Fernando Correia Pina
FRONTEIRA subsídios para uma monografia 2ª edição revista e aumentada
Fronteira Câmara Municipal de Fronteira 2001
Ficha Técnica Título – Fronteira: subsídios para uma monografia Autor – Fernando Correia Pina Editor – Câmara Municipal de Fronteira Segunda Edição - 2001 Capa – Atoleiros (Mural de Mestre Martins Barata) Composição – Helena Rio Composição e Impressão – Gráfica Guedelha (Portalegre) ISSN 0874-6044 D.L. 138663/99
Prefácio Parafraseando uma sentença célebre da nossa história recente, que deu brado nos anais da jurisprudência, direi que esta não é a melhor monografia de Fronteira mas é a monografia possível. Dezasseis anos após a sua primeira edição surge agora, novamente por iniciativa da Câmara Municipal de Fronteira, esta segunda edição mais extensa, mais ponderada e, decerto, mais informativa. Muito fica ainda por dizer. Melhor que ninguém, sabe-o o autor e mais que a qualquer outro o penalizam as inúmeras lacunas por preencher e as muitas questões deixadas sem resposta. Porém, um estudo monográfico é, essencialmente, o fruto de uma pesquisa de múltiplas fontes, nem sempre acessíveis, por limitações de ordem diversa; este é, fundamentalmente um trabalho de recolha, tratamento e compilação de informações de origem muito vária e, quantas vezes!, os elementos indispensáveis tão pouco existem, na ausência de estudos prévios. E é este o caso de Fronteira... Daí que me permita, desta tribuna de papel, apelar e, porque não?, lançar o repto às entidades oficiais e privadas para que invistam mais intensa e regularmente na produção e promoção de conteúdos culturais de âmbito local, na esteira do que, de há pouco tempo a esta parte e muito louvavelmente, tem vindo a ser feito pelo Município. Caberá também – e principalmente – às gerações mais jovens que têm, em boa parte, alcançado graus de formação perfeitamente inacessíveis à grande maioria dos seus progenitores, dar o contributo fundamental do seu trabalho, transformando num instrumento activo de progresso e de enriquecimento cultural da comunidade o saber adquirido.
De modo a facilitar a compreensão do texto ao leitor menos familiarizado com a paleografia, todos os excertos transcritos são aqui apresentados em português moderno.
Índice
1. 1.1 1.2 1.1 1.3.1 1.3.2 1.3.2.1 1.3.2.2 1.3.2.3 1.3.2.4 1.3.2.5 1.3.3 1.4 1.4.1 1.4.2 2. 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 3. 3.1 3.2 3.3 3.3.1 3.4 3.5 4. 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.1.6 4.1.7 4.1.8 4.1.9 4.1.9.1 4.1.9.2 4.1.9.3
O Meio Clima Geologia e Pedologia Hidrologia Cursos de Água Fontes Fonte Nova Fonte da Sanona Fonte do Areeiro Fonte do Concelho Fonte da Pipa Abastecimento Público Fauna e Flora Fauna Flora O Concelho Evolução Histórica Heráldica Autárquica Heráldica da Câmara Municipal Heráldica da Junta de Freguesia A Vila O Nome O Castelo Dentro da Vila A Judiaria O Fora de Vila Toponímia Monumentos Igrejas e Locais de Culto Capela da Senhora das Dores Capela do Arco dos Santos Capela do Senhor das Almas Igreja da Misericórdia Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha Igreja do Espírito Santo Igreja do Senhor dos Mártires Igreja Matriz de Nossa Senhora da Atalaia Igrejas já desaparecidas Igreja de São Pedro Igreja de São Tiago Igreja de Santa Catarina
4.1.9.4 4.1.9.5 4.1.9.6 4.1.9.7 4.1.9.8 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 4.2.4 4.2.5 5. 5.1 5.2 5.3 5.3.1 5.3.2 5.3.3 5.3.4 5.3.5 5.3.6 5.3.7 5.3.8 5.3.9 5.3.10 5.3.11 5.3.12 5.3.13 5.3.14 5.3.15 5.3.16 5.3.17 5.3.18 5.3.19 5.3.20 5.3.21 5.4 5.4.1 5.4.2 5.4.3 5.4.4 5.4.4.1 5.5 6 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6
Igreja de São Miguel Igreja e Convento de Santo António São Bento das Lapas Cruzeiros Alminhas Arquitectura Civil Coreto Paços do Concelho Pelourinho Ponte da Ribeira Grande Torre do Relógio Os Homens Fronteirenses Ilustres Famílias Nobres de Fronteira Irmandades e Confrarias Confraria das Almas Confraria das Chagas de Jesus Confraria de Nossa Senhora da Conceição Confraria de Nossa Senhora da Piedade Confraria de Nossa Senhora da Vila Velha Confraria de Nossa Senhora do Carmo Confraria de Nossa Senhora do Rosário da Gente Preta Confraria de Santa Catarina Confraria de Santa Maria Confraria de São Miguel Confraria de São Pedro Confraria de São Sebastião Confraria de São Tiago Confraria do Anjo da Guarda Confraria do Corpo de Deus Confraria do Espírito Santo Confraria do Nome de Jesus Confraria do Santíssimo Sacramento Confraria dos Passos Confraria dos Terceiros de São Francisco Irmandade da Misericórdia Actividades Económicas Caça Pesca Agricultura e Pecuária Comércio e Manufacturas Feiras Demografia Síntese Histórica Paleolítico Neolítico e Calcolítico Idade do Bronze Idade do Ferro Época Romana Época Muçulmana
6.7 6.8
Idade Média Da Idade Média aos nossos dias
1. O MEIO
1.1 CLIMA Climaticamente, o Concelho de Fronteira insere-se num zona de clima temperado continental com características mediterrânicas e tendência para a semi-aridez, com acentuados contrastes térmicos entre o Verão e o Inverno e entre os períodos diurno e nocturno, com ocorrência de temperaturas negativas durante os meses de Dezembro a Março e temperaturas máximas sempre superiores a 25º nos meses de Verão. As amplitudes térmicas anuais, mais elevadas nos anos secos que nos húmidos e no Verão que no Inverno, apresentam oscilações entre 15 e 18º. Contrariamente, as maiores amplitudes térmicas diárias têm os seus valores máximos nos meses de Inverno durante situações de tempo anti-ciclónico continental muito seco. Inversa à da temperatura é a evolução da humidade relativa: mínima no Verão, em Agosto e máxima nos meses de Inverno, apresentando, no seu conjunto, valores médios anuais entre os 65 e 70 % conduzindo estas circunstâncias à ocorrência de geadas durante 4 ou 5 meses. No que à precipitação respeita, a sua forma mais comum é a chuva. A queda de neve, fenómeno raríssimo, verificou-se apenas por duas ocasiões durante o último meio século. O regime pulviométrico caracteriza-se pela deficiência das chuvas (500 mm) e pela sua irregularidade anual e interanual o que constitui, de uma perspectiva agrícola, o problema mais grave, alternando as sequências de anos húmidos com as de anos secos. Porém, mesmo durante os primeiros, o tipo das chuvas – concentradas ou aguaceiros, dificulta a sua infiltração. A conjugação dos elementos temperatura e humidade, directamente relacionados com os factores de insolação (2800 h/ano) e de radiação solar (150 Kcal/cm2/ano) permite-nos estabelecer o índice de conforto climático da área em estudo. Temos assim que entre as
6 e as 9 horas da manhã só os meses de Verão são confortáveis. Entre as 12 e as 15 consideram-se confortáveis os meses de Maio, Junho, Setembro e Outubro, variando entre as 18 e as 21 horas o número de meses confortáveis entre Maio e Outubro de estação para estação e de ano para ano. De quanto ficou exposto sobre as condições climáticas na área do concelho de Fronteira, retenhamos as características mais susceptíveis de influir na actividade produtiva – irregularidade das chuvas, grande deficit de água no Verão e ocorrência de geadas durante 4 ou 5 meses. Num mundo onde as condicionantes de ordem climatérica faziam flutuar drasticamente a frágil fronteira entre a abundância e a fome, como ainda hoje tantas vezes sucede em países de economia essencialmente agrícola do Terceiro Mundo, não será de estranhar que encontremos repetidas, quase até à exaustão, ao longo dos séculos, as mesmas notícias que nos dão conta da esterilidade dos anos marcados ora pelas secas ora pelas chuvas excessivas. Dessas informações que reflectem, directa ou indirectamente, as condições climatéricas adversas e que nos surgem em número sempre crescente entre os séc. XVI e XIX, talvez por um efectivo agravamento das condições atmosféricas, como de facto aconteceu durante o séc. XVII em que se verificou um arrefecimento global, ou talvez pela importância crescente que a produção cerealífera, mais sensível às irregularidades do tempo, vinha assumindo no contexto económico local, aqui damos uma breve resenha, dentro das possibilidades oferecidas pelas fontes documentais locais. Comecemos pelo ano de 1600, por ser este ano tão extremado em algumas particularidades poucas vezes vistas [que] me pareceu bem pôr aqui em memória algumas coisas das muitas que nele aconteceram para que os que embora ao diante vierem vejam isto que neste ano aconteceu e tenham muita confiança em Deus Nosso
Senhor em suas coisas mais que em suas indústrias. Não eram, de modo algum, exageradas estas palavras que Álvaro Martins, escrivão da Santa Casa da Misericórdia de Fronteira, deixou registadas para a posteridade. De facto, naquele ano agrícola de 1599/1600, passante dia de Nossa Senhora de Agosto choveu dois dias um após o outro tão manso e tão quieto como pudera fazer no inverno e passados os dois dias e até todo o mês de Outubro nunca tornou a chover. No começo de Novembro, choveu uma só pancada ainda que pouca e saíram a começar a lavoura mas não podiam fazer. Aos dezoito dias daquele mês, veio uma pancada de água ainda que pouca [...] todos saíram a lavrar ainda que não podiam e apenas a 8 de Dezembro choveu já alguma coisa. Em consequência da escassez da chuva a força das sementeiras foi pelo Natal e ficariam quase a metade para depois da festa acabaram por semear até quase o fim de Janeiro e pela falta que houve da água na sementeira cresceu o preço do trigo. Em 1604, ano ruim e carestioso, de muitas águas, o povo requereu à Câmara que fizesse embargo nos terços das rendas de trigo que D. Lucas de Portugal e outros senhorios levavam e vendiam para fora da terra dada a necessidade deste povo para que não pereça à fome. Em Abril e Dezembro de 1612 a Câmara proíbe toda e qualquer saída de trigo para fora da terra, o que faz pressupor uma fraca colheita naquele ano. Outro tanto viria a suceder em 1618 face à constatação que se levava todo o trigo desta dita vila e o centeio e cevada e que esta vila é muito estéril. Em 1621, os lavradores de Fronteira dirigindo-se ao Juiz Presidente e Vereadores da sua Câmara pediam a suas mercês que houvessem compaixão deles e lhes concedessem as várzeas ao longo da ribeira porque o ano mostrava não ser de muita novidade de pães e cevadas e centeios segundo o temporal corre e que os lavradores desta dita vila estão
já todos muito pobres por falta de os tempos passados lhes não acudirem com novidades. O ano de 1627 terá corrido mais a contento dos lavradores que tiveram excedentes para exportar, nomeadamente para Mugem. Em 1630, a grande escassez de pão em Lisboa trouxe a esta vila João das Neves Nunes, comissário de Sua Majestade, enviado pela Câmara da capital para angariar a mais quantidade de pão que pudesse ser a vender à dita cidade pela muita falta que tinha dele assim para seu sustento como para provimento do apresto da armada do Brasil. Não puderam, porém, o Juiz e Vereadores acudir-lhe com mais que vinte moios de trigo em razão do ano estar tão apertado e tão miserável de haver tanta falta de pão que se acha pelo livro dos dízimos do escrivão do celeiro não vir a ele este ano mais que noventa e quatro moios de trigo que correspondem à novidade de toda esta vila e seus termos não ser mais que de novecentos e quarenta moios sendo assim que este povo há mister para seu sustento de mil e quinhentos moios. Em 1637, novas queixas dos lavradores que requereram mais uma vez à Câmara que lhes desse as várzeas da Coutada Brabia para semearem milho porque naquele ano as sementeiras foram feitas muito desiguais de modo que estão muito danificadas por causa do tempo e invernada de modo que se espera pouca novidade se Deus não acudir com Sua divina Misericórdia. Em 1649 protestaram os lavradores que não podiam satisfazer as quantidades de trigo e cevada com que deveriam contribuir para o exército dada a esterilidade que houve neste termo. O ano de 1685 ficou marcado pela despedida de muitos anos miseráveis e entrada de outro que amedronta a todos em geral por falta dos temporais para seu sustento. Quanto à colheita de 1688, esta ficou, pela sua abundância, referida numa portaria de D. Pedro II, datada de 17 de Janeiro daquele ano, porque sendo boa como se
espera a novidade futura não terá saída e será a mesma fertilidade prejudicial aos lavradores, hei por bem que enquanto não mandar o contrário se possa na dita Província vender pão para Castela e a de 1692 é referido como de muita falta de águas, indiciando um período de fim de século pontuado pela escassez da precipitação. Entrados no séc. XVIII, continuam a deparar-se-nos as informações que nos permitem acompanhar de perto os anos marcados pelas irregularidades do clima. O ano agrícola de 1711 esteve longe de correr de feição, obrigando o Município a mandar buscar vinte moios de trigo para se repartirem pelos moradores desta vila e seu termo. Em 1717, por a novidade ter sido pouca de trigo no ano anterior, a Câmara proibiu, uma vez mais, a exportação do cereal. Excepção rara a confirmar a regra da irregularidade atmosférica foi o ano de 1725 pela gravíssima abundância de trigo e cevada que há este ano em toda esta Província. Porém, em 1734, tornava o Procurador do Concelho a queixar-se, uma vez mais, que esta vila tinha muita falta de trigo pela esterilidade que houve, esterilidade que voltaria a verificar-se, passados apenas dois anos, forçando a edilidade a proceder ao embargo dos terços das rendas das herdades pela muita falta de trigo que há na colheita do presente ano. Entrada já a segunda metade daquele século, chega-nos a notícia que, em 1753, os moradores deste povo tinham impetrado provisão de Sua Majestade para efeito de repartirem a metade da Coutada entre os mesmos não obstante serem senhores da mesma o que fizeram por serem vexados com as esterilidades dos anos passados. Relativamente ao ano de 1758 foi-nos possível apurar que esta terra se achava sem trigo para o povo e outrossim que as padeiras não tinham para amassarem. Em 1764, o juiz e Vereadores da Câmara resolveram que pela carestia de trigos e falta deles se fechasse a terra para que não saísse mais trigo algum. Apesar desta proibição o certo é
que o cereal continuou a ser vendido para fora da terra, à revelia das autoridades que, meses mais tarde, decidiram implementar medidas de controle mais rigorosas, porquanto se tinha visto a presente esterilidade de trigos e mais géneros desta qualidade sucessiva à do ano próximo pretérito que ameaçava não só um exacto valor no preço mas ainda uma extrema necessidade se se não proibisse a extracção dos ditos géneros para fora desta vila e seu termo como com acerto prudente tinham praticado as mais terras vizinhas. Nos anos subsequentes, as condições climatéricas parecem ter-se agravado como se deduz da frequência crescente das notícias relativas à escassez de cereais em geral e de trigo, de modo muito particular. Em 1769, é bem visível a preocupação da Câmara atenta à esterilidade de pão que se receia pela diminuta colheita. A mesma preocupação com o abastecimento da população volta a estar bem patente em 1772 em consequência da grande esterilidade da presente colheita ser tão grande que se tem calculado que todo o trigo que se recolhe não chega para o consumo deste povo e fabrico das lavouras. Surgem-nos de seguida os anos de 1779 e 1780 classificados de sumamente estéreis pelo escrivão do Celeiro Comum e os de 1784, 1785, 1786, 1787, 1788 e 1789 todos eles marcados pela escassez das colheitas. Os dois primeiros anos da década de 1790 caracterizaram-se pela bondade do tempo, sucedendo-lhe o de 1792, reputado de estéril. Apesar de 1793 ter ficado marcado pela brandura e frescura do tempo que não chegava a amaduração das searas, a safra não foi grandemente prejudicada como se deduz da acta da reunião da Câmara Municipal de Fronteira de 12 de Março de 1794 ao registar as abundantes colheitas com que no presente ano, e nos pretéritos tem provido assim a cidade de Lisboa como outras muitas terras desta Província pela falta que elas têm experimentado do referido género.
Tenhamos, porém, cuidado na interpretação das avaliações que dos anos agrícolas nos fazem os autores das notícias chegadas até nós, por vezes, como vimos, contraditórias. Recordemos que a
declaração de esterilidade, como decorria das Ordenações do
Reino, Livro IV, Título XXVII, eximia os rendeiros do pagamento das respectivas rendas, enquanto que, por outro lado, o reconhecimento da abundância das colheitas facilitava o levantamento dos embargos à exportação desse cereal. Não será, pois, de excluir que certas notícias aparentemente contraditórias fossem, na realidade, complementares no âmbito de uma estratégia local de maximização dos lucros, nem sempre da forma mais lícita... O ano seguinte ficou assinalado por fortes temporais durante o Outono que provocaram a queda de grande parte da produção de azeitona, tendo, no entanto, a produção de trigo chegado para o abastecimento até à colheita seguinte de 1797 que, pelo contrário, se revelou insuficiente para o abastecimento público. A safra de 1798, mais favorável, permitiu que a Câmara autorizasse a exportação do cereal e no último ano do século, ano de muitas águas que por várias vezes fizeram sair os rios de seus leitos, a irregularidade do tempo esteve na origem da escassez da colheita que levou os lavradores a requerer serem isentos de entrarem com os capitais [i.e. trigo] devidos ao celeiro público e tão somente pagarem os interesses deles em resultado da inferior colheita próxima pretérita. Porém, uma vez mais, acautelemo-nos com as informações disponibilizadas, dado que logo aos 14 de Janeiro de 1801, a Câmara Municipal, em evidente contradição, exarava em acta da sua vereação: Nesta determinaram que atendendo a os terços das rendas e fora junto com os terços que há para vender nos celeiros particulares serem bastantes
para o sustento do povo desta vila e seu termo [...] dando liberdade para a exportação do dito género para esta Província ficando os terços reservados para o abono deste Povo. O ano de 1803 ficaria marcado pela escassez de água, obrigando o município a encetar alguns trabalhos para reforço dos caudais para abastecimento público. Outro tanto viria a suceder em 1804, marcado pela seca, ano agrícola de muito escassa e muito estéril colheita das searas, porquanto as carradas que costumavam fundir a vinte, e trinta alqueires, apenas fundem a cinco e oito alqueires, sendo certo que muitas searas nada absolutamente produziram. Não foi mais favorável o ano de 1806 em que perante a falta que havia de trigo para consumo e alimento dos habitantes desta vila e termo a Câmara dispôs que de uma quantidade de moios de trigo pertencentes à casa do ilustríssimo Francisco de Mello Cogominho se vendesse para remediar a urgente necessidade do povo. No período seguinte, marcado pela ocupação napoleónica e pela agitação política e social que antecedeu e acompanhou o processo de instauração do regime liberal, escasseiam, nos registos locais, as notícias susceptíveis de nos permitirem esboçar um quadro minimamente seguro da evolução do clima. Só em 1824 vamos encontrar uma referência à colheita de trigo do ano anterior de muito inferior qualidade, e cheio de muitas sementes e pedras, indiciando as más condições atmosféricas que se fizeram sentir em 1823. Vem depois o ano de 1831, de grande escassez de colheitas e, igualmente estéril, o de 1832. Mais grave foi a situação de crise provocada grande seca de 1834, agravada pela insegurança da guerra civil que obrigou à implementação de um plano de auxílio aos lavradores. Contrariamente, o ano de 1838 caracterizou-se pelas boas condições
climatéricas que permitiram, inclusivamente, a exportação de 700 moios de trigo e de 500 moios de cevada. Relativamente ao ano de 1843 ficou-nos que o juízo da Câmara acerca da próxima colheita era que não se podendo dizer abundante ainda que o tempo lhe seja favorável há-de ser contudo mais de mediana. Os anos seguintes ficaram recordados pela sua esterilidade, nomeadamente o de 1846, de negra recordação [...] porque o lavrador colheu apenas a semente ou pouco mais ou nem essa, e não achou já dinheiro para custear suas despesas. Mais favoráveis à actividade agrícola foram as condições atmosféricas em 1848. Porém, o ano seguinte de 1849 iria ficar marcado por um extremar dessas mesmas condições que oscilariam entre um período de grande escassez de águas nos primeiros meses do ano que levou a que no dia 9 de Abril tivesse sido celebrada missa ad pluviam petendam, e uma terrível tempestade que viria a dar o golpe de misericórdia nas já debilitadas produções agrícolas. Esta foi, tanto quanto nos é dado saber, a primeira de uma série de tempestades que, ao longo da segunda metade do séc. XIX, provocaram, como teremos oportunidade de ler, enormes prejuízos não só a nível económico mas também na perspectiva da demografia local. Este ano de 1849 mereceu, desde o seu início, a atenção das autoridades locais que sobre ele teceram as seguintes considerações registadas na acta da sua reunião de 18 de Março : É certo que as searas neste concelho inspiram actualmente bem fundado receio de que a futura colheita seja minimamente escassa e parece à Câmara que quaisquer que sejam as alterações atmosféricas que doravante tenham lugar, por mais favoráveis que sejam para a vegetação não podem remediar já os centeios os quais se acham tão prejudicados que muito poucas de suas espigas chegarão a tomar grão. Não acontece
porém o mesmo por ora ás searas de trigo, das quais conquanto algumas, principalmente as que ocupam terrenos mais arenosos, tenham já gravíssimo prejuízo, as que vegetam contudo em terrenos mais francos, isto é, mais conveniente e proporcionalmente misturados, ou estão ainda boas ou as circunstâncias, ao que parece, de agradecer e aproveitar as benéficas águas se porventura não tardarem muito em cair [...]. As águas, contudo, se bem que viessem a cair, nada trouxeram consigo de benéfico... De facto, no dia 23 de Junho de 1849, em circular enviada ao Governador Civil do Distrito de Portalegre, o Administrador do concelho de Fronteira, Dr. Maximiano Hipólito Copetto Barradas descrevia assim o sucedido dois dias antes : Venho hoje relatar a Vª. Exª. a dor que oprime os habitantes desta vila pelo espantoso sucesso que no espaço de duas horas assolou os seus campos. Das oito e meia às dez e meia horas da noite do dia 21 do corrente mês, uma horrenda tempestade com desmedida pedra, imensa água, trovões e um fogo eléctrico não interrompido e nunca visto, assolou completamente todos os cereais,
legumes, hortas, vinhas, olivais,
montados e pastos do termo desta vila. Os cereais e legumes, compreendendo entre os primeiros os poucos já ceifados, foram todos traçados e moídos, de forma que na maior parte do concelho são completamente inaproveitáveis assim em palha como em grão, escapando apenas alguma carrada de cevada e aveia que já existiam em meda na eira. Os restolhos e pastos ficaram como costumam estar nos fins de Agosto depois de comidos e pisados pelo gado. As vinhas ficaram sem fruto, sem uma folha e com as varas partidas. Os olivais, montados e todo o arvoredo, além de perderem todo o fruto e rama, sofreram grande corte e derrota. Eu como proprietário e lavrador perdi toda a minha receita e de cinco moios e meio de sementes poderei recolher um, em atenção a
ter já acondicionado algumas. Este o estado lastimoso a que ficou reduzido este concelho. Não havia, infelizmente, qualquer exagero na exposição do Administrador do Concelho. Os prejuízos causados pelo temporal foram, efectivamente, enormes à escala local como se verá pela relação dos danos que a seguir se transcreve:
TRIGO
2.400 moios
43.200$000
CEVADA
200 moios
1.920$000
CENTEIO
30 moios
360$000
MILHO
45 moios
648$000
LEGUMES
150 moios
1.800$000
PALHA
4.800 carradas
1.440$000
FENO
300 carradas
1.200$000
PASTAGENS
1.200$000
BOLOTA
560 cabeças
2.680$000
AZEITE
3.500 alqueires
3.500$000
VINHO
2.750 almudes
1.925$000
HORTAS
1.200$000
ARVOREDOS
3.000$000
PRÉDIOS URBANOS
3.000$000
SOMA
67.081$000
Agravando a situação já de si crítica da agricultura local, o ano de 1850 viria a revelarse sumamente estéril. As chuvas intensas caracterizaram os primeiros meses de 1855, provocando grandes danos nas fontes e calçadas do concelho. O estado da agricultura agravou-se ainda mais com as continuadas chuvas de dia e de noite que caracterizaram os começos de 1856, assinalado como ano de esterilidade extraordinária e faminta, de horrorosa e iminente crise alimentícia ou de esterilidade inaudita, em que a produção de trigo apenas chegou para repor a semente enquanto as de centeio, cevada e aveia se cifraram em cerca de 50% das quantidades semeadas. À crise de 1856 outras se seguiram nos anos imediatos senão tão grandes, ao menos muito sensíveis para este concelho. Esta série de maus anos agrícolas prolongou-se até ao de 1860 cuja produção permitiu a constituição de excedentes que ascendiam, em Março do ano seguinte, a 450 moios de trigo. Igualmente excedentários foram os anos de 1872 e 1873 em que a capacidade de armazenamento do Celeiro Comum se revelou insuficiente, denotando as muito boas condições atmosféricas daqueles anos. O início do derradeiro quartel do séc. XIX ficou marcado pelas grandes estiagens de 1875 e 1876. Neste último ano, um enorme temporal, principalmente no dia e noite de 6 de Dezembro, provocou horríveis estragos na vila e subúrbios. O começo do ano de 1881 ficou marcado por terríveis chuvas de 4 aproximadamente,
meses
contrariamente ao de 1882 que permitiu uma colheita muito
satisfatória. Os dados sobre o clima de que dispomos para os anos seguintes informamnos da ocorrência de uma terrível trovoada no dia 21 de Outubro de 1888 que destruiu os viveiros de eucaliptos que a Câmara Municipal mantinha, com vista à arborização da área circundante ao cemitério, a que se seguiu, em 6 de Junho de 1889 uma outra, de
maior intensidade e mais graves consequências cuja descrição chegou até nós na forma da representação então enviada pela Câmara Municipal ao rei D.Luis: A Câmara Municipal deste concelho de Fronteira, distrito de Portalegre e os 40 maiores contribuintes, vem muito respeitosamente, perante Vossa Majestade solicitar uma providência extraordinária dos altos poderes do Estado, que minore quando não possa debelá-la completamente, os horrorosos desastres que acabam de reduzir este concelho à mais angustiosa situação. No dia 6 do corrente, pelas 3 horas da tarde, uma trovoada medonha caiu sobre Fronteira, talando os campos e as árvores, destruindo as searas, arrasando as vinhas e causando bastantes estragos nos gados e nas casas de habitação. De repente, Senhor, e como em vertigem de sonho, os povos de Fronteira – remediados e proletários, pois que a desgraça a todos colheu – viram a fome a suceder a um ano de colheita prometedora, e a terra, seu único recurso, queimada pelo granizo e improdutiva por muito tempo. Esta Câmara adoptaria desde já imediatas providências se no orçamento de um concelho pobre descobrisse recursos de que pudesse dispor para acudir com trabalho e dinheiro, pelo menos, aqueles indivíduos que ficaram na maior miséria. Assim, só pode usar do direito da súplica para que os Ministros de Vossa Majestade socorram, pelos meios ao seu alcance, esta enorme desventura. Para finalizar o presente capítulo, referiremos apenas a ocorrência de ciclones que, de acordo com a documentação por nós compulsada, assolaram no período em causa, por duas vezes, a localidade, uma na noite de 15 para 16 de Janeiro de 1804 e outra no dia 15 de Fevereiro de 1941. Este último fez-se sentir com grande violência provocando grandes danos no coreto cuja cobertura arrancou, em casas particulares e num cinema desmontável que à altura se encontrava em Fronteira.
1.2 GEOLOGIA E PEDOLOGIA
Geologicamente a região de Fronteira apresenta aspectos bastante distintos e caracteriza-se sobretudo por uma grande variedade litológica em que predominam as formações silúricas e câmbricas e os maciços eruptivos de natureza ácida e básica. As formações silúricas, que ocupam grande parte da metade oeste do concelho, são essencialmente constituídas por xistos com intercalações de outras rochas metamórficas. As formações câmbricas, situadas imediatamente a leste, sofreram um carreamento sobre as anteriores patenteado por acidentes de direcção NW-SE que as separa e são constituídas sobretudo por xistos, quartzitos, grauvaques, calcários e dolomitos e metavolcanitos intercalados. A NW e SW de Fronteira estão representadas formações paleogénicas e miocénicas indiferenciadas constituídas por saibros e arenitos argilosos, cascalheiras e margas. As formações terciárias, de que são exemplo as aluviões, terraços fluviais e depósitos de vertente, constituem apenas pequenos afloramentos. As rochas magmáticas estão bem representadas por granitos, rochas básicas (gabros e anortoritos)
e
ultra-básicas
(piroxenitos,
donitos
e
peridotitos)
parcialmente
serpentinizados. As rochas básicas e ultra-básicas distribuem-se por duas zonas : a SE de Fronteira e a NE de Cabeço de Vide. Os granitos localizam-se num afloramento de forma circular, a Leste de Fronteira, entre os maciços de Santa Eulália e do Ervedal e apresentam um aspecto muito homogéneo, podendo ser classificados entre os granitóides tardios da série híbrida.
Apesar de no século passado a política fontista de fomento mineiro ter dado origem a um vasto movimento de registo de jazidas minerais na área do concelho, não consta que alguma delas tenha sido posteriormente explorada.
LOCALIZAÇÃO
DEPÓSITO
Herdade do Monte Judeu
Carvão de pedra
Herdade da Cabachoa
Ferro e outros metais
Herdade do Vale de Seda
Carvão de pedra
Herdade do Pego Escuro
Carvão de pedra e outros metais
Herdade da Ribeira da Vide
Idem
Herdade da Samarruda
Idem
Herdade dos Pintos
Idem
Valverde
Idem
Sete Vales
Idem
Arrifes da Ponte
Idem
Serra de São Miguel
Idem
Herdade das Antas
Idem
Herdade da Dordenzinha
Cobre e outros metais
Herdade do Porto dos Melões
Carvão de pedra e alguns metais
Herdade da Pena Roia
Idem
Minas registadas na Freguesia de Fronteira (1835-1858)
A uma provável exploração, em tempos muito anteriores, de recursos minerais no outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha, alude o autor das Antiguidades de Fronteira em meados de oitocentos, ao referir que um literato que em 1857 andou em busca de minas por conta de uma companhia, suspeitou que as covas existentes no outeiro da Vila Velha tiveram por fim a exploração de minas, fundando-se em ter encontrado ali nas escavações, que começou, algumas pedras que continham material visível ao
microscópio, e até à minha lente, opinião que aquele autor reforçava com a evidência de existir naquele local abundância de certas pedras, de que este povo se servia muito para com o pó delas pisadas limpar metais ; a porosidade delas, e o seu muito pouco peso indicavam a acção do fogo para lhes extrair a parte metálica. Ás mesmas covas se referira já, duzentos anos antes, o cónego Novais na sua Relação do Bispado de Elvas, onde se pode ler: No sítio da Vila Velha ainda estão abertas muitas covas a modo de poços, que deviam ficar da primeira fundação[...]. Diversos achados vieram posteriormente acrescentar novos argumentos favoráveis à hipótese da existência de actividade mineira e metalúrgica naquele local. Comprovada está porém, sem qualquer sombra de dúvida, a existência de pedreiras em laboração no séc. XVI e princípios do XVII, junto ao Ribeiro do Carvalho, já que a Câmara de então pôs por postura que nenhuma pessoa desta vila possa lavar roupa nem outras coisas nas lagoas das pedreiras. É mesmo lícito supor que neste período, marcado pela construção de várias igrejas, a actividade extractiva terá atingido o seu período áureo. Presentemente, depois do enceramento já distante de pequenas unidades artesanais que se dedicavam à extracção de lajes de xisto, à fabricação de telha e tijolo (telheiros da Defesa, Apaúla e Várzeas), da única olaria existente em Fronteira a qual laborava com barro extraído do Rossio de Santa Catarina e da desactivação de uma pedreira para extracção de granito que se manteve em actividade até aos anos sessenta do nosso século, o aproveitamento económico dos recursos geológicos é nulo apesar da concessão feita a uma empresa da capital para exploração de depósitos de feldspato e quartzo, mineral cuja extracção ascendeu, em 1979, a cerca de 800 toneladas.
Pedologicamente, em conjunto com os solos xistosos, ocorrem no Concelho de Fronteira, à semelhança dos concelhos de Alter do Chão e Avis, sobretudo solos mediterrâneos pardos de materiais não calcários de quartzo-dioritos com uma maior capacidade agrícola que a maior parte dos solos existentes no Distrito de Portalegre. Do ponto de vista produtivo são no seu conjunto solos com mediana capacidade produtiva em sequeiro cuja descrição pormenorizada se dá em anexo, correspondendo 1068 hectares a solos de 1ª. classe, 11787 hectares a solos de 2ª. classe e 9154 a solos de 3ª. classe. De acordo com estudos realizados anteriormente ao impacto da PAC, a orientação produtiva destes solos deveria ser, basicamente, para a cerealicultura de sequeiro com reconversão dos sistemas culturais nos solos marginais onde o trigo deveria dar lugar à aveia e cevada, em alternância com forragens anuais ou com prados multianuais com base no trevo subterrâneo e na festuca, tendo em vista a produção de ovinos para carne. Ainda segundo aquele estudo, nos solos sem aptidão agrícola dever-se-ia implementar a florestação através da plantação ou sementeira de novos montados de sobro de modo a evitar os efeitos negativos do eucaliptal e, simultaneamente, a permitir a manutenção do porco de montanheira e o aproveitamento comercial e industrial da madeira.
ARBÓREA
AGRÍCOLA
RASTEIRA
ARBÓREA FLORESTAL
RASTEIRA VEGETAÇÃO NATURAL
HERBÁCEAS ARBUSTIVAS
ÁREAS NATURAIS S/ VEGETAÇÃO
ÁGUAS OCUPAÇÃO HUMANA
ARVOREDO FRUTÍFERO DIVERSO AMENDOEIRAS AMEIXIEIRAS FIGUEIRAS LARANJEIRAS OLIVAL OLIVAL INICIAL PEREIRAS CULTURA ARVENSE SEQUEIRO CULTURA ARVENSE REGADIO HORTO-INDUSTRIAIS HORTÍCOLAS POUSIO PRADO PERMANENTE REGADIO SOLO MOBILIZADO AGRÍCOLA VINHA AMIEIRO AZINHEIRA AZINHEIRA INICIAL CHOUPO EUCALIPTO EUCALIPTO INICIAL FREIXO OLAIA PLÁTANO POVOAMENTO FLORESTAL MISTO PINHEIRO BRAVO SOBREIRO SALGUEIRO ZAMBUJEIRO DESÉRTICO EUCALIPTO FOLHADA EUCALIPTO FOLHADA FOLHOSAS SOLO MOBILIZADO FLORESTAL PRADO NATURAL MATO AFLORAMENTOS ROCHOSOS DESÉRTICO PRAIA ALBUFEIRAS CHARCAS CURSOS DE ÁGUA ÁREA SOCIAL ÁREA SOCIAL EXPANSÃO
Quadro da ocupação do solo do Concelho de Fronteira (1993)
18 ha. 0 ha. 0 ha. 8 ha. 4 ha. 3.498 ha. 78 ha. 1 ha. 5.948 ha. 792 ha. 8 ha. 17 ha. 6.669 ha. 4 ha. 2 ha. 2 ha. 1 ha. 4.356 ha. 2 ha. 8 ha. 266 ha. 261 ha. 103 ha. 0 ha. 1 ha. 0 ha. 10 ha. 1.333 ha. 17 ha. 79 ha. 1 ha. 2 ha. 0 ha. 10 ha. 381 ha. 356 ha. 69 ha. 54 ha. 9 ha. 191 ha. 5 ha. 42 ha. 202 ha. 1 ha.
I – Evoluídos A – Não hidromórficos a) Vermelhos Calcáreos
s/ calcáreos friáveis s/ margas calcáreas s/ xistos c/ infiltrações calcáreas
85 277 267
s/ calcáreos cristalinos
97
s/ xistos
3.478
s/ xistos
1.138
s/ gneisses anfibólicos e/ou cloritoxistos
7.065
Não calcáreos
b) Pardo-avermelhados não calcáreos c) Pardos
Calcáreos
s/ margas e/ou calcáreos margosos s/ calcáreos margosos duros s/ graníticos com infiltrações calcáreas s/ xisto c/ infiltrações calcáreas
s/ granitos Não calcáreos s/ quartzo dioritos s/ pórfiros graníticos d) Podolizados vermelhos e amarelos
s/ arenitos
214 8 171 233 3.191 960 117 33
e) Barros Calcáreos
Pretos s/ dioritos e/ou Gabros c/ infiltrações ou dep. Calcáreos
41
Pretos s/ dioritos e/ou gabros
275
Castanho-avermelhados s/ basaltos
793
Não calcáreos
B – Hidromórficos ou c/ vestígios de hidromorfismo s/ dioritos e/ou quartzitos s/ depósitos semelhantes a margas s/ depósitos semelhantes a gredas argilosos s/ material semelhante a greda
38 722 1.765 9
b) Planosolos
s/ arenitos e ou xistos
436
II – Incipientes
aluviosolos doces modernos de baixas esqueléticos
286 249 2.243
a) Pardos
Solos e unidades pedológicas do Concelho de Fronteira (Ha)
1.3 HIDROLOGIA 1.3.1 CURSOS DE ÁGUA
A principal linha de água do concelho de Fronteira é a Ribeira de Avis, localmente conhecida por Ribeira Grande, que autores mais antigos denominaram Rio Zetas. Esta ribeira nasce 18 km acima da vila de Monforte, nas herdades da Roda, Carrapeto e Barreiros, situadas entre aquela localidade e o Assumar. Na parte inicial do seu curso corre com o nome de Ribeiro do Freixo. É este ribeiro que ao juntar-se à Ribeira do Assumar toma o nome de Ribeira Grande ou de Avis. Depois de passar, pela banda do norte, a curta distância da vila de Fronteira a Ribeira de Avis prossegue o seu curso em direcção às vilas da Figueira, Ervedal, Avis, Cabeção e Mora. Entre estas duas últimas conflui com o Rio Sor e passa a corre com o nome de Rio Sorraia o qual por sua vez desagua no Tejo por alturas de Benavente. O seu curso no interior do concelho de Fronteira é assinalado pela existência de alguns locais de maior profundidade, os pegos, onde, em maior ou menor quantidade a água se acumula mesmo durante os meses mais quentes de Verão. São ao seguintes os pegos mais importantes, desde o limite do concelho de Monforte até ao do concelho de Avis, de montante para juzante : Pego da Espadaneira, Pego do Burrinho, Pego de Ana Loura, Pego do Moinho do Padre, Pego da Apaúla, Pego do Moinho do Diabo, Pego do Chícharo, Pego do São Bento das Lapas, Pego da Areeira, Pego da Fonte Férrea, Pego da Nogueira, Pego da Matinca, Pego do Altar, Pego dos Ferreirinhos, Pego da Garça, Pego do Barreirão, Pego da Pedra, Pego da Vinha, Pego Laranjo e Pego do Poio.
Todos os restantes cursos de água do concelho são tributários da Ribeira Grande e apresentam um regime periódico, correndo enquanto as águas pluviais os alimentam e secando precocemente no Verão. De entre as linhas de água secundárias destacam-se pelo seu maior caudal o Ribeiro da Sarrazola e a Ribeira da Vide, na margem direita e, na esquerda, o Ribeiro das Vinhas, a Ribeira de Ana Loura e o Ribeiro do Lupe. Idêntico regime tem a Ribeira Grande que ora se apresenta quase seca no Verão ora sai violentamente das suas margens, tudo arrastando à sua passagem, nos anos de invernia mais rigorosa, provocando cheias de grandes dimensões que antigamente punham em risco a subsistência da própria povoação, situação essa que levou a que das mais graves, que mencionaremos seguidamente, tenham ficado alguns registos escritos para a posteridade. A primeira das notícias disponíveis data do ano de 1604 e nela se informa sobre a arrematação das obras de reparação da ponte em virtude das cheias desse mesmo ano, obras co-financiadas por diversas câmaras do distrito. Em 1699, na noite de 13 para 14 de Janeiro, uma terrível cheia abriu grandes boqueirões no pavimento da ponte, deixando-a intransitável, pelo que a Câmara se viu na necessidade de ordenar que todos os pedreiros e alvanéus que nesta vila se acharem fossem notificados para irem trabalhar amanhã que se contam quinze do corrente na dita obra como também mandassem apregoar que todos os moradores desta vila de cada casa irá uma pessoa fazer a conservação de enxadão enxadas picaretas ajudar á serventia da dita obra em a qual não deve haver demora alguma visto estarem arruinados todos os moinhos desta vila alguns de todo perdidos para virem farinhas das terras circunvizinhas.
