Patentes De Matéria Biológica

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 PATENTES de MATÉRIA BIOLÓGICA 

Artur Alves, 2003 Ciências da Comunicação Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Universidade Nova de Lisboa







Artur Alves 

Índice

Introdução............................................................................................................3 Capítulo I: Definição e Âmbito das Patentes........................................................7 Capítulo II: Patentes Biotecnológicas e Comercialização de Matéria Biológica.....11 1. Problemas éticos e disposições jurídicas: a directiva n.º 98/44/CE..........17 Capítulo III: Patenteação de Microorganismos, Plantas e Animais....................20 Capítulo IV: Patentes de Matéria Biológica Humana..........................................24 Considerações Finais. .........................................................................................31 Bibliografia.........................................................................................................34

Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-ComercialPartilha, nos termos da mesma Licença 2.5 Portugal. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/pt/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, California 94105, USA.

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Introdução

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ste trabalho tem como objecto uma questão bem actual, premente e, de certo modo, uma das que apresenta contornos mais indefinidos e suscita ampla reflexão nos campos jurídico, biomédico e ético. A patenteação de matéria biológica e a aplicabilidade das patentes, enquanto forma particular de propriedade (assunto a que dedicaremos a nossa atenção mais tarde), a seres vivos abre, contudo, questões de ordem mais vasta, que se relacionam com o sistema comercial e industrial, ou seja, num sentido mais lato, problemas de ordem económica. As questões científicas estão, obviamente, implícitas. O desenvolvimento actual das biotecnologias trouxe, para a Humanidade, enormes vantagens, deixando divisar as grandes potencialidades da tecnociência e abrindo um campo de intervenção ao Homem que, para algumas correntes, o aproxima demasiado de Deus - ou de um deus. A realidade é que, desde a descoberta da existência e a decifração das funções do ácido desoxirribonucleico (ADN) e do aparecimento de técnicas que permitem manipulá-lo, com a emergência da engenharia genética, os cientistas foram capazes de cada vez mais longe, em movimentos cada vez mais ousados, na direcção de práticas cujas consequências não são imediatamente divisáveis, nem exclusivamente científicas. Assim, numa brevíssima cronologia, é já em 1944 que uma equipa de cientistas mostra a importância do ADN para veicular a informação genética. Em 1953, Crick e Watson apresentam a estrutura em dupla hélice da molécula de ADN, enumerando as bases que compõem os nucleótidos (adenina, citosina, guanina e timina)1. O código genético que medeia entre genes e proteínas é descoberto por Ochoa e Nirenberg, nos anos 60. A engenharia genética propriamente dita nasce com as técnicas de recombinação artificial de ADN, em 1973. «O princípio da engenharia genética é transferir um gene estranho para uma célula hospedeira, a fim de que a proteína codificada pelo gene seja aí sintetizada»2; as técnicas usadas para proceder à transferência são múltiplas, cada vez mais sofisticadas, à medida que se intervém em espécies mais complexas. Os casos mais recentes e mediáticos estão ainda bem presentes, como seja o caso da célebre ovelha Dolly, da gata 1

Como seria de esperar, é completamente impossível, neste trabalho, tecer quaisquer considerações de ordem científica. A nossa orientação preferencial é a ética e a moral, relativamente às patentes - não abdicando, contudo, de alguns esteios conceptuais. 2 MISSA, J.-N. e PINSART, M.-G., «Engenharia Genética», in HOTTOIS e PARIZEAU, 1998:187. 3



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CeeCee ou dos rumores de tentativas de clonagem humana na China ou por parte de um médico italiano. Trabalhando sempre com este princípio, não tardou até que se fundassem as primeiras empresas biotecnológicas (os pioneiros foram os fundadores, em 1971, da Cetus) exclusivamente dedicadas à engenharia genética, que desde então tem evoluído rapidamente, o que fica bem demonstrado pelo destaque que as suas realizações vêm tendo no espaço público e na formulação de políticas nesta área, como o Projecto Genoma Humano. Ora, o facto de serem privadas as entidades que se ocupam da área da engenharia genética revela que toda a pesquisa e desenvolvimento levada a cabo tem como horizonte último a obtenção de lucro e que, ainda que haja convénios e moratórias, acordos e leis, esse carácter nunca vai ser rejeitado ou ultrapassado. Então, o que se passa é que, de modo a proteger aquilo que as empresas consideram como sua propriedade intelectual, fruto do seu próprio investimento e trabalho, estas recorrem ao mecanismo instituído da patente. A patente á um dispositivo legal eminentemente voltado para aplicações industriais e comerciais, que confere um direito intelectual temporário, mas alargado e exclusivo, ao inventor de um determinado produto ou processo. Mais adiante, definiremos com maior precisão este ponto. É o cruzamento entre a matéria viva e a propriedade ou direito intelectual que causa problemas. De facto, e dada a distinção jurídica clássica entre, por um lado, coisas e pessoas e, por outro, coisas comuns e coisas que podem ser possuídas, de entre as quais, só as invenções humanas, e não as descobertas, poderiam ser patenteadas, não seria possível reclamar direitos sobre uma forma de vida ou partes dela enquanto tal. Obviamente, isto não impede a invocação de direitos de propriedade e exploração, como bem notam Suzanne Oschinsky e Gilbert Hottois no seu Dicionário de Bioética3. Contudo, não são direitos equivalentes, uma vez que os organismos e matéria biológica que, até hoje, têm sido submetidos a patente não ocorrem naturalmente, sendo antes fruto de uma intervenção humana de qualquer sorte. As questões éticas não desaparecem, contudo, com esta constatação. Mesmo aceitando a aplicabilidade do sistema de patentes, é necessário ainda ter em atenção os efeitos que a comercialização das biotecnologias podem ter sobre as mesmas e sobre a sociedade, mormente sobre a investigação científica e as práticas biomédicas. Um dos grandes receios é, por exemplo, a re- orientação da pesquisa científica privada (e mesmo pública), de acordo com objectivos estritamente comerciais, voltados para a obtenção de patentes - que são, de resto, o modo mais eficaz de protecção 3

Oschinsky e Hottois 1998:39-43 (entrada «Aplicabilidade de Patentes a Seres Vivos»). 4



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da propriedade industrial e intelectual que os sistemas jurídicos hodiernos põem à disposição - e posterior comercialização. Este é um grande senão no conjunto das vantagens oferecidas pelas patentes. A tecnociência, enquanto poderoso instrumento de intervenção sobre o Mundo, tende a usar a Natureza em seu próprio proveito. Nada disto é novo. Contudo, veremos ao longo deste trabalho como o conjunto de questões colocadas pelas novas capacidades de manipulação e transformação é abrangente a se relaciona com questões mais vastas, que vêm complexificar enormemente aquilo que está em causa. Isto porque, ao particular assunto das patentes de matéria biológica estão ligadas questões como a biodiversidade e preservação de espécies (discussão particularmente acesa no que diz respeito ao debate sobre os organismos geneticamente modificados), direitos humanos, direitos dos animais, direitos das gerações futuras, problemas ambientais e questões religiosas. A ordem jurídica já está parcialmente adaptada a esta realidade. Mas tal pode não ser suficiente. A criação de precedentes jurídicos e a simples consideração de manutenção da capacidade competitiva (sobretudo na eterna “rivalidade” entre a Europa e os Estados Unidos da América) pode dificultar a imposição de princípios éticos a uma ciência que, habitualmente, segue inexoravelmente os seus caminhos. Desde a queda parcial do princípio de regulação paritária, após os julgamentos de Nuremberga, é admitida pela sociedade - excluindo sectores da própria comunidade médica - a necessidade de uma ética para as ciências da vida, que permita desenhar e impor limites às actividade da biomedicina. Limites esses que têm de ser mais do que uma mera deontologia, para bem maior da sociedade e da Humanidade. Tratados e convenções sucedem-se. Mas há, entre os modos de alargar a percepção dos problemas criados pela tecnociência em geral e pela biomedicina e biotecnologia em particular, uma área interdisciplinar que permite um pensamento mais frutuoso sobre estas questões. A Bioética surge como forma de pensar estes problemas, enquadrando-os de um modo que reflecte a complicada interdependência do mundo em que vivemos e, sobretudo, as consequências das acções do ser humano no ambiente, nomeadamente nos ecossistemas naturais. A tecnociência, enquanto modo de acção humana, contém em si mesma contradições e limitações que, inelutavelmente, surgem com a sua aplicação no mundo. Não nos referimos apenas às mais do que óbvias espadas de dois gumes, representadas tradicionalmente pela energia atómica, cujas consequências benignas convivem com as mais desastrosas aplicações bélicas. Há também casos, como o do produto químico DDT, em que as consequências não são tão imediatas nem 5



