Sexta-feira, 18/08/2009. Do rio que era buraco. E apesar de todas as palavras certas estarem lá, as frases bem construídas com o cimento forte do português bem aprendido e a pontuação correta, ela sentia que faltava algo. Algo importante e grande, tão essencial quanto a presença da Lua em uma noite bonita. Rabiscava e reescrevia sem alguma modificação realmente significativa, acabando por se perder cada vez mais do caminho original; ela confundia atalhos e agora estava à beira do rio. E o vento soprava forte e levava grãos de terra para dentro dos seus olhos, cobrindo-os de matéria marrom e viva. Ela coçou os olhos, livrando-se dos grãos com as pequenas mãos. E surpreendeu-se ao abrilos e olhar para o rio, pois este havia sumido e em seu lugar restava apenas um grande buraco. Grande e com um formato bonito, mas sem água não era rio. Era só buraco de terra, cemitério de peixes que ainda agonizavam. Sentou-se na beira do buraco. Se não tivesse outra margem seria precipício, pensou com os olhos duros e marrons. E ninguém poderia dizer quanto tempo se passou, enquanto ela estava ali, vendo seu reflexo na matéria viva e seca, que, no entanto, parecia tão morta e imóvel. Não entendia porque sentia-se tão forte quando igualava-se aos grãos de terra, tão mais antigos do que o antíquissimo. Não entendia muitas coisas, inclusive ela mesma, talvez por isso ela era-se. E admirar aquilo que antes era rio não fazia com que entendesse subitamente, mas de alguma forma desconhecida a tranquilizava. Porque ela se igualava àquilo que jamais teve sua natureza contestada, a terra. Talvez muitos anos tenham passado, não se sabe. O lugar em que ela estava era inabitado por qualquer tipo de incerteza, e se não havia olhos para julgar, menos ainda para perceber. E o teto infinito que havia acima do nada, onde estava, parecia igualmente deserto; até laranja estava. E quando o laranja ainda era laranja, vieram as borboletas. Muitas delas, grandes e coloridas; as asas batiam com leveza e elas se entrelaçavam, deixando rastros azuis no céu. E ela só reparou quando os rastros começaram a soltar água, e foi a chuva mais bonita que já vira em toda a sua vida. Chovia água de borboleta, fazendo crescer flores gigantes aos pés das árvores e o verde do gramado ser mais verde. Logo, o rio voltaria e o buraco sumiria, ela se desesperou. Seu reflexo marrom seria perdido para sempre, para evitar tentava expulsar as borboletas em vão. E o que antes era chuva, agora parecia cachoeira; e as borboletas eram como pedras voadoras. Deveria ela mergulhar na poça que se formava, cavar um buraco e se esconder nele? Poderia fazê-lo?
Enquanto hesitava as borboletas-pedras giravam e jorravam água, o rio estava lá de novo. E ele sorria em deboche, com movimentos tranquilos de rio que ri. Ela se sentou em sua margem e tapou os olhos com as mãos, havia medo de ver-não-se-ver. Os pés tocaram a água de leve, causando choque; ela tremeu e as mãos saíram do lugar anterior. Os olhos caíram direto na água: E as palavras, frases e pontuações agora eram o adorno daquilo que antes lhe faltava, daquilo que ela havia conquistado com o tempo. Marina F. Rocha http://mariseoceanos.blogspot.com/