Multiculturalismo Rpc 06-07

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Universidade de Aveiro Departamento de Línguas e culturas

Multiculturalismo

Relações Político-Culturais Docente: Jorge Flores ______________________________________________________________________

Sílvia Almeida, nr. mec. 27827 25 Novembro 2006

Os Estados Parte comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica. Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de descriminação racial ( 1966)

Em sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interacção harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Art.2 º da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.

Toda a pessoa deve poder expressar-se, criar e difundir as suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda a pessoa tem direito a uma educação e formação de qualidade que respeite plenamente a sua identidade cultural... Art.5º. Idem

.

Silvia Almeida

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Indice A Globalização..................................................................................................................4 A influência do Estado-Nação............................................................................................5 Segregacionismo vs Assimilacionismo.............................................................................7 O Multiculturalismo como modelo de gestão..................................................................10 As dificuldades do multiculturalismo..........................................................................12 O caso português..............................................................................................................15 Conclusão........................................................................................................................17

Silvia Almeida

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A Globalização A diversidade cultural acompanha a história da humanidade e nas últimas décadas a afirmação da diversidade étnico-cultural é uma das mais relevantes

transformações

do

Mundo.

As

discussões

acerca

do

multiculturalismo acompanham os debates sobre o pós-modernismo e sobre os efeitos da pós-colonização, o que se verifica de forma mais evidente a partir dos anos 70, sobretudo nos Estados Unidos. Não sendo um debate recente, a tónica da discussão mudou desde a Convenção da ONU de 1966, o que outrora se baseava na luta contra qualquer forma de discriminação, hoje parte do princípio que a “diversidade cultural é um património comum da humanidade, tão necessária para o género humano quanto a biodiversidade para os seres vivos1”. Esta

afirmação,

sendo

verdadeira,

encerra

em

si

realidades

contraditórias que dificultam uma boa gestão desta globalização e diversidade. O avanço das telecomunicações, a circulação intensificada de informações, bens e força de trabalho e a facilidade de viajar, longe de uniformizar o planeta, trazem consigo a afirmação de identidades locais e regionais, assim como a formação de sujeitos políticos que reivindicam, a partir de garantias igualitárias, o direito à diferença. A nível cultural, se por um lado, se observa um movimento de homogeneização e mundialização de determinadas expressões culturais, por outro verifica-se uma maior facilidade em projectar culturas minoritárias, promover a sua interacção e fusão e multiplicar a oferta cultural, num quadro de crescente liberdade de expressão. Esta intensificação de circulação de bens e pessoas é contrariada pela imposição de barreiras proteccionistas por parte dos países mais ricos, além de que, “em tempos de acelerada globalização, há uma tendência perigosa para o

1

Declaração universal sobre a diversidade cultural, Unesco, Novembro 2001

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regresso dos nacionalismos, como se fosse essa a solução para os problemas da globalização hegemónica e não a criação de uma globalização alternativa.2”

A influência do Estado-Nação Mas para melhor entendermos as dicotomias presentes na problemática do multiculturalismo teremos que o definir, tentando distinguir as várias correntes de pensamento cultural adoptadas por cada país, reconhecer a responsabilidade do estado-nação, enquanto organização politica, social e cultural e admitir que esta é uma nova realidade que marcará o inicio deste milénio, de forma nem sempre pacifica, mas inevitável. Durante os séculos XIX e XX surgiu o Estado-nação tal como o conhecemos hoje. É recente a ideia de que a forma ideal de organização politica, social e cultural corresponde a um território, a um povo, a um estado soberano, a uma língua nacional. Os séc. XIX e XX foram também

marcados pelas expansões

imperialistas e coloniais de algumas grandes potências que procuravam “civilizar” os povos e culturas que dominavam. O nacionalismo e o colonialismo partilhavam então objectivos e características em comum. Se cada estado se definia como o ideal político de uma civilização étnica e linguisticamente definida, então as colónias seriam a confirmação e o local onde

estes

conceitos seriam impostos de forma a legitimar o Estado nação. Se por um lado o Estado nação transmitia o sentido de comunidade, omitindo as diferenças e desigualdades internas, por outro, as colónias asseguravam uma desigualdade hierárquica, implícita na ideia de que alguns povos ou nações seriam superiores e teriam a obrigação de tutelar os inferiores As relações entre colonos e colonizados, entre as culturas dominantes e dominadas, conduziam a um de dois modelos: assimilação, fazendo do colonizado uma cópia tão fiel quanto possível do colonizador ou o segregacionismo, que de forma a evitar “contaminações” e preservar “a pureza