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tão mortíferas, mas que apresentam riscos não negligenciáveis. Assim, é urgente colocar questões e interpor barreiras entre aquilo que é possível fazer e aquilo que se deve fazer em ciência, em primeiro lugar e, depois, usar de precauções múltiplas ao fazer sair do laboratório para a fábrica e, depois, para a biosfera, os produtos que resultam da inovação tecnocientífica. O alargamento do campo da Bioética vai permitir um repensar destas questões, introduzindo no tradicionalmente hermético mundo da ciência considerações que vão além do pura busca do conhecimento, nomeadamente de ordem moral. A complexificação dos processos de decisão em ciência pode ser compensada por uma discussão abrangente que permita uma melhor compreensão entre ciência e sociedade. A emergência da Bioética deve-se, em grande parte, à percepção dos limites ético- morais da tecnociência, que exige uma intervenção, em nome do bem comum. Este trabalho, incidindo sobre o problema da patenteação de matéria biológica, vai abordá-lo por fases, ao longo de quatro capítulos. O I Capítulo é dedicado à definição da noção e âmbito da patente, descrevendo aquilo que é, no ordenamento jurídico avaliado na literatura especializada, o processo através do qual uma patente pode ser obtida, para que serve, como actua e quais são as suas limitações. No II Capítulo estabeleceremos uma relação entre a obtenção de patentes de matéria biológica e a comercialização, baseada nos pressupostos do Capítulo I. Dar-se-á, neste ponto, uma atenção especial à Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia (Directiva n.º 98/44/CE, de 6 de Julho de 1998), relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas. Referiremos sucintamente outras disposições em vigor para esta área, como convenções e tratados. No III Capítulo dedicar-nos-emos ao estudo dos problemas éticos e morais suscitados pela patenteação de organismos não humanos (microorganismos, plantas e animais), enquanto no IV e último capítulo resumiremos as complexidades relativas às patentes de matéria biológica humana. Esperamos, assim, poder dar um panorama geral mas sucinto e actual do estado da questão, tecendo comentários e explorando as complexidades de tão profundo problema - que está, não nos esqueçamos, na ordem do dia, tal como todas as temáticas relacionadas com a biotecnologia.

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 Capítulo I: Definição e Âmbito das Patentes

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egundo o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em parecer emitido em 1993/1994,

A patente, integrando o leque dos direitos de propriedade, surge (...) como um exclusivo de protecção, obedecendo a determinados requisitos específicos, mormente a novidade, utilidade, susceptibilidade de aplicação industrial, inventabilidade e repetibilidade. O seu titular dispões, assim, se um direito de produzir ou utilizar a invenção patenteada»4. Mais sucintamente, «Uma patente é um direito exclusivo, mas temporário, de explorar um objecto caracterizado por (a) novidade; (b) actividade inventiva; (c) aplicação industrial. Estes três critérios determinam a aplicabilidade de patentes: deve tratar-se de uma novidade resultante de um processo de invenção que seja industrialmente explorável. A aplicabilidade de patentes a seres vivos implica, pois, a possibilidade e a vontade de o tratar em conformidade com estas três características.4

Temos aqui, portanto, duas definições bem claras e sucintas daquilo que se refere quando falamos de patente. Percebemos, deste modo, porque é esta considerada o modo mais eficaz de proteger uma invenção. É um regime concebido para proteger a indústria e os inventores, orientado para a atribuição de benefícios e compensações pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento, ou seja, tende a premiar o inventor e fabricante de um determinado produto ou processo. Confere, na prática, o direito exclusivo de uso, ou monopólio, de um determinado objecto patenteado, a uma dada entidade que requer a patente, negando a todos os outros o direito de fabricar, usar ou vender tal invenção. Tem um período de tempo limitado e não é renovável, o que significa que, tendo em conta o processo burocrático exigido para a obtenção de uma patente, no termo desse período, o objecto se torna passível de uso público. Na realidade, de modo a obter uma patente, o requerente tem de entregar uma descrição da invenção que permita a um técnico da área recriá-la e usá-la - no entanto, o Estado encarrega-se de se certificar que ninguém tem o direito de o fazer, para além do requerente. Estes direitos exclusivos constituem uma enorme vantagem para o inventor e fabricante, uma vez que não só lhe dão a propriedade intelectual sobre o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Documentação, vol. II (1993-1994), Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa, INCM, Maio 1995, pg. 98. 4

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produto, como lhe permitem auferir lucros substanciais a partir da sua comercialização monopolista. Assim, verificamos que as patentes funcionam como um incentivo para actividades que possuam as características que exigem para a sua concessão: a actividade inventiva e a aplicação industrial. Ou seja, o investimento em produtos novos é generosamente remunerado pelas leis que regulam as patentes, justificando, assim, a atracção que a obtenção de patentes origina. Isto é verdade em todos os campos da actividade industrial, mas assume, neste trabalho, particular interesse na biotecnologia; também aqui, as patentes dão o incentivo necessário para arriscar avultados investimentos privados na indústria. Aliás, os lucros que este sistema permite são normalmente tidos como justificados por políticos, economistas, empresas e investigadores, devido à grande produtividade e contínuo desenvolvimento de empresas dessa área. Quanto maior é a novidade e originalidade do produto ou processo desenvolvido, maiores são os riscos assumidos no investimento, mas é também maior o proveito e a possibilidade de obter uma patente muito vantajosa. E, claro, a utilidade é essencial e fácil de compreender, até por uma lógica puramente económica de alocação de recursos. A repetibilidade é, por si só, extremamente relevante na medida em que é o factor que determina a capacidade de produção ou aplicação industrial. A ciência é construída a partir das regularidades, nas quais tende a instalar máquinas. Compreendemos facilmente que, em vista do bem público e tendo em conta um “direito natural”, o Estado concede estas patentes (por períodos limitados, habitualmente entre 15 e 20 anos), contanto que cumpram estes requisitos. Ainda que, tradicionalmente, fossem concebidas e concedidas para objectos inanimados, os estados alteraram as suas disposições legais e políticas - estamos a pensar no caso dos Estados Unidos da América - de modo a poder responder às solicitações constantes das novas empresas da área das biotecnologias, que procuravam, a partir dos anos 70, modos de rentabilizar a sua pesquisa, por um lado e, por outro, responder a uma crescente solicitação por parte de uma sociedade progressivamente medicalizada. De facto, a procura de produtos de cariz biotecnológico alarga-se com o crescimento da cronicidade das doenças, problemas ambientais e novas doenças incuráveis, que depositam uma pressão acrescida sobre os sistemas de saúde públicos e privados. É como se, actualmente, a ciência já não pudesse limitar-se a procurar na Natureza os seus recursos, mas se visse impelida, devido aos meios fantásticos de que passa a dispor, a elaborar os instrumentos vivos com que tem de trabalhar. Para alguns, tratase de mais um aprofundamento da Ciência que já não pode deixar de ser tecnociência; para outros, é um passo cuja medida o Homem não pode aferir com segurança. De notar que, como afirma Enrique Marín Palma, a ideia de patente vem acompanhar a concepção de que era necessário proteger os inventos enquanto forma de o 8



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Homem intervir sobre a Natureza, de colocar as forças naturais ao seu serviço5. Daqui, aliás, se depreende, devido à divisão implícita entre Homem e Natureza, que teria necessariamente de se considerar, para efeito de atribuição de patente, a distinção entre descoberta e invenção. Segundo o parecer do CNECV já mencionado, que por sua vez se baseia no Código da Propriedade Industrial, «a “invenção” tem como objecto algo que não existia ainda, representando uma concepção inteiramente nova, uma criação nova do espírito, ao passo que a “descoberta” coloca em evidência uma coisa que ainda não era conhecida, havendo nela unicamente o reconhecimento ou a verificação, pela primeira vez, de elementos ou fenómenos até então desconhecidos»6. É esta distinção que causa problemas quando passamos, dentro das patentes, para patentes de matéria biológica. As complexidades e subtilezas dos novos regimes de patentes - que já não aquele trabalhado na sequência da Revolução Industrial -, que nos pareceram algo herméticas a princípio fazem, contudo, todo o sentido quando se tem em conta outros elementos, de que falaremos nos capítulos seguintes quando nos referirmos com mais pormenor às patentes de matéria biológica. Contudo, continua a ser, para muitos, contra- intuitivo e até sacrílego falar de patentes nestas condições. Não obstante, como já referimos, a revisão das disposições legais urge quando se encontra em jogo algo de que toda a Humanidade pode beneficiar. Para além de proteger o inventor, a patente - convém termos isto em mente - beneficia também o público em geral e o consumidor em particular, não só por incrementar o crescimento económico e o desenvolvimento científico e industrial (o que também está longe de ser linear, como é óbvio), mas também por responsabilizar claramente a entidade por hipotéticos danos ou incumprimento. Claro que, a jusante, temos também as vantagens comerciais que advêm do monopólio e cujos rendimentos funcionam como «incitamento à actividade científica»� de não pequena relevância. É necessário ainda considerar que existem diversos tipos de invenção, cada um relativo a objectos distintos e conferindo prerrogativas diferentes aquando da candidatura a patente. Trata-se de invenções de produtos, de processos, de dispositivo para iniciar o processo ou de uma utilização do produto. Como é habitual na literatura sobre a questão, apenas teremos em consideração, para este trabalho, as invenções de produtos ou processos, embora as invenções de utilização de um produto também possam definir alguns aspectos das patentes biotecnológicas. 5 6

Cf. «Patentes de Materia Viva», CAMBRÓN, A., 1998:165. CNECV, 1995:107 9



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Ora, as patentes relativas à invenção de produtos são aplicáveis, segundo a CNECV (Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida), a plantas ou animais transgénicos, órgãos, tecidos, células e produtos sintetizados por qualquer um deles; as patentes relativas a processos são concedidas para proteger o processo pelo qual são obtidos os produtos ou as novas substâncias, a partir deles. Isto reveste-se de particular importância no debate sobre a patenteabilidade de genes humanos. De resto, estas são as distinções consideradas canónicas pela literatura analisada, possuindo um valor inestimável para a discussão que se desenrola em torno destes temas. As questões mais propriamente relacionadas com as patentes biotecnológicas são analisadas no capítulo seguinte.