O século XVIII parece ter sido relativamente bondoso no que às grandes cheias respeita. De facto, não se encontram na documentação disponível referências a grandes prejuízos provocados pelo súbito aumento dos caudais da ribeira. Porém, logo no início do século seguinte, as destruições provocadas pelas águas voltam a revelar-se um problema para a subsistência da população local. O ano de 1800 foi ano de muitas águas que por várias vezes fizeram sair os rios de seus leitos. Na sua sessão de 8 de Dezembro de 1802, a Câmara Municipal determinou que à vista da ruína que experimentou a ponte da ribeira pela grande enchente da manhã de dia seis do corrente mês que se entrasse sem perda de tempo na ratificação atenta à necessidade que há para se transportar não só as gentes mas também carros e bestas de uma para outra parte e como o dito conserto é de uma considerável despesa e o concelho pouco ou nada tem para poder ratificá-la acordaram que além das fintas que eles vereadores e procurador voluntariamente dão houvessem de pedir às pessoas da governança lavradores e mais pessoas desta vila e termo que dessem sem coacção ou constrangimento cada um o que pudesse e quisesse assim também pela mesma forma concorressem com os seus carros e bestas para fazerem os acarretos dos materiais precisos para a dita obra e se obrigassem os oficiais e jornaleiros para irem para a dita obra com preferência a outra qualquer. Para além dos danos causados à ponte, a cheia arruinaria também grandemente os moinhos da Coutada e os do termo da Figueira. Semelhante a esta em danos e prejuízos foi a cheia de 25 de Novembro de 1858 que derrubou 136 m de guardas da ponte para além de ter arrancado 252 m2 de calçada do pavimento, obrigando a reparações que orçaram em 363.820 rs. Os arranjos, porém, não iriam durar muito tempo...
A 6 de Dezembro de 1876, um terrível temporal produziu nesta vila e seus subúrbios horríveis estragos, sobretudo na ponte da Ribeira Grande, cujas guardas e grande parte do solo ficaram completamente destruídas e a ponte de todo intransitável para veículos e cavalgaduras, podendo apenas, com muita dificuldade, dar
passagem
individual a pessoas a pé. Se bem que as cheias se tenham continuado a fazer sentir ciclicamente, por vezes com grande intensidade, como aconteceu em 1979 ou 1981, nenhuma delas atingiu as proporções ou provocou os prejuízos das anteriores.
Fizemos atrás alusão aos moinhos que bordejavam o curso da Ribeira Grande. Dada a importância de que se revestiam na economia local, deter-nos-emos um pouco mais sobre a sua história. De vital importância para o regular abastecimento de farinha e, consequentemente , de pão à população local, a instalação de alguns dos moinhos e
azenhas deve
ter
acompanhado de perto a fundação da própria vila e acompanhou, com toda a certeza, a ocupação de novas áreas de produção cerealífera, como se prova pela fundação do Moinho do Cabral, na Coutada, ao tempo da divisão e consequente aproveitamento cerealífero daquela propriedade do concelho. Repetidas vezes arruinados e reconstruídos, os moinhos mantiveram-se activos até à introdução das novas formas de energia, nos inícios do presente século. Se bem que as informações a eles relativas não sejam muito frequentes nem detalhadas, podemos afirmar que, em meados de 1600, eram oito os moinhos em laboração : moinho de Nuno de Cáceres, moinho das Várzeas, moinho de Luis Álvares de Aguiar, Moinho Rasteiro, Moinho Fundeiro, Moinho do Cubo, moinho e azenha de Guiomar Barreto e moinho do Capitão-Mor.
O funcionamento destes moinhos era regulamentado por várias posturas municipais que visavam, acima de tudo, salvaguardar os interesses da população e dos que contratavam os seus serviços no sentido de evitar qualquer dano que pudesse vir a suceder ao cereal entregue para farinação. Daí que a Câmara tivesse acordado em que nenhum moleiro possa ter no moinho em que assistir mais de uma galinha e um galo ; e as criações que fizerem serão lançadas fora do dito moinho logo que deixarem o agasalho da mãe com pena de cem reis por cada bico e que nenhum moleiro pudesse ter vassoura nos moinhos em qualquer dia da semana, à excepção do Sábado em que fizerem a partilha. Do mesmo modo, antecipando a frequente falta de água, os moleiros eram obrigados a ter atafonas, para que na falta das águas da ribeira se não vejam os moradores desta vila e termo na precisão de
recorrerem às terras vizinhas, disposição que era
obrigatoriamente implementada a partir do dia de São João Baptista, se a necessidade o não pedir antes. As medidas de protecção dos consumidores estendiam-se também aos acarretadores dos moinhos, azenhas e atafonas que no acto de receber o trigo, centeio e milho das respectivas partes para haver ele de se moer, serão obrigados a medi-lo de rasa e quando trouxerem a farinha a darão pela mesma medida com bom cogulo. Todos estes moinhos foram gradualmente abandonados e encontram-se hoje em dia num estado de quase completa ruína exceptuando-se apenas o Moinho da Ponte cujas instalações foram, em boa hora, recuperadas e integradas nas estruturas de apoio à praia fluvial da Ribeira Grande, em 1996. Destino igual ao dos primeiros tiveram os, pelo menos, três moinhos de vento existentes na vila e arredores, situados, respectivamente, no sítio conhecido como Moinho de Vento, no alto do Rossio de Santa Catarina e na Serra de São Miguel, junto à ermida do mesmo nome.
No capítulo das águas subterrâneas e de pé, fontes exclusivas, até aos nossos dias, do abastecimento público, elas foram desde sempre alvo da maior atenção por parte das autoridades e da população em geral. No interior da antiga cerca muralhada, para além das cisternas existentes em casas e quintais particulares, utilíssimas reservas de água hoje em dia inutilizadas na sua quase totalidade, a população residente abastecia-se na grande cisterna do concelho, com capacidade superior a 300 m3, situada sob o quintal das antigas Casas da Câmara, onde se abriam três serventias, duas de bocal redondo de pedra arneira, que saem do meio do ladrilhado, e uma do lado do Norte com vinte e três degraus também da mesma qualidade de pedra, que por eles se desce até ao fundo da mesma cisterna. Esta é formada em quatro arcos, e tanto estes como a abóbada que a cobre é construída da mesma pedra arneira faceada ; e o fundo é igualmente forrado ou coberto da dita pedra. Tem de largura a mesma cisterna do lado Sul e Norte sete varas e meia, e de Nascente, e Poente sete varas e meia Terça ; e de altura até à abóbada quatro varas e meia [ 8,25 x 7,88 x 4,95 m ] . Juntamente com a existente no recinto do castelo propriamente dito e, como aquela, já mencionada no numeramento de 1527, esta cisterna constituía a mais importante reserva de água existente intramuros o que lhe conferia uma importância estratégica decisiva em situações de encerramento da vila, como por diversas vezes veio a suceder em consequência de guerras ou surtos epidémicos. O grosso do abastecimento provinha no entanto das diversas fontes situadas nos arrabaldes, principalmente a sul e poente da vila : Fonte Nova, Fonte Sanona, Fonte do Areeiro, Fonte do Concelho e Fonte da Pipa, de que passaremos em seguida a fazer um breve historial.
1.3.2 FONTES 1.3.2.1 Fonte Nova A Fonte de S.João, Fonte Nova de S.João ou Fonte Nova, como ao longo do tempo tem sido chamada, já existia em 1564. Em 1610, no contrato assinado entre o povo de Fronteira e o Pe. Frei João do Porto, Provincial da Província da Piedade, para a fundação do Convento de Santo António, pode ler-se que a Câmara doou aos religiosos a Fonte Nova que é deste concelho livre para ficar dentro da cerca do convento. Como se pode constatar, apesar de ficar dentro da propriedade doada aos frades, a fonte continuou a ser de público acesso. Não seriam porém as melhores as condições de captação e aproveitamento das águas pelo que a edilidade teve de proceder a repetidas obras de melhoramento. Assim, em 1638, a Câmara contratou com Francisco Martins, oficial de alvanéu natural de Estremoz, a conclusão da obra da Fonte Nova que se abriu novamente para este povo, de acordo com o projecto de Manuel Álvares, morador em Fronteira que tinha anteriormente arrematado e dado início aos trabalhos, parcialmente financiados por uma verba de 30.000 rs inicialmente destinada às Companhias de Comércio da Índia. A fonte não tinha então o aspecto com que chegou até aos nossos dias o qual apenas lhe viria a ser conferido no primeiro quartel do passado século nem tão pouco se situaria, como se deduz da transcrição abaixo, na sua localização actual. A Fonte Nova que todos conhecemos teve na sua origem um alvará de D. João VI, datado de 20 de Setembro de 1817, que autorizou a Câmara a efectuar novas e grandes obras de melhoramento porque entretanto se tinha tornado imprescindível pela grande falta de água que se experimenta no tempo do Verão, abrir uma vala para conduzir a água e fazer dentro dela o encanamento; e por medidas que tomaram acharam que
esta vala deve ter de comprimento duzentas e noventa varas e que cada vara de abertura custará 1200 reis, o que soma trezentos mil reis e que o encanar e cobrir metendo-lhe três clarabóias, avaliam em quatrocentos mil reis, sendo tudo de alvenaria. Declararam mais que o tanque tendo 15 varas de comprido, e seis palmos de largura, todo de cantaria até ao lume d´água, duas bicas também de pedra e o resto da perspectiva feito de alvenaria avaliavam em setecentos mil reis. As obras iniciaram-se efectivamente naquele ano e continuavam ainda em 1818, ano em que o Visconde de Sousel, Governador de Armas da Província do Alentejo, autorizou o município a aproveitar a pedra da muralha no encanamento da água para a fonte recomendando, porém, que evitem quanto lhe for possível que se faça demolição na mesma muralha, devendo procurar-se a pedra naquelas partes que estiverem já caídas, e só quando aqui faltar é que se deve buscar alguma parte mais arruinada para se aproveitar a mesma pedra. Apesar disto, a instabilidade política e social que então se vivia deve ter forçado à suspensão dos trabalhos que apenas em 1825 viriam a ficar concluídos com a colocação dos marcos de pedra e das gradarias de protecção a que se seguiram, em 1835, novos trabalhos de prospecção para colmatar a falta de água experimentada naquele ano. A partir de então, a fonte foi continuamente utilizada para abastecimento público até à data da sua inutilização em consequência da abertura, no Torosilho, dos furos para abastecimento da rede de águas em 1982.
1.3.2.2 Fonte da Sanona Relativamente a esta fonte são bem menos abundantes as referências documentais de que podemos dispor.
Situada a curta distância da Fonte Nova, a sua designação parece ter tido na sua origem o pouco abonatório apelido Sanono, hoje em dia já desaparecido mas ainda corrente em Fronteira em meados do século XVII, altura em que, entre outros, aqui vivia um Gregório Rodrigues Sanono, carcereiro da cadeia municipal cuja família seria, porventura, proprietária do local onde se situa a nascente. Esta fonte não seria muito utilizada, provavelmente em consequência da abertura da Fonte Nova, pelo que em 1756 a vamos encontrar em estado de grande abandono como ficou atestado num requerimento que naquele ano o capitão-mor António Borralho Murça dirigiu à Câmara Municipal e onde se pode ler que nesta terra há vestígios de uma fonte que já houve em caminho de Nossa Senhora da Vila Velha chamada dos Assanos e outra chamada Sanona. Caída em estado de abandono, a fonte Sanona foi, em 1801, objecto de obras de beneficiação que orçaram em cerca de 57.600 rs., executadas pelo mestre José Lopes Falcato. Concluídas as obras, a Câmara determinou e concedeu licença para que de hoje em diante possam todos usar da água da dita fonte e dar de beber às bestas assim de Verão como de Inverno em virtude de já não existir o perigo de se esgotar como dantes pela grandeza do depósito. Apesar desta apregoada abundância de água, o que de facto se verificou foi que, logo em 1834, o Concelho se viu forçado a dispender mais 29.200 rs. importância da obra que se fez na fonte denominada a Sanona que se achava inutilizada, e entupida e que se mandou limpar e reedificar pela esterilidade e necessidade que dela tem o público, pela falta de água da outra Fonte de S. João, que está quase seca. Posteriormente, a existência e manutenção da Sanona andaria estreitamente ligada ao funcionamento do matadouro municipal cuja desactivação veio a provocar o seu gradual abandono.
1.3.2.3 Fonte do Areeiro
A primeira referência escrita à Fonte do Areeiro data de 1564, ano em que no Livro da Receita e Despesa da Câmara Municipal nos surge um pagamento de 2.270 rs. feito a Pero de Castilho, calceteiro, pelo seu trabalho nas calçadas junto à Fonte do Ourieiro. A notícia seguinte, com data de 1624, dá-nos conta das preocupações do município relativamente àquela fonte visto haver grande clamor que se fazia muita imundície no chafariz e bordos da Fonte do Ourieiro. Em anos posteriores deparamos com mais notícias de diversas obras e projectos, nomeadamente um de construção de uma nova fonte no local, elaborado em 1825 por mestre Joaquim Galhordas o qual não se viria a concretizar. Apesar de tudo isso não se verificaram grandes melhorias nas condições sanitárias da água pelo que, em 1890, a Câmara deliberou solicitar ao rei a concessão de um subsídio de dois contos de reis para a construção ou transformação de um poço de água nativa em fonte de bicas, convertendo-se assim em água potável o que tem sido um foco de febres palustres, por vezes de mau carácter, já pelas condições do reservatório, já pela decomposição de matérias orgânicas répteis e animais, cujo poço se encontra no sítio denominado do Areeiro. A pretensão da autarquia veio, efectivamente, a merecer o bom acolhimento do soberano pelo que a mesma viria a obter despacho favorável do então Ministro das Obras Públicas, Dr. Frederico de Gusmão Correia Arouca que lhe afectou, por portaria de 22 de Fevereiro, cerca de metade da verba requerida. A construção da nova fonte deve ter começado logo de imediato porquanto existem notas da compra de diversos materiais – cal, ladrilho, pedra, saibro e lages – anteriormente ao dia 24 de Março. Meses depois, a 10 de Julho, face à insuficiência da
comparticipação da Coroa, a Câmara submeteu à apreciação do governo de Sua Majestade nova petição de um subsídio de 400.000 reis destinados à conclusão das obras que lhe viria também a ser deferida. Em Maio do ano seguinte de 1891 as obras encontravam-se já concluídas mas a fonte, e bem assim o encanamento por onde há-de ser conduzida a água do poço, conquanto esteja muito bem construída, contudo é certo que existe naquela obra algum defeito, que todavia esta Câmara desconhece porque ainda não pôde descobrir, não obstante os esforços que para tanto tem empregado, qual a causa que obste a não entrar no encanamento a água que do poço deve abastecer a referida fonte, contratempo que só ficou definitivamente solucionado graças à intervenção do técnico João de Pina Cabral, de Portalegre. À semelhança do sucedido com a Fonte Nova, também a Fonte do Areeiro ficou inutilizada pela abertura de furos para rega que vieram a provocar o abaixamento do nível das águas subterrâneas que durante séculos a alimentaram.
1.3.2.4 Fonte do Concelho
A Fonte do Concelho situava-se, como o seu nome indica, num cerrado antigamente pertencente à Câmara Municipal que foi posteriormente alienado e integrado na actual Quinta de São Francisco. Se bem que certamente existente desde tempos muito anteriores, a Fonte do Concelho apenas nos surge mais frequentemente mencionada a partir do século XVII. Em 1612 existem já documentos anunciando a proibição de se lavar na dita fonte e no seu chafariz cuja reconstrução seria posta em concurso pela Câmara na sua sessão de 24 de Agosto de 1632.
Em finais do século seguinte a Fonte do Concelho entrou numa nova fase da sua existência assinalada por obras de alguma envergadura com a finalidade de pôr fim ao grande
prejuízo que resulta ao povo desta vila que costuma beber da Fonte do
Concelho por esta se encontrar destapada e o sol derramar-lhe a água fazendo criar limos, e achar-se exposta a que os rapazes lhe deitem imundícies. Por essa razão, em 1789, a Câmara mandou abrir uma sanja no cerrado de Joaquim José de Villalobos junto à Horta do Concelho. Os trabalhos, porém, tiveram que ser suspensos poucos dias depois de iniciados em consequência da grandíssima despesa por causa da piçarra que se descobriu. A abertura da vala só seria retomada em 1791 tendo-se nessa ocasião dotado a fonte com duas bicas e com alguns degraus para esse efeito retirados da Fonte Nova que se achava então em adiantado estado de ruína. As despesas com estes trabalhos foram integralmente cobertas com a venda das folhagens das vinhas do Carvalho, das Várzeas e do Cerrado da Amoreira para esse efeito doadas ao Concelho pelos seus legítimos proprietários. Em 1803, a escassez de águas obrigou a Câmara a recorrer aos serviços de um vedor de Estremoz, José Fernandes de Matos, para averiguar onde as teríamos suficientes à nossa necessidade mais comodamente. Com efeito procedendo-se na averiguação na presença deste Senado disse o dito vedor que havia no Cerradinho do Concelho oito anéis de água que passa de meia telha com o estreito virado para diante ao menos que há-de cair até à altura do sexto degrau das escadas da Fonte do Concelho. Tendo em atenção os auspiciosos indícios da prospecção, novos melhoramentos foram introduzidos na fonte durante os anos que se seguiram, especialmente no decurso de 1806, ano em que deve ter ficado concluída a construção da contramina.
As últimas obras de que temos notícia antes da passagem da fonte para o domínio privado tiveram lugar em 1827 e 1828 e traduziram-se em pequenas obras de conservação, entre as quais a colocação de novas bicas. A primitiva nascente da Fonte do Concelho foi, em 1906, trocada por outra, chamada da Mina, em virtude da bacia de captação da primeira abranger o subsolo do cemitério, o que levantava suspeitas quanto à qualidade das águas.
1.3.2.5 Fonte da Pipa
Relativamente a esta fonte dispomos de provas documentais que atestam a sua existência no início de seiscentos se bem que, como o leva a crer a sua localização no sopé do outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha, junto de uma importante via de comunicação entre o Norte e o Sul de Portugal, deva remontar a uma época muito anterior Em 1755, em consequência do terramoto, sabemos que a fonte deixou temporariamente de correr. Esta fonte não tinha inicialmente a traça e grandeza que hoje nos apresenta e que são o resultado das grandes obras de reconstrução levadas a efeito em 1822. Foi naquele ano, no dia 7 de Julho para sermos mais precisos, que a Câmara Municipal de Fronteira pôs em pregão a empreitada da obra que viria a ser arrematada pelo mestre Vitorino António Gaguinho, por 28.000 reis.De acordo com o contrato então firmado entre as partes era o seguinte o projecto da obra a efectuar : rebaixar o largo da mesma Fonte da Pipa de cinco palmos para dar caída à água que sai da bica para o novo chafariz que se deve fazer na frente do frontispício do comprimento do mesmo frontispício. Tapar a boca da fonte que se acha aberta
presentemente de cal e tijolo, pondo no meio uma bica de mármore das inúteis da Fonte do Concelho pela qual há-de correr a água que sai da arca da fonte. Introduzir toda aquela água, que corre extravasada ao lado do Norte da fonte para a arca ou depósito da mesma por um cano subterrâneo novo de alvenaria, se não houver, porque havendo por este se podem encanar as ditas águas. Cobrir com uma nova capa de alvenaria e com lajes a abóbada da mesma fonte com correspondente escoante, de forma a que a água da chuva não arruine a abóbada, nem se introduza para dentro da arca da fonte. Rebaixar proporcionalmente os assentos que se acham em roda do largo da fonte cobrindo-os por cima com lajes e no lugar onde se acha o chafariz velho formar um novo pial, com lajes também por cima. Da parte de fora do lado norte se fará um novo chafariz do comprimento da parede donde devem beber as bestas, e para o qual há-de vir a água do chafariz para o que se fará o competente rebaixe no terreno onde as bestas hão-de chegar e beber neste segundo chafariz de forma que possam chegar e sair com desafogo fazendo da parte do poente algum reparo ou parede para que as águas que correm pela cova do lado de Santiago nas invernas não se introduzam nesse chafariz, mas antes passem ao largo. E as pedras que estão no bordo do chafariz que existe e nos da boca da fonte, servirão para os bordos dos dois novos chafarizes ; o terreno do largo da fonte de dentro, e o de fora onde as bestas hão-de chegar a beber calçado, se não encontrar rocha por baixo porque então aplainando-se esta ficará servindo de calçada. Todas as paredes tanto as da arca da fonte da parte de fora como as laterais serão rebocadas, e tudo caiado, com perfeição. Alterações posteriores vieram fazer desaparecer um dos dois chafarizes então construídos, mantendo-se as restantes estruturas funcionais e bem conservadas como se pôde constatar por ocasião dos trabalhos de reforço do abastecimento de água a Fronteira levados a efeito em 1995.
Como o leitor certamente terá notado, a manutenção das boas condições de salubridade das fontes foi, desde sempre, uma das principais preocupações do município, aliás bem expressa nos vários códigos de posturas que chegaram até nós, de onde foram extraídos os elementos que se seguem. Em 1627, era proibido que qualquer pessoa desta vila e seu termo possa dar de beber a gados vacuns nos chafarizes das fontes deste concelho a saber da Fonte da Pipa e da fonte do Concelho. Poucos anos mais tarde, nova disposição veio a impor uma coima de 1000 reis a quem desse de beber a animais das escadas da Fonte Nova para baixo e de 500 a quem fosse achado a lavar roupa na mesma fonte. Porém, nem só os gados conspurcavam as fontes. O vandalismo já então era, como agora, uma realidade que as autoridades tentavam a todo o custo combater. Nesse sentido as posturas de 1679 são bem explícitas ao acordar em que toda a pessoa que for achada ou provada de qualquer qualidade que seja desmanchando alguma fonte desta vila ou chafariz dela ou do termo que seja do concelho pague dois mil reis. Estas medidas, acrescidas de outras mais precisas, mantinham-se ainda em vigor no código de posturas de 1855 que passamos a citar: As fontes públicas hão-de ser limpas todos os anos duas vezes, em Março e Setembro pelos rendeiros ou zeladores e aguadeiros, feito este serviço conjuntamente por todos [...] Os chafarizes e tanques hão-de ser limpos da mesma forma 4 vezes por ano, em Março, Junho, Setembro e Dezembro [...] É proibido quebrar ou arrancar pedras ou marcos ou bicas ou argolas de qualquer fonte, tanque ou chafariz [...]
É igualmente proibido lavar roupa nas fontes ou chafarizes ou inquinar e sujar a água com introdução nos mesmos ou lavagem de outros quaisquer objectos[...] É proibido dar de beber a bestas ou bois nos chafarizes para onde correm as bicas das fontes ou com caldeiro em cima do bordo das mesmas [...] São proibidos os porcos 100 passos em circunferência das fontes públicas ou chafarizes [...] O que entupir ou deitar alguma terra, areia ou pedra para o fim de entupir o repuxo da Fonte de S. João incorre na pena de 2.000 rs.
Para além das anteriores, outras fontes eram utilizadas para abastecimento da população quer por haver uma tradição de consumo das suas águas, como era o caso da Fonte da Serra, vendida porta a porta por aguadeiros locais até à década de 1960, quer por se encontrarem na proximidade de locais habitados ou muito frequentados, em pleno campo, como sucedeu com a fonte que António Torrado, arrematante da boiada da vila, se obrigou a mandar construir, em 1604 : uma fonte na Coutada Lavradia pegado ao Vale do Cortiço onde já hoje bebe muita gente a qual será feita de uma vara de altura empedrada e de largura que bem possam encher um cântaro e os bordos da água para cima de pedra e ficará à maneira de poço. Compensação semelhante fora já acordada em 1595, pelo então arrematante da boiada, relativamente à Fonte da Rosa.
Juntamente com as pesquisas de água já atrás referidas, não queremos deixar de destacar uma outra a que a Câmara procedeu em 1775, apesar de se ter vindo a revelar infrutífera e isto porque ainda nos nossos dias se conserva a convicção da existência da nascente então procurada sem quaisquer resultados práticos.
Naquele ano abriu-se de facto uma grande cova na Praça visto haver grandes esperanças de um grande nascente de água na praça com que se pode fazer fonte em o sítio do Adro de cima ou de baixo conforme o seu declive. Porém, a tão desejada água não apareceu e a cova acabaria por ser fechada no ano seguinte. Se bem que não sejam conhecidas os argumentos que levaram a Câmara a encetar um trabalho tão dispendioso quanto inútil em pleno centro da localidade, cremos não ser de todo improvável a hipótese da ocorrência, em tempos mais recuados, de um afloramento de água na parte alta da vila o que poderá justificar a observação feita pela Câmara de Fronteira ao Ouvidor do Mestrado de Avis, durante a sua visita de 1658, que era necessário para boa serventia desta vila e dos moradores dela [que] a água que sai da Rua de Avis que corra ao longo do cerrado de Domingos Dias Davide por donde antigamente corria. Estaria assim, talvez, explicada a designação de Rua da Lagoa.
1.3.3 O Abastecimento Público
O aumento da população verificado nas primeiras décadas do século passado e as crescentes necessidades de consumo, levaram a autarquia, durante a década de 1930, a proceder a estudos hidrogeológicos no sentido de instalar a rede de abastecimento público de água à povoação. Duas hipóteses se colocaram ao executivo de então: a captação de água no riquíssimo aquífero do Cano e a consequente construção de uma conduta adutora até Fronteira ou então, solução esta que viria a prevalecer, a captação horizontal de águas em mina aberta nos arredores da localidade, complementada com a instalação de um poço e estação elevatória no lugar da Fonte da Saúde.
Estes trabalhos tiveram início no dia 29 de Julho de l940. Em 1945 foi iniciada a construção do depósito elevado e, finalmente, o abastecimento domiciliário de água foi inaugurado em 1 de Agosto de 1947. Os caudais de água fornecidos, complementados pelo abastecimento feito nas fontes Nova e do Arieiro, revelaram-se suficientes até à década de 1980. Por essa altura, contudo, a melhoria generalizada das condições de vida e a adopção de novos hábitos de consumo e higiene obrigaram a autarquia a proceder a novas pesquisas no sentido de reforçar os volumes do precioso líquido, já escasso para satisfazer a procura crescente. Abriram-se, então, os dois furos do Torosilho com uma produção média horária de 30 e 25 mil litros/hora, respectivamente. Logo na década seguinte, uma série de anos de rigorosa estiagem obrigou a que a Câmara procedesse, uma vez mais, ao reforço dos caudais, desta feita com a abertura de novo furo no Outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha cujo débito actual (2001) é de cerca de 30 mil litros/hora.
1.4 FAUNA E FLORA 1.4.1 Fauna 1.4.1.1 Aves São as seguintes as espécies avícolas mais representativas : Pintarroxo (Acanthis cannabina), guarda rios (Alcedo atthis), perdiz comum (Alectoris rufa), andorinhão preto (Apus apus), garça boieira (Bubulcus ibis), verdilhão (Carduelis chloris), pintassilgo comum (Carduelis carduelis), rouxinol bravo (Cettia cetti), cegonha branca (Ciconia ciconia), corvo (Corvus corax), gralha preta (Corvus corone), codorniz
(Coturnix coturnix), andorinha dos beirais (Delichon urbica), garça branca (Egretta garzetta), peneireiro (Elanus caeruleus), trigueirão (Emberiza calandra), cotovia de poupa (Galerida cristata), galinha de água (Gallinula chloropus), felosa (Hippolais polyglotta), picanço real (Lanius excubitor),
cotovia pequena (Lullula arborea),
rouxinol comum (Luscinia megarynchos), abelharuco (Merops apiaster), milhafre preto (milvus migrans), alvéola cinzenta (Motacilla cinerea), papa-figos (Oriolus oriolus), chapim azul (Parus caerulens), pardal ladrão (Passer domesticus), pega rabuda (Pica pica), cartaxo de cabeça preta (Saxicola torquata), rola (Streptopelia turtur), Coruja do mato (Strix aluco), estorninho preto (Sturnus unicolor), toutinegra de cabeça preta (Sylvia melanocephala), carriça (Troglodytes troglodytes), tordo ruivo (Turbus musicus), tordeia (Turbus viscivorus), coruja das torres (Tyto alba) e, para finalizar, a poupa (Upupa epops).
1.4.1.2 Répteis De acordo com um levantamento efectuado pelo Dr. E. G. Crespo, do Laboratório Zoológico e Antropológico, são os seguintes os répteis mais frequentes: Cobra de pernas tridactila (Chalcides chalcides striatus), lagartixa vulgar (Lacerta hispanica bocagei), lagarto comum (Lacerta lepida lepida), sardanisca argelina (Psammodromus algirus algirus), cobra rateira (Malpolon monspessulannus M.), e a cobra de água viperina (Natrix maura).
1.4.1.3 Anfíbios
Ainda de acordo com a mesma fonte, a população de anfíbios está, maioritariamente, representada pelas seguintes espécies : tritão de ventre laranja (Triturus boscai), tritão
marmoreado (triturus marmoratus marmoratus), sapo parteiro (Alytes obstetricans boscai), sapo comum (Bufo bufo spinosus), sapo corredor (Bufo calamita), rã ibérica (Rana iberica) e rã comum verde (Rana ribunda perezi).
1.4.1.4 Peixes A ocupação ictiológica dos cursos de água e albufeiras é caracterizada pela coexistência de espécies endémicas e de outras antiga ou mais recentemente introduzidas. As primeiras encontram-se representadas pelo saramugo (Rutilus alburnoides), boga (Chondrostoma polylepis ou chondrostoma lusitanicus) e barbo (Barbus bacagei). As espécies alógenas de há muito introduzidas são o escalo ou bordalo (Leuciscus cephalus cabeda) e a carpa comum (Cyprinus carpio L.) a que se juntaram, mais tarde, o chanchito (Lepomis gibbosus), o achigã (Micropterus salmoides), a gambusia ou gambusino (Gambusia affinis hollbrooki) e a verdemã (Cobitis sp.). Outras espécies de que temos notícias através de autores mais antigos, desapareceram entretanto das nossas águas, como ocorreu com o sável e a lampreia.
1.4.1.5 Mamíferos Os mamíferos selvagens cujo número varia em íntima relação com o maior ou menor grau de ocupação agrícola dos solos, têm visto nos últimos anos as suas populações aumentadas em virtude da contracção das áreas semeadas e da consequente expansão dos incultos acompanhada, por vezes, do seu aproveitamento cinegético. As espécies mais frequentemente assinaladas a nível local são o coelho (Oryctolagus cuniculus), a lebre (Lepus capensis), a raposa (Vulpes vulpes), a doninha (Mustela nivalis), o toirão (Mustela Putorius), a fuinha (Martes foina), o texugo (Meles meles), a
lontra (Lutra lutra), a gineta (Genetta genetta), o sacarrabos (Herpestes ichneudon), o gato bravo (Felis silvestris), o javali (Sus scofa) cujo número tem aumentado de modo particularmente sensível, o rato dos campos (Microtus cabrerae), o rato cinzento (Rattus norvegicus), o rato caseiro (Mus musculus), a ratazana de água (Arvicola sapidus), a toupeira (Talpa caeca) e o morcego (Pipistrellus Pipistrellus).
Aludimos acima à recuperação dos efectivos de certas espécies de mamíferos, algumas das quais se encontravam já quase completamente erradicadas dos nossos campos. Um caso existe, porém, de um mamífero predador ainda frequentíssimo durante a centúria de oitocentos que veio a padecer uma completa extinção a nível local.
Falamos,
evidentemente, do lobo. Hoje circunscrito a uma pequena faixa do território nacional que abrange as serras de Penela, Gerês, Cabreira e a província de Trás-os-Montes, o lobo (Canis lupus) constituía no passado uma das espécies mais numerosas e temidas, obrigando a frequentes batidas de que há notícias já em 1631, ano em que a Câmara determinou que se fizessem todos os moradores desta vila e seu termo prestes para irem aos lobos aonde se chama o Asseiro entre Sousel e o Cano, e que de cada uma casa fosse uma pessoa com suas armas. Três anos depois, aos 15 de Abril, novamente o juiz presidente e demais vereadores da Câmara na forma da carta do Ouvidor deste mestrado e comarca de Avis assentaram de ir aos lobos os moradores desta vila e seu termo de cada uma casa uma pessoa a derradeira oitava da Páscoa de Flores que é quarta-feira desta semana que entra, e mandaram que se elegessem capitães que governem a gente assim de pé como de cavalo, de cada rua um capitão e os que faltarem, que não forem, pagarão mil reis de cadeia.
As montarias não produziam no entanto os efeitos desejados pelo que se repetiam frequentemente , congregando os esforços da população local e das populações das terras circunvizinhas. Em 1660 por haver grande clamor que os lobos fazem grande perda nos gados deste termo principalmente para a parte dos matos de Santo Amaro a Câmara convocou nova bataria em conjunto com os moradores de Veiros e Sousel, sendo os moradores de Fronteira obrigados a fazer-se acompanhar pelos seus cães. A situação parece, apesar de tudo, ter-se agravado dado que a Coroa viria, em 1678, a autorizar a Câmara de Fronteira a dispender anualmente 4.000 rs. com a organização de duas montarias, uma no princípio do Outono e outra no domingo de Pascoela. Estas montarias eram precedidas de missa rezada na Igreja Matriz, ponto de reunião dos caçadores, sendo os proprietários
de éguas e cavalos obrigados a fazer-se
transportar nos respectivos animais. No século seguinte o panorama é idêntico. As montarias sucedem-se regularmente. Em 1733, uma grande montaria no Vale de Seda reúne caçadores de Fronteira, Figueira, Avis, Benavila, Seda e Cabeço de Vide. Em 1738, novamente se levantam entre os moradores desta vila clamores de haver muito lobo e fazerem grande perda nos gados e de novo se bate o Vale de Seda. Em 1779, todos os moradores são constrangidos a participar numa lobada no termo da vila . Em 1784, nova montaria...Tão pouco a primeira metade da centúria de oitocentos iria trazer qualquer alteração. Entre 1816 e 1833, sem tomar em linha de conta os lobos abatidos em montarias, foram capturados no termo da vila cerca de 77 lobos os quais o município pagou à razão de 3000 rs. por lobo adulto e 400 rs. por cria.
De facto, o clima de insegurança provocado pelas invasões francesas e, posteriormente, pela guerra civil não foi, de modo nenhum , propício à actividade agrícola o que terá mesmo favorecido a multiplicação da população daqueles carnívoros e obrigado à intervenção das entidades superiores, como aconteceu em 1846, ano em que o Governo Civil de Portalegre ordenou uma montaria geral em todos os concelhos do distrito em virtude dos grandes danos que os lobos estão fazendo aos criadores. Os danos, porém, continuaram. Pressionada pelos lavradores a Câmara vê-se, em 1857, mais uma vez na contingência de convocar
uma grande montaria reunindo as
espingardas de Fronteira, Cabeço de Vide, Alter do Chão, Alter Pedroso, Santo Amaro e São Saturnino para bater toda a área compreendida entre a Herdade Grande e as do Monte Seco e Ladrões. Durante a segunda metade do século XIX, as referências ao animal, se bem que ainda as possamos encontrar, tornam-se mais raras e irregulares. As alterações entretanto verificadas no estatuto da propriedade da terra aliadas à intensificação da produção cerealífera viriam reduzir drasticamente as hipóteses de sobrevivência do lobo, desde então condenado a um inexorável processo de extinção.
1.4.2 Flora A paisagem arbórea e arbustiva tem sido, ao longo dos séculos, fortemente marcada pela actividade humana o que se traduziu, de um modo geral, no retrocesso ou destruição do revestimento vegetal espontâneo em benefício das espécies cultivadas susceptíveis de aproveitamento económico. Paradigmático do que acima afirmamos é o sucedido com o grande baldio do Vale de Seda, abundante e multissecular fonte de aprovisionamento de lenhas e madeira dos
moradores de Fronteira, cujo vasto montado de sobro e azinho se achava já quase completamente destruído em meados do século XIX. Era porém a charneca de mato curto e rasteiro que imperava ainda à época a que nos reportamos, cobrindo enormes áreas marginais que as políticas cerealíferas viriam posteriormente a converter em terras de pão, acelerando um processo de degradação dos solos menos aptos. Essa charneca estéril, queimada pelas geadas e ressequida pela canícula implacável dos longos estios atingia então proporções hoje difíceis de imaginar. Eram vastíssimos tratos de terreno inculto cercando pequenas áreas cultivadas em redor das povoações que cobriam ainda todo o Alentejo para desalento de agrónomos e economistas que neles vislumbravam um enorme e riquíssimo filão por explorar, a solução para a nossa histórica dependência frumentária. Desse Alentejo antigo, inculto e despovoado deixou-nos o agrónomo Ramiro Marçal Larcher, em relatório apresentado em 1878 ao Concelho de Agricultura do Distrito de Portalegre, uma descrição que retrata com fidelidade o panorama do espaço rural do nosso distrito há pouco mais de um século: Uma grande parte do nosso distrito é ocupado por charnecas imensas, completamente despovoadas. Nas proximidades das povoações, a cultura desenvolve-se em geral, e em muitos pontos mesmo subjuga a charneca a ponto de desaparecer. Em vista do relatório, acerca da arborização geral do país, da comissão geodésica, publicado em 1868, tratemos de enumerar os principais tratos de terreno que se acham incultos no nosso distrito. Próximo da fronteira, nos concelhos de Elvas e Campo Maior, observa-se uma longa superfície pertencente à bacia do Guadiana, com cerca de 13.000 hectares, coberta de
mato, quase sem cultura e nenhum arvoredo e composta principalmente de arenatas quartenárias. Ainda no concelho de Elvas a SE de Vila Boim, na serra do Rego, há uns 20.000 hectares, nas mesmas circunstâncias. Uma maior superfície inculta de uns 18.000 hectares, existe entre o Assumar, Veiros, Fronteira e Cabeço de Vide, o qual se acha circundado por um belo maciço de arvoredo composto de ricos montados, e sendo o solo de idêntica composição, aquele podia ser como este aproveitado pela arborização. Observam-se outros retalhos de chão inculto entre Sousel e Fronteira, na serra do Caixeiro, ao sul de Arronches, cujas superfícies somadas darão uns 8.000 a 9.000 hectares. Os terrenos incultos das serras de São Mamede, Alegrete e São Julião, devem medir uns 18.000 hectares. [...]Há ainda na zona oriental da província do Alentejo uma faixa de terreno inculto, que corre ao longo da fronteira entre Marvão e o Tejo, e que prende com um grande tracto também inculto que lhe demora ao poente [...] esta faixa é limitada pelos belos soutos e montados de Castelo de Vide, da Póvoa e Meadas e de Montalvão e mede uns 17.500 hectares de superfície. A charneca da Ponte de Sor mede 48.000 hectares de terreno, susceptíveis de arborização, a qual modificaria em muito um clima inteiramente insalubre, principalmente nas proximidades das ribeiras de Longomel e Sor, onde as exigências da cultura do arroz, arruinando-lhe as margens, contribuiu não pouco para o actual estado pantanoso em que se acha uma grande parte do solo. As charnecas de Montargil não têm superfície inferior a 200.000 hectares, observandose desde a Ponte de Sor até Montargil uns 9.000 hectares ainda de terrenos incultos
[...] As diferentes parcelas que mencionamos elevam a 334.000 hectares a superfície inculta do distrito.
Como facilmente se deduz, as transformações desde então experimentadas pela paisagem rural progressivamente humanizada, traduziram-se no desaparecimento inevitável de algumas espécies vegetais e animais se bem que não possamos precisar com exactidão quais e quantas foram as espécies atingidas. Apesar de tudo e felizmente para nós, a área de implantação do concelho de Fronteira continua a apresentar ainda nos nossos dias uma grande diversidade biológica, sendo mesmo notória, em anos recentes, uma forte recuperação de algumas populações animais antes em franco retrocesso como é o caso de diversas aves predadoras, da cegonha branca, do bufo e da abetarda, para citar apenas algumas. Apresentam-se de seguida as espécies mais representativas na área do concelho.