2

Miguel Vale de Almeida, caros compatriotas, webpage 18.11.2002

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“ da cultura colonizadora, exacerbava e afastava as diferenças socio-culturais entre as duas civilizações.3 Uma excepção a esta realidade eram os grupos que se encontravam em diáspora, como os judeus por exemplo. Mal ou bem integrados na sociedade de acolhimento, sentiam a falta do seu Estado nação. De forma a legitimaremse e a serem legitimadas as suas diferenças enquanto grupo, as suas terras de origem foram reproduzidas no seio das sociedades de acolhimento. O estatuto destes grupos no seio dos estados europeus, ou dos estados americanos, construídos à semelhança do nacionalismo europeu, era diferente do

dos

imigrantes ou colonizados. Entretanto, com o final da IIª Guerra Mundial e os emergentes processos de descolonização, o posterior fim do comunismo e a queda da União Soviética, surgem novas nações, aumentando e diversificando o mapamundo. Dos 50 países que constituíam as Nações Unidas, evoluímos até aos 191 membros actuais.4 Esta diversificação e afirmação identitária são naturalmente causa e consequência de profundas alterações na relação entre povos e culturas.

3

Marques, R., “Da assimilação ao multiculturalismo”, Observatório da Imigração, Janeiro 2003

4

André, J.M., “Identidade(s), Multiculturalismo e Globalização, XX Encontro de Filosofia ,Fevereiro 200611-27

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Segregacionismo vs Assimilacionismo Estabelecida a relação entre o Estado-nação e o multiculturalismo, é chegada a altura de definirmos o termo e compreendermos a sua evolução. Provavelmente a primeira teoria atenta a esta nova realidade foi o “melting pot”. O termo “melting pot” foi usado pela primeira vez em 1782, quando um comerciante francês em Nova Iorque previu os Estados Unidos como sendo, não só a terra das oportunidades, mas também uma sociedade onde todos os indivíduos de diferentes nações se fundiam para dar origem a uma nova raça de homens, cujo valor e trabalho iria um dia mudar o mundo. Apesar de melting pot se poder aplicar a muitos países no mundo, tal como o Brasil, a França ou o Bangladesh, é um termo normalmente associado aos Estados Unidos devido à imensidão de movimentos migratórios e de diáspora desde o séc. XIX e por estar intimamente ligado ao processo de americanização. A teoria do melting pot, conquanto liberal e multicultural, foi rapidamente criticada por ser utópica e racista, já que privilegia a herança ocidental. com especial ênfase na cultura anglo-saxónica, excluindo emigrantes não europeus. Mais, muitas das suas políticas, embora assumidas no âmbito do melting pot, tiveram resultados assimilacionistas. É preciso então, considerando que apenas entre 10 e 15% dos países são considerados culturalmente homogéneos, apreciar a verdadeira dimensão da diversidade cultural e étnica por todo o mundo. O Banco Mundial estima em cerca de 2 a 3 milhões de pessoas que anualmente migram, procurando essencialmente quatro países: Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Austrália, sendo que, no começo do século XXI, cerca de 130 milhões de pessoas vivem fora dos países onde nasceram e esse total vem aumentando em cerca de 2% ao ano. 5 5