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 Capítulo II: Patentes Biotecnológicas Comercialização de Matéria Biológica

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uma entrevista concedida à revista Scientific American, John J. Doll, director para a biotecnologia do US Patent and Trademark Office, estima que, desde 1980, foram concedidas mais de 20 000 patentes para genes ou moléculas relacionadas (relativas a todos os organismos vivos) e que existem cerca de 25 000 aplicações cujas candidaturas são passíveis de atribuição de patente. Isto é bem revelador do tipo de corrida às patentes que decorre na indústria biotecnológica extremamente competitiva dos Estados Unidos da América, iniciada, nos moldes actuais, no final dos anos 60, quando se tentou patentear o primeiro microorganismo geneticamente modificado. Aquilo que torna a patenteação de matéria biológica tão problemática são as diversas dimensões da questão inicial. Ou seja: em primeiro lugar, há resistências à possibilidade ou moralidade de reclamar propriedade sobre organismos vivos ou partes deles, qualquer que seja a sua forma; depois, não parece óbvio que o espírito do conceito e instituição da patente seja o adequado, uma vez que se destina a produtos e processos industriais e não exactamente biológicos. Claro está, o facto de existir, hoje em dia, uma “bio- indústria”, deveria ser - e foi - suficiente para uma redefinição das fronteiras do patenteável e, mesmo, das concepções tradicionais de coisas que podem ou não ser apropriáveis enquanto propriedade intelectual/industrial. O pano de fundo destas questões continua a ser a possibilidade de obter lucros com a alteração e manipulação genética dos organismos existentes na Natureza, ou seja, com a comercialização� dos produtos biotecnológicos e a subordinação da investigação biomédica a imperativos de mercado. As inquietações e perplexidades são tanto mais compreensíveis quanto estas indústrias operam com questões de saúde pública, manipulando, com maior ou menor controlo, produtos de carácter biológico dos quais depende a nossa sociedade largamente medicalizada (por exemplo, o sangue para transfusões, que é submetido a processos de tratamento antes de chegar ao destinatário. De salientar que, sendo embora a doação de sangue voluntária e gratuita, as empresas que fazem os tratamentos necessários à purificação e isolamento dos componentes obtêm com isso lucro, também devido ao facto de possuírem as patentes dos processos de tratamento). Ora, como já afirmamos supra, parece-nos que as fronteiras foram modificadas 11



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por imperativos e razões perfeitamente justificáveis, uma vez que o desenvolvimento das biotecnologias tem mostrado a sua utilidade para a Humanidade. Ainda que as suas maiores promessas (terapêutica genética alargada às doenças hoje incuráveis, para as doenças genéticas, no campo da transplantação, testes genéticos, clonagem e intervenção nas linhas somática e germinal) ainda façam parte do futuro, podemos afirmar que, pelo menos a avaliar pelos números do USPTO, um longo caminho foi já percorrido, em que as disposições legais e o modo de fazer ciência se influenciaram mutuamente, de forma a conseguir um equilíbrio sempre frágil. Tal equilíbrio consegue-se, quase sempre, com alguns atropelos às considerações éticas consideradas relevantes ou indispensáveis por sectores menos liberalizantes, ou mais conscienciosos. Os problemas apresentados pela comercialização (cuja essência não nos compete, aqui, colocar em causa) são múltiplos, mas todos relacionados com esta orientação das pesquisas e produção para a obtenção de lucros (recordemo-nos que mesmo o trabalho dos investigadores do National Institute of Health dos EUA - entidade estatal - é sujeito a patentes de modo a, de acordo com os responsáveis, rentabilizar a pesquisa e financiá-la), o que justifica o uso da instituição da patente. Esta, como já vimos, tem como objectivo, entre outros, o estímulo da continuação das pesquisas e desenvolvimento de novos produtos e processos. Mas diversos autores nos alertam para os problemas éticos e jurídicos suscitados pela patenteação de matéria biológica, como uma das dimensões específicas do problema mais vasto da comercialização destes produtos. De alguns desses problemas apercebemo-nos quando falamos das patentes. Há autores que afirmam haver a possibilidade de uma propriedade pública do património genético, mas esta hipótese revela-se como apenas parcialmente alternativa, porque fica aquém do objectivo (louvável, aliás) de estímulo à actividade inventiva e científica. Apesar de tudo, a engenharia genética ainda não está a tornar realidade os vaticínios apocalípticos de alguns, e é de crer que trará grandes vantagens para a Humanidade. Aliás, com o actual estado da questão, não é realista pensar que se possa dar uma alteração radical do actual modelo. Na realidade, «Las empresas biotecnológicas existentes y las que a un ritmo frenético comenzaron a aparecer, denotaban el terreno multimillonario que se presentaba como seguro para la inversión de sus capitales»7, o que constitui o melhor incentivo possível para uma acção agressiva e impossível de parar. Tal como acontecia com as parcerias e joint- ventures que neste campo organizavam empresas e institutos de investigação ou laboratórios. O horizonte último desta cooperação é sempre a obtenção de exclusivos (leia-se patentes) para produzir um 7

«Patentes de Materia Viva», CAMBRÓN, A., 1998:169 12



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qualquer produto, sempre lucrativo ou com bom potencial, ou descobrir um processo revolucionário para a indústria farmacêutica e genética. A esta cooperação tão próxima não pode deixar de apontar-se um defeito: teme-se, e nem sempre sem razão, que o facto de os cientistas se encontrarem sob pressões deste género possa dar azo a uma condução exterior das pesquisas. Na realidade, pensa-se que, em nome de imperativos comerciais, de molde a obter patentes sobre os resultados com maior valor comercial da sua pesquisa, os investigadores podem inflectir a sua pesquisa para esse tipo de áreas. Igualmente, ao estar nos quadros de uma empresa privada, o investigador encontra-se sob a alçada de uma entidade que, muito provavelmente e em nome do segredo comercial, limitará severamente o intercâmbio científico. Segundo Enrique Marín Palma, investigadores de institutos públicos sentem-se, com alguma frequência, tentados a vender os resultados das suas investigações nesses centros, ocultando-os do público e da comunidade científica a troco de somas avultadas, que não auferem enquanto funcionários do Estado. Obviamente, percebemos que aqui está presente uma cláusula moral, que não considera motivo válido para a alteração das linhas de pesquisa científica o lucro. As imposições ético- legais que a sociedade moderna coloca à investigação científica são de natureza completamente distinta. Com esse objectivo são colocadas nas directivas relativas às patentes cláusulas que salvaguardam a ordem pública e bons costumes, justamente pensando em casos semelhantes de claro atentado à ética e à moral vigente. Igualmente, são de modo comum impostas severas limitações àquilo que pode ser ou não patenteado, normalmente dividindo a matéria biológica em categorias semelhantes a estas: micro- organismos, plantas, animais não humanos e ser humano. A nível da avaliação moral, há dois grandes modos de olhar para a questão: a partir dos princípios e a partir das consequências (principialismo e consequencialismo, segundo Rogeer Hoedemaekers). São orientados para os efeitos que um produto pode ter, e cada um tenta definir critérios básicos para a atribuição ou não de uma nova patente; são, contudo, limitados, e tendem a passar por cima da própria tecnologia, sem uma posição crítica que seria essencial para perceber o carácter moral e ético da engenharia genética. Segundo o autor referido, é importante (...) a more contextual and two- way approach, which does not only examine the manner in which a specific technology is embedded in (and is influenced by) specific moral, cultural or religious values (which may be questioned), but also the manner in which technology is

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transforming important moral and cultural values (which may raise new moral questions).8

