar um avião até Washington, levar seu senador para jantar, dar a ele uma contribuição de mil dólares e pedir-lhe que não vote a favor do subsídio do etanol? É claro que não. Mas pode apostar que Dwayne Andreas, diretor da Archer-Daniels-Midland, está fazendo tudo isso e mais. Pense: quanto você gastaria para conseguir um subsídio de 200 milhões de dólares do governo? Cerca de 199 milhões de dólares se necessário, aposto. Então a quem é que os membros do Congresso vão dar ouvidos? O americano médio que não sabe que está pagando 1 dólar em benefício de Dwayne Andreas? Ou Andreas, que faz uma lista e a checa duas vezes para ver quem está votando a favor do subsídio? Se fosse apenas etanol, é claro, não importaria muito. Mas a maior parte dos programas federais funciona do mesmo jeito. Tome-se como exemplo o programa de subsídios agrícolas. Alguns bilhões de dólares para os fazendeiros subsidiados, que compõem cerca de 1% da população dos Estados Unidos; alguns dólares por ano para cada contribuinte. O programa de subsídios agrícolas é ainda mais sorrateiro. Muitos dos seus custos envolvem aumento nos preços de alimentos, então os consumidores pagam por ele sem sequer perceber. Bilhões de dólares são gastos todo ano em Washington para conseguir uma parte dos trilhões de dólares em tributos que o Congresso gasta todo ano. Veja este anúncio tirado do Washington Post: InfraStructure [infraestrutura] (...) é a nova palavra da moda em Washington, que significa: (a) As instalações físicas dos Estados Unidos, caindo aos pedaços? 3 trilhões de dólares são necessários para consertar auto-estradas, pontes, redes de esgoto etc. (b) Bilhões de dólares federais para reconstrução? O tributo de 0,05 de dólares sobre o galão de gasolina é só o começo. (c) Sua bíblia de gastos com infraestrutura — aonde vai o dinheiro e como conseguir sua parte — em um conciso panfleto quinzenal? RESPOSTA: Todas as anteriores. Assinale.
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Incontáveis panfletos como esse dizem às pessoas que dinheiro o governo está distribuindo e como pôr suas mãos nele. Em 1987, um anúncio promovendo o Projeto Animas-La Plata de represamento e irrigação, no Herald, de Durango, no estado do Colorado, tornava explícitos os habituais cálculos ocultos daqueles que tentam pôr as mãos no dinheiro do governo federal: “Por que deveríamos apoiar o Projeto Animas-La Plata? Porque outra pessoa está pagando! Nós recebemos a água. Nós recebemos o reservatório. Eles recebem a conta”. Os economistas chamam isso de “rentismo”, do inglês rent-seeking. É outra ilustração da distinção de Oppenheimer entre os meios político e econômico. Alguns indivíduos e empresas produzem riqueza. Eles cultivam alimentos ou constroem coisas que as pessoas querem comprar, ou oferecem serviços úteis. Outros acham mais fácil ir a Washington, a uma capital estadual ou a uma prefeitura e conseguir um subsídio, uma tarifa, uma cota, uma restrição aos seus competidores. Esse é o meio político de conseguir riqueza, que, tristemente, tem crescido mais rápido do que o meio econômico. É claro que, no mundo moderno, no qual governos de trilhões de dólares distribuem favores como se fossem Papai Noel, fica mais difícil distinguir entre os produtores e os rentistas, os predadores e a presa. O estado tenta nos confundir, como um jogador de monte de três cartas, tomando nosso dinheiro com o mínimo de ruído possível e depois dando-nos de volta uma parte dele com grande alarde. Todos nós acabamos reclamando dos tributos mas exigindo nossa assistência médica pública, o transporte público subsidiado, programas de subsídios agrícolas, parques nacionais gratuitos etc., etc., etc. Frédéric Bastiat explicou no século XIX: “O estado é a grande ficção na qual todo mundo tenta viver à custa de todos os outros”. Na agregação, todos nós perdemos, mas é difícil saber quem tem perda líquida ou ganho líquido nas circunstâncias imediatas. Em seu livro Demosclerosis [Demoesclerose], o jornalista Jonathan Rauch descreveu o processo de rentismo: Nos Estados Unidos, somente algumas classes de pessoas têm poder de tomar seu dinheiro se você não se defender. Uma delas é a classe criminosa. Pessoas que arrombam seu carro ou assaltam sua casa (ou fazem buracos em seu telhado) são membros da economia parasitária no sentido clássico: elas tomam sua riqueza se você não lutar ativamente contra elas. Essas pessoas são dispendiosas para a sociedade, não somente pelo que tomam, mas pelo alto custo de mantê-las afastadas. Elas nos fazem comprar cadeados, alarmes, portões de ferro, seguranças, policiais,
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seguros, e assim por diante... Os criminosos, porém, não são os únicos a fazer isso. O rentismo não é crime, mas legal e perfeitamente possível sob uma condição: é preciso obter a ajuda da lei. Isto é, a pessoa precisa persuadir políticos ou tribunais a intervir em seu favor.
Assim, continua ele, cada grupo da sociedade cria uma forma de ser ajudado pelo governo ou de impor dificuldades a seus concorrentes: as empresas buscam tarifas, os sindicatos reclamam leis de salário mínimo (que tornam trabalhadores muito qualificados e de alto custo mais econômicos do que trabalhadores pouco qualificados e de custo menor), os empregados do correio convencem o Congresso a tornar ilegal a concorrência privada, as empresas procuram na regulamentação pequenas frestas que possam prejudicar mais seus concorrentes do que a elas. E, como os benefícios de cada uma dessas regras estão concentrados em poucas pessoas, enquanto os custos estão distribuídos por muitos consumidores ou contribuintes, poucos lucram à custa de muitos e recompensam os políticos que tornaram isso possível. Outra razão pela qual os governos crescem demais é o que Milton e Rose Friedman chamaram de “a tirania do status quo”. Isto é, quando um novo programa governamental é proposto, torna-se assunto de acalorado debate. (Pelo menos se estamos falando de grandes programas como os subsídios agrícolas ou o Medicare. Muitos programas menores são enfiados no orçamento com pouca ou nenhuma discussão, e alguns acabam ficando bem grandes depois de uns anos.) Mas, uma vez que tenha sido aprovado, o debate sobre o programa praticamente acaba. Depois disso, o Congresso simplesmente considera a cada ano em quanto aumentar seu orçamento. Não há mais nenhum debate sobre se o programa deve existir. Reformas como o orçamento de base zero e as leis de caducidade automática supostamente atacariam esse problema, mas elas não tiveram muito efeito. Quando o governo federal tomou a iniciativa de fechar o Conselho de Aeronáutica Civil (Civil Aeronautics Board) em 1979, descobriu-se que não havia diretrizes para fechar uma agência governamental — isso simplesmente não acontece. Mesmo a Avaliação da Performance Nacional (National Performance Review) do próprio presidente Clinton — o muito badalado projeto de “reinventar o governo” — dizia: “O governo federal parece incapaz de abandonar o obsoleto. Ele sabe somar, mas não subtrair”. Mas é possível passar muito tempo pesquisando um orçamento do governo Clinton sem encontrar uma proposta de eliminar um programa. Um elemento da tirania do status quo é o que os habitantes de Washington chamam de Triângulo de Ferro, que protege todas as agências e programas. O Triângulo de Ferro consiste no comitê ou subcomitê do Congresso que supervisiona o progra-
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ma, dos burocratas que o administram e dos interesses particulares que dele se beneficiam. Há uma porta giratória entre esses grupos: uma funcionária do Congresso escreve uma regulamentação, depois ela vai até o braço executivo para administrá-la, em seguida passa para o setor privado e ganha um monte de dinheiro fazendo lobby entre seus antigos colegas, em nome do grupo de interesse afetado pela regulamentação. Ou então um lobista corporativo faz contribuições a membros do Congresso para conseguir que uma nova agência regulatória seja criada, após o que ele é indicado para a diretoria da agência — afinal, quem mais entende tanto o problema? Se os burocratas e políticos agem em interesse próprio, como todos nós, como vão agir no governo? Bem, não há dúvida de que às vezes eles procurarão servir ao interesse público. A maior parte das pessoas acredita em tentar fazer a coisa certa. Mas os incentivos no governo não são bons. Para ganhar mais dinheiro na economia privada, você tem que oferecer às pessoas algo que elas queiram. Se conseguir, você atrai consumidores; se não, você talvez vá à falência, ou perca seu emprego, ou seu investimento. Isso mantém as empresas atentas o tempo todo, tentando encontrar formas melhores de servir aos consumidores. Mas os burocratas não têm consumidores. Eles não ganham mais dinheiro ao satisfazer mais consumidores. Em vez disso, ganham dinheiro e poder aumentando suas agências. O que é que os burocratas “maximizam”? Os burocratas! Seu incentivo, então, é encontrar maneiras de contratar mais pessoas, expandir sua autoridade e gastar mais dinheiro dos tributos. Descubra um novo problema no qual sua agência poderia atuar, e o Congresso talvez lhe dê mais um bilhão de dólares, mais um suplente e mais um escritório inteiro sob seu controle. Mesmo se você não descobrir um novo problema, alardeie que o problema deixado a seu encargo piorou muito e com isso você vai poder conseguir mais dinheiro e poder. Por outro lado, se você resolver um problema — melhorar as notas das crianças nos exames padronizados, ou conseguir que todos os beneficiários do governo arranjem emprego —, o Congresso ou sua legislatura estadual provavelmente vão decidir que você não precisa de mais dinheiro. (Poderia até mesmo decidir fechar sua agência, mas essa é basicamente uma ameaça vazia.) Que belo sistema de incentivo! Quantos problemas têm chance de ser resolvidos quando o sistema pune quem os resolve? A resposta óbvia parece ser uma mudança no sistema de incentivo. Mas é mais fácil falar do que fazer. O governo não tem consumidores que possam usar seus produtos ou experimentar os de um concorrente, então é difícil decidir quando o governo está fazendo um bom trabalho. Se mais pessoas enviam cartas todos os anos, isso significa que o correio americano está fazendo um bom trabalho para seus consumidores? Não necessariamente, porque os clientes do correio são cativos. Se eles querem enviar uma carta, têm que fazê-lo pelo correio dos Estados Unidos — a menos que estejam dispostos a pagar pelo menos dez vezes mais por um serviço de entrega expressa. Enquanto qualquer instituição estiver recebendo seu dinheiro coercitivamente, median-
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te pagamentos legalmente exigidos, é difícil, talvez impossível, medir seu sucesso no tocante a servir a seus consumidores. Enquanto isso, interesses particulares dentro do sistema — políticos, administradores, sindicatos — lutam pelos despojos e resistem a qualquer tentativa de medir sua produtividade ou eficiência. Para ver a natureza autointeressada dos que estão no estado, basta olhar os jornais de qualquer dia. Verifique como o sistema de pensão dos servidores federais é melhor do que a Previdência Social. Olhe os 2 milhões de dólares em aposentadoria que serão recebidos por cada membro do Congresso. Note que quando o Congresso e o presidente fecham temporariamente o governo federal, eles continuam ganhando seus contracheques, enquanto os simples empregados têm que esperar. O cientista político James L. Payne examinou o registro de catorze audiências de apropriação separadas — reuniões de comitê em que os membros do Congresso decidem que programas financiar e por quanto. Ele descobriu que um total de 1.060 testemunhas compareceram, das quais 1.014 testemunharam a favor do gasto pretendido, e somente sete contra (o resto não foi claramente contra ou a favor). Em outras palavras, em somente metade das audiências houve pelo menos uma testemunha contra o programa. Membros das equipes dos congressistas confirmaram que ocorria a mesma coisa no escritório de cada um deles: a média de pessoas que vinham pedir que o congressista gastasse dinheiro versus aqueles que se opunham a qualquer programa em particular era de “muitos milhares para um”. Não importa quão fortemente um novo legislador se oponha aos gastos, os pedidos constantes de dinheiro, dia a dia, ano a ano, terão um efeito. Cada vez mais ele vai dizer: “Nós temos que cortar nossos gastos, mas este programa é necessário”. Realmente, os estudos mostram que, quanto mais tempo uma pessoa passa no Congresso, mais gastos ela favorece em seus votos. É por isso que Payne chamou Washington de Cultura da Gastança, na qual é preciso fazer um esforço quase sobre-humano para se lembrar do interesse geral e votar contra programas que vão beneficiar uma pessoa em particular que visitou seu escritório ou testemunhou diante de seu comitê. Há cerca de um século, um grupo de brilhantes estudiosos italianos pôs-se a estudar a natureza do estado e suas questões monetárias. Um deles, Amilcare Puviani, tentou responder a esta pergunta: se o governo estivesse tentando arrancar o máximo de dinheiro que pudesse de sua população, o que teria que fazer? Ele elaborou onze estratégias que esse governo empregaria. Vale a pena examiná-las: 1. Uso de impostos indiretos em vez de diretos, para que o imposto fique escondido no preço dos bens. 2. Inflação, pela qual o estado reduz o valor da moeda nas mãos de todo mundo. 3. Empréstimos, de modo a prorrogar a tributação necessária.
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4. Impostos sobre doações e bens suntuosos, em que o tributo acompanha o recebimento ou a compra de algo especial, diminuindo sua inconveniência. 5. Impostos “temporários”, que de alguma maneira nunca são repelidos quando a emergência acaba. 6. Impostos que exploram conflitos sociais, colocando alíquotas mais altas sobre grupos impopulares (como os ricos, ou os fumantes, ou quem tenha ganhos inesperados). 7. Ameaça de colapso social ou recusa de serviços mopolizados pelo governo se os tributos forem reduzidos. 8. Coleta do total de tributos em incrementos relativamente pequenos (tributos sobre vendas, ou imposto de renda retido na fonte) ao longo do tempo, em vez de em uma pesada soma anual. 9. Tributos cuja incidência exata não possa ser prevista antecipadamente, mantendo o contribuinte na ignorância de quanto exatamente está pagando. 10. Extraordinária complexidade orçamentária, para esconder o processo do orçamento do entendimento público. 11. Uso de categorias de despesas genéricas, como “educação” ou “defesa”, para dificultar a quem olha de fora a avaliação de cada componente do orçamento. Nota-se alguma coisa nessa lista? O governo dos Estados Unidos usa cada uma dessas estratégias — assim como a maioria dos governos estrangeiros. Isso poderia levar um observador cínico a concluir que o governo na verdade está tentando arrancar dos contribuintes o máximo de dinheiro que puder, em vez de, digamos, levantar apenas o suficiente para cumprir suas funções essenciais. Em todas essas maneiras, o constante instinto do governo é crescer, assumir mais tarefas, arrogar-se mais poder, tirar mais dinheiro dos cidadãos. Parece que Jefferson estava certo: “O progresso natural das coisas é que a liberdade ceda e o governo ganhe terreno”.
O governo inchado e os intelectuais da corte
O poder do estado baseou-se em mais do que leis justas e poder de executá-las, é claro. É muito mais eficiente persuadir do que forçar as pessoas a aceitar seus governantes. Os governantes sempre empregaram sacerdotes, mágicos e intelectuais para manter as pessoas satisfeitas. Antigamente, os sacerdotes asseguravam às pessoas que o rei era mesmo divino; já mais recentemente, na Segunda Guerra, ainda se dizia aos japoneses que seu imperador descendia diretamente do sol. Os governantes frequentemente dão dinheiro e privilégios aos intelectuais que contribuem com seu governo. Às vezes esses intelectuais viviam de fato na corte, participando da vida de luxo que era negada aos demais plebeus. Outros eram indi-
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cados para altos cargos, abrigados em universidades públicas, ou financiados pelo Fundo Nacional para as Humanidades. No mundo pós-Iluminismo, as classes dominantes perceberam que o decreto divino não seria suficiente para manter a lealdade do povo. Tentaram então se aliar aos intelectuais seculares, de pintores a roteiristas, passando por historiadores, sociólogos, planejadores urbanos, economistas e tecnocratas. Em alguns casos os intelectuais tiveram que ser cortejados; em outros, estavam verdadeiramente ansiosos para glorificar o estado, como os professores da Universidade de Berlim no século XIX, que se proclamaram “guarda-costas intelectuais da Casa de Hohenzollern” (isto é, os governantes da Prússia). Nos Estados Unidos de hoje, durante pelo menos as duas últimas gerações, a maioria dos intelectuais vem dizendo à população que é necessário um estado ainda maior — para lidar com a complexidade da vida moderna, ajudar os pobres e estabilizar o ciclo econômico, aumentar o crescimento da economia, trazer justiça racial, proteger o meio ambiente, criar um sistema de transporte público e muitos outros propósitos. Coincidentemente, esse estado crescentemente maior trouxe cada vez mais empregos para os intelectuais. Um governo mínimo, um que, nas palavras de Jefferson, “contivesse os homens para evitar que se ferissem uns aos outros” e ao contrário os deixasse “livres para conduzir suas próprias buscas de trabalho e progresso” não teria muito que fazer com planejadores e construtores de modelos; e uma sociedade livre pode não demonstrar grande demanda de sociólogos e planejadores urbanos. Então, muitos intelectuais estão simplesmente agindo segundo seu interesse de classe quando cospem livros, estudos, filmes e artigos de jornal sobre a necessidade de um governo maior. Não se deixe enganar, aliás, pelas atitudes supostamente “irreverentes”, “anti-establishment”, e até “antigoverno” de muitos intelectuais modernos, alguns deles financiados pelo próprio estado. Olhe atentamente e verá que o “sistema” a que se opõem é o sistema capitalista de empreendimento produtivo, não o leviatã em Washington. E, em suas corajosas críticas ao governo, eles geralmente repreendem o estado por fazer muito pouco ou zombar das autoridades eleitas que estão tentando sem muito entusiasmo responder à demanda popular de menos governo. Frontline e P.O.V., os documentários provocativos sobre a emissora de televisão do estado — digo, “pública”— geralmente, acusam o estado americano por sua inação. Que classe governante não ficaria feliz em subsidiar intelectuais dissidentes que reivindicassem constantemente que ela expanda seu escopo e poder? Os intelectuais da corte não são simplesmente corruptos, é claro. Muitos deles acreditam de fato que um estado em perpétuo crescimento é de interesse público. Por quê? Por que os intelectuais americanos e europeus passaram do corajoso e visionário libertarismo de Milton, Locke, Smith e Mill a um estatismo intricado e reacionário — de Marx, é claro, mas também de T. H. Green, John Maynard Keynes,
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John Rawls e Catharine MacKinnon? Uma resposta já examinamos: o estado tomou a iniciativa de cooptá-los e torná-los suas aias, com acesso a alguns dos benefícios do poder. Mas essa não é a história toda. Muitos distintos acadêmicos tentaram decifrar a grande atração dos intelectuais por estatismo e planejamento. Permitam-me sugerir algumas razões. Primeiro, a ideia de planejamento tem grande apelo para os intelectuais porque eles gostam de analisar e colocar as coisas em ordem. Eles são entusiásticos construtores de sistemas e modelos, por meio dos quais o construtor pode medir a realidade em relação a um sistema ideal. E, se um indivíduo ou uma empresa se beneficia ao planejar um curso de ação, o mesmo não deveria se verificar para uma sociedade como um todo? O planejamento, acreditam os intelectuais, é a aplicação da inteligência e da racionalidade humanas ao sistema social. O que poderia ter mais apelo para o intelectual, cuja mercadoria a vender é sua inteligência e racionalidade? Intelectuais projetaram todo tipo de sistema de planejamento para estados, especialmente no século XX, com sua explosão de conhecimento e demanda de intelectuais. O marxismo era o grande plano que incluía toda a sociedade, mas essa real abrangência assustava a muitos. Um primo próximo era o fascismo, um sistema que propunha deixar os recursos produtivos em mãos privadas mas coordená-los segundo um plano central. Em seu livro Fascismo: doutrina e instituições, Benito Mussolini, que governou a Itália de 1922 a 1943, apresentou o fascismo como resposta direta ao liberalismo individualista: Ele se opõe ao liberalismo clássico, que surgiu como reação ao absolutismo e exauriu sua função histórica quando o estado se tornou a expressão da consciência e vontade do povo. O liberalismo negava o estado em nome do indivíduo; o fascismo reconfirma os direitos do estado como expressão da real essência do indivíduo.
Nos anos 1930, o fascismo era muito admirado por alguns intelectuais americanos, que não se animaram a levar um sistema tão racional para os Estados Unidos, um país ainda individualista. O Nation, então uma revista socialista, considerou o “New Deal dos Estados Unidos, as novas formas de organização econômica da Alemanha e Itália e a economia planejada da União Soviética” sinais de uma tendência “para que nações e grupos, capital bem como mão de obra, exijam uma medida de segurança maior do que a que pode ser oferecida por um sistema de livre concorrência”. Depois que o fascismo perdeu credibilidade por causa de sua associação com Hitler e Mussolini, os intelectuais estatistas inventaram novos nomes para o planejamento central em um sistema que oficialmente era de propriedade privada: o “planejamento
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indicativo” francês dos anos 1960, o “planejamento econômico nacional” proposto pelo economista Wassily Leontief e pelo líder trabalhista Leonard Woodcock nos anos 1970, a “democracia econômica” de Tom Hayden e Derek Shearer, a política de reindustrialização de Felix Rohatyn e Robert Reich, e a política de “competitividade” também promovida por Reich. Conforme cada variante ia perdendo credibilidade, os intelectuais partiam para outro nome e um plano superficialmente diferente. Mas, cada um deles envolvia a contratação de intelectuais pelo estado, os quais determinariam racionalmente as necessidades da sociedade e de acordo como elas dirigiriam as atividades econômicas de todos. Apesar da crescente desilusão com o estado intervencionista, o Santo Graal do planejamento persiste entre os intelectuais. O que era a proposta de sistema de saúde de Clinton senão um plano central para um sétimo da economia americana? E esse não é único exemplo do fascínio do presidente Clinton pelo planejamento central. Em um comentário pouco notado durante a campanha de 1992, Clinton ofereceu uma visão de tirar o fôlego da capacidade e obrigação do governo de planejar a economia: Devemos dizer agora mesmo que precisamos ter um levantamento nacional da capacidade de cada (...) fábrica nos Estados Unidos; cada fábrica de aviões, cada pequena empresa subempreiteira, todas as pessoas trabalhando na defesa nacional. Temos que saber que levantamento é esse, o que são as qualificações da força de trabalho e compará-las com o tipo de coisa que temos que produzir nos próximos vinte anos e então decidir como ir daqui até lá. Do que temos ao que precisamos fazer.
Depois da eleição, um assessor da Casa Branca chamado Ira Magaziner aperfeiçoou essa arrebatadora visão: a conversão da defesa nacional demandaria um plano de vinte anos desenvolvido por comitês governamentais, “um plano organizacional detalhado (...) para delinear como, especificamente, uma proposta como essa poderia ser implementada”. Veja bem, planos quinquenais falharam na União Soviética, então talvez um plano de vinte anos fosse suficiente para a tarefa. Uma segunda razão pela qual os intelectuais são atraídos pelo poder do estado é o que Thomas Sowell chama de sua visão utópica do homem, a visão de que não há limitações naturais à construção de uma utopia na terra. Pode-se compreender essa perspectiva no fim do século XX, depois de dois séculos do avanço mais veloz já testemunhado no conhecimento, na expectativa de vida e no padrão de vida das pessoas. A atitude é resumida no popular slogan: “Se conseguimos colocar um homem
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na Lua, por que não conseguiríamos (...) curar o câncer, dar fim ao racismo, pagar a professores mais do que a estrelas de cinema, abolir a poluição?”. Afinal, a engenhosidade humana nos últimos duzentos anos nos levou de uma vida que era “desagradável, bruta e curta” a uma sociedade que conquistou muitas doenças que persistiam havia eras, reduziu dramaticamente as barreiras à mobilidade e aumentou amplamente o repositório de conhecimento. Mas essas conquistas não foram simplesmente produto da vontade; demandaram esforço, físico e intelectual, e ocorreram em um sistema social baseado principalmente no estado de direito, na propriedade privada e na liberdade individual. A versão vulgar da visão utópica do homem pode ser observada em um adesivo de para-choque que vi em meu bairro em Washington: “Exija a cura para a aids”. Mas é claro; que cruéis são... as empresas ou a sociedade ou o governo ou quem quer que seja... em não nos dar a cura para a aids. Vamos exigi-la. Se conseguimos colocar um homem na Lua, conseguiremos encontrar a cura para a aids. Os expoentes mais sofisticados da visão utópica ririam de uma versão tão ingênua; eles são intelectuais, afinal. Mas eles também não conseguem entender as limitações ao conhecimento humano que nos impedem de resolver todos os problemas de uma vez só, ou as concessões que são ignoradas nos arrebatadores planos que promulgam. Finalmente, a visão libertária de uma sociedade livre parece, para muitas pessoas, essencialmente irracional porque se supõe que a sociedade deve ser deixada a seu próprio cargo. Karl Marx, um acadêmico brilhante, ainda que profundamente errado, reclamou da “anarquia da produção capitalista”. De fato assim parece. Em uma grande sociedade, milhões de pessoas seguem sua rotina diária sem se guiar por nenhum plano central. Todos os dias empresas são abertas e outras vão à falência, pessoas são contratadas e outras são demitidas. Neste exato momento várias empresas diferentes estão desenvolvendo produtos similares ou idênticos para oferecer aos consumidores: navegadores para a web, talvez, ou restaurantes que servem frango assado, ou medicamentos para aliviar o estresse do coração. Não teria mais sentido que uma autoridade central escolhesse uma empresa para desenvolver cada projeto e garantisse que todas elas direcionassem recursos para as tarefas realmente importantes, em vez da Rap Star Barbie ou cores novas para os carros da Chevrolet? Não, não teria — e é isso que é tão difícil para os intelectuais enxergarem. O processo de mercado coordena a atividade econômica muito melhor do que qualquer plano jamais conseguiria. Na verdade, essa frase ameniza dramaticamente a comparação. Nenhum plano poderia nos dar o padrão de vida que temos hoje. Somente o aparentemente caótico processo de mercado pode coordenar os desejos e as capacidades de milhares, milhões, bilhões de pessoas para produzir um padrão de vida continuamente mais alto para toda a sociedade.
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A incapacidade de ver esses resultados é o que Friedrich A. Hayek chamou de arrogância fatal — a ideia de que pessoas inteligentes poderiam planejar um sistema econômico que fosse melhor do que o mercado anárquico e não planejado. Trata-se de uma ideia notavelmente persistente.
O estado e a guerra
A apoteose do poder do estado é a guerra. Na guerra, a força do estado não está escondida ou implícita; está vividamente demonstrada. A guerra cria o inferno na terra, um pesadelo de destruição em uma escala inimaginável em outras circunstâncias. Não importa quanto ódio as pessoas possam às vezes sentir por outros grupos de pessoas, é difícil conceber a razão pela qual as nações tão frequentemente escolhem a guerra. Porém, o cálculo feito pela classe dominante deve ser diferente do que fazem as outras pessoas. A guerra quase sempre proporciona mais poder ao estado, ao atrair e controlar mais gente. Mas a guerra pode aumentar o poder do estado até mesmo na ausência de conquistas. (Perder uma guerra, é claro, pode derrubar um governo, então, ir à guerra é uma aposta, mas a recompensa é boa o suficiente para atrair apostadores.) Liberais clássicos há muito tempo entendem a conexão entre guerra e poder estatal. Thomas Paine escreveu que um observador do governo britânico concluiria que “os tributos não foram criados para manter as guerras, e sim as guerras é que foram criadas para manter os tributos”. Isto é, o governo inglês, como outros governos europeus, dava a impressão de lutar com o objetivo de “tosquiar seus países com tributos”. Randolph Bourne, liberal do início do século XX, escreveu simplesmente: “A guerra é a saúde do estado” — a única forma de criar um instinto coletivo em um povo livre e a melhor maneira de estender os poderes do governo. A história dos Estados Unidos oferece ampla evidência disso. Os grandes saltos nos gastos federais, na tributação e na regulamentação ocorreram em tempo de guerra — primeiro, notavelmente, na Guerra Civil e também tanto na Primeira Guerra Mundial como na Segunda. A guerra ameaça a sobrevivência da sociedade, de forma que até mesmo americanos naturalmente libertários estão mais dispostos a tolerar demandas escassas em tais situações — e os tribunais a concordar em sancionar extensões inconstitucionais do poder federal. Então, depois que a emergência acaba, o governo se esquece de abrir mão do poder que tomou, os tribunais concordam que se estabeleceu um precedente, e o estado se estabelece confortavelmente em seu novo e mais amplo domínio. Durante as grandes guerras americanas, o orçamento federal se multiplicou por dez ou vinte e depois caiu após a guerra, mas nunca voltou a ser tão baixo quanto antes. Tome-se a Primeira Guerra Mundial por exemplo: os gastos federais eram de 713 milhões de dólares em 1916, mas subiram para quase 19 bilhões em 1919. Nunca voltaram a menos de 2,9 bilhões.
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Não se trata apenas de dinheiro, é claro. As guerras ocasionaram extensões do poder do estado, como o alistamento militar obrigatório, o imposto de renda, a retenção do imposto na fonte, os controles de preços e salários, o controle de aluguéis, a censura, a dura repressão das dissidências e a Lei Seca, que na verdade começou com um estatuto de 1917. A Primeira Guerra Mundial foi um dos grandes desastres da história: na Europa, foi o fim de 99 anos de relativa paz e progresso econômico sem precedentes, e levou à ascensão do comunismo na Rússia e do nazismo na Alemanha e à destruição ainda maior com a Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, as consequências foram bem menos dramáticas, mas ainda dignas de nota; em meros dois anos o presidente Woodrow Wilson e o Congresso criaram o Conselho de Defesa Nacional (Council of National Defence), a Agência de Alimentos dos Estados Unidos (United States Food Administration), a Agência de Combustível dos Estados Unidos (United States Fuel Administration), o Conselho das Indústrias da Guerra (War Industries Board), a Corporação da Frota de Emergência (Emergency Fleet Corporation), a Corporação de Grãos dos Estados Unidos (United States Grain Corporation), a Corporação de Habitação dos Estados Unidos (United States Housing Corporation) e a Corporação de Finanças de Guerra (War Finance Corporation). Wilson também nacionalizou as ferrovias. Foi um salto dramático em direção ao megaestado que agora pesa sobre nós, e poderia não ter sido dado se não houvesse guerra. Os estatistas sempre foram fascinados pela guerra e suas possibilidades, mesmo se esquivando às vezes de suas implicações. Os governantes e os intelectuais da corte entendem que as pessoas livres têm suas preocupações — família, trabalho e recreação —, e não é fácil conseguir que elas se alistem voluntariamente nos planos e cruzadas dos governantes. Os intelectuais da corte clamam constantemente por um “esforço nacional” para empreender uma ou outra tarefa, e a maior parte das pessoas os ignora solenemente e continua a se ocupar de sustentar sua família e tentar progredir. Mas, em tempo de guerra, aí sim é possível organizar a sociedade e conseguir que todos dancem conforme a mesma música. Já em 1910, William James lançou a ideia de “equivalente moral da guerra”, em um ensaio que propunha que os americanos fossem recrutados para a formação de “um exército contra a Natureza”, o que faria que “tivessem sua infantilidade suprimida e voltassem à sociedade com disposições mais saudáveis e ideias mais sóbrias”. A fascinação dos coletivistas pela guerra e seu “equivalente moral” é persistente. Em 1977, o presidente Carter fez reviver a expressão de James para descrever sua política energética, com ênfase na instrução do governo e em padrões de vida reduzidos. Esse deveria ser seu substituto em tempos de paz do sacrifício e do despotismo da guerra. Em 1988 o Democratic Leadership Council (DLC) propôs um programa de serviço nacional quase compulsório, que implicaria “sacrifício” e “abnegação” e faria reviver “a tradição americana da obrigação cívica”. Em nenhum lugar no artigo
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do DLC sobre o assunto havia menção alguma à tradição americana dos direitos individuais. A proposta foi descrita como uma maneira de “ampliar a base política de apoio às novas iniciativas públicas que de outra maneira não seriam possíveis na presente era de restrições orçamentárias”. Em outras palavras, seria uma forma de arregimentar mão de obra barata e quase compulsória. O último capítulo do artigo era, inevitavelmente, intitulado “The Moral Equivalent of War” [O equivalente moral da guerra]. Então, em 1993, o líder do DLC, Bill Clinton, tornou-se presidente e propôs seu próprio plano de serviço nacional, que bem que soava um tanto como “o equivalente moral da guerra”. Ele queria “reavivar a emoção de ser americano” e “unir homens e mulheres de todas as idades e raças e levantar o espírito de nossa nação” e “atacar os problemas do nosso tempo”. Ao fim, talvez, todos os jovens seriam alistados. Naquele momento, porém, o presidente visava a “um exército de 100 mil jovens (...) para servir aqui em nossa casa (...) para servir nosso país”. Em 1982 o líder do Partido Trabalhista Britânico Michael Foot, um distinto intelectual de esquerda, foi questionado a respeito de um exemplo de socialismo na prática que pudesse “servir como modelo à Grã-Bretanha que você visualiza”, e ele respondeu: “O melhor exemplo que já vi de socialismo democrático funcionando neste país foi durante a Segunda Guerra Mundial. Nessa época governávamos a Grã-Bretanha com grande eficiência, conseguimos emprego para todos (...). O recrutamento obrigatório de mão de obra foi apenas um elemento muito pequeno de tudo isso. Era uma sociedade democrática com um objetivo comum”. O socialista americano Michael Harrington escreveu: “A Primeira Guerra Mundial mostrou que, apesar do que dizem os ideólogos do mercado livre, o governo poderia organizar nossa sociedade eficientemente”. Ele saudou a Segunda Guerra Mundial por ter “justificado uma mobilização realmente substancial de recursos humanos e materiais que teriam sido desperdiçados” e reclamou que o Conselho de Produção da Guerra (War Production Board) foi “um sucesso que os Estados Unidos estavam decididos a esquecer tão rápido quanto possível”. Continua: Durante a Segunda Guerra Mundial, houve provavelmente um aumento na justiça social maior do que em qualquer [outro] tempo da história americana. Os controles de preços e salários foram usados para cortar os diferenciais entre as classes sociais (...). Havia também um forte incentivo moral a estimular os trabalhadores: o patriotismo.