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Na Europa, por exemplo, “o número e a origem dos imigrantes varia consideravelmente no tempo, dependendo da situação política e económica em diferentes áreas do globo. O crescimento foi particularmente acentuado a partir de meados dos anos 80”. Com efeito, “ em 1998, 13 milhões de cidadãos da UE (3,5% da população) eram nacionais de países terceiros, o que corresponde a um aumento de 50% desde 1985. A proporção era muito mais elevada em alguns Estados-Membros da Europa (9,3% na Áustria e 6,7% na Alemanha) e muito menos significativa na Espanha e na Itália. A crescente imigração proveniente de países terceiros concentra-se principalmente nas regiões economicamente mais avançadas. A maioria das grandes áreas urbanas estão a tornar-se mais multiculturais e têm de desenvolver estratégias adequadas para a integração económica e social dos recém-chegados e respectivas famílias” 6 Nas sociedades de acolhimento que há mais tempo se debatem com esta questão destacam-se, enquanto principais modelos de gestão, a assimilação e a segregação. Na Europa,

isso é desde logo visível no vocabulário usado para

designar os migrantes e seus descendentes: “imigrantes” em França, “minorias étnicas e raciais” na Grã-Bretanha, “minorias étnicas e culturais” na Suécia e na Holanda, “estrangeiros” ou “trabalhadores convidados” na Alemanha e na Suiça. Segundo Inglis, os objectivos do modelo assimilacionista são fazer com que as minorias se integrem totalmente na sociedade de acolhimento, fazendo desaparecer as suas especificidades, abandonando os traços distintivos na língua, cultura ou hábitos sociais”7 3 in “No limiar do Século XXI – Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1999/2000”, Banco Mundial; Janeiro 2000, pag. 40. 6

in Relatório “ A situação social na União Europeia – 2002”, cap.III O desafio da mobilidade e das migrações; Comissão Europeia e Eurostat 7

Inglis, C. ; “Multiculturalism: New policy responses to diversity”, MOST – Management of Social Transformations, UNESCO, 1995

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Este modelo levaria ao fim das razoes para crises étnico-sociais e responsabiliza o individuo, emigrante ou membro de uma minoria de se integrar na sociedade de acolhimento. Segundo alguns autores, este seria um processo gradual, inevitável e pacífico, que encara o direito à igualdade como homogeneidade e uniformidade e fundamental para uma integração com êxito. Por

outro

lado,

aparece

o

modelo

a

que

podemos

chamar

segregacionista ou diferencialista, em que o contacto com as minorias étnicas é diminuído ao mínimo de forma a evitar conflitos.

Ambos os modelos apresentam graves deficiências. No primeiro, a liberdade é seriamente posta em causa e desafia os princípios básicos da democracia e do direito de expressão enquanto indivíduo e membro de um grupo. No segundo modelo, enquanto que a consequência menor seria a falta de comunicação e de integração das minorias, levados a casos extremos pode levar a apartheids, instituições paralelas para minorias e até mesmo limpezas étnicas.

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O Multiculturalismo como modelo de gestão Como alternativa a estes dois modelos de gestão, tem sido discutida a alternativa do multiculturalismo. O multiculturalismo aceita e legitima as particularidades culturais e sociais das minorias defendendo a plena integração dos indivíduos e grupos sem a perda da sua especificidade, cabendo ao Estado o papel regulador e incentivador na construção deste modelo. Opondo-se ao etnocentrismo, o multiculturalismo pretende resistir à homogeneidade cultural e defende a oportunidade de expressar e manter aspectos distintivos da cultura minoritária, sem prejuízo na participação politica, ou em aspectos sociais e económicos. A diversidade cultural é vista como factor de enriquecimento, em que o hibridismo e a maleabilidade são elementos positivos de inovação. Sendo motivo de debate, são vários os autores que se debruçam sobre esta temática. O autor de “Multiculturalismo, Diferença e Democracia”, Charles Taylor, apresenta a sua “teoria do reconhecimento”8, segundo a qual a luta constante das minorias pelo reconhecimento condiciona a sua identidade. No seu entender, os indivíduos são únicos e não podem ser categorizados. O respeito pela diferença, as metas em comum e a salvaguarda das liberdades fundamentais são os pilares da sua perspectiva de um modelo multicultural, ainda que implique sacrificar a isenção do Estado, que tem como dever incentivar e proteger as diferenças.