Só com esta nova estratégia se pode passar para uma nova forma de avaliar o sistema, tal como ele está - sem que se ponha na mesa a possibilidade de um corte radical com ele, como já foi acima referido. A patenteação levanta questões morais muito importantes. Operou um corte extremo com o modo de ver o mundo e a acção humana, graças à engenharia genética. A subsistência de visões metafísicas das formas de vida faz com que, ao discutir este problema, nos deparemos com a sacralização, religiosa ou não, da vida e da matéria biológica. Assim, um argumento frequente refere-se aos receios de redução da vida a mero problema de composição química; os materialistas afirmam, porém, que a vida em si não é o objecto da patente, mas sim compostos químicos. Na mesma linha de sacralização da vida, argumenta-se afirmando que patentear matéria biológica obedece a uma falta de reverência pela vida, mas não nos parece, tal como acontece com Nils Holtug, que isso seja muito diferente de possuir animais. Relativamente ao bemestar e ao problema do sofrimento, falaremos mais adiante, no capítulo dedicado à questão específica das formas de vida que podem ser objecto de patente. Obviamente, o facto de ser possível patentear matéria biológica faz-nos ver a vida, como fenómeno, de um ponto de vista diferente.9 Os debates desenham-se principalmente em torno da patenteação de genes mas, de um modo geral, há pouco de definitivamente admitido neste campo, muito embora se continuem a adoptar os procedimentos normais das patentes. Procura-se justificar moralmente o sistema de patentes, a aplicabilidade destas a formas de vida, a patenteabilidade do ADN e, particularmente, do material genético humano, a própria patenteação de invenções (a que já nos referimos) e a avaliação dos efeitos da própria patenteação. Do campo técnico- legal ao religioso e lógico, passando pelo ambiental, nem sempre estão directamente relacionados com os efeitos os argumentos utilizados. A avaliação da tecnologia e da moral subjacente é multidisciplinar e incide sobre todos, ou quase todos, os aspectos do processo que desemboca no pedido de patente, pondo em causa, segundo Hoedemaekers, os princípios que orientam a pesquisa, a investigação e desenvolvimento, a patente, o fabrico, os testes, a publicidade e marketing, o uso apropriado e as consequências ou implicações sociais. Em qualquer uma destas fases, directamente relacionadas com a comercialização dos produtos biotec8

HOEDEMAEKERS, 2001:274.

Seguimos aqui de muito perto HOLTUG, Nils, «Creating and Patenting New Life Forms», in A Companion to Bioethics (ed. Helga Kuhse and Peter Singer), Blackwell Companion to Philosophy, GrãBretanha, 1998, pgs 206-14. 9

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nológicos, colocam-se problemas prementes, o que justifica a importância que a uma avaliação moral deve ser atribuída. Segundo o autor referido, esta avaliação deve implicar: 1. Analysis of the various forms of interaction of a specific technology with society or societal segments of various stages of development. 2. Exploration of (new) moral issues resulting from this interaction at various levels. This involves mapping and analysis of interests, objectives, claims, arguments and concepts, used in the various (moral) debates generated by a specific technology. 3. Exploration of value systems generated by a specific technology and its products and its interaction with important societal values. 4. Examination of the transformational and conditioning powers of a specific technology. This includes assessment of the promotional and marketing phase.10

Note-se que, tal como é preconizado pelo autor, dá-se primazia à análise ético-moral e não à consideração dos efeitos ou à imposição de princípios apriorísticos ao processo. Esta concepção é ideal para a tomada de decisão e discussão dos processos, sendo, portanto, particularmente indicada para os debates alargados, orientados ou não para a definição de políticas. De qualquer dos modos, aqui se encontram sintetizadas as principais preocupações e perplexidades relativas à patenteação de matéria biológica em geral. É nestas dimensões que nos vamos basear para, nos próximos capítulos, tornar a nossa análise mais pormenorizada. Há ainda algo a que não nos referimos mas que, por lhe encontrarmos particular interesse, não queremos deixar de apontar: as relações Norte- Sul na biotecnologia. Na realidade, verificamos que os países em vias de desenvolvimento, onde de encontra uma grande biodiversidade, constituem enormes reservatórios potenciais de genes. No entanto, o que acontece é que, como em muitas outras áreas, estes são recursos que só podem ser explorados em grande escala pelos países desenvolvidos, do Norte. O facto de nestes se estar a desenvolver a tendência a usar as patentes como forma de protecção pode levar a que a biodiversidade dos países do Sul seja “apropriada” e aproveitada em favor das empresas biotecnológicas, não possuindo os primeiros, em contrapartida, a capacidade e recursos quer para concorrer, quer para comprar os novos produtos postos à disposição. É aquilo que Renée Vellvé classifica como «(...) un conflit très grave entre le statut des ressources génétiques comme patrimoine commun de l’humanité

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HOEDEMAEKERS, 2001:283. 15



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et le statut de propriété privée que l’on accorde aux inventions intelectuelles»11. As questões que aqui perpassam, relativas à biodiversidade e aos direitos dos países pobres, são vastas e muito difíceis de pormenorizar, mormente num trabalho com esta dimensão. Fica, no entanto, a referência e o enquadramento. Mas, claro está, o património genético não é patenteável na sua forma natural, como veremos detalhadamente mais adiante. O que acontece é que genes, ou sequências de genes, apenas podem ser objecto de patente se forem resultado de intervenção humana. O processo artificial de obtenção do objecto sobre o qual é pedida a patente é condição sine qua non para a sua concessão. Isto é decisivo na argumentação de que nos ocupamos aqui. Por exemplo, a patente de um microorganismo só pode ser concedida se ele tiver sido geneticamente manipulado, não ocorrendo na Natureza, ou tiver sido isolado dela, purificado, por assim dizer, por meios técnicos. Assim, a obtenção de uma forma mais pura de um gene (digamos, um que codifique a disposição para uma determinada condição) ou a descoberta de uma forma mais simples de sintetizar uma proteína são patenteáveis, por serem originais relativamente aos processos naturais. A comercialização, que se desenhara como fantasma durante tanto tempo, passou a ser uma realidade bem presente, fazendo emergir perigos que tanto podem dizer respeito a excessiva permissividade como a um proibicionismo moralista. As mudanças estruturais possíveis, cujas variantes analíticas já foram descritas, têm de ser debatidas e ponderadas, de modo a agir em conformidade com as questões colocadas pelo desenvolvimento da ciência, que a experiência mostra ser praticamente imparável, em termos práticos. Este facto levou a que fossem dadas à luz inúmeras directivas e convenções, destinadas a limitar e controlar legalmente o desenvolvimento e as áreas de expansão da biotecnologia. Tomaremos, em particular, a Directiva Europeia relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas como objecto de análise, para verificar o estado das políticas europeias neste campo. Sempre em mente estarão também os Estados Unidos da América, de longe a maior “potência biotecnológica” e o país pioneiro nesta área. Entre disposições legais e documentos de cariz menos vinculativo, verificamos haver um cuidado especial na reflexão política e ética sobre estes temas. De qualquer modo, a fronteira entre as diversas possibilidades de discussão é muito mais marcada no que diz respeito ao Homem do que relativamente a microorganismos, plantas e animais. Aqui, há diversos níveis a ter em conta: o nível molecular, celular, dos órgãos e do próprio ser humano. Teremos isso em conta quando, no último capítulo, analisarmos essas questões.

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In GROS e HUBER (Org.), 1992:499.

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1. Problemas éticos e disposições jurídicas: a directiva n.º 98/44/ CE

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egundo o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida,

[A]s fontes legais que podemos encontrar em matéria de direito de patentes a nível europeu, para além das legislações nacionais, são as seguintes: Convenção Europeia de Patentes (Convenção de Munique), de 5 de Outubro de 1973; Convenção Internacional para a Protecção das Obtenções Vegetais (Convenção de Paris), de 2 de Dezembro de 1961, revista em 23 de Outubro de 1978 e o Tratado sobre o Reconhecimento Internacional do Depósito de Microorganismos para Fins de Processo em Matéria de Patentes (Tratado de Budapeste), de 28 de Abril de 1977.12

É a partir destas disposições vinculativas, ratificadas por países da União Europeia que, em 1998 sai a lume a Directiva n.º 98/44/CE, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas. Tem como bases o direito de patentes tradicional, datado do século XIX, mas também os recentes desenvolvimentos, a nível de pedidos de patentes de matéria biológica, na Europa e nos Estados Unidos, e procura estabelecer um chão comum para os países membros se guiarem e harmonizarem a legislação, na senda da criação de um mercado único nos termos do Acto Único europeu. Verificamos que esta directiva também tem raízes nas Conferências de Asilomar, realizadas a partir de 1975, para debater os riscos representados pela tecnologia de ADN recombinante, e nas Guidelines elaboradas a partir das mesmas na Europa e Estados Unidos da América, com vista a regular as investigações científicas realizadas, bem como os seus usos comerciais. Apesar da necessidade de uma directiva tal se fazer sentir desde os primeiros pedidos para concessão de patentes e dos primeiros desenvolvimentos da engenharia genética, sobretudo nos EUA, sucederam-se propostas e directivas transitórias, como a de 1995, até se chegar a um ponto favorável à redefinição de algumas questões, posteriormente originando o documento a que devotaremos a nossa atenção nas páginas seguintes. Ainda nos considerandos, podemos constatar a importância que o Conselho e o Parlamento Europeu já dão à engenharia genética, à indústria biotecnológica e 12