1.4.2.1 Árvores
Actualmente, as espécies arbóreas com maior expressão são as seguintes
:
Azinheira (Quercus ilex), sobreiro (Quercus suber) e a oliveira (Olea europaea), sendo também susceptíveis de referência pequenas populações dispersas de choupos (Populus alba), acácias (Robinia pseudocacia), plátanos (Platanum occidentalis), carvalhos (Quercus pyrenaica), freixos (Fraxinus excelsior) e, em manchas mais recentes, extensas e bem localizadas, o eucalipto (Eucaliptus camaldulensis). Esta última espécie que, por diversas vezes, tanta polémica tem suscitado foi introduzida em Fronteira em 1886, ano em que a municipalidade fez instalar dois viveiros daquelas árvores para posterior plantação ao longo das estradas então em
construção. Vestígios de um desses viveiros eram os eucaliptos que povoavam a encosta a nascente do cemitério municipal.
1.4.2.2 Flores e Arbustos De entre a vastíssima população floral e arbustiva espontânea registada nesta zona destacaremos, pela sua maior frequência, a roselha grande (Cistus ladanifer), o rosmaninho (Lavandula stoechas), a urze (Calluna), a giesteira branca (Cytisus lusitanicus), a erva belida (Ranunculus repens), o piorno dos tintureiros (Genista cinerea), o cardo estrelado (Centaurea paniculata), a erva coelheira (Galium verum), o zimbro (Juniperus nana), o chorão (Carpobrotus), o piorno amarelo (Cygos sphaero), o tojo (Ulex parviflora), a tápsia (Thapsiavillosa), o verbasco (Verbascum puluerulentum) e o cardo (Carduus). De um modo geral e em termos técnicos podemos afirmar que a cobertura arbustiva espontânea da zona se caracteriza por uma associação vegetal designada maquis a qual, em locais de maior pobreza dos solos se apresenta transformada em garrigue. Muitas destas espécies, sem aparente interesse económico, são susceptíveis de aproveitamento medicinal. O leitor mais interessado nesta matéria poderá, para o efeito, consultar o número três do Boletim Cultural da Câmara Municipal de Fronteira onde encontrará um levantamento das plantas localmente utilizadas e das respectivas aplicações.
2. O CONCELHO
2.1 Evolução Histórica Na província do Alto Alentejo, na parte sul do Distrito de Portalegre, numa zona de transição entre a peneplanície alentejana e a região montanhosa da Beira Baixa, está situada a vila de Fronteira. Erguida sobre uma pequena elevação, à altitude de 255 m acima do nível do mar, nas coordenadas 39º 3’ 17,544’’ N e 7º 38’ 47,441 W de Greenwich, a vila é a sede do concelho do mesmo nome, limitado a Norte pelos concelhos de Estremoz e de Alter do Chão, a Sul pelos de Sousel e Estremoz, a Oeste pelo de Avis e a Este pelo de Monforte, ocupando uma área de 245,2 Km2. Alguns destes concelhos e outros entretanto extintos mantinham relações privilegiadas com Fronteira por bem da antiga amizade e vizinhança, o que conferia aos seus naturais um estatuto de vizinhos. Tal era o caso das vilas de Avis, Seda, Sousel, Figueira e Cabeço de Vide. Este estatuto não decorria, porém, exclusivamente da proximidade geográfica mas era, antes, consequência da livre decisão dos
moradores daquelas
localidades que algumas vezes, como viria a acontecer em Cabeço de Vide e Sousel, optaram pela sua não aceitação. Durante séculos, o concelho de Fronteira integrou apenas as freguesias de Nossa Senhora da Atalaia, em Fronteira e a de São Saturnino, na aldeia do mesmo nome e assim se manteria até ao advento do regime liberal com as suas sucessivas propostas de organização administrativa do território. Nesse contexto, a primeira alteração viria a ter lugar na sequência do decreto-lei de 6 de Novembro de 1836 que levou à desanexação da freguesia de São Bento de Ana Loura do concelho de Estremoz e à sua integração no de Fronteira. A segunda e maior alteração teve na sua origem o decreto do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça de 24 de Outubro de 1855 que extinguiu os concelhos de
Veiros e Sousel, anexando as suas freguesias ao concelho de Fronteira que desse modo passou a compreender, para além das freguesias de Nossa Senhora da Atalaia e São Saturnino, as freguesias de São Bento de Ana Loura, Santo Aleixo, São Pedro de Almuro, Rei Salvador, Santo Amaro, Nossa Senhora da Graça de Casabranca, Nossa Senhora da Graça do Cano, Nossa Senhora da Graça de Sousel e São João da Ribeira. Em 1863, a área do concelho seria novamente reduzida em virtude da desanexação do antigo concelho de Sousel. Alteração sem dúvida mais controversa e momentosa foi a decorrente da aplicação do decreto de 10 de Dezembro de 1867 que extinguiu o concelho de Fronteira, reduzindo-o ao estatuto de mera freguesia do vizinho concelho de Alter do Chão. A decisão do legislador provocou na população fronteirense a maior consternação e o mais vivo repúdio bem expressos, aliás, na representação enviada pele Câmara Municipal do recém extinto concelho ao Governo do Reino : A vila de Fronteira, tão importante, que por Carta Régia de 14 de Abril de 1424 foi agraciada com vários privilégios pelos muitos serviços que esta vila nos fez e esperamos que faça, como ali se diz, e que em 1641 deu para a guerra duzentos infantes, e em 1643 mais 40 a cavalo , esta vila que possui um mui nobre edifício construído expressamente depois de 1835 para acomodar as repartições da Câmara, da Administração, e da Justiça com espaçosas e seguras cadeias, abundando também em casas decentes para habitação dos empregados de fora ; Fronteira finalmente famosa pela fertilidade do seu solo foi apeada da imemorial categoria de cabeça do concelho, e anexada à vila de Alter !!! E porquê ? Alter não é mais rica, porque o seu antecedente concelho, que compreendia mais 3 vilas, pagou em 1866 de Contribuição Predial 4.986$426 rs., Industrial 363$952 rs., Pessoal 295$570 rs., Quota para Expostos 578$104, quando Fronteira, compreendendo
somente mais uma vila, pagou da lª 7.492$046 rs., da 2ª 724$316 rs., da 3ª 354$137 rs. e da quarta 870$240 rs. Ridícula é a casa da Câmara de Alter, e a sua cadeia é tão fraca e insalubre como o prova a comunicação oficial junta por cópia ; todas as suas casas decentes estão habitadas, ou por seus donos, ou por inquilinos da terra. Se os ricos Paços do Concelho de Fronteira forem abandonados, será este povo quotizado para a construção de outros em Alter ; e que injusto e inútil gravame !!! O pessoal habilitado de Alter é tão limitado, que veem-se ali obrigados a nomear sacerdotes para a Comissão de Recenseamento Eleitoral, e lá foi o respectivo Prior presidir à eleição municipal do Crato em 29 de Dezembro último. O pessoal científico de Fronteira é evidentemente superior ao de todas as outras vilas circunvizinhas. E não é também muito provável a perda do rico Arquivo Municipal de Fronteira, assim como de todos os outros concelhos anexados, quando se reunirem tantos livros nas novas capitais, onde até se fará diligência para se apagarem os monumentos de glória das suas rivais ? Por este motivo se projecta em Alter a venda dos Paços do Concelho de Fronteira, que nem um quarto do seu custo podem render. Alter recomenda-se apenas pelo estabelecimento hípico, que o Estribeiro-Mor da Casa Real vem algumas vezes ali visitar. E hão-de tão baixas considerações suplantar tantas outras nobres acima fielmente expostas ? Não se objecte com a evasiva – Fronteira não fica central ; os centros criam-se, onde se quer : sirva de exemplo a conservação do Concelho de Monforte, vila mui insignificante e inferior a todas as outras, que se lhe anexaram. Escandalosíssima foi esta criação !!! Sem se abolir toda a nova divisão territorial, e se banirem os liberalíssimos princípios da inelegibilidade das Câmaras dissolvidas, e de estas não terem interferência política,
continuarão os desgostos públicos, que bem podem medir-se pelo geral entusiástico prazer da queda do Ministério transacto. Não se atenda somente (como parece querer-se) ao que desagradou às grandes cidades, que nada perdiam com a nova divisão administrativa : o móvel da nova situação política não seja só o temor daquelas, seja-o também a justiça, e esta manda respeitar os hábitos inveterados dos povos menores. Pesasse ou não a acalorada exposição na consideração dos dirigentes, o certo é que, volvido pouco mais de um mês, em 14 de Janeiro de 1868, um novo decreto veio restaurar o concelho recentemente extinto, para regozijo geral do povo de Fronteira, bem manifestado na acta da Câmara lavrada a 16 de Janeiro do mesmo mês . Aos dezasseis dias do mês de Janeiro de mil oitocentos sessenta e oito anos, nesta vila de Fronteira, e Paços do Concelho, por duas horas da tarde, a Câmara Municipal do mesmo, que se compõe do Presidente Francisco Cordeiro namorado de Carvalho, e dos vereadores Maximiano Joaquim Barradas Namorado e João José de Brito, não estando presentes os outros dois Vereadores Sousa Maldonado e Miranda, por residirem em Veiros e não haver tempo suficiente para se mandarem convidar, depois de terem visto e lido o Artº. 3 do Decreto de 14 do corrente mês, que acabavam de ver publicado no Diário de Lisboa, assumiram a si a jurisdição municipal, visto Ter ficado sem efeito a Lei de 26 de Junho do ano findo de 1867 sobre a administração civil até que as Cortes resolvam sobre as propostas que o Governo pretende oportunamente apresentar sobre este ramo do serviço público, e sem efeito também a circunscrição administrativa aprovada por Decretos de 10 e 17 de Dezembro daquele mesmo ano de 1867, e visto também ter triunfado a razão e vencido o princípio Constitucional, com cuja victória e com cujo o triunfo ganhou o país os foros e liberdades municipais e as franquias populares.
Portanto, em vista deste regozijo a Câmara deliberou, que saíssem in continenti o Estandarte deste município, e que percorresse todas as ruas desta Vila ; o que efectivamente se fez, fazendo-se acompanhar das duas bandas de música existentes nesta dita Vila, e pela muita concorrência do povo que se aglomerou lançando-se ao ar muitos foguetes, e dando alternadamente, ora o Sr. Presidente da Câmara, ora o Sr. Administrador do Concelho, Eduardo Augusto Franco, repetidos e frenéticos vivas a Sua Majestade El Rei o Senhor Dom Luís, a Sua Majestade El rei o Senhor Dom Fernando, à Carta Constitucional, ao actual Ministério, ao povo de Lisboa e à autonomia deste concelho de Fronteira, findo o que se recolheu tudo aos Paços do Concelho, e aonde se acordou entre a Câmara e os diferentes cavalheiros que estavam presentes, que o resto do dia de hoje, e bem assim os dois seguintes 17 e 18 fossem dias de grande satisfação para este município, havendo por isso em todas as três noites iluminação na Casa da Câmara, e nas janelas dos diferentes moradores desta vila, quando voluntariamente a isso se prestassem, tocando em as mesmas três noites as referidas duas bandas de música e celebrando-se no terceiro dia (18) um Te Deum na respectiva Matriz em acção de graças pela independência deste Concelho, para o que concordavam na hora do meio-dia, devendo sobressair na última noite a iluminação, no que todos foram concordes, nomeando-se para a direcção destes festejos os cavalheiros José Maria Ferreira da Silveira Almendro, José António de Castro e José Maria Pereira Coelho, que de muito bom grado estiveram presentes e aceitaram, responsabilizando-se todos os cavalheiros presentes pela despesa que se fizer com os ditos festejos. Depois desta breve morte e ressurreição do Concelho de Fronteira, novas alterações viriam a ter lugar.
Logo no ano seguinte de 1869, por decreto de 15 de Abril, a freguesia de São Bento de Ana Loura foi desanexada, o mesmo sucedendo com a freguesia de Santo Aleixo, anexada ao concelho de Monforte por decreto-lei de 3 de Abril de 1871. Em 1872 teve lugar a desanexação das freguesias do Rei Salvador e São Pedro de Almuro, ficando o concelho de Fronteira reduzido às freguesias de Nossa Senhora da Atalaia, São Saturnino e Santo Amaro. Posteriormente, vieram a ser integradas no concelho de Fronteira as freguesias de Vaiamonte e, uma vez mais, a de
São Pedro de Almuro que voltariam a ser
desanexadas, para integrar o concelho de Monforte, por decreto de 13 de Janeiro de 1898. As derradeiras alterações verificadas ocorreram já no presente século, em consequência da aplicação do decreto n.º 22.009, de 21 de Dezembro de 1932 que veio anexar a freguesia de Santo Amaro ao Concelho de Sousel e integrar no de Fronteira a freguesia de Nossa Senhora das Candeias, antigo concelho de Cabeço de Vide, extinto em 24 de Outubro de 1855 e desde então anexado ao de Alter do Chão.
Em termos de organização administrativa do Antigo Regime, o Concelho de Fronteira incluía-se, para efeitos militares, na Província do Alentejo, constituindo uma CapitaniaMor integrada por duas companhias de Ordenanças às ordens de um Capitão-Mor eleito de entre os membros da nobreza local. O exercício das competências relacionadas com os sectores da justiça, polícia e governo político era supervisionado, numa primeira fase, pela Comarca de Estremoz
e,
posteriormente, pele Comarca e Ouvidoria de Avis, enquanto que o controle das cobranças fiscais, das finanças municipais e dos estabelecimentos e legados pios era, por sua vez, da alçada da Provedoria de Évora. Representante local da Coroa, o Juiz de
Fora, de nomeação trienal, acumulava com as suas funções específicas as de Presidente da Câmara no que era secundado por três vereadores – o mais velho, o do meio e o mais novo – anualmente mandatados para esse efeito A actual comarca de Fronteira foi criada em 1835 e abrange, ao presente, as três freguesias do concelho e ainda a freguesia de Vaiamonte do concelho de Monforte e a freguesia de Seda do concelho de Alter do Chão. No tocante à administração eclesiástica, Fronteira pertenceu desde a sua fundação à Diocese de Évora em cuja documentação se acha referida logo em 1236 e nela se manteve até à sua anexação à Diocese de Elvas, erigida pela bula Super Cunctas, do Papa Pio V, em 9 de Junho de 1570. No século passado, por força da remodelação diocesana determinada pela bula Gravissimus Christi, de Leão XIII, datada de 30 de Setembro de 1881, o Bispado de Elvas veio a ser extinto e Fronteira novamente integrada na sua primitiva diocese. Actualmente, para além das povoações sedes das freguesias, o concelho compreende ainda as aldeias de Vale de Maceiras e Vale de Seda, sendo esta última uma povoação recente que teve a sua origem no aforamento de um baldio do mesmo nome levado a efeito em finais do século passado. Como atrás ficou visto, a organização espacial do concelho variou grandemente ao longo do século passado, mais ao sabor das influências políticas que do respeito dos interesses e dos verdadeiros factores de coesão das populações, provocando, ao nível administrativo, situações de dificílima senão impossível gestão, dado que a afectação de recursos humanos à administração não acompanhou, minimamente, o crescimento da área administrativa.
Porém, a nível local, também a percepção do espaço viria a sofrer, nos meados do séc. XIX, uma alteração que veio introduzir um novo elemento intermédio na secular dicotomia Vila/Termo ou Vila/Campo. É assim que nas posturas municipais de 1855 se nos depara, pela primeira vez, o conceito de subúrbio, para efeitos administrativos. Em consequência desse facto, por vila passou a entender-se todo o espaço circundado de casas, e os rocios que lhe ficam contíguos, o campo englobava toda a área do concelho compreendida entre os seus limites e a linha de demarcação dos subúrbios e estes, por sua vez, abarcavam todo o espaço imediato à vila até ao limite, e linha divisória do campo ; esta linha é o ribeiro da Fonte de São João, em todo o seu curso, até à Ribeira Grande, a mesma ribeira, desde este ponto até ao sítio em que entra na mesma o Ribeiro do Carvalho – o dito Ribeiro do Carvalho em todo o seu curso, até aos pinheiros do Cerrado dos Trigueiros – a linda deste cerrado e do das Figueiras, até ao marco da ponta da courela do Prior, e a vereda seguida dali até à Fonte de São João, onde teve princípio a demarcação.
2.2 HERÁLDICA AUTÁRQUICA 2.2.1 Heráldica da Câmara Municipal A folhas quarenta e oito do livro de Receita e Despesa da Câmara Municipal de Fronteira do ano de 1566, pode ler-se, no inventário dos bens do concelho, a seguinte informação: Uma bandeira de damasco branco nova com uma cruz verde com sua cercadura dourada franjada de retrós verde e branco que leva o alferes e outra velha do anjo que levam os almotacés [?].
Estas são as únicas referências heráldicas locais conhecidas, anteriores ao século XX. De facto, todos os estudiosos da matéria, remeteram, ao abordar este assunto, para o Livro dos Brazões da Torre do Tombo, onde o brasão de armas de Fronteira é representado como um escudo de prata lisa. Ninguém, que nós saibamos, referiu alguma vez aquela bandeira descrita em meados do Séc.XVI. Ora, como se sabe, ao alferes competia levar o pendão municipal, razão pela qual também era designado Alferes da Câmara, igual tarefa lhe cabendo, mais tarde, nas companhias de ordenanças que, pela mesma época, viriam a ser criadas. Cremos, assim, esclarecida a questão das primitivas armas de Fronteira que, com o tempo, viriam a cair no mais completo esquecimento, o que deu origem, nos dois últimos séculos, a uma série de equívocos que apenas viriam a ser solucionados com a atribuição do actual brasão em 1951. Teve início essa série de mal-entendidos quando, em finais do século XIX, a Câmara Municipal de Fronteira, por razões que desconhecemos, decidiu adoptar como heráldica própria umas armas que figuravam numa lápide encontrada numa das torres das antigas muralhas introduzindo-lhe, porém, algumas alterações da sua lavra. Dessas armas deixou notícia, como em lugar próprio se verá, o erudito Professor Leite de Vasconcellos, identificando-a correctamente como pertencente ao condestável D.Pedro, Mestre de Avis e Rei de Aragão. Figuraram estas armas nas cédulas emitidas pela Câmara e, também, nas chapas de identificação dos cantoneiros municipais até 1922, ano em que a autarquia solicitou ao arqueólogo Dr. Júlio Nunes de Freitas um estudo sobre a existência ou não de um brasão de armas próprio da Câmara.
Na sequência do relatório então produzido, a Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses emitiu, em 19 de Julho daquele ano, um parecer inviabilizando, por ilegítimo, o brasão até então em uso e propondo que a Câmara adoptasse o seguinte: De vermelho, com um castelo de prata, a torre do meio carregada de uma cruz de Avis e as dos flancos de um crescente de vermelho cada uma. Acrescentava ainda a Secção de Heráldica, no referido parecer, que a escolha daqueles elementos estava historicamente justificada, aludindo o castelo ao facto da vila ter sido murada, a cruz de Avis ao facto de ter sido fundada por um cavaleiro da mesma ordem e os crescentes aos combates sustentados pela vila de Fronteira contra os mouros. Estas armas viriam, de facto, a ser aprovadas pelo executivo, em reunião de 22 de Abril de 1924 e manter-se-iam em vigor até meados de 1900. De facto, a obrigatoriedade da aprovação superior da heráldica municipal, regulada pelo Código Administrativo de 1940, no seu artigo 14, levou à revisão da heráldica fronteirense pela Comissão de Heráldica e Genealogia que, na sua sessão de 26 de Maio de 1951, decidiu efectuar nova alteração às armas do concelho de Fronteira, retirandolhe os crescentes que figuravam sobre as torres dos flancos. Contra essa alteração, protestou a Câmara brandindo o argumento das despesas a que seria obrigada pela substituição do antigo estandarte mas, a decisão da Comissão, fazendo eco das políticas da época e orelhas moucas à, talvez, verdade histórica, viria a prevalecer com todo o peso do argumento de que os crescentes então eliminados aludiam aos combates sustentados pela vila de Fronteira contra os Mouros, que a arrasaram, conforme consta do primitivo parecer, e simbolizam, portanto, factos deprimentes para a própria vila, honrando os feitos do inimigo. Estas armas, aprovadas pelo Conselho Municipal em 15 de Setembro de 1954, são as que se encontram ainda hoje em vigor, cuja descrição a seguir se oferece:
Brasão De vermelho, com um castelo de prata, carregado na sua torre do meio por uma cruz flordelisada de verde. Coroa mural de prata, de quatro torres.
Bandeira Branca, com o escudo das armas ao centro e por baixo um listel vermelho com a palavra Fronteira, de prata.
Selo Circular, tendo ao centro as peças das armas, sem indicação dos esmaltes. Em volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres : Câmara Municipal de Fronteira.
Para além destas bandeiras, existe ainda uma outra aceite por alguns vexicólogos como o verdadeiro estandarte do concelho e que não nos surge, em tempo algum, referida na documentação da Câmara Municipal. Trata-se de uma bandeira atípica, partida de vermelho e verde, à semelhança da bandeira nacional, com o escudo das actuais armas da vila e um listel vermelho com a palavra Fronteira, em letras brancas.
2.2.2 Heráldica da Junta de Freguesia de Fronteira Usando da faculdade que lhe foi concedida pela legislação competente, também a Junta de Freguesia de Fronteira tem, desde 1996, armas próprias cuja ordenação é a seguinte:
Brasão Escudo de prata, uma torre de azul, aberta e iluminada de ouro, acompanhada em chefe por uma cruz da Ordem de Avis e, nos flancos, por quatro espadas de vermelho, montantes, passadas, duas a duas, em aspa; em campanha, ponte de um arco de púrpura, movente dos flancos. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro, em maiúsculas. “FRONTEIRA”. Bandeira De amarelo. Cordão e borlas de ouro e azul. Haste e lança de ouro. Selo Nos termos da lei, com a legenda: “Junta de Freguesia de Fronteira”
3. A VILA
3.1 O nome Antes de mais, porque é que Fronteira se chama Fronteira? As explicações da origem do topónimo são várias e discordes. De acordo com a tradição popular, oralmente transmitida, o nome da povoação dever-se-ia ao facto de a mesma ter sido edificada, em data incerta, durante a reconquista cristã, sobre a fronteira entre os territórios ocupados pelos muçulmanos e os recentemente recuperados pelos exércitos da cruz. Uma outra versão, com a mesma origem, refere uma primitiva fundação da vila no Outeiro da Vila Velha de onde, por razões de salubridade, o rei D. Dinis a teria transferido para a sua actual localização, sobre o outeiro fronteiro. Temos assim que, do ponto de vista tradicional, qualquer que seja a hipótese considerada, a fundação da vila é situada na Idade Média. Uma terceira versão, de origem mais erudita, defendida pela investigadora francesa Rosa Plana-Mallart, faz recuar no tempo, até à época da ocupação romana, a fundação da vila e fundamenta a origem do topónimo na sua localização sobre o limite administrativo dos terrioria das civitates romanas de Ebora (Évora) e Ammaia (São Salvador de Aramenha). São estas as três hipóteses sobre a onomástica do local e qualquer delas digna de igual atenção enquanto outros elementos que porventura venham a surgir não nos permitirem um mais completo esclarecimento do assunto. Não podemos, contudo, deixar de tecer alguns comentários quanto às hipóteses acima declaradas.
Como vimos, duas delas fazem derivar o topónimo de circunstâncias semelhantes, se bem que cronologicamente muito afastadas, isto é, da existência de uma linha de demarcação de territórios junto da qual a vila teria sido erigida. Ora, o vocábulo fronteira, no sentido que aqui nos interessa de limite territorial, surgiu na língua portuguesa, pela primeira vez, em 1296, o que obrigaria a uma fundação da localidade posterior a essa data. Outro termo anteriormente usado na mesma acepção era frontaria, e este regista-se, pela primeira vez, na documentação oficial, em 1263. Porém, já em 1236 a vila é mencionada num documento do Cabido da Sé de Évora concernente à posse das igrejas de Seda e Fronteira, instrumento
que
contém uma referência expressa igreja de
Frontaria. Não cremos, pois, ser possível estabelecer um nexo de causalidade entre a definição, na Época Medieval, de uma fronteira administrativa e o nome da localidade já que a vila foi chamada de Frontaria e Fronteira antes que estes termos adquirissem aquele significado. Quanto à hipótese da existência de uma fronteira da época romana na origem do topónimo, não vemos, em termos de etimologia, de que modo tal possa ter sido possível. Resta-nos, então, a terceira alternativa: a de uma transferência da primitiva povoação para o local fronteiro o que, de uma perspectiva, quer cronológica quer semântica, é admissível se bem que não atribuível ao Rei Lavrador. Porém, como já tivemos oportunidade de frisar, até que novos dados venham permitir um melhor conhecimento deste assunto que permanece por esclarecer, todas as explicações toponímicas apresentadas deverão ser tomadas em linha de conta, sob pena da sua omissão vir a impedir novas e mais esclarecidas abordagens desta questão.
Directamente relacionada com a incerteza que paira sobre a origem do topónimo, é a problemática da localização original da vila, de que nos ocuparemos em lugar próprio. Continuaremos agora o presente capítulo cujo principal objectivo é o de esboçar as principais linhas de força da evolução do espaço urbano da actual vila de Fronteira. Para esse efeito começaremos por abordar o elemento estruturante fundamental da antiga dicotomia espacial – fora da vila e dentro da vila – que se manteve até aos nossos dias.
3.2 O Castelo Quem procurar hoje os vestígios do castelo de Fronteira, dificilmente os encontrará para além da antiga porta do Arco dos Santos, rasgada sobre a praça principal da vila, frente ao edifício dos Paços do Concelho, a única das antigas portas abertas nas muralhas que chegou, se bem que desfigurada, até aos nossos dias. Tudo o mais desapareceu, demolido ou oculto, ao longo dos séculos, em consequência de uma expansão urbana favorecida pelo progresso económico e demográfico e pela estabilidade política e territorial que vieram tornar supérflua a dispendiosa manutenção da fortaleza. Não é, tampouco, abundante a documentação sobre o castelo, revelando-se muito fragmentárias as referências até agora localizadas em fontes diversas, ainda que a escassez das mesmas possa ser, parcialmente, colmatada pela observação in loco dos poucos vestígios ainda existentes das antigas muralhas e torres. São esses documentos, com particular destaque para os inventariados nos arquivos locais, que constituem o essencial do trabalho agora apresentado.
Uma primeira alusão ao castelo de Fronteira, se bem que não o refira expressamente, surge-nos através da pena magistral do grande Fernão Lopes que na Crónica de D. João I, transcreve o diálogo mantido entre Nuno Álvares Pereira e Rui Gonçalves nas vésperas da Batalha dos Atoleiros: [...] e chegou a Nuno Álvares que o recebeu muito bem, e lhe perguntou onde era seu irmão e os outros senhores de Castela; e ele lhe disse que ficavam já em Fronteira que seria légua e meia de onde ele achou Nuno Álvares. O qual lhe perguntou que faziam; e ele disse que tinham tenção de combater o lugar para, pouco depois, acrescentar Partiu Rui Gonçalves como lhe Nuno Álvares encomendou; e foi mui à pressa, quanto o cavalo o podia levar a trote e a galope; e chegou mui asinha a Fronteira, onde aqueles capitães com suas gentes estavam. E como chegou, falou ao Prior e aos outros senhores, tudo aquilo que Nuno Álvares dissera, e o que lhe havia respondido; e eles como o ouviram, cessaram logo da obra que tinham começado para combater a vila [...]. Daqui se depreende que, à época, o castelo não seria presa fácil, obrigando as forças de Castela à preparação do assédio a que a movimentação das tropas do Condestável veio pôr cobro. A Batalha dos Atoleiros que se seguiu ao episódio transcrito, a vitória de Aljubarrota e a consequente pacificação das relações com o vizinho ibérico, iria inaugurar um longo período durante o qual, afastado o perigo de invasão, o castelo perderia a sua razão de ser o que, juntamente com outros factores, viria a contribuir sobremaneira para a sua progressiva demolição. Logo na primeira década do séc. XVI, Duarte de Armas, incumbido por D. Manuel de proceder ao levantamento dos castelos raianos, omite no seu Livro das Fortalezas o
castelo de Fronteira, certamente por considerações de ordem estratégica que não justificariam já semelhante atenção. Apesar disso, em 1558, o alcaide-mor Francisco de Miranda Henriques prestava ainda homenagem a D. Sebastião, na pessoa do Cardeal D. Henrique, pelo castelo e fortaleza de Fronteira: Muito alto e poderoso Rei Dom Sebastião meu verdadeiro e natural rei e senhor eu Francisco de Miranda Henriques fidalgo de vossa casa vos faço preito e menagem nas mãos do senhor Cardeal Infante vosso tio por virtude da procuração que a Rainha nossa senhora vossa avó e tutor e curador e regedor e governador destes vossos reinos e senhorios lhe passou para me tomar em nome de vossa alteza esta menagem pelo castelo e fortaleza da vila de Fronteira de que ora Vossa Alteza me encarrega e dá cargo que a tenha e guarde e vos receberei e acolherei no alto em baixo dele de noite e de dia e a quaisquer horas e tempos que seja jurado e pagado com muitos e com poucos e vindo-vos em vosso livre poder e dele farei guerra e manterei trégua e paz segundo me por vossa alteza for mandado e a não entregarei a nenhuma pessoa de qualquer grau dignidade e proeminência que seja senão a vós meu senhor ou a vosso certo recado logo sem delonga arte nem cautela e a todo o tempo que qualquer pessoa me dê vossa carta assinada por vós e selada com o vosso selo ou sinete de vossas armas por que me quitais este dito preito e menagem. E se acontecer que eu haja de deixar no dito Castelo alguma pessoa por Alcaide e guarda dele eu lhe tomarei este dito preito e menagem na forma e maneira e com as cláusulas condições e obrigações nele contidas e eu por isso não ficarei desobrigado deste dito preito e menagem e das obrigações e coisas que se nela contêm, mas antes me obrigo que a pessoa que assim deixar no dito castelo tenha mantenha guarde e cumpra todas estas coisas e cada uma delas inteiramente e eu dito Francisco de Miranda Henriques faço preito e menagem
nas mãos do dito senhor Cardeal que em nome de vossa alteza a de mim recebe por virtude da dita procuração uma duas e três vezes segundo uso e costume destes vossos Reinos e vos prometo e me obrigo que cumpra e guarde este dito preito e menagem em todas as cláusulas condições e obrigações e todas as coisas e cada uma delas em ela contidas sem arte cautela engano nem minguamento algum e por firmeza dele assinei aqui por minha mão. A solenidade formal do acto não corresponderia, porém, à efectiva importância da fortaleza que Francisco de Miranda Henriques tinha à sua guarda, nem as condições da mesma, como veremos, lhe permitiriam o eficaz cumprimento do seu juramento. Convirá esclarecer que o cargo de alcaide-mor se tornara já em algo de quase exclusivamente honorífico, em virtude do que os seus detentores, geralmente ausentes, delegavam, habitualmente, as suas competências em pessoa da sua confiança que os representava com o título de alcaide pequeno. A data da criação da alcaidaria-mor de Fronteira é incerta. Isso mesmo afirmava o Secretário do Convento de Avis, numa carta para o Juiz de Fora de Fronteira onde se lê não encontrei monumento algum em que se declare a instituição e anexação ao Mestrado desta Ordem da Alcaidaria. Sabemos, no entanto, que em 1486 o cargo de alcaide-mor estava na posse de João Palha. Posteriormente, como vimos, andou na família Miranda Henriques e o último alcaidemor viria a ser José Joaquim de Larre, senhor da vila de São Miguel do Outeiro, comendador de São Bento de Rio Maior, na Ordem de Cristo e Provedor dos Armazéns da Guiné, Índias e Armadas. Com a crise dinástica aberta pela morte de D. Sebastião e o reacender das reivindicações da monarquia espanhola à Coroa portuguesa, a fortaleza iria, uma vez
mais, ser alvo das atenções da governança local que, durante os meses de Junho e Julho de 1580 se achava ameaçada pela intervenção iminente das tropas de Filipe II. O adiantado estado de degradação do castelo e muralhas obrigava, naquela emergência, a um esforço financeiro que o Concelho não podia suportar porque estava muito endividado por causa das cortes passadas que trouxeram continuadamente dois procuradores nelas em que gastaram mais do que o concelho tem de renda [...] e aos procuradores das cortes se deve ainda muita cópia de dinheiro. Eis aqui a principal causa do esgotamento financeiro da autarquia que viria a inviabilizar a defesa da vila – as grandes e continuadas despesas com os seus procuradores nas cortes de Lisboa, em 1579, e nas de Almeirim e Tomar, no ano seguinte. Nas primeiras andaram os procuradores, Pero Lopes de Morais e Afonso Garcia Moniz, noventa e dois e trinta e cinco dias, respectivamente, vencendo o ordenado de 500 rs. diários. Nas de Almeirim demoraram-se os mesmos procuradores cerca de setenta e oito dias cada, pagos do mesmo modo, tendo para esse efeito a Câmara entregue aos representantes do concelho uma cruz e um turíbulo, ambos de prata, para que os procuradores as vendessem e desbaratassem. Apesar disso, foi ainda necessário arrendar pelo prazo de três anos as terras da Coutada ao licenciado Luis Correia e ao próprio Pero Lopes de Morais, de modo a poder satisfazer o resto do dinheiro em dívida. Ora, isto suscita uma questão que aqui deixamos em aberto: se as despesas de representação nas cortes arruinaram as finanças locais de Fronteira que, à época, não seria das localidades mais pobres, qual não terá sido a repercussão desses mesmos gastos na capacidade de resistência ao nível do reino?
Apesar de tudo quanto atrás vimos, dada a gravidade da situação e reunidos os homens honrados da vila, decidiu a assembleia que se fortificasse esta vila com se fazerem taipas por derredor da vila e que as companhias estivessem prestes e velassem de noite por terem por informação que el-rei Filipe tinha campo formado e estava sobre Elvas [...] e por a mor parte foi acordado que se fortificasse o castelo e muros desta vila e que todas as portas se tapassem dos muros e ficasse somente aberta a porta [...] que vai para a igreja e que se tapem as ruas o melhor que puder ser com as taipas que estão feitas [...]. Ora, chegado o momento de lavrar em acta esta deliberação, dos 37 principais que, de viva voz , por ela se tinham decidido, apenas 15 se dispuseram a assiná-la e isto porque os elementos do povo não quiseram fazê-lo dado que as obras, a serem feitas, seriam pagas do bolso dos próprios dos vereadores - que não aceitaram tal encargo - ou então financiadas à custa de uma finta a lançar sobre o povo como de seguida se verá: [...] e porquanto ao tempo de assinar esse termo as pessoas da governança e povo junto não quiseram assinar senão os atrás que foram poucos sendo dantes no todo trinta e sete pessoas que se fortificasse que eram mais as vozes de se fortificar que as de contrário por eles os ditos juiz e vereadores foi dito que sem embargo do povo não querer assinar requeriam a ele juiz que os obrigasse a fazer a dita obra e pelo juiz foi dito que ele não podia fazer nem lançar finta que pois o povo não queria fazer a dita obra por sua vontade que ele protestava não lhe ser estranhado e os ditos vereadores tornaram a requerer ao dito juiz que posto que não faça finta constranja os moradores desta terra que cada um por si ou seus criados dê a serventia para se fazer as ditas taipas e tapar as portas da vila e aos pedreiros e taipeiros da vila constranja com graves penas a que trabalhem nas ditas obras até se acabar de reparar a vila e cada um dê um par de dias à sua custa e o mais que for necessário se passe carta para o
ouvidor dar licença para a finta e o dito juiz disse que se eles vereadores mandassem pagar aos homens que trabalhassem que os constrangeria que à sua custa não pode mandar trabalhar ninguém protestaram os vereadores que se viesse algum trabalho a esta vila por causa de não estar reparada e tapada eles não terem nisso culpa pois o requerem e pelo mesmo juiz foi protestado que pois o povo não queria fortificar-se e no concelho não havia dinheiro nem eles vereadores o davam de não ter conta de nenhuma coisa que suceda mal por esta falta [...]. Passaram-se estes factos em 19 de Junho de 1580 e perante o desinteresse da população na fortificação da vila, o Ouvidor da Comarca de Avis, por carta de dia 22, mandou que se procedesse ao lançamento da finta. Três dias depois, a Câmara reunida em vereação manifestou ao Ouvidor o seu desagrado pelas medidas propostas, com base nos argumentos que a seguir se transcrevem e de onde ressalta, mais que a indiferença atrás apontada, uma clara oposição por parte da população à fortificação da localidade: [...] eles responderam que apelavam da pena do dito ouvidor e protestavam sem incorrer em pena alguma porquanto eles tinham já taipado toda esta vila ao derredor duas vezes à custa do concelho e tudo que era taipada a derrubaram de noite sem a justiça acudir a isso [...] e a finta que o senhor ouvidor manda não bastara para tapar a quarta parte por ter a água longe e os serventes andam nas ceifas e não se acham nenhuns [...] que será grande opressão para este povo tirar-se finta pela muita necessidade e fadiga em que está [...]. Nesta divergência de opiniões se manteve a vila até que, em princípios de Julho, a recepção de duas cartas do Duque de Alba mandando que dois vereadores lhe fossem beijar as mãos, em Elvas, em sinal de vassalagem a Filipe II, obrigou a Câmara a assumir uma posição inequívoca em que é nítida a preocupação das autoridades locais
em justificar a sua posição sem transmitir uma imagem de capitulação voluntária nem de traição ao rei e à pátria: [...] disseram os ditos juiz e vereadores que a todos era notório como o duque de alva capitão-geral de el-rei Filipe mandara uma carta à Câmara desta vila ordenando a todos os moradores dela a que dessem obediência a sua majestade e que como o caso era tão grave eles entendiam não tinham autoridade para sem parecer da gente nobre da dita vila se resolverem no que melhor fosse e que pois estavam juntos todos os mais nobres dela lhe pediam se determinassem no que lhe a todos parecia e que eles estavam prestes para seguirem o que por todos se assentasse e logo pelos nobres da dita vila foi dito que pois eles juiz e vereadores zelosos da liberdade portuguesa tinham escrito como publicamente se sabia tanto que o católico rei Dom Henrique falecera aos governadores a verdade de como esta vila estava espalhada sem muros sem munições de guerra e sem outro forte algum e eles não tinham acudido até hoje a propósito nem era feito algum reparo de muros valas ou outra alguma maneira de defensão nem outrossim tinham provido com arcabuzes e munições e eles tinham notoriamente sabido que a cidade de Elvas Olivença Portalegre Arronches Campo Maior Marvão Alegrete Vila Viçosa Estremoz Montemor o Novo e outras muitas mais eram entregues a sua majestade [...] e lhes parecia que eles juiz e vereadores deviam de ir dar a obediência a sua majestade conforme a segunda carta do duque dalva pois viam claramente como podiam defender oitocentos homens que ao mais se podiam juntar e desarmados a mais de vinte mil que se sabia vinham no campo de sua majestade e bem artilhados quanto mais que era rei benigno e católico que os conservaria em paz e justiça e que como tal lhe requeressem concedesse a esta vila os privilégios e liberdades que em as cortes deste presente ano em Santarém no mês de Março mandou prometer o duque de Ossuna e outrossim concedesse a esta vila confirmação de todos os privilégios foros e
liberdades que tinha concedido às cidades e vilas que lhe eram entregues e que concedido todo o sobredito lhes parecera justo fossem protestar-lhe eles juiz e vereadores a obediência e vassalagem em nome de todos os moradores desta vila e que protestava que vindo tempo em que se desse sentença no negócio da sucessão deste reino esta vila ficasse sujeita ao rei em cujo favor se a tal sentença desse como por seus procuradores o tinham jurado nas cortes que mandou fazer el-rei Dom Henrique em Lisboa conforme aos autos delas pois era visto que a obediência de agora lhe não devia prejudicar o tal juramento pelas razões já referidas e por ser forçado[...]. E assim, com este auto lavrado e assinado aos 15 dias de Julho de 1580, se inaugurou o longo período da ocupação filipina em Fronteira e a vila viria a ser, pouco depois, fechada com taipas face à ameaça dos ares ruins que iam vitimando muita gente nas terras em redor. A ameaça da peste constituía, de facto, o grande e real temor da população. Logo em Outubro de 1579 nos surgem as primeiras notícias da epidemia: acordaram por justos respeitos que de hoje em diante qualquer pessoa desta vila nem do termo dela não recolha em sua casa fato algum que vier de fora parte nem pessoa estranha salvo com licença dos senhores Juiz e Vereadores ou do Juiz somente sob pena de lhe ser queimado o fato que assim tiverem e recolherem e paguem de pena dez cruzados [...] e um ano de degredo para África [...]. Meses mais tarde, as medidas profiláticas, ainda que menos rigorosas, vão incidir sobre as prostitutas. Desta feita, o Juiz e Vereadores ordenaram que se notificasse os estalajadeiros e enxergueiros que de hoje em diante não consintam nas suas estalagens e casas estarem mulheres solteiras mais de dois dias. Apenas um mês depois desta ordem que indicia alguma melhoria da situação sanitária, a epidemia parece ter-se reacendido com maior virulência dado que a Câmara, nas suas
reuniões de Fevereiro de 1580, viria a tomar medidas preventivas drásticas. Na sessão de dia 26 os homens da governança deram juramento a Miguel Martins, quadrilheiro, para que prendesse todas as pessoas que entrassem nesta vila sem arrecadação [i.e. quarentena] e as levasse perante o Juiz [...]. Volvidos apenas dois dias, o aparelho de controle sanitário foi novamente reforçado com a nomeação de três guardas para vigiarem as bandeiras da saúde, isto é, os postos de controle sanitário instalados nas entradas da vila uma a São Sebastião e outra à cruz de pedra às estalagens e outra no cabo da Rua de Avis [...], isto por terem sido informados que na Figueira uma légua desta vila morriam de peste e havia clamor nesta terra que entrava gente da dita vila nesta [...]. Este surto pestífero prolongou-se durante todo aquele ano e as medidas que impediam o acesso à vila mantinham-se ainda em pleno mês de Outubro, enquanto a peste continuava a grassar na vila de Avis e em muitas outras terras em redor. Com a terra assim fechada diminuíam as probabilidades de um contágio mas, em contrapartida, não entravam nela os géneros necessários á população o que provocou a consequente subida dos preços e a especulação, queixando-se o povo que faltava a carne para os doentes e que não se achava frangão nem galinha que custasse menos de dois tostões. Em face disto, não será de estranhar a quase apatia com que a perda da independência nacional, sem a prometida quebra dos privilégios locais, foi recebida. Poucos anos mais tarde, em 1588, ano em que a 28 de Maio a vila sofreu a ocupação das tropas castelhanas, temos mais notícias da progressiva ruína do castelo de cujos muros e barbacãs se levava muita pedra para construir casas. A destruição iria inclusivamente atingir de modo irreversível, como a seu tempo veremos, a torre onde estava instalado o relógio da vila, obrigando à sua total reconstrução.