Coletivistas como Foot e Harrington não gostam da matança envolvida na
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guerra, mas adoram seus efeitos domésticos: centralização, crescimento do poder do governo e, não por coincidência, um aumento do papel dos intelectuais da corte e dos planejadores com doutorado. Os perigos da guerra na era moderna encorajaram o estado e seus aliados intelectuais a procurar mais emergências simuladas e “equivalentes morais da guerra” para reagrupar os cidadãos e persuadi-los a ceder aos planos do estado uma parte maior de sua liberdade e propriedade. Assim criamos a Guerra contra a Pobreza, a Guerra contra as Drogas e mais crises e emergências nacionais do que um planejador poderia contar usando um supercomputador. Uma vantagem desses “equivalentes morais da guerra” é que as guerras de verdade em algum momento terminam, enquanto a Guerra contra a Pobreza e a Guerra contra as Drogas podem continuar por gerações e gerações. E desse modo a aliança entre o estado e os intelectuais complacentes atinge seu zênite na guerra ou em seu equivalente moral. Assim, a guerra é a teoria da Escolha Pública no auge: ruim para o povo, mas boa para a classe governante. Não admira que todos queiram que termine, mas ninguém consiga terminá-la.
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Capítulo 10
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ma coisa é concordar abstratamente que a liberdade é algo positivo. Outra bem diferente é olhar à volta em meio a uma crise familiar, riscos ambientais e crimes violentos e concluir que o governo não deve desempenhar nenhum papel na solução dos problemas. É aí que muitas pessoas a caminho do libertarismo descem do ônibus. Mas elas deveriam ficar. O governo não pode resolver todos esses problemas. Na verdade, frequentemente é ele que os causa. O libertarismo oferece uma estrutura melhor para a solução de problemas do que o governo coercitivo. Aqui está ela. Obviamente esta não é uma revisão completa nem dos problemas das políticas públicas nem das respostas libertárias; discussões mais extensas sobre mais questões podem ser encontradas nas fontes recomendadas no fim deste livro. Mesmo essas obras não tocam em todos os tópicos possíveis relativos às políticas públicas. A abordagem libertária das políticas publicas deve ser vista não como um catecismo, mas como um conjunto de técnicas de solução de problemas que podem ser aplicadas a diversos deles. Muitas das propostas deste capítulo são tentativas de consertar as coisas, de aplicar princípios libertários a problemas do mundo real que foram em muitos casos causados pelo governo excessivo. Ainda assim, o desafio não é apenas afirmar o objetivo libertário, mas desenhar um mapa que nos leve de onde estamos até o objetivo de uma sociedade livre. Podemos começar identificando três fatores que parecem tornar céticas as pessoas quanto às ideias libertárias e simpáticas ao uso do governo para atingir objetivos sociais e econômicos: r
Ignorância a respeito de quanto a sociedade liberal conseguiu. É fácil apontar problemas no mundo — pobreza, poluição, racismo e outros —, mas não devemos perder de vista os verdadeiros ganhos, econômicos e outros, que concretizamos por meio dos mercados livres e do estado de direito. 191
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Visão instantânea da realidade. É demasiado frequente que olhemos para uma parte específica da sociedade, congelada no tempo, e exijamos ação para solucionar um problema. Mas precisamos entender os processos pelos quais as mudanças econômicas e sociais acontecem. Preocupamo-nos com as 40 mil demissões anunciadas pela AT&T, mas não percebemos que as empresas americanas criaram 2 milhões de empregos nos doze meses anteriores, dia a dia, empresa por empresa. Paternalismo. A visão de que outras pessoas não são confiáveis para tomar boas decisões é predominante demais. Raramente exigimos que o governo tome decisões sobre nossa vida, mas muitos de nós nos preocupamos com o fato de que outras pessoas não consigam escolher boas escolas para os filhos e remédios adequados para si mesmos, ou tomar decisões econômicas racionais.
Tendo em mente essas falácias e os princípios de responsabilidade individual, direitos de propriedade, estado de direito e tomada de decisão competitiva, podemos explorar problemas das políticas públicas atuais e ver como resolvê-los.
Restaurando o crescimento econômico
O maior problema aos olhos da maior parte dos americanos dos anos 1990 era preservar e aumentar o crescimento econômico. Há duas afirmações básicas a fazer sobre a prosperidade na América moderna: primeiro, temos mais riqueza — inclusive mais saúde e amenidades ambientais — do que qualquer outro povo na história do mundo jamais teve. (As pessoas em outras democracias capitalistas também gozam de um padrão de vida sem precedentes, mas, em termos de espaço de habitação e bens de consumo, o alemão ou o japonês médio consomem na verdade cerca de 30% a menos que o americano médio.) Segundo, a descoordenação do processo de mercado pelo governo está nos tornando menos prósperos do que poderíamos ser, e essa perda é sentida mais agudamente por aqueles quem têm menos renda e riqueza.
As boas notícias
Para começar, o primeiro ponto: ouvimos muito nos anos 1990 sobre os salários estagnados, a classe média em declínio e o medo de que a geração do pós-guerra não esteja tão bem de vida quanto seus pais e que a geração X não se dará tão bem quanto a geração do pós-guerra. Embora haja preocupações legítimas que vamos considerar depois, não devemos esquecer que desde a Revolução Industrial o capitalismo produziu um padrão de vida que gerações anteriores literalmente nem poderiam ter imaginado. Os críticos do capitalismo agora admitem que os padrões de vida melhoraram até mais ou menos os anos 1970; foi durante as duas últimas décadas, dizem eles,
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que os salários estagnaram e o padrão de vida começou a cair. W. Michael Cox, do Banco Central dos Estados Unidos (Federal Reserve Bank) em Dallas, e Richard Alm, do Dallas Morning News, lançaram um olhar crítico a tais afirmações e descobriram outra história. É verdade que a remuneração horária média sofreu leve queda desde meados da década de 1970, mas a compensação total continuou a aumentar lentamente. Nas décadas de 1970 e 1980, empregados receberam uma parte maior de sua compensação sob a forma de seguro de saúde, contribuições para aposentadoria e outros benefícios, que não são incluídos no cálculo da remuneração horária. Estamos trabalhando mais para ganhar essa remuneração que aumenta lentamente? Não. O americano médio trabalhou 1.903 horas por ano em 1950, 1.743 horas em 1973, e 1.562 horas em 1990. Também passamos menos anos trabalhando, pois começamos mais tarde e nos aposentamos mais cedo do que antes e temos aposentadorias mais longas à medida que aumenta a expectativa de vida. E os bens de consumo? Esses, afinal, são o real objetivo do processo econômico. Não trabalhamos para ganhar dólares, trabalhamos para comprar mais bens e serviços. De acordo com Cox e Alm, entre 1970 e 1990 vimos as seguintes mudanças em nosso padrão de vida: o tamanho médio de uma casa nova aumentou de 140 para 190 metros quadrados. A percentagem de lares com televisão em cores aumentou de 33,9% para 96,1%. O número de lares com TV a cabo aumentou de 4 milhões para 55 milhões, e o número de lares com videocassete aumentou de 0 para 67 milhões. Praticamente ninguém tinha forno de microondas em 1970, o que 79% de nós tínhamos em 1990. Os pobres foram excluídos de todo esse progresso? Por definição, os pobres têm menos do que os não pobres. É por isso que as pessoas tentam se tornar mais prósperas. Mas, quando os produtos são inventados e depois se tornam mais baratos, eles se disseminam pela sociedade. Em 1971, 44,5% de todos os lares tinham uma secadora de roupas; em 1994, 50,2% dos lares pobres tinham uma. Em 1971, 83,3% de todos os lares tinham uma geladeira; em 1994, 97,9% dos lares pobres tinham uma. Ninguém possuía videocassete ou forno de microondas em 1971; em 1994, 60% dos pobres tinham ambos. Também em 1994, 92% dos lares pobres tinham uma televisão em cores, comparados a 43% de todos os lares em 1971. Em 1970, 6,9% das unidades habitacionais americanas não tinham encanamento completo; em 1990, a cifra estava em apenas 1,1%. Os americanos hoje estão mais ricos, saudáveis, seguros e confortáveis do que povo algum jamais esteve na história. Às vezes as pessoas chamam esse crescimento econômico de “milagre”, mas na verdade isso é apenas o que ocorre quando se permite que as pessoas produzam e comerciem em um mundo de direitos de propriedade e estado de direito. O que faz que isso pareça tão miraculoso é que em uma parte tão grande do mundo, por um período tão grande da história, o simples sistema de liberdade natural de Adam Smith foi sufocado e esmagado pelo poder do estado.
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As más notícias
Apesar de tudo isso, os americanos se sentem inquietos. Eles intuem que o padrão de vida não está aumentando tão rápido quanto deveria e que as crianças de hoje talvez não vivam tão bem quanto seus pais. Talvez tenhamos esquecido que a melhora do padrão de vida não é automática; ele tem que ser produzido, mediante trabalho duro e acumulação de capital. Temos realmente um problema e outro maior ainda adiante. Apesar de todos os novos bens de consumo em nossa economia, o crescimento econômico americano desacelerou dramaticamente. Entre 1973 e 1990, o Produto Interno Bruto per capita nos Estados Unidos cresceu apenas 1,5% ao ano, enquanto o PIB japonês aumentou em 3,1% ao ano. A produção real por trabalhador dobrou entre 1947 e 1973, e então quase parou de crescer. Depois de 1973, a compensação por trabalhador cresceu apenas um quinto da cifra anterior. Por que o crescimento econômico diminuiu? Economistas e entendidos ofereceram todo tipo de respostas, e sem dúvida a questão é complexa. Mas a razão mais importante é que o governo tributou, regulamentou e interferiu cada vez mais no processo produtivo das trocas de mercado. Cada troca no mercado dirige recursos para um uso mais eficiente a fim de satisfazer as necessidades do consumidor. Cada ato que obstrui as trocas voluntárias reduz a eficácia do uso dos recursos. Quando os recursos são tomados por meio de tributos daqueles que os conquistaram para serem gastos por funcionários do governo, eles não funcionam tão eficientemente para satisfazer as necessidades dos consumidores quanto os recursos dirigidos por proprietários particulares. Quando a regulamentação proíbe que as pessoas façam trocas que elas em outras circunstâncias considerariam valiosas, a economia fica inevitavelmente menos produtiva. A riqueza amplamente distribuída — isto é, bens e serviços para todos na sociedade — é gerada no mercado pelos indivíduos, ao produzir e fazer trocas uns com os outros. O governo só pode adquirir recursos expropriando-os daqueles que os produzem. Nas últimas décadas, o governo tem tomado cada vez mais riqueza do setor privado. Há muitas formas de medir a depredação do setor produtivo da economia pelo governo. Podemos olhar a taxa do imposto de renda ou o gasto do governo como um todo. Podemos calcular as despesas do governo como fração do Produto Interno Bruto (PIB), mas, como o PIB inclui compras de bens e serviços pelo governo tanto no numerador quanto no denominador, eles são contados duas vezes. Dean Stansel, do Cato Institute, inventou uma maneira melhor de fazer isso, procurando medir os gastos do governo em todos os níveis (federal, estadual e local) como percentagem da riqueza produzida pelo povo americano. Todos os gastos governamentais — seja por tributação, seja por empréstimo — retiram dinheiro do setor privado produtivo da economia e o gastam de acordo com ditames políticos. O cálculo de Stansel mos-
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tra o que está nesta tabela, que poderíamos chamar de Indíce de Depredação pelo Governo. Alguém se admira que a economia tenha desacelerado dramaticamente na época em que a depredação foi acima de 50%? Imagine quão mais forte e produtiva seria nossa economia se o governo parasse de tomar mais da metade da riqueza produzida por homens e mulheres trabalhadores.
Também é instrutivo olhar para os gastos do governo. Os governos nos Estados Unidos agora gastam cerca de 2,6 trilhões de dólares por ano — isso são 2.600.000.000.000, ou soma suficiente para comprar toda a terra produtiva dos Estados Unidos mais todo o estoque das cem maiores corporações do país. Somam-se assim 24 mil dólares por lar anualmente. A próxima tabela mostra quanto esse número cresceu (lembre-se de que esses números são corrigidos pela inflação). É difícil acreditar que esses gastos estejam dando a qualquer família americana o que lhe é devido. Mas não se deve presumir que todo esse dinheiro esteja indo para “desperdício, fraude e abuso”, como o presidente Ronald Reagan costumava dizer. Os gastos federais compram algumas coisas de valor real, inclusive a defesa nacional, as autoestradas interestaduais, o sistema de saúde, a previsão meteorológica e a previdência, bem como outros programas que na verdade são destrutivos, como subsídios a indústrias, proibição de drogas e regulamentações dispendiosas. Ninguém deve presumir que se os gastos do governo fossem cortados iria dispor de milhares de dólares a mais para gastar em carros, roupas e férias. Se o governo não sustentasse
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a Previdência Social, por exemplo — o maior dos programas federais —, cada americano teria que decidir quanto poupar para garantir sua própria aposentadoria. Se os governos locais não oferecessem escolas, os pais teriam que gastar uma parte do dinheiro economizado com a eliminação tributos com educação. O argumento libertário não é que os gastos do governo são inúteis, mas que as pessoas podem obter bens melhores a um preço melhor mediante trocas voluntárias no mercado do que se pode esperar de um monopólio burocrático.
O governo também reduz o crescimento econômico por meio da regulamentação, como se discutiu no capítulo 8. Se fossem adicionados ao Índice de Depredação pelo Governo os 600 bilhões de dólares que o economista da Universidade de Rochester Thomas Hopkins estima que a regulamentação custe para nossa economia, teríamos o governo reduzindo a riqueza real da sociedade ainda mais do que os 55% calculados acima. A maneira de restaurar o crescimento econômico — de impulsionar salários estagnados, elevar o padrão de vida e restaurar a confiança de cada americano em que o futuro será melhor do que o presente — é reduzir o tamanho do governo e devolver a riqueza dos Estados Unidos às pessoas que a produziram. Ao longo deste capítulo, serão discutidas algumas maneiras específicas de reduzir o tamanho do governo, mas o plano básico está claro: 1. Privatizar os serviços do governo. 2. Reduzir gastos, empréstimos e tributação do governo. 3. Desregulamentar o processo de mercado. 4. Devolver aos indivíduos o direito de tomar decisões importantes em sua vida.
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Esse é o caminho tanto para a liberdade individual quanto para o crescimento econômico. Até onde devemos seguir nele? Isso depende de quanta confiança temos na sociedade civil e no processo de mercado. Os libertários afirmam que podemos e devemos percorrer um longo caminho na direção do governo mínimo; fora a proteção de nossos direitos pela polícia, o judiciário e a defesa nacional, é difícil pensar em bens e serviços que pudessem ser produzidos mais eficientemente por uma burocracia governamental do que no mercado competitivo. O respeito à dignidade dos trabalhadores e a virtude da produção e maximização do crescimento econômico podem ser atingidos pela mesma política: redução da tributação. Os governos e os intelectuais da corte frequentemente tentam confundir os contribuintes deslocando a carga tributária de um grupo para outro e especialmente disfarçando o impacto dos tributos, como se discutiu no capítulo 9. Imposto fixo, imposto progressivo, imposto sobre vendas, imposto sobre bens de luxo — certamente há diferenças entre eles, mas a política de tributos libertária básica é reduzir os tributos que pesam sobre todas as pessoas. Até onde é possível reduzi-los? A visão libertária é uma sociedade livre de coerção. Qualquer leitor que achar que os tributos não são coercitivos está convidado a imaginar qual seria a arrecadação do governo se ele anunciasse que não haveria penalidades legais — nada de auditorias, multas, prisão — para as pessoas que escolhessem não pagar seus tributos. A razão pela qual os amáveis defensores dos tributos não propõem um programa tão agradável é porque eles sabem que o povo americano não estaria disposto a entregar metade do dinheiro que ganha ao governo. Como a tributação é coercitiva, o objetivo final dos libertários é eliminá-la. Como, então, pagaríamos pelas legítimas funções do governo — política, judiciário e defesa nacional? Muitas respostas a essa pergunta têm sido oferecidas, mas nenhuma delas é completamente satisfatória. A melhor que podemos oferecer aqui é que temos um bom volume de gastos governamentais e de tributação para cortar antes que cheguemos ao ponto em que a tributação restante vai diretamente para as legítimas funções do governo. Nesse ponto, talvez consigamos ver como até mesmo a tributação coercitiva restante pode ser eliminada. Talvez as pessoas em uma sociedade libertária próspera estivessem dispostas a contribuir, digamos, com 5% de sua renda para um governo que protegesse seus direitos e em contrapartida os deixasse em paz. Talvez as miríades de organizações da sociedade civil — empresas, igrejas, associações comunitárias — estivessem dispostas a produzir a receita necessária. Se não, o objetivo libertário é maximizar a liberdade individual e minimizar a coerção; um governo que nos cobrasse 5% de nossa renda para nos proteger da agressão por concidadãos ou forças estrangeiras estaria bem mais próximo da visão libertária do que o estado expansivo de hoje.
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Como cortar o orçamento
Os libertários querem reduzir os gastos em todos os níveis do governo. Ao longo deste capítulo, vou discutir maneiras de privatizar ou eliminar programas governamentais, que seriam uma forma óbvia de reduzir o orçamento do governo. Aqui estão algumas sugestões para reduções imediatas dos gastos: r Fim do assistencialismo corporativo. O governo federal gasta cerca de 75 bilhões de dólares por ano em programas para beneficiar empresas, e os governos estaduais e locais adicionam outros bilhões. Negócios que estão atendendo bem seus clientes podem sobreviver sem subsídios; negócios que precisam de subsídios não deveriam existir. r Fim dos subsídios agrícolas. Os mesmos princípios são aplicados pelos programas federais de subsídios agrícolas, que custam cerca de 15 bilhões de dólares por ano. Os agricultores deveriam competir no mercado livre, como outros negócios. r Gastar somente o necessário com a defesa nacional. Com o fim da Guerra Fria, em 1991, a única superpotência restante poderia se defender com cerca de metade do que gasta atualmente com as forças armadas, com uma economia de cerca de 120 bilhões de dólares por ano. r Abolir agências federais desnecessárias e destrutivas. Nós passamos quase duzentos anos sem um Departamento de Educação (Department of Education), e há concordância geral no que diz respeito ao fato de que a educação nos Estados Unidos piorou desde a criação do departamento federal, em 1979. O Departamento de Energia (Department of Energy) não produz energia nenhuma. O Departamento de Comércio (Department of Commerce) obstrui o comércio. A Agência de Repressão às Drogas (Drug Enforcement Administration) não consegue impedir o uso de drogas, mas gera um enorme volume de crimes relacionados à proibição. O Departamento de Transportes (Department of Transportation) subsidia projetos de transporte locais que deveriam ser financiados ou pela iniciativa privada ou pelo governo local. r Privatizar a Previdência Social, conforme discutirei em mais detalhes imediatamente abaixo. Isso criaria uma enorme economia do dinheiro dos tributos, mas, mais importante, impediria o eventual colapso do sistema com o qual os americanos contam para ter sua aposentadoria. r Privatizar outros programas e bens do governo, da Amtrak à Tennessee Valley Authority, das terras federais ao Correio dos Estados Unidos. O argumento básico é que proprietários particulares usam os recursos com muito mais cuidado e eficiência do que os governos, então a vantagem real é maior eficiência econômica. Economizar o dinheiro dos tributos é apenas a cereja do bolo.
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O Congresso e as legislaturas estaduais poderiam passar muito tempo cortando os orçamentos dos governos antes de chegar aos seus verdadeiros deveres: proteger nossos direitos por meio da polícia, do judiciário e da defesa nacional. Até esse ponto, qualquer governo que choramingue por causa de recursos limitados ou procure aumentar os tributos é um governo que não está disposto a olhar criticamente para os gastos desnecessários. A economia orçamentária de um Congresso realmente preocupado com os contribuintes seria imensa, bem como o impulso econômico que tal redução no tamanho do governo causaria. Mas a verdadeira razão para eliminar esses programas não é nem sequer orçamentária, mas sim para expandir a liberdade e a responsabilidade individuais e libertar e revigorar a sociedade civil.
Uma aposentadoria segura
O maior programa federal — muito maior do que a defesa nacional — é a Previdência Social, que gastou 334 bilhões de dólares em 1995 e continuará gastando valores exorbitantes nos próximos anos. Os gastos federais totais com benefícios de assistência são de 750 bilhões de dólares, ou cerca de metade do orçamento total (bem mais do que a metade, se não se considerar o pagamento de juros). Em todo o mundo desenvolvido, a principal atividade do governo é transferir dinheiro de algumas pessoas para outras por meio de diversos tipos de programas de benefícios. E, em todo o mundo desenvolvido, há rios de dívidas e o crescente reconhecimento de que esses programas são insustentáveis. Os governos fizeram promessas que não têm a menor chance de cumprir, e há uma possibilidade real de se assistir a tributos nas alturas, colapso econômico, guerra entre gerações ou alguma combinação dessas assustadoras perspectivas. Quando a Previdência Social foi criada, em 1935, parecia uma ótima ideia — aposentadoria para os idosos, tributos muito baixos e nenhum grande gasto governamental por duas décadas. As pessoas começaram a acreditar que estavam pagando pela sua Previdência Social ao contribuir com tributos ao longo dos anos. Na verdade, os tributos nunca foram suficientes para pagar pelos benefícios, mas por décadas isso não teve importância, porque todos estavam pagando, e poucas pessoas aposentadas estavam cobertas pela Previdência. A cada ano de eleição, o Congresso aumentava os benefícios; eles deixavam muitos eleitores felizes, e os eventuais problemas ainda estavam anos à frente. O economista inglês John Maynard Keynes descartou uma reclamação sobre os efeitos de longo prazo de suas políticas dizendo: “A longo prazo estaremos todos mortos”. Bem, no que tange à Previdência Social, o longo prazo chegou, Keynes está morto, e nós ficamos com a conta. E desde a entrada da geração do pós-guerra no auge de seus anos de trabalho remunerado, a Previdência Social está em “superávit”, para usar os termos da contabi-
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lidade. O excesso de renda em relação ao pagamento de benefícios está “investido” inteiramente em apólices da dívida pública, que nada mais são do que promessas de pagamento com os tributos futuros. Já em 1999, os fundos fiduciários combinados da Previdência Social (incluindo o Medicare e o seguro contra invalidez) começarão a entregar essas apólices ao governo federal para pagar benefícios, o que significa que o governo terá que tomar mais empréstimos, aumentar tributos ou cortar outros gastos. Nos próximos anos, o fundo fiduciário do Medicare estará exausto. O principal fundo fiduciário da Previdência Social começará a incorrer em déficit em 2012 e estará exaurido em 2029. O ex-atuário chefe do sistema de Previdência Social, A. Haeworth Robertson, calcula que a Previdência Social custe atualmente 15% da massa salarial tributável, mas que em meados do século XXI vá custar algo entre 26% e 44% da massa salarial tributável. É difícil imaginar que os trabalhadores americanos apoiariam os tributos necessários para pagar pela Previdência Social então. Phillip Longman, em The Return of Thrift [A volta da parcimônia], colocou tudo isso em uma tabela fácil de entender. Com base no ano de seu nascimento, a tabela mostra o que você pode esperar da Previdência Social e do Medicare.
Se você nasceu em...
O principal Fundo de Seguro Hospitalar do Medicare está sob previsão de falência quando você chegar à idade de...
O fundo de pensão e invalidez da Previdência Social está sob previsão de falência quando você chegar à idade de...
Sem mais cortes, benefícios e juros sobre a dívida nacional toda a receita do governo federal terá sido consumida quando você chegar à idade de...
Para oferecer os benefícios da Previdência Social e do Medicare que lhe prometeram quando você chegasse aos 65 anos, o governo terá que aumentar os impostos sobre a massa salarial para...
65 55 45 35 25 15 5
80 70 60 50 40 30 20
77 67 57 47 37 27 17
17,8% 20,0% 26,3% 34,1% 38,4% 41,7% 44,6%
1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995
O grande problema é que, como acontece com qualquer outro programa do governo, os planejadores da Previdência Social não tiveram que pensar no futuro e não foram obrigados a tornar seu programa financeiramente sólido. Em 1935, quando o governo federal escolheu 65 anos como a idade para a aposentadoria, a expectativa de vida média para uma criança nascida naquele ano era de 61 anos. Hoje, a expectativa de vida média é de 76 anos e continua subindo. Enquanto isso, as pessoas estão se
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aposentando mais cedo, somando assim mais anos a ambas as pontas de sua aposentadoria. Em 1950 havia dezesseis contribuintes na Previdência Social para cada beneficiário. Hoje a razão está em 3,3 para um, e provavelmente vai cair para dois para um até 2030. Um sistema como esse não tem condições de ser sustentado. Teremos que fazer grandes mudanças, certamente no sistema de Previdência Social e possivelmente em nossa própria vida. Conforme Longman argumenta, é provável que vejamos a volta de algumas virtudes à moda antiga em resposta ao colapso do estado de bem-estar da classe média: temperança, porque teremos que poupar mais; família, porque precisaremos contar mais com nossos pais e filhos à medida que as promessas do governo se revelam vazias; e o trabalho, porque provavelmente teremos que gastar mais anos trabalhando, conforme o aumento da expectativa de vida. Mas há também uma solução política importante, que pode evitar o colapso da Previdência Social e o caos econômico e o conflito entre gerações que daí resultariam: a privatização. A Previdência Social é financeiramente inconsistente porque é administrada por políticos. É um sistema no modelo de repartição simples: tributa os trabalhadores de hoje e quase imediatamente transfere o dinheiro para os aposentados de hoje. Como uma corrente de mensagens ou um esquema de pirâmide, pode oferecer grandes compensações a quem chega primeiro, mas traz somente perdas para os participantes mais tardios. Um sistema de aposentadoria sólido precisa ser construído sobre poupança e investimento. Os trabalhadores separam dinheiro para sua aposentadoria, e o dinheiro é investido na criação de nova riqueza — por meio de ações, títulos, fundos de investimentos, ou outros investimentos reais — e não transferido diretamente para outras pessoas. Tal poupança contribui para o crescimento econômico real, e o trabalhador individual prospera ao participar desse crescimento. Poderíamos imaginar isso como uma expansão dramática do programa de contas individuais de aposentadoria, que permitisse que as pessoas colocassem não apenas 2 mil dólares mas todo o montante de seus tributos da Previdência Social — ou mais — em contas de aposentadoria isentas de tributos. Para os jovens trabalhadores de hoje, um programa como esse ofereceria a perspectiva de benefícios muito mais altos do que a Previdência Social promete, e as promessas privadas são muito mais garantidas, porque são baseadas em investimento e crescimento econômico. O analista financeiro William G. Shipman calcula que um trabalhador nascido em 1970 que ganhe durante toda a sua vida a renda máxima coberta pela Previdência Social tenha a promessa da Previdência de receber 1.908 dólares por mês (em dólares de 1995). Se ele investisse suas contribuições pagas à Previdência Social no mercado de ações, poderia esperar uma renda mensal de 11.729 dólares. Um trabalhador de baixa renda, ganhando o equivalente a 12.600 dólares por toda a vida, tem a promessa da Previdência Social de receber 769 dólares mensais. Um plano de aposentadoria
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privado investido em ações pagaria 2.419 dólares por mês — ou ele poderia receber um pagamento menor, retirado dos juros de sua poupança e deixar um montante substancial para seus filhos. Os preços das ações sobem e descem; às vezes o mercado quebra; mas, no curso de uma vida de trabalho, investimentos em ações quase sempre sobem nas economias em crescimento. Programas similares já foram instituídos em Cingapura, Chile e Nova Zelândia, e os resultados foram excepcionais. Mais de 90% dos trabalhadores chilenos decidiram abandonar o sistema de pensão do governo e abrir contas privadas, e a economia do Chile cresceu 7% ao ano desde que o país implementou seu programa de aposentadoria individual baseado em poupança real com empresas em competição. Nosso grande erro foi entregar algo tão importante quanto a aposentadoria segura ao sistema político, burocrático e coercitivo. No mundo do futuro, os trabalhadores não poderão contar com o governo para oferecer-lhes uma aposentadoria segura e outros benefícios. Está na hora de deixar as pessoas confiarem em si mesmas, em sua família e em seus próprios investimentos no crescimento dinâmico de um mercado livre.
Cuidados com a saúde
Desde a eleição do ex-presidente Clinton em 1992, o sistema de saúde está no centro dos debates políticos americanos. Os jornais nos falaram dos muitos problemas do nosso atual sistema de saúde: os gastos com saúde vêm crescendo duas vezes mais rápido do que a economia como um todo; subiram de 6% do PNB em 1965 para 14% em 1993; cerca de 35 milhões de americanos não têm seguro de saúde. Estranhamente, apesar de toda a evidência do fracasso dos sistemas compulsórios e burocráticos, geralmente a “solução” apresentada para esses problemas é mais regulamentação, mais gastos governamentais ou simplesmente a estatização da indústria médica. Podemos encontrar uma solução melhor olhando para a verdadeira fonte dos nossos problemas de saúde nacional. Primeiro, devemos notar que os Estados Unidos de fato têm uma cobertura de saúde excelente e muito abrangente. De uma forma ou outra, a vasta maioria dos pobres e não segurados consegue atendimento. Em segundo lugar, devemos reconhecer que os tremendos avanços tecnológicos nos cuidados médicos, tais como tomografias computadorizadas, transplantes de órgãos e outras inovações são caros; melhor atendimento médico frequentemente custa mais dinheiro. Em terceiro lugar, devemos perceber que o aumento da expectativa de vida é uma coisa ótima, mas uma população cada vez mais idosa provavelmente vai gastar mais com saúde. Em quarto lugar, podemos especular que uma população mais rica provavelmente gastará uma parte maior de sua renda em cuidados com a saúde. Gastamos menos do PNB a cada ano em coisas básicas como alimentação e vestuário. Aonde vai o dinheiro que sobra? Para coisas que agora temos dinheiro para pagar, como viagens, entretenimento e melhores cuidados médicos.
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Ainda assim, há em nosso sistema de saúde um grande problema que está aumentando os custos. Hoje, nos Estados Unidos, o problema fundamental com a saúde é que o consumidor não está tomando as decisões. Mercados competitivos produzem bens melhores a custos mais baixos porque cada participante procura satisfazer suas próprias necessidades ao custo mais baixo possível. Mas os pacientes do sistema de saúde americano não pagam diretamente por sua própria saúde. De cada dólar gasto com saúde, 76 centavos são pagos por outra pessoa além do paciente — pelo governo, pelas companhias de seguro ou pelos empregadores. Assim, a maior parte dos pacientes não obtém nenhum benefício ao gastar com sabedoria, nem paga pelas consequências de tomar decisões ruins. Por que os consumidores não pagam pelos seus próprios cuidados médicos? A resposta nos leva a um grande exemplo do círculo vicioso da intervenção governamental, com uma regulamentação criando problemas que levam a mais uma regulamentação e depois a outra. Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo federal impôs controles de preço e salários para disfarçar a enorme inflação que estava gerando ao imprimir dinheiro. O controle de salários tornava difícil segurar os bons empregados ou atrair novos. As empresas tiveram a ideia de oferecer seguro de saúde, um benefício que não estava banido pelos controles de salários. Depois da guerra, o benefício estava tão enraizado que o Congresso decidiu não contar o seguro de saúde como parte da renda tributável do empregado, o que levou outras empresas a oferecê-lo, porque era mais barato tanto para o empregado quanto para o empregador pagar pelo seguro de saúde com o dinheiro da pré-tributação. Como o empregador estava pagando o seguro de saúde e o seguro cobria a maior parte dos cuidados médicos, os pacientes tornaram-se indiferentes aos custos. Que importa se o médico cobra 20 ou 40 dólares, uma vez que não é você quem está pagando? Já em 1965 os pacientes estavam pagando somente 17% dos custos hospitalares (estão em cerca de 5% agora), então esses custos aumentaram de modo muito rápido. Os custos também aumentaram, porque os políticos insistiram em requerer que mais procedimentos fossem cobertos pelo seguro de saúde — de tratamento para abuso de álcool e drogas a fertilização in vitro, de acupuntura a tratamentos experimentais para aids —, em vez de deixar que as diferentes seguradoras e os empregadores oferecessem diferentes planos. Os custos ascendentes eventualmente levaram os empregadores, que estavam pagando as contas, a começar a implementar controles de custos. Cada um de nós controla os próprios custos todos os dias, todas as vezes que toma uma decisão sobre o que comprar e quanto gastar. Cada decisão de gastar é ponderada: preciso mesmo desta camisa nova? Preciso de freio ABS e teto solar? Nenhum de nós faz as mesmas escolhas que faz outra pessoa. Mas terceiros, como os especialistas em benefícios de saúde do empregador, não conhecem nossas preferências tão bem quanto nós mesmos. Então eles limitam os custos de maneira
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tal que eles não se ajustam bem às necessidades de ninguém. Isso significa que os empregados resistem aos controles de custos e veem sob uma luz favorável a ideia da regulamentação pelo governo. Políticos proíbem certas formas de cortes nos custos; eles aprovam leis, por exemplo, exigindo que as mães possam passar duas noites no hospital depois de dar à luz. Parece uma boa ideia, mas será que todas as novas mães insistiriam nisso se elas mesmas estivessem pagando a conta? Enquanto isso, como os consumidores não compram o seguro de saúde diretamente, pois encontram dificuldades em conseguir exatamente os benefícios que desejam; conseguem apenas o que todo mundo na empresa consegue. Se os consumidores estivessem comprando seu próprio seguro de saúde, alguns talvez quisessem cobertura completa para gravidez, benefícios de saúde mental, terapia de casal, acupuntura etc. Outros talvez optassem por pacotes de menor valor. (Os cada vez mais populares planos de benefícios flexíveis dão aos empregados algumas opções, mas geralmente não a opção de receber dinheiro em vez de benefícios; e os planos de saúde flexíveis ainda estão sujeitos a mais de mil leis estaduais obrigando tipos específicos de cobertura.) Como os consumidores não estão pagando pelo seguro, eles têm todo o incentivo para querer o plano completo, com acabamento em ouro, então muitos se voltam para o governo para conseguir que ele se torne obrigatório. É claro, cada novo requisito torna o seguro de saúde proporcionalmente mais caro, e os empregadores se sentem mais pressionados a ou desistir completamente do seguro de saúde, ou implementar o gerenciamento de cuidados ou outras medidas para cortar custos. A insatisfação do consumidor com o gerenciamento de cuidados e políticas similares pode levar à pressão por um seguro de saúde nacional, mas não se engane: em todos os lugares do mundo, o seguro de saúde nacional significa um racionamento feito por uma burocracia muito mais distante do consumidor do que o responsável pelo gerenciamento de cuidados. Na Grã-Bretanha, geralmente se nega diálise renal a pacientes com idade acima de 55 anos, e o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) sugeriu recusar cuidados médicos de custo elevado a fumantes. No Canadá, o tempo de espera médio para se consultar com um especialista depois de ser recomendado por um clínico geral é de cerca de cinco semanas, frequentemente seguidas por outra longa espera pela cirurgia recomendada pelo especialista. O tempo de espera total entre a recomendação do clínico e o tratamento varia de 11,5 semanas em Ontário a 21 semanas na ilha Prince Edward. O sistema canadense economiza dinheiro cortando equipamentos sofisticados: há mais unidades de ressonância magnética no estado de Washington (população de 4,6 milhões) do que em todo o Canadá (população de 26 milhões), e os Estados Unidos têm sete vezes mais unidades per capita de radioterapia para tratamento de câncer do que o Canadá. Na Suécia, a espera por um raio X de coração é de mais de onze meses.