CNEV, 1995:98. 17



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à sua evolução actual, bem como aos motivos de ordem económico- financeira que presidem ao uso da patente por parte dessa indústria, como forma de proteger as suas obtenções e investimentos. Parece-nos também estar plenamente consciente da função reguladora e fiscalizadora dos Estados e administração, reafirmando a utilidade das patentes para a protecção jurídica, bem como a necessidade de harmonizar definitivamente o conjunto contraditório de legislações nacionais em vigor com as definições e disposições dos tratados internacionais. Isto com finalidade comercial e de eficácia do funcionamento do mercado interno europeu, em clara concorrência com os Estados Unidos e Japão; está bem presente na exposição de motivos da directiva a intenção de incentivar o desenvolvimento das vantagens que pode apresentar a engenharia genética para a agricultura, para o ambiente, para a economia e para a saúde. Sem esquecer, claro está, a salvaguarda das disposições internacionais relativas à protecção da saúde pública, segurança, ambiente e da diversidade biológica e genética, bem como das normas éticas e deontológicas. Na exposição dos considerandos vemos ainda os problemas relativos ao uso e patenteabilidade da matéria biológica humana; sobretudo, tenta-se impedir a possibilidade ou veleidade de apropriação de algo mais do que elementos isolados do corpo humano, identificados e purificados por processo externos, i.e., técnicos. Num plano mais vasto, também as patentes de matéria biológica não humana são, ainda que de um modo mais moderado, sujeitos a condições, entre as quais se destaca, numa linha de protecção dos países em vias de desenvolvimento, a exigência de localização geográfica da procedência da matéria a patentear. Reafirma-se a relevância dos conceitos de ordem pública e bons costumes, devido ao alcance das invenções biotecnológicas - aplicando-os, de facto, às temáticas da clonagem humana e da intervenção na linha germinal do Homem. Os problemas relacionados com os Direitos Humanos, sofrimento animal e derrogação de direitos de patente são também referidos. Após os considerandos, a Directiva propriamente dita é exposta em cinco capítulos. O primeiro indica as regras de patenteabilidade, em que se dá a seguinte definição de matéria biológica, crucial para este trabalho: «“Matéria biológica”, qualquer matéria que contenha informações genéticas e seja auto- replicável num sistema biológico»13. Os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º são relativos ao que é ou não patenteável, sendo os três últimos uma forma de definição negativa, que inclui as espécies no seu estado natural e o Homem, bem como as invenções contrárias aos bons costumes e ordem pública que não são considerados patenteáveis, a saber:

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Directiva n.º 98/44/CE, Cap. I, art. 2.º, n.º 1, a). 18



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a) Os processos de clonagem de seres humanos; b) Os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano; c) As utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais; d) Os processos de modificação da identidade genética dos animais que lhes possam causar sofrimentos sem utilidade médica substancial para o Homem ou para o animal, bem como os animais obtido por esse processo.14

O segundo capítulo estabelece o âmbito da protecção concedida por uma patente, enquanto o terceiro faz referência às licenças obrigatórias por dependência, relacionadas com a obtenção de patentes que, por ser impossível serem obtidas ou exploradas sem violar um direito anterior, são necessárias para o registo legal de uma nova obtenção vegetal. O capítulo quarto refere-se ao depósito de matéria biológica, acesso a essa matéria e novo depósito, realizados de acordo com o Tratado de Budapeste de 28 de Abril de 1977, em substituição da descrição habitualmente exigida no registo e pedido de patentes. De qualquer modo, esse depósito de matéria biológica numa instituição reconhecida é, posteriormente, aberto ao público, mediante garantia de não comercialização nem utilização que não para experimentação e estudo. O Capítulo V inclui as disposições finais da directiva.

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Idem, Cap. I, art. 6.º, n.º 2. 19



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 Capítulo III: Patenteação de Microorganismos, Plantas e Animais

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á quem fale em “brincar aos deuses”. Há quem acuse cientistas e investigadores, bem como empresas e governos, de estar a “jogar” com a Natureza e com os genes, interferindo com estes de um modo que pode ter consequências imprevisíveis. Mesmo com as actuais directivas e precauções da iniciativa de governos, fruto de estudos levados a cabo por comissões técnicas, científicas, éticas, continua a haver uma grande desconfiança em relação às futuras evoluções das patentes de matéria biológica. Como afirma John Harris, é possível abusar ou fazer mau uso de qualquer técnica ou descoberta científica, e só estando atentos podemos fazer face às potenciais ameaças. E então, os nossos medos relativos às consequências ou efeitos nefastos do uso dessas técnicas não nos devem impedir de usufruir daquilo que de positivo elas nos trazem. Não podemos, ab ovo, limitar aquilo que pode ser uma maisvalia para a Humanidade. A partir do momento em que foi possível fazer engenharia genética através das tecnologias de ADN recombinante, o Homem não resistiu a realizar experiências com essa tecnologia. Esta é uma inquietação que remonta a 1969 (embora alguns autores refiram a patente de uma levedura registada por Louis Pasteur em 1873), quando surgiu a necessidade de patentear o primeiro organismo vivo - neste caso, uma bactéria manipulada geneticamente, do género Pseudomonas, capaz de transformar o crude de petróleo em alimento para gado, e com aplicação óbvia nos desastrosos derrames de petróleo. A criação desta bactéria transgénica viria a dar origem ao célebre caso Diamond vs. Chakrabarty, na sequência do qual a patente da bactéria viria a ser atribuída, em 1981 (U.S. Pat. No. 4,259,444) à empresa que financiou as pesquisas do investigador Chakrabarty, a General Electric Company, com o argumento de que este é um organismo que não ocorre naturalmente e, como tal, pode ser objecto de patente. Contudo, esta decisão permitia patentear microorganismos modificados ou “apenas” isolados da Natureza. Os primeiros são mais fáceis de explicar à luz daquilo que é uma patente, tal como está exposto no I Capítulo deste trabalho, uma vez que são novos e resultam de um processo inventivo. No entanto, os segundos já apresentam problemas de outro tipo, devido à distinção já estabelecida entre invenção e descoberta; por isso, foi à luz do Convénio de Munique, que, no seu artigo 53.º b), não contempla limitações à patenteação de processos microbiológicos, desde que sejam considerados úteis, i.e., que tenham um uso prático. Aqui, portanto, a invenção seria 20



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relativa ao uso a dar à matéria biológica descoberta. Assim, como afirma Marín Palma, (...) Podemos deducir que es posible en Europa patentar un microorganismo extraído de la naturaleza, si: 1. Es posible aislarlo del media en el que se encuentra. 2. Tiene posibilidad de crecer pos si mismo en las condiciones adecuadas. 3. Posee una utilidad industrial demostrada.1516

Obviamente, tratando-se de “meras” bactérias imperceptíveis à vista, não houve reacções muito acesas fora das comunidades científicas e empresariais, aquelas que mais benefícios poderiam tirar desta deliberação. Como se compreende, também estas podem causar problemas, mormente se forem libertadas na Natureza17, ou se tiverem uma aplicação militar, como armas biológicas. Aqui continuam a cruzar-se as grandes questões presentes neste trabalho, i.e., aquilo que representa ter direitos de propriedade sobre uma forma de vida e, por outro lado, a sua utilidade e rentabilidade económica para as empresas biotecnológicas. Estas, à data da decisão do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América, atravessavam algumas dificuldades, e por isso acolheram com entusiasmo a nova oportunidade. Relativamente às plantas, a patenteabilidade desenhou-se no horizonte a partir de 1930, nos Estados Unidos da América, com o chamado Plant Act, que reafirma que a distinção válida para as patentes é aquela entre os produtos que ocorrem na Natureza e os manufacturados pelo Homem. Na Europa, contudo, só com a Convenção de Paris de 1961, relativa à protecção das obtenções vegetais é que se abre uma janela à patenteação de plantas, protegendo as obtenções concedendo ao inventor direitos sobre a comercialização, mas não sobre o uso e propagação normal dos seus produtos. A engenharia genética, contudo, esbatendo as fronteiras entre espécies e reinos, também elimina a possibilidade de resistir à patenteação de produtos que não poderiam existir na natureza (como seja o milho resistente aos insectos, por exemplo). Este tipo de organismos é, actualmente, objecto de uma dupla protecção, através da Convenção de Paris e da patente. 15

Op. cit., pg. 174.