Se a perda da independência criou às autoridades locais uma situação no mínimo melindrosa, a Restauração e o ambiente de guerra que lhe sucedeu viriam a fazer-se sentir de modo bem mais dramático, obrigando a grandes dispêndios com os trabalhos de fortificação da vila. Não dispomos, infelizmente, nos arquivos locais, de elementos relativos aos primeiros anos da década de 1640 mas sabe-se que por provisão de D. João IV com data de 3 de Abril de 1645, a Câmara foi autorizada a gastar os 42000 e tantos rs. que dizeis há de sobejo no cabeção este presente ano, na obra que é necessário fazer-se para reparo do lanço do muro do castelo dessa vila por estar muito arruinado. No entanto, estas reparações estavam longe de ser satisfatórias e Fronteira permanecia perigosamente vulnerável às investidas das forças espanholas como muito bem viu o capitão-mor Bento Mendes Barreto ao inspeccionar, em 10 de Abril de 1649, as trincheiras da vila que se achavam a maior parte delas arruinadas por causa dos tempos e que é muito necessário acudir-se ao reparo das ditas trincheiras e que para se tornarem a refazer não há dinheiro nenhum nem de onde se possa tirar e que este povo está muito arriscado. Decidiu então o capitão-mor, num gesto de grande patriotismo, mandar repará-las à sua própria custa. Nem o caso era para menos... Convirá não esquecermos que se vivia um momento em que urgia agir sem mais delongas, como se deduz da carta recebida a treze do mesmo mês, do Governador das Armas do Alentejo, Conde de São Lourenço, ordenando que se recolham todos os gados pela terra adentro de modo que se suceder que o inimigo faça alguma entrada não leve nenhuns gados e isto porquanto tem por certeza que o inimigo tem a cavalaria junta e se tem por coisa que ele poderá vir por estas partes.
Enquanto a vila se preparava apressadamente para uma previsível incursão das forças inimigas, impunha-se, simultaneamente e mais uma vez, a defesa contra o ainda mais temível inimigo que era o mal da peste de que Deus nos livre. Afortunadamente, a pressão do invasor deve ter abrandado, pois só a partir de Fevereiro do ano seguinte se voltou a apontar a necessidade de reparar as trincheiras da vila, tendo nessa ocasião o município contratado com André Dias da Romana o corte de toda a madeira necessária para as trincheiras. A obra, porém, carecia de firmeza obrigando a continuadas reconstruções, razão pela qual se decidiu reforçá-las com muros de pedra tirada das paredes da feira que se achava à data toda desbaratada por razão de não se fazer já feira nela. Além desta pedra, também a dos muros da inacabada igreja de São Brás, no rossio do mesmo nome, teve igual destino, demolindo-se aquela capela porque sucedendo vir o inimigo a esta vila se poderá acostar às ditas paredes e fazer muito dano aos moradores. Igualmente importantes no esquema defensivo da vila eram os postos avançados de observação, permitindo a recolha atempada dos gados e a fuga da população que maioritariamente laborava no campo. Tanto quanto nos é dado saber, eram cinco os postos de vigia mantidos em redor da povoação : na Cabeça dos Pocilgais, nos Arneiros ; no Alto da Sovereira do Curvo, aos Ratões, no alto sobre a ribeira que parte com a herdade dos Beguinos ; na Torre da Zambujeira ; na Coutada e no Cabeço da Atalaia, à estrada de Borba. Ora o ano de 1650 em que se produziram os factos que temos vindo a referir, prometia consumir-se sem grandes sobressaltos quando, a 21 de Dezembro, nova ameaça de entrada das forças castelhanas levou a Câmara a mandar recolher dentro da vila todos os
gados que andavam na Coutada, situação que se viria a repetir em Fevereiro do ano seguinte. Os anos seguintes são omissos nos registos locais. Só a partir de 1655 voltamos ater notícias regulares do desenrolar das acções militares na vila e seu termo. Em 1657, a situação voltaria novamente a agravar-se pelo que o Mestre de Campo André de Albuquerque ordenou o abandono das casas construídas no exterior da muralha, até à distância de cem palmos. Na mesma ocasião a Câmara, acautelando a hipótese de um cerco, obrigou todos os possuidores de cavalgaduras a meter carradas de lenha e farinha no castelo para a necessidade dos que a não tiverem. Mas, a chegada à vila do tenente-general Dinis de Melo e Castro, no dia 20 de Março de 1657, para inspeccionar as fortificações, viria introduzir uma mudança radical na estratégia defensiva até aí seguida. Efectivamente, o futuro conde das Galveias mandou que se fortificasse somente a Igreja Matriz, decisão pelo menos insólita tanto mais que produzida por um militar de carreira e isto por mais de um motivo, como de seguida se verá. Primeiramente, por razões financeiras já que depois de analisada pelos pedreiros e alvanéus da terra a planta deixada pelo tenente-general, se concluiu que os custos da obra de fortificação da matriz eram incomportáveis. Em segundo lugar, porque a dita fortificação ficava descortinada pelas casas que tinha vizinhas que todas eram abertas por detrás por quintais por donde era fácil a entrada do inimigo e que também podia o dito inimigo pelejar[?] das janelas das ditas casas e ainda dos muros da vila que ficavam eminentes ao campanário e que sobretudo na dita igreja não cabia a décima parte da gente da vila nem fazenda alguma nem a gente do campo.
Perante o indiscutível contra-senso da fortificação da igreja que reduzia os defensores a meros alvos passivos, a gente da governança de Fronteira avançou com o projecto de fortificação do castelo antigo que se podia fazer com mais facilidade e menos custo e melhor cómodo assim para as gentes como para as fazendas e ainda melhor defensão porquanto nada lhe fica eminente e ainda que lhe fiquem algumas casas arrumadas lhe custará muito o quererem minar por ser o muro grosso e de muito risco de que o mais muro da vila. Entramos agora no período de mais acesos confrontos militares sobre os quais não dispomos de quaisquer testemunhos directos no arquivo municipal em virtude da documentação autárquica da época ser omissa ou por ter sido destruída durante aquele conturbado período ou por se ter extraviado. Recorrendo, porém, à documentação da Santa Casa da Misericórdia de Fronteira é-nos possível afirmar que a fase mais acesa do conflito decorreu entre os anos de 1658 e 1667. Com início em Novembro daquele primeiro ano, dispomos de uma série do referências que nos permitem concluir da presença de tropas estrangeiras,
da existência de
operações militares e de um clima de violência no termo de Fronteira e também na própria vila que, como noutro lado afirmámos, viria a ser ocupada em 23 de Dezembro de 1665 com destruição de alguns edifícios, entre os quais a cadeia e as Casas da Câmara. Porém, nem todos os desmandos e actos de violência eram imputáveis à acção das tropas estrangeiras, inimigas ou aliadas, como se vê por um documento assinado pela rainha, datado de 8 de Fevereiro, dando conta de actos de banditismo de alguns soldados: Joanne Mendes de Vasconcellos Amigo. Eu El Rei vos envio muito saudar. Encomendovos encarregueis a pessoa de confiança, que faça toda a diligencia por haver às mãos
Antonio [Martins] da Vide, e Antonio Rodrigues Botelho, soldados de cavalo, que na vila de Fronteira e seu termo, (da provincia) andam cometendo grandes excessos, sem temor das justiças, e que presos a bom recado [os] façais entregar ao Ldo. Sebastião Ferreira de Barros juiz de fora da mesma vila [...] Alguns meses mais tarde, em Novembro de 1658, como íamos dizendo, há a registar o internamento de dois soldados no hospital da Misericórdia e a morte de outros três, bem como a passagem de cartas de guia para diversos soldados e cavalgaduras. No mês seguinte deu entrada no mesmo hospital um prisioneiro castelhano para receber assistência médica. Em Março de 1659, há a assinalar a morte de mais um soldado e, pela mesma época, a presença de um número invulgar de indivíduos de Barbacena, provavelmente em fuga do invasor. Em 2 de Julho de 1662, vamos encontrar o exército castelhano junto da vila que, por ter recusado prestar homenagem ao rei de Espanha, se arriscava a ser entregue à fúria da soldadesca, como veremos na carta a seguir transcrita: Aun que la desatencion de los moradores de la Villa de Frontera en no haveren venido a dar la devida obediencia al rei nuestro Senor haviendo passado esta armada tan cerca delles merecia un riguroso castigo, todavia uzando de la real clemencia de S. Mg. y mucha clemencia se les perdona esta culpa, e se les pide obediencia com todas las immunidades que se han concedido a los otros lugares desta comarca, contenidas en el papel incluzo, ordenando eles observen pontualmente todo lo que en el papel se les prohibe porque por la mas breve falta que haia en ello seran saqueados y quemados como los de Ocrato y vendran fora al campo a donde estoi oy com este boletin dos pessoas de las principales del pueblo com un escrito firmado por toda la nobleza y
menistros de iusticia de la Villa en que ofrescan complimiento de lo que en el papel appenso se les manda. Haviendo prestado los moradores de la Villa de Frontera y su termino la divida obediencia a S. Mgd. Dios le gde. y siendo su real intencion que los vassalos que ansi lo hizieren exprimenten los effectos de su real clemencia y benignidad: por la prezente y en su real nombre venimos en concederles el uso livre de sus haziendas mobles y de raizes dentro de la Villa y fuera della, y que puedam assi mesmo pastar sus ganados cabras y assistir en sus heredades y casarias sin que en esto ni en outra ninguna cosa pertencente al comercio se les hagan las molestias que a los vassalos obedientes ordenandoles que reciban refresquen y deffiendan las partidas que del exercito de S. Mgd. Llegaren a essa Villa darles las noticias que les pedirem o ellos supieren tocantes al Real servicio, y no siendo bien que sus vassalos obedientes continuen com las pezadas cargas que se les ponen de la parte del gobierno tirano que han padecido, se les prohibe paguen desde el dia de la fecha desta en delante ninguna decima siza papel sellado ni outra imposicion de qualquer genero que sea ni tam poco assistan al gobierno tirano com auxiliares de pie o de a cavallo, ni outro socorro alguno de gente advirtiendo que por qualquer cosa destas a cuio complimiento faltaren por ningun pretexto de violencia o outro qualquiera o en cazo de induzirles gente de guerra, serão tratados com la ultima [...] y rigor, ronpendoseles todas las immunidades que por este despacho se conceden y passando a saquearles y quemarles como se há echo com Borba e Ocrato y para los passaportes de que necissitaren assi para passaren de unos terminos a otros como para comercio dentro de Castilla, y tudo lo demas que se les offreciere de su conveniencia accudiran al Governador de la plaça mas vecina que tendra de darseles sin hazerles ninguna vexacion [...].
Em 1664, temos notícias do falecimento de uma irlandesa. No mesmo ano, em Julho, existem registos da hospitalização de um francês e dos óbitos de dois outros franceses e de um irlandês. As mesmas fontes que temos vindo a citar informam-nos ainda da presença de irlandeses e alemães em 1667, ano que deve ter marcado a saída dos contingentes estrangeiros desta vila. Passado este período crítico da história nacional em que as circunstâncias adversas levaram à reconstrução parcial do castelo, o período que se lhe seguiu iria ser marcado pelo total abandono do castelo e fortaleza e pela sua gradual e inexorável ruína de que dá notícia, um pouco exagerada, cremos nós, face ao que adiante se lerá, o Pe. Manuel Gonçalves Subtil, por volta de 1755: Esta vila tem em seu princípio uns muros singelos que apenas podiam servir de defesa a cavalaria que hoje em muitas partes estão no chão fizeram neles três torrinhas, que apenas podiam servir de sentinelas, destas uma se acha no chão, e a outra pouco menos, e ao depois foram fazendo casas extramuros, que hoje é arrabalde a maior parte da vila [...]. É, de forma algo paradoxal, graças a esta ruína experimentada pelas antigas defesas da vila que temos uma descrição parcial das fortificações e do seu estado em finais do séc. XVIII. Foi, com efeito, em 1791 que, a requerimento de alguns dos moradores, o capitão-mor Francisco Xavier Godinho solicitou o parecer da Câmara quanto ao que fazer relativamente a alguns pedaços de muralha antiquíssima com seus torreões e torres muito arruinadas, da sorte que sendo a maior parte da vila arrabalde encostado às ditas muralhas e torres experimentam os moradores que vivem junto à dita muralha o prejuízo, e ainda pedras que continuamente se descogulam sobre os telhados ; e porque
é o suplicante continuamente instado pelos ditos moradores para que lhe dê licença para descogularem aquela muralha ou torre que ameaça ruína, nestes termos recorre ele suplicante a Vossa Excelência para que lhe declare o que deve praticar a respeito de tais requerimentos. Face ao requerimento do capitão-mor, a Câmara ajuramentou três testemunhas para avaliar da justeza das razões dos moradores. São esses três depoimentos de grande valor histórico que passamos a transcrever. Testemunha primeira José de Moura Tenreiro natural e morador desta vila, mestre sapateiro, de idade que disse ser de trinta e dois anos pouco mais ou menos. Testemunha chegada pelo Alcaide, e jurada aos Santos Evangelhos para dizer verdade. E perguntado ele testemunha pelo contido na petição do recorrente que lhe foi lida e declarada, disse que pela razão alegada de natural e morador que é desta vila sabe que a maior parte da muralha da mesma se acha escavacada faltando-lhe muitas pedras, cuja falta também têm os torreões da mesma muralha ; e principalmente um que é o conjunto ao Adro de Baixo, cujo torreão de vez em quando despede pedras, ou por força do Inverno, ou por força dos pássaros, que nele vão fazer criação, cujas pedras causam dano às casas conjuntas do mesmo torreão ; como ele testemunha experimentou por muitas vezes assistindo nas casas de José Caetano ; de sorte que o obrigou a despedir-se das casas pelo susto e perigo em que estava pois que as pedras despedidas do dito torreão quebrando as telhas o podiam ferir ou matar [...]. [...]Testemunha segunda Francisco Rodrigues Canhão mestre sapateiro natural e morador desta vila de idade que disse ser de sessenta anos pouco mais ou menos testemunha segunda pelo alcaide ; e jurada aos Santos Evangelhos para dizer verdade. E perguntado ele testemunha pelo contido na petição do recorrente disse que sabe pelo ver e presenciar que as paredes da muralha desta vila se acham escavacadas em
algumas partes com falta de pedras, e que os torreões da mesma muralha se acham também arruinados principalmente o que tem frente para o Adro de Baixo, o qual serviu a ele de grande prejuízo, e lhe causou grande susto no tempo em que ele testemunha assistiu nas casas de José Caetano chamado o Cozinheiro ; pois que do referido torreão caiam muitas pedras sobre os telhados das referidas casas [...]. “Testemunha terceira José Caetano hortelão da horta das Antas morador desta vila de idade que disse ser de cinquenta e dois anos pouco mais ou menos, testemunha chegada pelo Alcaide e jurada aos Santos Evangelhos para dizer verdade. E perguntado ele testemunha pelo contido na petição do recorrente disse que pelo pertencente à muralha desta vila sabe pelo ver que em muitos sítios da mesma se acha ela escavacada ; porém ignora se um tal dano a poderá danificar de todo. E pelo que diz respeito aos torreões só sabe que o do Adro de Baixo junto ao qual tem ele testemunha duas moradas de casas, se acha quase metade bastante arruinado e com as pedras soltas, que de vez em quando se despedem e fazem dano às mesmas casas [...]. Durante o inquérito então levado a efeito, o Juiz de Fora de Fronteira, Dr. Florêncio de Abreu Perada, decidiu proceder pessoalmente a uma vistoria dos muros de modo a elaborar uma mais correcta avaliação da situação, tendo concluído que pelo que diz respeito à muralha, que nenhum perigo ameaça apesar de se achar danificada pela falta de muitas pedras que até têm caído pela diuturnidade do tempo, ou se lhe têm roubado, me parece deve a mesma persistir sem demolir-se ; de cujo parecer sou também pelo que diz relação aos torreões, à excepção de um sito no Adro apelidado – de Baixo – que achando-se a parte superior do mesmo danificada com as pedras desconjuntadas padecem os moradores vizinhos do mesmo torreão os incómodos constantes dos depoimentos das citadas testemunhas, por cuja causa seria providência mandar-se demolir somente aquela parte superior do mesmo torreão, apeando-se as
pedras desunidas, e deixando-se o restante dela ; assim porque cessa o receio do dano ; como porque aquela mesma antiguidade que inculca, dá mais estima à mesma vila, cuja antiguidade deve igualmente servir para a conservação dos arcos de que faz menção a primeira testemunha [...]. Além destes intervenientes e ainda para o mesmo efeito, deslocou-se ainda a Fronteira o Tenente-Coronel Engenheiro José Álvares de Barros cujo depoimento aqui se regista: Em observância da ordem de Vossa Excelência passei à vila de Fronteira, e examinando as ruínas dos muros do castelo, que propõe a Vossa Excelência o capitãomor da mesma vila, achei que os ditos muros estão confundidos com casas, e a maior parte deles desfeitos e sem utilidade alguma ; e no sítio chamado Adro de Baixo se acha uma torre e dois arcos que de necessidade se devem demolir por evitar o precipício que está ameaçando os moradores que habitam junto a estas ruínas. Também há outro lance de muro no sítio chamado a Carreira de fora que precisa ser demolido uma terça parte da sua altura pelo mesmo motivo da ruína em que se acha [...]. Como se deduz, existiam ainda à época várias torres e uma superfície considerável do pano de muralhas original mas, apesar das recomendações no sentido de se preservar o mais possível esse elemento nobilitante do espaço urbano, o certo é que os muros e torres foram implacavelmente destruídos de modo que, um autor que sobre eles escreveu em meados do século passado apenas recordava já duas das torres ao Norte uma torre de uns 40 ou 50 palmos de altura, e parte de outra à qual chamavam castelo [...] resta grande parte das altas muralhas que circundavam a praça. No século seguinte são praticamente inexistentes as referências ao castelo e fortaleza. A primeira, datada de 1818, surge-nos pela pena do general Visconde de Sousel, Governador das Armas do Alentejo, em que este concede à Câmara Municipal licença para se aproveitar a pedra da muralha para a fonte que se faz nessa vila, e recomendo
a Vossas Mercês que evitem quanto lhes for possível que se faça demolição na mesma muralha, devendo procurar-se a pedra naquelas partes que estiverem já caídas. Em Janeiro de 1832 em outra carta, vinda, desta vez, da Mesa de Consciência e Ordens para a Câmara de Fronteira pode ler-se: A fortaleza está bem mal reparada e vai caindo pouco a pouco e as casas que eram uns bons aposentos estão muito danificadas, e caídas do tecto de cima, e algumas das paredes, e outras estão ainda levantadas [...]. As casas referidas eram as da alcaidaria-mor cujos donatários, desde há muito ausentes da localidade, haviam deixado arruinar. Uma derradeira notícia nos surge em 1868, negando, felizmente, à Câmara de então a necessária autorização par demolir o Arco dos Santos, a única porta ainda existente. E é esta a última referência conhecida ao castelo e muralhas de Fronteira. Não são, como vimos, muito abundantes os pormenores descritivos do sistema defensivo da localidade mas, ainda assim, permitem-nos algumas conclusões no que respeita à sua tipologia bem como à época da sua construção. Estamos, em resumo, na presença de uma estrutura defensiva constituída por dois elementos fundamentais – o castelo propriamente dito, na parte mais elevada da povoação, com a sua torre de menagem e cerca interior e a muralha ou cerca exterior que circundava a localidade. O facto da torre de menagem se encontrar inserida na própria cortina defensiva e não implantada no meio da cerca interna, remete claramente para a arquitectura castelar de finais do séc. XIII ou do séc. XIV, outro tanto decorrendo do flanqueamento das muralhas, isto é, da colocação de diversas torres em redor, de modo a permitir a cobertura de qualquer ponto da fortificação a partir de, pelo menos, um outro ponto da mesma. Igualmente característica do período medieval é a existência de barbacã, também confirmada pelos documentos disponíveis.
Assim sendo, estamos certamente em presença de um castelo susceptível de ser incluído no tipo dos castelos de defesa activa ou, de acordo com outro critério de classificação, no dos castelos com alcáçova e cerca urbana, característicos da arquitectura militar portuguesa do período gótico. É provável, também, que a construção do castelo e a da cerca não tenham sido contemporâneas pois que, como vimos atrás, num dos documentos transcritos, apontavam-se diferenças consideráveis na fábrica das duas obras. Ora, como é sabido, a construção de cercas urbanas iniciou-se em Portugal com D. Afonso III e continuou durante todo o séc. XIV, mormente durante o reinado de D. Dinis que, de acordo com uma tradição local, terá mandado fazer a vila. Neste contexto, recorde-se que a expressão fazer vila significava, na Baixa Idade Média, o acto de cercar uma povoação com muralhas. Face aos dados disponíveis e sempre no campo das hipóteses, teríamos então a construção do castelo no séc. XIII, à semelhança do que aconteceu em localidades não muito distantes, e a erecção da cerca na centúria de trezentos, quando a povoação se tinha já expandido, ao abrigo do castelo. Relativamente a este assunto, não podemos deixar de aqui referir que o único elemento até agora localizado, susceptível de permitir uma datação relativamente exacta, é como veremos, de data posterior. Trata-se de uma pedra de armas, cujo paradeiro hoje se desconhece, em tempos encontrada numa das torres da vila. Dela nos deixou notícia o erudito Leite de Vasconcellos no volume XIX do Archeologo Português : [...] é uma pedra de mármore de 0,54m X 0,40m, que tem o escudo das quinas assente noutro em cujas bordas se vêem as extremidades da cruz de Avis, que alternam com
quatro castelos; na parte superior do primeiro escudo avulta um banco-de-pinchar, emblema próprio dos brazões dos infantes, e por baixo do segundo, em toda a largura da pedra, lê-se: PAINE POUR JOIE. Este brasão e legenda são do condestável D.Pedro, mestre de Avis, rei de Aragão e filho do infante que morreu em Alfarrobeira em 1449, às mãos dos homens d´armas de D. Affonso V. Ora, o condestável D.Pedro ascendeu à dignidade de Mestre de Avis por morte do infante D. Fernando, no cativeiro de Fez, em 5 de Junho de 1443. Assim, só depois dessa data a lápide ali terá sido colocada e, provavelmente, antes de 1449, ano em que D. Pedro foi destituído do Mestrado, não sendo de afastar a hipótese da fortaleza ter sofrido, nesse período, algumas obras no sentido de consolidar as posições de seu pai durante os conflitos por ele mantidos contra as forças do feudalismo.
Mais difícil se nos afigura dar agora ao leitor uma imagem do antigo castelo. De quanto pudemos apurar sabe-se, ao certo, que a muralha que circundava a vila se apresentava rectilínea ao longo da Carreira de Fora, a actual Rua António Borralho Murça. A sul, desde a esquina formada por aquela rua com a Rua D. Francisco de Portugal, passando pela porta do Arco dos Santos até, sensivelmente, ao início da Rua de Santa Maria, o muro corria também em linha recta, inflectindo depois numa curvatura suave até ao Adro de Cima, daí continuando novamente em linha recta até ao início da Rua de Santarém, a actual Rua Frei Manuel Cardoso, para subir depois acompanhando o actual traçado da Rua Nova, até à Boavista. Relativamente às portas de acesso à vila, mencionámos já a Porta dos Santos. Além desta, existiram ainda a Porta de Santarém, ao fundo da rua do mesmo nome ; a Porta do
Sol que como já vimos dava para o Adro de Baixo, fronteira à Matriz, com um torreão e dois arcos e, muito provavelmente, uma outra a Norte. Quanto à altura das muralhas, pelo menos de parte delas, informa-nos cabalmente o excerto do texto transcrito onde se lê que as mesmas ficavam eminentes ao campanário da igreja, isto é, mais altas que a Igreja Matriz. Noutra parte, uma das torres é dada como tendo 8 ou 10 metros de alto e certamente dela não difeririam muito as outras, sendo certamente mais alta a torre de menagem (castelo). A localização exacta das torres e torreões, com excepção do da Porta do Sol e da torre que se erguia junto à actual torre do relógio, cujos vestígios são ainda visíveis até ao nível do telhado, constitui um problema, à luz dos dados disponíveis, de ainda mais difícil solução pelo que, para além do que a esse respeito ficou dito, de modo a evitar induzir o leitor em erro, preferimos não aventar nenhuma das muitas hipóteses possíveis.
3.3 Dentro da Vila Circunscrito pelas muralhas, o primitivo núcleo urbano não comportaria em si, na opinião do autor das Antiguidades de Fronteira, mais de seis dezenas de fogos. Dois eixos principais, num traçado quase cruciforme, atravessavam o recinto, um no sentido Nascente/Poente e o outro, sensivelmente, no sentido Norte/Sul a que correspondem, respectivamente, as actuais ruas Cândido de Oliveira e Frei Manuel Cardoso. Paralelamente à primeira, pelo lado Norte, corria a Rua do Paço que dava acesso ao largo do castelo, então o local mais importante da vila.
As outras ruas seguiriam, de modo mais ou menos exacto, o traçado das actualmente existentes, com excepção de uma travessa, a Travessa das Cisternas, que se projectava no prolongamento da actual Travessa do Pina, antiga Rua da Judiaria, para o lado nascente, a qual viria a ser apropriada e fechada por um particular, no século passado. Considerado na sua globalidade, o núcleo urbano não apresenta os traços característicos das vilas planeadas medievais, pelo que o seu desenvolvimento se terá ficado a dever, como já afirmámos, não à execução de um projecto prévio mas, antes, a uma ocupação gradual do espaço disponível, estruturado em função das vias de comunicação.
3.3.1 A Judiaria A presença judaica em Portugal está atestada por documentos arqueológicos desde o séc. V da nossa época. Floresceram e prosperaram depois os hebreus, disseminando-se por todo o território, constituindo-se numa realidade social à parte, com as suas autoridades, instituições e leis próprias, sujeitos a obrigações e gozando de privilégios que os distinguiam da restante população, beneficiando da, geralmente, eficaz e longe de desinteressada protecção dos soberanos aos quais, a vários títulos, interessava a sua permanência no reino. Manteve-se este estado de coisas, sem grandes sobressaltos para aquela minoria, ao contrário do que sucedeu no centro e leste da Europa, até finais do séc. XV, época em que, em consequência da nova ordem política peninsular, D. Manuel se viu na contingência de assinar o édito da sua expulsão do reino, ao mesmo tempo que implementava, por outro lado, contramedidas tendentes a conservá-los no interior das fronteiras nacionais, entre as quais a conversão forçada dos hebreus, deste modo tornados cristãos-novos.
Não é, porém, nosso intuito alongarmo-nos sobre a questão dos cristãos-novos em Fronteira, tema aliás já por nós aflorado em anterior trabalho. Ao presente, o nosso único objectivo é o de esclarecer, de acordo com os poucos dados disponíveis, a localização da Judiaria de Fronteira. A antiga toponímia local assinalava, como vimos, uma Rua da Judiaria, topónimo que se conservava ainda na década de 30 do passado século mas, desconhecia-se a localização exacta daquele bairro ou arruamento. Porém, a feliz descoberta de um apontamento marginal incluído no Tombo Novo da Misericórdia de Fronteira, datado de 1823, cópia de um outro tombo elaborado em 1806, veio, definitivamente, lançar luz sobre este assunto: Já há muito desapareceu a rua da judiaria, hoje é uma morada de casas nobres com três quintais e um pátio, com uma boa cisterna e lagar, que confronta do norte com rua de Paulo Curvo, sul com a muralha que a divide das casas da rua do Açougue, nascente com serventia pública que vai da Boavista ao Larache, e poente com rua de Santarém e serventia para o Arco dos Santos e praça. Daqui se conclui que a Judiaria ocupava a área agora ocupada pelos prédios situados entre a actual Rua Paulo Curvo e a muralha, à direita de quem entra na vila pelo Arco dos Santos. Se o texto é peremptório quanto à localização, esta não deixa, no entanto, de suscitar algumas dúvidas e questões pertinentes. Como se sabe, uma das antigas cisternas do concelho, bem como as primitivas Casas da Câmara, situavam-se na área afecta à Judiaria, facto pelo menos bizarro se considerarmos que um dos crimes frequentemente imputados aos judeus, especialmente durante os tragicamente frequentes surtos pestíferos, era o da conspurcação e envenenamento das águas potáveis.
Por outro lado, não cremos ser muito provável o facto dos homens nobres e bons cristãos da governança da vila mandarem edificar a sede do governo local de paredes meias com os filhos de Abraão. Porém, se assim era, explicaria isso, porventura, a existência de dois bocais para serventia da cisterna? Ou será que os equipamentos urbanos de que temos vindo a falar – Câmara e cisterna, são posteriores ao séc. XV, frutos da dispersão e conversão coerciva dos seus moradores e da consequente extinção da judiaria? A ser correcta esta última hipótese, o processo terá decorrido com invulgar celeridade visto que o Numeramento de 1527/1532 dá a cisterna como já construída na primeira daquelas datas. Relativamente à presença judaica em Fronteira, outras questões ficam ainda em aberto – onde se localizava, se acaso existiu alguma, a sinagoga? E o cemitério judaico, onde se situava? Questões em relação às quais confessamos a mais completa ignorância mas a que, esperamos, o tempo, o interesse e a persistência de alguns poucos possam vir, um dia, a dar resposta.
3.4 O Fora de Vila Por Fora da Vila se entendia, inicialmente, toda a área não edificada em redor do recinto amuralhado. Progressivamente, a ocupação urbana desse espaço restringiu o âmbito dessa designação até a identificar com o único trecho de terreno que, por razões de ordem topográfica, não viria, até aos nossos dias, a ser urbanizada, isto é, a faixa de terreno a nascente da vila que se estende ao longo da antiga Carreira de Fora, actual Rua António Borralho Murça.
Uma das características mais notáveis do crescimento extra-muros de Fronteira foi a rapidez com que o mesmo se verificou, durante os sécs. XV e, especialmente, XVI. Existem, com efeito, provas de um precoce desenvolvimento da vila no exterior da cerca. Na segunda metade de quatrocentos, o Tombo da Confraria do Corpo de Deus menciona já umas casas que a dita confraria tem em o arrabalde de cima com seu quintal que tem de trás e partem de uma parte com João Fernandes o Moço e da outra com Vasco Martins Touracem e por diante com rua pública, de onde se infere que existia já um número razoável de habitações fora do perímetro fortificado. Haveria também, logicamente, um arrabalde de baixo e este localizar-se-ia, quase com toda a certeza ao longo da fachada a poente das actuais Rua da Lagoa e Avenida da República, onde se localizaria a zona de maior movimento para a qual abria o torreão com dois arcos existente no extremo da Rua do Sol, a entrada mais imponente da povoação. Essa área onde, em finais do século dezasseis, se viria a construir a nova Matriz e a Igreja da Misericórdia seria, então, um espaço aberto, provavelmente o rossio onde se situava o curral velho mencionado no supracitado documento. Aqui se localizava o ponto em que a Canada dos Serranos, estrada de passagem dos rebanhos transumantes da região serrana que demandavam as paragens de Ourique, mais se aproximava de uma das entradas da vila. Neste grande largo que viria a ser parcialmente integrado no adro da Igreja Matriz, localizavam-se, no lado poente, o hospital da Confraria do Corpo de Deus e, certamente, outros serviços, dado o volume do trânsito que regularmente por aí se escoava.
Existiria algo construído no local onde se ergue a Matriz, no meio desse largo? É muito provável que sim. Porém, não dispomos de quaisquer provas documentais que confirmem ou desmintam esta hipótese. Um século depois, nos finais de quinhentos, quase todas as ruas hoje existentes, à excepção das que resultaram do surto urbanístico do presente século, nos surgem já referenciadas, apresentando muitas delas, nessa época, uma extensão idêntica à que actualmente lhes conhecemos. A Rua do Mártir, por exemplo, estava já bem definida em toda a sua extensão, outro tanto sucedendo com as ruas de São Miguel e dos Trigueiros, rasgada em local que era ainda, em 1486, um logo a que chamam os Trigueiros que parte de uma parte com as oliveiras que foram de João do Carvalho e das outras com matos maninhos. Na zona das Albardeiras está atestada a existência de casas em 1563. Perto do actual Largo do Senado há notícias da presença de habitações em 1617. Em 1610, a Rua do Fundão que viria a desaparecer na segunda metade do séc. XVIII, tinha tantos moradores como a Rua de São Miguel. A construção de habitações na Boavista, no lado sul, junto da muralha, para sermos mais precisos, teve início na primeira metade de 1600 e em 1646, havia já nesse local, pelo menos, três moradas de casas. Junto do mesmo largo, da parte do poente, a construção no topo sul da Rua de Santa Catarina foi mais tardia, datando, muito provavelmente, do último quartel do século XVIII. No mesmo período, coincidindo com a construção do novo Hospital da Misericórdia, intensificou-se a ocupação do Adro cuja divisão em Adro de Baixo e Adro de Cima nos surge, então, definitivamente consagrada.
Nestes adros se situavam as zonas cemiteriais – o cemitério da Misericórdia, que ocupava parte de um cerrado nas traseiras do antigo hospital, a poente do Adro de Baixo e o cemitério da paróquia nos terrenos adjacentes à Matriz. Se o primeiro chegou até aos nossos dias livre de construções, o espaço do segundo foi, desde muito cedo, desrespeitado e ocupado por casas, como se deduz de medições levadas a efeito no séc. XVIII, durante as quais foram encontradas ossadas humanas enterradas no interior de habitações entretanto construídas, fronteiras à fachada da igreja, imóvel que, apesar da sua importância, não teve um papel deveras estruturante do espaço urbano, antes se integrando num esquema já definido. A antiga Rua Nova cujo nome provirá do facto de ter sido a primeira artéria construída fora do recinto da fortaleza ou talvez da reinstalação da antiga comunidade judaica entretanto convertida é já mencionada em 1520 e surge-nos com cerca de nove fogos no início de seiscentos. O panorama geral da vila não diferiria muito, em termos gerais, em finais do século XIX, do apresentado trezentos anos antes : uma vila dispersa para sul e poente do seu núcleo original, ao longo de quatro eixos principais que, por ordem decrescente dos níveis de ocupação, eram os seguintes já nos finais do séc. XVI : Rua dos Trigueiros, Rua de Avis, Rua da Lagoa e Rua do Mártir ; vastos espaços intersticiais e periféricos, de domínio público e privado, principalmente rossios remanescentes de igrejas já desaparecidas ou profanadas que perdurariam até ao presente século, afectos por vezes à produção agrícola, tal como acontecia com o quintal do castelo que se semeava ainda em 1831 e uma razoável área de logradouros comuns em redor da vila que viriam a ser sacrificados ao grande surto de urbanização do séc. XX. Dentro deste século, poderemos ainda distinguir duas fases. Durante a primeira, que se prolonga até meados do século, a expansão far-se-á, maioritariamente, nas áreas
situadas a Norte, Nascente e Poente da vila enquanto que na segunda os projectos de urbanização irão concentrar-se a Poente e, especialmente, a Sul da localidade onde a Estação da CP nos surge como elemento estruturante. Assistiu-se deste modo à ocupação do lado poente do Rossio dos Porcos (Largo do Senado), já iniciada nos finais do séc. XIX e da área adjacente à estrada para Sousel (Rua de São João). Não muito longe daí, nos rossios de São Pedro e São Brás, o espaço disponível viria a ser ocupado por construções na década de 1920. No outro extremo da vila, o Rossio de Santa Catarina, ao redor da igreja do mesmo nome, foi paulatinamente urbanizado, primeiramente no prolongamento da fachada a nascente da Boavista, logo por volta de 1900 e, mais tarde, a partir dos anos vinte, na sua área a poente onde viriam a surgir as actuais rua e travessa de Santa Catarina tendo o topo norte daquela rua ficado definido já dentro da década de sessenta com a construção de um bairro social. Igual sorte teriam os dois grandes rossios a poente da localidade onde desembocavam as ruas de Avis e São Miguel - os rossios de Santo António e do Espírito Santo, respectivamente, onde, durante as segunda e terceira décadas do passado século viria a ser aberta a rua de Santo António, vulgarmente chamada de Aldeia do Fio, dadas as facilidades de pagamento então concedidas aos aforadores dos lotes para construção e a do Espírito Santo. Na parte mais a poente deste rossio existiu, durante algum tempo, uma praça de toiros desmontável. Esclareça-se que a idéia da construção desse tipo de recinto surgira já, anos antes, aos membros da Comissão Fundadora do Asilo de Mendicidade de Fronteira que atransmitiram à Câmara Municipal, em 1923: [...] Foi presente um requerimento do Snr. António Rodrigues Tuna, Secretário da Comissão Fundadora do Asilo de Mendicidade desta vila, pedindo em nome da mesma
Comissão a cedência perpétua, gratuita ou onerosa do terreno necessário no Rocio de Santo António para a construção de uma praça de touros, cujos rendimentos serão entregues ao Asilo, e pedindo também a pedra que para a construção da referida praça for possível explorar nos terrenos municipais, devendo a praça em construção passar ao domínio da Misericórdia se o Asilo se não fundar. O Senado tendo ponderado os fins beneméritos da Comissão resolveu fazer a cedência gratuita do terreno para a Praça, com a condição porém de o referido terreno voltar à plena posse da Câmara, se no futuro a praça ou os seus rendimentos forem desviados do benemérito fim para que se destinam ou se o Asilo não se fundar. Para norte desta última artéria, junto ao cemitério, intensificou-se também a ocupação humana na área limítrofe da antiga Rua do Fundão.