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A França implementou em 1996 medidas para monitorar os custos de cada paciente e penalizar médicos que excedessem orçamentos determinados pelo governo. Como podemos sair desse círculo vicioso? A chave é devolver o controle sobre os cuidados com a saúde aos pacientes. Os consumidores individuais devem decidir quanto de cuidado com saúde — ou seguro de saúde — querem comprar. A maneira de caminhar nessa direção é mediante as contas de poupança médicas, ou Medical Savings Accounts, descritas em Patient Power: Solving America’s Health Care Crisis [Poder ao paciente: resolvendo a crise de saúde nos Estados Unidos], de John C. Goodman e Gerald L. Musgrave. No plano de Patient Power, as pessoas poderiam depositar certa quantia em dinheiro a cada ano em uma conta de poupança médica isenta de tributos, que poderia então ser usada para pagar despesas médicas. A forma lógica de gastar esse dinheiro seria usar parte dele para comprar um seguro “catastrófico” com uma alta franquia, como 3 mil dólares. Então o dinheiro deixado na conta de poupança médica seria usado para pagar despesas médicas de rotina, e o seguro catastrófico estaria lá para os casos de acidente ou doença grave. Um plano como esse seria um retorno ao verdadeiro objetivo do seguro, que é oferecer garantia contra desastres improváveis. Usar “seguro de saúde” para pagar exames de rotina e males menores é como usar um seguro de automóvel para pagar gasolina e calibragem de pneus. A manutenção de sua saúde deveria ser uma despesa normal, incluída no orçamento. O seguro de saúde, como o seguro de automóvel, é comprado para nos resguardar contra a possibilidade de um problema financeiro com que não possamos arcar. Neste momento, em uma cidade com custo de vida médio, os empregadores pagam cerca de 5.200 dólares por ano para oferecer a um empregado e sua família cobertura de seguro de saúde. O plano tem uma baixa franquia, tipicamente 100 ou 250 dólares, o que significa que é isso que o empregado paga a cada ano antes de o seguro entrar em cena. Em contraste, o prêmio de seguro por um plano catastrófico com uma franquia de 3 mil dólares é apenas cerca de 2.200 dólares ao ano. No plano de Patient Power, um empregador poderia oferecer um plano catastrófico e colocar a economia de 3 mil dólares na conta de poupança médica do empregado. O custo é o mesmo para o empregador. O empregado sai em vantagem se tiver menos de 3 mil dólares em despesas médicas no ano, como é caso de 94% das famílias americanas, porque ele pode ficar com o dinheiro em sua conta de poupança médica ou passá-lo adiante para uma conta de aposentadoria individual. O controle individual do dinheiro gasto em saúde também encorajaria as pessoas a praticar estilos de vida saudáveis, já que cada dólar economizado em saúde iria para o próprio bolso do consumidor. O benefício real, porém, é que o plano de Patient Power devolveria a escolha ao consumidor e o controle de custos do consumidor ao negócio da saúde. Assim, os
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consumidores seriam incentivados a perguntar quanto custa um procedimento, se ele é necessário e se outro médico poderia fazê-lo por menos — todas as coisas que perguntamos sobre tudo o que compramos —, porque o dinheiro economizado ficaria com eles. Um teste desse plano feito pela Rand Corporation em 1976 mostrou que os consumidores que tinham cuidados de saúde gratuitos gastavam 45% a mais do que as pessoas que pagavam 95% de suas despesas médicas abaixo do nível catastrófico. E no entanto a saúde nos dois grupos era a mesma. Junto com a devolução do financiamento da saúde ao mercado competitivo, os libertários desregulamentariam o sistema de saúde. Outra razão pela qual os cuidados com a saúde custam tão alto é que a regulamentação da profissão de médico limita o número de médicos (e menor oferta significa preços mais altos, lembre-se) e requer que os pacientes sejam tratados por médicos em vez de outros profissionais de saúde, mesmo em casos em que estes poderiam oferecer cuidados adequados a um custo menor. Muitos estudos mostraram que pessoas qualificadas mas sem formação médica — como parteiras, enfermeiras ou quiropráticos — podem prestar muitos serviços médicos e de saúde tradicionalmente prestados por médicos com resultados de saúde comparáveis, custos menores e alta satisfação por parte do paciente. Mas as leis de licenciamento e as regulamentações federais limitam o escopo de sua prática e restringem o acesso a seus serviços. Em resumo, temos que decidir se queremos uma medicina de mercado ou uma medicina administrada pelo governo. A lição da análise econômica e de nossa experiência de vida real com mercados e governos é que os mercados oferecem bens e serviços melhores, a um custo menor, com mais flexibilidade e inovação, do que as burocracias.
Reduzindo tensões raciais
Você talvez concorde que os mercados geralmente funcionam melhor do que as burocracias e que menos governo levaria a mais crescimento econômico. Mas e as questões sociais? E os males associados de tensões raciais, pobreza e subclasse? Milhões de americanos têm medo de sair de casa à noite; milhões de americanos (alguns deles os mesmos) se sentem permanentemente excluídos do sistema social vigente; as tensões raciais e até mesmo o ódio racial estão crescendo, em uma época em que deveriam estar desaparecendo. Comecemos com a mais disputada questão social: raça. Houve três eras no tratamento dedicado a negros e brancos nos Estados Unidos: a escravidão, que durou quase 250 anos; então, depois de um breve período de tratamento igual, o sistema das leis de Jim Crow, do fim do século XIX até cerca de 1960; e o período contemporâneo, em que a política do governo é caracterizada por direitos eleitorais iguais, assistência social e ação afirmativa. O que essas três eras têm em comum? Exploração? Não exatamente. Discriminação? Não no sentido habitual da palavra. O que elas têm em comum é uma negação da
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humanidade e da individualidade dos negros. De 1619 e 1865, um sistema projetado por brancos negava direitos individuais básicos aos negros. A escravidão como sistema é uma tentativa de fazer que algumas pessoas façam a vontade de outras, como se fossem animais ou máquinas. Era chamada de “roubo de homens” pelos abolicionistas libertários, que a viam como uma tentativa de roubar a própria pessoa do indivíduo. Então as leis de Jim Crow foram criadas para proteger os brancos da competição com os negros e para limitar sua capacidade de participar do mercado livre de trabalho. As leis de Jim Crow desumanizaram os negros ao negar a cada indivíduo a chance de atingir tudo o que seus talentos naturais permitiriam. Depois que as leis de Jim Crow foram desmanteladas, no fim da década de 1950 e início de 1960, parecia que os negros finalmente poderiam ser tratados com igual dignidade nos Estados Unidos. Martin Luther King, Jr. anunciou essa esperança, ao sonhar com “uma nação em que [as pessoas] sejam julgadas não pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter” e chamar a Declaração de Independência e a Constituição de “uma promessa de que todos os homens, sim, tanto negros como brancos, terão garantidos os direitos inalienáveis da vida, da liberdade e da busca da felicidade”. Mas, em vez das garantias simples da Constituição, o governo federal, com a melhor das intenções, lançou a Guerra contra a Pobreza e o sistema de ação afirmativa. Tanto o assistencialismo quanto as políticas de preferência racial tratavam os negros americanos como incapazes de se realizar na sociedade americana sem ajuda. As elites brancas que implementaram essas políticas presumiram que os negros não conseguiriam entrar para a faculdade ou ser contratados para empregos pelos seus méritos individuais, mas que precisariam da ajuda paternalista do governo federal. As políticas tratavam negros não como indivíduos mas como membros de um grupo; o governo mais uma vez negava a pessoalidade individual dos negros americanos. Os estudiosos Glenn C. Loury e Shelby Steele, do Center for New Black Leadership, apontam que a cada pagamento de transferência ou preferência racial recebida por um negro, “um pouco mais do seu destino é tirado de suas mãos”. Hoje em dia, apesar das leis dos direitos civis, da ação afirmativa e das claras evidências do progresso econômico dos negros, as relações raciais nos Estados Unidos parecem mais acrimoniosas do que nunca. Estudantes brancos de faculdades rabiscam epítetos raciais nas portas de estudantes negros e asiáticos, artistas negros conseguem larga audiência para letras de música racistas e antissemitas, igrejas negras no Sul do país e lojas de brancos em Los Angeles são incendiadas, e os ressentimentos não cicatrizam — embora as pesquisas indiquem que negros e brancos querem sinceramente se entender. Tanto negros quanto brancos americanos percebem que, quando falam uns com os outros, sentem-se como embaixadores de sua raça, medindo cuidadosamente as palavras para manter o equilíbrio diplomático apropriado.
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Parece que o estado de bem-estar social e a ação afirmativa tiveram devastadoras e inesperadas consequências. O estado de bem-estar social se combinou com a guerra contra as drogas para criar um horrível volume de violência nos centros metropolitanos, levando residentes de guetos a suspeitar de uma conspiração para destruí-los, e os brancos de classe média a identificar os negros na ausência da lei. A forma de ação afirmativa de um governo coercitivo (junto com corolários como normatização racial e contratos deixados de lado) reflete os piores aspectos do liberalismo de bem-estar social: culpa branca combinada com uma crença não explicitada de que os negros não conseguem se realizar em uma sociedade competitiva sem ajuda e uma preferência por identificação de grupos em vez de capacidades. Preferências raciais fizeram pouco ou nada pelos negros pobres e de baixa escolaridade, causando ao mesmo tempo ressentimento entre os homens brancos, que temem estar perdendo oportunidades de emprego e educação superior que mereceriam ter. Outro problema é o crescimento contínuo do governo. À medida que o governo controla uma parte cada vez maior da sociedade, quem controla o governo se torna mais importante. Se o governo americano toma metade de nossa renda, controla nossas escolas, regula nossos negócios, estabelece cotas para empregos e vagas no ensino superior, subsidia arte e literatura e interfere em nossa vida pessoal, então se torna vitalmente importante garantir que “nós” controlemos o governo. Essa luta política tem um papel na criação de guerras culturais nos Estados Unidos e de guerras reais na Irlanda, África do Sul, na antiga Iugoslávia e em outros estados de várias etnias com governos centralizados. Podemos reduzir as tensões raciais tirando da arena política mais aspectos da vida, deixando que as pessoas trabalhem juntas — ou separadas — pacificamente, de acordo com o processo de mercado. A solução libertária começa com a renovação de nossos esforços para construir uma sociedade baseada nas virtudes da escolha, da responsabilidade e do respeito por si mesmo e pelos outros. Quando elites brancas tentam melhorar a autoestima das minorias e dos pobres garantindo-lhes que eles que não são responsáveis por sua condição — como quando em 1994 o reitor da Universidade Rutgers defendeu as preferências raciais no tocante ao ingresso no ensino superior, dizendo que os negros são “uma população em desvantagem que não tem herança genética para ter uma média mais alta” —, elas estão negando a essas pessoas o respeito por si mesmas que só pode vir de suas conquistas. O governo precisa pelo menos dar a todas as pessoas, independentemente de sua cor, o máximo possível de oportunidades para escolha e responsabilidade — nas escolas, na habitação, na escolha de bairros, e assim por diante —, e então a sociedade deve garantir a todas as pessoas a dignidade de ser consideradas responsáveis pelas consequências de suas ações. O libertarismo é uma filosofia política, não um código moral completo. Ele prescreve algumas regras mínimas para que vivamos juntos em uma sociedade pacífica
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e produtiva — propriedade, contrato, e liberdade — e deixa outros ensinamentos morais para a sociedade civil. Mas sobre essa questão parece ser necessário expressar alguns sentimentos morais que vão além da mera descrição de uma política libertária. Embora tenham dado grandes passos em direção a uma sociedade de dignidade igual para todos, americanos de todas as raças precisam afirmar seu compromisso de elevar-se acima do preconceito racial. Precisamos rejeitar o racismo explícito e odioso de qualquer fonte, seja ele vindo de David Duke ou Al Sharpton. Devemos condenar especialmente a violência racialmente motivada, do assassinato de um jovem rapaz do Kentucky com uma bandeira confederada em sua picape ao assassinato de um negro que se aventurou na vizinhança de Bensonhurst, no Brooklyn, passando pelo assassinato um americano de ascendência chinesa em Detroit por dois trabalhadores desempregados da indústria automobilística que pensaram que a vítima fosse japonesa. Os brancos carregam um fardo especial nesse ponto. Seu compromisso com uma sociedade que não faz distinção de cores está frequentemente sob suspeita. Conservadores como Strom Thurmond e Jesse Helms nunca reclamaram quando crianças negras passavam pelas escolas brancas em seus ônibus, a caminho das distantes escolas negras, ou quando os direitos eleitorais ou bons empregos eram reservados aos brancos. Assim, suas atuais denúncias sobre zoneamento escolar orientado no sentido da integração racial ou preferências raciais soam vazias. De muitas formas, a consciência de raça está em lento declínio nos Estados Unidos. Muitas vezes podemos observar diferenças claras na atitude racial entre as gerações de uma mesma família. As faculdades relatam que um número significativo e cada vez maior de candidatos tem se recusado a declarar sua raça nos formulários de sua candidatura, um fenômeno que provavelmente reflete tanto o medo de “discriminação reversa” por parte de alguns estudantes quanto a rejeição da consciência de raça por outros. O número de casamentos inter-raciais, um dos mais claros indicadores de diminuição do preconceito, está crescendo — mas isso preocupa algumas pessoas cujo cacife político depende da consciência de raça. Perguntado sobre a inclusão de uma categoria “multirracial” nos formulários do censo, o funcionário da National Association for the Advancement of Colored People Wade Henderson respondeu: “Se as pessoas são classificadas ou não se incluem nas categorias estabelecidas, como vamos assegurar que a execução dos estatutos faça sentido?”. Parece que para algumas pessoas a manutenção de um sistema complexo de “direitos” raciais se tornou mais importante do que a superação do racismo. Os antirracistas devem confiar mais nos libertários do que em outros grupos políticos, porque o compromisso libertário com a neutralidade do governo vai muito além da raça. Libertários rejeitam todos os privilégios e “direitos” criados pelo governo, mas pedem que ele seja escrupulosamente neutro na aplicação dos direitos
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individuais. Eles têm muito mais chances de manter sua palavra do que os estatistas, que nos asseguram que os usos que fazem do poder do estado serão inteiramente benignos. Os americanos brancos negaram a individualidade aos negros e os trataram como uma classe especial por cerca de 380 anos. Está na hora de tentar a dignidade individual, os direitos individuais e a responsabilidade individual para todos os americanos.
Libertando os pobres
A condição dos pobres, especialmente nos centros metropolitanos, é um dos maiores problemas com que se defrontam hoje os Estados Unidos. A acusação de que o mercado livre deixa para trás os pobres é também uma das críticas mais comuns ao libertarismo. É verdade, como se observou antes, que as pessoas pobres nos Estados Unidos, hoje, têm um padrão de vida material muito mais alto do que o desfrutado pela maior parte das pessoas ao longo da história. Quarenta por cento dos americanos abaixo da linha de pobreza têm casa própria, 92% têm televisão em cores e sua expectativa de vida é de mais de 70 anos. Mas “melhor do que no passado” não é suficiente. Há pessoas pobres nos Estados Unidos que realmente vivem em lamentável pobreza, privadas mais de esperança do que de bens materiais. Elas se encolhem de medo dos criminosos de seus bairros; não têm emprego ou esperança de se aprimorar; não esperam que seus filhos tenham uma vida melhor e lhes transmitem o tipo de valores que faz que essas baixas expectativas se concretizem. Essas pessoas são comumente chamadas de subclasse. Seus bairros são marcados pelo estado civil de solteira de mais de 80% das mães, uma ausência quase total de pais, uma opressiva dependência da assistência do governo e taxas de criminalidade extraordinárias. Embora sempre tenha havido pobreza, a condição da subclasse parece ter piorado marcadamente em apenas poucas décadas. O distinto sociólogo William Julius Wilson descreveu como “os negros no Harlem e em outras vizinhanças de guetos não hesitavam em dormir em parques, escadas de incêndio externas e telhados em noites quentes de verão dos anos 1940 e 1950, e os brancos frequentemente visitavam tavernas e clubes noturnos nas mesmas vizinhanças”. Bem melhor do que estatísticas, esse tipo de reflexão histórica nos lembra de quão inabitáveis se tornaram as áreas centrais de nossas grandes cidades em pouco mais do que uma geração. Muitas pessoas preocupadas com os pobres argumentam que o governo deveria gastar mais em programas para ajudá-las. No entanto, desde o começo da Grande Sociedade em 1965, gastamos mais de 5 trilhões de dólares em programas contra a pobreza. Estamos gastando mais de 300 bilhões de dólares por ano hoje. E os problemas pioraram. O índice de pobreza — que caiu dramaticamente entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos 1960 — se nivelou depois que a Grande Sociedade começou e se manteve bastante estável desde então. O problema hoje é que os pobres urbanos estão presos em uma armadilha que tem dois lados. De um lado, as regulamentações do governo, como as leis do salário
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mínimo e de exercício profissional, tornam difícil que pessoas pouco qualificadas encontrem emprego. Por outro lado, os programas de assistência oferecem uma forma de sobreviver sem trabalho. É fácil ficar preso na dependência. Praticamente ninguém nos Estados Unidos cai abaixo da linha de pobreza se fizer três coisas: completar o ensino médio, não engravidar fora do casamento e conseguir um emprego, qualquer que seja ele. O primeiro emprego pode não pagar um salário acima da linha de pobreza, mas pessoas que adquirem alguma experiência de trabalho não ficam em emprego de salário mínimo por muito tempo. A questão com que os dirigentes se deparam é: como encorajar os jovens americanos, especialmente os jovens pobres, a fazer escolhas que os afastarão da pobreza? Temos que reconhecer que esses três passos simples para evitar a pobreza não parecem tão atraentes quando você está no ensino médio em um bairro no qual poucas pessoas trabalham. O assistencialismo pode parecer uma escolha racional. De fato, um estudo de 1996 descobriu que os benefícios do governo (incluindo o Medicaid e a assistência de habitação) pagam melhor do que um emprego de salário mínimo em todos os cinquenta estados e melhor do que o salário inicial de uma secretária em 29 deles. A dura verdade é que, enquanto o estado de bem-estar social tornar possível que jovens mulheres — ou garotas adolescentes — tenham filhos mas não um marido e sobrevivam sem um emprego, a taxa de natalidade fora do casamento continuará catastroficamente alta (chegando a 68% entre os negros e 23% entre os brancos, segundo cálculos mais recentes), e as áreas centrais metropolitanas continuarão a ser marcadas pelo crime, pela pobreza e pelo desespero. Reformas improvisadas — exigência de emprego, de assiduidade à escola por no mínimo dois anos — não vão funcionar. O único jeito de quebrar o ciclo de maternidade fora do casamento, crianças sem pai, pobreza, crime e assistencialismo é reconhecer que a assistência do governo cria mais problemas do que os resolve. O que aconteceria a potenciais beneficiários do assistencialismo se ele não estivesse disponível? Muitos conseguiriam empregos. Para ajudar o processo, devemos remover os impedimentos aos trabalhos de baixa qualificação. Revogar a lei de salário mínimo para que as pessoas consigam o tão importante primeiro emprego e adquiram as habilidades que as ajudarão a conseguir empregos melhores. Revogar as leis de exercício profissional que impedem que as pessoas se tornem cabeleireiras, motoristas de táxi etc. Reduzir os tributos e a burocracia para que mais pessoas possam abrir empresas. E reduzir o crime — sobre o qual falarei mais depois — para que as pessoas estejam mais dispostas a abrir negócios em áreas metropolitanas. Em seu clássico livro de 1969, The Economy of Cities [A economia das cidades], Jane Jacobs escreveu: “A pobreza não tem causas. Somente a prosperidade tem causas”. Ela tinha razão; queremos trazer mais pessoas para o mundo do trabalho, para que elas possam criar prosperidade para si mesmas. Algumas adolescentes ainda vão ficar grávidas, é claro; continuará a haver pessoas impossibilitadas de trabalhar ou precisando de ajuda. Muitas delas vão depender da família,
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a instituição básica da sociedade civil. As famílias podem ajudar seus membros ociosos de duas maneiras básicas: simplesmente acolhendo-os, naturalmente, ou dando-lhes assistência financeira ou de outra natureza — mas também transmitindo-lhes valores e ajudando-os a aprender a conduta correta. Saber que não haverá assistência do governo disponível será um grande incentivo para fazer que as mães transmitam a suas filhas a importância de evitar a gravidez e continuar na escola. Nenhum assistente social tem tantas chances de oferecer a combinação certa de amor e rigor quanto um parente. Quando falham o trabalho e a família, as outras instituições da sociedade civil entram em cena, especialmente instituições de caridade. Discutimos no capítulo 7 a ajuda mútua, que é uma parte importante para se evitar a pobreza, que deveria ser ainda mais importante; aqui enfocaremos a caridade. Na discussão recente de corte dos gastos do governo com programas assistenciais, muitas das principais instituições de caridade avisaram que não podem assumir todas as responsabilidades do governo; dizem que não têm tanto dinheiro. Bem, é claro que não têm. Mas a questão é que os programas do governo fracassaram. A solução não é replicá-los. Se o governo parasse de incentivar a irresponsabilidade, haveria menos necessidade de caridade. E instituições particulares de caridade podem fazer bem mais com menos dinheiro do que as burocracias do governo. A Sister Connie Driscoll’s House of Hope, em Chicago, ajuda mulheres sem-teto a um custo de menos de 7 dólares por dia, enquanto são gastos 22 dólares diários em abrigos financiados pelo governo. E no entanto a House of Hope tem um índice de sucesso fenomenal, com menos de 6% das mulheres lá atendidas retornando às ruas. A Gospel Mission existe em Washington, D.C., desde 1906. Opera um abrigo para pessoas sem-teto, um banco de alimentos e um centro de tratamento de abuso de drogas, seguindo o princípio de que ninguém deve receber algo em troca de nada. As pessoas têm que pagar ou 3 dólares por noite ou oferecer uma hora de trabalho em troca de abrigo por uma noite. O reverendo John Woods, diretor da missão, diz: “A compaixão está em tirar as pessoas das ruas e não em se deitar lá com elas e ser simpático. Essas pessoas precisam de responsabilidade”. Quase dois terços dos viciados que completam o programa de tratamento não voltam a usar drogas. Um centro de tratamento próximo, administrado pelo governo, tem um índice de sucesso de 10% a um custo por cliente vinte vezes maior. No país inteiro, há milhares de pequenas organizações de caridade locais ajudando os pobres. Os americanos dão mais de 125 bilhões de dólares e vinte bilhões de horas por ano para a caridade. Se os tributos fossem mais baixos e as pessoas compreendessem que o governo estava entregando a responsabilidade pela caridade para a sociedade civil, elas doariam bem mais. Se você não está convencido de que a caridade privada pode substituir a assistência do governo, pergunte-se o seguinte: suponha que você ganhasse 100 mil dólares
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na loteria. Mas há uma condição: teria que gastá-los ajudando os pobres. Você daria o dinheiro ao Departamento Nacional de Saúde e Serviços Humanos, sua agência estadual de serviços humanos, ou a uma instituição de caridade privada? A maior parte das pessoas não hesitaria em doar a uma caridade privada.
Crime
Os horrendos níveis de crimes violentos nos Estados Unidos tornam inabitáveis as áreas centrais de nossas metrópoles, levam a classe média para fora das cidades e aumentam as tensões sociais. Embora nos digam que o crime diminuiu nos últimos anos, precisamos colocar essa afirmação em perspectiva. Em 1951, a cidade de Nova York teve 244 assassinatos; com a mesma população, a média anual foi de mais de 2 mil nos anos 1990. Em 1965, em Milwaukee houve 27 assassinatos e 214 assaltos; em 1990, 165 assassinatos e 4.472 assaltos. E a situação pode piorar drasticamente nos próximos anos. Para o ano 2000, projeções já indicavam 500 mil rapazes adolescentes a mais do que havia em 1995. Criminologistas advertem que eles serão mais propensos ao crime e mais violentos do que as gerações anteriores, em grande parte porque cresceram sem pai e em comunidades sem pais. O professor da Universidade Princeton John DiIulio Jr. entrevistou homens em uma prisão de segurança máxima e descobriu que eles têm medo dos jovens predadores de hoje. A primeira exigência da sociedade civil é proteger os cidadãos da violência. Nosso governo está fracassando dramaticamente nessa tarefa, e precisamos de uma nova abordagem para lidar com o crime. Primeiro, devemos lembrar que, sob a Constituição, a luta contra o crime é uma questão dos governos municipais e estaduais. Não há autoridade constitucional para um código federal de crimes em geral; as propostas recentes de “leis de prevenção ao crime” são motivadas inteiramente por política, e na melhor das hipóteses, não terão efeito sobre os índices de criminalidade. Segundo, devemos lembrar que cerca de 80% dos crimes reais — assassinato, estupro, agressão e roubo — são cometidos por 20% dos criminosos. As agências estaduais de execução da lei devem concentrar seus recursos em criminosos perigosos reincidentes e tirá-los das ruas. A longo prazo, a coisa mais importante que os Estados poderiam fazer é mudar os sistemas assistenciais que estão elevando a taxa de crianças sem pais. Os meninos, especialmente os de comunidades sem pais, são os principais perpretadores de crimes violentos em nossas cidades hoje. Os pais ensinam e mostram aos meninos como lidar com sua agressividade natural e como se tornar homens adultos fortes e controlados. Meninos sem pai constituem 72% de todos os adolescentes assassinos e 70% dos presos condenados a longas penas. Mais de imediato, a principal coisa que os estados podem fazer para reduzir o crime é legalizar as drogas. Nossas políticas atuais levam os preços das drogas às
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alturas e fazem que seu tráfico pareça a opção mais lucrativa e charmosa disponível para muitos jovens dos centros metropolitanos. Dada a qualidade pobre das escolas das metrópoles, muitos jovens veem como opção o “troco miúdo” no McDonald’s, a assistência do governo ou a venda de drogas. Mas, assim como ocorreu com a proibição do álcool nos anos 1920, a das drogas garante que elas serão vendidas por criminosos. Os viciados têm que cometer crimes para pagar por um vício que seria facilmente financiável (e mais seguro) se fosse legal. Os traficantes não têm como resolver conflitos senão com tiros. Se as drogas fossem produzidas por firmas de boa reputação e vendidas junto com o álcool, menos pessoas morreriam de overdose ou devido a drogas em mau estado, e menos pessoas seriam vítimas de assaltos, roubos e tiroteios relacionados com sua proibição. Se há limites ao poder do estado sobre os indivíduos, sem dúvida ele não deveria poder regulamentar o que colocamos em nosso corpo. A proibição das drogas é tão repressiva quanto contraproducente. Se dermos fim à proibição das drogas, liberaremos recursos policiais, o tempo do Judiciário e celas na prisão para criminosos violentos. Nosso objetivo para tais delinquentes deve ser punição rápida, garantida e severa. A gravidade da punição apropriada para crimes violentos está relacionada à gravidade do problema da criminalidade enfrentado pela sociedade. Como a criminalidade nos Estados Unidos é extremamente grave, provavelmente devemos aumentar a severidade das punições para crimes reais como assaltos, agressões físicas, estupros e assassinatos. Devemos então implementar leis exigindo sentenças transparentes, para que a comunidade saiba que um criminoso vai de fato cumprir a sentença que lhe for dada; leis agravando a punição de criminosos reincidentes ante o terceiro crime violento; e, dado nosso horrível problema de crimes juvenis, sentenças mais duras do que temos dado aos jovens criminosos. Ao implementar tais políticas, no entanto, precisamos reafirmar nosso compromisso com as liberdades civis. Conservadores gostam de queixar-se dos “direitos dos criminosos”; o termo apropriado seria “direitos do acusado”, e essa é uma distinção importante para aqueles de nós que não pretendem jamais se tornar criminosos mas podem imaginar algum dia ser acusados de um crime, especialmente nos dias atuais, com essa profusão de leis. Podemos melhorar nossos esforços contra o crime sem dar à polícia carta branca para revistar nossos carros, escritórios e casas sem um mandado ou nem mesmo uma batida na porta; sem deixar que a polícia apreenda propriedades sob regras de “confisco civil” cada vez mais frouxas; sem que nos tornemos vítimas de grampeamento e outras formas de vigilância eletrônica. Uma solução popular que não vai reduzir o crime é o controle de armas. Há mais de duzentos milhões de armas na posse de particulares nos Estados unidos, e nenhuma medida de controle de armas vai mudar isso. Os cidadãos cumpridores da lei têm o direito natural e constitucional de possuir e portar armas, não apenas para caçar mas para autodefesa e como último recurso na defesa da liberdade.
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Finalmente, uma solução frequentemente negligenciada para o crime é a privatização. A proteção aos direitos é o propósito legítimo e fundamental do governo, mas isso não o torna necessariamente melhor nessa tarefa do que em outras. Os americanos já empregam cerca de 1,5 milhão de seguranças privados, mais ou menos três vezes mais homens do que são empregados pelos governos estaduais e locais. Há não muito tempo, jantei em um restaurante depois de uma noite de compras, por isso já era bem tarde quando saí de lá. Enquanto caminhava pelas ruas desertas e lojas gradeadas, ocorreu-me que eu não estava com medo. Por quê? Porque estava em uma comunidade privada, um shopping center. Esses locais têm mais incentivo e maior capacidade para manter a ordem do que os governos, que é o motivo pelo qual as pessoas cada vez mais fazem compras em shoppings e até moram em condomínios fechados. Nessa área, como em tantas outras, um estreitamento da sociedade política e mais confiança na sociedade civil nos beneficiariam a todos.
Valores familiares
A família é a instituição básica da sociedade civil, e pessoas de todos os lados do espectro político começaram a expressar preocupação com seu aparente declínio. O estado, ao se expandir e tirar o lugar da associação voluntária, da liberdade e da responsabilidade, criou sociedades atomizadas. Não é o libertarismo que é “atomista”, e sim o estatismo assistencialista. O problema é mais notável no crescimento rápido da taxa de crianças sem pai, de 5% em 1960 a 30% hoje. Duas décadas de pesquisas em ciências sociais nos lembraram do que havíamos esquecido sobre milênios de experiência: crianças precisam de pai, tanto por razões emocionais quanto financeiras. Mães sozinhas — especialmente mães adolescentes, sem experiência — têm grandes dificuldades para sustentar uma família, motivo pelo qual as crianças que vivem em lares sem pai têm cinco vezes probabilidade de ser pobres. O maior problema é que mães sozinhas encontram dificuldades para controlar — isto é, civilizar — meninos adolescentes. Garotos adolescentes fora de controle tornaram nossos centros metropolitanos um pesadelo, marcado por tiroteios e crianças com medo de brincar na rua. Temos dado pouca atenção a um problema menos dramático na criação de filhos: os efeitos do divórcio sobre as crianças. A cada ano, o número de filhos de pais separados ou divorciados aumenta em relação ao número de crianças que nascem dentro de um casamento. A maior parte dos homens e mulheres divorciados diz que está melhor fora do casamento, mas muitas crianças sofrem. Dez anos depois de um divórcio, mais de dois terços das crianças já estão sem ver o pai há um ano. Crianças de famílias desfeitas têm quase duas vezes mais probabilidade de abandonar o ensino médio do que as de famílias intactas; jovens adultos de famílias desfeitas são quase duas vezes mais carentes de assistência psicológica.