A União Europeia possui, pelo menos desde 1990, directivas regulatórias concernentes à libertação de microorganismos no meio ambiente, visando o seu controlo e restrição. 17

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A grande questão que se coloca relativamente às plantas transgénicas é, hoje em dia, a necessidade de prover à alimentação de um número cada vez maior de seres humanos, tendo em conta a escassez de terra cultivável e as limitações da produtividade das espécies existentes, bem como a sua vulnerabilidade. Só que, lamentavelmente, apercebemo-nos de que continua a ser complicado alimentar o Mundo, porque nem todos podem pagar, por enquanto, os produtos geneticamente modificados. Talvez no futuro a situação se altere. As objecções morais a toda a sorte de manipulação genética são múltiplas, mas há uma que merece especial destaque, que atravessa os grandes conceitos éticos em consideração, uma preocupação com a manipulação de organismos vivos como meios para alcançar os fins humanos. A atribuição de direitos morais a tudo o que é vivo, bem como a imoralização de todos os processos não naturais (a procriação selectiva é habitualmente considerada como um processo natural) são extremamente difíceis, uma vez que não são defensáveis em seres que não sentem e não possuem uma perspectiva do mundo, como os microorganismos, plantas e algumas classes de animais multicelulares. Seria como atribuir direitos morais a esta folha de papel. O que, sem dúvida, não implica a desresponsabilização do ser humano para com a Natureza. As patentes de animais superiores apareceriam, sucedendo naturalmente aos anteriores estádios de desenvolvimento crescente da engenharia genética, na segunda metade dos anos 80. O primeiro caso data de 1987 e é relativo a uma ostra polipóide geneticamente modificada, criada pela Universidade de Washington, cujo conjunto extra de cromossomas lhe conferia um melhor sabor por ser estéril e não perder peso na época de reprodução. A Agência de Marcas e Patentes norte- americana não concedeu a patente por considerar a invenção óbvia, mas considerando, doravante, patenteáveis os animais que obedecessem aos critérios habituais da patenteabilidade. A excepção continuava a ser, como é óbvio, o ser humano. Já em 1988, o USPTO aceitou o pedido de patente para um rato transgénico, por parte da Universidade de Harvard e dos investigadores P. Leder e T. Stewart, ao qual tinha sido acrescentado um onco- gene18 e que se esperava vir a ser útil na investigação oncológica. Na Europa, depois de ter sido negada, a patente viria a ser atribuída em 1992, considerando a utilidade, novidade e carácter industrial da invenção deste animal estranho à natureza. Hoje em dia, este rato pode ser adquirido por laboratórios interessados na pesquisa do cancro. O facto dos animais sentirem, contudo, coloca-os numa posição diferente de plantas e microorganismos. «A introdução de conceitos como “sofrimento” e “utilidade” e a importância neles contida como pressuposto de atribuição de patente, parecem18

I.e., um gene causador de uma predisposição para o desenvolvimento de cancros. 22



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nos fundamentais e consonantes com o princípio de que os animais também são abrangidos pela análise ética, não no sentido de que os animais agem moralmente, mas no sentido de que são merecedores de protecção moral.»19 Isto tem a ver com os direitos prima facie dos animais, ou seja, com as obrigações do ser humano para com eles. Posições deontológicas confrontam-se com posições utilitaristas, que têm em conta a superioridade moral das necessidades humanas quando confrontadas com o sofrimento animal. Temos contudo, de ter em conta que os animais transgénicos são animais de facto novos, e que, assim, têm um telos próprio determinado, tal como a sua existência, pelo Homem. Activistas continuam a tentar introduzir moratórias para limitar as patentes e experiência com ou em vista da obtenção de animais transgénicos. Contudo, os limites parecem-nos já estabelecidos nos seres humanos. Continua a não ser possível patentear raças animais ou variedades vegetais tal como ocorrem na Natureza e, de qualquer modo, os direitos de propriedade intelectual são limitados e revogáveis. O medo das grandes quimeras humanas ou animais continua presente, mas parece, de momento, afastado pelas limitações legais, deontológicas e éticas. No entanto, a discussão em torno daquilo que é ou não patenteável no ser humano parece ser a mais acesa, por motivos que iremos referir no próximo capítulo.

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CNECV, 1995:115. 23



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 Capítulo IV: Patentes de Matéria Biológica Humana O problema reside no facto de considerarmos a patente sobre os genes humanos como sinónimo da coisificação. Há, porém, necessidade de clarificar qual a importância que os genes têm - não só no que diz respeito ao sentido biológico, mas no contexto ético. A questão é saber se os genes têm alguma importância e qualidade específica quando encontrados no Homem. Haverá uma correlação entre os nosso genes e a circunstância de eles fazerem parte de nós enquanto raça humana, em toda a sua dignidade? (J.P. Remédio Marques)

Em seguimento daquilo que foi exposto nos capítulos anteriores, percebemos que os ordenamentos actuais colocam o ser humano numa posição especial, rodeada de protecções e ressalvas, com vista a proteger o Homem das intervenções contrárias à “ordem pública” e “bons costumes”. Assim, é em nome destes princípios, bem como das ideias de dignidade humana, auto- determinação, equidade e imponderabilidade das consequências de determinados tipos de intervenção, que os governos e instituições internacionais impõem barreiras sérias à engenharia genética quando aplicada a seres humanos. Bem entendido, quando falamos de partes e produtos derivados do corpo humano estas ressalvas continuam a aplicar-se, mas a extensão da comercialização destas áreas é já demasiado vasta, e os interesses económicos estão já demasiado instalados e dependentes, para poder impedir totalmente essa comercialização. Daqui não se pode depreender, claro, que esse impedimento fosse desejável ou benéfico. Pensamos que, ao longo deste trabalho, foi possível deixar claro que este é o modo mais eficaz de promover a inovação e o desenvolvimento desta área crucial da ciência hodierna. É também uma das maiores esperanças da Humanidade para resolver problemas vastos, de saúde, de alimentação, ambientais e económicos o que, só por si, justificaria alguma forma de consenso relativamente ao seu desenvolvimento. É necessário fazer concessões e investir no sistema comercial sem, de modo algum, permitir o livre curso dos interesses capitalistas orientados exclusivamente para o lucro, sem consideração dos interesses gerais da Humanidade. Pensamos, assim, que o futuro está na aplicação continuada do sistema em vigor, embora sob a “vigilância” de instâncias reguladoras que coloquem balizas num caminho nem sempre claro ou 24



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transparente. De resto, é este o esquema em vigor, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América. A permissividade liberal usualmente atribuída aos EUA não passa de uma mistificação - pelo menos neste campo -, embora, na realidade, a União Europeia costume adoptar resoluções mais restritivas na área das biotecnologias. Aliás, seria exactamente por isto que as directivas foram sendo alteradas, de molde a colocar a EU em situação de igualdade concorrencial com os outros gigantes económicos. Seria neste espírito que as disposições sobre o corpo humano, nos seus diversos níveis, se revelariam mais específicas e restritivas. Os vários níveis de intervenção sobre a matéria biológica humana encontram-se bem regulamentados e definidos, o que faz com que esse seja uma boa estrutura a aplicar na análise a que nos dedicaremos nas próximas páginas. Como já referimos, há diversos níveis de intervenção sobre o corpo humano: molecular, celular, órgãos e ser humano por inteiro. O nível molecular, que agrupa moléculas de origem humana - genes, proteínas ou outros produtos -, não é considerado o mais problemático. De facto, inúmeras patentes são concedidas anualmente para genes ou proteínas e processos de isolamento, purificação e sintetização dos mesmos. Como é óbvio, existem barreiras, mas normalmente são colocadas no ponto em que aquilo que devia ser uma invenção humana toca a mera descoberta ou descrição. A necessidade de instalar estas barreiras deve-se às múltiplas tentativas de patentear secções do genoma humano cujas funções não tinham sido ainda descobertas. Actualmente, parece ser regra conceder patentes que incluem apenas genes e proteínas perfeitamente conhecidos, mas só com as secções do genoma estritamente necessárias para o produto a patentear. Isto porque, com o Projecto Genoma Humano, se descobriu que muitos genes humanos são responsáveis pela sintetização de diversas proteínas. Aliás, muitos do microorganismos patenteados foram geneticamente alterados de modo a produzir uma substância que apenas os seres humanos possuem, para suprir as necessidades terapêuticas dos sistemas de saúde. Aqui também, portanto, podemos detectar o carácter utilitário da engenharia genética e das patentes de genes humanos. Em todo o caso, continuam presentes graves questões. Quer se possam ou não patentear genes humanos, a verdade é que, para efeitos de investigação científica, os cientistas possuem o poder (e, muito provavelmente, a vontade) de lhes dar usos não permitidos publicamente, mas também não divulgados. O secretismo laboratorial pode ser um aspecto negativo do mecanismo das patentes. Em todo o caso, o uso público de invenções desta 25