Uma das características mais marcantes da evolução do tecido urbano durante a década de quarenta do século passado foi a construção de equipamentos sociais, no âmbito de uma política de edificação do Estado Novo em que eram manifestas as preocupações de absorção de uma vasta mão de obra rural ciclicamente desocupada. Datam deste período a construção do edifício dos CTT, inaugurado em 26 de Novembro de 1944, da Cadeia Comarcã de Fronteira, das escolas primárias, integradas no Plano das Comemorações dos Centenários e a criação de um campo de futebol no Rossio do Espírito Santo. Posteriormente a 1950, a expansão urbana iria ocupar a parte residual do Rossio de Santo António, entre a Rua de Santo António e a estrada para Sousel, onde viria a surgir um novo bairro habitacional e os terrenos do chamado Rossio da Feira, onde se virão a localizar alguns dos serviços e equipamentos sociais mais importantes tais como a Casa do Povo cujo processo de construção se iniciou em 1950, o Palácio da Justiça e Casas
dos Magistrados, iniciados em 1961, ano também da adjudicação da empreitada da nova Avenida Heróis dos Atoleiros, artéria cuja abertura fora já sugerida, em 1934, pelo então Ministro das Obras Públicas e Comunicações, Engº Duarte Pacheco, tendo sido, logo nesse mesmo ano, entregue à Câmara Municipal de Fronteira o respectivo projecto, da autoria do Engº Manuel Vieira de Barros e o Ciclo Preparatório, inaugurado em 1976. Porém, as alterações introduzidas na vida nacional após 1974, a intensificação de uma política oficial de habitação e a melhoria generalizada do nível de vida das populações, mais do que a pressão demográfica, iriam estar na origem do facto mais relevante da expansão urbana local do séc. XX - a edificação das urbanizações ao longo da Avenida Heróis dos Atoleiros, o lançamento de uma Zona Industrial
e a implantação, já
efectivada ou apenas prevista, de diversos e inovadores equipamentos: Polidesportivo Cândido de Oliveira (1985), Quartel dos Bombeiros (19??), Lar de Terceira Idade e Centro de Saúde (19??), Mercado Municipal (1998), Terródromo (2000), Centro de Estágios Desportivos,
3.5 Toponímia Ainda que não tomemos em conta as ruas nascidas das urbanizações do presente século e aquelas cujos nomes foram alterados durante o mesmo período, verificaremos que as designações da maioria delas se alteraram. Desde 1600, data em que os dados disponíveis nos permitem uma reconstrução da nomenclatura dos arruamentos então existentes, até ao presente, registaram-se as seguintes alterações: Uma das ruas então existentes desapareceu. Foi este o caso da Rua do Fundão da qual já só restavam, em finais do séc. XIX, alguns portais de estilo gótico.
A actual Rua do Mártir teve anteriormente as designações de Rua de São Sebastião ou Rua do Mártir São Sebastião decerto por conduzir à igreja do mesmo nome. A Rua Cimeira aparece designada como Rua Maceira ou Rua Sameira sendo ainda hoje popularmente conhecida por este último nome. A Rua de Santa Maria foi, noutros tempos, a Rua da Praça ou Rua do Adro. A actual Rua Frei Manuel Cardoso teve, até ao dia 4 de Janeiro de 1926 o nome de Rua de Santarém. Esta era, no antigo tecido da vila a rua mais importante como se vê pelo seu traçado e largura servindo, certamente, de contrapartida intramuros da Carreira de Fora. A Rua Paulo Curvo surge-nos assim chamada por volta de 1610 sendo que, ainda em 1607, tinha o nome de Rua de Francisco Lopes. Ligando a Rua Paulo Curvo ao Largo do Castelo havia a Rua do Vigário Velho, também chamada Rua dos Fornos. Conduzindo do Largo do Castelo à Rua de Santarém estendia-se a Rua do Paço, actual Rua do Castelo. Ainda na zona do Castelo, a curiosa Ruinha denominou-se antes Rua dos Cadeados, nome por que já era conhecida em finais do séc. XV. Ainda dentro da vila existia a Rua da Judiaria, depois Travessa das Cisternas e, mais tarde, Travessa do Lagar, no prolongamento a nascente da actual Travessa do Pina. Esta rua foi fechada em meados do séc. XIX e incorporada numa propriedade particular. Na zona exterior ao recinto amuralhado, as ruas existentes apresentavam já, em finais do séc. XVI, os nomes que ainda hoje conservam A Primeira República e o Estado Novo foram férteis em propostas de alteração desta toponímia multissecular. Porém, nenhuma das alterações então oficializadas conseguiu sobrepor-se à tradição, caindo, a breve trecho, em desuso. Foi este o caso da Rua Nova, oficialmente a actual Rua D. Lucas de Portugal, cujo nome original se terá ficado a
dever ao facto de ter sido a primeira rua rasgada no exterior da muralha ou então à reinstalação da comunidade judaica convertida. Esta rua foi, em 1935, chamada de Rua de Olivença. De igual modo, a antiquíssima Rua da Lagoa viu o seu nome mudado para Rua Miguel Bombarda e a dos Trigueiros para Almirante Reis. As ruas de Santa Maria e de Avis viriam a ser denominadas de 31 de Janeiro e 5 de Outubro, respectivamente, e esta última teria ainda o seu nome mudado para Rua Dr. João Porto, que ainda conserva. O Adro de Cima, também conhecido com Adro do Coreto ostentou, temporariamente, o título de Largo Dr. Oliveira Salazar e, por sua vez, o Adro de Baixo foi transformado no Largo Marechal Carmona. A estrada de circunvalação, aberta por volta de 1905, designou-se também Rua Frederico Laranjo, mais tarde Rua Infante D. Pedro de Portugal e hoje, novamente, Rua Frederico Laranjo. Artérias secundárias, as travessas eram geralmente designadas pelos nomes de algum dos proprietários dos prédios confinantes e assim se mantiveram até que a construção de habitações foi progredindo ao longo delas. Eram estes os casos das Travessa do Senado, antes conhecida por Travessa das Marçais, da Travessa Maximiano Hipóloto Copeto Barradas, anteriormente designada por Travessa das Vences e das travessas de João Contente, do Rebelo, da Sadio, do Latoeiro, do Caim e do Liliu a algumas das quais, em boa hora, a Câmara Municipal devolveu, muito recentemente, os seus nomes primitivos. Também os largos, locais privilegiados de convivência viram os seus antigos nomes alterados. O Largo da Boavista chama-se hoje em dia Largo dos Heróis da Pátria e o Largo ou Rossio de São Brás, o local de maior movimento da vila ainda nos princípios
de 1900, ficou a chamar-se, por ocasião da inauguração do Palácio da Justiça, Largo Professor Doutor Antunes Varela. Quanto à origem dos primitivos topónimos, estes estão, essencialmente, relacionados com os nomes de algum morador mais ilustre, como sucede com as ruas de Paulo Curvo e do Larache; com minorias étnicas, como a Rua da Judiaria e, provavelmente, a Rua Nova ou com os locais a que as ruas directa ou indirectamente conduziam, contando-se entre estas as ruas dos Mártires, de Santa Maria, de São Miguel, de Avis e de Santarém. Porém, a origem dos nomes de algumas das ruas continua, porém, por explicar. É este o caso da Rua dos Trigueiros cuja origem se atribui, por vezes, à presença de indivíduos daquele apelido, o que não é certo visto que o primeiro Trigueiros que viveu em Portugal, António Trigueiros, só aqui chegou em 1500, integrado no séquito que acompanhou a rainha D.Maria, segunda esposa de D. Manuel I, quando se sabe que a rua existia já muitos anos antes. Cremos ser mais provável que o topónimo provenha da existência de armazéns de trigo, talvez covas ou silos naquele local, tal como sucedia no Largo do Curral, adjacente àquela rua no qual, por volta de 1650, havia ainda muitas covas em que antigamente se deixava trigo. Problema idêntico nos é colocado pela Rua dos Cadeados cujo nome parece sugerir um abandono, previsivelmente temporário, dos seus residentes ou, mais provavelmente, a existência de algum local de arrecadação de trigo das terças do concelho.
4. Monumentos
4.1 Igrejas e Locais de Culto 4.1.1 Capela da Senhora das Dores Antigamente designada capela do Senhor do Cemitério, este pequeno templo que data da segunda metade do séc. XVIII foi benzido em 2 de Julho de 1776, acabado de ornar em 1786 e serviu até 1836 de capela do cemitério da Santa Casa da Misericórdia que se situava nas suas traseiras. De dimensões modestas, apresenta um frontão com um nicho onde, em baixo relevo, está representado o resgate das almas. De ambos os lados do nicho pode ver-se um letreiro contendo citações bíblicas e as datas atrás referidas. No interior podem ver-se as imagens da Senhora das Dores e de Cristo, num nicho existente sobre o altar e, dos lados, as de São João Baptista e São Vasco, estas últimas provenientes da antiga igreja do Espírito Santo. No chão, frente à porta, existe uma sepultura coberta por uma lápide de mármore com a seguinte inscrição: Sepultura de António de Almeida e de seu pai Simão Palha [e] seus herdeiros. Esta sepultura suscita uma questão pelo menos curiosa: Simão Palha [de Almeida] viveu nos finais do séc. XVI e foi, inclusivamente, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Fronteira. Por outro lado, os caracteres do letreiro da lápide sepulcral são, também eles, típicos daquela época pelo que, pensamos, os restos mortais dos elementos daquela família devem ter sido para ali trasladados por ocasião da erecção da capela.
4.1.2 Capela do Arco dos Santos Situada sobre o arco da antiga Porta dos Santos, esta capela fazia parte de um vínculo instituído por frei Luis Matinca cuja administração estava cometida à Irmandade do Santíssimo Sacramento. A capela cuja fundação parece ter ficado a dever-se ao facto de permitir aos presos da cadeia situada do outro lado da praça assistir aos ofícios religiosos existia já em 1695. No século passado, uma das câmaras então em exercício planeou a sua demolição, bem como a do arco subjacente o que, felizmente, não chegou a acontecer.
4.1.3 Capela do Senhor das Almas Esta capela foi construída, em data incerta, pela irmandade do mesmo nome. Foi reconstruída no princípio do séc. XX, graças a um donativo de José Máximo de Brito e Castro e de sua esposa, D. Mariana Fernandes de Brito e Castro. Os trabalhos de reconstrução ficaram concluídos em 1916.
4.1.4 Igreja da Misericórdia Dedicada à Senhora do Amparo, a Igreja da Misericórdia acabou de se construir em 28 de Setembro de 1583 e, em 10 de Outubro do mesmo ano, rezou-se nela a primeira missa de que foi celebrante D. António Mendes de Carvalho, primeiro bispo de Elvas. À época da sua construção, não existiam ainda no local quaisquer edificações além da matriz, da casa sede da irmandade e de alguns edifícios da fachada poente do actual Largo Marechal Carmona onde se situava o hospital da mesma irmandade. Existia então na parede do lado norte do templo uma porta lateral que viria a ser fechada no séc. XVIII, por ocasião da construção do hospital novo. Essa porta, ou melhor, as suas
cantarias, são as que ainda hoje se podem ver no portado do antigo hospital que até há poucos anos funcionou como Centro de Saúde. Não sabemos, em virtude de terem desaparecido muitos dos livros do cartório da irmandade, muito mais sobre a igreja no período que decorreu entre a sua construção e os meados do séc. XVIII, época em que se iniciou um período de grandes trabalhos no edifício, quer em termos decorativos quer estruturalmente. As únicas informações disponíveis referem-se à pavimentação da igreja, com ladrilhos, no ano de 1665 e à edificação do campanário, em 1746. Durante os anos de 1753 e 1754 o templo foi grandemente reformado, datando de então a construção da tribuna de mármore, a escada no interior do muro para acesso ao púlpito, o desmonte do antigo remate da frontaria e construção do novo frontispício, a construção do coro e a nova cobertura de abóbada, comemorada com uma molhadeira que eu escrivão mandei dar aos oficiais no dia que fecharam a abóbada da Igreja. Nestas obras, adjudicadas na sua maior parte a mestre Bernardo Gonçalves, da vila de Sousel, gastou a Misericórdia cerca de 419.690 rs. Porém, logo no ano seguinte de 1755, o grande sismo de Lisboa viria provocar grandes danos na igreja como se pode ver pela resposta ao inquérito feito após o terramoto: A Igreja da Misericórdia que se achava reformada de novo e feita de abóbada, abriu esta duas rachas uma na capela-mor onde começou a sua forma, entre a mesma abóbada e a parede, e da racha da capela-mor despediram duas rachinhas cada uma por sua parte, direitas abaixo e sobre o coro também abriu racha entre a parede do frontispício e a mesma abóbada mas não tão grande como a da capela-mor. Foi precisamente a capela-mor a parte mais atingida. A sua degradação fez com que, em 2 de Março de 1763, a Mesa da irmandade tendo em consideração a grande miséria e necessidade em que se achava a Real Capela da
mesma de alguns paramentos e mais ornato do altar, e considerando entre si com um zelo pio e devoto quanto seria grato a Deus que Seu templo fosse exaltado e ornado Seu altar dando-se desta forma honra ao mesmo Senhor, e ficando sendo também de esplendor a casa determinaram todos uniformemente que se cuidasse logo e se fizesse tudo o que fosse preciso para exaltação de Deus e de Sua Santa Casa e para maior edificação dos fiéis; à vista de tão uniforme e santa resolução se mandou que o altar se fizesse novo de pedra e cal e se forrasse por cima de madeira obra tão necessária esta que estava totalmente indigno o velho por ser de terra solta com um pano de ladrilho por fora somente de sorte que estava cheio de buracos. Mais se mandou alargar o supedâneo do mesmo por ser nimiamente estreito. Mais se mandou fazer uma banqueta nova pintada de pedra lápis lazaro [i.e. lápis lázuli] com seus veios de ouro muito bem feita. Mais se determinou fazer para a mesma quatro castiçais com sua cruz de estanho fino tudo feito à Romana por não haver senão uns de bronze pequenos e indignos por velhos. Mais se ordenou mandar fazer uma estante de pé de salva em tudo muito bem feita por não haver mais que uma feita à antiga e no feitio tosca. Mais se fez uma grade de pau toda dourada em roda para ornato do frontal, que está rica. Mais pareceu mandar-se fazer um frontal de damasco de Itália branco guarnecido com sua franja e galão de ouro. Mais se mandou fazer a Lisboa uma casula do mesmo damasco de Itália guarnecida de galão de ouro com seu manípulo e estola do mesmo. Mais se mandou fazer para o altar umas sacras por estarem incapazes as que havia nele. Mais se mandou comprar um missal novo por não haver senão um só que bom fosse aquele par o comum e este para os dias mais festivos e ainda para as funções e festas da Casa e por esta causa se atendo muito mandarem-se fazer todas estas obras pela grande necessidade que havia delas. Mais se mandou fazer um Santo Sudário por carecer dele a Casa para que em tempo algum experimente a mesma os repulsos de empréstimos.
Mais se compraram dois côvados de tafetá verde para o mesmo Santo Sudário estar enrolado e com mais veneração resguardado. Mais se compraram dois véus para o cálix de tafetá um branco e outro roxo [...]. Não só a capela-mor da igreja se encontrava num estado lastimoso, já desprovida do primitivo retábulo, executado em 1626 pelo mestre imaginário Francisco Fernandes, mas também outras dependências da Casa, pelo que a Mesa encomendou diversas peças de mobiliário – cadeirões fabricados em Vila Viçosa, uma cadeira de espaldar alto, de nogueira, um estrado para poupar os irmãos ao frio nos pés, durante o Inverno. Reparou-se ainda o telhado da igreja por estar bastantemente quebrado e chovendo de tal sorte na abóbada que a deitaria a perder e causaria alguma ruína. Na mesma ocasião mandaram ainda fazer-se quatro quadros da paixão do Senhor para se revestirem os claros das paredes da casa do mesmo despacho ficando assim ornada de sorte como convém a uma Casa , que é a primeira entre todas na qual se fazem as Mesas [...] e doze varas de governo para os doze irmãos do ano irem distribuídos pela procissão de 5ª. Feira Santa para o bom governo e sossego dela. O período que temos vindo a acompanhar foi, sem dúvida, um tempo de renovação da irmandade em que se adivinha um dinamismo administrativo digno de louvor. Foi nesse ambiente que se decidiu também a construção do novo hospital visto que o velho, além do ruim sítio em que estava e o menos asseio das enfermarias se achava todo arruinado que estava vindo ao chão ameaçando ruína total. Deste modo, aos 16 de Maio de 1769, a empreitada de construção do novo edifício foi posta em praça e nela lançaram mestre Alexandre Rodrigues Guerra; o qual fazia a dita obra pela sobredita quantia [ 790.000 rs. ] e nomeava por seu fiador a Manuel Correia de Carvalho e mestre João Ângelo de Almeida que acabou por a arrematar pela importância de 700.000 rs.
A adjudicação da obra seria, porém , anulada e novamente posta em pregão acabando por ser arrematada, por 700.000 rs., pelo já citado mestre Alexandre Rodrigues Guerra, que a iniciou em princípios de Abril de 1771. A obra ficou concluída aos 25 de maio de 1775, dia em que o construtor a deu por finda e se procedeu à sua vistoria, se bem que os doentes acamados no antigo hospital tivessem sido transferidos para o novo logo no dia 17 daquele mês. A inauguração oficial, se assim se pode chamar, teve lugar a 28 de Maio, data em que a Mesa da irmandade reuniu pela primeira vez nas novas instalações. Simultaneamente e de modo a harmonizar o plano da frontaria do novo hospital com o da igreja, a Santa casa da Misericórdia de Fronteira decidiu ainda alterar o traço da casa do consistório – o bloco entre a igreja e o hospital propriamente dito –, assentar uma calçada com dez palmos de largura em frente dos três edifícios e construir um muro em redor do quintal da misericórdia. Não deve ter sido a melhor a qualidade da construção do novo hospital visto que, sete anos mais tarde, o hospital estava em perigo de se arruinar, sendo de novo postas em pregão e arrematadas as obras como de seguida se verá: Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e oitenta e dois anos nesta vila de Fronteira aos vinte e oito de Julho do dito ano em o Consistório da Santa e Real Casa da Misericórdia presentes o Provedor e mais irmãos da Mesa e irmãos convocados desta irmandade foi presente Manuel Lourenço morador em a vila de Borba mestre alvanéu e ao mesmo foi arrematada a obra do hospital na forma do apontamento da mesma que consiste em ser deitada a parede da frontaria toda abaixo até o nível dos sobrados e da parte de baixo até o primeiro arco inclusive com a declaração de que achando-se sem ruína toda a parte dela de sorte que possa ficar se abater no importe por que arrematado tem a quantia proporcionada e no caso de ser
preciso mais crescer no dito preço o que for justo , ficando do mesmo modo que se acham as cimalhas e mais frontaria fazendo emadeiramento de novo para os telhados ficando separados dos estucados e estes rectificados nas rachas que tiverem e todos os mais materiais à custa dele arrematante [...] e se obriga a dar princípio à obra no meado do mês de Agosto primeiro seguinte e continuar nela sem intervalo até a findar [...]. No ano seguinte foi, novamente, a vez da igreja entrar em obras, construindo-se e pintando-se os painéis em baixo-relevo que se vêem nos muros, trabalhos efectuados, respectivamente, pelo mestre escultor Bartolomeu José Antunes e pelo pintor João Barreto. Com a construção do guarda-vento, em 1788, a igreja ficou praticamente com o aspecto com que chegou aos nossos dias. Exteriormente o edifício apresenta ainda os elementos originais, do séc. XVI, na parte inferior da fachada, no pórtico, nos cunhais e nas fachadas laterais. O frontão e remates datam, como se viu, do séc. XVIII. Os cunhais da frontaria são de granito da região bem como o portal com duas colunas e verga sobre a qual se abre um nicho com a imagem da virgem. O corpo da igreja é coberto por uma abóbada de berço muito modificada. O coro assenta sobre três arcos, apoiados sobre duas colunas caneladas com capitéis trabalhados. A tribuna de mármore, com balaústres, do lado da epístola assenta em seis cachorros, da mesma pedra. Os quatro baixos-relevos existentes nos muros da igreja representam o Ecce Homo, O Senhor atado à coluna, a Flagelação e a Coroação de Espinhos.
O altar-mor é de talha dourada com a imagem de Nossa Senhora do Amparo. No mesmo altar, também em estuque, há mais três baixos-relevos representando o Senhor no Horto, o Caminho do Calvário e o Calvário. Esta igreja funciona agora, principalmente, como capela mortuária.
4.1.5 Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha
Situada a curta distância de Fronteira, numa elevação sobranceira à Ribeira Grande, a igreja ergue-se no local onde, segundo a tradição, a vila terá sido primitivamente edificada. Desconhece-se a data da sua edificação. A notícia mais antiga relativa a este templo data de 1489 e informa-nos que naquela época era seu administrador um tal Afonso Pires. Nos finais do século seguinte, em 1588, a igreja apresentava-se já em perigo de ruína com as asnas velhas e quebradas no risco de cair o telhado. Isto no corpo da capela porque a capela-mor se achava, na mesma data, arranjada de novo e de abóbada de meia laranja. As grandes reparações que vieram conferir ao templo muito do seu actual aspecto decorreram entre os anos de 1673 e 1677, período em que se construíram e pintaram as actuais abóbadas, se pavimentou o corpo da igreja com lajes de mármore e se procedeu ao assentamento dos azulejos que o revestem e cujo custo ascendeu a 200.000 rs. Nesta época a igreja era destino de grande número de peregrinos que ali acorriam movidos pela fama milagrosa da padroeira. Durante uma dessas peregrinações, numa noite tempestuosa de 1694, estando a igreja cheia de romeiros, um raio caiu na capelamor sem, no entanto, causar vítimas o que ainda mais reforçou a fé do povo nas virtudes
daquela Senhora que, ainda hoje, continua a ser reconhecida como a padroeira de Fronteira. A afluência de peregrinos foi, sem dúvida, a razão principal da construção de anexos à igreja – forno, cavalariças e acomodações – que teve lugar em princípios do séc. XVIII. Mais tarde, já dentro de 1900, outras obras seriam levadas a efeito, abrindo-se então a cisterna sob o chão do adro, melhorando-se as casas de habitação e levantando-se o muro ameado que circunda o recinto em volta do templo. A igreja era administrada pela confraria do mesmo nome que teve o seu compromisso confirmado em 1604 e 1648. Além das doações dos fiéis a igreja dispunha ainda de rendimentos próprios anuais no valor de 7.000 rs. em dinheiro, 87 alqueires de trigo e 22.5 alqueires de azeite, provenientes de foros. Arquitectonicamente, a igreja propriamente dita é precedida de um alpendre com três arcos de volta perfeita, na frente, a poente e dois maiores dos lados. No vão de um destes últimos encontra-se uma pedra tumular, ilegível, cuja tipologia aponta para a sua feitura no séc. XIII ou XIV. A fachada principal apoia-se em dois gigantes do mesmo modo que a fachada lateral esquerda. Na zona correspondente à capela-mor o edifício forma um corpo distinto, quadrangular, encimado por coruchéus, bolas e ameias de granito posteriormente alterado com o acrescentamento da cobertura e lanternim. O interior é constituído por uma só nave coberta com abóbada de berço e coro assente sobre a galilé. Todo o corpo do templo é interiormente revestido, até à cimalha, de azulejos policromados, padrão de laçaria em 4 X 4, com altura de trinta azulejos. Tem cinco arcos laterais encastrados na parede, apoiados em pilastras e igualmente revestidos de azulejos, assim como a escada de acesso ao coro. No centro dos arcos
encontram-se pinturas sobre tela, em mau estado, emolduradas pela cercadura dos azulejos. As do lado direito representam A Assunção, Fuga para o Egipto e o Baptismo de Cristo enquanto que nas do lado esquerdo estão representadas a Adoração de Nossa Senhora, a Adoração aos Pastores e a Visão de Santo António. O altar lateral do lado esquerdo, dedicado a São Miguel, tem um fresco representando O Juízo Final enquanto que o do lado direito é consagrado a Nossa Senhora da Piedade. O arco triunfal, de volta perfeita, apresenta no tímpano um painel de azulejos de 5 X 4 com a imagem da Virgem e a legenda Nossa Senhora da Villa Velha de Fronteira 1648. A capela-mor, coberta de cúpula circular, é toda forrada de azulejos formando padrão semelhante aos restantes mas de colocação mais recente. O altar é de alvenaria, tendo o tecto dividido em caixotões pintados a fresco com cenas da vida da Virgem, anjos, músicos e cantores. Nos cantos, os tímpanos estão pintados com as figuras dos evangelistas. Toda a abóbada do corpo da capela, dividida em dezanove cartelas, é pintada a fresco e as pinturas, um tanto rústicas, estão sobrepostas às primitivas. Estes quadros, emoldurados por tarjas, têm legendas e, segundo elas, representam S. Gregório, Paisagem, N. Sra. adorando o Menino entre os doutores, Lança Nossa Senhora a vestimenta a Santo..., Festejam as gitanas a Nossa Senhora, Paisagem, S. Agostinho, O trânsito de Nossa Senhora, A vinda do Espírito Santo, Assunção, Casamento de Nossa Senhora, Trabalha Nossa Senhora em presença de S. Joseph, Caminha Nossa Senhora para o Hegipto, Paisagem, S. Hierónimo e no fundo do coro a Assunção. Apesar de ter sofrido uma intervenção bastante extensa há alguns anos e outras de menor monta em época mais recente, o templo apresenta alguns sinais preocupantes de degradação, nomeadamente ao nível da abóbada.
No adro da igreja, virada para a vila, sobre um pedestal de granito da região, ergue-se uma estátua de Nossa Senhora da Vila Velha, esculpida em mármore branco de Vila Viçosa que ali foi colocada no dia 13 de Novembro de 1959, depois de benzida pelo Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro. Este monumento ficou a dever-se à iniciativa conjunta do então pároco, Pe. Manuel Baleiras e da população de Fronteira. Mencionámos já em outro lugar que, em termos práticos, a Senhora da Vila Velha é, para todos os efeitos, a padroeira de Fronteira. Não existe, de facto, nenhuma festividade religiosa na vila que não requeira a presença tutelar da imagem que nessas ocasiões é trazida para a Matriz e, findo o período de festa, reconduzida à sua ermida. É também prática ainda corrente e bem demonstrativa do poder da santa a oferta das crianças à Senhora, o que se faz colocando-as reverentemente sobre o seu altar, logo nos primeiros meses de vida. Costume já quase caído no esquecimento era o de, no Domingo de Páscoa, se levarem as crianças à ermida, junto da qual comiam uns bolos zoomórficos: pintainhas para as meninas e cobras ou lagartos se fossem rapazes, contendo, todos eles, um ovo cozido no seu interior. Outra característica do culto de Nossa Senhora da Vila Velha, se bem que menos conhecida, era a sua natureza psicopompa bem patente nos antigos testamentos. De quantos nos foi dado analisar cremos poder afirmar, sem receio de incorrer em erro, que uma percentagem próxima dos cem por cento dos testadores encomendava a sua missa de guia àquela santa.
4.1.6 Igreja do Espírito Santo [...] O terceiro e último caso a abordar nesta comunicação é, também, o mais desesperado e, ao mesmo tempo, representativo do desprezo manifestado por alguns pelo património artístico nacional. Falamos da Igreja do Espírito Santo, em Fronteira, parcialmente demolida há cerca de dezena e meia de anos por ordem do então Presidente da Câmara, para uma – alegada – ampliação do edifício. A destruição atingiu particularmente a parede direita da nave e fachada, fazendo desaparecer a torre sineira e a maior parte do portal renascentista, cuja arquitrave ostentava uma inscrição alusiva à construção do templo com as «esmolas do povo». Edifício de valor artístico relativo, torna-se no entanto exemplo do perigo que representam para o património artístico e cultural, a actuação pouco esclarecida e discricionária de muitos dos detentores do poder, a nível nacional como local.
Estas palavras apresentadas num simpósio sobre a arqueologia no nordeste alentejano retratam, de forma lapidar, o destino da Igreja do Espírito Santo e as razões da sua injustificável demolição. A ruína a que então foi reduzida conserva-se ainda no mesmo estado em que o comunicante a veio encontrar, há já quase duas décadas, como prova da destruição gratuita e abusiva de um património que a todos pertencia. Ruíu assim, entre tiros de pólvora e acometidas de bulldozer, o único dos templos de Fronteira construído com grande sacrifício e exclusivamente à custa dos seus moradores, como bem o lembrava a inscrição existente sobre o portal a poente Esta casa se fez de esmolas de povo em a era de 1577, data que assinala, talvez, a sua abertura ao culto dado que o início da sua construção, como abaixo veremos no alvará transcrito, se deve localizar na década de 1560-70.
Dom Sebastião como governador e perpétuo administrador que são da ordem e cavalaria de Avis faço saber aos que esta carta virem que os juizes e vereadores e procurador da vila de Fronteira e os mordomos da ermida do Espírito santo da dita vila me enviaram dizer que eles tinham começado havia anos a dita ermida por suas devoções e era já nela gasto muito dinheiro e que ora os visitadores da dita ordem lhes impediram a obra dela para que não fizessem mais nela porquanto conforme as definições da dita ordem se não podia edificar nem fazer de novo sem minha licença pedindo-me por mercê que lha desse e havendo eu respeito ao que assim dizem e serviço de Nosso Senhor acabar-se a dita ermida e assim visto uma escritura pública que fizeram por que se obrigavam à fábrica e ornamentos dela e a fazerem e acabarem à sua custa sem a dita [ordem] agora nem em tempo algum ter obrigação alguma à dita ermida a qual escritura mandei lançar no cartório do convento e parecia bem feita e assinada por Luis de Andrade público tabelião na dita vila aos vinte dias do mês de Maio do ano presente de mil quinhentos e setenta e um com testemunhas em ela nomeadas e por esta dou licença para que a dita ermida se acabe e faça e a obra vá por diante sem embargo do que pelos ditos visitadores foi mandado e os ditos oficiais e povo a farão à sua custa e ornamentarão de todo o necessário como estão obrigados sem a dita ordem ter nunca em tempo algum obrigação à fábrica e ornamentos da dita ermida a qual em tudo será visitada pela ordem como é a Igreja Matriz da dita vila a quem se anexa esta licença lhe assim dou sem fazer nenhum prejuízo às rendas da dita ordem e da dita Igreja Matriz e pé de altar dela e mando aos visitadores da dita ordem que o cumpram assim inteiramente como nesta carta é contido sem dúvida alguma a qual se tresladará em público no fim da visitação da ordem no livro da câmara dela e dela se passarão certidões nas costas desta carta que para firmeza de tudo lhe mandei
passar e selada com o selo da dita ordem [...] ao derradeiro dia de Maio de mil quinhentos e setenta e um. Como pudemos ler, em 1571, quando o povo se obrigou por escritura a concluir e manter, à sua custa, a nova ermida, o templo era já dado como começado a construir havia anos. Pormenor que não pode deixar de nos surpreender é a celeridade com que todo o processo se desenrolou. De facto, entre o contrato firmado pela Câmara e pelos mordomos da confraria e o despacho do rei medeiam apenas dez dias, prazo extraordinariamente curto se atendermos às dificuldades de deslocação da época e à proverbial morosidade da burocracia. Da edificação deste templo, que coincidiu com a da matriz, poucos documentos chegaram até nós. A este facto não será estranha a natureza popular da sua instituição, certamente pouco propícia à manutenção de um processo escrito. Sabemos, apesar disso, e por notícia que ficou registada nos livros da Câmara Municipal, que, em 1579, os trabalhos de construção estavam ainda em decurso visto que em 7 de Março daquele ano os ditos juiz e vereadores deram licença aos carreteiros desta vila que possam comer em a coutada do Concelho com os seus bois trazendo para o Espírito Santo em cada semana uma carrada pelo menos de pedra. Informação de igual teor, inserida no Compromisso da Confraria do Espírito Santo, dá as obras ainda por concluir em 1603. Voltando ao extracto da acta da vereação atrás reproduzido, este vem confirmar o carácter gratuito de alguns dos serviços prestados durante a construção, retribuídos, no caso presente, pela autorização camarária que permitia a livre pastagem dos bois empregues no acarreto de pedra nos pastos da Coutada do Concelho.
E isto é tudo quanto, ao presente, se sabe dos primórdios da segunda maior igreja de Fronteira. Não se conhecem, com efeito, quaisquer documentos relativos ao Espírito Santo anteriores à segunda metade do séc. XVIII, época marcada por um processo de decadência mas também
de renascimento do templo que lhe permitiria chegar
sofrivelmente conservado ao começo do séc. XX. Falámos de decadência e melhor seria termos falado de ruína já que, por ocasião do terramoto de 1755, o edifício sofreu grandes danos de que deixou notícia o então prior da Matriz, Pe. Manuel Gonçalves Subtil: No terramoto do primeiro de Novembro de mil setecentos e cinquenta e cinco caiu na Igreja do Espírito Santo a metade da abóbada e a capela-mor ficou toda rachada e assim inabitável e se julga que se perderá de todo. Tudo levava a crer que assim acontecesse. Porém, os irmãos da Ordem Terceira de São Francisco de Fronteira que nela tinham a sua capela, requereram ao rei que lhes fosse confiada a igreja, comprometendo-se eles a levar a cabo as obras de reconstrução, à sua própria custa. E assim sucedeu, evitando-se a ruína iminente do templo desde então sede daquela irmandade até à sua extinção em 18 de Abril de 1888. A recuperação do templo não se iniciou imediatamente após o terramoto. Oito anos depois da catástrofe, em 1763, a Ordem Terceira de São Francisco estava ainda sediada na Igreja da Misericórdia. Os trabalhos devem ter-se processado de forma bastante lenta e irregular, à medida das disponibilidades variáveis dos benfeitores, e apenas na década de 1780 nos surgem os indícios que nos permitem afirmar que os trabalhos de reconstrução estariam quase concluídos. Efectivamente, em 1782, a irmandade pagou a António Alexandre, mestre alvanéu, cerca de 35.660 rs. pelos seus serviços durante os meses de Maio e Junho, período em que se nos deparam ainda outros pagamentos feitos a Bernardo Serralheiro pela feitura
das ferragens para a igreja e a um carpinteiro de Cabeço de Vide pela construção das portas. No ano seguinte a Ordem Terceira registou novas despesas com a fabricação de mais ferragens, agora feitas por Manuel Joaquim Parente, de Fronteira, com a compra de um milheiro de tijolos a António Branquinho, e com António Martins Branco, de juntar pedra no castelo cujo desmonte continuava ainda a fornecer grande abundância de materiais de construção para obras públicas e privadas. Em 1784, a reconstrução do templo já se encontrava em fase adiantada, razão que levou os Terceiros a firmar o contrato de construção do novo altar de São Francisco, em virtude da grande indecência do primitivo. Eis o texto do contrato: Aos onze dias do mês de Fevereiro de mil setecentos e oitenta e quatro anos nesta vila de Fronteira e Consistório desta venerável ordem terceira onde se achavam presentes o muito reverendo padre definidor comissário Frei José de Serpa e o nosso irmão ministro o Dr. José Afonso Machado Sacoto e os mais irmãos definidores da Mesa todos abaixo assinados e bem assim João Barreto e João Baptista oficiais de alvanéus e moradores da cidade de Portalegre por todos uniformemente foi ajustado o retábulo do altar do nosso padre São Francisco a saber eles dito João Barreto e João Baptista se comprometeram e obrigaram a fazer o dito retábulo de estuque pelo modo e maneira que se acha no apontamento e risco que fica subscrito por todos e em poder do secretário da ordem pondo eles todo o material e trabalho de suas mãos excepto a areia que for precisa para a dita obra sendo obrigada a dita Mesa a dar-lhe por este trabalho cento e vinte mil réis a saber metade no princípio da dita obra a qual obra se há-de findar até dia de São Miguel da presente era; e a outra metade se repartirá em dois pagamentos dos quais um será no meio da obra e o outro no fim dela e serão mais obrigados a fazer o supedâneo proporcionado ao altar [...] fingindo o dito retábulo de
pedra com as cores mais próprias e perduráveis tudo com o maior asseio perfeição e duração fazendo-lhe também guarnição no apertamento do arco a que são obrigados também e para que se evite toda a dúvida tanto a respeito da obra como do pagamento dela a dita mesa se obriga in solidum a fazer-lhe bom todo o dito pagamento e eles ditos João Barreto e João Baptista obrigam suas pessoas e bens e em especial nomeiam por seu fiador e principal pagador a Manuel Joaquim Pacheco desta vila de sorte que a dita obra será vista e revista no fim dela e achando-se faltar-lhe alguma coisa do dito risco ou estando falsificada eles perderão a importância que se lhes tiver pago e não terão acção para pedi-la até que reponham e satisfaçam ao que se comprometeram sendo assim obrigados a repor o que já tiverem recebido [...]
Enquanto decorria a renovação da capela de São Francisco, continuavam as obras na igreja cujo término poderá ser colocado em 1788 já que nesse mesmo ano a Ordem Terceira procedeu à venda de 90 alqueires de areia que lhe tinham sobejado e satisfez ao já nosso conhecido mestre Manuel Lourenço a quantia de 69.310 rs. relativa à obra da torre cuja bandeira de ferro, isto é, o catavento, foi pela mesma altura lá colocado e pago ao mestre serralheiro António José Barradas, seu artífice. Este período que temos vindo a percorrer e que decorre, grosso modo, até 1800 foi, sem dúvida, o de maior brilho da Igreja do Espírito Santo, e da Ordem Terceira de São Francisco como se deduz do grande número de fronteirenses que nela então professaram. Esse facto permitiu que a recém reformada capela daquela irmandade viesse a sofrer, a curto prazo, novas e dispendiosas benfeitorias. Logo em 1791, na sessão do dia 9 de Fevereiro, a Mesa e mais irmãos determinaram que se fizesse um sanefão para a capela de Nosso Padre São Francisco pela precisão que tinha a dita de um cortinado para melhor compostura da mesma; o que assim
celebrado se ajustou o mesmo com o entalhador José Nunes Serra morador na vila de Estremoz, por vinte e oito mil réis de suas mãos e madeira e ferragem [...]. Além da feitura da sanefa, a Mesa viria a encomendar ainda, no mês de Agosto seguinte, a pintura e douradura da mesma, trabalho adjudicado a José Cardoso, pintor em Estremoz, pela quantia de 18.600 rs. Facto de interesse assinalável no tocante à capela do patriarca da irmandade, de certo modo justificativo dos sucessivos trabalhos de beneficiação levados a efeito, era a existência de uma relíquia do Santo Lenho que aí tinha sido depositada em 1733 como se verá no documento que de seguida se transcreve: Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus cristo de mil setecentos e trinta e três anos aos dezasseis dias do mês de Abril do dito ano nesta cidade de Elvas nas casas de morada e pousada do Senhor Doutor Pedro Lopes de Sá cónego doutoral da Sé desta cidade de Elvas na mesma e [ em ] todo o seu bispado Provisor Juiz dos Casamentos e Justificações de Genere pelo reverendíssimo Cabido sede vacante, etc. Sendo ele dito senhor aí comigo Notário Apostólico por parte do ministro, e mais irmãos terceiros da venerável Ordem de São Francisco da vila de Fronteira deste Bispado lhe fora apresentada uma relíquia da Santa Cruz, em que foi crucificado Nosso Senhor Jesus Cristo pela salvação do género humano, e lhe pediram, e requereram que lha autenticasse, e mandasse que se colocasse na dita capela, julgando-a por verdadeira relíquia. E visto seu requerimento pelo dito senhor, a autenticou conhecendo que armas trazia, e com toda a reverência, e acatamento de joelhos a beijou, e pôs sobre a sua cabeça e cortando-lhe os cordões de retrós encarnado, em que trazia o selo nas costas do dito relicário, viu, examinou e achou que era a própria que em Roma se tinha passado; e mandou que a ela se desse todo o crédito e veneração que à mesma cruz em que o Senhor expirou por remir ao género humano, e que esta se colocasse na capela
dos Irmãos terceiros da vila de Fronteira, e se lhe fizesse uma cruz, na qual se pusesse o relicário e sacrário em que estivesse com toda a boa ordem, e decência, de que teria a chave o ministro e director da Ordem para se mostrar, e festejar nos dias que os ditos irmãos assistirem [...]. Mais importante e mais sintomática do vigor do culto de São Francisco, foi a construção, em 1794, de um novo altar para com mais asseio e decência se conservarem os santos desta venerável ordem, cometida a mestre João Baptista que se obrigou a fazer um retábulo com cinco nichos bem assim como mais seis oratórios colocados nos arcos do corpo da igreja, pela soma de 130.000 rs. Ora, a relativa riqueza da Ordem Terceira e o seu desafogo financeiro acabaram também, como quase sempre acontece em casos que tais, por atrair a atenção dos amigos do alheio que, por alturas do Natal de 1800, levaram da igreja toda a cera bem como os vasos sagrados pertencentes à Confraria do Espírito Santo. Esta confraria teve o seu
Compromisso aprovado em 1603 mas a sua fundação
remontava a época muito anterior, pois que os próprios estatutos referem que há muitos anos que não havia quem a servisse. Durante o séc. XVII viu melhorada a sua situação financeira graças à doação da Herdade das Marrãs, no termo de Avis, feita por D. Margarida de Castelo Branco, com a condição de lhe serem rezadas nove missas por ano, no altar de Nossa Senhora de Guadalupe. Menos afortunada, em termos patrimoniais, era a Ordem Terceira de São Francisco que possuía apenas duas pequenas propriedades - o cerrado do Padre Álvaro e uma courela na Coutada que lhe foi dada em 1790. O grosso dos rendimento provinha-lhe de peditórios em géneros (cereais) e dinheiro e das jóias de admissão de noviços e professos.