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Alguns comunitaristas e “defensores da família”, tanto na esquerda quanto na direita, culpam o capitalismo pelos problemas da família, e eles não estão de todo errados. Liberdade significa que as pessoas podem fazer suas próprias escolhas, e melhores condições de vida lhes dão os meios de deixar suas famílias e irem viver sozinhas. (Mas, não esqueça, a opressão e a pobreza na Europa impeliram milhares de pessoas a abandonar a família e cruzar o Atlântico em busca de liberdade e uma vida melhor.) A riqueza e a tecnologia do capitalismo produziram métodos anticoncepcionais eficientes, que ajudaram a criar uma revolução nos costumes sexuais, que por sua vez pode ter levado não só a casamentos mais tardios para muitos como também a índices mais altos de divórcio. Ainda assim, famílias se formam e persistem, não simplesmente porque as pessoas não tenham outras escolhas, mas porque desejam e precisam do conforto e da estrutura da família. Em nosso tempo, de algumas maneiras óbvias e outras não tão óbvias, o governo enfraqueceu as famílias. A mais óbvia é que o sistema assistencialista torna possível que mulheres jovens tenham filhos fora do casamento e sobrevivam com algum grau de conforto. Em gerações anteriores, as mães ensinavam às filhas que um filho ilegítimo seria um desastre. Muito do estigma moral em torno da ilegitimidade em última análise teve origem na realidade bastante prática de que ela imporia uma carga financeira sobre a família ou até a uma pequena comunidade. Quando o assistencialismo do governo removeu essa carga, o estigma entrou em rápido declínio e as taxas de ilegitimidade foram às alturas. Mas esse é apenas o impacto mais óbvio do governo sobre a família. Em 1950, a família americana mediana pagava 5% de sua renda em imposto de renda federal; hoje a cifra para a família mediana é de 24%. As mulheres devem ter o direito de trabalhar, mas os altos tributos estão forçando mães que prefeririam ficar em casa com seus filhos a ir para o trabalho. Leis de zoneamento obscuras em muitas cidades tornaram ilegais os granny flats, como são conhecidos nos Estados Unidos os apartamentos localizados no fundo das casas, com entrada separada, um ótimo lugar para que um avô ou avó contem com a combinação certa de proximidade e independência. É claro que as pessoas talvez não queiram ter a sogra morando nos fundos de sua casa. Afinal, o maior de todos os programas do governo, a Previdência Social, com certeza afrouxou os vínculos familiares. Antes da Previdência Social, muitas pessoas mais idosas contavam com os filhos para ter sustento, o que mantinha os laços familiares mais fortes por toda a vida. Hoje em dia, esperamos que o governo sustente nossos pais. Um amigo uma vez me disse, quando eu avisava a respeito dos apuros financeiros da Previdência Social: “Se custa 200 bilhões de dólares por ano manter minha mãe fora de minha casa, vale cada centavo”. Compreensível, talvez, em alguns casos, mas dúbio como política social. Claro, nós também esperamos que o governo ofereça cuidados para nossos filhos, que os eduque, mantenha as escolas abertas até
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as dezoito horas, como se fossem creches. Por que a família não declinaria, quando o governou usurpou a responsabilidade por crianças e idosos? Os libertários não acham que o governo precise apoiar ou encorajar as famílias tradicionais, como defendem os conservadores moralistas. O governo precisa apenas parar de minar as famílias, para que as pessoas então formem o tipo de família que desejarem. Idealmente, os libertários gostariam que o governo se afastasse totalmente das questões de família e casamento. Por que o governo deveria emitir licenças para casamentos? Casamento é um acordo voluntário, um contrato, que para muitas pessoas tem um profundo significado religioso. O que isso tem a ver com o governo? Devemos voltar à noção de casamento como um contrato civil para todos e um pacto religioso para aqueles que assim escolhem. Uma política como essa poderia até dar força ao casamento. O estado vem regulamentando pesadamente o casamento, oferecendo o que é essencialmente um contrato feito pela mesma fôrma para todos os casais. À medida que os costumes sociais foram mudando — com famílias menores e mais mulheres escolhendo trabalhar fora — o contrato do estado se tornou inadequado para mais famílias. Os casais deveriam poder escrever seus próprios contratos, e os tribunais deveriam lhes dar o mesmo respeito que recebem os contratos comerciais. Enquanto o estado conceder licenças para casamento, deve fazer isso sobre bases não discriminatórias. Foi errado que os estados negassem licenças de casamento a casais inter-raciais, e foi uma caricatura de justiça que a Suprema Corte não derrubasse essa discriminação até 1967. Da mesma forma, é errado hoje negar aos casais homossexuais o direito de se casar. Jonathan Rauch defende a ideia de que há três grandes benefícios sociais no casamento — uma criação estável para os filhos, a domesticação dos homens e a criação do compromisso de cuidar do cônjuge na doença e na idade avançada — e que pelo menos os dois últimos se aplicam claramente a relacionamentos homossexuais masculinos, enquanto o terceiro e possivelmente o primeiro se aplicariam aos casais homossexuais femininos. E há, é claro, também a questão básica de dignidade humana, de poder fazer uma declaração pública de amor e comprometimento. É difícil ver como a aceitação dos casamentos homossexuais iria enfraquecer qualquer outro casamento, como alegam alguns conservadores; uma coisa que casais homossexuais raramente fazem é pôr no mundo crianças sem pai, e certamente é bom para a instituição do casamento que mais pessoas se casem.
Educação
A esta altura a posição libertária sobre educação deve estar bastante clara. A educação é o processo pelo qual passamos adiante não apenas o conhecimento mas valores essenciais em nossa civilização. Como a educação envolve ensinar às crianças o certo e o errado, e o que é importante na vida, ela deve ser controlada por famílias
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individuais, não por políticos ou burocratas. Nenhum sistema monopolista pode refletir adequadamente os valores de todos os pais em uma sociedade diversificada, e é o cúmulo da arrogância sugerir que elites políticas devam se sobrepor aos pais no que toca a decidir o que ensinar às crianças. Além disso, é claro, um monopólio burocrático é uma forma altamente ineficiente de oferecer serviços de valor. Se não temos mais nenhuma confiança na capacidade do estado para produzir aço, por que deveríamos esperar que ele fosse bem-sucedido na tarefa muito mais sutil e complexa de transmitir conhecimento e valores a milhões de crianças diferentes? Devemos ter em mente a sarcástica observação de Mark Twain: “Nunca deixei minha escolarização interferir em minha educação”. A educação acontece de muitas formas diferentes; não devemos achar que o atual sistema escolar está gravado em pedra.
A falha básica do sistema de escolas públicas americanas pode ser vista no gráfico. Como o gasto real (ajustado pela inflação) triplicou em trinta anos, os resultados nos exames padronizados afundaram e depois se estabilizaram. Desde a Segunda Guerra Mundial, as escolas e os distritos escolares têm ficado maiores, tornando-os ainda mais inacessíveis ao controle da comunidade e cada vez mais burocráticos. De 1960 a 1984, o índice de matrículas nas escolas americanas aumentou 9%, enquanto o número de professores subiu 57% e o número de diretores e supervisores cresceu 79%. Enquanto isso, o número de funcionários que não eram nem professores, nem
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supervisores aumentou 500% — e, no entanto, de alguma forma, cada vez que um sistema escolar é ameaçado com cortes no orçamento, anuncia-se que será preciso dispensar professores e não burocratas. O sistema de escolas públicas da cidade de Nova York tem 6 mil burocratas em seu escritório central, enquanto o sistema de escolas católicas de Nova York atende um quarto do número de alunos com apenas trinta funcionários administrativos centrais. Não só os resultados em exames estão piorando, como os empresários vêm reclamando que os alunos formados nas escolas americanas não estão preparados para o trabalho. Nas pesquisas, os alunos americanos dizem aos entrevistadores que suas habilidades de leitura, redação e matemática são boas, mas os empregadores pensam diferente. Em uma pesquisa, apenas 22% dos empregadores achavam que os empregados com ensino médio completo que haviam recém-contratado tinham habilidades matemáticas suficientes, e somente 30% estavam satisfeitos com as habilidades de leitura de seus novos contratados. Quando a BellSouth testou candidatos a técnico, somente 8% passaram. A Motorola gasta 1.350 dólares por empregado a cada ano ensinando capacidades básicas. Muitas empresas estão reescrevendo manuais para se adaptar à baixa capacidade de leitura ou projetando tecnologias que não requeiram habilidades de leitura ou matemática. As escolas não estão produzindo uma força de trabalho preparada para a competição global. Cada forma de comunicação e transferência de informação em nossa sociedade foi revolucionada nos últimos vinte anos, e no entanto nossas escolas ainda funcionam exatamente como há duzentos anos — um professor dando aula na frente de trinta alunos, com o dia letivo e o ano letivo orientados pelo ritmo de uma sociedade agrícola. Podemos somente imaginar as inovações dinâmicas no aprendizado que empresas com fins lucrativos poderiam ter produzido se estivessem provendo educação. Os libertários querem tirar a educação do estado burocrático e fazê-la verdadeiramente reativa aos alunos e pais. Escolas particulares fazem um trabalho muito melhor na educação dos alunos, mas a maior parte dos pais encontra dificuldades para pagar uma vez pelo sistema de escola pública e outra pela particular. Se eles não tivessem que pagar tributos para manutenção das escolas, teriam dinheiro para pagar pela educação no mercado. Ou, se os tributos fossem mais baixos, seria viável para mais famílias que um dos pais ficasse em casa para educar seus filhos. Muitas pessoas temem que as crianças não seriam educadas se a escolarização não fosse gratuita e compulsória. Evidências históricas mostram que na Inglaterra e nos Estados Unidos a vasta maioria das crianças já era educada antes de o governo assumir a escolarização. Até o senador Edward M. Kennedy, que não era nenhum fã da sociedade civil ou do processo de mercado, afirmou que a taxa de alfabetização era mais alta antes do advento da educação pública do que é hoje — o que nos faz pensar por que ele quer pôr mais e mais dinheiro em um sistema governamental que está dando resultados tão maus.
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Para pessoas simpáticas a esses argumentos mas não exatamente convencidas de que um mercado totalmente livre fosse capaz de prover educação suficiente, os libertários oferecem alguns passos moderados na direção da liberdade na educação. Poderíamos pegar o dinheiro que gastamos hoje com alunos de escolas públicas — cerca de 6.800 dólares por aluno ao ano — e dá-lo diretamente às famílias sob a forma de uma bolsa ou vale, para ser gasto na escola pública ou privada de sua escolha. Dessa forma, a educação ainda seria financiada pela tributação compulsória, mas pelo menos os pais poderiam escolher o tipo de escola que querem para seus filhos. Melhor ainda seria esperar que as famílias ricas e de classe média pagassem pela educação de seus próprios filhos — certamente a educação deve ser considerada um custo básico da criação de filhos — mas oferecessem um vale financiado por tributos para as crianças pobres. Isso permitiria uma redução significativa nos tributos sobre as escolas, o que possibilitaria que a maior parte dos pais pagassem eles mesmos pela educação. Como as fábricas soviéticas de alguns anos atrás, as escolas americanas de hoje são tecnologicamente atrasadas, inchadas, inflexíveis, indiferentes à demanda dos consumidores e operadas para a conveniência dos altos burocratas. Precisamos abrir essa indústria de educação de 300 bilhões de dólares por ano para deixar entrar o processo de mercado. Imagine as formas que as escolas que competem pelo dinheiro dos pais encontrariam para atender às necessidades dos estudantes. A tecnologia educacional está na infância, mas é só criar um mercado para vermos bilhões sendo gastos em pesquisa e desenvolvimento. Veríamos escolas respeitando os valores dos pais e acolhendo com prazer seu envolvimento. Veríamos, nas palavras de um talentoso educador, que “não precisamos preparar as crianças para a escola, precisamos preparar a escola para as crianças”. É isso que acontece nos mercados.
Protegendo as liberdades civis
Como já dissemos, o libertarismo é a visão de que cada pessoa tem o direito de viver sua vida da maneira que desejar, contanto que respeite os direitos iguais das outras pessoas. Assim, os libertários se opõem a restrições governamentais ao comportamento individual quando esse comportamento não infringe os direitos dos outros. Isso não significa necessariamente aprovar ou endossar qualquer comportamento específico; significa apenas que o poder coercitivo do estado deve ser limitado à proteção de nossos direitos. Seria impossível fazer uma lista de todas as liberdades civis que temos; tendemos a identificar liberdades civis específicas à medida que o estado tenta restringi-las. A Declaração de Direitos refletiu a experiência particular dos Pais Fundadores com as restrições britânicas aos direitos individuais; mas, reconhecendo que era impossível enumerar todos os direitos individuais, eles adicionaram a Nona Emenda — reservando aos indivíduos outros direitos não enumerados — e a Décima Emenda — reiterando que o governo federal tem somente os poderes declarados na Constituição.
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Libertários civis frequentemente se encontram na posição de defender o direito de um indivíduo de fazer algo que eles mesmos talvez achem repreensível. Como Friedrich A. Hayek escreve em Os fundamentos da liberdade, “Liberdade significa necessariamente que serão feitas muitas coisas das quais não vamos gostar”. Todos nos beneficiamos da condição geral da liberdade, não só porque ela nos dá direito de fazer o que nós desejarmos, mas também porque a civilização progride por tentativa e erro, com os indivíduos experimentando novas formas de vida. Ele continua: “A liberdade usada por um único homem em um milhão pode ser mais importante para a sociedade e mais benéfica para a maioria do que qualquer liberdade que todos usemos”. A sociedade civil oferece espaço para que os indivíduos vivam da forma que escolherem, mesmo que talvez ofendam a maioria. No entanto, também dá às pessoas a oportunidade de limitar sua própria liberdade de ação ingressando em contratos e associações com outros e usando sua propriedade para criar um ambiente que achem agradável. Por exemplo, as pessoas têm direito de fumar tabaco ou maconha mesmo que a maioria ache que fumar é perigoso e repulsivo. Mas outras pessoas têm direito de proibir o fumo em sua casa, em restaurantes ou empresas. As pessoas têm direito de pintar suas casas de roxo, mas não se tiverem entrado voluntariamente em acordo com os vizinhos — em um condomínio de casas com cláusulas restritivas, por exemplo — de pintar todas as casas somente em tons pastel. Libertários defendem o direito à liberdade de expressão, de imprensa e de difusão, embora ao exercer essa liberdade se possa ofender outras pessoas na sociedade, seja mediante uma linguagem sexualmente explícita, ou com revistas racistas, livros comunistas etc. Cada nova tecnologia traz consigo novos pedidos de censura, e as comunicações eletrônicas não são uma exceção. Felizmente, a fabulosamente complexa internet vai se mostrar muito difícil de censurar, e os governos vão enfrentar cada vez mais dificuldades para restringir o que os cidadãos podem saber. A sexualidade é outro aspecto íntimo da vida em que os governos têm se intrometido desde tempos imemoriais. Recentemente, nos anos 1960, as relações homossexuais eram ilegais em quase todos os estados, e cerca de vinte estados ainda têm tais leis em seus livros, beirando o século XXI. Quando essas leis eram vigorosamente aplicadas, elas marginalizavam os homossexuais e geravam muita infelicidade. Uma vez que os homossexuais passaram a reivindicar seus direitos, os governos começaram a recuar na execução das leis. No entanto, a Suprema Corte em 1986 estabeleceu em lei que entre pessoas maiores de idade não havia direito constitucional a escolher o próprio parceiro sexual, e leis contrárias à sodomia ainda são usadas, por exemplo, para negar a pais homossexuais a custódia de seus filhos. Tais leis devem ser repelidas, e todos os americanos devem ter direitos iguais. Em nome da proteção de nossa segurança, o governo restringe os direitos que temos de tomar nossas próprias decisões e assumir a responsabilidade por elas. Leis sobre o
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uso de cinto de segurança ou capacete, por exemplo, nos negam o direito de escolher que riscos queremos assumir. A Agência de Alimentos e Medicamentos nos nega o direito de escolher que vitaminas, medicamentos e aparelhos médicos queremos. Certamente a decisão de seguir um determinado curso de tratamento é tão pessoal e íntima quanto pode ser qualquer escolha. Muitos médicos acreditam que a maconha traz benefícios médicos, para alívio do glaucoma e redução da dor e náusea associadas a aids, câncer e quimioterapia; esses médicos podem estar certos ou errados, mas a decisão deveria ser do paciente, e não de uma agência burocrática sediada em Washington. Uma das tendências mais perturbadoras na questão das liberdades civis é a crescente militarização da execução da lei nos Estados Unidos, em grande parte — embora não totalmente — numa tentativa de aumentar a escala da cada vez mais fútil guerra contra as drogas. Mais uma vez, o fracasso de uma intervenção do governo resulta em pressão por mais intervenção. A proibição das drogas não consegue impedir o comércio de drogas, então o governo aponta o próprio fracasso como razão para contratar mais policiais, pressionar governos estrangeiros, expandir seus poderes de busca e apreensão e confisco civil, privar cidadãos obedientes à lei de telefones públicos em áreas de comércio de drogas, sujeitar todos os empregados a testes toxicológicos, e assim por diante. Há hoje 52 agências federais cujos oficiais têm poder de portar armas de fogo e efetuar prisões. Talvez seja por isso que vemos um número cada vez mais alto de violentas agressões de agentes federais a indivíduos americanos, das mortes de Vicki e Sammy Weaver em Ruby Ridge, no estado de Idaho, ao assassinato de Donald Scott em uma farra simulada com maconha em Malibu, passando pelo ataque com tanques e helicópteros aos adventistas davidianos em Waco, no Texas, que deixou mais de oitenta mortos. Como disse Thomas Jefferson, “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. As constituições ajudam a preservar a liberdade, mas somente uma sociedade de pessoas determinadas a proteger sua liberdade de invasões pode, a longo prazo, resistir à tendência natural que o poder tem de se expandir.
Protegendo o meio ambiente
A qualidade do meio ambiente é um aspecto importante de uma boa sociedade, e muitas pessoas não acreditam que o mercado livre possa oferecê-la adequadamente. Embora não haja solução perfeita para os problemas ambientais em nenhum sistema político ou filosófico, o libertarismo oferece o melhor modelo disponível para produzir a proteção ambiental que as pessoas desejam. O crescimento econômico ajuda a produzir um meio ambiente de qualidade. Pessoas e sociedades mais ricas podem arcar com os custos da exigência de melhor qualidade para o ar e a água. Pessoas que estejam lutando para sobreviver ou resistir a intenso trabalho braçal não vão se importar muito com amenidades ambientais; quando as pessoas atingem um padrão de vida confortável, elas voltam sua atenção
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para esses “bens” de ordem mais alta. Na verdade, a qualidade do ar e da água nos Estados Unidos aumentou consistentemente durante o século XXI, e nossa expectativa de vida em ascensão é a melhor evidência de que nosso meio ambiente está se tornando mais — e não menos — adequado aos humanos. À medida que as economias se tornam mais eficientes e avançadas tecnologicamente, elas usam menos recursos para produzir maior valor para os consumidores. Lembrem-se: o problema econômico básico é como tirar mais valor de nossos recursos. Como os fabricantes de refrigerantes querem economizar dinheiro, eles desenvolveram maneiras de usar bem menos estanho — e depois alumínio — em cada lata. Em 1974, uma libra (cerca de 450 gramas) de alumínio rendia 22,7 latas de bebida; em 1994, a mesma libra rendia 30,13 latas. O mesmo incentivo do lucro impele as empresas a procurar uso para os produtos que descartam; a Coca-Cola Company descobriu que as folhas de metal das quais tiram as tampinhas das garrafas são filtros ideais para fornalhas. Quando a divisão Minute Maid da Coca-Cola faz suco de laranja, nenhuma parte da laranja é descartada: a empresa tira cada gota de suco, extrai o óleo da casca e com o que sobra alimenta as vacas. Um dos maiores geradores de problemas ambientais é o que o ambientalista Garrett Hardin chama de “a tragédia dos comuns”. Quando recursos — como uma pastagem comunal, floresta ou lago — são “de todos”, na verdade não são de ninguém. Não há incentivo para que alguém mantenha o valor do bem ou o use de forma sustentável. É como seis crianças dividindo um milk-shake: cada uma está motivada a secar o copo antes que as outras possam fazê-lo. Quando madeireiras cortam árvores em uma floresta nacional, estão incentivadas a cortar todas sem demora, antes que outra empresa consiga permissão para usar a mesma área. Quando essas empresas cortam árvores em suas próprias terras, elas replantam tantas quantas cortaram, para que assim tenham um bem que lhes venha a render dinheiro nos anos vindouros. Um dos maiores problemas ambientais de hoje é o esgotamento da pesca nos oceanos, um exemplo claro da tragédia dos comuns para o qual se precisa urgentemente de uma solução de privatização. Como pode então uma perspectiva libertária ajudar a melhorar a qualidade do meio ambiente? Em primeiro lugar, uma sociedade livre oferece uma diversidade de abordagens para a solução de problemas. Sistemas competitivos — o capitalismo, a democracia, a ciência — permitem que ideias sejam testadas e que as bem-sucedidas sejam imitadas. Regulamentações saídas de Washington no estilo “comando e controle” não conseguem administrar eficientemente as questões ambientais com que se defrontam centenas de milhares de empresas comerciais melhor do que podem guiar adequadamente as atividades econômicas de uma sociedade. Em segundo lugar, proprietários particulares têm mais cuidados com seus recursos do que os públicos. Os direitos de propriedade privada significam que as linhas
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de autoridade são claras e que pessoas específicas colherão ou os benefícios ou os custos de suas ações. A maneira de evitar a tragédia dos comuns é privatizar os comuns. Como diz o economista ambiental Richard Stroup, os direitos de propriedade devem ter três características: “ser claramente definidos, facilmente defendidos contra invasores e alienáveis (transferíveis) em termos acordados por comprador e vendedor”. Por que os búfalos são uma espécie em risco de extinção e as vacas não? Por que os pombos-correio desapareceram mas não as galinhas? Porque os donos têm incentivo maior para manter o que lhes pertence. O Congresso deveria parar com seus debates anuais politizados sobre como administrar suas terras — cotas de madeira, direitos sobre o subsolo, taxas pela pastagem em terras federais, perfurações em alto-mar — e caminhar na direção da privatização dos recursos naturais, para que os administradores privados possam exercer administração privada. Em terceiro lugar, os problemas ambientais devem ser administrados no nível mais local possível. Ativistas políticos de ambos os lados das questões ambientais vão correndo a Washington para conseguir que seu próprio planejamento seja imposto ao país inteiro. Mas os princípios do federalismo e da subsidiariedade levariam a crer que os problemas devem ser resolvidos se possível de modo particular e, não sendo assim, no nível local ou estadual, antes de se pensar em qualquer envolvimento federal. Perdemos os benefícios da descentralização e da experimentação quando impomos uma solução ao país inteiro. Em quarto lugar, onde os mercados nem sempre funcionam — onde os direitos de propriedade são mal definidos ou os bens são difíceis de dividir — o direito consuetudinário é uma importante instituição para solução de problemas. Em qualquer lugar onde haja pessoas vivendo juntas, vão surgir problemas ambientais: cheiros, escoamentos, fumaça de fábricas. À medida que os indivíduos levam essas desavenças à justiça, eles ajudam a definir os direitos de propriedade e a lei. Uma produção do direito descentralizada e em constante evolução leva a respostas melhores do que uma ordem legislativa igual para todos os casos. Em quinto lugar, a ênfase libertária na responsabilidade individual significa que devemos evitar o convite à irresponsabilidade pessoal imposta pela responsabilidade coletiva e adotar uma abordagem de “o poluidor paga” para questões de responsabilidade jurídica. O programa Superfund é um erro clássico nesse ponto. Todos os produtores de lixo perigoso são obrigados a contribuir para o fundo, que é então alocado por uma burocracia regulatória para limpar locais específicos. Devemos responsabilizar poluidores individuais pelo dano que eles de fato causem, em vez de impor culpa coletiva a toda a indústria e eliminar o incentivo de cada empresa, individualmente, a evitar a poluição. O objetivo da política ambiental deve ser a proteção das pessoas e de sua propriedade, assim como do sistema legal como um todo. Finalmente, é claro, um governo menor significa que ele mesmo pararia de poluir
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e de encorajar o dano ambiental. A destruição ambiental do governo era galopante nos países soviéticos, mas é um problema real também em economias mistas. Os subsídios do governo encorajam a destruição de florestas tropicais. Gigantescos projetos de hidrelétricas dos Estados Unidos à China são quase sempre patrocinados pelos governos. Programas de subsídios agrícolas, especialmente as cotas de açúcar, têm encorajado o abuso das terras agrícolas. Governos sem tais poderes causariam menos danos ao meio ambiente, assim como à economia. As instituições da propriedade privada, da tomada de decisão descentralizada, do direito consuetudinário e da responsabilidade objetiva nos levarão a soluções melhores — soluções que refletem os custos e benefícios reais da qualidade do meio ambiente — do que as regulamentações de “comando e controle” produzidas por um processo político e implementadas por reguladores que não podem ser responsabilizados pelas consequências de suas ações. No entanto, como tanto os direitos de propriedade quanto o direito consuetudinário estão em constante evolução, há sem dúvida alguma questões ambientais para as quais ainda não temos soluções adequadas. Desenvolvemos direitos de propriedade para fluxos de água, lençóis subterrâneos, pastagens, rebanhos; como poderemos desenvolver direitos de propriedade para o ar? Se o aquecimento global for um problema real — e as evidências sobre isso ainda não são claras —, os direitos de propriedade e o direito consuetudinário podem nos levar a uma solução? Economistas, juristas, juízes, empresários e proprietários estão envolvidos em uma busca ainda em curso de respostas a essas perguntas. Instituições de mercado livre ou pelo menos orientadas para o mercado, desenvolvidas recentemente para tratar de questões ambientais com racionalidade e pelo menor custo para a sociedade, apontam para multas por poluição, permissões de emissão comerciáveis, mercados para comércio de recicláveis e padrões de performance (em vez de regulamentações prescrevendo tecnologias e tipos específicos de redução de poluição). Essas não são soluções perfeitamente libertárias, e há mais trabalho a fazer, mas são exemplos de como podemos obter qualidade ambiental sem politizar o meio ambiente ou impor custos desnecessários à economia. Há poucos anos, em uma conferência acadêmica sobre questões ambientais, ouvi um professor de biologia que administrara um rancho em Montana por vinte anos discutir algumas das muitas questões com que havia se defrontado sobre a melhor forma de administrar os recursos de seu rancho. O que me impressionou foi que ali estava um homem comprometido com a qualidade do meio ambiente, profissional treinado das ciências biológicas, com décadas de experiência em administração de recursos, e ele não sabia responder com certeza às perguntas que surgiam sobre seu próprio rancho. A lição é que ninguém tem todas as respostas, então não se deve impor à sociedade as respostas de ninguém. O que precisamos, como escreveu Karl Hess Jr. em Visions upon the Land [Visões sobre a terra], é “um mercado de visões
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panorâmicas, (...) uma república virtuosa de independentes, responsáveis e preocupados administradores” de seus próprios recursos.
Preservando a paz
Os liberais clássicos sempre viram a guerra como o maior flagelo que o governo poderia impor à sociedade. Eles abominavam o morticínio implicado pela guerra e entendiam também outra coisa: que a guerra destrói famílias, negócios e a sociedade civil. Impedir que os reis coloquem seus súditos em risco com guerras desnecessárias era um de seus maiores objetivos. Adam Smith argumentou que pouco mais era necessário para criar uma sociedade feliz e próspera além de “paz, baixos tributos e uma administração tolerável da justiça”. Os Pais Fundadores americanos, felizes por estarem livres das guerras sem fim na Europa, fizeram da paz e da neutralidade um princípio cardeal do novo governo. Em seu discurso de despedida, George Washington disse à nação: “A grande regra de conduta para nós, em relação às nações estrangeiras, é estender nossas relações comerciais para ter com elas o mínimo possível de conexão política”. E Thomas Jefferson assim descreveu a política externa americana em seu primeiro discurso de posse: “Paz, comércio e amizade honesta com todas as nações — sem forjar aliança com nenhuma delas”. No século XX, porém, muitas pessoas passaram a acreditar que os Estados Unidos deviam se envolver nas questões mundiais e nas guerras estrangeiras. Por cinquenta anos a política externa dos Estados Unidos esteve voltada para a derrota de dois poderes totalitários: a Alemanha nazista e a Rússia soviética. Hoje a grande cruzada está terminada; os Estados Unidos estão seguros, e nenhuma ideologia agressiva ameaça os cidadãos americanos ou a paz mundial*. Mas o enorme aparelho militar e diplomático que surgiu durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria se recusa a declarar vitória e voltar ao estado de paz. Em vez disso, as forças armadas americanas continuam extensas e dispendiosas, e diz-se aos cidadãos americanos que o mundo pós-Guerra Fria é ainda mais perigoso e instável do que quando ele estava sob a ameaça da União Soviética. Assim, temos ainda números significativos de tropas americanas na Europa, Japão, Coreia e Oriente Médio. Em poucos anos, desde a Guerra do Golfo Pérsico, enviamos tropas americanas ou fomos instados a enviar tropas americanas à Somália, ao Haiti, à Bósnia, à Libéria, a Ruanda, ao Burundi, à Macedônia e muitos outros lugares. Esses lugares têm somente uma coisa em comum: nenhum interesse vital americano está em risco em nenhum deles. Menos de uma geração depois do desastre no Vietnã, parece que es* É importante lembrar que esse livro foi escrito antes dos atentados terroristas aos EUA em 11 de setembro de 2001. (N. E.)
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quecemos as lições de nossa intervenção lá. Aquela intervenção também começou pequena e com boas intenções; ninguém esperava que fôssemos acabar com 50 mil tropas americanas no local e 55 mil americanos mortos. Precisamos lembrar algumas regras simples sobre guerra e política externa. Primeiro, a guerra mata pessoas. Especialmente no mundo moderno, frequentemente mata tantos civis quanto soldados. A guerra não pode ser evitada a qualquer custo, mas deve ser evitada sempre que possível. Propostas de envolver os Estados Unidos — ou qualquer governo — em conflitos estrangeiros devem ser tratadas com grande ceticismo. Em segundo lugar, como se discutiu antes, a guerra incha o governo. Em toda a história, a guerra ofereceu um pretexto para que governos arrogassem para si dinheiro e poder e regimentassem a sociedade. Durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o governo dos Estados Unidos assumiu poderes que jamais teria adquirido em tempo de paz, como o controle de preços e salários, racionamento, controle estrito da produção e da mão de obra e tributação astronômica. As restrições constitucionais ao poder federal foram rapidamente minadas. Isso não significa que essas guerras não deviam ter sido disputadas. Mas significa que devemos entender as consequências de uma guerra para toda a nossa ordem social, e por isso ir à guerra somente quando for absolutamente necessário. Em terceiro lugar, os Estados Unidos não conseguem policiar e planejar o mundo inteiro melhor do que podem planejar uma economia nacional. Sem a ameaça de uma superpotência contra a qual se mobilizar, o establishment político-militar quer empregar nossos recursos militares pelo bem da democracia e da autodeterminação ao redor do mundo e contra ameaças vagas e descentralizadas como o terrorismo, as drogas e a destruição ambiental. As forças armadas foram criadas para entrar em guerras pela defesa da liberdade e soberania americanas; elas não estão equipadas para ser polícia e assistência social do mundo inteiro. Em quarto lugar, nossos aliados da Guerra Fria se recuperaram da destruição da Segunda Guerra Mundial e hoje são plenamente capazes de se defender. Não apenas não há mais uma ameaça soviética à Europa, como os países da União Europeia têm uma população coletiva de mais de 370 milhões de pessoas, um Produto Interno Bruto de 7 trilhões de dólares por ano e mais de 2 milhões de tropas. Eles podem defender a Europa e lidar com problemas como a agressão sérvia sem ajuda dos Estados Unidos. A Coreia do Sul tem o dobro da população e dezoito vezes a produção econômica da Coreia do Norte; não precisa de nossas 37 mil tropas para se defender. Em quinto lugar, a explosão das comunicações significa que o desequilíbrio de informação entre os líderes políticos e os cidadãos está muito reduzido. Os presidentes frequentemente acompanham junto com todos nós o desdobrar de acontecimentos
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mundiais pela CNN. Isso significa que os presidentes acharão mais difícil esperar deferência pública sobre questões de política externa, portanto devem proceder com cautela ao assumir compromissos no estrangeiro sem o apoio popular. O mundo ainda está cheio de potenciais ameaças, e o propósito do governo é proteger os direitos de seus cidadãos. Devemos manter um nível adequado de defesa nacional, mas podemos defender os interesses vitais dos Estados Unidos com forças armadas de cerca de metade do tamanho das atuais — especialmente se reorientarmos nossa política externa para a independência estratégica, em vez de compromissos globais em acordos de segurança coletiva. Isso ainda nos daria cerca de um milhão de homens em serviço ativo. Embora possamos eliminar parte do caro armamento da Guerra Fria, planejado para projetar o poder americano até bem longe de nossas costas, devemos explorar a possibilidade de realmente defender os cidadãos americanos com um sistema de defesa antimísseis balísticos. Libertários que propõem trazer para casa as tropas americanas e se concentrar na defesa dos Estados Unidos são às vezes acusados de ser “isolacionistas”. Isso é um engano. Os libertários na verdade são cosmopolitas. Ansiamos por um mundo unido por um comércio livre, comunicações globais e intercâmbio cultural. Acreditamos que a intervenção militar ao redor do mundo dificulta esse esforço. Acreditamos também que, embora o mundo de várias maneiras esteja se tornando menor, não é adequado ver o mundo inteiro como uma aldeia em que todos devam contribuir para apaziguar cada briga. Em um mundo perigoso, com terrorismo e armas nucleares, é melhor manter os conflitos militares limitados e regionais, em vez de aumentá-los, envolvendo uma superpotência. O que pode parecer para muitos leitores uma resenha exaustiva das questões políticas contemporâneas mal arranhou a superfície da análise política, e muitas perguntas obviamente não foram respondidas aqui. Os moldes para a análise política libertária, no entanto, devem estar claros: liberdade individual, propriedade privada, mercados livres e governo limitado criam uma sociedade civil dinâmica e vibrante, que acomoda da melhor forma possível as necessidades e preferências de milhões de cidadãos.