8

Taylor, C. “ Multiculturalismo. Examinando a política de reconhecimento”; Ed. Instituto Piaget, 1998

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É de referir que o liberalismo de Taylor é amplamente influenciado pela experiência do seu país natal, o Canadá em que o fenómeno da multiplicidade de culturas parte da coexistência de três grupos nacionais distintos, ingleses, franceses e aborígenes. Ao contrario, o caso americano apresenta uma panóplia de minorias nacionais resultantes dos processos de conquista e descolonização, tais como os índios americanos, os porto riquenhos, descendentes mexicanos, além dos grupos de imigrantes provenientes, entre outros países, de Inglaterra, da Irlanda e da Itália que constituem comunidades extremamente fortes no seio do Estado Americano. Já Giovanni Sartori contraria a “teoria do reconhecimento” de Taylor com a ideia do pluralismo em que se impõe um tratamento igualitário entre as culturas enquanto base de uma politica liberal. Sartori acusa a politica de reconhecimento de não se limitar a “reconhecer: na realidade, fabrica e multiplica as diferenças , metendo-as na cabeça” e acrescenta que “a politica do reconhecimento não só transforma em reais identidades potenciais, mas dedica-se também a isola-las num gueto e a encerra-las em si mesmas”. 9 A perspectiva de multiculturalismo de Inglis assenta em três abordagens distintas e a ter em conta: a demográfico-descritiva, baseado na existência de vários segmentos étnicos distintos; a programático-politica, baseada em programas e iniciativas politicas destinadas a gerir a diversidade étnica; e a ideologico-normativa, um modelo de intervenção politica em que defende a existência de uma diversidade étnica e assegura que os indivíduos possam manter a sua cultura, ao mesmo tempo que lhes assegura total direito de acesso e participação social e aderência a um conjunto de valores partilhados por toda a sociedade. Na vertente ideologico-normativa, a consciência colectiva tem vindo a ser expressa de uma forma cada vez mais clara, em documentos e iniciativas como a Declaração dos Direitos das Minorias Nacionais (1991), o Ano

9

Giovanni SARTORI, La sociedad multiétnica. Pluralismo, multiculturalismo y extranjeros, trad. de

Miguel Ángel Ruiz de Azúa, Buenos Aires, Taurus, 2001.

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Internacional da Tolerância (1995) ou a Declaração Universal para a Diversidade Cultural (2001), A vertente ideológica deve ser acompanhada de perto por soluções politico-pragmaticas de forma a alcançar o objectivo do multiculturalismo, que deverão incluir politicas sobre a língua, a nacionalidade, a educação, o trabalho, entre outros.

As dificuldades do multiculturalismo Contudo, esta filosofia de multiculturalismo apresenta alguns pontos fracos e levanta problemas de fundo, que a prazo colocam particulares dificuldades aos países na gestão da diversidade étnica. Vejamos: A politica afirmativa10, criada em 1965 por Lyndon Johnson, tem como objectivo eliminar a descriminação baseada na cor, raça, credo, ou sexo através de medidas que favorecem as minorias em detrimento da maioria, em situações em que estejam ambos em pé de igualdade. Mas não será esta uma forma de descriminação? De uma forma ou de outra, a decisão de escolher um indivíduo para um determinado cargo, por exemplo, é sempre baseado na sua raça ou sexo. Mais, salientando as diferenças entre as minorias e evidenciando a sua necessidade de protecção, não estará o estado a agir de forma contra producente tendo em conta o objectivo igualitário e multicultural? Os momentos de crise são particularmente delicados para os países que, de uma forma ou outra, se empenham no desenvolvimento de uma politica multicultural. Os fundos destinados a estas politicas de integração reduzem os meios das politicas sociais, o aumento do desemprego torna o emigrante uma ameaça na disputa por postos de trabalho escassos tornam o terreno fértil para a ascensão da xenofobia, verifica-se uma regressão na adesão ao apoio ao 10