Como já foi afirmado, a partir do séc. XIX, assistiu-se à decadência da Ordem Terceira e, consequentemente, ao progressivo abandono da Igreja do Espírito Santo que o próprio reitor ocupava, em 1816, com materiais de alvenaria como é cal, ladrilho e areia, sendo isto bem estranho à reverência do culto, e ao acometimento de nossa religião. Na mesma data, queixava-se amargamente a Mesa da ordem do devassamento que se pratica em entrarem muitas famílias para dentro das grades e irem-se postar no altar do Rei Salvador. Simultaneamente, as dívidas à confraria acumulavam-se e as eleições para a Mesa deixavam de realizar-se por falta de quorum. Em 1856, viria a apear-se a abóbada da sacristia que estava a desabar e outras obras se seguiriam mantendo-se, apesar de todas as dificuldades, o templo aberto ao culto até às primeiras décadas de 1900, facto a que não será totalmente estranho o pormenor de, curiosamente, ser a Câmara Municipal de Fronteira a padroeira da igreja, como se pode ler nos estatutos atrás citados. Das festas que tinham o seu palco na Igreja do Espírito Santo – a da Senhora da Conceição, das Chagas e de São Francisco, entre outras, permitimo-nos destacar, pela sua originalidade, a celebração que tinha lugar em Quinta-Feira Santa, durante a qual era servida uma ceia, com alimentos verdadeiros, aos diversos santos existentes na igreja, colocando-os em redor de uma mesa posta expressamente para o efeito. Conta a tradição que o ágape se repetiu até que um prior da Matriz, quiçá vislumbrando aí vestígios de práticas pagãs a erradicar a todo o custo, pegou num pau e cascou forte e feio nos comensais, razão pela qual, ainda de acordo com a vox populi, o Todo Poderoso o puniu com a paralisia do braço que empunhara o ímpio cacete...
Arquitectonicamente, a Igreja do Espírito Santo era um templo de nave única, coberta por abóbada de berço, com capelas larerais. A capela-mor era, ela também, coberta por uma abóbada do mesmo tipo, se bem que de altura inferior à do corpo da igreja. As capelas laterais devem ter sido em número de oito. Destas, sabemos que cinco delas eram dedicadas a São Francisco, ao Rei Salvador, à Senhora da Conceição, à Senhora de Guadalupe e a diversos santos franciscanos, respectivamente e que a segunda destas possuía um gradeamento. A porta principal abria-se na fachada a poente e a fachada a sul tinha adossadas a si a torre sineira, com quatro olhais e a casa de habitação do ermitão. O templo foi definitivamente encerrado ao culto, em virtude do desabamento da abóbada, em 15 de Agosto de 1929.
4.1.7 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Atalaia Eu Elrei como governador e perpétuo administrador que sou da Ordem e Cavalaria do Mestrado de Avis faço saber a vós Ouvidor do dito Mestrado que pela visitação que [o] Dom Prior do convento da dita ordem fez por meu mandado na igreja matriz da vila de Fronteira se viu a muita necessidade que há de se fazer a dita igreja maior por ser muito pequena e não caber o povo nela pelo que hei por bem que em cada um ano se tomem da renda da dita comenda duzentos e vinte mil reis para a obra da dita igreja além dos duzentos mil que já são mandados tomar e depositar para ela o ano passado pela visitação do ordinário pelo que vos mando que logo com brevidade vades à dita vila de Fronteira e constranjais aos rendeiros do comendador a dar logo com efeito os duzentos mil reis para o que lhes estão embargados os frutos do dito ano passado pelos vereadores do dito ano passado e não os dando fareis vender e arrematar os ditos frutos em pregão até à dita quantia de duzentos mil reis e assim embargareis na mão
dos ditos rendeiros tantos frutos das rendas de cada um ano para que bem se possam haver e arrecadar os duzentos e vinte mil reis que em cada um ano hei por bem que se tomem para a dita obra da igreja em fim de Agosto de cada um ano não tendo os ditos rendeiros pago os ditos duzentos e vinte mil reis ireis à dita vila e dos frutos da dita comenda fareis vender e arrematar em pregão a quantidade deles em que se faça a dita quantia e tudo se venderá pelo preço da terra quer as ditas rendas andem arrematadas quer se recolham pelo comendador e nas mãos de seus feitores fareis o dito embargo de cada ano e todo o dinheiro que se juntar e arrecadar pelo modo que dito é para a dita obra e fareis depositar dentro no convento da dita ordem em mão do Prior da fábrica dela e se juntará todo dentro em uma arca que para ele se comprará do mesmo dinheiro de três chaves e uma delas terá o dito Prior e outra o dom prior e a outra o freire que for escrivão da fábrica para que este arrecade e mando ao dito dom prior que tanto que na dita arca estiverem juntos mil e quinhentos cruzados e daí para cima me o faça saber para mandar meter em pregão a obra da dita igreja ou se mandar fazer outra de novo para haver duas freguesias como então me parecer bem e mais necessário e do dito depósito fareis autos e escrito em um livro assinado por vós e pelo dito dom prior e Prior da fábrica o qual livro estará dentro na dita arca para em todo o tempo por ele se tomar conta do dito dinheiro hei por bem que este alvará se cumpra posto que não passe pela chancelaria da dita ordem. Francisco Coelho o fez em Almeirim a dez de Janeiro de blxxi.
O alvará de D.Sebastião acima transcrito constitui, por assim dizer, a certidão de nascimento da actual igreja matriz de Fronteira, se bem que a sua construção propriamente dita só se viesse a iniciar, cinco anos depois, em 1576, prolongando-se as obras até 1594, data em que a lápide existente na frontaria as dá por concluídas.
Como se viu, a primitiva matriz tornara-se já, naquela época, demasiado exígua para acolher os moradores da vila, circunstância que levou o soberano a considerar duas alternativas – a da ampliação do edifício da matriz já existente e a da edificação de um novo templo, com a criação de uma nova freguesia – acabando, contudo, por se adoptar uma solução algo diferente já que, se bem que se tenha optado pela construção de raiz, se manteve a antiga organização eclesiástica.
Antes de nos alongarmos mais detalhadamente sobre a actual igreja matriz, permita-senos que, na medida do possível, lancemos alguma luz sobre a primitiva matriz de Fronteira. A mais antiga notícia a seu respeito até agora localizada atesta da sua existência, bem como da da igreja de Santiago, sua filial, em 1236, sendo estas as únicas igrejas então existentes. A matriz volta a ser referida na documentação do Cabido da Sé de Évora em 1279 e, em 1320, no inquérito a que então se procedeu para apuramento da décima de todas as rendas eclesiásticas, concedidas pelo papa João XXII a D. Dinis, a título de subsídio de guerra contra os mouros, a igreja de Santa Maria de Fronteira surge-nos como uma das mais rendosas do reino. Mais tarde, em 1534, o visitador da Ordem de Avis deixou registado que achara a dita igreja muito bem servida no espiritual e os fregueses confessados e comungados . Porém, no temporal, o documento menciona que
a
prata da dita igreja era toda do
concelho da dita vila e somente um cálice que é da ordem e porque achei que um dos cálices do concelho era quebrado mando já aos Juizes Vereadores e oficiais da dita vila que até dia de Natal primeiro que vem mandem juntar o dito cálice
[...]E assim
mandou aos sobreditos oficiais que eles desfaçam o turíbulo velho de prata que anda na dita igreja por ser velho e antigo e mandem fazer outro de três marcos de prata bem feito e bem obrado. De igual modo mandou ainda que se pusesse na pia de baptizar um varão com seu cadeado e chave de maneira que esteja bem fechada. Em posterior visitação, aos 8 de Março de 1577, o Prior Mor do convento de Avis, D. António Mimoso, deixou-nos informações bem mais detalhadas acerca da igreja. Através delas ficamos a saber que o prior de cuja obrigação era a celebração das missas dominicais e das festas, tinha de ordenado 20.000 rs. em dinheiro a que acresciam quatro moios de trigo, dois de cevada, a metade do pé de altar da matriz e todo o das ermidas anexas. O prior era acolitado por quatro ajudadores que recebiam, cada um, anualmente, dois moios de trigo, um de cevada e um oitavo do pé de altar da matriz. Concretamente, no que à igreja se refere, o visitador deixou-nos algumas breves informações sobre o seu interior: Primeiramente visitámos o Santíssimo Sacramento o qual está em o altar mor em um sacrário de madeira bem consertado e dourado e metido em um cofre forrado de veludo de fora e de dentro com sua fechadura de prata o qual sacrário está pegado em um retábulo do dito altar dourado e bem consertado o qual se fez novo [por] duzentos mil reis. E nos altares travessos outros dois da mesma traça do do altar mor. Daqui se conclui que a antiga matriz apresentava três altares e que a decoração da capela mor tinha sido recentemente beneficiada com a restauração do retábulo. Dos outros dois
- os
altares travessos
-
um deles, pelo menos, era de instituição
particular como se infere das palavras do prior mor:
Porque achamos ser indecente dizer-se a missa do dia em a capela mor mando que daqui em diante se diga em a capela de Pero Varela estando aí os cantores ou no coro. Como se vê, também a existência de um coro fica atestada. Por esta altura, já se tinham iniciado os trabalhos de construção da nova igreja, facto também ele comprovado pela observação do visitador de que a obra da igreja nova vai devagar por não se tomarem mais de 220.000 rs. em cada um ano. Chegados a este ponto e se bem que elucidativa em relação a certos aspectos, o facto é que a documentação disponível a que tivemos acesso não lança a mínima luz sobre outras questões da maior importância para a história da localidade, tais como a da localização da primeira matriz de Fronteira. Onde terá sido edificado esse templo que durante três séculos e meio serviu a população local até que o crescimento desta obrigou ao seu abandono e profanação? Certamente, julgamos nós, dentro da cerca muralhada ou no interior do próprio castelo. Mas, nessa exacta localização surge-nos não a igreja de Santa Maria mas, sim, uma igreja de Santa Iria. É, pelo menos, o que nos afirma, reportando-se às primeiras décadas do séc. XIX, o já tantas vezes citado autor das Antiguidades de Fronteira : Durava ainda uma tradição de que Santa Iria fora o Orago desta freguesia; começavase porém a duvidar por não restar notícia ou indício da sua situação. Mas vindo-me, há pouco, às mãos o resto de um livro de Visitas dos Priores Mores, que andava alienado, achei a f. 14, que em 18 de Maio de 1588 ainda a Igreja de Santa Iria existia no pátio do castelo, mas tão imunda, que se lhe mandou tapar a porta para se não dizer lá missa
[...] Teríamos, assim, muito provavelmente, duas igrejas intramuros: a de Santa Maria e a de Santa Iria. Porém, não foi encontrada qualquer referência a esta última, nem na
documentação dos sécs. XIII e XVI por nós citada, nem tão pouco em outra documentação relativa às igrejas de Fronteira, exaustivamente inventariada pelo erudito Pe. Henrique Louro no seu trabalho, referido na bibliografia. Adensando mais ainda a confusão existente, há já, em 1564, referências a uma Igreja de Nossa Senhora da Atalaia, que não podia ser, de modo algum, a actual matriz Ora, o que acontece é que a primitiva matriz é referida por várias invocações, o que induz em erro o investigador. Senão, vejamos: em 1564, foi passado ao Pe. Diogo Peres Vilarte um alvará de mantimento com o Priorado da Igreja de Nossa Senhora da Atalaia. Treze anos depois, o Prior-Mor de Avis, ao visitar Fronteira, deixou no auto da visitacão a notícia de que é a igreja da dita vila da invocação de Nossa Senhora na qual achou por prior da dita igreja a frei Diogo Vilarte. Mais ainda: em 1534, outro visitador da ordem deixou memória da sua visita à igreja de Santa Maria de Fronteira. Temos assim que, as três invocações mencionadas se referem a um mesmo templo, a primitiva matriz, da qual o novo templo herdaria a sua invocação. Visto isto, tornemos à actual matriz. Como antes se afirmou, os trabalhos de construção deste templo iniciaram-se em 1576, progredindo lentamente e nem sempre da melhor maneira, o que provocou diversos agravos do povo e governança da vila, como viria a suceder em 1582 quando, a 10 de Março, na sessão da Câmara, o procurador do concelho requereu ao juiz e vereadores da parte de elrei nosso senhor que eles provessem na obra da igreja e lhe mandassem ao mestre António de Góis que faz a dita igreja com muita brevidade
[...].
Em face deste requerimento logo os ditos vereadores requereram ao licenciado Francisco Lobo juiz de fora nesta dita vila que ele tinha uma provisão de sua majestade para ele dito juiz conhecer a obra da dita igreja e que eles eram informados que mestre
António de Góis não fazia a dita obra senão muito devagar e com poucos oficiais e que a obra que fazia era com terra e não com cal portanto lhe requeriam a ele dito juiz da parte de elrei nosso senhor [que] ele dito juiz olhasse pela dita obra e a fizesse fazer ao dito mestre [...]. Como se vê, maus mestres e piores obras sempre os houve... Diga-se, porém, em abono da verdade, que as circunstâncias que então se viviam não eram as melhores para a execução de boas empreitadas. Recorde-se que, na mesma época, decorriam os trabalhos de edificação das igrejas da Misericórdia e do Espírito Santo, qualquer delas empreitada de vulto, exigente em mão de obra. Por outro lado, o surto pestífero que, dois meses antes, se declarara em Portalegre, Gáfete e outras localidades, obrigara os responsáveis locais a fechar a terra e a decretar que os que vierem de terra impedida lhe será dado seu degredo na ermida de São Miguel onde estarão trinta dias ou aquilo que bem parecer. Acresce ainda que a época da edificação da matriz coincide com um grande surto de construções religiosas no Alto Alentejo, estimulado pelo movimento contra-reformista o que, certamente, terá provocado uma escassez de mão de obra especializada, notória na queixa registada sobre o pequeno número de oficiais ocupados na obra da matriz. Apesar de todos estes contratempos, o facto é que a nova igreja começou a ser utilizada muito antes de ficar concluída dado que a sua antecessora não apresentava já condições que permitissem a celebração do culto com um mínimo de decência. Finalmente, em 1594, as obras de arquitectura ficaram concluídas prosseguindo, porém, a ornamentação e os arranjos do interior do templo que decorriam ainda em 1595, ano em que diferentes perspectivas sobre a decoração do altar mor fizeram deflagrar um conflito entre o prior e o povo e a governança da vila... Com efeito e para não nos alongarmos demasiado, o caso conta-se em poucas palavras.
Naquele ano, o comendador de Fronteira, D. Lucas de Portugal, mandara vir a esta vila os mestres Gaspar Pereira, carpinteiro e Diogo Bernardes, pintor de têmpera, com o fim de construir e assentar o retábulo do altar principal Ora, concluída a obra e assente o novo retábulo na capela, decidiu o prior expor, juntamente com o ornamento novo, um retábulo podre, carunchoso e desdoirado. Este último retábulo cujas peças se encontravam nas casas da Câmara para onde haviam sido levadas pouco antes, era certamente proveniente da antiga matriz, entretanto já encerrada ao culto, onde o Prior-Mor de Avis o tinha encontrado, como atrás ficou dito, em 1577, tendo-o então descrito como dourado e bem consertado. Contra aquela atitude do prior reagiram prontamente o povo, a maior parte dos religiosos e a gente da governança da vila que apelaram para o então Prior-Mor do convento de São Bento de Avis, D. Francisco de Avelar. Este, sem poder de decisão sobre matéria que não era da sua competência, alvitrou que se escrevesse ao rei expondo-lhe o inconveniente e sugerindo, ao mesmo tempo, que se aumentasse o retábulo novo aproveitando-se nele algumas das imagens e o crucifixo do velho o qual, por sua vez, se colocaria num dos outros altares evitando-se assim a tentação de, nas palavras do Prior-Mor, fazer bom vestido de capa velha misturada com pano novo. Tal solução de compromisso parece ter sido a contento de ambas as partes já que alguns dos painéis do antigo retábulo, muito provavelmente em número de sete, terão ficado a servir conjuntamente com os cinco pintados expressamente para o altar da recém construída matriz. Graças ao contencioso então surgido, chegou até nós uma primeira descrição do interior da nova igreja, se bem que muito limitada. Não existem, tanto quanto o saibamos, quaisquer outras descrições contemporâneas do templo pelo que, para traçar um retrato minimamente fidedigno, teremos de recorrer aos elementos compilados muito mais
tarde, por ocasião da elaboração de um novo tombo dos bens da Comenda de Fronteira, em 1760, antes, porém, das grandes obras dos séculos posteriores que lhe viriam a conferir a sua actual fisionomia. Dada a extensão dos autos de medição a que então se procedeu, limitar-nos-emos aos aspectos mais significativos dos mesmos, remetendo o leitor mais interessado para trabalho nosso já publicado e referido na bibliografia.
Medição da Capela-Mor
[...] é o tecto da dita capela-mor de abóbada com seus lavores embutidos na mesma, e no meio tem uma clarabóia; não tem esta capela-mor tribuna em que se exponha o Santíssimo Sacramento, de que muito necessita, e tem a mesma um retábulo muito velho, que está todo ameaçando ruína com perigo evidente que está por detrás do sacrário encostado ao espaldar da parede que apanha a largura do meio da dita parede com bastante altura o qual tem doze painéis pintados, que um deles tem a imagem de São Bento que está por detrás do sacrário, e dos lados estão também pintados os quatro evangelistas, e por cima deste se acham os sete, que mal se conhecem por terem gastas as pinturas e têm seus frisos que mostram terem sido dourados, e no meio deste retábulo está um nicho de madeira que mostra ter sido doirado onde está uma imagem de vulto a que hoje dão por invocação o título de Nossa Senhora da Atalaia, e tem esta Senhora um manto de seda azul com renda de prata fina forrado de encarnado, que lhe deu uma devota, e tem outro manto branco já usado, e outro roxo velho, e não tem coroa de prata; tem um Menino no braço de vulto que nasce da mesma imagem, que dizem ser o orago desta vila, e protectora dos comendadores da comenda dela, e não há notícia que se faça festividade a esta imagem
no tempo presente; porém sim que lha faziam antigamente; e no alto do dito retábulo está uma imagem de um crucifixo muito velho a qual é de vulto e está caindo [...] o altar é de alvenaria e tem de alto uma vara, e de largo pela parte de cima uma vara, e de comprimento três varas menos três dedos, e em cima dele está o sacrário de madeira, levadiço, que é bastante usado, e é dourado por fora e por dentro, e tem uma banqueta de cada lado de madeira, pintadas, mas muito velhas, e por remate do mesmo sacrário está uma imagem do Menino Jesus de vulto, e de vestir, e dos lados em cima das banquetas do da parte da epístola está a imagem do Senhor São José com o Menino Jesus pela mão tudo de vulto, e da banda do evangelho tem a imagem da Senhora Santa Ana com Nossa Senhora, no braço que também são de vulto tem a dita santa resplendor, e a Senhora coroa tudo de prata tem mantos de várias cores que lhe têm dado as mordomas e zeladoras [...]. Tem duas sacristias uma da parte da epístola, outra do evangelho, a do evangelho é onde se recolhem por favor à Irmandade do Santíssimo os seus ornamentos [...] e a sacristia da parte da epístola, que é a dos clérigos [...]. Temos, assim, descrita a capela-mor. Recorde-se que à época esta capela não tinha a profundidade actual, acabando todo o edifício no mesmo plano, do lado do poente. As obras que lhe viriam a dar o seu presente aspecto datam de 1780 e foram integralmente custeadas pelo então comendador de Fronteira, D. José de Portugal, Conde de Lumiares. A nova capela mor foi inaugurada nesse mesmo ano, a 15 de Julho, com uma missa solene celebrada pelo Prior-Mor do Convento de Avis, depois de para aí ter sido transladada, com solene procissão por toda a vila, a nova imagem de Nossa Senhora da Atalaia que ainda lá se encontra ao presente. A atribuição do orago da vila a Nossa Senhora da Atalaia não é questão isenta de polémica. Como se viu, o primitivo orago da vila era Santa Maria, padroeira da primeira
matriz e haverá ainda que ter em conta que, pouco depois da construção do novo templo, o Compromisso da Confraria do Espírito Santo ao referir as missas a rezar por alma de uma benfeitora, menciona expressamente o seguinte: Dia da Srª das Neves a 5 de Agosto que é dia de guarda nesta vila por ser dia do Orago. Acresce ainda que o culto de Nossa Senhora da Atalaia não vingou, depressa caindo em desuso a celebração da sua festa. Porém, ainda hoje, a única padroeira indiscutivelmente reconhecida pelo povo é Nossa Senhora da Vila Velha. Findo este breve esclarecimento, transcrevemos de seguida a descrição do novo retábulo da capela-mor, feita poucos anos depois da sua conclusão: Principia este retábulo por uma bancada de socos azuis de três palmos de alto, sendo o seu planteado côncavo pela frente, com quatro colunas na mesma frente todas de pedra azul lustrada. Segue-se sobre esta primeira bancada uma Segunda de envazamentos, e depois o corpo do pedestal com sua simalha; segue-se terceira bancada de socos e envazamentos sobre esta simalha, e depois duas colunas, a que encosta a boca da tribuna; e são estas revestidas com um pilar nobre pela parte de trás. Cada uma destas ditas colunas ressalta para uma outra coluna por um côncavo, em cujas extremidades ficam unidas e estas últimas colunas são encostadas por umas pilastras brancas com um embutido de pedra encarnada, e fecham por ambos os lados com as paredes da capela mor por um espaldar branco encostado a uma pilastra azul. Todas as quatro sobreditas colunas são coroadas com uns capitéis compósitos, e depois segue-se uma bancada de arquitrave com seu friso e simalha. Do prumo das pilastras da parede nasce um arco que coroa as mesmas em o prumo das colunas da frente que encostam à boca da tribuna, coroa uma simalha de [.?.] superior à que vai para o
tímpano, que termina o dito retábulo e no intervalo deste tímpano acha-se uma pedra de glória com três serafins, e em cima uma custódia. O altar que serva nesta capela mor tem três palmos de saliente para fora dela, e é composto de pedra mármore. Encostam a este duas represas que recebem uma banqueta de mármore azul lustrado [...]. A boca da tribuna que fica na mesma prumada tem dezanove palmos, e é toda da mesma pedra azul lustrada, e coroada com uns saiméis no envazamento da volta e o resto dela redondo, e coroado com um majestoso ornato branco que de dentro dos olhos das volutas sai uma grande silva de festões maravilhosamente construídos. Toda esta obra digna de admiração não só pelo bem desempenhado de suas proporções como pela delicadeza com que se acha construída é feita de pedra mármore extraída das vilas de Estremoz e Borba e a sua arquitectura não inveja as melhores da Europa.
Inicialmente, a capela-mor achava-se coberta por uma cúpula, encimada por um zimbório onde estava instalado um espelho que reflectia a luz para o seu interior dado que não existiam, então, quaisquer janelas. A decoração desta capela era constituída, como vimos, por um grande retábulo com doze painéis cuja proveniência já antes referimos. De igual modo, os altares colaterais eram bastante menos fundos, situando-se os seus retábulos à boca das actuais capelas em cujo interior se localizavam as duas sacristias então existentes. Destas, a sacristia e altar do lado do Evangelho, o de São Bento da descrição, foram, em 1785, convertidos no altar do Santíssimo Sacramento, obra orçada em 70.000 rs. e custeada pela respectiva confraria. É actualmente o altar de Nossa Senhora de Fátima. Esta capela do Santíssimo Sacramento estava, em 1818, de acordo com uma descrição
da época, pintada de encarnado com seus filetes roxos , cores também utilizadas na decoração da capela do Senhor dos Passos. Igual destino teve, em 1802, a sacristia do lado da Epístola convertida também ela em capela mantendo, contudo, o orago do altar primitivo que era a Senhora dos Prazeres só muito posteriormente substituído pela invocação do Sagrado Coração de Jesus. Data desta época a construção de uma pequena casa, adossada ao muro exterior desta capela que ficou servindo de sacristia. A actual sacristia viria a ser construída em 1816, aproveitando a já existente no local e construindo um acrescentamento para a parte do poente. Data desse ano a aquisição, em Lisboa, por 60.000 rs., do lavatório de pedra mármore ainda aí existente. Esta sacristia nova viria a ser alvo de nova intervenção em 1831 abrindo-se então a passagem que dá acesso à tribuna para exposição do Santíssimo, obra apenas concluída em 1842. Simultaneamente, durante os anos de 1835 e 1836, a capela-mor sofreu nova intervenção durante a qual se elevou o nível do pavimento colocando-se, igualmente, as pilastras de mármore à boca da capela.
Corpo da Igreja desde o degrau do arco cruzeiro até à porta principal
[...] Tem esta igreja da parte da epístola cinco janelas cujos portados delas são de pedra arneira, duas das quais estão abertas, e três tapadas de cal, e tijolo, as abertas tem cada uma duas grades de ferro [...] e da mesma parte, tem três altares um de Nossa Senhora do Rosário, que está em cima de uma árvore na qual estão os ascendentes de Nossa Senhora, e no nicho donde nasce esta árvore está a imagem de vulto, deitada com o letreiro que diz José. Abaixo desta outra capela, que tem por fora suas grades de ferro altas, que tem a imagem de São Francisco, e é de vulto de cuja capela é administradora Dona Catarina Matilde Moniz de Castelo Branco viúva de Francisco
de Morais de Borba, e moradora na cidade de Évora; e logo abaixo desta capela passando a porta travessa está outra do Senhor São Luís que instituiu, e mandou fazer Frei Luís Matinca [...] e junto a esta capela está um mausoléu de pedra que sustentam dois leões metido parte dele na parede no qual foi sepultado o dito instituidor, e da parte do Evangelho [i.e. da Epístola] tem dois altares, um deles com a imagem do Senhor dos Passos de vulto que é da irmandade do mesmo Senhor, e o outro tem a imagem do Anjo Custódio, que é de vulto e tem sua irmandade. [...] Tem esta igreja oito colunas de pedra arneira e de esquadria, que vem a ser quatro por banda nas quais se sustenta o tecto que é de madeira, e todo apainelado o forro, que está sem pintura. [...] Tem o chão a metade de tijolo, e a outra metade de campas de pedra mármore com suas armas esculpidas. E no arco da capela mor para dentro do chão dela se acham três campas de pedra mármore no meio das quais está a dos comendadores desta comenda.
Na descrição do corpo da igreja constatamos a existência de um altar de Nossa Senhora do Rosário que apresentava ainda o seu aspecto original, em madeira, com a figuração da Árvore de Jessé. Esse retábulo foi, em 1806, substituído pelo actual, em gesso. Além da decoração já mencionada, existia ainda neste altar uma pintura das Almas, visto ter ali a sua sede a confraria do mesmo título Seguia-se-lhe o de São Francisco, actualmente de Santo António, em talha, protegido por gradeamento de ferro, cabeça do morgado e jazigo dos Morais de Fronteira, mandado erigir pelo instituidor do vínculo, Francisco Lopes de Morais a quem, para o efeito, se passou provisão em 12 de Fevereiro de 1607. Para além da imagem do padroeiro, este altar tinha ainda as imagens de Santa Catarina e da Senhora da Lapa.
Este foi o altar que, à excepção do de São Luís, conservou até mais tarde o seu trabalho de madeira, com belas pinturas, ainda existente em meados do século XIX. O terceiro e mais moderno dos altares do lado do evangelho é o de São Luís cuja edificação foi autorizada por provisão de D. João V, de 20 de Setembro de 1732: Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves d´aquém e d´além mar em África Senhor de Guiné etc. como Governador e perpétuo Administrador que sou do mestrado, cavalaria e ordem de São Bento de Avis: Faço saber aos que esta minha Provisão virem, que tendo respeito ao que me representou por sua petição Frei Luis Matinca Frei professo da dita ordem, e beneficiado na Igreja matriz da vila de Veiros para haver de lhe conceder licença de erigir uma capela de invocação de São Luis na Igreja Matriz da vila de Fronteira, donde é natural para perfeição e adorno da mesma igreja sem prejuízo algum dela; o que visto por informação do Juiz da Ordem da Comarca de Avis, em que foi ouvido por escrito o Prior da referida Igreja de Fronteira, e resposta do Procurador geral das ordens: Hei por bem e me praz, de conceder-lhe a dita licença de poder fazer a dita capela; fazendo primeiro ao menos quatro mil reis de fábrica em bens livres, de que fará escritura perante o juiz da ordem da mesma Comarca ficando um treslado na mesma Igreja; e outro na Secretaria da dita ordem; e outrossim fará ele dito beneficiado termo de fazer a dita obra sem prejuízo algum da Igreja, obrigando-se a qualquer que dela possa resulta. Pelo que mando ao sobredito Juiz da ordem, que na forma referida cumpra e faça cumprir esta minha Provisão, como nela se contém, sem dúvida alguma, sendo passada pela chancelaria da ordem, e valerá como carta, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo de qualquer outra ou regimento em contrário. El Rei nosso senhor o mandou pelos Doutores Frei Miguel Barbosa Carneiro, e João Cabral de Barros, deputados do
despacho do Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens. Francisco Ferreira de Araújo a fez em Lisboa oriental a vinte de Setembro de mil setecentos, e trinta e dois anos.
Notável obra de talha polícroma com duas colunas salomónicas ladeando a imagem de São Luís, o altar é coroado por um florão sustentado por dois anjos onde se inscreve a flor de lis da Casa Real de França, elemento várias vezes reiterado em composições heráldicas patentes na base do retábulo e na mesa do altar. Construído entre 1733 e 1760, este altar faz parte, juntamente com um quadro de fundação ainda existente e com um mausoléu de que apenas restam os suportes, do conjunto tumular do seu instituidor, Frei Luis Matinca. O quadro de fundação, situado a escassos centímetros à direita do arco do altar, é constituído por uma placa de mármore rectangular, com 73 X 56 cm., com a seguinte inscrição: ESTA CAPELA DE SAM LUIS FES A SUA CUSTA FR LUIS MATINCA NATURAL DESTA VILA DE FRONTEIRA NO ANNO DE 1733. À direita desta lápide, cravados na parede a pouca altura do chão, encontram-se os dois suportes em forma de leões que são tudo quanto hoje resta do mausoléu cuja arca funerária deve ter sido removida do local ou talvez ocultada na espessura da parede no período que medeia entre a medição da igreja e os finais do primeiro quartel do século passado. Quanto aos altares do lado oposto do templo, o dos Passos foi reedificado em 1764, à custa da irmandade do mesmo nome, e reformado e feito de estuque em 1804, tal como viria a suceder com o do Anjo Custódio, actual altar de Nossa Senhora da Conceição, em 1806, graças ao produto da venda de uma cruz de prata do Anjo Custódio. A imagem da Senhora da Conceição então existente era proveniente da Igreja da Vila Velha. De entre as manifestações de culto levadas a efeito por aquela irmandade destacava-se, por motivos óbvios, a Procissão dos Passos que, com grande solenidade, percorria as
ruas da localidade ao longo de um itinerário assinalado por passos, como ainda hoje sucede em muitas localidades. Esses passos eram constituídos por tábuas pintadas, resguardadas em nichos e protegidas por portadas de madeira, sendo conhecida a localização de apenas três dos então existentes que se situavam, respectivamente, no Adro, na Rua de Avis e no Largo das Albardeiras, este último provavelmente na casa que faz esquina com a Rua da Lagoa. Paralelamente à Irmandade dos Passos, também a da Misericórdia participava activamente nesta procissão, tendo então lugar um dos seus bodos anuais. Esse bodo originariamente composto de sardinhas fritas, vinho e confeitada foi, com o passar dos anos, reduzido na sua prodigalidade até desaparecer. O corpo da igreja encontrava-se então ainda coberto pelo tecto original de madeira apainelada. As abóbadas de alvenaria só viriam a ser construídas em 1784, sob a direcção do mestre alvanéu Manuel Lourenço, tendo ficado concluídas em 1789. Essas abóbadas não chegaram, porém, aos nossos dias. Apesar das reparações sofridas em 1850 e 1878, o seu estado de ruína iminente obrigou a que a igreja fosse encerrada ao culto, depois de vistoriada, em 16 de Abril de 1939. As obras de restauro foram iniciadas, com repique de sinos, a 20 de Junho de 1944 tendo ficado assinaladas pela morte trágica de um alvanéu arrastado pela queda da abóbada central, no dia 6 de Julho do mesmo ano. Estes trabalhos de reconstrução foram financiados graças a uma comparticipação oficial de 60.000$00 e ao dinheiro angariado em peditório pela Conferência de São Vicente de Paula desta localidade.
O pavimento do templo, inicialmente de terra, surge-nos já dividido numa área coberta de tijolo e noutra ocupada por sepulturas
de pedra mármore, com suas armas
esculpidas. A descrição de 1818 traça o mesmo retrato mas fala apenas em pedaços de tijolo, denotando a grande degradação da área pavimentada e refere ainda uma zona com estrados de madeira bastante desiguais e em muito desarranjo e a maior parte do chão do templo sem coberta alguma mais que a superfície de terra das sepulturas. A informação sobre as campas brasonadas merece que nos detenhamos um pouco sobre o assunto. É notório o pequeno número de documentos heráldicos existentes actualmente em Fronteira, facto tanto mais de estranhar quanto esta povoação foi alfobre de várias famílias com lugar nos nobiliários – Aguiares, Correias, Gamas Lobos, Garcias Monizes, Martelos e Morais, entre outras. Muito desse silêncio ficou, sem dúvida, a dever-se às sucessivas transformações sofridas pelo pavimento da igreja que culminaram, em 1836, com a venda em hasta pública de 36 campas de pedra mármore cujo produto (76.000 rs.) se destinou ao financiamento do estradamento da igreja que só viria a ficar concluído em 1842 o que, como é fácil de ver, só foi possível graças ao facto de terem sido proibidas as inumações no interior e nos adros das igrejas, passando essas funções para os cemitérios paroquiais. Dessa grande quantidade de sepulturas então existente, apenas cinco chegaram até ao presente e isto porque se localizavam fora do corpo da igreja. Temos, então, no actual altar de Nossa Senhora de Fátima, primitivo altar do Santíssimo Sacramento, as seguintes lápides sepulcrais epigrafadas: sepultura de Baltazar Dias e de seus herdeiros, sepultura de Pedro Varela e a sepultura de Diogo Fernandes, de sua mulher Branca Lopes e de seus herdeiros.
No altar do Sagrado Coração de Jesus encontra-se a sepultura de António Gonçalves de Larache e dos seus herdeiros. Deste António Gonçalves ou de algum familiar seu deve ter derivado o topónimo Larache que ainda hoje designa a zona nas traseiras do topo sul da Rua dos Trigueiros. Da quinta sepultura, falaremos oportunamente. O cemitério de Fronteira, construído no Rossio do Espírito Santo, foi inaugurado e benzido solenemente a 27 de Novembro de 1836, data em que se para aí se procedeu à trasladação solene dos ossos enterrados na matriz, apesar dos muros que o cercam não terem sido ainda construídos. Se bem que levantados logo no ano seguinte, a qualidade da sua construção provocou a justa indignação dos moradores da vila visto que já estavam parcialmente caídos em 1838, permitindo a entrada de porcos que desenterravam os cadáveres. Voltando às sepulturas existentes no interior do templo, permita-se-nos uma última observação : a medição dá como pertencente aos comendadores de Fronteira uma das campas situadas na capela-mor. Ora, tal afirmação não está correcta dado tratar-se da sepultura de Martim Vaz Freire, comendador da comenda de Santa Marta de Cerzedelo, na Ordem de Cristo, e de sua esposa D. Isabel Godinho, sendo ainda visível sobre a pedra tumular um escudo esquartelado onde são reconhecíveis as armas dos Carmonas. Quanto ao túmulo dos comendadores de Fronteira, esse situava-se no convento de Santo António, numa cripta existente sob um dos altares.
Medição do alpendre de fora da igreja
Tem este alpendre de comprimento três varas, e meia terça, e de largo seis varas e meia, acha-se este alpendre com dois portados, e um arco no meio tudo de pedra arneira [...] tem uma cruz da parte da epístola de pedra jaspe com seu calvário de pedra arneira, e o mais baixo é de alvenaria de tijolo e cal; e da parte do evangelho
está uma cruz de azulejo com painel do mesmo, e nele os martírios da Paixão de Cristo Senhor Nosso, e um letreiro que diz assim – esta cruz mandou fazer Pedro António da Gama da Fonseca Lobo no ano de mil e setecentos e três.
Nesta parte da igreja cujo aspecto era, essencialmente, igual ao que hoje nos apresenta, haverá que realçar a existência de duas cruzes, uma delas integrada num painel de azulejos e outra, semelhante às que se podem ainda ver dos lados da porta principal. Sabe-se que em 1818 a última destas cruzes já deveria ter sido apeada dado que a medição levada a efeito nessa data a não menciona referindo, contudo, o painel de azulejos. Que destino teve este painel? Não o sabemos. É possível que tenha sido destruído mas não é de excluir a hipótese de ainda se encontrar na sua localização primitiva se bem que oculto pela argamassa e pela cal da parede. A maior alteração no aspecto do pórtico ficou a dever-se à instalação do portão e gradeamentos de ferro, elementos sobre os quais não nos foi possível recolher qualquer informação.
Frontaria da dita Igreja
[...] e por baixo da dita cimalha real está o brasão das armas dos Portugais esculpido em pedra jaspe o qual o seguram dois anjos feitos da mesma pedra, e por baixo das mesmas armas na mesma pedra delas está um letreiro que diz as palavras seguintes: Dei pare virgini sacrum Anno MDLXXVI inchoavit D. Franciscus de Portugal filius D. Francisci Gama comitis ividigarensis; et D. Guimaris Villensis, eques sciteriensis, templi frutibus donatus,
conciliarius Sebastiani Regis; perfecit, dicvitque filius D. Lucas de Portugal anno MDXC4 [...].
Tal como o painel de azulejos atrás mencionado, também os tenentes do escudo dos Portugais, os dois anjos, desapareceram sem deixar rasto e é esta a grande alteração que há a assinalar na frontaria da Matriz. Quanto ao letreiro, a leitura feita pelo medidor não foi a mais correcta pelo que aqui se dá a sua transcrição exacta: VIRGINI DEI PARAE SACRUM ANNO MDLXXVI INCHOAVIT D FRANCISCUS DE PORTUGAL FILIUS D FRANCISCI
GAMAE
VILLANENSIS CONSILIARIUS
EQUE Q
COMITIS
IVIDIGUERENSIS
SCISTERCIENSIS
ECONOMUS
TEMPLI
CUBICULARIUS
ET
D
FRUTIBUS
GUIMARIS DONATUS
SEBASTIANI
REGIS
PERFECIT DICAVIT QUE FILIUS D LUCAS DE PORTUGAL ANNO MDXC4 O que se poderá traduzir da seguinte forma: “Começou este templo no ano de 1576 D. Francisco de Portugal, filho de D. Francisco da Gama Conde da Vidigueira e de D. Guiomar de Vilhena, cavaleiro de Cister, premiado com os bens e frutos deste templo, conselheiro e camareiro mor do rei D. Sebastião e acabou e dedicou o dito templo à Virgem Maria Mãe de Deus, D. Lucas de Portugal, filho do dito senhor no ano de 1594”. Para os leitores a quem a genealogia possa interessar aqui fica a nota que os referidos D. Francisco e D. Lucas eram, respectivamente, filho e neto do grande Vasco da Gama.
Medição da dita igreja pela banda de fora da parte da Misericórdia que fica para o Norte Tem de comprimento trinta e seis varas e meia terça, com três postes de alvenaria para maior segurança da parede [...] tem entre dois postes dos três já acima declarados, um pé carneiro onde se metem os ossos dos defuntos [...]