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Capítulo 11
O estado obsoleto
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om os serviços públicos começando a entrar em declínio e os mercados se tornando mais sofisticados com a Era da Informação, as pessoas estão se voltando para a oferta privada de tudo, da educação ao correio comum e ao seguro contra acidentes. Mesmo pessoas que achavam que havia necessidade de o governo prover esses serviços agora veem o estado como um provedor cada vez mais desajeitado e obsoleto da maior parte dos bens e serviços. Por que o governo oferece tantos bens que poderiam ser mais bem providos pela iniciativa privada? Algumas respostas, a maior parte delas relacionada ao imperialismo político e à natureza disfuncional da política, foram sugeridas no capítulo 9. Mas certamente há razões menos sinistras, como o argumento de que o governo é necessário para prover bens públicos. O argumento dos “bens públicos” tem sido ultimamente submetido por acadêmicos a minucioso exame crítico. Os empreendedores, porém, não esperaram que os acadêmicos mostrassem o caminho; de faróis a escolas, dos correios ao seguro contra enchentes, os mercados produziram aquilo de que os consumidores precisavam enquanto os estudiosos debatiam se eles poderiam fazê-lo.
A falha de mercado e os bens públicos
A alegação de “falha de mercado” é provavelmente o mais importante argumento intelectual a favor da intervenção do estado no mercado. Há argumentos sérios desenvolvidos por economistas afirmando que em algumas circunstâncias os mercados não conseguem oferecer determinada coisa que muitas pessoas querem e pela qual estão dispostas a pagar. Fora das revistas acadêmicas de economia, porém, a pessoa que alega uma falha de mercado geralmente quer dizer que o mercado deixou de oferecer algo que ela quer. Um amigo meu gosta de zombar de minha fé cega no processo de mercado declarando “falha de mercado” a cada vez que eu reclamo de não conseguir encontrar um produto ou serviço em particular. Não tem uma boa pizzaria nesse bairro? “Falha de mercado!” Na maior parte dos casos, se não conseguimos encontrar um bem ou serviço que 229
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queremos, é por uma de duas razões: ou os empreendedores estão perdendo uma boa chance (e devemos pensar em aproveitá-la) ou há uma boa razão pela qual ninguém está oferecendo o que procuramos. Hoje em dia, muitas pessoas aparentemente gostariam de ir a bares de não fumantes. Então por que não há quase nenhum? É possível que esta seja uma grande oportunidade de empreendimento. É mais provável que os fumantes tendam a beber mais e dar mais gorjetas, por isso talvez seja extremamente difícil lucrar com um bar de não fumantes*. A maior parte das alegações sérias de falha de mercado se baseia na teoria dos bens públicos. Um “bem público” é definido pelos economistas como um bem econômico com duas características: não há nele exclusibilidade nem disputa de consumo. Isso significa: primeiro, é impossível impedir que indivíduos não pagantes desfrutem do bem. O exemplo clássico é o farol, cuja luz pode ser vista por todos os navios. E, segundo, a capacidade dos indivíduos de desfrutar do bem ou serviço não se torna menor ao se permitir que outros indivíduos também o consumam. Por exemplo, um sinal de rádio ou um filme, diferentemente de um automóvel ou um corte de cabelo, podem ser aproveitados por muitas pessoas simultaneamente. Os economistas argumentaram que as pessoas vão “pegar carona” na oferta de bens não exclusivos; isto é, os navios não vão contribuir para a manutenção de um farol porque podem desfrutar de seus serviços enquanto outros navios estiverem contribuindo. Claro, se muitas pessoas procurarem “pegar carona”, o serviço pode deixar de ser oferecido. Alguns economistas argumentam que nesse caso o governo deve cobrar tributos das pessoas e oferecer ele mesmo o serviço para superar a falha de mercado. Há vários problemas com essa análise. Os bens podem ser produzidos e distribuídos de muitas formas, algumas das quais permitem a exclusão de não pagantes e outras, não. Quase todos os bens podem ser produzidos “publicamente”, isto é, de maneira a dificultar a exclusão de não pagantes, ou privadamente. Pode muitas vezes ser o caso de que a “publicidade” de um bem reflete o fato de que o governo o tenha produzido sem se preocupar com a exclusibilidade. Como Tom G. Palmer escreveu no Cato Policy Report [Relatório de Políticas do Cato] em 1983, O argumento favorável à provisão estatal é colocado em termos puramente estáticos, em vez de dinâmicos; dado um certo bem, o custo marginal de torná-lo disponível para mais de uma pessoa é zero (ou menor do que o custo de exclusão), é ineficiente gastar recursos para excluir * A situação dos fumantes nos Estados Unidos mudou radicalmente desde a data em que esse livro foi escrito. Já passaram de duas mil as cidades que aprovaram a lei que proíbe o fumo em locais fechados, entre elas Nova York, Los Angeles e São Francisco. (N. E.)
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Cap. 11 — O estado obsoleto
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não pagantes. Mas isso levanta uma questão. Se vivemos em um mundo em que os bens não são dados, mas têm de ser produzidos, o problema é saber qual a melhor forma de produzi-los. Um argumento em favor da provisão estatal que presume que todos os bens já estão produzidos não é um argumento.
A questão então é saber se é mais eficiente deixar que os empreendedores encontrem formas de oferecer o bem no mercado obtendo lucro, ou entregar a provisão de bens importantes ao governo, onde encontraremos problemas como a falta de sinais reais do mercado, a ausência de incentivos e um processo de tomada de decisão dominado por interesses particulares e influência política. O argumento básico deste livro tem sido que bens e serviços valiosos são melhores quando oferecidos no mercado competitivo. Neste capítulo, veremos alguns exemplos específicos de bens e serviços que as pessoas achavam que o mercado não podia oferecer e acabaram descobrindo que não só podia como oferecia.
Alguns exemplos clássicos que não eram bens públicos O exemplo tradicional de bem público era o farol. Obviamente, disseram os economistas a gerações de estudantes, os faróis não podem ser oferecidos pela iniciativa privada, porque seria impossível cobrar de todas as pessoas que se beneficiam deles. De Princípios de economia política de John Stuart Mill em 1848 à Introdução à análise econômica de Paul A. Samuelson, ganhador do Prêmio Nobel, os livros-texto lidos por milhões de estudantes nas faculdades americanas modernas apontavam o farol para mostrar a necessidade da provisão estatal de bens públicos. Então, em 1974, um economista decidiu descobrir como realmente os faróis haviam sido colocados à disposição. Ronald H. Coase, da Universidade de Chicago, que também ganharia um Prêmio Nobel, investigou a história dos faróis na Grã-Bretanha e descobriu que eles não tinham sido construídos nem financiados pelo governo: A história remota mostra que, ao contrário do que creem muitos economistas, o serviço de farol pode ser oferecido pela iniciativa privada (...). Os faróis foram construídos, operados e financiados por proprietários particulares (...). O papel do governo era limitado a estabelecer e garantir os direitos de propriedade do farol.
Pedágios eram coletados nos portos; reconhecendo o valor do farol, os donos dos navios ficavam felizes em pagar. No século XIX, todos os faróis ingleses se tornaram
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propriedade da Trinity House, uma organização antiga que aparentemente surgiu a partir de uma guilda medieval de marinheiros, mas o serviço ainda era financiado com pedágios pagos por navios. Depois que o artigo de Coase foi publicado, o economista Kenneth Goldin escreveu: “Os faróis são um dos exemplos favoritos de bem público, porque a maior parte dos economistas não consegue imaginar um método de exclusão (o que prova apenas que os economistas são menos criativos do que os donos de faróis)”. Outro exemplo clássico de bem público, embora muito mais recente do que o caso do farol, foi a apicultura. Vários distintos economistas do século XX argumentaram que os produtores de maçãs se beneficiavam da presença de abelhas porque elas polinizavam as flores da maçã; mas os apicultores não tinham incentivo para ajudar os produtores de maçã, e, como as abelhas não podem ser confinadas em fazendas específicas, um investimento menor na apicultura não seria bom para a economia. Novamente, parecia plausível e até óbvio — tão óbvio na teoria que ninguém se preocupou em verificar os fatos. Quando o economista Stephen Cheung da Universidade de Washington se pôs a examinar o negócio do cultivo de maçãs em Washington, verificou novamente que os empresários já estavam fazendo algo que os economistas alegavam que não poderia ser feito. Havia um longo histórico de contratos entre produtores de maçã e apicultores. Esses contratos asseguravam que os apicultores teriam incentivos para prover as abelhas das quais os produtores de maçã se beneficiavam. Acordos informais entre os produtores de maçã asseguravam que todos eles pagassem montantes similares aos apicultores, em vez de tentar “pegar carona” com os outros produtores. Esses acordos informais, assim como os contratos formais, são parte da vasta rede de cooperação civil que chamamos de processo de mercado ou sociedade civil. Economistas que queriam apontar exemplos do fracasso do mercado foram ficando sem exemplos à medida que outros economistas analisavam o funcionamento do mercado.
Quando é que o governo oferece serviços?
Geralmente se presume que o governo interfere para prover um serviço quando o setor privado não consegue oferecê-lo. Mas, mesmo se isso fosse verdade, surgiria a questão de por que as pessoas deveriam ser tributadas para que se oferecesse um serviço pelo qual elas não estariam dispostas a pagar. A menos que se possa defender solidamente a ideia de que aquele bem ou serviço em particular é um bem público — o que, como vimos, é difícil de fazer — o argumento a favor da provisão estatal limita-se a dizer simplesmente que decisões feitas por milhões de consumidores gastando seu próprio dinheiro devem ser substituídas pelas preferências de algumas pessoas. Na verdade, porém, o governo geralmente não oferece um serviço que não esteja disponível no mercado. Em vez disso, os políticos prometem dar às pessoas, a expen-
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sas públicas, algo pelo qual elas não gostam de pagar. A provisão de um monopólio burocrático não torna um serviço mais barato, mas disfarça os custos. As pessoas deixam de relacionar um pagamento específico com o serviço, por isso elas ficam satisfeitas por ter aparentemente de graça um serviço que antes era caro, apesar de que prefeririam que seus tributos não estivessem subindo. A oportunidade política de ter ganhos com a oferta de um novo serviço do governo parece vir quando um número suficiente de pessoas está pagando por um serviço cujo custo muitos eleitores prefeririam ter tirado de suas mãos. O economista W. Allen Wallis defende a ideia de que a educação na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos é um bom exemplo disso. Ele escreve: Em 1833, quando o governo da Grã-Bretanha começou a subsidiar escolas, pelo menos dois terços da juventude da classe trabalhadora eram alfabetizados, e a população escolar tinha dobrado em uma década — embora até então o governo tivesse deliberadamente obstruído a disseminação da alfabetização às “classes baixas”, porque temia as consequências da propaganda impressa. (Grifo nosso)
Em 1870, quando a educação do governo se tornou gratuita e compulsória, quase todos os jovens estavam alfabetizados. Haviam sido alfabetizados em escolas que cobravam taxas, incluindo as pouco dispendiosas “escolas de damas” estabelecidas pelas famílias proletárias. O filósofo James Mill já tinha notado em 1813 “o rápido progresso que o amor pela educação está fazendo entre as classes baixas na Grã-Bretanha”. Nos Estados Unidos, também, Wallis escreve, “o governo começou a oferecer escolas ‘gratuitas’ somente depois que a escolarização já era quase universal”. Os governos estaduais talvez tenham decidido tornar a educação gratuita, compulsória e administrada pelo estado, no fim do século XIX, para ganhar a simpatia dos eleitores que deixariam de pagar diretamente por ela, ou para impor uma agenda política e religiosa específica às escolas, mas está claro que a ação do estado não era necessária para tornar as escolas amplamente disseminadas. O Medicare é outro exemplo de serviço que estava sendo oferecido pela iniciativa privada, a custos individualizados, até que o governo federal tomou-o para si. Uma pesquisa de 1957 do National Opinion Research Center descobriu que “cerca de uma pessoa em cada vinte entre a população mais idosa [de 65 anos ou mais] relatou que está sem cuidados médicos porque não pode pagar por esses cuidados”. Se mais de 90% dos idosos podiam pagar pelos cuidados médicos de que precisavam, por que seria necessário um programa governamental para oferecer assistência médica a todos os idosos? Wallis assim resume as lições:
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A tarefa do empreendedor político, então, é identificar serviços que estão sendo comprados por blocos identificáveis e substanciais do seu eleitorado e criar meios pelos quais o custo desses serviços seja transferido para o público. A inovação bem-sucedida está não em conseguir fazer algo que não era feito antes, mas em transferir os seus custos para o público em geral. Somente se números bastante altos de eleitores já estiverem pagando pelo serviço a oferta de aliviá-los do custo terá boas chances de influenciar seus votos.
Um exemplo mais recente poderiam ser os subsídios do governo para as creches. Quanto mais pais pagam por creches, maior é o contingente de pessoas que gostariam de ser poupadas da despesa. Assim, os políticos começam a declarar que oferecer creches é uma responsabilidade nacional ou que os pais “não podem pagar” as despesas com creches. Na verdade, eles podem pagar — eles já pagam —, mas eles não gostam muito de pagar. Os políticos nunca dizem exatamente por que pessoas sem filhos e mães que não trabalham fora deveriam pagar tributos que vão ser usados para financiar cuidados com os filhos de outras pessoas, mas esses já se tornaram tão altos e aparentemente inevitáveis que os eleitores não parecem relacionar a carga tributária cada vez mais alta aos novos serviços do governo. Quando um serviço é transferido do mercado para o governo, é óbvio que sua provisão não mais responde diretamente aos consumidores, mas reflete cada vez mais as preferências dos provedores em vez dos compradores. Aqueles que recebem os serviços do governo só podem influenciá-los por meio do incômodo processo político e não pelo outro, muito mais eficiente, o de escolher entre provedores em concorrência.
A atual fuga dos serviços do governo
Hoje em dia, o governo tenta oferecer mais bens e serviços do que se poderia contar, e as pessoas estão cada vez mais desiludidas com a qualidade de seus serviços. O mundo está se movendo rapidamente com a Era da Informação, exceto pelas escolas e pelos correios. Gigantescos provedores de serviços financeiros oferecem fileiras de produtos projetados para atender às necessidades de cada consumidor, com atendimento ao cliente 24 horas, exceto pela Previdência Social e outros serviços administrados pelo governo. Parques, ruas, conjuntos habitacionais e escolas do governo estão cada vez mais sujos e perigosos. É por isso que cada vez mais americanos procuram escapar dos serviços do governo, frequentemente pagando mais por produtos e serviços pelos quais já pagaram com seus tributos.
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Robert Reich, secretário do Trabalho no governo Clinton e autor de vários best-sellers sobre mudança econômica, reclamou do que ele chama de “secessão dos bem-sucedidos”. Em 1995, ele disse a formandos da Universidade de Maryland que os americanos mais ricos estão se isolando do resto da sociedade — trabalhando nos subúrbios, fazendo compras em shoppings suburbanos seguros e até vivendo em comunidades privadas. Pior, disse ele, estão resistindo aos esforços do governo para gastar o dinheiro de seus tributos fora de suas próprias comunidades. Social-democratas como Reich, preocupados com valores comunitários, deveriam refletir sobre o que suas políticas fizeram para dividir os americanos. Eles deram ao governo tantas tarefas e enfraqueceram tanto as velhas noções de moralidade e responsabilidade pessoal que o governo não pode mais exercer sua função básica de nos proteger de danos físicos. Eles centralizaram e burocratizaram as escolas de tal maneira que pouco se aprende nelas. Eles nacionalizaram e burocratizaram a caridade. Alguém se admira de que as pessoas estejam fugindo das instituições criadas dessa forma?
Comunicações
O Correio dos Estados Unidos é um dos maiores monopólios do mundo e demonstra toda a letargia que esperaríamos de um monopólio governamental. Todas as outras formas de transmissão de informação mudaram, a ponto de estarem irreconhecíveis da última geração para os dias de hoje, mas o Correio ainda se arrasta com seus 800 mil empregados, entregando cartas da mesma maneira de sempre, mas cada vez mais devagar. O preço de um megabit de memória em um computador pessoal caiu de 46 mil dólares para 1 dólar em quinze anos, mas o preço dos selos continua a aumentar. Já ouvimos todo tipo de história aterrorizante sobre o Correio — 100 quilos de correspondência encontrados debaixo de um viaduto em Chicago; 800 mil itens de correspondência comum empilhados em caminhões-baús perto de uma agência em Maryland, porque a correspondência não conta como “atrasada” se estiver abrigada — mas a grande questão é a velocidade e confiabilidade das comunicações. Nas áreas em que se permite competição, o Correio dos Estados Unidos perdeu quase toda a sua fatia do mercado. Sua parcela no mercado de encomendas caiu de 65%, há 25 anos, para 6% em 1990, e sua parcela de entregas em 24 horas caiu de 100% para 12% ou menos (as estimativas da indústria variam). Até mesmo as caixas de correio e o atendimento no balcão são, com frequência cada vez maior, oferecidos por firmas como a Mail Boxes Etc., que um consumidor descreveu como sendo “exatamente do jeito que você gostaria que fosse o correio” — serviço eficiente e atendimento amigável com acessórios úteis como caixas e fita adesiva. Tendo escolha, tanto empresas quanto indivíduos optam, em esmagadora proporção, por ter suas cartas e pacotes entregues por empresas privadas competitivas.
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Com a correspondência comum, porém, não há escolha. O Correio dos Estados Unidos tem um monopólio legal, o que significa que é ilegal uma empresa privada oferecer o serviço de levar uma carta ao seu destinatário, exceto por comunicações “urgentes”, pelas quais as empresas privadas têm que cobrar pelo menos 3 dólares. O Correio leva a sério essa exceção de “urgência”: vigia, com binóculos e telescópios, carregamentos e caminhões de entrega e envia agentes a empresas privadas para auditar o que elas estão enviando pela Federal Express (FedEx) ou pela United Parcel Service (UPS). O Correio impõe centenas de milhares de dólares em multas todo ano a firmas cujos pacotes entregues por empresas privadas são considerados não urgentes. Seria de pensar que a disposição de uma empresa de pagar vários dólares para ter um item de correspondência entregue no dia seguinte poderia ser prova suficiente de sua urgência, mas o Correio acredita ser o melhor juiz daquilo que é urgente para empresas privadas. Enquanto isso, empresas privadas e muita gente cada vez mais procuram meios de contornar o monopólio postal. De certa forma, o fax e o correio eletrônico estão minando a parcela do Correio até mesmo no mercado do qual ele tem o monopólio legal. Estima-se que 50% do tráfego telefônico que cruza o Atlântico e 30% do tráfego no Pacífico já sejam de mensagens de fax. O correio eletrônico será ainda mais revolucionário. Steve Gibson, do Bionomics Institute, nota que a invenção da prensa de tipos móveis por Gutenberg cortou o custo de copiar informação escrita em mil vezes em apenas quarenta anos. Em contraste, diz ele, nos primeiros 25 anos depois da invenção do microprocessador em 1971, o custo de copiar informação caiu dez milhões de vezes. Durante a próxima década, espera-se que o poder de computação aumente cem vezes; e a largura de banda, o tamanho do “cano” que carrega informações digitais como e-mail, aumentará mil vezes. O correio comum logo será deixado na lixeira da história. No fim dos anos 1970, o Correio tentou proteger seu monopólio com uma iniciativa para monopolizar o correio eletrônico. Essa é a reação natural de um monopolista à potencial concorrência, e podemos todos ficar felizes por esse plano ter falhado. Agora a pergunta é: por que uma desengonçada burocracia deveria ter monopólio sobre as cartas de correio? Se o monopólio postal fosse eliminado, talvez as empresas privadas pudessem encontrar uma forma de entregar as cartas de casa em casa por mais alguns anos. Por outro lado, a economia vai tratar o Correio como um ruído em uma linha telefônica e desviar dela o tráfego importante.
Educação
Gastamos mais dinheiro a cada ano nas escolas públicas — três vezes mais em termos reais do que gastávamos em 1960 — e no entanto os resultados em exames declinam, e muitas escolas urbanas são perigosas. De acordo com Keith Geiger,
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presidente da National Education Association (NEA), cerca de 40% dos professores de escolas públicas em grandes cidades mandam seus filhos para escolas particulares. E no entanto a NEA resiste amargamente a facilitar essa escolha para outras famílias; gastou 16 milhões de dólares para derrubar uma única iniciativa de livre escolha das escolas na Califórnia em 1993. Muitos americanos escolheram tirar seus filhos das escolas do governo e enviá-los para escolas particulares, na prática pagando em dobro pela educação. Entre esses pais estão o presidente Clinton, o vice-presidente Al Gore, o senador Edward M. Kennedy, o reverendo Jesse Jackson e a fundadora do Children’s Defense Fund, Marian Wright Edelman, todos oponentes arraigados da livre escolha. Famílias menos abastadas encontram dificuldades para pagar altos tributos e depois pagar novamente por uma escola particular. Mesmo assim, algumas famílias acham que a educação privada vale qualquer sacríficio. O Institute for Independent Education identificou 390 pequenas escolas administradas por negros em todo o país e descobriu que 22% de seus alunos vêm de famílias de renda anual de menos de 15 mil dólares enquanto outros 35% das famílias ganham entre 15 mil e 35 mil dólares ao ano. Outras famílias, frequentemente aquelas com mais habilidade política, tentam enganar o sistema levando os filhos para escolas melhores em partes diferentes da cidade ou a uma cidade vizinha. As famílias se valem de endereços de amigos ou parentes para matricular os filhos em outro distrito escolar, usam caixas postais para esconder seu endereço ou conseguem com funcionários da escola dispensa para que os filhos possam ir para escolas melhores. Em reação a isso, os funcionários das escolas começaram a filmar as crianças à saída do metrô para descobrir alunos de fora do distrito, tendo já pedido aos legisladores que endureçam as penas por “fraude na matrícula escolar”. Muitas famílias já desistiram totalmente da escolarização pública e começaram a ensinar os filhos em casa. As famílias escolhem a educação doméstica por vários motivos. Outras fazem objeção ao que veem como um agressivo secularismo nas escolas do governo e querem dar aos filhos uma educação de base religiosa. Há também as que não gostam do conformismo e autoritarismo que provavelmente são inerentes ao processo do agrupamento de crianças pequenas em turmas de vinte a trinta e tentando ensinar a todas elas a mesma coisa ao mesmo tempo. “Escolas públicas como as que conhecemos são uma burocracia aberrante”, diz David Colfax, que mandou três filhos educados em casa para a Universidade Harvard. Mães que querem ficar em casa com os filhos podem descobrir na educação doméstica uma alternativa menos dispendiosa para a educação privada. E algumas famílias simplesmente acham que a escola não ensina bem. As estimativas do número de crianças que são educadas em casa variam enormemente, de cerca de 500 mil a 1,5 milhão, mas todos os observadores concordam em
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que o número cresceu rapidamente nos últimos vinte anos. Há boletins para famílias cristãs, judias, negras e agnósticas que educam os filhos em casa. Há serviços online para educadores domésticos e ligas desportivas em que as crianças se reúnem para fazer atividades físicas e manter um convívio social. A educação doméstica é uma opção para ficar fora do governo, não da sociedade civil. Apesar dos bons resultados obtidos em exames pelas crianças educadas em casa, os sistemas escolares resistiram amargamente a deixar que os pais eduquem os próprios filhos. Um oficial de educação de Michigan defendeu a prisão, naquele estado, de uma mãe que não era professora licenciada, dizendo: “O estado tem interesse no futuro do estado, e as crianças são o futuro do estado”. As autoridades das escolas parecem ver a educação doméstica como uma rejeição a suas escolas, o que de fato é. Adicionalmente, os distritos escolares recebem em média 4 mil a 7 mil dólares por aluno em ajuda federal e estadual; portanto, cada criança educada em casa representa menos dinheiro para a administração da escola. A maior parte dos estados relaxou seus tributos, mas a cada ano cerca de 2.500 famílias que educam seus filhos em casa procuram aconselhamento legal da Home School Legal Defense Association (houve 75 casos contestados na justiça em 1991 e 55 em 1987). O próximo grande desafio do sistema educacional será a entrada de empresas com fins lucrativos no negócio da educação. Os americanos gastam cerca de 600 bilhões de dólares por ano com educação, metade disso em escolas do jardim de infância ao término do ensino médio. Se esse dinheiro fosse todo gasto pelas famílias, parece provável que empresas com fins lucrativos poderiam oferecer educação muito superior ao vazio monopólio dos sistemas escolares. Porém, o dinheiro é gasto coletivamente, é claro, o que significa que as empresas de fins lucrativos são mantidas completamente fora do jogo, enquanto a tecnologia educacional se manteve no nível do século XVIII. Mas as escolas estão ficando tão ineficientes, que 60% das juntas escolares estão pensando em contratar empresas para administrar alguma parte do funcionamento da escola. A Primeira Conferência Anual da Indústria da Educação foi realizada em 1996, e um novo boletim, o Education Industry Report, compilou uma lista de 25 empresas de educação em um Índice da Indústria da Educação, à maneira do Índice Dow Jones; está em pleno voo. Empresas como a Sylvan Learning Systems e a Huntington Learning Centers estão lucrando ao dar às crianças um ensino que as escolas não conseguiram lhes oferecer. A Hooked on Phonics tem um anúncio que diz: “Nós garantimos seu dinheiro de volta. Não seria bom se as escolas garantissem também?”. O problema não está na questão de que a sociedade civil e o mercado não possam oferecer educação. Está no fato de que interesses privados que se beneficiam do atual sistema financiado por tributos não permitem que os pais fiquem com seu próprio dinheiro e comprem educação onde encontrarem o melhor produto. Mas,
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nos próximos anos, enquanto as escolas do governo continuam a se deteriorar e novas tecnologias de aprendizado são disponibilizadas, mesmo em um mercado gravemente atrofiado, as famílias vão cada vez mais ignorar a educação estatal para conseguir aquela de que precisam.
Comunidades privadas
Apesar dos conselhos de Robert Reich, 4 milhões de americanos escolheram morar em alguma comunidade privada dentre as 30 mil existentes. Outros 24 milhões moram em condomínios fechados, cooperativas ou prédios de apartamentos. Por que as pessoas decidem morar em comunidades privadas? Primeiro, para se proteger do crime e da dramática deterioração dos serviços públicos em muitas cidades grandes. Um professor universitário reclama da “nova Idade Média (...) uma espécie de paisagem medieval na qual pequenas cidades muradas e fechadas com defesas próprias pontilham o campo”. As pessoas construíam muralhas em torno de suas cidades na Idade Média para se proteger de bandidos e saqueadores, e muitos americanos estão fazendo o mesmo. Comunidades privadas são uma resposta pacífica mas abrangente ao fracasso do estado intervencionista. Como seu correspondente federal, os governos locais hoje nos cobram mais tributos do que nunca, mas oferecem em troca serviços decadentes. Não apenas a polícia parece incapaz de combater o aumento da criminalidade, como as escolas se tornam cada vez piores, o lixo não é recolhido, bueiros abertos não são consertados e topamos com mendigos a cada esquina. Comunidades privadas conseguem oferecer segurança física aos residentes, em parte por excluir delas as pessoas que não vivem ali ou não são convidadas. Mas há uma razão mais ampla para escolher viver em uma comunidade privada. Os governos municipais não conseguem satisfazer as necessidades e preferências de todos os habitantes. As pessoas podem ter diferentes exigências em termos de densidade populacional, tipo de habitação, presença de crianças, e assim por diante. Regras que poderiam atender às preferências de alguns cidadãos seriam inconstitucionais ou ofensivas à mente aberta de outros cidadãos. Comunidades privadas podem resolver alguns desses problemas de bens públicos. Nos projetos maiores, as casas, ruas, esgotos e parques são todos privados. Depois de comprar uma casa ou condomínio, os residentes pagam uma taxa mensal que cobre segurança, manutenção e administração. Muitas das comunidades são fechadas e vigiadas. Muitas têm regras que seriam de irritantes a enfurecedoras, ou até inconstitucionais, se impostas por um governo: regulamentação das cores das casas, da altura dos arbustos, do estacionamento nas ruas e até da posse de armas. As pessoas escolhem tais comunidades em parte porque acham as regras — mesmo as estritas — apropriadas.
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Em uma edição de 1989 do Public Finance Quarterly, os economistas Donald J. Boudreaux e Randall G. Holcombe oferecem uma explicação teórica para a crescente popularidade das comunidades privadas, que chamam de governos contratuais. Ter suas regras constitucionais concebidas por um único desenvolvedor, que então oferece a propriedade e as regras aos compradores em um pacote, reduz os custos de tomada de decisão para desenvolver regras apropriadas e permite que as pessoas escolham comunidades com base no tipo de regras que estas oferecem. O desejo de ganhar dinheiro é um grande incentivo para um desenvolvedor criar boas regras. Boudreaux e Holcombe escrevem: “O estabelecimento de um governo contratual parece ser a coisa mais próxima de um contrato social que pode ser encontrada no mundo real, porque é criado sob algo análogo a um véu [de ignorância], e porque todos concordam unanimemente em se mudar para a jurisdição de um governo contratual”. Fred Foldvary aponta para o fato de que a maior parte dos “bens públicos” existe dentro de um espaço em particular, então os bens podem ser oferecidos somente às pessoas que compram ou alugam acesso àquele espaço. Isso permite aos empreendedores superar o problema das pessoas que tentam “pegar carona” nos pagamentos alheios de bens públicos feitos pelos outros. Os empreendedores tentam tornar seu espaço atraente para os consumidores, oferecendo a melhor combinação possível de características, que variam de espaço para espaço. Foldvary explica que as comunidades privadas, os shopping centers, os parques industriais, os parques temáticos e os interiores de hotéis são todos espaços privados criados por empreendedores, que têm um incentivo muito maior do que os governos para identificar e responder à demanda do consumidor. Além disso, vários empreendedores privados competindo em seus negócios podem oferecer um leque muito mais amplo de escolhas do que os governos. Comunidades privadas — incluindo condomínios e prédios de apartamentos — existem em variedade praticamente ilimitada. Os preços variam largamente, assim como as amenidades oferecidas. Algumas têm políticas banindo crianças, animais de estimação, armas, cores berrantes, aluguéis, ou qualquer outra coisa que se julgue tornar o espaço menos agradável para os residentes. O movimento crescente de “coabitação” responde à necessidade que muitas pessoas têm de um sentimento mais próximo de comunidade, oferecendo unidades de moradia organizadas em torno de um espaço comum para refeições e atividades coletivas. Algumas pessoas criam arranjos de coabitação com base em um comprometimento religioso comum. Comunidades privadas são uma parte vital da sociedade. Elas dão às pessoas oportunidade de encontrar o tipo de vida (ou de trabalho, ou de compras, ou de entretenimento) que querem. Refletem o entendimento de uma sociedade livre não como uma grande comunidade, mas como uma comunidade de comunidades.
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Direito e justiça
Os libertários acreditam que uma função apropriada do governo é proteger nossos direitos. Para esse fim, o governo contrata policiais para nos proteger de agressões de nossos vizinhos e institui um Judiciário para resolver disputas legais. Porém, talvez porque estejam distraídos com todas as tarefas adicionais que assumiram, os governos não estão exercendo nem mesmo essas funções básicas com eficiência, e as pessoas são forçadas a encontrar alternativas no mercado. À medida que os tribunais vão acumulando mais trabalho e as pessoas descobrem que o litígio é caro e desagradável, mais gente tem levado suas disputas a árbitros privados. As decisões dos árbitros são vinculantes e, se necessário, podem ser levadas a execução em tribunais públicos, embora a questão central da arbitragem privada seja evitar os custos e atrasos de se recorrer à justiça. A próxima onda na resolução alternativa de disputas provavelmente será a mediação, um processo menos formal, não vinculante, em que uma parte neutra ajuda os contendores a chegar a um acordo entre si. Muitas pessoas preferem a mediação porque ajuda a evitar a atmosfera de rivalidade e os persistentes sentimentos desagradáveis gerados tanto pelos tribunais quanto pela arbitragem vinculante. Como a maior parte das disputas se dá entre pessoas que vão continuar se relacionando — parentes, vizinhos, empresas que mantêm vínculo constante —, justifica-se tentar solucionar os problemas sem que uma terceira parte imponha uma solução. Arquivam-se cerca de 200 mil casos nas cortes federais a cada ano, enquanto a American Arbitration Association (AAA), privada e sem fins lucrativos, tem cerca de 60 mil arbitragens e mediações. A JAMS/Endispute, uma empresa com fins lucrativos, teve cerca de 20 mil casos em 1995, o dobro do número de três anos antes. A JAMS/Endispute, a AAA e outras empresas de arbitragem têm amplas redes de “neutros” — terceiros imparciais disponíveis para resolver disputas para clientes. Os neutros que trabalham com a JAMS/Endispute são todos advogados, muitos deles juízes aposentados, enquanto a AAA oferece tanto advogados quanto profissionais de administração. Os provedores argumentam que, comparada aos tribunais do governo, a resolução alternativa economiza tempo e dinheiro, permite flexibilidade dos procedimentos, dá aos contendores mais controle sobre o processo de arbitragem, preserva as relações, oferece confidencialidade e dá uma sensação de conclusão, porque acordos de mediação e arbitragem não podem sofrer apelação, exceto em circunstâncias extraordinárias. Muitos contratos de negócios garantem que qualquer disputa originada pelo contrato será resolvida por um representante de uma determinada firma de resolução alternativa. Os árbitros tomam decisões com base nos termos do contrato e no direito consuetudinário, que em sua origem era ele próprio uma instituição privada, e continua a ser um processo de legislação caso a caso em vez de por editos. Enquanto isso, preocupações com o crime também incentivaram os americanos
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a contar cada vez mais com polícias privadas. Há cerca de 550 mil homens servindo nas forças policiais estaduais e locais; há cerca de 1,5 milhão de seguranças particulares. Muitos desses são empregados por empresas para proteger sua propriedade, carregamentos, e assim por diante. Outros trabalham para firmas de segurança como a Brink’s, que oferece seus serviços para bancos, empresas, condomínios e organizadores de eventos. Haveria menos seguranças particulares se o governo fizesse um trabalho melhor na prevenção do crime e punição dos criminosos, mas os seguranças também oferecem serviços para os quais a provisão estatal não seria apropriada, como proteção 24 horas por dia para fábricas, escritórios e condomínios. Em algumas áreas, empresas e indivíduos pagam por proteção policial extra em uma espécie de parceria público-privada. Comerciantes e habitantes dos bairros de Koreatown e West Adams de Los Angeles levantaram cerca de 400 mil dólares e conseguiram um prédio para uma delegacia na vizinhança. Algumas pessoas reclamaram que os contribuintes não deveriam ter que pagar mais para ter serviços básicos, outras que nem todas as vizinhanças poderiam pagar pelo serviço da polícia. Mas pelo menos esses esforços financiados pela iniciativa privada evitam a questão de ser necessário concordar em pagar tributos mais altos, em uma jurisdição vasta como Los Angeles, na esperança de que sua vizinhança talvez consiga alguns serviços adicionais.