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categoria não é permitido, pelo que está excluída a possibilidade de efeitos nefastos em larga escala - o que não significa que este aspecto não seja digno de uma avaliação moral séria. Habitualmente, na escala molecular, é interdita a hipótese de patentear genes ou proteínas no seu estado natural, por serem especificamente “partes do corpo humano”, o que já não acontece quando são purificadas e isoladas, ou seja, quando a patente versa sobre genes humanos sintetizados e modificados. Os genes, enquanto moléculas orgânicas complexas, são tão patenteáveis como qualquer outro composto químico. O seu estatuto especial advém-lhes de serem produtos naturais. O direito de patentes tem, neste ponto específico, a vantagem de exigir a inventibilidade e novidade. Seria, contudo, a este nível que se desenrolaria uma das maiores controvérsias da genética humana: a intervenção sobre a linha germinal e/ou sobre a linha somática. A primeira refere-se à manipulação genética dos gâmetas humanos, de modo a alterar as características dos genes de que são portadores e, assim, poder eliminar defeitos genéticos ou melhorar as características genéticas a transmitir à descendência por um determinado indivíduo; se tem vantagens, no número de intervenções necessárias e no melhoramento da espécie humana quer através da erradicação de doenças genéticas, quer pela manipulação das características directa ou indirectamente controladas pelos genes, possui a desvantagem moral de ser uma prática de natureza eugénica e, como tal, injusta e condenável an sich. As intervenções sobre a linha somática surtem efeitos apenas sobre o indivíduo em que são realizadas, destinando-se a corrigir defeitos ou predisposições genéticas para determinadas doenças (como o cancro, por exemplo). Têm a vantagem de não serem permanentes, uma vez que não se transmitem para os descendentes e, logo, permitirem inflexões no modos de tratamento com o avanço da ciência. Os riscos são, na nossa opinião, bem menores, quer para o futuro desenvolvimento da ciência (por eliminarem património genético que não se conhece a fundo, e que pode provar ser útil), quer para a Humanidade (por não se conhecerem os efeitos que poderá vir a ter, em qualquer das gerações futuras afectadas pela intervenção da engenharia genética num antepassado). Assim, a redução da incerteza científica revela-se como o critério mais seguro a utilizar. O mesmo parecem pensar os autores consultados, que condenam vigorosamente as intervenções sobre a linha germinal do ser humano, seja sob que pretexto for. Aliás, mesmo as intervenções e manipulação da linha somática só são admitidas em caso de absoluta necessidade terapêutica. Igualmente, todos os processos de manipulação da linha germinal estão afastados do horizonte da patenteabilidade, ou seja, não é possível, legalmente, intervir sobre o património genético futuro da Humanidade. A nível celular, as considerações a tecer são de outra ordem. É corrente patentear 26



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linhas celulares humanas, quando estas apresentam características particulares que lhes conferem um carácter único, conducente a aplicações biomédicas de reconhecido valor terapêutico, desde o caso John Moore. Se, hoje em dia, é possível realizar estas patentes, é porque os tribunais dão primazia aos investigadores sobre os dadores relativamente aos direitos e propriedade sobre as linhas celulares. Células que, de resto, quando consideradas isoladamente, não são muito diferentes, para efeitos de patenteação, dos microorganismos acima referidos. No caso de John Moore, este paciente reclamou, junto do Supremo Tribunal da Califórnia, nos Estados Unidos da América, direitos sobre células que tinham sido extraídas do seu baço, que lhe fora retirado cirurgicamente pelo seu médico, na Universidade da Califórnia. O Tribunal decidiu em favor dos investigadores, negando ao acusador a legitimidade para reclamar direitos sobre uma linha celular que, de resto, não tinha sido patenteada tal e qual como fora retirada do seu corpo. De resto, os tribunais concedem com frequência este tipo de direitos, uma vez que a matéria biológica doada ou sem utilidade para o indivíduo pode e deve ser usada para investigação, em prol da Humanidade e do desenvolvimento das ciências biomédicas e da saúde, até porque pode ter efeitos retroactivos sobre os próprios. As linhas celulares assim desenvolvidas podem ser utilizadas para fins clínicos e terapêuticos, possuindo inestimável valor e utilidade para a investigação científica. O facto de poderem ser objecto de patente não é surpreendente, tendo em conta aquilo que anteriormente foi dito. Relativamente à patenteação e comercialização de órgãos humanos, a literatura parece ser, ainda que escassa, unânime: não são patenteáveis. O máximo que pode acontecer, neste campo, são patentes sobre a forma de obter órgãos humanos artificialmente, ou seja, destinados a exotransplantes. De alguns anos para cá, tem tomado forma a hipótese de fazer crescer órgão humanos, destinados a transplantes, nos corpos de outros animais, processo que passa por modificar geneticamente esses animais de modo a que esses órgãos não sejam rejeitados pelos receptores humanos. Esta seria, então, uma forma de controlar aquele que é o comércio mais iníquo do mundo da biomedicina: o tráfico clandestino de órgãos humanos. De facto, este é mais um dos campos em que os mais frágeis e desprotegidos são explorados pelos mais ricos, fazendo com que a venda de órgãos seja uma hipótese de sobrevivência para os desfavorecidos, permitindo aos ricos dos países mais desenvolvidos a continuação da sua vida. Ora, esta é uma perspectiva que, mais do que meramente comercial, pode ser objecto de crime, graças aos lucros fabulosos que este tipo de comércio representa. O transplante de órgãos 27



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e de produtos humanos (sangue e gâmetas) é um mercado que, até agora, tem vivido muito do voluntarismo e da solidariedade, mas pode ser “contaminado” exactamente pelo factor comercial. Como refere Gilbert Hottois20, este é um problema que se situa no cruzamento entre os bens públicos (notavelmente no uso de órgãos de cadáveres e na sua disposição ao uso público), comuns e universais, a necessidade de estruturas de mercado para assegurar a eficácia máxima no processo e as reivindicações religiosas e morais de sectores menos liberais da sociedade. Aliás, alguns movimentos religiosos (por exemplo, Testemunhas de Jeová) recusam, pura e simplesmente, a “contaminação da pureza do corpo humano” de um Homo Dei pela intrusão de elementos estranhos. Também neste caminho podemos encontrar a questão da doação de órgãos e cadáveres para investigação, tão antiga como a própria Anatomia. Aqui, podemos perceber que a questão se coloca, não na solidariedade para com outro indivíduo (que, habitualmente não se conhece, permanecendo em abstracto como um bem que se faz à comunidade em geral, ou um serviço que se presta, dependendo da perspectiva mais ou menos sacralizada), mas para com a investigação científica e o seu potencial de desenvolvimento futuro. Esta última é uma forma de solidariedade mais indirecta, com consequências perversas no caso de uso indevido dos itens para pesquisa. Isto não é de pouca monta, uma vez que qualquer parte do corpo humano usado em investigação tem de ser legalmente adquirido, pelo menos à luz do Direito vigente. No entanto, se imaginarmos um rim oriundo de um qualquer canto obscuro de um país como a Índia (em que a extracção de órgãos sem consentimento se tornou, há vários anos, um crime inconcebivelmente habitual nas grandes urbes como Nova Delhi e Calcutá), posteriormente vendido e transportado rapidamente para uma clínica privada de uma país mais desenvolvido, onde tem como destinatário um indivíduo doente com posses e poder, percebemos como o tráfico se pode desenrolar ilegalmente sem barreiras de maior. É contra este problema que é necessário transformar algumas disposições e práticas normais, em virtude da imoralidade deste tipo de exploração do ser humano. È com este tipo de práticas perigosas e completamente imorais que lidamos no campo das biotecnologias. Apesar de tudo o que se diz, é de facto com vidas humanas que se trabalha. Quanto ao corpo humano como um todo, a literatura é unânime em condenar veementemente a sua patenteação ou apropriação sob qualquer forma. É John Harris21 quem melhor nos descreve os perigos de interferir com o genoma humano de «Solidarité et disposition du corps humain» in Parizeau, M.-H. Les Fondements de La Bioéthique, «Sciences, Éthiques, Sociétés», Bruxelas, De Boeck- Wesmaek, 1992, 199 pgs., pgs. 103-19. 21 No seu livro Supermán y la Mujer Maravillosa, de 1992 e traduzido para castelhano em 1998. 20