Sykes, M., The origins of Affirmative Action, National Now Times, August 1995

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multiculturalismo e novas tendências de encerramento e incentivo ao regresso dos emigrantes. Tomando como exemplo a Suécia verificamos que, não sendo um país de imigrantes, recebeu um considerável numero de refugiados políticos a partir do final da 2ª Guerra Mundial. Em 1975, trocou a sua politica assimilacionista pelo multiculturalismo. Contudo, em tempos de crise, no relatório de Imigração de 200211, praticamente desapareceram todas as referências ao multiculturalismo. Mais recentemente, acompanhamos o regresso de centenas de emigrantes portugueses do Canadá. Nesta conjuntura desfavorável per se, acresce ainda a perspectiva mais conservadora do multiculturalismo que acusa esta politica de ser racista e segregacionista na medida em que exalta as diferenças entre as várias comunidades dentro da comunidade, colocando em risco a civilização ocidental tal como a conhecemos. O que então tem falhado no modelo multicultural? A questão não é nova na Europa e tem levado a confrontos políticos e a uma sensibilidade crescente da opinião pública e dos eleitores a discursos xenófobos e racistas. O que leva 80% dos muçulmanos britânicos a declararem-se em primeiro lugar muçulmanos e depois britânicos? O que levará a que jovens muçulmanos, nascidos, criados e educados no Reino Unido a fazerem-se explodir no metro de Londres tentando matar o maior número possível de cidadãos do seu pais? Ou o que estará na origem do sentimento de exclusão dos jovens franceses ao ponto de incendiarem os arredores de Paris, Marselha ou Bordéus? Na América fatalista, fazem-se previsões catastróficas afirmando que, no final do século, a Europa será apenas a parte ocidental da Eurábia. O debate continua aceso na Europa e sem dúvida marcado por discursos de extrema-direita, os quais parecem encontrar cada vez mais resposta. O caso recente mais assustador e ilustrativo foi o da Holanda. Tido

11

informação disponível em http://www.sweden.se/templates/Publication____4835.asp

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como um das sociedades mais abertas e tolerantes da Europa viu em 200212 a lista de Pim Fortuyn – portadora de um discurso profundamente xenófobo e racistas - ascender a 2º partido mais votado. Atacando violentamente a entrada de emigrantes muçulmanos na Holanda teve o apoio de uma parte significativa do eleitorado. Apesar do sucesso ter sido de curta duração o tema ficou e os partidos tradicionais recuperaram, em grande parte porque abandonaram um discurso multiculturalista e defenderam restrições à imigração. Mas o que está aqui verdadeiramente em causa não é a cultura de tolerância, mas sim se os muçulmanos seriam ou não capazes de se adaptar à cultura ocidental. Será admissível, em nome da diferença, que as mulheres sejam tão mal tratadas na Europa como no Norte de Africa? Será possível que a lei islâmica se possa sobrepor ao código civil? Na Holanda, em nome da diferença cultural, não se ensina nas escolas a História da Holanda, por exemplo, o que é entendido por alguns como sendo falta de boa vontade para entender e integrar a sociedade de acolhimento. Será que a cultura ocidental está realmente em risco porque se recebem demasiadas pessoas que se recusam a participar da cultura do país de acolhimento? Até que ponto o direito à diferença se sobrepõe aos Direitos do Homem? Estas preocupações estão na base de linhas de pensamento anti-multiculturalistas, em que este choque de civilizações está em evidência. O já anteriormente citado Sartori defende, por exemplo, que se distinga claramente entre os emigrantes passíveis de integração na sociedade de acolhimento e aqueles que devido às suas diferenças religiosas ou étnicas estão para lá de qualquer integração. Nota-se no seu discurso uma profunda reserva à tolerância em relação àqueles que encaram a sociedade de acolhimento, não como uma sociedade em que se possam sentir integrados mas sim, como um alvo a abater.

12

Relatório Anual “Diversidade e Igualdade para a Europa” (2001) do Observatório Europeu dos