Seguro e futuros
As pessoas costumam achar que seguro é um valioso serviço que o governo deveria oferecer. Muitos dos maiores programas federais têm a intenção de oferecer aos americanos seguro contra riscos, problemas de ordem econômica ou de outra natureza: a Previdência Social, o Medicare e o Medicaid, o seguro de depósito, contra enchentes e outros. O argumento geral a favor do seguro é a pulverização do risco; uma perda que seria desastrosa para um único indivíduo pode ser absorvida por um grupo grande de pessoas. Pagamos por um plano de seguros para nos proteger contra a pequena possibilidade de um evento catastrófico. O argumento a favor dos seguros governamentais, em vez de privados e competitivos, é que assim se pode distribuir o risco entre um número maior de pessoas. Mas, como apontou George L. Priest, da Yale Law School, os seguros do governo já tiveram muitos resultados indesejados. Não há vantagem econômica em criar uma concentração de dinheiro maior do que o necessário, e há claras desvantagens em grandes monopólios. O governo é muito ruim em cobrar prêmios apropriados ao risco, então seus seguros tendem a ser caros demais para as pessoas avessas ao risco e baratos demais para as que têm atividades arriscadas. E o governo aumenta dramaticamente o problema do “risco moral” — isto é, a tendência das pessoas que têm seguro a correr mais riscos. Companhias seguradoras tentam controlar esse risco por meio de franquias e copagamentos, de modo que os segurados tenham que enfrentar
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algumas perdas somadas às que estão cobertas pelo seguro, e por meio da exclusão de certos tipos de atividade da cobertura do seguro (como suicídio ou comportamentos de risco maiores do que o seguro é projetado para acomodar). Por motivos políticos e econômicos, o governo geralmente não emprega tais ferramentas, incentivando as pessoas a se arriscar mais. Priest cita vários exemplos concretos. O seguro federal de poupança e empréstimo aumentou o nível de risco dos investimentos: as associações de poupança e empréstimo colhiam os lucros com empreendimentos de alto risco, mas tinham as perdas compensadas pelos contribuintes; então, por que não ir atrás de altos retornos? O seguro-desemprego oferecido pelo governo aumenta tanto o alcance quanto a duração do desemprego; as pessoas encontrariam novos empregos mais rapidamente se não tivessem seguro-desemprego, ou se o custo de seu próprio seguro fosse afetado pela frequência de uso, como os seguros de automóveis. Priest escreve: “Não vou afirmar que o seguro estatal aumenta a frequência dos desastres naturais. Mas, por outro lado, não tenho nenhuma dúvida de que os seguros estatais aumentam a magnitude das perdas com os desastres naturais”. Seguros contra enchentes, por exemplo, oferecidos pelo governo a um preço menor do que o de mercado, encorajam mais construções em planícies de inundação ou nas frágeis ilhas-barreiras da Costa Leste. O desejo de reduzir a exposição ao risco é natural, e os mercados oferecem meios para que se atinja esse fim. Mas, quando se procurava reduzir o risco por programas de seguro do governo, o resultado era canalizar recursos para mais atividades de risco, e assim aumentar o nível de risco e das perdas sofridas pela sociedade como um todo. Ainda assim, o mercado ofereceu muitas oportunidades para que as pessoas escolhessem o nível de risco com que se sentem confortáveis. Há muitos tipos de seguro disponíveis. Diferentes investimentos — ações, títulos, fundos de investimento, certificados de depósito — permitem que as pessoas equilibrem risco e retorno da forma que preferirem. Fazendeiros podem reduzir seus riscos vendendo a colheita esperada antes que ela chegue, a um preço fixo. Eles estarão protegidos contra a queda dos preços, mas perderão a oportunidade de ter altos lucros com uma alta dos preços. Mercados de commodities dão aos fazendeiros e a outros a oportunidade de se proteger de variações no preço. Muitas pessoas não entendem os mercados de commodities e futuros, ou nem mesmo os mercados de valores mobiliários, mais simples. No romance A fogueira das vaidades, de Tom Wolfe, o operador de títulos Sherman McCoy pensava em si mesmo como Mestre do Universo, mas não conseguia explicar à filha o valor daquilo que fazia. Políticos e escritores populares queixam-se dos “empreendedores do papel” ou “doleiros”, mas esses misteriosos mercados não somente guiam o capital para projetos nos quais este servirá melhor aos consumidores como também ajudam milhões de americanos a ajustar seus riscos. Uma reviravolta para os fazendeiros é a oportunidade de fazer contratos com pro-
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cessadores de alimentos para cultivar colheitas específicas. Mais de 90% dos vegetais hoje em dia são cultivados sob contratos de produção, junto com percentagens menores de outras colheitas. Os contratos dão aos fazendeiros menos independência, mas também menos risco, o que muitos preferem. Enquanto isso, grandes mercados de commodities, como o Chicago Board of Trade, o Chicago Mercantile Exchange e o New York Mercantile Exchange (Nymex), estão procurando novas opções de investimento para oferecer aos seus clientes. A Chicago Mercantile Exchange recentemente começou a oferecer preços futuros para o leite — permitindo que as pessoas fixem os preços do leite ou apostem em mudanças de preço — em resposta à desregulamentação, que provavelmente vai significar preços mais baixos, mas flutuantes. O Nymex estabeleceu um mercado de futuro de eletricidade, que será útil à medida que as concessionárias de eletricidade forem sendo desregulamentadas. A Chicago Board of Trade está entre os envolvidos na busca de novas formas de proteger as companhias de seguros — e, por extensão, todos aqueles que compram seguros ou investem em companhias de seguros — da ameaça dos megadesastres. De acordo com o New York Times, “dois dos mais destrutivos desastres naturais na história americana” ocorreram nos últimos anos: o Furacão Andrew, em 1992, que custou às seguradoras 16 bilhões de dólares, no sul da Flórida, e o terremoto de 1994 em Los Angeles, que custou 11 bilhões de dólares*. (Note que a razão pela qual esses foram os desastres “mais destrutivos” da história é justamente os americanos estarem mais ricos do que nunca, portanto, as perdas financeiras são maiores.) As seguradoras temem um desastre da grandeza de 50 bilhões de dólares, que poderia levá-las à falência e seria demais até mesmo para as resseguradoras, que vendem apólices para proteger as seguradoras de grandes perdas. As seguradoras estão procurando novas formas de pulverizar o risco, incluindo futuros de catástrofes na Board of Trade, com os quais as seguradoras poderiam se proteger da possibilidade de grandes perdas. Os investidores, na prática, ganhariam dinheiro ao apostar na não ocorrência de catástrofe. As resseguradoras também estão oferecendo títulos de fundos de catástrofe, que pagariam juros muito altos mas requereriam que os investidores abrissem mão de reembolso em caso de um desastre. Futuros de catástrofes e fundos de catástrofe ajudarão a manter a cobertura de seguros disponível a um preço razoável. Levantam também a seguinte questão: se o mercado pode lidar adequadamente até mesmo com a perspectiva de desastres financeiros de bilhões de dólares, por que o governo precisaria fazer qualquer intervenção no sistema econômico? * O furacão Katrina ainda não havia atingido os EUA. Ele só chegou à costa norte-americana em 2005, deixou mais de mil mortes e um prejuízo estimado em 100 bilhões de dólares. (N. E.)
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Contornando o estado
O século XX foi um experimento fracassado de estado intervencionista. A cada dia mais pessoas veem mais casos nos quais seus problemas seriam mais bem resolvidos por companhias em busca de lucro, associações de ajuda mútua ou instituições de caridade, em vez do governo. Mercados de capital privados podem prover seguros contabilmente sólidos e oferecer benefícios de aposentadoria melhores do que a Previdência Social. Um dos maiores projetos de engenharia do mundo, o túnel de 12 bilhões de dólares sob o Canal da Mancha, é propriedade de um consórcio privado, que o planejou, financiou, construiu e o opera. Uma empresa chamada Human Capital Resources quer vender participações no futuro poder aquisitivo de estudantes universitários, como alternativa a empréstimos estudantis — melhor retorno para os investidores, um fardo menor para os estudantes formados e nenhum custo para os contribuintes. Comunidades privadas, baseadas no governo consentido, podem ser mais bem ajustadas às necessidades e preferências de 250 milhões de americanos do que os governos locais. Escolas particulares oferecem educação melhor a um custo mais baixo do que as escolas públicas, e nos próximos anos a tecnologia da informação e empresas de fins lucrativos vão revolucionar o ensino. A caridade particular vai tirar as pessoas dos programas de assistência em vez de encurralá-las neles. Em algum dia próximo poderemos ter todos os bens e serviços de que precisamos contornando o governo. Mas, até lá, nossos governos locais, estaduais e federal de 2,5 trilhões de dólares não vão abrir mão de seu poder sem reagir. O Correio dos Estados Unidos se agarra tenazmente ao seu monopólio. Juntas escolares e sindicatos de professores declaram que não deixarão as crianças “escaparem” de suas escolas e gastam milhões para impedir a implementação de planos de livre escolha de escolas. As pessoas que se beneficiam do sistema existente não vão voluntariamente diminuir o tamanho do governo mesmo que todos os consumidores o abandonem. Quando a matrícula nas escolas do distrito de Columbia baixou para 33 mil — cerca de 25% —, o sistema adicionou 516 administradores. Os 800 mil empregados do Correio não vão aceitar em silêncio sua demissão, mesmo que enviemos todas as nossas comunicações por meio eletrônico. Não podemos simplesmente esperar que “forças sociais” ou a tecnologia substituam automaticamente um governo inchado. Para assegurar que essas mudanças aconteçam, os indivíduos precisam exigir seu direito de escolher escolas para seus filhos, de competir com o Correio dos Estados Unidos, de investir seu dinheiro em um fundo seguro de aposentaria privada. E então os pagadores de impostos terão que se esforçar para garantir que o governo pare de produzir serviços que ninguém mais usa.
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Capítulo 12
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sociedade política não conseguiu inaugurar a nova era de paz e abundância que prometera. O fracasso do governo coercitivo foi proporcional ao grau de coerção e à grandiosidade de suas promessas. Os governos fascistas e comunistas que procuraram eliminar a sociedade civil e absorver completamente os indivíduos em uma causa maior são agora reconhecidos como abjetos fracassos; eles prometeram comunidade e prosperidade, mas ofereceram pobreza, estagnação, ressentimento e atomismo. A crítica libertária ao socialismo, muito ridicularizada por intelectuais da esquerda, mostrou-se correta. Agora o desafio ao libertarismo é maior. Com o fascismo e o socialismo basicamente fora da cena política, o conflito no século XXI será entre o libertarismo e a social-democracia, uma versão aguada do socialismo cujos defensores aceitam a necessidade da sociedade civil e do processo de mercado, mas encontram constantemente razões para limitar, controlar, moldar e obstruir as decisões tomadas pelos indivíduos. (A social-democracia é frequentemente chamada de liberalismo nos Estados Unidos, mas eu prefiro não manchar a memória de uma palavra que um dia significou liberdade individual.) Quanto ao conservadorismo americano moderno, podemos esperar ver seus adeptos se dividirem entre os que apoiam a sociedade civil e os que defendem a intervenção política para criar uma ordem social em particular. Em algum momento, os conservadores estatistas se encontrarão alinhados aos social-democratas como defensores da sociedade política contra a sociedade civil, uma tendência que já começou com o movimento protecionista de Buchanan e a crescente tendência entre os conservadores a não limitar o governo, mas usá-lo, em vez disso, para impor valores conservadores. Como a social-democracia nos Estados Unidos e na Europa Ocidental nunca substitui inteiramente a sociedade civil e os mercados, seus fracassos são menos óbvios. Esta é uma boa notícia para os povos europeus e americano, mas significa um desafio maior para os libertários que querem apontar um caminho para escapar dos problemas da intervenção e defender maior liberdade individual e um governo 247
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estritamente limitado. Ainda assim, a evidência do fracasso da sociedade política é esmagadora, e novos exemplos aparecem a cada dia. Os programas de transferência de renda do estado de bem-estar social estão se tornando insustentáveis no mundo todo, e a aposentadoria iminente da geração do pós-guerra tornará impossível cumprir os compromissos da Previdência Social, mesmo depois de enormes aumentos dos tributos. A tecnologia da informação está passando por uma revolução, exceto nas coisas que estão sob o monopólio do estado, como as escolas e os correios, que a cada ano se tornam um pouco menos eficientes e muito mais caras. Exemplos, de Watergate ao escândalo de Whitewater, do massacre de Waco à guerra contra as drogas, nos lembram que o poder corrompe. Os tributos e as regulamentações reduziram dramaticamente o crescimento econômico, justamente quando melhorias na tecnologia, nas comunicações e mercados de capital mais eficientes deveriam nos dar taxas elevadas de crescimento. O fato de ele estar mais lento e a percepção cada vez mais nítida de que o governo distribui compensações com base em políticas de identidade e influência política, em vez de conquistadas no mercado competitivo, encorajam ressentimentos de grupo e conflitos sociais.
A Washington que Roosevelt construiu
A desilusão disseminada com o estado intervencionista e a crescente atração da crítica libertária resultaram em um contra-ataque dos defensores da sociedade política. O que é interessante nas mais populares defesas recentes do governo ativista é sua modéstia. Foram-se o arrebatador clamor por mudança social dos anos 1930 e as cruzadas de olhos esperançosos dos anos 1960. Embora esses modelos antiquados ainda possam ser encontrados entre professores titulares, os políticos e autores que querem atrair a atenção de um grande público agora fazem apenas afirmações modestas quanto ao que o governo pode fazer. Considere-se o livro Reinventando o governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público, lançado em 1992 por David Osborne e Ted Gaebler, muito aclamado por “novos democratas” como Bill Clinton e Al Gore. Osborne e Gaebler reconhecem que “os tipos de governo que se desenvolveram durante a era industrial, com suas morosas burocracias centralizadas, sua preocupação com regras e regulamentações e suas cadeias hierárquicas de comando, não funcionam mais direito”. Eles listam dez coisas que o governo deve se tornar: catalítico, comunitário, competitivo, orientado para objetivos, orientado para resultados, orientado para o consumidor, empreendedor, antecipador, descentralizado e orientado para o mercado. O que é impressionante nessa lista é que ela está muito perto de uma descrição não do governo, mas do processo de mercado. Os principais teóricos do ativismo governamental de nosso tempo prometem que poderemos fazer que o governo aja como o mercado.
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Ou considere-se o livro de 1996 In Defense of Government [Em defesa do governo], de Jacob Weisberg, que apresenta cinco princípios para “ressuscitar o governo”: (1) aceitar que a vida é arriscada e parar de tentar legislar a eliminação dos riscos; (2) parar de prometer mais do que o governo pode oferecer; (3) estar disposto a eliminar programas fracassados, datados ou de baixa prioridade; (4) parar de delegar a autoridade legislativa do Congresso à burocracia; e (5) prometer que o governo não vai ficar maior do que já está, em termos de sua parcela no PNB. Enquanto Weisberg retém uma crença tocante em um “governo federal sábio, eficaz e benevolente”, seu programa político é restrito, se comparado com as gerações anteriores e entusiastas do ativismo governamental. No entanto, apesar desses intervencionistas moderados e da proclamação do presidente Clinton de que “a era do grande governo acabou”, ele na realidade continua maior do que nunca. O governo federal extrai à força 1,6 trilhão de dólares por ano das pessoas que produziram esse dinheiro, e os governos locais e estaduais tomam mais um trilhão. A cada ano, o Congresso soma mais 6 mil páginas às leis estatutárias e os reguladores escrevem 60 mil páginas de novas regulamentações no Registro Federal. Advogados concordam em que nenhuma empresa tem a menor possibilidade de cumprir à risca todas as regulamentações federais. A maior parte de nossos líderes políticos ainda vive na Washington que Roosevelt construiu, a Washington na qual, se você tem uma boa ideia, você cria um programa do governo. Eis alguns exemplos: r O senador Bob Dole lê a Décima Emenda (“Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição nem proibidos por ela aos Estados estão reservados aos estados respectivamente, ou à população”) na campanha, mas apresenta propostas para federalizar as leis criminais, as políticas assistencialistas e a definição do casamento. r O vice-presidente Gore anuncia um plano para demolir projetos de habitação pública, dizendo: “Esses monumentos infestados de crime, dedicados a uma política falida, estão acabando com as vizinhanças à sua volta”. Ele lembra aos ouvintes: “Antigamente, Washington dizia às pessoas do país inteiro o que fazer, impondo arrogantemente sua sabedoria. E sejamos honestos: uma parte dessa sabedoria não era muito sábia”. Ele então anuncia seu plano para... construir novos projetos de habitação pública. r O senador Dan Coats, republicano de Indiana, diz que os republicanos “precisam oferecer uma visão da reconstrução de comunidades arruinadas — não por intermédio do governo, mas das instituições e ideais privados que alimentam nossa vida”, e defende a ideia de que “embora o governo tenha enfraquecido a sociedade civil, ele não pode reconstruí-la diretamente”. Ele então propõe dezenove leis federais para estabelecer uma escola-modelo para
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jovens em risco, instituir um período de espera para casais que estejam pedindo divórcio, financiar abrigos religiosos para mães, criar poupanças para os pobres, e mais. O secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Henry Cisneros, promete “descentralizar com furor” porque igrejas, bairros e pequenas empresas “sabem pelo menos tanto quanto o atravancado governo em Washington, e estão mais bem posicionados do que ele” para melhorar suas comunidades. Mas então ele propõe criar salas de aula em unidades de habitação públicas e exigir que todos os residentes assistam todos os dias a aulas de treinamento pré-natal, creches educacionais, supletivos de ensino médio ou seminários para idosos. Ralph Reed, diretor executivo da Christian Coalition, escreve que os Estados Unidos estão reunidos em torno da “visão de uma sociedade baseada em duas crenças fundamentais. A primeira, a crença de que todos os homens, criados iguais aos olhos de Deus com certos direitos inalienáveis, estão livres para buscar os anseios de seu coração. A segunda, a crença de que o único propósito do governo é proteger esses direitos”. Mas seu programa político inclui banir o aborto, proibir o casamento de homossexuais e censurar a internet.
E assim, indefinidamente, nos jornais de todos os dias: o presidente tem um plano para reduzir o preço da gasolina e aumentar o da carne; o governo quer que o Japão e a China estabeleçam metas específicas para as importações americanas; um painel de especialistas quer reduzir o número de médicos; planejadores municipais requerem desenvolvedores para construir habitações “acessíveis”; e alguns anos depois criam um plano para encorajar habitações de luxo. A era do grande governo acabou, mas o governo parece não saber disso ainda. Enquanto isso, ativistas organizam marchas e manifestações em favor de todas as coisas boas deste mundo: empregos, crianças, habitação, cuidados com a saúde e meio ambiente. É difícil organizar uma manifestação em favor da sociedade civil e do processo de mercado — a fonte das ideias e da riqueza que nos permitem oferecer melhores empregos, cuidados com a saúde, cuidados voltados para as crianças e lares e usar com mais eficiência recursos escassos.
Centralização, devolução e ordem
Na política mundial dos anos 1990, é possível identificar duas tendências rivais: centralização e devolução. Apesar de se falar em Washington sobre devolução e a Décima Emenda, tanto os republicanos como os democratas no Congresso continuam a oferecer soluções federais para os problemas que os preocupam, eliminando controle local, experimentação e soluções de concorrência. Os tribunais estaduais
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cada vez mais frequentemente exigem que todas as escolas do estado recebam igual financiamento e sejam reguladas por diretrizes estaduais. Os burocratas da União Europeia em Bruxelas tentam centralizar as regulamentações no nível continental, em parte para impedir que qualquer governo europeu se torne mais atraente para os investidores, oferecendo impostos menores ou menos regulamentação. Paradoxalmente, os estados-nações de hoje são grandes demais e pequenos demais. São grandes demais para ser abarcáveis e administráveis. A Índia tem mais de 1 milhão de eleitores para cada um de seus mais de 500 legisladores; será possível que eles representem os interesses de todos os seus eleitores, ou que escrevam leis que façam sentido para quase um bilhão de pessoas? Em qualquer país maior do que uma cidade, as condições locais variam muito, e não há plano nacional que faça sentido em qualquer lugar. Ao mesmo tempo, até estados-nações são com frequência muito pequenos para ser unidades econômicas efetivas. Será que a Bélgica ou a França deveriam ter uma estrada de ferro nacional, ou uma estação de televisão nacional, quando trilhos e sinais de difusão podem cruzar com tanta facilidade as fronteiras nacionais? O grande valor da União Europeia não está na enorme quantidade de regulamentação produzida pelos “eurocratas”, mas na oportunidade para que as empresas possam produzir e vender em um mercado maior do que os Estados Unidos. Um mercado comum não requer regulamentação centralizada; requer apenas que os governos nacionais não impeçam seus cidadãos de fazer comércio com os cidadãos de outros países. Enquanto isso, enquanto os governos centrais de Washington a Ottawa e de Bruxelas a Nova Délhi tentam centralizar o controle e acabar com as diferenças regionais, outra tendência pode ser observada. Os empresários tentam ignorar o governo e encontrar seus parceiros comerciais naturais, seja do outro lado da rua, seja do outro lado da fronteira. As empresas no triângulo entre Lyon, na França, Genebra, na Suíça, e Turim, na Itália, fazem mais negócios umas com as outras do que com as capitais Paris e Roma. Dominique Nouvellet, um dos principais capitalistas de risco de Lyon, afirma: “As pessoas estão se rebelando contra capitais que exercem controle demais sobre sua vida. Paris está cheia de servidores públicos, e Lyon está cheia de comerciantes que querem que o estado os deixe em paz”. Outras regiões econômicas que cruzam fronteiras incluem: Toulouse e Montpellier, na França, e Barcelona, na Espanha; Antuérpia, na Bélgica, e Roterdã, nos Países Baixos; e Maastricht, nos Países Baixos, com Liège, na Bélgica, e Aachen, na Alemanha. Os governos nacionais e as fronteiras nacionais entravam a criação de riqueza nessas áreas. Muitas regiões estão voltando a uma velha solução para os problemas do governo inatingíveis e incontroláveis: secessão. A população francófona de Québec se agita por independência no Canadá. O mesmo acontece entre cada vez mais pessoas na Columbia britânica, que veem que seus laços comerciais com Seattle e Tóquio são mais fortes do que os que mantêm com Ottawa ou Toronto. A Liga Norte atingiu
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rápido sucesso eleitoral com seu clamor pela separação da produtiva Itália do norte daquela que se considera dominada pela Máfia e viciada em assistencialismo, a Itália do sul. Há uma probabilidade cada vez maior de devolução ou mesmo independência para a Escócia. A fragmentação nacional pode ser também uma solução para alguns dos problemas da África, cujas fronteiras nacionais foram entalhadas por poderes coloniais sem nenhuma consideração pelas identidades étnicas ou os padrões de comércio tradicionais. Mesmo nos Estados Unidos, vemos mais agitação por secessão do que se vê há muito tempo. Staten Island votou pela secessão da cidade de Nova York em 1993, mas a legislatura estadual bloqueou seu caminho. Nove condados no oeste do Kansas entraram com uma petição no Congresso para sua separação em um estado distinto. Ativistas no norte e no sul da Califórnia já propuseram que o gigantesco estado seja separado em duas ou três unidades mais administráveis. O Vale de San Fernando, celebrizado em Loucuras de verão, está transbordando de pedidos para se separar da cidade de Los Angeles. Uma das mais importantes lições do sucesso econômico americano é o valor de se alargar a área geográfica na qual o comércio pode fluir livremente, ao mesmo tempo mantendo o governo próximo das comunidades que terão que viver com suas decisões. A Suíça talvez seja um exemplo ainda melhor dos benefícios do livre-comércio e do poder descentralizado. Embora tenha apenas 7 milhões de pessoas, na Suíça há três grandes grupos linguísticos e povos com culturas marcadamente diferentes. O problema do conflito cultural foi resolvido com um sistema político bastante descentralizado — vinte cantões e seis semicantões, que são responsáveis pela maior parte das questões públicas, e um governo central fraco, que lida com assuntos de política externa, política monetária e execução da declaração de direitos. Uma das revelações-chave oferecidas pelo sistema suíço é que os conflitos culturais podem ser minimizados quando não se tornam conflitos políticos. Assim, quanto maior a parte da vida que é mantida na esfera privada ou no nível local, menor é a necessidade de grupos culturais entrarem em guerra a respeito de religião, educação, língua etc. Tanto a separação entre a igreja e o estado como o mercado livre limitam o número de decisões tomadas no setor público, reduzindo assim o incentivo para que grupos lutem por controle político. Pessoas no mundo todo estão começando a entender os benefícios do governo limitado e da devolução de poder. Até um estudante do distante Azerbaidjão disse recentemente em uma conferência: Meus amigos e eu temos pensado: será que não poderíamos resolver o conflito entre armênios e azerbaidjanos não removendo as fronteiras, mas tornando-as
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irrelevantes pela abolição de passaportes internos e pela concessão do direito de possuir propriedades e trabalhar em ambos os lados da fronteira?
Ainda assim, os centralistas não desistem fácil. A compulsão de eliminar “desigualdades” entre as regiões é forte. O presidente Clinton disse em 1995: “Como presidente, tenho que fazer leis adequadas não somente aos meus pais lá no Arkansas ou às pessoas em Montana, mas a todo este país. E a coisa fantástica deste país é sua diversidade, suas diferenças, e tentar harmonizá-las é nosso grande desafio”. Um colunista do Washington Post diz que os Estados Unidos “precisam urgentemente (...) de um único padrão educacional, estabelecido pelo — por quem mais? — pelo governo federal”. O governador do Kentucky, Paul Patton, diz que se um programa inovador de educação está funcionando, todas as escolas deveriam adotá-lo e, se não está, nenhuma deveria fazê-lo. Mas por quê? Por que não deixar que os distritos escolares locais observem outros distritos, copiem o que parece funcionar e adaptem-no às suas próprias circunstâncias? E por que o presidente Clinton acha que seu desafio é “harmonizar” a grande diversidade dos Estados Unidos? Por que não desfrutar da diversidade? O problema para os centralizadores é que apreciar a diversidade significa aceitar que pessoas diferentes em lugares diferentes terão situações diferentes e resultados diferentes. A questão central é se são os sistemas centralizados ou os sistemas competitivos que produzem os melhores resultados — isto é, chegam a mais soluções que, mesmo não sendo perfeitas, são melhores do que a alternativa. Os libertários defendem a ideia de que nossa experiência com sistemas competitivos — sejam eles a democracia, o federalismo, os mercados livres, ou o vigorosamente competitivo sistema intelectual do Ocidente — mostra que eles encontram respostas melhores do que sistemas centrais impostos a todos no mesmo formato. Duas grandes empresas — ITT e AT&T — anunciaram em 1995 que iriam se separar em três partes porque tinham ficado grandes e distintas demais para ser administradas eficientemente. A ITT tinha vendas de cerca de 25 bilhões de dólares por ano, a AT&T, de cerca de 75 bilhões de dólares. Se os administradores e investidores corporativos, com seu próprio dinheiro em jogo, não conseguem administrar empresas desse tamanho eficientemente, será mesmo possível que o Congresso e 2 milhões de burocratas federais administrem um governo de 1,6 trilhão — para não falar em uma economia de 6 trilhões de dólares?
A Era da Informação
Uma das grandes razões para que o futuro seja libertário é a chegada da Era da Informação. A informação está ficando cada dia mais barata, e por isso mais dissemina-
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da; cada vez mais, nosso problema não é escassez, mas excesso de informação. A Era da Informação traz más notícias para as burocracias centralizadas. Primeiro, à medida que a informação fica mais barata e acessível, as pessoas terão menos necessidade de especialistas e autoridades tomando decisões por elas. Isso não significa que não consultaremos especialistas — em um mundo complexo, nenhum de nós pode ser especialista em tudo —, mas significa que podemos escolher nossos especialistas e tomar nossas próprias decisões. Os governos encontrarão cada vez mais dificuldade em manter seus cidadãos desinformados sobre questões mundiais e prevaricação governamental. Segundo, à medida que a informação e o comércio se aceleram, será cada vez mais difícil para os letárgicos governos manter o passo. O principal efeito da regulamentação sobre as comunicações e os serviços financeiros é diminuir o passo da mudança e impedir que os consumidores recebam todos os benefícios que as empresas estão se empenhando em nos oferecer. Terceiro, a privacidade será mais fácil de preservar. Os governos tentarão bloquear a tecnologia de criptografia e exigir que cada computador tenha uma chave governamental — como o “Clipper Chip” —, mas esses esforços vão falhar. Os governos terão cada vez mais dificuldades em bisbilhotar a vida econômica dos cidadãos. Finalmente, como o empreendedor da área de tecnologia Bill Frezza afirmou: “a força coercitiva não tem alcance em uma rede”. À medida que os bits digitais se tornam mais valiosos do que minas de carvão e fábricas, mais difícil será para os governos exercer seu controle. Algumas pessoas se preocupam com a possibilidade de que o custo dos computadores e do acesso à internet crie uma muralha entre “os que têm” e “os que não têm”, mas na verdade um computador usado em boas condições e acesso à rede por um ano podem ser obtidos pelo custo de uma assinatura de um ano do New York Times — e ninguém se preocupa com “os que não têm” jornal. Em todo caso, o custo dos computadores está baixando e continuará a baixar, como aconteceu com telefones e televisões, antigamente brinquedos de ricos. Em meados de 1996, empreendedores estavam oferecendo e-mail grátis para qualquer consumidor disposto a tolerar propaganda na tela de seu computador. Não haverá “os que têm” e “os que não têm”, diz Louis Rossetto, editor da Wired, a bíblia libertária da Era da Informação: “É melhor pensar em termos de ‘os que têm’ e ‘os que terão depois’. E ‘os que têm’ talvez acabem saindo em desvantagem, visto que serão as cobaias da nova tecnologia, pagando os olhos da cara por coisas que em dois anos estarão amplamente acessíveis por uma fração do preço original”. Tentativas de forçar empresas a oferecer sua tecnologia a todas as pessoas ao mesmo tempo ou abaixo do custo de mercado só vão reduzir o incentivo de qualquer empreendedor para lançar um produto novo, e assim reduzir o passo das mudanças. Quanto mais uma parte maior do valor em nosso mundo ref lete os produtos de nossa mente embutidos em bits digitais, os recursos naturais tradicionais se
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tornarão menos importantes. Estruturas institucionais e capital humano se tornarão bem mais importantes para a criação de riqueza do que o petróleo ou o minério de ferro. Os estados terão mais dificuldade para regular o capital e o empreendedorismo à medida que pessoas e riquezas transitarem mais facilmente através de fronteiras. Os países vão prosperar reduzindo tributos e regulamentações para manter em casa os inovadores e investidores nacionais e atrair os do estrangeiro. Alguns visionários da Era da Informação superestimaram a importância de suas diferenças em relação à Era Industrial. Muitos dos países mais ricos entre os séculos XVII e XX — os Países Baixos, Suíça, Grã-Bretanha, Japão, Cingapura — eram notavelmente carentes de recursos naturais. Eles enriqueceram à moda antiga — na verdade, à moda nova e capitalista — por meio do estado de direito, da liberdade econômica e de uma população trabalhadora e escolarizada. Ainda assim, a importância dos mercados livres e do esforço individual será de fato aumentada pela economia mais aberta e participativa possibilitada pelo ciberespaço. Peter Pitsch, do Hudson Institute, escreve que “Friedrich A. Hayek e Schumpeter profetizaram a Era da Inovação”, seu termo para a nova economia. A análise de Hayek da ordem espontânea e dos grandes perigos de adulterar coercitivamente com suas complexas engrenagens é mais relevante do que nunca em uma era de oportunidades sem limites e mudanças aceleradas. E a observação de Schumpeter de que “a destruição criativa é um fato essencial do capitalismo” será mais verdadeira do que nunca, pois os empreendedores aprenderam e continuarão aprendendo a contragosto. A derrubada dos enormes mainframes pelo computador pessoal, que custou à IBM 70% de seu valor de mercado em apenas cinco anos, foi um exemplo dramático de destruição criativa. Será que o próprio PC vai ser derrubado pela rede? Será que a Microsoft ficará tão abalada quanto a IBM? Como diriam Hayek e Schumpeter, ninguém sabe. As pessoas sempre tiveram problemas em ver ordem no mercado aparentemente caótico. Apesar de o sistema de preços constantemente deslocar os recursos para seu melhor uso, na superfície o mercado parece o oposto de ordem — empresas falindo, empregos perdidos, pessoas prosperando a um passo desigual, investimentos se revelando vãos. A acelerada Era da Inovação parecerá ainda mais caótica: enormes empresas emergirão e afundarão mais rápido do que nunca, e menos pessoas terão empregos de longa duração. Mas a maior eficiência dos transportes, das comunicações e dos mercados de capitais significará ainda mais ordem do que o mercado pôde atingir na Era Industrial. A questão é evitar o uso do governo coercitivo para “aparar os excessos” ou “direcionar” o mercado para um resultado que alguém deseje obter. Deixem o mercado funcionar — deixem milhões de pessoas buscarem a felicidade à sua própria maneira — e as próximas edições deste livro serão provavelmente redigidas com tecnologia inimaginável na época de seu lançamento.