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modo a criar seres humanos transgénicos. Ainda que se pudesse criar e patentear, por absurdo, uma nova raça de seres humanos, resistentes a graus mais elevados de poluição atmosférica ou de radiação, sabemos que isso não resolveria problemas atmosféricos, mas teria como consequência o abandono das grandes preocupações ambientais - o que teria graves consequências para os seres humanos “normais”. A criação de quimeras e híbridos humanos traria graves consequências para a sociedade; basta pensar na polémica suscitada por questões como a clonagem e a eugenia (um horizonte implícito na intervenção sobre os seres humanos como um todo) para termos uma ideia do quão caótico seria este procedimento, mormente nos seus efeitos. Hoje em dia, contudo, todas as disposições em vigor colocam categoricamente de lado a mera ideia de criar seres humanos transgénicos ou de poder patentear tal feito. Aliás, se não se colocasse este limite, seria impossível, com argumentos lógicos e retóricos, defender a impossibilidade de patentear uma forma de vida (humana) que, na realidade, não existe na Natureza. Qualquer consideração acerca deste assunto cairia no demasiado óbvio, mas penso que devemos, ainda assim, tentar analisar os grandes princípios que presidem a esta proibição. Em primeiro lugar, considera-se a patenteação de seres humanos contrária à ordem pública e bons costumes, fazendo parte daquelas invenções cuja comercialização é terminantemente proibida. Obviamente, estas são ideias altamente subjectivas, mas por isso mesmo é que devemos considerá-las como necessárias. Como foi dito, não há razão para, face à possibilidade de patenteação sobre animais, plantas e microorganismos, impedir um passo em frente. Só que este passo, como podemos verificar pelo estado da técnica, seria sempre maior do que a capacidade de compreensão e previsão. Em segundo lugar, temos a dignidade humana, que justifica a inviolabilidade do seu corpo. Com o advento da bioquímica, as fronteiras entre a vida e a matéria foram esbatidas, e hoje compreende-se que não há, fundamentalmente, diferenças entre os genes humanos e genes de uma planta (muito embora o próprio conceito de gene humano já acarrete considerações acerca de funções específicas do genoma humano e do ser humano). A dignidade do genoma humano e do Homem é-lhes conferida pela razão humana. Contudo, não é isso que está em causa. O que se passa é que, de todas as coisas do mundo, apenas o Homem como um todo é sujeito de dignidade, passível de avaliação e estatuto ético, muito embora as partes destacáveis do seu corpo possam desfrutar, como equaciona Remédio Marques22, desse estatuto de

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dignidade. Neste sentido, a conduta preconizada é continuar a evitar a patenteação de genes humanos que ocorram naturalmente, de forma a evitar tentações de maior. Em terceiro lugar, temos a auto- determinação, que afirma o direito da pessoa humana a escolher o seu destino, ou melhor, a conduzir a sua vida. As patentes funcionariam para este direito como um inibidor, uma vez que impediriam o indivíduo de ser completamente livre; afinal de contas, havia um direito de propriedade intelectual que o ligada inelutavelmente a uma entidade exterior. Isto é extremamente significativo, e é também razão suficiente para impedir que se operassem manipulações desta ordem. Cruzar as barreiras de algo que se possa classificar como Humanidade, criando quimeras humanas, significa não só passar os limites entre espécies, como também experimentar sobre seres humanos a partir dessa mesma humanidade (que, como se percebe, teria de ser redefinida a cada passo dado pela engenharia genética), o que certamente repugna a todos nós, por mais “útil” que fosse um híbrido humano que, por exemplo, pudesse sobreviver a um ambiente com maior percentagem de poluentes. Os problemas éticos levantados e aqui resumidos sucintamente são de tal ordem que devemos continuar a analisar cuidadosamente todos os passos dados pela engenharia genética em direcção a semelhante ideia.

Patentes de Genes Humanos?, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito Biomédico, Coimbra, Coimbra Editora, Junho de 2001, 154 pgs., pgs. 97-108. ��

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Considerações Finais

Neste curto mas, espera-se, claro trabalho, tentou-se dar uma perspectiva geral do estado da questão da patenteação e da atribuição de patentes sobre matéria biológica. Apesar de toda a pesquisa levada a cabo, estamos conscientes que, dadas as limitações inerentes a este tipo de trabalho, acaba por não ser possível ir tão longe como desejaríamos na problematização e análise; contudo, o método adoptado parece-nos o melhor para apresentar o problema nas suas linhas gerais, tanto mais que, dedutivamente, descemos gradualmente, ao longo de quatro capítulos, no âmbito dos objectos ou subtemas a ter em consideração. A vantagem decisiva é a de que, assim, pudemos “arrumar”, de uma forma preliminar ainda que cuidadosa, não o tema (não nos arrogamos tal capacidade) mas a apresentação dos resultados das nossas pesquisas. Tendo, agora, uma perspectiva mais documentada sobre o problema, não podemos deixar de nos sentir tranquilizados pela prudência que tem marcado a atribuição de patentes e a legislação sobre patenteação em vigor nos países desenvolvidos. As preocupações e agitações prematuras acerca das patentes de matéria biológica, nomeadamente humana, são de molde a deixar um rasto de desconfiança - por vezes mal fundamentada - relativamente à biotecnologia. Aliás, parece-nos que a evolução, tendo em conta o desenvolvimento da engenharia genética e da biotecnologia, foi a mais vantajosa possível para todos, e que o mecanismo da patente tem vantagens inestimáveis neste campo, não só para as empresas com objectivos lucrativos, mas também para a comunidade, que assim vê salvaguardada a segurança da sua saúde devido à ilegalização de métodos não patenteados. Os limites ético- morais e jurídico- legais impostos são necessários e salutares, apesar de tudo o que é dito por liberais e “fundamentalistas”. Apesar de não nos incluirmos no grupo dos entusiastas indefectíveis da engenharia genética, podemos considerar que há mecanismos que, não sendo perfeitos (as patentes deixam muito a desejar no que se refere ao equilíbrio Norte- Sul), permitem uma supervisão estatal e da sociedade em geral sobre as actividades da biotecnologia. Não ignoramos, contudo, que esta tem aplicações que não se limitam ao campo da biomedicina e saúde humana. Ainda recentemente, segundo noticiava o jornal The Weekly Standard, George Poste, um responsável da equipa do Pentágono dedicada ao estudo e controlo do bioterrorismo, apelava ao secretismo de alguma investigação biotecnológica, para passar a ter uma 31



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vantagem sobre os novos inimigos (os Rogue States, agora designados como “estados terroristas” ou, de forma mais maniqueísta, “Eixo do Mal”, pela equipa de George W. Bush) no campo da guerra química e biológica. Percebemos, assim, a inevitabilidade de a ciência ter este tipo de aplicações, se é que nos tínhamos esquecido. Após os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, muito haverá a esperar deste campo, principalmente se quisermos fazer face aos nossos piores receios a às ameaças do terrorismo internacional. Sem querer cair no maniqueísmo fácil, ou mesmo no alarmismo generalizado, pensamos que convém estar preparado para enfrentar grandes problemas neste campo, com a agravante de não ser possível, em sede de debate no espaço público, impedir um certo “consenso do medo” em torno da aceleração da investigação biotecnológica de mecanismos que permitam aumentar as probabilidades de fazer face a um ataque biológico23. Isto significa que, no futuro, aquilo que a biotecnologia criou vai ter de ser enfrentado por ela, o que é mais uma razão para confiarmos nas suas potencialidades sem nunca permitir a sua completa autonomia - leia-se, abandono aos mecanismos de mercado (a morte é sempre um mercado vasto). O mais recente livro de Fukuyama, Our Posthuman Future, é dedicado à engenharia genética. Prevê-se, apocalipticamente, que os avanços neste campo da ciência vão ameaçar a nossa humanidade. O mais provável é que eles a vão redefinir, mas para tal será necessário que algo mude, nomeadamente a natureza, segurança, confiança e aplicabilidade de técnicas ainda por testar ou inexistentes. Lembremo-nos que, por cada novo processo ou possibilidade que surgir, haverá inúmeras coisas a ter em conta antes da sua aplicação e da sua escolha. Para além do mais, não nos parece que a “loucura humana” possa avançar, neste campo, para a maior das incertezas, que decerto estará de mãos dadas com a intervenção genética sobre a natureza humana - algo que ainda está para definir com exactidão. As disposições sobre as patentes são, de certo modo, reconfortantes. Tal como está, esta área do Direito vai permitir a evolução e desenvolvimento da indústria biotecnológica e, com isso, trazer inúmeros benefícios para a prestação de cuidados de saúde, em primeiro lugar (principalmente a nível clínico e terapêutico, tal como já antes tinha feito, e continua a fazer, com a reprodução medicamente assistida). A perspectiva de medicamentos e testes genéticos, com potencial para resolver muitos problemas que actualmente atormentam a Humanidade, são apenas a ponta mais visível dos benefícios a que não podemos virar costas. Entre estes contam-se ainda as potencialidades a nível da resolução de problemas ambientais e alimentares, os benefícios Pode argumentar-se que não é líquido que as redes de terrorismo internacional tenham acesso a produtos tão letais. Mas pensamos que o risco é demasiado grande, mormente se considerarmos a facilidade de manipular, transportar e usar algo tão mortífero como o antraz, por exemplo. 23

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para a própria investigação científica e para a sociedade. Acrescente-se a isto o incremento do conhecimento humano, e o quadro fica ainda mais atraente. Mas é sempre necessário tomar precauções, de modo a preservar o património comum da biosfera e, sobretudo, a vida tal como ela existe nos ecossistemas do planeta.

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