Existiram apenas, até à realização das obras de reconstrução das abóbadas do presente século, seis dos actuais dez “gigantes” que reforçam as paredes da igreja. Quatro deles localizavam-se a poente das portas laterais e dois a nascente das mesmas portas. Entre os dois primeiros que se situavam do lado da Igreja da Misericórdia erguia-se um pé carneiro ou ossário onde se depositavam os ossos exumados do cemitério circundante. O aspecto do muro do lado sul apresentava diferenças significativas. Para além da sacristia que já referimos quando falámos da capela da Senhora dos Prazeres, existia ainda deste lado da igreja uma outra construção, a tribuna da capela do Senhor dos Passos. Este lado da igreja era, por excelência, a zona cemiterial razão porque existiam na parede desse lado cerca de seis cruzes. Destas seis, três estavam postas em conjunto, servindo de calvário, acompanhadas da seguinte legenda : Esta obra mandou fazer Pedro da Vide Pais Capitão-Mor desta vila e sua mulher Dona Cristina Cardosa em o ano de mil setecentos e três. Das restantes três, só uma apresentava um letreiro : Esta cruz mandou fazer Pedro Francisco Martelo.
Arquitectonicamente, a matriz de Fronteira é um templo de três naves, originalmente com cobertura de madeira, suportada por oito pilares de secção quadrangular. A
frontaria apresenta uma galilé, a que se acede por uma serliana, sobre o qual se erguem as torres sineiras com seis olhais, cobertas por cúpulas baixas, de meia laranja, encimadas por lanternins cilíndricos com chapéus e cataventos de ferro forjado. As torres estão interligadas por uma varanda rematada por um frontão triangular. As suas características permitem a sua inclusão naquele a que se convencionou chamar de estilo chão, marcado pela predominância dos volumes quadrangulares, pela sobriedade, pela limpidez estrutural e pelo rigor geométrico, indícios da migração de regras da arquitectura militar para a construção religiosa. Curiosamente – permita-se-nos o aparte – a igreja serviu efectivamente de fortificação durante as Guerras da Restauração. A extrema depuração decorativa do interior, juntamente com a parca iluminação, exclusivamente obtida através das janelas situadas ao nível das simalhas, no corpo da igreja,
acentuava a primazia da capela mor, mais ampla,
mais profunda e
cenograficamente valorizada pela presença da luz vinda de cima, reflectida pelo espelho colocado no lanternim da sua cúpula. Modelo arquitectónico dotado de grande adaptabilidade, com um programa que a aparenta de perto, no alçado exterior, com a Igreja da Graça de Setúbal, a matriz de Fronteira suportou, sem esforço, os contributos posteriores do barroco e do neoclássico. Apenas uma última palavra relativamente às pinturas que se encontram espalhadas pelas paredes da igreja. Como vimos, existiam no primitivo retábulo da capela-mor, para além de outros que porventura existissem nos outros altares, cerca de doze painéis pintados datando uns, com toda a certeza, da segunda metade do séc. XVI. Não se sabe qual o destino destas pinturas dado que nenhuma das que ainda ali se podem ver terá vindo daquele retábulo. Estas, que estiveram durante muito tempo
arredadas dos olhares do público, fechadas num anexo, provieram do antigo Convento de Santo António e, sendo assim, deverão datar de princípios do séc. XVII, época da fundação daquela casa. São as seguintes, todas elas a óleo sobre tábua: A Sagrada Família (140x110 cm), S. Boaventura (170x105 cm), Santa Luzia e Santa Bárbara (120x70 cm) e Santa Catarina e Santa Cecília (120x70 cm). A Igreja Matriz foi classificada Imóvel de Interesse Público pelo Decreto nº 35532 de 15 de Março de 1946.
4.1.7 IGREJA DO SENHOR JESUS DOS MÁRTIRES Situada num dos extremos da vila, junto à estrada que conduz a Alter do Chão, nos limites de um dos antigos rossios da vila, o de Santa Catarina, a Igreja do Senhor Jesus dos Mártires, vulgarmente chamada do Senhor dos Mártires, é o segundo templo a ser construído no local, sendo ainda visíveis, a poente do actual edifício, os vestígios da abóbada da primitiva igreja de São Sebastião, já existente em 1570. O actual templo que constituía a cabeça de um vínculo, foi construído em princípios do séc. XVIII, a expensas de Frei Miguel dos Anjos, que no século deu pelo nome de Miguel Cabedo, membro de uma antiga família espanhola cujo ramo fronteirense cedo passou a Setúbal. Poucos anos depois da sua construção foi esta igreja destino de muitas romagens por caírem na mesma igreja e perto dela em um Sábado de Aleluia muitas flores. Corre ainda, entre alguns dos fronteirenses de mais provecta idade, a memória desta chuva miraculosa, se bem que noutra versão em que o milagre terá ocorrido antes da edificação da igreja que viria a ser construída em consequência desse facto, como preito
de gratidão do pai de uma criança muda que, ao ver cair as flores, ganhara o dom da fala. A administração da ermida e dos bens a ela anexados andou, até 1835, na família do instituidor passando, a partir dessa data, para a Junta de Paróquia. Esses bens eram constituídos por: Um ferragial murado com oliveiras, e várias figueiras, cujo estão de posse os ermitães de o desfrutarem; isto é a terra só, e não o olival que é para o Senhor Uma morada de casas que por todas são duas defronte de Santa Catarina, que costumam render dois mil e quatrocentos reis Uma morada de casas altas, que por todas são duas com sua janela pegada à sacristia da mesma igreja que costuma render três mil reis, e debaixo destas mesmas duas térreas, onde costumam morar os ermitães. Uma só casa com sua chaminé pela parte de trás da sacristia da mesma igreja e juntamente uma grande cabana que antigamente era cavalariça
A morada de casas altas mencionada no texto servia, a um tempo, como residência do ermitão e, no primeiro andar, como hospedaria, razão da existência de uma cavalariça no local. Esta hospedaria deixou de ser utilizada como tal no primeiro quartel do séc. XIX visto que a documentação produzida em 1824 já se lhe refere como os altos onde eram hospedarias.
Como se deduz – e o caso repete-se em outras igrejas de Fronteira – a hospedagem era uma das formas de rendimento destas ermidas, estrategicamente situadas junto às estradas, nos rossios à entrada da localidade. O restante dos proventos da igreja era constituído por esmolas dos fiéis. Na Igreja do Senhor Jesus dos Mártires existia, aliás, um interessante tipo de oferenda para pagamento de promessas: o promitente, recebida a graça, doava à igreja o décimo do seu peso, em trigo, para o que havia na ermida uma balança grande de ferro com pratos de madeira. Relativamente afastada do centro da vila, a igreja tinha a maior afluência de fiéis nos dias das suas festas - a do orago, a 3 de Maio, a da Senhora do Carmo, a 16 de Julho, ocasiões solenes em que nela se celebravam missas cantadas e na Quinta-Feira de Páscoa, dia em que era visitada pela procissão que percorria a vila, com a participação dos membros da Câmara Municipal. À semelhança da Igreja do Espírito Santo, também nesta existia uma relíquia: um pedaço do crânio de São Deodato, autenticado em Roma aos 25 de Setembro de 1740 e entregue à igreja em 28 de Março de 1746, em Elvas. O templo que se achava com grandes problemas de infiltração de água nas coberturas, foi objecto de um restauro geral em 1991. Datam desse ano a pavimentação do interior do templo com tijoleira, em substituição das antigas lajes de xisto, o rodapé de azulejos e a iluminação interior da igreja. Facto curioso era o da existência de um poço ou cisterna no interior da igreja, cuja boca se encontrava coberta por uma laje, frente à porta do lado nascente A construção do muro do adro e do portão de acesso ao recinto data de 1916. No dizer do Prof. Doutor Vitor Serrão, autor do parecer para classificação desta igreja como Imóvel de Interesse Público (Despacho do Ministro da Cultura de 1996.12.23),
trata-se de um interessante edifício de arquitectura setecentista, de assinalável qualidade artística, quer pelo seu prospecto arquitectónico centralizado, quer pelo recheio complementar. Obra do primeiro quartel do século XVIII, com a sua estrutura barroca de ângulos cortados, filia-se numa tipologia arquitectónica de plantas octógonas de raiz barrocoromana, que se filia em modelos lisboetas do tempo de D. Pedro II. Acresce que o belo templo preserva também um inestimável recheio, com realce para o excelente retábulo pelo arquitecto régio João Antunes, assim como boa azulejaria lisboeta de pintura azul e branca, do “ciclo dos grandes mestres”, com cenas da Paixão (segundo modelos de Barocci através de gravados de Cornelis Cort), azulejos esses ligados acaso à escola de Oliveira Bernardes. Não se trata de uma peça característica do Barroco alentejano, antes uma adopção periférica de modelos erudizantes da capital – o que maior interesse confere ao edifício [...].
4.1.8 Igrejas já desaparecidas e outros locais de culto 4.1.8.1 Igreja de São Pedro
A Igreja de São Pedro situava-se no rossio do mesmo nome, junto à estrada que de Fronteira segue para Cabeço de Vide, muito provavelmente no local onde até há não muitos anos existiu uma eira. Desconhece-se a data da sua fundação mas sabe-se que existia já em 1581, ano em que para lá foi transferida a antiga imagem de Nossa Senhora da Vila Velha e que, pelo menos até 1762, teve ermitães nomeados.
A imagem do santo seu padroeiro foi transferida para o Convento de Santo António no dia 8 de Agosto de 1810, data que pode servir como marco do seu definitivo abandono. Em 1837 encontrava-se já demolida e a sua pedra foi vendida em hasta pública para financiamento das obras da Matriz.
4.1.8.2 Igreja de São Tiago
Esta era, como já anteriormente se disse, a segunda mais antiga igreja de Fronteira cuja existência nos surge confirmada documentalmente em 1271. Situada a curta distância da Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha, esta ermida estaria provavelmente integrada na rede de caminhos de acesso ao grande santuário de Santiago de Compostela, como sucedia ainda em 1681, ano em que a Misericórdia de Fronteira viria ainda a despender 200 rs. com dois romeiros de Santiago da Galiza de passagem por Fronteira. Em 1681 assistia ainda nela um ermitão Encerrada em Setembro de 1804, a igreja viria a ser posteriormente desmantelada e as suas pedras usadas na construção das novas casas da Câmara.
4.1.8.3 Igreja de Santa Catarina
Antes de mais, convirá esclarecer que houve em Fronteira duas igrejas com essa invocação. A primeira, cuja data de fundação se desconhece seria, talvez, um templo de construção medieval que existia ainda em princípios do XVII, época em que foi demolida e
substituída por outra do mesmo orago como se verá no seguinte documento da Chancelaria da Ordem de Avis: Dom Filipe como governador, etc. faço saber aos que esta minha carta virem que Manuel de Simas e Lourenço Pires moradores na vila de Fronteira me enviaram dizer que os visitadores da dita ordem acharam no termo da dita vila uma ermida de Santa Catarina anexa à Igreja Matriz dela com muita indecência por estar em um ermo desamparada, e que prevendo eles no caso o clamor do povo mandaram se derrubasse e se fizesse outra do nome no arrabalde da mesma vila, e que eles movidos do amor de Deus e devoção que têm à dita santa determinaram edificar de novo a dita ermida à sua custa pedindo-me lhes confirmasse a licença dos ditos meus visitadores e lhes desse licença para poderem acabar a dita ermida que tinham começado junto da dita vila de Fronteira porquanto conforme aos estatutos da dita ordem a não podiam edificar sem minha licença. E havendo eu respeito ao que alegam e terem principiado a dita obra com licença dos ditos visitadores como constou por informação do Doutor João Gomes Leitão um deles, por esta dou licença aos sobreditos que façam e acabem a dita ermida de Santa Catarina que têm começada a qual farão à sua custa conforme a escritura de obrigação que para isso fizeram e me foi apresentada que parecia ser feita na dita vila de Fronteira por Francisco Mendes em ela também morador [?] aos sete dias do mês de Junho do ano de 605. E por esta hei por confirmada a licença dos ditos visitadores com declaração que eles sobreditos e os oficiais que pelo tempo forem da dita ermida serão obrigados a fabricar e ornamentar de todo o necessário e a repararem sem a ordem ter a isso obrigação alguma e cumprirão as visitações dela e em tudo obedecerão aos meus visitadores, aos quais mando a às mais pessoas a que pertencer que cumpram inteiramente esta minha carta a qual se registará no fim da visitação da ordem da igreja matriz da dita vila de Fronteira e se cumprirá sendo passada pela
chancelaria da ordem, e por firmeza disso lha mandei dar selada do selo pendente dela. Dada na cidade de Lisboa a 14 de Outubro [de 1609] [...]. Temos, então, a igreja primitiva que se situava em local incerto e que terá sido demolida nos primeiros anos de seiscentos e a segunda, mandada construir por Manuel de Simas e Lourenço Pires cuja edificação teve início em 1605, situada no antigo rossio de Santa Catarina, junto da Igreja do Senhor Jesus dos Mártires. São escassíssimas as informações relativas quer à primeira, quer à segunda das igrejas. Para além das nomeações de ermitões entre os anos de 1578 e 1650, a igreja de Santa Catarina só nos surge mencionada em 1628, quando Afonso Martins Davide, Escrivão dos Órfãos e da Almotaçaria de Fronteira, requereu à Câmara Municipal que o lugar de mamposteiro pequeno da ermida de Santa Catarina que se encontrava vago fosse entregue a Bastião Fernandes, tecelão, por ser pessoa de boa vida e costumes e de boa consciência. Ora o facto de a igreja não ter quem pedisse para ela – era essa a missão do mamposteiro – denota já um certo abandono que se tornou por demais manifesto no século seguinte como o demonstra o excerto da acta da sessão da Câmara a seguir transcrito, com data de 15 de Abril de 1742: Requereram na vereação atrás algumas pessoas desta vila abaixo assinadas aos oficiais da Câmara que eles vendo estar a Igreja de Santa Catarina há tantos anos caída em terra e sem confraria tão pobre que não tem renda alguma com que se possa levantar a Igreja e para se poder levantar [...] convinham se vendessem as espigas e gostadouros da sua coutada do povo que está semeada e que todo o produto que render o dão pelo amor de Deus à dita confraria [...].
Deste modo se terá angariado verba para a reedificação da igreja. Porém, o facto é que o templo iria chegar ao século seguinte em circunstâncias semelhantes às que atrás descrevemos, acabando por ser encerrado ao culto na década de 1830. Em 1837, a Junta de Paróquia de Fronteira requereu ao rei a autorização necessária para vender o imóvel, a qual não lhe terá sido concedida. Posteriormente, mas ainda no mesmo ano, a igreja foi utilizada para diversos fins servindo, inclusivamente, de sala de teatro, função essa que se terá iniciado com um pedido que uma sociedade desta vila fizeram a esta Junta de Paróquia de lhe conceder licença para na Igreja da ermida que foi de Santa Catarina, estabelecerem ali um teatro para em celebração do nascimento do Nosso Augusto Príncipe fazerem ali uma representação de festejo. Esta actividade deve ter cessado poucos anos mais tarde visto que existem, em 1865, referências a um casarão no rossio de Santa Catarina o qual serviu de teatro, para ser mais tarde retomada, dado que as referências ao teatro nos surgem novamente em 1882 Actualmente, a igreja encontra-se transformada em residência particular.
4.1.8.4 Igreja de São Miguel Esta igreja de que hoje não restam quaisquer vestígios, situava-se a alguma distância da vila, em local elevado, na zona designada por Serra de São Miguel, junto a uma antiga estrada que atravessava a Ribeira Grande um pouco mais a poente, no Porto dos Melões. Nesse local, anteriormente à edificação da igreja, terá existido uma fortificação construída pelos cavaleiros de Avis, de modo a permitir-lhes vigiar os mouros sediados no cabeço de Vaiamonte.
Outros autores remetem para uma maior antiguidade da fixação humana no local, defendendo a hipótese da existência de um castro, o que de facto não vai contra o que é sugerido por certos achados entregues pelo local. Porém, uma vez mais, movemo-nos em território semeado de dúvidas que só a pesquisa arqueológica poderá vir a esclarecer. De concreto, sabemos que a igreja dispunha, habitualmente, de um ermitão, facto assinalado desde 1570. Em 1720 havia mesmo dois frades ermitães nela residentes e nas décadas seguintes a igreja foi, inclusivamente, enriquecida com a construção do novo altar da Senhora da Saúde, inaugurado em 18 de Outubro de 1750. Em 1771 temos mais notícias da presença de uma ermitoa no local. A festa desta santa era, aliás, a mais importante das que aí se realizavam nela se concedendo indulgências a todos que a ela concorressem, mediante o pagamento de 240 rs. Esta festividade que tinha lugar no terceiro domingo de Setembro deixou de se realizar com regularidade em 1811, ano em que a igreja deve ter deixado de servir ao culto.
4.1.8.5 Igreja e Convento de Santo António
Ao contrário do que sucede com a grande parte dos edifícios religiosos que temos vindo a historiar, chegaram até nós alguns dos documentos mais antigos relativos ao Convento de Santo António, nomeadamente a escritura de fundação do mosteiro que aqui se dá por transcrita: Ano do nascimento de Nosso senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e dez anos aos oito dias do mês de Setembro do dito ano; em a Igreja matriz desta vila de Fronteira onde estava presente o reverendo padre frei João do Porto Ministro Provincial da Província
da Piedade; e o reverendo padre frei João da Guarda pregador e definidor da mesma província; e assim outros padres convém a saber frei Luis de Lisboa pregador e frei Pedro de Lordelo companheiro do Pe. Provincial e sendo outrossim presente o padre frei Gonçalo Maciel Prior da dita igreja, e o padre Manuel Correa Vigário da Vara em esta vila, e o Senhor Dom Lucas de Portugal comendador desta vila, e o licenciado Diogo de Oliveira Juiz de Fora desta dita vila, e Gonçalo Vaz Pinto, Provedor da Casa da Santa Misericórdia desta vila, e assim muitos outros homens nobres, e da governança da terra, e outra muita gente do povo sendo assim todos juntos, pelo Padre Ministro Provincial lhes foi comunicado e dito que ele com os mais padres atrás nomeados tinham vindo a esta vila para nela edificarem um mosteiro dessa Província por lhes ser pedido à instância deste povo no capítulo provincial que ora se fez na cidade de Évora e que para efeito do dito convento se principiar, era necessário darem casa e recolhimento para os religiosos que hão-de decorrer com a obra, e se agasalharem; enquanto se não faz recolhimento no convento novo: e que o recolhimento mais acomodado que nesta terra havia eram as câmaras da Casa da Misericórdia; por estarem junto à igreja em que podem dizer missa, e celebrarem os ofícios divinos. E assim mais tinham escolhido sítio para edificarem o dito convento e lhes pareceu mais acomodado, e conveniente um chão que ora possui Francisco Mendes procurador do concelho; por estar junto a esta vila, e duas ortas uma que ficou de Manuel Lopes almocreve, e outra de Manuel de Simas sapateiro; e juntamente lhe hão-de dar a Fonte Nova que é deste concelho, livre para ficar dentro da cerca do concelho; e assim mais lhe hão-de abrir uma fonte no cabouco que está na horta de Manuel Manhãs para nela recolherem toda a água que houver no sítio da dita orta para a levarem por cano à cerca do dito convento. E assim mais se havia de obrigar este povo, e a Câmara dele, e a casa da Santa Misericórdia às despesas e gastos da
dita obra até de todo ser acabada e posta em sua perfeição. E sendo presente o Provedor da Misericórdia atrás nomeado e a maior parte da irmandade do cento assim dos nobres como mecânicos mui livremente disseram que eram contentes; que os religiosos que vierem a esta vila correrem com as obras do dito convento se agasalhem nas câmaras da dita casa; enquanto não houver recolhimento no convento para se poderem agasalhar e que eles da sua parte consentiam e eram contentes que se edificasse o convento no sítio atrás declarado, pelo mesmo modo e maneira que o Padre Ministro o tem pedido sem encargo de ser foreira a dita casa. E sendo presente o Padre Diogo Subtil Cardoso clérigo de missa morador nesta vila por ele foi dito que ele se obrigava a dar a Francisco Mendes procurador do concelho, e a Manuel de Simas sapateiro outra tanta terra quanta lhes for tomada para a cerca e cas do convento; e assim lhes comporá as benfeitorias que tiverem feitas mesmo em terra dele Padre Diogo Subtil em caso que eles a não queiram dar livremente para este efeito; a qual terra lhes dará nas terras da Raposeira termo desta vila: e para cumprir e guardar disse que obrigava sua pessoa e bens móveis e de raiz. E logo pela gente nobre e da governança desta terra, e mais povo dela por eles todos juntamente a uma voz foi dito que eles se obrigavam a fazer o dito convento à sua custa e o darem de todo acabado aos ditos Padres para nele poderem morar com todas suas oficinas ordinárias. E assim mais se obrigam a pedir a Sua Majestade que das rendas do concelho se dê todos os anos enquanto durar a obra uma certa quantia de dinheiro para se despender na dita obra. E disseram que queriam que o oráculo do dito convento fosse de Santo António e por de todo serem contentes assinaram aqui o dito Padre Ministro Provincial e mais religiosos atrás nomeados que com ele vieram, Prior e Vigário e Dom Lucas de Portugal e o Juiz de Fora, e o Provedor da Misericórdia e Irmandade e mais gente nobre e povo desta vila [...]
Apesar de todas as facilidades concedidas e das garantias de financiamento integral da obra oferecidas pela Câmara, Misericórdia e pela generalidade da população desta vila, a construção do mosteiro só será oficialmente iniciada em 1 de Maio de 1613, com o lançamento da primeira pedra pelo então bispo de Elvas, D. Rui Pires da Veiga. È impossível, dada a escassez das informações disponíveis, dar hoje uma ideia da traça original do edifício. Sabemos da existência de um pátio, provavelmente claustro, denominado das cisternas e pouco mais... Relativamente à igreja do convento, pôde contudo apurar-se da existência de três altares: o altar-mor, dedicado a Santo António, o da Senhora dos Remédios e o do Santo Cristo. Sob o pavimento da capela-mor existia uma cripta, jazigo da família dos comendadores de Fronteira, onde se encontrava sepultado o corpo de Dom Lucas de Portugal cujo escudo de armas, esculpido em pedra mármore, adornava uma das paredes da mesma capela. Cobrindo a entrada da cripta existia uma lápide com o seguinte letreiro: Esta sepultura é de Dom Lucas de Portugal Comendador desta Matriz de Fronteira da Ordem de S. Bento de Avis filho de Dom Francisco de Portugal Estribeiro-Mor de El Rei Dom Sebastião g.s.f. A.. [?] neto de Dom Francisco da Gama segundo Conde da Vidigueira e de Dona Guiomar de Vilhena filha de Dom Francisco de Portugal primeiro Conde de Vimioso a qual capela mandou fazer para seu enterro somente e de seus descendentes faleceu em Estremoz na era de seiscentos e quarenta a acabou seu filho Dom Francisco de Portugal e de Dona Antónia da Silva filha de Dom Antão de Almada e de Vicência de Castro casado com Dona Cecília de Portugal filha de António Pereira de Peredo general perpétuo das armadas de Portugal e de Dona Mariana de
Portugal em tempo de El Rei Dom João o Quarto sendo administradora da dita comenda Dona Cecília de Portugal mandou fazer o retábulo e carneiro para todos os seus descendentes. Além desta, existiam ainda no interior da igreja as sepulturas de Isabel Garcia da Trindade, Heitor Mendes Castelo Branco, Gonçalo Vaz Pinto de Sousa, Afonso Martins de Brito, Catarina Tavares e uma outra de que não ficou notícia epigráfica mas que, a avaliar pela descrição do brasão, deve ter pertencido a qualquer dos membros da família Moniz. Em termos patrimoniais os frades dispunham para seu sustento, para além dos terrenos já mencionados, dos rendimentos de diversos legados e privilégios que lhes foram sendo concedidos por benfeitores institucionais e particulares. De entre os primeiros era a Câmara Municipal, enquanto padroeira, a que mais decisivamente contribuía para a manutenção da comunidade graças às doações anuais de uma arroba de açúcar em pó, uma arroba de açúcar em pedra, uma arroba de figo escolhido e quatro dúzias de pescadas secas a que acresciam mais 3600 rs. de peixe pela Quaresma e 15 arráteis de carne todas as semanas. Além destes géneros de primeira necessidade os frades recebiam ainda 2 arráteis de sabão por semana, 10 varas de pano de linho por ocasião da Feira de São Pedro e uma carrada de lenha por cada cinco carradas de trigo que os carreteiros levassem da vila. A Santa Casa da Misericórdia, por sua vez, suportava as despesas feitas com a assistência médica e medicamentosa dos religiosos e era responsável pela doação anual de 15 alqueires de trigo. Dos legados particulares, o mais vultuoso foi instituído por Dom Lucas de Portugal, no montante de 12000 rs. em cada ano.
Os restantes, no seu conjunto, totalizavam 75 alqueires de trigo, 16.5 alqueires de azeite e cerca de 8.000 rs. de vinho para as missas. No tocante aos privilégios da congregação, os seus membros desfrutavam do privilégio da primazia de atendimento no açougue local e podiam trazer até cerca de trezentos carneiros nas coutadas do concelho. O destino do Convento de Santo António foi, à semelhança de tantos outros, após a lei da extinção das ordens religiosas, o do abandono e da decadência total. Apesar da Casa das Audiências ainda aí ter funcionado entre 1836 e 1841, o imóvel sofreria irreversivelmente os danos causados pelo tempo e pela pilhagem até ficar reduzido ao lamentável estado em que, em meados do século XIX, o então Prior da Matriz o encontrou, reduzido a vergonhosas ruínas e até uma boa cisterna, por larga e profunda, se vai entupindo. Essas ruínas viriam, em 1879, a ser adquiridas por um particular que em 1900 as venderia a Francisco Cordeiro Namorado de Carvalho que sobre elas mandou construir uma belíssima casa de habitação com traça do famoso arquitecto Ernesto Korrodi.
Para além destas igrejas já desaparecidas, temos ainda notícias de outras se bem que nada se saiba sobre elas, tão pouco sobre a sua localização. Estão neste caso a Igreja da Santa Cruz e a de Santo António de que temos notícias nas últimas décadas de 1500. Sobre a de São Braz, situada no rossio do mesmo nome, falámos já noutro local.
4.1.8.6 São Bento das Lapas
Se bem que não estejamos aqui em presença de um templo no sentido em que a palavra tem vindo a ser empregue, não podíamos deixar de referir neste capítulo, ainda que de
forma breve, o conjunto de nichos situado na Herdade da Pena Roia, junto à Ribeira Grande, a algumas centenas de metros a montante da ponte. Grandemente arruinados pelo tempo e mais ainda pelo vandalismo, só dois dos nichos construídos com lajes de xisto aparelhadas com cal, apresentam ainda vestígios do seu primitivo revestimento de estuque pintado. Num deles, mais exposto aos olhares e às mãos dos visitantes são ainda visíveis imagens de rostos e o que parecem ser partes de letras hoje impossíveis de decifrar. No segundo, pela sua localização mais protegido dos homens e dos elementos, a pintura manteve-se em muito melhor estado de conservação sendo, por esse motivo, possível identificar, sem margem para dúvidas, a imagem representada como Maria Madalena. Estamos, pois, em presença não de um local de culto do padroeiro da ordem militar que detinha o senhorio da vila, como o nome do sítio sugere, mas sim daquela a quem Cristo primeiro apareceu depois de ressuscitado. O culto desta santa teve um forte desenvolvimento na segunda metade do séc. XVII e princípios do séc. XVIII, período em que se deve situar a construção ou recuperação dos nichos o que é também confirmado pela tipologia das letras ainda visíveis. Desconhecem-se as formas do culto aí praticado nem se sabe, tão pouco, se uma imagem denominada da Senhora da Lapa que em tempos existiu na Igreja do Espírito Santo teria provindo do local. Tudo o que conseguimos apurar, através de pessoa felizmente ainda viva, é que, há já muitos anos, as pessoas do povo tinham por hábito depor merendeiras nos nichos, em acção de graças pela cura das bexigas.
4.1.8.7 Cruzeiros
A Cruz de São Brás, situada no rossio do mesmo nome é actualmente o único cruzeiro existente em Fronteira. Originalmente encontrava-se colocado um pouco mais a Sul, no enfiamento da Rua dos Trigueiros, ponto de confluência de diversas estradas e caminhos e local de realização das feiras, de onde foi removido para a sua localização actual por ocasião da construção do Palácio da Justiça. Desconhece-se a data da sua edificação sabendo-se, porém, que o cruzeiro já aí se encontrava em 1573, ano em que a Câmara Municipal despendeu cem reis com Álvaro Fernandes pedreiro de consertar a cruz de pedra mármore do rossio. Continua ainda a celebrar-se junto ao cruzeiro, no dia do orago, a Festa da Santa Cruz que, como anteriormente vimos, tinha lugar na Igreja do Senhor dos Mártires. Para tanto, na noite de 2 de Maio, acende-se uma fogueira junto do seu calvário e enfeitam-se os braços da cruz com capelas de flores, enquanto que ao seu redor decorre o popular arraial com danças e cantares à Santa Cruz. Relativamente a esta fogueira ritual da Santa Cruz, cremos ser uma das únicas senão a única registada no território português. A festa era antigamente organizada pelas mulheres que trabalhavam no campo. Às duas moças mais novas e solteiras do rancho cabia a responsabilidade de transportarem as capelas até ao seu destino. Depois, sentados em bancos em redor da cruz, os mais velhos cantavam, até à meia-noite, quadras como estas que se seguem:
Capela da Santa cruz é de rosas encarnadas puseram-nas as solteiras com a ajuda das casadas
Olhem prá nossa capela nos braços da Santa cruz as folhinhas que lhe caem é o sangue de Jesus
Como a Rua dos Trigueiros não há outra pelo mundo tem Jesus Cristo ao cimo e a Cruz de São Braz ao fundo
Fora da localidade, no campo, junto a caminhos e encruzilhadas, outros cruzeiros havia dos quais, infelizmente, só os nomes chegaram até aos nossos dias. Eram eles a Cruz deTirano, a Cruz de Alter, a Cruz dos Barreiros e a Cruz de Bento Sardinha.
4.1.8.8 Alminhas
Bordejando a Estrada Nacional 245, nos arredores da vila, no Alto dos Foros e junto à ponte da Ribeira Grande, existem dois nichos, à maneira de alminhas cuja edificação se ficou a dever a uma campanha da Mocidade Portuguesa, em 1963.
4.2 Arquitectura Civil 4.2.1 Coreto Situado em pleno coração da localidade, a curta distância da igreja paroquial, o coreto continua actualmente a assinalar um dos mais intensos locais de sociabilidade de Fronteira. Construído em 1845, o coreto esteve originariamente relacionado com o culto religioso dado que não só era propriedade da Igreja Matriz como também se encontrava implantado numa área cemiterial. Informações mais recentes, reportando-se aos finais do séc. XIX, dão-nos conta das obras de reconstrução então efectuadas, com carácter de urgência, tendo certamente em vista a sua utilização festiva nas comemorações da passagem do século : Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e noventa e nove aos dezassete dias do mês de Dezembro do dito ano, nesta vila de Fronteira e sala das sessões da Junta de Paróquia desta freguesia de Nossa Senhora da Atalaia, onde se achavam presentes o Presidente da mesma Junta de Paróquia, Padre António Mourato e os Vogais José Francisco da Silva Mendes e Joaquim Manuel Gomes, aí mandaram ao pregoeiro da Câmara Municipal deste concelho, António Ildefonso, que pusesse em praça a reparação e construção do Coreto da Igreja Matriz desta vila de Fronteira, o que ele fez lançando repetidos pregões à porta da Igreja Matriz, dando por fim sua fé de que o menor lanço que tinha recebido era de setenta mil reis, oferecido por Francisco Rodrigues Gomes, casado, carpinteiro e residente nesta dita vila, em vista do que a Junta mandou arrematar a reparação e construção do coreto, já mencionado, ao sobredito Francisco Rodrigues Gomes pela referida quantia de setenta mil reis,
sujeitando-se ele arrematante e seu fiador e principal pagador adiante mencionado, às condições seguintes: Primeira -Começará a obra de modo que esteja concluída em trinta e um do corrente mês de Dezembro Segunda - O coreto será construído do modo seguinte : 1º . Traduzirá fielmente a planta que neste acto se apresentou. 2º. Toda a madeira empregada será de casquinha, além das vigas e pavimentos que poderão ser de pinho da terra. 3º. O pavimento do coreto será formado por baixo de modo que não se vejam as vigas e oleado competentemente. 4º As colunas serão de pinho Espanha e torneadas. 5º. A pintura será toda a óleo da cor que a Junta escolher com duas mãos de verniz cristal. Os entalhados terão os devidos dourados. Pela mesma forma oleará também o órgão e as duas bancadas e estantes da Capela-Mor, fazendo-lhe os devidos consertos e consertando também os dois estrados das mesmas bancadas. Terceira – Todas as peças entalhadas serão de madeira própria e bem sólidas e no claro que a planta apresenta inferior à lira será entalhada uma rabeca e um arco da mesma. Quarto – As escadas laterais serão construídas sem levarem prego algum. Quinto – As quatro colunas deverão ser assentes em pedra arneira com o devido espigão chumbado nas mesmas pedras.
Sexto – Toda a obra será construída com a máxima solidez, não podendo o arrematante aproveitar das madeiras e ferragens do coreto velho e somente dos fusos que servirão de novo. Sétimo – A Junta poderá mandar fiscalizar por um perito de sua escolha a construção de toda a obra e o arrematante sujeitar-se-á a fazer as emendas que o perito ordenar, sob pena de se rescindir o contrato, perdendo ele arrematante toda a madeira e trabalho que ali tiver empregado e podendo a Junta mandar construir o resto por sua conta.
Oitava – Se a Junta tiver de recorrer aos tribunais para fazer cumprir algumas destas condições todas as despesas de custas e selos serão pagas pelo arrematante infractor. Nona – As colunatas da frente do coreto terão duas vistas. Décima – O pagamento será feito em duas prestações recebendo a primeira no começo da obra e a Segunda só quando a obra estiver completa e aprovada por dois peritos que serão chamados pela Junta e os jornais destes pagos pelo arrematante. Undécimo – dará fiador e principal pagador e responsável, que o mesmo arrematante apresentou, Bernardino Pedro Ferreira, casado, carpinteiro, também residente nesta vila, que estando presente declarou que ficava por fiador e principal pagador responsável do arrematante Francisco Luis Gomes, com cuja declaração concordou a Junta.
Apesar de construído de novo, o coreto voltaria a ser, em 1917, objecto de novas obras de reparação procedendo-se então à substituição das colunas de madeira por outras construídas em chapa metálica. A última grande intervenção na estrutura do coreto teve lugar em 1941, no âmbito da reconstrução efectuada em virtude dos grandes estragos nele provocados pelo ciclone do dia 15 de Fevereiro daquele ano.