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Em busca de uma base para utopias
Muitos movimentos políticos prometem utopias: “Implemente nosso programa, e vamos inaugurar um mundo ideal”. Os libertários oferecem menos e mais: uma base para utopias, como coloca Robert Nozick. Minha comunidade ideal provavelmente não seria a sua utopia. A tentativa de criar o paraíso na terra está fadada ao fracasso, porque temos diferentes ideias do que seria o paraíso. À medida que nossa sociedade se torna mais diversificada, a possibilidade de concordarmos com um único plano para a nação inteira se torna ainda mais remota. E, em todo caso, não temos chance de antecipar as mudanças que o progresso nos trará. Planos utópicos sempre envolvem uma visão rígida e estática da comunidade ideal, uma visão que não pode acomodar um mundo dinâmico. Não somos mais capazes de imaginar como será a civilização daqui a um século do que eram as pessoas em 1900 de imaginar nossa civilização. Precisamos não de uma utopia, mas de uma sociedade livre na qual as pessoas possam projetar suas próprias comunidades. Uma sociedade libertária é só uma base para uma utopia. Nessa sociedade, o governo respeitaria o direito das pessoas de fazer suas próprias escolhas de acordo com o conhecimento de que dispõem. Cada um seria livre para fazer o que desejasse, contanto que respeitasse os direitos dos outros. Essa escolha pode muito bem envolver um acordo voluntário de viver em um tipo específico de comunidade. Indivíduos se juntam para formar comunidades nas quais concordarão em cumprir certas regras, que podem proibir ou impor certas ações. Uma vez que as pessoas aceitassem individual e voluntariamente essas regras, elas não estariam abrindo mão de seus direitos, mas simplesmente concordando com as regras de uma comunidade que estariam livres para abandonar. Já temos uma base como essa, é claro; no processo de mercado, podemos escolher entre muitos bens e serviços diferentes, e muitas pessoas já escolhem viver em determinados tipos de comunidade. Uma sociedade libertária ofereceria um escopo maior para essas escolhas, deixando a maior parte das decisões sobre como viver para o indivíduo e a comunidade de sua escolha, em vez de deixar que o governo imponha desde tributos exorbitantes a regras sobre expressão religiosa e cuidados médicos. Essa base permite milhares de versões de utopia, que podem ter apelo para diferentes tipos de pessoas. Uma comunidade pode oferecer um alto nível de serviços e amenidades, com preços e taxas proporcionalmente altos. Outra pode ser mais espartana, para aqueles que preferem guardar seu dinheiro. Outra pode ser organizada em torno de alguma observância religiosa. Aqueles que entram em uma determinada comunidade podem se comprometer a se abster de álcool, tabaco, sexo fora do casamento, pornografia. Outras pessoas podem preferir algo como a Cidade Livre de Christiania, em Copenhague, onde carros, armas e drogas pesadas são banidos mas
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Cap. 12 — O futuro libertário
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drogas leves são toleradas e todas as decisões são, pelo menos em teoria, tomadas em reuniões comunitárias. Uma das diferenças entre o libertarismo e o socialismo é que uma sociedade socialista não tolera grupos de pessoas praticando sua liberdade, mas uma sociedade libertária pode permitir sem problemas que as pessoas escolham o socialismo voluntário. Se um grupo de pessoas — até mesmo um grupo muito grande — quiser comprar terras e ser seu proprietário em conjunto, elas estariam livres para fazê-lo. A ordem legal libertária requeriria somente que ninguém fosse coagido a participar ou abrir mão de sua propriedade. Muitas pessoas poderiam escolher uma “utopia” bastante parecida com o ambiente das pequenas cidades, ou dos subúrbios, ou dos centros urbanos de hoje, mas todos nos beneficiaríamos com a oportunidade de escolher outras variáveis e de observar e imitar inovações valiosas. Em tal sociedade, o governo toleraria, como Leonard Read apontou, “qualquer coisa pacífica”. Comunidades voluntárias fariam regras mais estritas, mas a ordem legal de toda a sociedade puniria somente as violações dos direitos alheios. Ao reduzir e descentralizar radicalmente o governo — respeitando plenamente os direitos de cada indivíduo —, podemos criar uma sociedade baseada na liberdade individual e caracterizada por paz, tolerância, comunidade, prosperidade, responsabilidade e progresso. Podemos chegar a esse mundo? É difícil prever o caminho de curto prazo de qualquer sociedade, mas, a longo prazo, o mundo vai reconhecer a natureza repressiva e retrógrada da coerção e as possibilidades ilimitadas criadas pela liberdade. A disseminação do comércio, da indústria e da informação enfraqueceu as antigas formas como os governos mantinham os homens sob seu domínio e continua mesmo agora a libertar a humanidade de novas formas de coerção e controle desenvolvidas pelos governos do século XX. Conforme adentramos um novo século e um novo milênio, encontramos um mundo de possibilidades sem fim. A premissa fundamental de um mundo de mercados globais e novas tecnologias é o libertarismo. Nem o socialismo estupidificante nem o rígido conservadorismo poderiam produzir a sociedade livre e tecnologicamente avançada que antecipamos para o século XXI. Se queremos um mundo dinâmico de prosperidade e oportunidade, terá que ser um mundo libertário. Os princípios simples e atemporais da Revolução Americana — liberdade individual, governo limitado e mercados livres — no mundo de hoje, com comunicação instantânea, mercados globais e acesso sem precedentes à informação, são ainda mais poderosos do que Jefferson e Madison poderiam ter imaginado. O libertarismo não é apenas uma base para utopias; é a base essencial para o futuro.
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Apêndice
Você é libertário?
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libertarismo começa com uma simples afirmação dos direitos individuais, mas levanta perguntas difíceis. A questão política fundamental é: você toma as decisões que são importantes para sua vida, ou outra pessoa as toma por você? Os libertários acreditam que os indivíduos têm tanto o direito quanto a responsabilidade de tomar suas próprias decisões. Não libertários de várias denominações políticas acreditam que o governo deve tomar algumas ou muitas das decisões importantes na vida do indivíduo. Por exemplo, pense se você concorda com o seguinte: Contanto que eu respeite os direitos dos outros, devo ter o direito de: r Ler o que eu quiser — mesmo que isso possa ofender outras pessoas na comunidade. r Escolher o tratamento médico que eu achar melhor — mesmo que seja arriscado.
Se sua resposta a essas perguntas for “sim”, então você provavelmente concorda com algumas posições libertárias básicas sobre as liberdades pessoais: o governo não tem que se meter a estabelecer religiões oficiais, implementar códigos morais ou regulamentar pornografia ou discursos discriminatórios. Isso não significa que os libertários apoiem nenhuma dessas escolhas em particular, mas sim que respeitam o direito de outros adultos de fazer suas próprias escolhas. Agora pense nessas outras questões: Contanto que eu lide honestamente com os outros, devo ter o direito de: r Ganhar mais dinheiro do que outras pessoas, mesmo que eu não dê contribuições a instituições de caridade. r Deixar minha riqueza para meus filhos, embora os filhos de outras pessoas possam nascer menos abastados. 259
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Se sua resposta a essas perguntas for “sim”, então você concorda com o objetivo libertário básico da liberdade econômica. Agora pense neste outro jeito de ver a liberdade: O governo deveria proteger o direito de cada indivíduo à vida, à liberdade e à busca de felicidade, embora algumas pessoas possam ganhar mais dinheiro do que outras, ou usar seu poder para tentar criar mais igualdade (em termos monetários) dando o dinheiro de algumas pessoas a outras? Se você ainda estiver a favor da liberdade — em oposição à coerção do governo — na obtenção de resultados, então você está pronto para medir seu libertarismo. Novamente usando o gráfico em formato de losango descrito no capítulo 1, damos-lhe agora a oportunidade de se posicionar no espectro político. No contexto americano moderno, encontramos frequentemente conservadores apoiando restrições do governo às escolhas pessoais das pessoas e os social-democratas apoiando restrições às suas decisões econômicas. A distinção, claro, não é nada óbvia; conservadores podem ser mais inclinados a favorecer subsídios para grandes empresas do que os social-democratas, e muitos social-democratas apoiam restrições a fumo, posse de armas e doações a candidatos eleitorais. O questionário a seguir pergunta se você acha que cabe a você ou ao governo decidir se você participa de várias atividades, que foram divididas em “Liberdades Pessoais” e “Liberdades Econômicas”. (Deve-se notar, porém, que a divisão das escolhas individuais em “pessoais” e “econômicas” é um tanto arbitrária. Todas as escolhas envolvendo sua vida são pessoais, e a maior parte das escolhas envolve direitos de propriedade e troca econômica.) Some 10 pontos quando achar que cabe a você decidir, 5 quando não tiver certeza e 0 quando achar que cabe ao governo. Então marque sua pontuação no gráfico em losango. Liberdade Pessoal Quem deve decidir se você vai: usar cinto de segurança? possuir uma arma? prestar serviço militar? fumar maconha? usar tratamentos médicos arriscados? envolver-se em um relacionamento homossexual? comprar um filme pornográfico? comprar um livro machista? mandar seu filho para determinada escola? ter acesso irrestrito à internet? Pontuação total de liberdade pessoal:
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Liberdade Econômica Quem deve decidir se você vai: comprar um carro importado? pôr suas economias na Previdência Social? dar dinheiro aos pobres? dirigir um táxi sem alvará? contratar um empregado de outra raça? construir uma casa sem licença? pagar subsídios a agricultores? trabalhar por menos que o salário mínimo? estabelecer uma empresa de entregas postais para competir com o Correio? comprar seguro contra enchentes ou terremotos? Pontuação total de liberdade econômica:
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Agora marque sua pontuação em Liberdade Pessoal na escala à esquerda do gráfico e a de Liberdade Econômica na escala à direita. O ponto onde se encontram as projeções de suas pontuações revela sua posição no espectro político.
Pouquíssimas pessoas terão pontuações “perfeitas” em qualquer direção. Se você leu este livro, espero que tenha se convencido de que as pessoas podem tomar a maior parte das decisões sobre sua vida melhor do que o faria qualquer legislador ou regulador e que sua pontuação esteja próxima do topo do gráfico, no quadrante Libertário. (E, se você ainda não leu o livro, espero que o leia e então faça o teste de
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novo.) Se estiver, bem-vindo ao movimento político que vai mudar o século XXI. Se não, espero que você pelo menos tenha se sentido desafiado e intrigado pelos argumentos e que no futuro note mais e mais exemplos dos benefícios da ordem espontânea e das dificuldades ligadas ao governo coercitivo.
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Apêndice
Leituras Recomendadas
Capítulo 1 Uma introdução básica às ideias libertárias pode ser encontrada em Murray N. Rothbard, For a New Liberty: The Libertarian Manifesto (Nova York: Collier, 1978). Uma apresentação mais atual e menos radical é a de Charles Murray, What It Means to Be a Libertarian (Nova York: Broadway, 1997). Para ideias contemporâneas de políticas libertárias, ver David Boaz e Edward H. Crane, eds., Market Liberalism: A Paradigm for the 21st Century (Washington, D.C.: Cato Institute, 1993). Outras obras libertárias introdutórias incluem F. A. Hayek, O caminho da servidão (Porto Alegre: Globo, 1977); Milton Friedman, Capitalismo e liberdade (São Paulo: Abril Cultural, 1984); e David Friedman, The Machinery of Freedom (La Salle, Ill.: Open Court, 1989). Os leitores interessados na Grã-Bretanha talvez queiram consultar Geoffrey Sampson, An End to Allegiance (Londres: Temple Smith, 1984). E, para uma visão libertária bem-humorada do estado intervencionista, ver P. J. O’Rourke, Parliament of Whores (Nova York: Atlantic Monthly Press, 1991). Capítulo 2 Para uma introdução à história da liberdade, ver Lord Acton, Essays in the History of Liberty (Indianapolis: Liberty Classics, 1985); Alexander Rustow, Freedom and Domination (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1980); e Ralph Raico, “The Epic Struggle for Liberty” (Nova York: Laissez Faire Books, 1994), série em áudio. Excertos de muitas das obras dicutidas neste capítulo estão em David Boaz, ed., The Libertarian Reader: Classic and Contemporary Writings from Lao-Tzu to Milton Friedman (Nova York: Free Press, 1997). Outra seleção de documentos e excertos dos escritos liberais clássicos está em E. K. Bramsted e K. J. Melhuish, eds., Western Liberalism: A History in Documents from Locke to Croce (Nova York: Longman, 1978). Sobre a emergência da liberdade e do comércio na Europa, ver E. I. Jones, The European Miracle (Cambridge: Cambridge University Press, 1981); Douglas Irwin, Against the Tide: An Intellectual History of Free Trade (Princeton, N.J.: Princeton 263
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University Press, 1996); e Nathan Rosenberg e I. E. Birdzell Jr., A história da riqueza do Ocidente: a transformação econômica do mundo industrial (Rio de Janeiro: Record, 1987). Sobre as origens libertárias dos Estados Unidos, ver Bernard Bailyn, As origens ideológicas da Revolução Americana (Bauru, SP: Edusc, 2003), e Arthur Ekirch, The Decline of American Liberalism (Nova York: Atheneum, 1967). Os livros-chave do liberalismo clássico estão disponíveis em muitas edições e abrangem John Milton, Aeropagítica; John Locke, Segundo tratado sobre o governo; David Hume, Tratado da natureza humana; Adam Smith, Teoria dos sentimentos morais e A riqueza das nações; Thomas Paine, Senso comum e os direitos do homem; Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, O federalista; Alexis de Tocqueville, Democracia na América; John Stuart Mill, Sobre a liberdade; Herbert Spencer, Social Statics e O indivíduo e o Estado; Wilhelm von Humboldt, Os limites da ação do Estado; e vários escritos de Thomas Jefferson, Benjamin Constant, Frederic Bastiat, William Lloyd Garrison e Mary Wollstonecraft. Escritos dos Levellers podem ser encontrados em G. E. Aylmer, ed., The Levellers in the English Revolution (Ithaca, N.Y: Cornell University Press, 1975), e as Cartas de Cato estão disponíveis em Ronald Hamowy, ed., Cato’s Letters (Indianapolis: Liberty Press, 1995). Livros libertários importantes do século XX incluem Ludwig von Mises, Socialism (1922; Indianapolis: Liberty Classics, 1981), Ação humana: um tratado de economia (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990), e outras obras; F. A. Hayek, O caminho da servidão (Porto Alegre: Globo, 1977), Os fundamentos da liberdade (Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Visão, 1983), The Fatal Conceit (1988) e Law, Legislation, and Liberty (1973, 1976, 1979) (ambas da University of Chicago Press), e muitas outras obras; Isabel Paterson, The God of the Machine (1943; New Brunswick, N.J.: Transaction, 1993); Rose Wilder Lane, The Discovery of Freedom (1943; Nova York: Laissez Faire Books, 1984); Ayn Rand, A nascente (Porto Alegre: Ortiz, 1993), Quem É John Galt? (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1987), Capitalism: The Unknown Ideal (Nova York: New American Library, 1967), e outras obras; Milton Friedman, Capitalismo e liberdade (São Paulo: Abril Cultural, 1984); Milton e Rose Friedman, Liberdade de escolher (Rio de Janeiro: Record, 1982); Murray Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1972), For a New Liberty (Nova York: Collier, 1978), e The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1982); e Robert Nozick, Anarquia, Estado e utopia (Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991). A produção acadêmica libertária contemporânea é volumosa demais para listar. Uma lista básica incluiria trabalhos nas áreas de economia (Thomas Sowell, Knowledge and Decisions; Israel Kirzner, Competição e atividade empresarial), direito (Richard Epstein, Simple Rules for a Complex World; Ellen Frankel Paul, Property Rights and Eminent Domain), história (Robert Higgs, Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government), filosofia (Loren Lomasky, Persons, Rights, and
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the Moral Community; Tara Smith, Moral Rights and Political Freedom; Tibor Machan, Individuals and Their Rights; Jan Narveson, The Libertarian Idea), psicologia (Thomas Szasz, Law, Liberty, and Psychiatry), feminismo (Joan Kennedy Taylor, Reclaiming the Mainstream; Wendy McElroy, Sexual Correctness), desenvolvimento econômico (P. T. Bauer, Dissent on Development; Hernando de Soto, The Other Path; Deepak Lal, A pobreza das teorias desenvolvimentistas), direitos civis (Walter Williams, The State against Blacks; Clint Bolick, Changing Course), a Primeira Emenda (Jonathan Emord, Freedom, Technology, and the First Amendment), educação (Myron Lieberman, Beyond Public Education; Sheldon Richman, Separating School and State), o meio ambiente (Julian Simon, The Ultimate Resource; Terry Anderson e Don Leal, Ecologia de livre mercado), teoria sociológica (Charles Murray, In Pursuit: Of Happiness and Good Government), bioética (Tristram Engelhardt, Fundamentos da bioética), liberdades civis (Stephen Macedo, The New Right v. the Constitution; James Bovard, Lost Rights), política externa (Earl Ravenal, Defining Defense; Ted Galen Carpenter, A Search for Enemies), novas tecnologias e a Era da Informação (Michael Rothschild, Bionomics: The Economy as Ecosystem; Lawrence Gasman, Telecompetition: The Free Market Road to the Information Highway); e outras. Capítulo 3 Para mais informações sobre a visão libertária dos direitos, ver Robert Nozick, Anarquia, estado e utopia (Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991); Murray N. Rothbard, The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1982); e Ayn Rand, “Man’s Rights”, em Capitalism: The Unknown Ideal (Nova York: New American Library, 1967). Tratamentos mais recentes da questão incluem Douglas B. Rasmussen e Douglas J. Den Uyl, Liberty and Nature (La Salle, Ill.: Open Court, 1991); Jan Narveson, The Libertarian Idea (Filadélfia: Temple University Press; 1988); David Conway, Classical Liberalism: The Unvanquished Ideal (Nova York: St. Martin’s, 1996); e Richard Epstein, Simple Rules for a Complex World (Cambridge: Harvard University Press, 1995). E, claro, as obras de Locke, Hume, Paine, Spencer, e outros citados no Capítulo 2 são também essenciais para um entendimento da teoria libertária dos direitos. Capítulo 4 Sobre individualismo, ver Felix Morley, ed., Essays on Individuality (Indianapolis: Liberty Press, 1977). Ver também Wendy McElroy, ed., Freedom, Feminism, and the State (Washington, D.C.: Cato Institute, 1982); Joan Kennedy Taylor, Reclaiming the Mainstream: Individualist Feminism Rediscovered (Buffalo: Prometheus, 1992); e Clint Bolick, Changing Course: Civil Rights at the Crossroads (New Brunswick, N.J.: Transaction, 1988).
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Capítulo 5 Sobre as regras apropriadas para uma sociedade livre, ver F. A. Hayek, Os fundamentos da liberdade (Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Visão, 1983). Sobre o significado da tolerância e do pluralismo em áreas específicas, ver George H. Smith, “Philosophies of Toleration”, em Atheism, Ayn Rand, and Other Heresies (Buffalo: Prometheus, 1991); Sheldon Richman, Separating School and State (Fairfax, Va.: Future of Freedom Foundation, 1994); e H. Tristram Engelhardt, Jr., Fundamentos da bioética (São Paulo: Loyola, 1998). Capítulo 6 Sobre direito e liberdade, ver F. A. Hayek, Os fundamentos da liberdade (Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Visão, 1983) e Law, Legislation, and Liberty, vols. 1 e 2 (Chicago: University of Chicago Press, 1973 e 1976); e Bruno Leoni, Freedom and the Law (Indianapolis: Liberty Press, 1991). Sobre o direito constitucional moderno, ver Richard Epstein, Simple Rules for a Complex World (Cambridge: Harvard University Press, 1995) e Takings: Private Property and the Right of Eminent Domain (Cambridge: Harvard University Press, 1985); Henry Mark Holzer, Sweet Land of Liberty? (Costa Mesa, Calif: Common Sense, 1983); Stephen Macedo, The New Right v. the Constitution (Washington, D.C.: Cato Institute, 1987); Roger Pilon, “Freedom, Responsibility, and the Constitution: On Recovering Our Founding Principles,” em David Boaz e Edward H. Crane, eds., Market Liberalism: A Paradigm for the 21st Century (Washington, D.C.: Cato Institute, 1993) e “A Government of Limited Powers”, em The Cato Handbook for Congress (Washington, D.C.: Cato Institute, 1995). Ver também, é claro, O federalista e Herbert Storing, ed., The Anti-Federalist (Chicago: University of Chicago Press, 1985), uma coletânea de escritos antifederalistas. Capítulo 7 Sobre a sociedade civil, ver (mais uma vez) F. A. Hayek, Os fundamentos da liberdade (Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Visão, 1983); Ernest Gellner, Condições da liberdade: a sociedade civil e seus rivais (Rio de Janeiro: J. Zahar, 1996); e Charles Murray, In Pursuit: Of Happiness and Good Government (Nova York: Simon & Schuster, 1988). Para exemplos anteriores, ver Adam Ferguson, An Essay on the History of Civil Society (1773); Alexis de Tocqueville, Democracia na América (1835; 1962 no Brasil); e Benjamin Constant, A liberdade dos antigos comparada à dos modernos (Coimbra: Tenacitas, 2001). Sobre a ajuda mútua, ver David Green, Reinventing Civil Society: The Rediscovery of Welfare without Politics (Londres: Institute of Economic Affairs, 1993); David Green e Lawrence Cromwell, Mutual Aid or Welfare State: Australia’s Friendly Societies (Sydney: Allen & Unwin, 1984); e David Beito, “Mutual Aid for Social Welfare: The Case of American Fraternal Societies”, Critical Review 4, n. 4.
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Capítulo 8 Há três livros curtos que oferecem uma fácil introdução à economia: Henry Hazlitt, Economia numa única lição (São Paulo: Ed. Nacional, 1966); Faustino Ballve, Essentials of Economics (Irvington, N.Y: Foundation for Economic Education, 1963); e James D. Gwartney e Richard L. Stroup, O que todos deveriam saber sobre economia e prosperidade (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1995). O estudante sério deve consultar dois tratados excepcionais: Ludwig von Mises, Ação humana: um tratado de economia (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990); e Murray Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1972), junto com sua continuação, Power and Market (Menlo Park, Calif.: Institute for Humane Studies, 1970). Dois bons livros-texto são Paul Heyne, The Economic Way of Thinking (Chicago: Science Research Associates, 1983); e James D. Gwartney and Richard I. Stroup, Economics: Private and Public Choice (Orlando, Fla.: Dryden Press, 1992). Naturalmente, a fonte clássica para a economia é Adam Smith, Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776 e 1974 no Brasil). Capítulo 9 Sobre a visão libertária do governo coercitivo, ver Thomas Paine, Senso comum (1776; 1964 no Brasil); Albert Jay Nock, Our Enemy, the State (1935); Herbert Spencer, O indivíduo e o estado (Bahia: Livr. Progresso, 1948); e Murray N. Rothbard, For a New Liberty: The Libertarian Manifesto (Nova York: Collier, 1978). Sobre Escolha Pública, ver James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962); e James L. Payne, The Culture of Spending (San Francisco: Institute for Contemporary Studies, 1991). Sobre a guerra e o crescimento do estado, ver Robert Higgs, Crisis and Leviathan: Critical Episodes in the Growth of American Government (Nova York: Oxford University Press, 1987); e Bruce D. Porter, War and the Rise of the State (Nova York: Free Press, 1994). Sobre como o governo dos Estados Unidos priva os americanos de seus direitos atualmente, ver James Bovard, Lost Rights (Nova York: St. Martin’s, 1994). Capítulo 10 Sobre abordagens libertárias de questões de políticas públicas, recomendo entusiasticamente David Boaz e Edward H. Crane, eds., Market Liberalism: A New Paradigm for the 21st Century (Washington, D.C.: Cato Institute, 1993) e The Cato Handbook for Congress (Washington, D.C.: Cato Institute, 1995). Capítulo 11 Sobre o problema do fracasso do mercado e dos bens públicos, ver Tyler Cowen, ed., The Theory of Market Failure (Fairfax, Va.: George Mason University Press,
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1988), que inclui, entre outros ensaios, tanto um texto de Coase sobre faróis quanto um de Cheung sobre apicultores. A análise de Allen Wallis pode ser encontrada em Welfare Programs: An Economic Appraisal (Washington, D.C.: American Enterprise Institute, 1968). Sobre o Correio dos Estados Unidos, ver Edward L. Hudgins, ed., The Last Monopoly: Privatizing the Postal Service for the Information Age (Washington, D.C.: Cato Institute, 1996). Sobre educação, ver Sheldon Richman, Separating School and State (Fairfax, Va.: Future of Freedom Foundation, 1994); Lewis Perelman, School’s Out: Hyperlearning, the New Technology, and the End of Education (Nova York: Morrow, 1992); e Myron Lieberman, Public Education: An Autopsy (Cambridge: Harvard University Press, 1993). Sobre comunidades privadas, ver Fred Foldvary, Public Goods and Private Communities: The Market Provision of Social Services (Brookfield, Vt.: Edward Elgar, 1994). Capítulo 12 Para perspectivas libertárias sobre a Era da Informação, ver Lawrence Gasman, Telecompetition: The Free Market Road to the Information Highway (Washington, D.C.: Cato Institute, 1994); Peter Huber, Orwell’s Revenge (Nova York: Free Press, 1994); e Norman Macrae, The 2025 Report: A Concise History of the Future, 19752025 (Nova York: Macmillan, 1985). Um bom recurso para obter livros libertários e informação geral sobre a economia de mercados livres e teoria política libertária é a Laissez-Faire Books, 938 Howard Street, San Francisco, California, nos Estados Unidos.
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Agradecimentos
Agradeço, por qualquer sucesso que tenha obtido na esfera intelectual, a meu pai, que me ensinou sobre o certo e o errado, e a minha mãe, que insuflou em mim o entusiasmo por aprender. Na escrita deste livro, minhas maiores dívidas são com Edward H. Crane, presidente do Cato Institute, por construir uma instituição em que pude desenvolver o conhecimento necessário para produzir este livro e por generosamente me ceder tempo para trabalhar nele; e a Tom G. Palmer, cujos conselhos, críticas e recomendações de leitura, indispensáveis, foram muito além de seu dever. Agradeço também os conselhos sobre várias partes do manuscrito que recebi de Jonathan Adler, Stephen Chapman, Chris Hocker, Karen Lehrman, Ross Levatter, Deroy Murdock, Eric O’Keefe, Ralph Raico, Jonathan Rauch, Andrea Rich e Mario Rizzo. Este livro é dedicado a Roy Childs e Don Caldwell, que o teriam feito melhor, e a Stephen H. Miller.