Fenómenos Racistas e Xenófobos, Novembro 2002, pag. 25

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O caso português Portugal tem se mantido um pouco alheado destas questões não se verificando grandes debates sobre a diversidade étnica e o multiculturalismo, salvo a nível académico em que se realizam alguns trabalhos sobre este tema. Enquanto realidade multi étnica, Portugal tem sofrido nas últimas décadas alterações importantes e dignas de referência. Passou de um país de emigração para um país de imigração, especialmente após a descolonização , em 1975. Para além do regresso de quase meio milhão de portugueses que viviam nas antigas Colónias ( os retornados), Portugal foi escolhido por muitos africanos, que fugindo às guerras ou procurando melhores condições de vida, se instalaram no nosso país. Nesta fase (1975-1980), a população estrangeira cresceu à taxa média anual de 12,7%13. Fixando-se, sobretudo, na periferia das grandes cidades em condições precárias e baixas qualificações, foram arrastados para empregos indiferenciados e poucos regressaram aos seus países de origem. Os seus descendentes de 2ª e 3ª geração, constituem um dos grandes desafios de uma politica de gestão da diversidade étnico-cultural no nosso país, já que não se sentem integrados no país de acolhimento nem tampouco se identificam com o país de origem. A aquisição da nacionalidade portuguesa rege se por princípios muito rígidos, deixando de fora muitos destes jovens. Nas décadas de 80 e 90, Portugal continuou a receber imigrantes, chegando a 400.000 imigrantes legais em 2002, embora as suas origens se tenham diversificado. Ao ciclo africano seguiu-se um ciclo brasileiro que não trouxe grandes dificuldades em termos de adaptação ou integração. Finalmente, a partir de 1995, verificou-se um aumento significativo de imigrantes de Leste que coloca novas questões já que, não têm qualquer tipo de ligação histórico-cultural, não partilham da mesma língua e têm, na sua maioria, um nível de educação bastante superior.

13

Baganha, M. “ Imigração e Política, O caso português” ; Fundação Luso-Americana, 2001, pag. 15

Silvia Almeida

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No espaço de 30 anos, Portugal viu crescer a sua diversidade étnicocultural que obrigou o país a um esforço de adaptação e gestão desta nova realidade. Salientando-se na historia recente, em 1991, o Secretariado 14 Coordenador dos Programas de Educação Multicultural que visa “coordenar, incentivar e promover, no âmbito do sistema educativo, os programas e as acções que visem a educação para os valores da tolerância, do diálogo e da solidariedade entre diferentes povos, etnias e culturas” Foram também criados o Alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, o Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração e a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação. Importa salientar também o acesso destas minorias aos apoios sociais, quer na forma de Planos Especiais de Realojamento quer no Rendimento Mínimo Garantido ou ainda os programas que visam o ensino do Português e a introdução à cidadania.

14

Despacho Normativo nº 63/91 , de 13 de Março 1991

Silvia Almeida

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Conclusão Essencialmente, é de concluir que a gestão da diversidade étnicocultural não tem definida ainda a melhor solução que defenda por um lado, o direito das minorias étnicas à diferença e à dignidade enquanto indivíduo e grupo no seio de uma sociedade de acolhimento, por outro, a coesão social em torno de um código de valores comum que constitui uma sociedade. Ainda com um longo caminho a percorrer, o multiculturalimo parece ser a melhor aposta para a gestão da diversidade étnica, se encarado como um projecto em permanente construção e mutação com direitos e obrigações e sem preconceitos. Será encorajador para as minorias a participação social que não implique abdicar das suas origens e importante para a sociedade de acolhimento sublinhar a tolerância e as vantagens por demais evidentes numa sociedade multicultural. É contudo necessário ter em conta que o multiculturalismo poderá ser conseguido não apenas com uma politica multiculturalista, mas sim com um conjunto crescente de politicas que visem a igualdade, o direito a diferença, a luta contra a discriminação que possam sustentar as sociedades multiculturais, usando todos os trunfos ao nosso dispôr, tal como parecia pensar Bill Clinton, ex-Presidente

dos

Estados

Unidos,

no

seu

discurso

compartilhados em 1998, onde afirma que “a cada dia,

sobre

valores

o nosso mundo

distancia-se mais da nossa noção do familiar, e precisamos nos adaptar à sua natureza que está sempre a mudar. Nessa época plena de desafios, contamos com os nossos artistas e intelectuais para continuar a divulgar as nossas decisões e as nossas acções. Músicos, actores, filósofos, dramaturgos, pintores, escritores, escultores, dançarinos, e historiadores compartilham connosco o seu talento e formação. Através das suas perspectivas exclusivas, eles fortalecem a nossa compreensão, inspiram as nossas melhores realizações, e dão vazão aos nossos anseios mais profundos”.

Silvia Almeida

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