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Apêndice
Índice
A A. Lilie, Stuart 29 Aborto 63, 67, 78, 91, 174, 252 Absolutismo 10, 41, 42, 44, 185 Ação afirmativa 208-210 Ação humana (Mises) 57, 58 Acton, Lord 26, 36, 39 Adams, John 49 Adventistas davidianos 16, 224 Affluent Society, The [A sociedade afluente] (Galbraith) 23 África 16, 33, 147, 254 África do Sul 32, 33, 99, 210 Agência de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo 79 Agência de Alimentos e Medicamentos 25, 115, 224 Agências federais, abolir as 200 Ajuda mútua 128-34, 213 Substituição do bem-estar social por 135-37 Alemanha Alemanha Ocidental 151, 169 Alemanha Oriental 151 Estabelecimento da igreja 105 Liberalismo na 32 Nazismo 57, 59, 189, 228 Tolerância religiosa na 39 Alemanha Ocidental 151, 169 Alemanha Oriental 151 Ales 130, 131, 135
Alm, Richard 195 Alternativa a empréstimos estudantis 247 American Arbitration Association (AAA) 243 American Civil Liberties Union 99 American Dilemma, An [Um dilema Americano] (Myrdal) 133 American Law Institute 112 Americanos de origem asiática 98 Amtrak 18, 200 Anarquia, estado e utopia (Nozick) 60, 72 André II, rei 39 Andreas, Dwayne 178 Antígona 36 Antissemitas 230 Apartheid 32, 98 Apicultura 234 Arbitragem 243, 244 Archer-Daniels-Midland 114, 176, 178 Areopagítica (John Milton) 42 Argentina 20 Aristóteles 23, 65 “Arrow against all tyrants, An” [Uma flecha contra todos os tiranos] (Overton) 42, 43 Artes 53, 108, 117 Artigo I, seção 8 da Constituição Americana 50, 116, 117, 119 As raízes do libertarismo 35-62 Direitos civis 51 271
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Lei natural 36-37 Moderno 56-60 Pluralismo 37-38 Primórdio 35-42 Tolerância religiosa 38-41, 42 Asiático (a) 23, 98, 99, 209 Assassinato 67 Assistencialismo corporativo 200 Associações de poupança e empréstimo 245 “A tragédia dos comuns” 225, 226 AT&T 194, 255 Ato de reforma das telecomunicações 79 Atomização 122, 123 Autointeresse 48 Em livre mercado 143, 146 No governo 177-178 Automação 169, 170 Avaliação da Performance Nacional (National Performance Review) 180 Axioma da não agressão 76, 84 Fatal Conceit, The [A arrogância fatal] (Hayek) 58, 187 Ayittey, George 130 B Bacon, Roger 39 Balança comercial 46, 163, 164 Barry, Dave 15 Bastiat, Frédéric 53, 58, 164, 168, 179 Baumol, William 157 Bailyn, Bernard 49 Beauchamp, Gorman 129 Becket, Thomas 38, 39 Beecher, Catherine E. 95 Beito, David 132, 135 Bem-estar social 18-20, 212 Crime e 215 De caridade e ajuda mútua ao estado de 135-37 Pobreza causada pelo 212-15
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Tensões raciais e 208-9 Valores familiares e 217-18 Beneficência 46 Benefícios concentrados e custos difusos 177 Bennett, Judith M. 130, 135 Bens de capital 149, 151 Bens de consumo 75, 149-151, 164, 194-196 Bens públicos 242 Bentham, Jeremy 52, 55, 82 Beyond Liberal and Conservative [Para além de liberais e conservadores] (Maddox e Lilie) 29 Blackstone, sir Williams 112 Blinder, Alan 157 Bloudy Tenent of Persecution, for Cause of Conscience, The [A sangrenta perseguição de habitantes por motivos de consciência] (Williams) 105 Bolingbroke, Lord 175, 176 Bonaparte, Napoleão 51 Bork, Robert 72 Boskin, Michael 165 Bósnia 33, 175, 228 Boudreaux, Donald J. 242 Bourne, Randolph 188 Brejnev, Leonid 123 British Airways 19 Bright, John 51 Broder, David 13 Buchanan, James M. 177 Buchanan, Pat 124, 164 Buckley, William F., Jr. 78 Bula de Ouro 39 Bulgária 118 Burke, Edmund 95, 171 Burocratas 23, 27, 115, 136, 177, 180, 181, 220222, 253, 255 Burundi 228 Bush, George W. 8, 165, 174, 175 Byrd, Robert 176
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C Canadá Sistema canadense de saúde 206 Secessão 253 Caminho da servidão, O (Hayek) 17, 58 Canal da Mancha 247 Challenges of World Poverty, The [Os desafios da pobreza mundial] (Myrdal) 170 Capital humano 152 Capitalismo Adam Smith e o 46 Democracia e 23 Liberdade e 170 Rotulando o 30 Valores familiares e 217 Capitalismo democrático 23, 32 Capitalismo e liberdade (Friedman) 59 Caridade 128-135, 214-15 Estado de bem-estar social substituindo a 134-37 Carlos I, rei 41-43, 173 Carlos II, rei 43 Carta Magna 38-39, 118, 171 Cartas de Catão 45 Cartas filosóficas (Voltaire) 44 Carter, Jimmy 21 Casamento 218-19 Homossexual 219 Catão, o Jovem 45 Cato Institute 24, 89, 196 Censura 14, 56, 79, 108, 223 “Central Themes of the American Revolution, The” [Os temas centrais da Revolução Americana] (Bailyn) 49 Centralização 17, 190, 252 Cheung, Stephen 234 Childs, Roy 70, 82 Chile 20, 204 China 25, 32, 252
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Chodorov, Frank 58, 94 Chrysler Corporation 114, 169 Churchill, Winston 115 Cícero 37, 66 Cidade Livre de Christiania 258 Cingapura 204, 257 Cisneros, Henry 252 Cláusula do bem-estar geral 118 Cláusula do ouro 113 Cleveland, Grover 117 Clinton, Bill 8, 21, 79, 91, 100, 174, 180, 186, 190, 204, 239, 250-255 Clinton, Hillary Rodham 100, 107, 176 Clipper chip 256 Coabitação, movimento de 242 Coase, Ronald H. 233 Coats, Dan 251 Cobden, Richard 51 Código Comercial Uniforme (Uniform Commercial Code) 112 Código Justiniano 112 Coke, Sir Edward 112 Coletivismo 17, 20, 53, 56, 65, 97 Colfax, David 239 Comércio internacional 163-67 Coming Slavery, The [A volta da escravidão] (Spencer) 55 Competição 142, 143 Na religião 106 Comunidade Europeia 158 Comunidades privadas 241-43 Comunismo 10, 11, 16-19, 22, 23, 25, 29, 35, 65, 189 Comunitarista 63, 77, 98, 103, 123, 218 Conceived in Liberty [Concebido em liberdade] (Rothbard) 60 Confiança 126-27 Congresso 25, 47, 49, 50, 78, 87, 88, 90, 91, 97, 99, 108, 11-119, 173-175, 177, 178, 180-182, 189, 201, 205, 226, 251, 254, 255
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Conquista Normanda 172-73 Conrail, ferrovia 18 Consciência Liberdade de 78-80 Separação entre estado e consciência 106-110 Conscrição 77, 78 Conselho de Aeronáutica Civil (Civil Aeronautics Board) 180 Conservadorismo 25, 29, 32, 249, 259 Constant, Benjamin 24, 52, 53 Constituição dos Estados Unidos 50-53, 63, 72, 105-108, 113-115, 171, 209, 215, 251 Artigo I, Seção 8 da Constituição 50 Bem-estar geral e 118 Décima Emenda 50, 119, 223, 251, 252 Décima Terceira Emenda 77, 78 Limitações do governo e 116-119 Nona Emenda 50, 119, 223 Primeira Emenda 78, 79, 105, 107, 110 Quinta Emenda 114 Sugestões para melhoria da 118, 119 Controle de aluguéis 155-56 Controle de armas 216-17 Controle de preços 155-58, 205 Controle de salários 205 Cooperação 125, 126 Coordenação 140-144 Copérnico 141 Coreia 33, 228 Coreia do Norte 229 Coreia do Sul 229 Correio dos Estados Unidos 23, 99, 181, 237, 248 Correio eletrônico 237, 238 Counter-Revolution of Science, The [A contrarrevolução da ciência] (Hayek) 58 Cox, W. Michael 195 Crane, Edward H. 24, 32 Crédito 7, 8, 126, 127, 130, 133, 138, 139 Crescimento econômico
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Em livres mercados 150-153 Restaurando o 194-199 Crime 212, 213, 215-217 Controle de armas e 216 Comunidades privadas e 242, 243 Estado de bem-estar e 215 Polícia privada 244 Privatização e 217 Proibição de drogas e 215-216 Cristianismo 36 Croly, Herbert 56 Cromwell, Oliver 42, 173 Cuidados com a saúde 204-208 Efeito do seguro sobre 205-207 Nacionalização dos 21, 206-207 Cuomo, Mario 107, 124 Custo de oportunidade 141 D Dead Right [Certíssimo] (Frum) 137 Décima Emenda da Constituição 50, 119, 223, 251, 252 Décima Terceira Emenda à Constituição 77, 78 Declaração de Direitos (Bill of Rights) 43, 50, 63, 111, 116, 117, 119, 222, 254 Declaração de Direitos de Massachusetts 111 Declaração de Independência 48, 49, 64, 95, 97, 108, 116, 171, 209 Influências na 49 Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas 67 Dellinger, Walter 91 Democracia na América (Tocqueville) 52, 127 Democratas cristãos (Alemanha) 32 Democratic Leadership Council 189 Demosclerosis [Demoesclerose] (Rauch) 179 Den Uyl, Douglas 82, 84, 85 Desastres naturais 244-45, 246 Descentralização 89, 226, 258
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Descentralização 89, 226: ver também Centralização Desregulamentação 161, 246 Desregulamentação de transportes 161 Destruição criativa 143, 154, 257 Devolução 252-255 Dickens, Charles 55 DiIulio, John, Jr. 215 Dinastia Stuart 41-43 Dinheiro 47, 113 Dionne, E. J., Jr. 17 Direita religiosa 105 Direito à água 70 Direito consuetudinário 41, 47, 112, 160, 226, 227, 244 Direito contratual Disputas/resoluções alternativas no 244 Declínio do 199 Liberdade no 80-82 Direito jurisprudencial 111-12 Direito, legislação e liberdade (Hayek) 57-58 Direitos 28-30: ver também Direitos conservadores 63-91 Complicação do governo 90-91 Falsos 63-64, 87-90 Humanos 70-72 Iguais 66 Impossibilidade de conflito 88 Individuais 25 Natural: ver Direitos naturais Propriedade: ver Direitos de propriedade Direitos civis 51, 98, 209 Direitos da mulher e feminismo 51, 95-97 Direitos de propriedade 68-72, 73, 81, 84, 88, 90, 160-63 Aquisição original da propriedade 69-70 Como direitos humanos 70-71 Execução dos 161-63 Impossibilidade de abolir 69
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Locke sobre 43 Meio ambiente e 144, 225 Pluralismo e descentralização no 89-90 Teoria do justo título 72-76 Direitos humanos 70-72 Direitos iguais 66 Direitos individuais 25 Direitos naturais 44, 46-47, 52, 63 Constituição sobre os 50 Crenças alternativas 82-7 Declaração da Independência sobre 49 Em emergências 84 Implicações dos 77-82 Limites dos 84-87 Discovery of Freedom, The [O descobrimento da liberdade] (Lane) 59 Disputas/resoluções alternativas 243, 244 Distribuição padronizada 73-75 Divisão do trabalho Em livres mercados 145-147 No comércio internacional 164 Divórcio 217, 218, 252 Dole, Bob 174, 176, 251 Douglas, Roger 20 Douglas, William O. 72 Douglass, Frederick 53 Doyle, Don H. 133 Driscoll, Sister Connie 214 Du Pont de Nemours, Pierre 45 Duke, David 211 E Economia de escala 166 Economics in One Lesson [Economia numa única lição] (Hazlitt) 58, 168 Economics: Principles and Politics [Economia: princípios e política] (Baumol e Blinder) 157 Economistas austríacos 57 Economy of Cities, The [A economia das cidades]
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(Jacobs) 213 Edelman, Marian Wright 239 Educação 134, 219-222, 247 Baixa qualidade da 220, 221 Bolsa escolar 222 Centralização da 255 Educação doméstica 239-40 O governo foge da responsabilidade 238-241 Pluralismo na 107, 108 Prévia do sistema público de 222, 234-236 Emergências 84 Empreendedores 147-150, 242 Crítica ao empreendedorismo 150 Tributação e 158 Epstein, Richard 115 Equivalente moral da guerra 189 Era da Informação 255-57 Era da Inovação 257 Erhard, Ludwig 57 Escassez 68-69, 83, 151 Escócia 33, 254 Escola de Salamanca 9, 39-40 Escolha Pública 177, 191 Escravidão 10, 51, 53, 77, 97, 98, 108, 208, 209 Individualismo versus 97-98 Espanha 31, 41, 42, 253 Esquerda 28-30: ver também Liberalismo Essay on the History of Civil Society [Ensaio sobre a história da sociedade civil] (Ferguson) 45 Estado Contornando o 247 Democrático 173-77 Governo distinguido de 172 Origens do 172 Estado de direito 26, 111, 160 Estado democrático 173-177 Estatuto pela Liberdade de Culto da Virgínia 107 Estoicos 37 É tarefa de uma aldeia (Hillary Rodham Clin-
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ton) 100 Ethics of Liberty, The [A ética da liberdade] (Rothbard) 60 Exército de Salvação 74, 128, 135-136 F Fábrica de automóveis Jaguar 19 Falácia da janela quebrada 169 Falha de mercado 231-33 Família Combate à pobreza 213, 214 Pluralismo na família 107 Faróis 233-34 Fascismo 10, 17, 23-25, 29, 35, 185, 249 Fascismo: Doutrina e instituições (Mussolini) 185 Fatal Conceit, The [A arrogôncia fatal] (Hayek) 58 Federal Express (FedEx) 23, 238 Federalista, O 45 Feminismo e os direitos das mulheres 51, 95-97 Ferguson, Adam 45 Ferroviárias, nacionalização de 18, 189 Filhos fora do casamento 130, 213, 214, 217-218 Filmer, Sir Robert 43 Filosofia do poder 35 “Filosofias de tolerância” (George Smith) 104 Fisiocratas 45-46 Flynn, John T. 58 Fogueira das vaidades, A (Wolfe) 246 Foldvary, Fred 242 Foot, Michael 190 For a New liberty [Por uma nova liberdade] (Rothbard) 60 Formação do caráter 137 Fountainhed, The [A nascente] (Rand) 59 França Leis de transmissão na 79, 80 Iluminismo na 45 Saúde pública na 207 Tolerância religiosa na 104
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Franklin Roosevelt 56, 113, 115, 117, 250, 251 Franks, Marlene Strong 96 Fraude 76 Frezza, Bill 256 Friedman, David 82, 84 Friedman, Milton 32, 59, 72, 82, 180 Friedman, Rose 180 Frum, David 137 Fukuyama, Francis 23 Fumo 89, 223, 262 “Fundos de catástrofe” [Act of God bonds] 247 Futuros de catástrofes 246, 247 G Gaebler, Ted 250 Ganhos inesperados 183 Garrett, Garet 58 Garrison, William Lloyd 82, 53 Geiger, Keith 238 Gellner, Ernest 123, 124 Gender Justice [Justiça de gênero] (Kirp, Yudof e Franks) 96 General Motors 114 George, Henry 166 Gingrich, Newt 28 Glendening, Parris 176 Godless Constitution, The [A constituição sem Deus] (Kramnick e Moore) 105 Godwin, William 95 Goethe, Johann Wolfgang 52 Goldin, Kenneth 234 Goodman, Ellen 174 Goodman, John C. 207 Gorbachov, Mikhail 123 Gordon, Thomas 44 Gore, Al 239, 250, 251 Gospel Mission 214 Governo A atual fuga dos serviços do 236, 237
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A descoordenação do livre mercado 153-168 Buraco na sociedade livre 171 Como complica os diretos 90, 91 Crescimento econômico e 196-199 Destruição do meio ambiente e 227 Dinheiro tomado anualmente 197, 198, 250, 251 Distinção entre estado e 172 Formas específicas de diminuir o tamanho do 198, 199 Intelectuais e 183-188 Limitando 26, 49-51 Limites constitucionais ao 116-119 Manutenção de emprego e 153-155 O que se vê e o que não se vê 53, 168-170 Os efeitos da guerra no tamanho do 228-230 Processo produtivo e 167, 168 Razões para oferecer serviços 235, 236 Razões para o inchaço do 177-183 Sociedade civil e 134-137 Sociedade versus 48, 49 Governo contratual 242 Grã-Bretanha 105 Bem-estar social 19-20 Conquista Normanda da 172-73 Cuidados nacionais de saúde 206 Direitos Civis na 51 Empregos em 154 Iluminismo na 42-44 Início das ideias libertárias na 31 Reação ao absolutismo 41-42 Religião oficial na 105-106 Sistema de educação na 234-35 Sociedades fraternas na 131-32 Tolerância religiosa na 38-39, 104 Grande depressão 56-57 Grande Sociedade 94-95, 212 Granny flats 218 Grécia Antiga 23-24, 25, 31, 35-36 Green, David 131, 135
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Green, T. H. 184 Grimké, Angelina 95, 96 Grimké, Sarah 96 Griswold v. Connecticut 72 Grócio, Hugo 40 Guerra 27, 228-230 Grande governo criado pela 251-52 Razões para evitar 229-30 Spencer sobre a 52 O estado e a 188-91 Galbraith, John Kenneth 22, 23 God of the Machine, The [O Deus da máquina] (Paterson) 17, 59 Guerra 188-91 Guerra do Vietnã 174, 175, 229 Guerra à pobreza 137, 191, 209 Guerra civil 113, 188 Guerra da Crimeia 51 Guerra do Golfo Pérsico 228 Guerra Fria 21, 200, 228-230 Guerras religiosas 40, 106, 109 Guildas 50, 89 Guilherme 43 Gwartney, James D. 151, 153 H Haiti 228 Hardin, Garret 225 Harman, Lillian 107 Harmonia natural de interesses 27 Harrington, Michael 190 “Harrison Bergeron” (Vonnegut) 66 Hayden, Tom 185 Hayek, Friedrich A. 17, 22, 33, 47, 54, 57, 58, 59, 89, 106, 111, 112, 114, 118, 170, 187, 223, 257 Hazlitt, Henry 58, 168 Heilbroner, Robert 41, 57 Helms, Jesse 16, 211 Henderson, Wade 211
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Henrique II, rei 38 Herbert Spencer 52, 55, 60, 82 Hess, Karl 228 Heyne, Paul 140 Hitchinson, Anne 104 Hitler, Adolf 16, 17, 185 Holanda: ver Países Baixos Holcombe, Randall G. 242 Holmes, Oliver Wendell 71 Holzer, Mark 113 Homem modular 124 Homossexualidade 80, 87, 223-24 Casamento e 219 Direito à privacidade e 72 Hong Kong 8, 24, 165, 166 Hooks, Benjamin 109 Hopkins, Thomas D. 161, 198 House of Hope 214 Human Capital Resources 247 Humboldt, Wilhelm von 52-53 Hume, David 25, 45, 46, 82, 88, 94, 118, 121 Hungria 39, 123, 171 Hutcheson, Francis 45 I Ignorância racional 174 Igreja católica 40, 41 Igreja, separação do estado: ver Separação entre igreja e estado Igualdade 65-67 Igualdade de oportunidades 66 Igualdade de resultados 66 Ilegitimidade: ver Filhos fora do casamento, imigrantes, sociedades fraternais 132-34, 135 Iluminismo 44, 45, 183 In Defense of Government [Em defesa do governo] (Weisberg) 251 In Pursuit: Of Happiness and Good Government [Em busca: da felicidade e de um bom governo]
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(Murray) 137 Índia 24, 158, 253 Índice de Depredação pelo Governo 196-97, 198 Índios americanos 198 Individualismo 25, 93-101 Escravidão versus 97-98 Estado atual do 98-101 Feminismo e 95-97 Racismo versus 97-98 Tolerância religiosa e 104 Inflação 113, 182 Informação 140-44 Inglaterra: ver Grã-Bretanha Institute for Independent Education 239 Intelectuais 183-87 Introdução а análise econômica (Samuelson) 233 Investimento 151 Irã 32 Israel antiga 25, 31, 35-36 Itália 185, 253, 254 ITT 255 J Jackson, Jesse 16, 239 Jacobs, Jane 213 Jaime I, rei 41 Jaime II, rei 43 James, William 189 JAMS/Endispute 243 Japão 153, 164, 165, 169, 228, 252, 257 Jefferson, Thomas 25, 27, 31, 48, 49, 50, 54, 60, 64, 65, 66, 67, 82, 87, 95, 97, 107, 119, 171, 177, 183, 184, 224, 228, 259 Jenny Craig Company 89 Jesus 37 João Calvino 40 João de Salisbury 39 João, rei 38-39 Johnson, Lyndon 137
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Johnson, Paul 20 Júlio César 44-45 Jus Resistendi 39 Justiça distributiva: ver Teoria do justo título K Kant, Immanuel 52, 95 Katz, Michael 135 Keh 130 Kelley, David 82 Kennedy, Edward M. 78, 221, 239 Keynes, John Maynard 184, 201 King, Martin Luther, Jr. 209 King, Rodney 16 Kirp, David L. 96 Kirzner, Israel 150 Klaus, Václav 145 Knapp, Theodore J. 177 Kramnick, Isaac 105 Krauthammer, Charles 29 L Laissez-faire da política 45, 83-84 Landers, Ann 86 Lane, Rose Wilder 59 Lange, David 20 Lao-tsé 9, 31, 35 Ledeen, Michael 21 Legislação 11-12 Lei 111 Constituição e 111-12 Contrato: ver Direito contratual Estado de direito 26, 111, 160 Igualdade perante a lei 66 Interesse especial 114-15 Jurisprudência 111-12 Resolução alternativa de disputas 243-44 Lei da igual liberdade 52, 60, 84 Lei da Moeda de Curso Legal 113
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Lei de Decência nas Comunicações 79 Lei de Exclusão Chinesa 98 Lei de Magdeburgo 39 Lei de Registro da População (África do Sul) 99 Lei do salário mínimo 156, 157, 213 Lei natural 47 Desenvolvimento 40 História 36-7 Lei Seca 188 Lei, a (Bastiat) 53 Leis de exercício profissional 109, 114, 135, 213 Leis de interesse especial 114-15 Leis de zoneamento 88, 134, 211, 218 Leis protecionistas 53 Lenin, Vladimir 60 Leontief, Wassily 185 Levatter, Ross 24 Liberales (Espanha) 31 Liberalismo Clássico: ver Liberalismo clássico Declínio 53-56 Evolução do significado 31-34 Guerra e liberalismo clássico 228 Liberalismo clássico 31 – 33, 53, 54, 185 Nascimento 43 No século XVIII 44-47 Os últimos liberais clássicos 58, 59 Pluralismo e tolerância no 103-104 Resultados do 51-53 Resumo das crenças 28-30 Liberdade 24 Filosofia da 35 Negativa 77 Liberdade de consciência 78-80 Liberdade de contratar 80-82 Liberdade de expressão 68, 78, 79 Liberdade de imprensa 68, 89, 145 Liberdade de pensamento 68 Liberdade dos antigos comparada à liberdade dos
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modernos, A (Benjamin Constant) 24 Liberdade negativa 77 Liberdades civis 222-224 Libéria 228 Liberty [Liberdade] (Harman) 107 Liberty Against Power [A liberdade contra o poder] (Childs) 70 Liberty and Nature [Liberdade e natureza] (Den Uyl) 85 Liga Norte 253 Limites da ação do estado, Os (Humboldt) 52 Lindbeck, Assar 156 Lindsey, Brink 9, 166 Little House on the Prairie [Casinha na pradaria] (Wilder) 59 Livre mercado 139-170 A descoordenação do governo 153-168 Crescimento econômico e 150-153 Divisão de trabalho em 145-147 Informação e coordenação em 140-144 “Livres para escolher” (série de televisão) 59 Locke, John 25, 31, 32, 43, 44, 46, 49, 53, 70, 82, 87, 94, 95, 104, 105, 118, 121, 184 Longman, Phillip 202 Loury, Glenn C. 209 Lucros 148-49 Luís XIV, rei 41 Luís XV, rei 45 Luís XVI, rei 45 Lutero, Martinho 40 M Macaulay, Thomas Babington 167 Macedônia 228 Machan, Tibor 82 Machinery of Freedom, The [O maquinário da liberdade] (David Friedman) 84 MacKinnon, Catharine 184 Maconha 223-24
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Macrae, Norman 154 Maddox, William S. 29 Madison, James 50, 87, 104, 117 Magaziner, Ira 186 Maine, Henry Sumner 51, 80 Man, Economy and State [Homem, economia e estado] (Rothbard) 60 Manutenção de empregos 153-55 Mão invisível 46 Maria de Orange, rainha 43 Marx, Karl 17, 31, 34, 55, 60, 75, 103, 104, 122, 121, 184, 187 Marxismo 55, 122-124, 185 McCain, John 78 McCormick, Anne O’Hare 56 McKenzie, Richard 154 Mediação 243-44 Medicaid 213, 244 Medical Savings Accounts 207-208 Medicare 18, 110, 174, 180, 202, 235, 244 Meio ambiente 224-228 Destruição governamental do 225, 226 Direito à propriedade e 145, 226 Leis relacionadas ao 115 Privatização e 226 Meio econômico de adquirir riqueza 172, 179 Meios políticos de aquisição de riqueza 172, 178-79 Mencken, H. L. 56, 58, 87, 173 Menem, Carlos 20 Mercados de commodities 245, 246 Mercados futuros 245, 246 Mercados: ver Livre mercado Mercantilistas 46, 165 Mill, James 235 Mill, John Stuart 31, 52, 54, 55, 184, 233 Milton, John 42, 79, 105, 184 Mises, Ludwig von 22, 57-58, 59, 82, 83, 139, 143, 165 Monarquia 48-49 Monopólios 50
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Moore, R. Laurence 105 Moral Equivalent of War, The [O equivalente moral da guerra] (James) 189-90 More of the Same [Mais do mesmo] (Mencken) 173 Morley, Felix 58 Movimento abolicionista 53, 78, 87, 95-97, 209 Murray, Charles 136 Musgrave, Gerald L. 207 Mussolini, Benito 17, 185 Myrdal, Gunnar 133, 170 N Nacionalização 18, 189 Da assistência médica 21, 186, 206-207 Nacional-socialista 17 Nation 17, 51, 55, 58, 185 Naverson, Jan 82 Nazismo 189 Negros [African americans] 51, 73, 89, 95, 96, 98, 99, 108-110, 125, 133, 208-213, 239 New Deal 34, 56, 58, 115, 117, 185 Nipo-americanos 98 Niveladores 31, 42, 44-47, 49, 53, 173 Nixon, Richard 21 Nock, Albert Jay 32, 58 Nona Emenda da Constituição 50, 119, 223 Nouvellet, Dominique 253 Nova Zelândia 9, 20, 98, 139, 165, 204 Nozick, Robert 60, 72-72, 82, 258 O Objetivismo 59 Odum, Howard W. 133 Oppenheimer, Franz 172, 179 Orçamento Orçamento de defesa 200 Ordem espontânea 25-26, 35, 45-48, 55, 58, 139140, 150, 156, 257, 264 O’Rourke, P. J. 15
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Os fundamentos da liberdade (Hayek) 58, 106, 111, 223 Osborne, David 250 Our Enemy, the State [Nosso inimigo, o estado] (Nock) 58 Overton, Richard 43, 104 P Padrão de ouro 113 Paine, Thomas 15, 25, 27, 32, 36, 48, 51, 122, 173, 188 Países Baixos 41, 104, 253, 257 Palmer, Tom G. 232 Partido Democrático (Alemanha) 32 Partido Democrático (alemão) 32 Partido Liberal (Inglaterra) 31 Partido Libertário 33 Partido Peronista (Argentina) 20 Partido Trabalhista (Nova Zelândia) 19-20 Paternalismo 194 Paterson, Isabel 17, 59 Patient Power 207-208 Patient Power: Solving America’s Health Care Crisis [Poder ao paciente: resolvendo a crise de saúde nos Estados Unidos] (Goodman e Musgrave) 207 Patton, Paul 255 Payne, James L. 182 Paz 27, 228-30 Pearson, Benjamin 51 Pennsylvania Journal (Paine) 51 Pensadores escolásticos 39-40 Perdas 150 Perfeccionismo 103 Petição, A [The petition of candlemakers against the competition of the Sun] (Bastiat) 53 Philosophy of the Human Mind [Filosofia da mente humana] (Stewart) 45 Pilon, Roger 116 Pitsch, Peter 257 Platão 41, 65
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Pluralismo 103-10 Direitos de propriedade e 89 História do 37-38 Na educação 107 Nas artes 108 Nas famílias 107 Nas questões raciais 108-109 Perfeccionismo versus 103 Pobreza 195 Gastos com a 212 Libertando os pobres 212-15 Poderes delegados 50, 116, 118 Poderes enumerados 50, 116, 117, 119 Poderes limitados 26, 49-51 Apoio constitucional para 116-19 Polanyi, Michael 22 Polícias privadas 244 Política Declínio da 53-56 Desilusão com a 20-21 Escolhas básicas em 23-25 Evolução do significado 31-33 No século XVIII 44-47 Pluralismo e tolerância em 103-104 Razões para a falha da 22-23 Resultados 51-53 Resumo das crenças 28-30 Popper, Karl 26 Pornografia 78 Poupando 151 Power and Market [Poder e mercado] (Rothbard) 71-72 Preço de mercado (market-clearing) 142, 156 Preços 140-42 Previdência Social 18, 19, 134, 198, 201-204, 244, 247 Ajuda mútua versus 128-29 Custo projetado 202-203 Discriminação racial na 109-10
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Esgotamento previsto dos fundos fiduciários 201-202 Fim iminente da 250 Montante gasto em 201-202 Pensão dos servidores federais em comparação à 182 Privatização da 200, 202-204 Valores familiares e 218 Priest, George L. 245 Primeira Emenda 78, 79, 105, 107, 110 Primeira Guerra Mundial 55-56, 188, 190, 229 Princípio da justiça na aquisição 73 Princípio da justiça na transferência 73 Princípios de economia política (Stuart Mill) 54, 233 Princípios do momento presente 73 Privacidade 72, 78, 145, 256 Privatização 200 Crime e 217 da Previdência Social 200, 201-2 Meio ambiente e 225-26 Na Grã-Bretanha 19 Problema do cálculo 22 Problema do incentivo 22 Problema do totalitarismo 22 Problema em “pegar carona” 232, 234, 242 Produção conspícua 22 Produto Interno Bruto (PIB) 15, 151, 196, 229 Produto Nacional Bruto (PNB) 19, 204, 251 Produtores de maçã 234 Proibição de drogas 80, 223, 224 Crime e 215, 216 Tensões raciais e 209 Promise of American Life, The [A promessa da vida americana] (Croly) 56 Protecionismo 166 Protection or Free Trade [Proteção ou livre-comércio] (George) 166 Protestantes 40, 45 Pufendorf, Samuel 40
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Puviani, Amilcare 182 Q Que é visto e o que não se vê, O (Bastiat) 53 Quem é John Galt? (Rand) 59 Quesnay, François 45 Questões raciais Empresários e 147 Individualismo e 97-98 Pluralismo em 108-109 Racismo patrocinado pelo Estado 98-100 Reduzindo tensões 208-12 Quinta Emenda à Constituição 114 R Race and Culture [Raça e cultura] (Sowell) 147 Racism [Racismo] (Rand) 97 Raico, Ralph 40 Rand, Ayn 33, 40, 59, 77, 82, 97 Rasmussen, Douglas 82, 84, 85 Rauch, Jonathan 179, 219 Rawls, John 184 Read, Leonard 33, 259 Reagan, Ronald 19, 20, 21, 28, 137, 197 Reed, Ralph 252 Reflections on the Revolution in France [Reflexões sobre a revolução na França] (Burke) 95-96 Reforma protestante 40-41 Registro Federal (Federal Register) 19, 161, 251 Regulamentações 160-63 Reich, Robert 185-186, 237, 241 Reinventando o governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público (Osborne e Gaebler) 250 Renascença 40 Rentismo 161, 179 Responsabilidade pessoal 126-27 Restoring Constitutional Government [Restaurando o governo constitucional] (Pilon) 116
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Return of Thrift, The [A volta da parcimônia] (Longman) 202 Revolução Americana 48, 50, 60, 97, 171, 259 Revolução Francesa 45, 51 Revolução Gloriosa 43, 44 Revolução Industrial 55, 95, 122, 152, 154, 169, 194 Revolução Inglesa (Revolução gloriosa) 42-44 Riqueza das nações, A (Adam Smith) 46, 48, 146 Risco moral 132, 245 Rise and Fall of Society, The [Ascensão e queda da sociedade] (Chodorov) 94 Robertson, A. Haeworth 202 Robertson, Pat 105 Roepke, Wilhelm 57 Rohatyn, Felix 185 Roma Antiga 36-37, 112 Roosevelt, Eleanor 169 Roosevelt, Theodore 135 Rossetto, Louis 256 Rothbard, Murray n. 59, 60, 71, 82, 83, 150 Rótulos 30-34 Roubo 82 Ruanda 228 Rússia 24, 59, 189, 228, S Samuel 36, 172-173 Samuelson, Paul A. 22, 233 Samuelson, Robert 160 Santo Ambrósio 37 Schiller, Johann Christophe Friedrich von 52 Schumpeter, Joseph 31, 257 Scott, Donald 16, 224 Secessão 253-54 Segunda Guerra Mundial 17, 56, 57, 58, 98, 169, 183, 189, 190, 205, 212, 220, 228, 229 Segundo tratado sobre o governo (Locke) 43, 95 Seguro 244-46 Desemprego 245
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Saúde 205-208 Sociedades fraternas e 132-33 Seguro-desemprego 245 Seis Éditos 45 Sensory Order, The [A ordem sensorial] (Hayek) 58 Senso comum (Paine) 36, 48 Separação entre consciência e estado 106-10 Separação entre igreja e estado 105-109, 254: ver também Tolerância religiosa História 37-38 Razões 106-108 Servidão 51 Serviles (Espanha) 31 Sexualidade 233 Sharpton, Al 211 Shearer, Derek 185 Shelley, Mary Wollstonecraft 95 Shipman, William G. 203 Silver standard 113 Simple Rules for a Complex World [Regras simples para um mundo complexo] (Epstein) 86 Sistema de justiça 243-44 Sistema Jim Crow 98, 108, 209 Smith, Adam 25, 31, 32, 39-40, 45, 46, 47, 82, 95, 146, 149, 163, 167, 184, 195, 228 Smith, George H. 104 Soberania: ver também Soberania individual Sobre outra pessoa ou grupo 65 Sobre todos 65-67 Soberania individual 65, 77 Direitos de propriedade e 68-69 Implicações 67-68 Tolerância religiosa e 104 Sobre a liberdade (Stuart Mill) 52 Sobre a questão judaica (Marx) 121 Social Order of a Frontier Community, The [A ordem social de uma comunidade fronteiriça] (Doyle) 133 Social Statics [Estática social] (Spencer) 52 Social-democracia 33, 249-50
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Socialism (Ludwig von Mises) 57 Socialismo 11, 41, 103, 190, 249, 259 Livre Mercado versus 143-44 Razões para a falha 22-23 Significado de 32 Soberania individual e 64-65 Sociedade civil 121-138 As dimensões da 127, 128 Caridade e ajuda mútua na 128-134 Cooperação na 125, 126. Definição de 26, 121 Governo e 134 Liberdades civis na 137, 138. Responsabilidade pessoal e confiança na 126, 127 Sociedade versus governo 48-9 Sociedades amigáveis 121, 131, 132, 135 Sociedades fraternas 121, 131-133, 135 Sócrates 24 Sófocles 36 Somália 228 Soros, George 123 Sowell, Thomas 147, 186 Spinoza, Baruch 42, 104 Spooner, Lysander 53 Stäel, Madame de 53 Stalin, Joseph 16, 17 Stansel, Dean 196 Steele, Shelby 209 Stegman, Frank W. 177 Stewart, Dugald 45 Stroup, Richard L. 151, 153, 226 Subclasse 212 Subsídios agrícolas 64, 87, 101, 117, 157, 158, 178-180, 200, 227 Subsídios para creches 236 Suécia 105, 207 Suiça 57, 165, 166, 253, 254, 257 Superfund 226
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Suprema Corte (Estados Unidos) Moeda de curso legal e 113 A respeito dos direitos privados 71 Casamentos homossexuais 219 A respeito dos direitos sexuais 223 Susu 130 Suzman, Helen 32 Sweet Land of Liberty? [Doce terra da liberdade?] (Holzer) 113 T Tao 35 Tao Te Ching Lao-tzé 35 Tecnologia 152 Teen Challenge 136 Tempos modernos (Johnson) 20 Teodósio, imperador 37 Teoria do justo título 72-76 Teoria dos sentimentos morais (Adam Smith) 46 Tertuliano 38 Thatcher, Margaret 19-20 Thomas, Franklin 78 Thomson, Judith Jarvis 67 Thurmond, Strom 211 Tirania do status quo 180 Tocqueville, Alexis de 52, 127, 128, 136 Tolerância 103-10: ver também Tolerância religiosa Tolerância religiosa 42-43, 45, 78, 104-105: ver também Separação da igreja e estado História da 38-42 Individualismo e 104 Tomás de Aquino 10, 39, 94 Trabalho infantil 50 Tratado político-teológico (Spinoza) 42 Trenchard, John 44 Triângulo de Ferro 180 Tributos 130, 158-59, 172 Alíquotas mais altas sobre grupos impopulares 183
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Alternativas a 198-99 Ameaça de colapso social pela redução de 183 Conflitos sociais explorados por 183 Educação e 220-221 Ignorância dos valores reais 183 Indiretos 182 Jesus a respeito de 29 Porcentagem necessária para manter benefícios do governo 18 Sobre doações e bens suntuosos 182 Temporários 182 Valores familiares e 218 Trinity House 233 Trocas 146, 147 Tugwell, Rexford 117 Turgot, A. R. J. 45 Twain, Mark 175, 220 U União Europeia 229, 253 United Parcel Service (UPS) 238 Universalismo ético 67 Universidade da Califórnia 99 Universidade de Berlim 184 Universidade de Connecticut 79 Uso de álcool 86, 79, 205 Usucapião 70, 88 Utilitarismo 45, 52, 79-83, 86 Liberdade de expressão e 79 Utilitarismo de Mises 83-84 Utopia 258-59 União Soviética 8, 17, 22, 33, 154, 185, 186, 228 Dano ambiental 227 Razões para o fracasso da economia 22 V Vale escola 222 Valores familiares 217-219 Vantagem absoluta 166 Vantagem comparativa 146, 163, 165, 166
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Veto parcial 119 Virtude da produção 27 Visão instantânea da realidade 194 Visions upon the Land [Visões sobre a terra] (Hess) 228 Vitória, Francisco de 39 Voltaire 44, 104 Vonnegut, Kurt 66 W Wallis, W. Allen 235-37 Walzer, Michael 103 Washington, George 228 Weaver, Sammy 224 Weaver, Vicki 16, 224 Weisberg, Jacob 251 What Everyone should Know about Economics and Prosperity [O que todos deveriam saber sobre economia e prosperidade] (Gwartney e Stroup) 151 Whigs 31 Why Americans Hate Politics [Por que os americanos detestam política] (Dionne) 17 Wildavsky, Aaron 162-63 Wilder, Laura Ingalls 59 Will, George F. 49, 103 Williams, Roger 104, 105, 106 Wilson, James 63-64 Wilson, William Julius 212 Wilson, Woodrow 189 Winston, Clifford 161 Wired 78, 256 Wolfe, Tom 246 Wollstonecraft, Mary 51, 95 Woods, John 214 Y Yudof , Mark G. 96 Z Zaffere, Philip 147
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