4.2.2 Paços do Concelho Ao iniciar o presente capítulo consagrado aos Paços do Concelho convirá, antes de mais, fazer a distinção entre o actual edifício da Câmara Municipal, construído no século XIX e não, ao contrário do que repetidas vezes tem sido afirmado, durante o século XVIII e as primitivas Casas da Câmara das quais nos ocuparemos em primeiro lugar. Estas situavam-se frente ao curral e açougue do concelho, na antiga Rua do Açougue, onde se situa actualmente o nº 11 da Rua D. Francisco de Portugal. Construídas muito provavelmente no séc. XVI, as Casas da Câmara compunham-se, de acordo com a descrição que delas se fez em 1771, de um primeiro andar com cozinha e duas salas, uma delas com uma janela de sacada de pedra arneira encimada pelas armas reais e de um piso térreo com três divisões, uma delas utilizada como sala de audiências. O quintal onde se situava a cisterna do concelho, a que já fizemos alusão, era rodeado de alpendres cuja existência está atestada documentalmente num Tombo da Comenda de Fronteira, elaborado em 1643. Este edifício sofreu ao longo da sua existência uma série de destruições que tiveram o seu início durante a ocupação da vila pelos exércitos castelhanos, em 28 de Maio de
1588, ocasião em que terão sido destruídos muitos dos documentos conservados no arquivo municipal. Expulso o invasor espanhol, as Casas da Câmara foram, durante a Guerra da Restauração, convertidas em quartel das tropas inglesa estacionadas em fronteira que as viriam a deixar num estado que não se pode fazer junta nem vereação nelas. Os acasos da guerra trariam, porém, uma vez mais, as armas de Castela até às muralhas da vila que acabaria por ser tomada e ocupada em 23 de Dezembro de 1665 na sequência do que o improvisado quartel da tropas de Sua Majestade Britânica ficou quase completamente demolido. Por informações datadas de 1704 sabemos que a Câmara já se reunia de novo nas suas casas se bem que os vereadores se queixassem que a Casa das Audiências era utilizada como cavalariça pelos moradores da vila, função essa que o tempo e o abuso viriam a consagrar como se pode inferir da descrição a que já nos referimos. Durante o séc. XVIII, as sucessivas reparações, sempre espartilhadas pelas constantes dificuldades orçamentais, poucas benfeitorias puderam operar pelo que, em 1784, face ao perigo de desabamento iminente, a Câmara mandou retirar as cadeiras dos vereadores do seu interior outro tanto sucedendo, no ano seguinte, com a documentação existente no arquivo. Em 1786, numa última tentativa de adiamento de uma situação que se tornara insustentável, a Câmara arrematou a mestre António Alexandre novas obras de retificação das Casas da Câmara tão somente para se obviar na ruína irreparável que já tinha provocado o desabamento do telhado de uma das salas. Porém, apesar de todos os esforços desenvolvidos no sentido de obter autorização para a construção de novo edifício, as autoridades locais continuavam ainda em 1797 a fazer os requerimentos necessários para se obter a concessão para a feitura das casas da
câmara fazendo desembarrancar o requerimento que há anos se tem feito e sobre o qual se têm feito várias diligências e as casas acabariam por cair em 1799 ficando apenas a estrebaria em condições de ser utilizada para arrecadação dos materiais remanescentes susceptíveis de reutilização. Face à sua situação pouco dignificante, a Câmara voltaria, em 1801, a insistir que se pedisse a Sua Alteza Real pelo seu Tribunal do Desembargo do Paço para conceder a graça de se fazer a Casa da Câmara no sítio da cadeia dando-nos para isso licença de vendermos as antigas Casas da Câmara e outras insignificantes na aldeia de Vale de Maceiras e o rendimento do Ramo da Aguardente e aplicando juntamente as sobras dos bens do concelho por tantos anos quantos forem necessários. Mas, quinze anos depois, tudo continuava ainda como antes e mais uma vez a Câmara requereu a autorização necessária para proceder à venda do que restava das antigas casas o que efectivamente só veio a acontecer em 2 de Outubro de 1830, data em que foram arrematadas em hasta pública pelo Capitão-Mor João Bernardo Matinca pela quantia de 210.000 reis, dias depois da Câmara ter assinado com os herdeiros de Joaquim José Madeira Martinas o contrato de compra das suas casas situadas na Praça, junto à cadeia, para aí construir o novo edifício dos Paços do Concelho. Eis o contrato : Nesta determinaram os ditos Presidente e Oficiais da Câmara que se lançasse neste livro e nesta vereação, o contrato que se praticou com os herdeiros do falecido Joaquim José Madeira Martinas da compra das suas casas na Praça junto à cadeia, para Casas da Câmara, por estarem demolidas as que tem o Concelho em estado de não se poderem reedificar para ficarem com a perfeição e capacidade que se requer e pela razão de se poder aproveitar parte dos altos da mesma cadeia, com salas para a Câmara comunicando-as com as mesmas do Madeira, o qual ajuste foi o seguinte : Que a Câmara tomava por conta do preço da venda, que foi de quatrocentos mil reis
em metal, livres para a vendedora de sisa, laudémio e mais despesas, a dívida de trezentos e sessenta alqueires de trigo que o mesmo Madeira devia ao Celeiro Comum desta vila, pelo preço de 530 rs. cada alqueire, obrigando-se a pagá-la com os competentes acréscimos, já vencidos em Agosto deste ano ao mesmo celeiro, sendo porém os acréscimos deste ano por conta da mesma vendedora pelo que era a dívida do trigo, com os acréscimos deste ano 393 alqueires, que pelo dito preço de 530 rs. o alqueire faz a quantia de duzentos e oito mil duzentos e noventa reis pelo que deduzidos do preço da mesma compra fica sendo o resto de cento e noventa e um mil setecentos e dez reis em metal que seriam satisfeitos à mesma vendedora logo que se cobrasse o quartel do Concelho vencido no findo presente mês. Que a vendedora poderia habitar as mesmas casas até à Primavera seguinte, porque antes desse tempo não podiam por falta de meios do Concelho começar-se as obras, e quando muito até São João gratuitamente. E porque as Casas da Câmara velhas no estado em que se acham nenhuma utilidade dão a este Concelho, nem de futuro o podem dar, acordaram os ditos oficiais da Câmara se vendessem em hasta pública, a quem mais der, para do seu produto se poder dispor ou para as obras das casas novas ou para aquilo que parecesse conveniente a esta Câmara depois de ter esta Câmara consultado sobre o objecto o Dor. Provedor da Comarca que aprovou a mesma deliberação ; e que pela mesma razão se pusesse em hasta pública de venda e arrematação o terreno que ocupava a Igreja de São Sebastião, que estava demolida, sendo o comprador obrigado a tirar a Provisão de Confirmação para validar o contrato de venda. E porque no quintal das Casas da Câmara velhas há um portado do lagar de azeite do Dor. Joaquim José Machado Sacoto que há muito está aberto, e por onde se servem os lagareiros no tempo do fabrico do azeite de tirarem água da cisterna o que seria
permitido por alguma câmara antiga por mera licença, bem como a outros muitos dos moradores desta vila se concede todas as vezes que a pedem para obras de alvenaria, não podendo por isso prejudicar os direitos do Concelho, em cujo Tombo não consta do direito daquela servidão ; determinaram depois de ter ouvido sobre este mesmo objecto o mesmo Doutor Joaquim José Machado Sacoto, que assentiu ao que fica exposto, que a mesma servidão cessaria depois do presente ano em diante, podendo só no corrente ano pela última vez, e no tempo do tráfico de azeite aproveitar-se de alguma da água da mesma cisterna precisa para o dito tráfico por assim o exigir o dono do lagar por ter os poços entupidos e poder com tempo limpá-los ; declarando-se esta circunstância no auto da arrematação para ciência dos pretendentes sendo esta declaração e acórdão assinada pelo dito Dor. Sacoto a fim de evitar dúvidas que de futuro se pudessem suscitar e de tudo para assim constar mandaram os ditos Presidente e oficiais da Câmara fazer este acórdão que assinaram. A construção das segundas e actuais Casas da Câmara, situadas no topo sul da Praça do Município teve o seu início, por assim dizer, em 30 de Abril de 1831, quando em casas de morada do Doutor Juiz de Fora e Presidente da mesma Câmara, José de Figueiredo e Menezes, aonde eu escrivão vim, estando ali o dito ministro e os actuais Vereadores e Procurador do Concelho abaixo assinados, e tendo visto e examinado em companhia de Manuel Joaquim dos Santos Galhordas, mestre alvanéu da cidade de Évora, e Joaquim de Jesus mestre canteiro da vila de Estremoz, pessoas peritas na sua profissão, a obra da factura e edificação das casas da Câmara, salas livres e enxovias da cadeia no local que esta hoje existe, e no das casas que a Câmara comprou aos herdeiros de Joaquim José Madeira Martinas, tudo situado na Praça pública
observações
necessários compreensivo das ditas obras das Casas da Câmara, salas livres, cadeias e enxovias, e deferido o juramento aos ditos peritos para debaixo dele declararem em
sua consciência quanto orçavam as ditas obras segundo o apresentado risco que fica servindo de base da projectada obra para se observar em toda a sua conformidade, e excepto a parte das mesmas obras que respeita as casas de residência debaixo dos números quatro, cinco, seis, nove e onze do plano inferior e as dos números cinco, seis, sete, dez e onze do plano superior, por não ser esta obra de urgência e entender a Câmara que pode ficar deferida para quando de futuro as rendas públicas e as Câmaras julgarem conveniente fazerem-se. E logo pelo dito mestre Manuel Joaquim dos Santos Galhordas foi dito que calculava a despesa das ditas obras quanto a mão de obra de alvanéus, trabalhadores e serventes além dos materiais precisos na quantia de oitocentos mil reis ; e pelo Joaquim de Jesus quanto a cantaria das cinco janelas sacadas inclusive a que cobre o portado da entrada, as outras de peitos, o dito portado da entrada, o arco ao princípio das escadas das Casas da Câmara, degraus desta escada, lajedo dos patins e também as escadas da enxovia e salas livres, portado desta entrada que é separado, patins, as Armas e tudo o mais que indicia o mesmo risco orçava na quantia de trezentos e trinta e seis mil reis, fora os fretes ou condução da mesma cantaria [...]. As obras então avaliadas viriam a ser efectivamente arrematadas por 780.000 e 300.000 reis, respectivamente, pelo citado mestre Galhordas que já supervisionara em Fronteira a construção das casas nobres de António Soares Franco e por Julião Gonçalves, de Estremoz . De Évora viria também o autor das pinturas, de seu nome Luis, sobre quem não dispomos de quaisquer outros dados. Ainda em Novembro do mesmo ano a Câmara abriu concurso público para o fornecimento da cantaria tosca fabricada com a pedra broeira que já estava arrancada na Praça das demolidas enxovias, e da que estava por arrancar dos restos de algumas paredes que ainda estavam de pé, destinada às janelas das enchovias da nova cadeia
desta vila e dos portados para a entrada das mesmas, empreitada que viria a ser adjudicada a José Pereira, mestre canteiro da cidade de Évora, pela quantia de 60.000 reis. O ritmo das obras, já de si complexas pela escala dos trabalhos, viria a coincidir com um período de graves perturbações políticas e sociais que se traduziram em constrangimentos de ordem financeira parcialmente superados graças ao empenho das figuras mais gradas da terra que, a título pessoal e gratuito, contribuíram com grande cópia de materiais como já de seguida se verá : O Capitão-Mor João Bernardo Matinca dez moios de cal e cinco milheiros de tijolo O Dr. Joaquim Machado Sacoto dois milheiros de tijolo O Dr. João Rebello Paiva Lobato quatro milheiros de ladrilho Francisco José Chamusca um milheiro de tijolo Francisco de Paula Esteves seis milheiros de tijolo e uma jumenta três semanas a acarretar água O Sr. Sargento-Mor Joaquim Manuel Coppetto Barradas três moios de cal e treze milheiros de tijolo O Sr. Manuel Joaquim Parente e seu filho dois moios de areia Antónia Gertrudes da Matta seis moios de cal e seis milheiros de tijolo Pedro José da Costa Ramos três moios de cal e dois milheiros de tijolo Bernardino José da Silva quatro moios de areia Carlos da Costa Pinto quatro milheiros de tijolo José António Louro dois milheiros de tijolo José Pedro Machado Sacoto três milheiros de tijolo Gregório Roiz Nunes cinco moios de areia Manuel Telles de Mattos três moios de cal
Gaspar Lúcio Lopes Proença três moios de cal Padre Sebastião Victorino Esteves três milheiros de tijolo António da Silva Mendes três moios de areia O Dr. João Bernardo de Souza dois moios de cal e dois milheiros de tijolo Paulo José da Silva um milheiro de tijolo Rodrigo da Costa Ramos três moios de areia Henrique da Costa Ramos três moios de areia António Rebello de Paiva Lobato quatro moios de areia Dr. Maximiano Barradas um moio de cal Valério José do Amaral seis milheiros de ladrilho José Gomes Honrado quatro carradas de cantaria e dois moios de cal João Dordio Namorado seis milheiros de tijolo
Apesar das boas vontades, as obras desenrolaram-se com grande lentidão, ao longo de nove anos, e somente em 27 de Maio de 1840 a Câmara reuniu pela primeira vez nas suas novas instalações não obstante não estarem ainda construídos os esgotos cuja empreitada se viria a iniciar em Janeiro do ano seguinte. A mais recente intervenção arquitectónica de vulto no edifício dos Paços do Concelho, teve lugar em 199?. Durante estes trabalhos, as escavações levadas a efeito no piso térreo, do lado da Rua dos Trigueiros, puseram a descoberto muitos fragmentos de cerâmicas e elementos osteológicos, vestígios da antiga ocupação do local pelas celas da cadeia concelhia.
4.1.3 Pelourinho
Logo no mesmo dia mês e ano no auto declarado perante o dito Doutor Juiz de Fora e o Procurador do Concelho mandou o Piloto andar o seu ajudante com a ponta da corda e medindo a dita praça do nascente para o poente acharam tinha vinte e três varas e do norte a sul vinte e uma e três quartas. E que o pelourinho se achava a um lado da mesma praça defronte da janela da primeira enxovia desviado da parede da cadeia. E que este era todo de pedra mármore e o pilar e os degraus que eram três. E que da escada para o cimo do pilar tinha este quatro varas e uma terça e é de quatro peças e uma pilastra sextavada duas de prumo também sextavadas e na Segunda peça da parte do norte de altura de vara e terça uma golilha de ferro de duas peças embutidas na mesma pedra e na terceira peça duas comendas de São Bento nascidas da mesma pedra uma virada uma virada quase a nascente e outra para o norte cuja peça da dita pedra também é sextavada com três redondos e a quarta peça redonda e torcida e cavada e nesta quatro argolas de ferro atravessadas e nas pontas cada uma sua argola e a quinta e última peça também sextavada com um varão de ferro para cima em cruz com bandeira de lança.
O documento atrás transcrito, originalmente lavrado aos 12 de Novembro de 1770, constitui a mais antiga descrição conhecida do pelourinho de Fronteira cuja construção é certamente muito anterior, datando provavelmente do início do séc. XVI. Como se vê, o pelourinho encontrava-se então não no centro mas num dos ângulos da praça, frente a uma das janelas da cadeia, junto à esquina que dá para a Rua dos Trigueiros, não se localizando, como era habitual, junto aos Paços do Concelho. A existência da golilha de ferro, permitindo a pública exposição dos delinquentes, vem confirmar a utilização do monumento como instrumento da justiça municipal à
semelhança do que sucedia com o açoite do concelho e uma faca e uma agulha e um baraço de fazer justiça que nos surgem inventariados entre os bens do concelho, em 1566. Esta golilha de má memória não nos surge já referida numa descrição do pelourinho elaborada em 1827 pelo que a sua remoção deve datar dos princípios do séc. XIX, quando a instauração do liberalismo veio criar um ambiente propício à destruição de quanto podia ser identificado como símbolo de opressão do regime então deposto. Relativamente a esta questão da utilização dos pelourinhos como locais de punição, que tem levantado alguma controvérsia, lembramos que tal facto está bem atestado, por exemplo, no compromisso da Misericórdia de Lisboa, de 1516, como decorre do seguinte trecho, extraído do título Da maneira que se há-de ter com os que padecem por Justiça: [...] E a mesma maneira se terá acerca dos que por justiça forem esquartejados cujos quartos são postos às portas da cidade. E assim com os membros daqueles em que se faz justiça que estão no pelourinho ou em outras quaisquer partes [...]. Mas a afirmação da jurisdição penal do município não era a única finalidade prática do monumento. A sua localização no centro da vila, em local de grande movimento, fazia do pelourinho um lugar de eleição para a divulgação de informações de interesse público, razão porque a Câmara aí fazia afixar os editais recebidos como aconteceu, em 1778, com um vindo da correição da Cidade de Évora para se fixar em o pelourinho para todas as pessoas que se quiserem queixar do bacharel José Alexandre Cardoso Soeiro Superintendente dos Tabacos que foi desta Província, prática essa ainda corrente em 1824 como se comprova do sucedido com um edital vindo do Juízo do Senado da Câmara da vila de Monforte para se publicar e fixar no pelourinho desta praça para venda da arrematação da renda da defesa do Baldio do Concelho da dita vila.
Ainda de acordo com a mesma descrição, o pelourinho encontrava-se já colocado no local actual, no centro da praça, tendo os primitivos degraus de mármore sido substituídos por outros de granito. As lacunas existentes nas séries documentais compulsadas não nos permitem afirmar peremptoriamente a data em que se terá procedido à transferência para a nova localização. Porém, é muito provável que tal tenha sucedido por volta de 1784, na sequência de um requerimento apresentado pelo Procurador do Concelho por se ter constatado que o pelourinho desta vila se ia de todo arruinando e para o reparo do mesmo se rectificasse antes que de todo caísse o que logo deferiram fosse notificado um alvanéu para se amanhar. Com esse aspecto se manteve até 1865 ano em que a Câmara Municipal, na sua sessão de 11 de Outubro, decidiu apeá-lo o que de facto veio a suceder tendo-se então encontrado debaixo dele diversas moedas entre as quais duas de dez reis da época de D. Sebastião, várias moedas cunhadas em 1743 e ainda outras, de bronze, impossíveis de reconhecer. Durante longos anos andaram depois as suas pedras dispersas até que em 1940 a Câmara Municipal se decidiu pela sua reconstrução sem no entanto lhe devolver o seu aspecto original. Facto curioso e pouco conhecido, talvez pela dificuldade da sua observação, é a existência, numa das faces da coluna oitavada, de uma inscultura representando um rosto humano de expressão ridente. O monumento foi classificado Imóvel de Interesse Público, quando ainda se encontrava desmontado, pelo Decreto nº 23.122, de 11 de Outubro de 1933.
4.1.4 Ponte da Ribeira Grande
Situada aproximadamente a 1,5 Km a norte da vila, na estrada para Alter do Chão, atravessando o curso da Ribeira Grande, ergue-se, numa extensão de quase 90 m e com uma largura de aproximadamente 4 m, uma ponte com dez arcos dos quais apenas nove são visíveis, seis deles dotados de talhamares. A esta ponte atribui-se, geralmente, uma origem romana se bem que tal informação não esteja minimamente comprovada. Construída na sua quase totalidade em laje, certamente extraída dos afloramentos xistosos existentes na sua vizinhança, a ponte apresenta, porém, no arrancamento dos arcos, alguns blocos de cantaria de granito, sendo igualmente visíveis algumas alterações na sua curvatura, indício provável de um alteamento do piso da ponte. Escrevendo sobre este monumento em meados do séc. XIX, o autor das Antiguidades de Fronteira, baseando-se nos registos das actas da Câmara Municipal dos dias 3 e 9 de Setembro de 1582, a seguir transcritos, situou nesse ano a construção da ponte: Aos três dias do mês de Setembro de 1582 anos nesta vila de Fronteira na Câmara dela estando aí fazendo vereação André Dias Davide e Manuel Tenreiro e Heitor Mendes vereadores e António Luis procurador do concelho perante eles apareceu Brás Afonso e Domingos Afonso pedreiros que estão obrigados a fazer a ponte e lhes disseram os ditos vereadores e procurador do concelho que eles começassem a fazer sua obra a que estavam obrigados da dita ponte porquanto eles vereadores estão prestes para lhe dar dinheiro e que logo estavam prestes para lhe dar que fossem trabalhar e sendo presentes os ditos domingos afonso e brás afonso disseram que eles ditos juiz e vereadores e procurador do concelho lhe dessem todo o dinheiro que lhe estão a dever que eram quarenta e sete mil reis ou o que na verdade for que eles estavam prestes para ir trabalhar e pelos ditos juiz e vereadores e procurador do concelho foi dito que Sábado até Domingo primeiro que vem que são nove dias deste dito mês lhe dariam
todo o dinheiro que lhe devessem do resto da dita ponte e para receber ficavam requeridos os ditos pedreiros e o povo que não vindo no dito dia o dito Brás Afonso e Domingos Afonso que procederão contra eles até ser preso e trazido a esta cadeia e por de tudo serem contentes mandaram fazer este termo que assinaram com oss ditos juiz e vereadores e procurador do concelho e eu Fernando Afonso Correia escrivão da Câmara o escrevi [...].
Aos nove dias do mês de Setembro de 1582 anos nesta vila de Fronteira na Câmara dela estando aí o licenciado Francisco Lobo juiz de fora com alçada por el-rei nosso senhor nesta dita vila e André Dias e Manuel Tenreiro vereadores e António Luis procurador do concelho perante eles apareceram Brás Afonso pedreiro e Domingos Afonso outrossim pedreiro que estão obrigados a fazer a ponte desta dita vila e os ditos juiz e vereadores e procurador do concelho lhe entregaram quarenta mil reis a cada um vinte mil reis os quais se lhes deram para acabar a dita obra da ponte os quais lhe deram aos ditos pedreiros por virtude de uma provisão de el-rei nosso senhor e fiança que tinham dado os ditos pedreiros [...].
Houve, efectivamente, obras na ponte naquele ano de 1582. Seriam, porém, as obras de construção da mesma? A esta pergunta nos respondem inequivocamente as Posturas Municipais do ano de 1568 no seu título Das Barrelas: Puseram por postura que as pessoas que quiserem ir fazer barrelas as possam fazer em todo o ano da banda de além da ponte desde os penedos que estão defronte do Rasteiro até à azenha de Lopo Gomes [...].
Como se vê, a ponte existia já catorze anos antes da obra levada a efeito por Brás e Domingos Afonso. E não existe qualquer confusão quanto à ponte de que se trata porque a regulamentação sobre as barrelas refere o Rasteiro que era o então nome do moinho que ainda lá se encontra hoje em dia, a juzante da ponte, no topo da actual praia fluvial. Não ficam, porém, por aqui os documentos comprovativos da anterior existência da ponte. O Tombo da Confraria do Corpo de Deus de Fronteira refere-a, por duas vezes, em datas anteriores, por ocasião do aforamento dos seus bens. A primeira nota surge-nos em 1448: Uma courela que deixou Vasco Anes Centeio além dos olivais da ponte que parte com outra courela do dito hospital e parte com outra courela de Afonso Martins Centeio [...] e a segunda, em 1486: Outra courela que está além dos olivais da ponte e entesta caminho de Alter e da outra parte com Vasco Anes Centeio e leva um moio de trigo.
Perante estes testemunhos teremos, pois, que considerar os trabalhos levados a cabo em 1582 como obras de conservação, beneficiação ou reconstrução, à semelhança de outras que viriam a ter lugar, por exemplo, logo em 1604, em virtude da ponte se achar danificada das cheias e das gentes. De qualquer forma, cremos que a primitiva edificação datará de época bem mais recuada e isto porque se encontra no trajecto de uma importante estrada que ligava as Beiras ao Alentejo, já referenciada no séc. XIV, estendendo-se, entre Évora e Castelo
Branco, ao longo de 26 léguas de um trajecto de intenso tráfego de homens e mercadorias, grande corredor de transumância para os gados da região beirã. Além desta estrada, também outra, proveniente de Benavila, com percurso pelo Monte Branco e herdades dos Pintos e dos Sete Vales se cruzava com a primeira nas vizinhanças da ponte, onde entroncava ainda, depois de atravessar o Vale de Seda, o Caminho de Abrantes, rota de escoamento dos produtos locais para os portos do Tejo. No mesmo local situou o investigador Mário Saa, a passagem de uma via romana secundária que estabelecia a ligação entre as actuais povoações de Seda e Estremoz. Ainda em 1870, por ocasião da construção da estrada municipal nº. 15 de Fronteira a Alter do Chão, o autor da memória descritiva do projecto referia, a propósito da sua importância, que por ela são prolongadas duas estradas reais que penetram até ao coração de duas províncias vizinhas – da Beira e do Alentejo Todos estes elementos vêm reforçar a importância de um atravessamento permanente do curso de água naquele ponto desde os tempos mais remotos. As obras efectuadas nesta época conferiram à ponte muito do seu actual aspecto, tendose então demolido as antigas guardas, de alvenaria, com 50 cm de espessura, de modo a permitir o alargamento do tabuleiro. Maiores alterações sofreu o traçado da antiga estrada que viria a ficar muito à direita da nova, do lado de Alter do Chão e que, do lado de Fronteira, abandonaria o antigo traçado para contornar, à meia encosta, o outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha. Além desta ponte existem ainda, sobre o mesmo curso de água duas outras pontes: a chamada Ponte do Caminho de Ferro e a Ponte das Várzeas. A primeira, uma ponte ferroviária construída no ramal Estremoz-Portalegre, actualmente desactivado, foi edificada, em granito da região, em 1936.
A segunda, pequena obra de engenharia que veio substituir com vantagens evidentes o uso das antigas passadeiras, data da década de setenta do passado século.
4.1.5 Torre do Relógio No dia 31 de Janeiro de 1597, mandou a Câmara a Francisco Gouveia, natural de Fronteira e a António Dias, de Portalegre, ambos mestres pedreiros, que vistoriassem a Torre do Relógio por esta ameaçar ruína iminente. Feita que foi a vistoria, declararam os pedreiros que a torre poderia cair havendo alguma invernada por estar aberta por muitas partes. Apesar do adiantado estado de degradação, só quinze anos mais tarde, em 31 de Janeiro de 1612, a Câmara mandou pôr em pregão a obra de demolição da torre, até à altura dos telhados da Praça, quando já haviam começado a cair alguns pedaços dela, como se verá do auto abaixo: Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e seis centos e doze anos em esta vila de Fronteira ao derradeiro dia do mês de Janeiro do dito ano em as Casas da Câmara dela estando aí o doutor Cristóvão de Abreu ouvidor deste mestrado de Avis e bem assim Álvaro Martins Davide e Gonçalo Vaz Pinto e Manuel Cardoso vereadores este presente ano e Fernão Dálvares procurador do Concelho logo pelos ditos ouvidor e vereadores foi mandado a Simão Álvares porteiro deste Concelho fosse à praça e mais lugares públicos dela e neles apregoasse que quem quisesse derrubar a torre do relógio por estar começada a cair parte da dita torre e este povo o requeresse que se derrube como consta de um [?] que ele dito ouvidor mandou fazer o qual está em poder de mim escrivão e que quem quisesse lançar no desmancho da dita torre fizesse lanço porque logo se havia de derrubar por estar muito perigosa pelo dano que pode fazer caindo e assim mais que para todo o ladrilho que se puder tirar em cima do muro
fazendo primeiro da parte de baixo do muro uma parede de pedra e barro para não furtarem o tijolo e assim mais porá a pedra mostradora sem perigo nenhum em cima do muro e que derrubará até ao andar dos telhados da banda da praça e a mais pedra da torre deitará na casa da sisa e no vão da torre e a que mais sobejar porá bem concertada ao longo da casa da sisa e do Burrinho e nos mais lugares no redor em que comodamente se puder pôr . E foi e veio o dito porteiro e veio e deu sua fé que ele apregoara o desmancho da dita torre ontem Domingo e hoje dia desta arrematação e nunca outro menor lanço achara que o que fez João Álvares pedreiro morador nesta dita vila que fez lanço com todas as condições atrás escritas de doze mil reis fixos de todos os custos para ele dito lançador e por não haver outro menor lanço mandaram os ditos ouvidor e vereadores se lhe arrematasse por bem do que o dito porteiro se pôs da janela da Câmara em voz alta dizendo doze mil reis me dão por desmancharem a dita se aí ha. quem menos queira lançar venha-se a mim e receber-lhe-ei o lanço por que logo se ha.-de arrematar e lhe meteu o ramo na mão diante de mim escrivão e das testemunhas no fim escritas e o dito João Álvares pedreiro se obrigou logo por sua pessoa a bem derrubar logo a dita torre pelo dito preço conforme a condição atrás sob pena de se mandar derrubar e fazer tudo à sua custa[...].
Enquanto decorriam os trabalhos de demolição da antiga torre para no próprio lugar abrirem os alicerces da nova os quais viriam a ficar concluídos a 25 de Fevereiro, a Câmara requereu ao Juiz de Fora de Estremoz que lhe enviasse um oficial o mais experimentado que houver para fazer, juntamente com os oficiais da terra, um rascunho da nova torre a construir, tendo o magistrado de Estremoz designado para esse efeito mestre Manuel Dias. Desse trabalho chegou até nós a versão final que a seguir se apresenta:
Apontamentos da Torre da Vila de Fronteira Esta torre há-de ter de largo vinte palmos em quadrado ; e de alto de pé direito oitenta palmo com duas cimalhas, e daí para cima , a pirâmide de trinta palmos de alto conforme à amostra. Há-de ter três abóbadas, a primeira há-de ser no andar do muro, por onde há-de ter serventia para a torre, e nessa altura há-de ter a primeira faixa, e o portado para a torre. E há-de ter outro portado no pé da torre e estes de pedraria. A segunda abóbada há-de ser para as rodas, e engenho do relógio onde há-de ter uma fresta, que baste para claridade, de pedraria. A terceira abóbada há-de ser na Segunda faixa, sobre esta abóbada hão-de assentar as janelas. Esta torre há-de ser toda vã, e há-de ter da primeira abóbada uma escada em voltas, que não impeça os pesos com fresta que não fique escura. As paredes até à primeira abóbada, hão-de ter de grosso cinco palmos. As paredes da primeira abóbada até à terceira, hão-de ter de grosso quatro palmos. Remates, cimalhas, e janelas, e portados, e cunhais, tudo há-de ser de pedraria parda. A pirâmide há-de ser de azulejos de cores. Toda esta obra há-de ser guarnecida pela parte de fora, e de dentro rebocada.
E porque uma parede toma muito muro há-de ser derrubado tudo o que toma a torre, e posta em bom firme.
Entretanto, tendo em vista os elevados custos de construção da nova torre, incomportáveis para as finanças da autarquia, a Câmara requerera a Filipe I a autorização necessária para lançar uma finta destinada a custear as obras. Depois de tirada informação junto do Provedor da Comarca de Évora da oportunidade da petição e após terem sido avaliados os traço e apontamentos da obra, o rei deliberou : Eu El Rey faço saber aos que este meu Alvará virem que os oficiais da Câmara da vila de Fronteira me enviaram dizer por sua carta que na dita vila havia uma torre antiga em que estava o relógio a qual por estar muito danificada arruinou de todo e ficou a vila sem relógio, por não haver lugar decente em que se pudesse pôr. E me pediam lhe fizesse mercê mandar que a dita torre se reedificasse de novo, para nela se tornar a pôr o relógio, por não o haver na terra, e que para a despesa que na obra se fizesse, se pusesse na dita vila uma imposição na carne e vinho, os anos que parecesse. De que mandei tirar informação pelo Provedor da Comarca da Cidade de Évora. E vendo a traça e apontamentos quue se fizeram da obra da dita torre, e lanços que em ela houve dos quais o mais acomodado e seguro foi de quatrocentos e quarenta mil reis. E o consentimento do povo e pessoas da governança para se pôr a dita imposição. Hei por bem que a dita torre se faça e se reedifique conforme a traça que dela se me enviou e que por tempo de quatro anos se ponha imposição na dita vila de um real em cada arrátel de carne ; e outro em cada quartilho de vinho, que na dita vila se vender [...]. Porém, entre a demolição da torre e a passagem deste alvará, datado de 2 de Março de 1613, sofria grande prejuízo a população em virtude de não haver relógio nesta vila pelo que a Câmara determinou, na sua sessão de 13 de Maio seguinte, pôr na torre que está
junta à que caiu [...] uma casa de madeira pegada às ameias fora da parede e que a madeira havia de ser de Leiria e havia de ter nove palmos de altura e oito palmos de largo que ha.-de ter dez palmos de comprido que o sino ha.-de estar em direito das ameias oito palmos de alto e ha.-de estar em cima de uma trempe de ferro em que o sino esteja e a casa ha.-de ter uma porta para entrarem. Arrematada a obra por 13.000 rs., esta viria a ser executada por António Pinheiro, carpinteiro e Francisco da Mota, ferreiro. Quanto à nova torre, a empreitada da sua construção foi adjudicada a André Francisco, de Estremoz e João Álvares, de Fronteira , por 440.000 rs., em 16 de Outubro de 1613. Os trabalhos de demolição da torre primitiva decorreram lentamente e só em 21 de Abril do ano seguinte a Câmara pôde mandar fazer vistoria dos alicerces já então abertos. Porém, os oficiais chamados a fazer a peritagem declararam não estarem os alicerces capazes de suportar a obra pelo que foi necessário refazê-los. Daqui se depreende que a edificação da torre deve ter tido o seu início em fins de Abril ou princípios de Maio daquele ano e viria a ficar concluída no dia 19 de Julho de 1618, data em que a Câmara Municipal a vistoriou pela derradeira vez e deu quitação à viúva do empreiteiro André Francisco, entretanto falecido. Ainda antes da conclusão da obra e tendo em vista a reparação do relógio e a colocação de um sino novo, a autarquia requereu ao rei que, para esse fim, lhe fizesse mercê dos rendimentos dos bens de raiz do concelho, pretensão que o que o monarca deferiu pelo seguinte alvará registado aos 27 de Abril de 1618: Dom Filipe por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquém e de além mar em África Senhor da Guiné etc. faço saber a vós Provedor da Comarca da Cidade de Évora, que vi a informação que me enviastes sobre a carta que me escreveram os oficiais da vila de Fronteira,, por que me pediam lhe fizesse mercê, que do dinheiro dos
bens de raiz se reformasse o sino do relógio, e se consertassem algumas rodas dele que estavam quebradas. Hei por bem que dos ditos bens de raiz se tomem os setenta mil reis que dizeis que serão necessários para se reformar o dito sino, e rodas do dito relógio, os quais despenderão nisto somente o que se fará por vossa [...]. Pela mesma altura e atendendo à muito grande devassidão em se levar a pedra que sobeja da torre a qual pedra é deste concelho e puseram de pena que toda a pessoa que levar alguma pedra quer seja muita quer seja pouca achada ou provado de dia, ou de noite dez cruzados para este concelho [...]. Entretanto, o relógio viria a ser reparado pelo já antes mencionado Francisco da Mota e a fundição do novo sino seria posta em praça a 27 de Junho, na forma seguinte: E logo nesta Câmara os ditos juiz e vereadores, a campa tangida, mandaram chamar muitos homens nobres, e da governança e muitos do povo, e o porteiro do concelho Francisco Fernandes deu sua fé que apregoou na praça pública desta vila que todo o povo se ajuntasse hoje nesta Câmara para se contratar com ele a qual dos dois oficiais sineiros se daria obrigação de fazer o sino para o relógio, e sendo juntos muitos homens nobres, e do governo da terra, e outros muitos do povo os ditos juiz e vereadores lhe puseram em prática que nesta vila havia dois homens que queriam fazer o dito sino : Luis de Cigussano [?] estrangeiro, e outro homem morador desta vila casado com Leonor Martins, e porque o da terra queria fazer o dito sino do relógio por preço de trinta reis cada um arrátel de feitio, e o Luis de Cigussano queria fazer o dito sino por preço de trinta e cinco reis cada um arrátel de feitio, uns foram de parecer que o mais caro, e outros que o mais barato se aceitasse os ditos juiz e vereadores o puseram em votos, e votando houve muitos mais votos que se aceitasse o mais caro por razão de serem informados de ser oficial mais primo, e melhor[...].
Logo após a votação, a Câmara fez lavrar em acta o contrato de construção do sino, com as seguintes condições: [...] o sino será muito bom e a contentamento desta Câmara e do povo e será visto por oficiais que bem o entendam, e que à sua custa há-de levar o metal à cidade de Portalegre, e ha-de trazer o sino feito, e pô-lo em seu lugar onde há-de estar para sempre a seu risco, e caso que haja algum desastre será à sua custa, e se for de ruim voz, de modo que este povo e Câmara não seja contente que o tornará a refundir à sua custa, e lhe dará este povo toda a ajuda e gente, e calabres, e cordas necessárias para se pôr o dito sino em seu lugar [...]. Porém, por razões que desconhecemos, o arrematante não viria a honrar o contrato pelo que a Câmara o poria novamente a concurso no dia 14 de Setembro, data em que o sineiro de Fronteira, Damião Dias, arrematou a sua construção. Finalmente, no dia 6 de Novembro de 1618, data que assinala definitivamente a conclusão das obras da torre, os oficiais da Câmara inspeccionaram e aprovaram o sino sem embargo do dito sino sair da fundição imperfeito de modo que não tinha as asas todas acabadas, e [a] do meio de todas que é a principal estava de todo por fazer, e por o corpo do dito sino sair muito bom, e formoso, e o dito sineiro lhe consertar as ditas asas de tal modo que o dito sino foi levado pela perqua acima à torre do dito relógio onde está ainda hoje posto e ter muito boa toada eles ditos vereadores o aceitam. Apesar de completamente reparado, o relógio cedo deu sinais de mau funcionamento, obrigando a sucessivas reparações de que temos notícias em 1627, 1629 e 1681. Em 1790, o tear do relógio foi apeado e levado para a cidade de Elvas onde grande parte das peças foi feita de novo.
Em 1829, o sino dos quartos, instalado na torre em data incerta, foi substituído por um novo, comprado em Lisboa à firma Irmãs Guerra, Ldª. Não esqueçamos que, até há poucos anos, este sino era também utilizado para tocar a rebate em casos de incêndio, o que, só por si, justificaria as preocupações com a sua boa conservação. A própria torre, se bem que de boa construção, foi sofrendo os efeitos do tempo, especialmente na sua parte superior pelo que, em 1878, na sua sessão de 10 de Abril, a autarquia decidiu aprovar o orçamento para a compra de 150 azulejos brancos e 250 azulejos azuis para reparação do revestimento da pirâmide que a encima. É a esta reparação que se refere o letreiro que ainda hoje se pode ler na face sul da dita torre. A última grande reparação de que temos notícia teve lugar em 1903, ano em que o município adquiriu um novo mecanismo para o relógio. Merece ainda referência o conjunto de edifícios, na sua maior parte residências de grandes proprietários locais, situadas ao longo da Rua dos Trigueiros. De entre estas sobressai, pela sua traça e dimensões, a residência da família Soares Franco, construída nas primeiras décadas de 1800. Dos imóveis construídos durante o século passado destacam-se o Palácio da Justiça, obra do ministério da tutela, executada com mão de obra prisional e inaugurado em Abril de 1967 em cuja sala de audiências se encontra aquela que Mestre Martins Barata considerava a sua obra-prima, a pintura mural intitulada Atoleiros e o edifício da Estação dos Caminhos de Ferro, cujos trabalhos de construção tiveram início em 22 de Abril de 1929, com a presença das autoridades locais que se fizeram acompanhar ao local pelas duas filarmónicas de Fronteira. Merecem especial relevo, pela sua alta qualidade, os painéis de azulejos aí existentes, da autoria de Leopoldo Battistini, fabricados em Constância.
De temática agrícola e pastoril, onde predominam o azul, sépia e amarelo, os painéis são envolvidos por uma cercadura rocócó de folhagens e bagas, pela parte de baixo e, pela superior, por folhas e flores. A porta de acesso ao edifício está ladeada pelas figuras de uma ceifeira e de um tocador de acordeão, natradição das figuras de convite do séc. XVIII. Existem, ainda, dois obeliscos, ambos comemorativos da Batalha dos Atoleiros: o primeiro está colocado junto ao local da batalha e foi erguido por iniciativa do General Ricardo Durão, comandante da R.M.S. O segundo, colocado no topo norte da Avenida Heróis dos Atoleiros, foi encomendado pela Câmara Municipal de Fronteira, na década de 1940 mas, por razões que desconhecemos, não chegou, naquela época, a ser trazido para Fronteira. Só muito recentemente (2000) a autarquia o recuperou e mandou colocar no local onde se ergue actualmente.
5. OS HOMENS
5.1 FRONTEIRENSE ILUSTRES Muitos foram os fronteirenses que por suas obras ergueram bem alto, ao longo do séculos o nome da sua terra natal. De alguns deles aqui deixamos uma breve memória, modesta e sentida homenagem aos nossos mais ilustres conterrâneos.
António Rodrigues Vilalva – Músico do Séc. XVIII, discípulo de Manuel Ribeiro. Compôs Salmos, Missas, Hinos, uma Missa Especial para Oito Vozes e, ainda, muita música para cantochão. Foi mestre de capela no Hospital Real e nas sés de Évora e Lisboa.
Pe. Afonso Vaz – Religioso da Companhia de Jesus, nasceu em Fronteira por volta de 1566. Foi, no dizer de A. Franco, homem de grandes prendas e talentos cabais, assim para os magistérios como para os púlpitos; religioso de virtudes sólidas, as quais coroou todas com a morte que teve no exercício da caridade. Saído de Lisboa na frota comandada por D: Afonso de Noronha, em 1617, morreu, nesse ano, contaminado pela peste que grassou entre os tripulantes
António Carneiro – Poeta e historiador. Em 1585 foi nomeado vedor dos exércitos espanhóis na Flandres. Durante o período em que ocupou este cargo escreveu uma Historia de las guerras de Flandres desde el año de 1599 hasta el de 1609 y las causa de la rebellion de dichos estados. Em recompensa dos serviços então prestados foi nomeado procurador da Ordem de Calatrava. Lope de Veja refere-o, em termos elogiosos, no seu Laurel de Apolo.
Fr. Bartolomeu Ribeiro – Religioso da Ordem de Nossa Senhora das Mercês, foi nomeado bispo de Nicotera, no antigo reino de Nápoles, em 12 de Novembro de 1691. Faleceu em 1702.
Cândido Fernandes de Oliveira – Nasceu em Fronteira aos 24 de Setembro de 1896, filho de António Plácido de Oliveira, natural de Samora Correia e de Maria Claudina da Silveira, da Ilha das Flores. Órfão de pai, desde tenra idade, entrou para a Casa Pia em 15 de Junho de 1905, onde a sua compleição física lhe granjeou a alcunha de Chumbaca. Muito cedo se revelou um aluno exemplar praticando, simultaneamente, todas as modalidades desportivas, com especial destaque para o futebol. A distinção alcançada nos estudos e nas actividades desportivas valeu-lhe o Prémio Januário Barreto. Ainda na Casa Pia tirou o curso de telegrafia ministrado naquela instituição, saindo dela directamente para os Correios e Telégrafos onde, em breve, atingiu a categoria de Chefe de Divisão da qual viria a ser demitido, por motivos políticos e preso no campo do Tarrafal, acusado de participar num movimento favorável à intervenção aliada em Portugal, em caso se invasão pelas forças nazis. Anos mais tarde, foi um dos fundadores do Casa Pia Atlético Clube de cuja turma foi também capitão. Jogador de elevada craveira técnica, capitaneou a selecção portuguesa no seu primeiro jogo internacional, contra a Espanha. Em 1928, foi seleccionador e treinador da equipa olímpica portuguesa nas Olimpíadas de Amsterdão, tendo integrado ainda, enquanto jogador, além do Casa Pia, a equipa do Sport Lisboa e Benfica.
Estudioso do futebol, a prática deste desporto era, para ele, um jogo de associação de esforços, um trabalho de equipa em que as proezas individuais só pontualmente seriam úteis. Notável foi, sem dúvida, o seu trabalho enquanto seleccionador e treinador, função que desempenhou nas equipas da Associação Académica de Coimbra, do Belenenses, do Sporting Clube de Portugal, do Futebol Clube do Porto e do Vasco da Gama. Fundou, juntamente com o seu antigo companheiro casapiano Ribeiro dos Reis, o prestigioso jornal desportivo A Bola. Entretanto, o seu renome como teórico do desporto futebolístico ultrapassara já largamente as fronteiras nacionais. Vitorio Pozzo, o grande seleccionador italiano, referiu-se a Cândido de Oliveira como um dos maiores tratadistas mundiais dos problemas do futebol, considerando-o, juntamente com o inglês Walter Winterbotton, os dois técnicos de futebol mais cultos do mundo. Mestre Cândido, como era afectuosamente conhecido nos meios desportivos nacionais, faleceu em Estocolmo, a 23 de Junho de 1958, quando fazia a cobertura jornalística do campeonato mundial de futebol. Da sua vasta bibliografia destacamos: A primeira greve telégrafo-postal (1925), Amadorismo e Profissionalismo (Discurso), Aspectos Psicológicos dos Casapianos (1934), XII Portugal-Espanha: Relatório do Seleccionador (1935), Football: técnica e táctica (1935), Os jogos internacionais da época de 1935-1936 (1936), A formação dos jogadores de futebol (1938), Futebol: desporto da juventude (1945), Os segredos do futebol (1947), A evolução da táctica do futebol VM (1949) e Tarrafal: Pântano da Morte (1974) (Edição Póstuma).
Pe. Francisco Lopes – Missionário jesuíta, nasceu em Fronteira e faleceu em Fremoná, na Abissínia, a 15 de Maio de 1597, aos oitenta anos, depois de quarente anos de de serviço evangélico.
Pe. Gaspar Cardoso – Nasceu em 1559, filho de André Cardoso e Inês Fernandes. Ingressou na Companhia de Jesus e foi professor de Humanidades, reitor do Colégio da Madeira e procurador da sua ordem, em Madrid. Escreveu Meditações para todos os dias da Semana Santa e Calendário Romano para rezar as Horas Canónicas.
José Cabedo de Vasconcelos – Nasceu em Fronteira, em 25 de Junho de 1638 e faleceu em 18 de Novembro de 1691, filho de Jorge Cabedo de Vasconcelos e de D. Ana Maria Castelo Branco. Foi genealogista de renome e deixou, manuscrito, um Nobiliário das famílias de Portugal.
Doutor Luis de Lemos – Médico do séc. XVI, estudou Filosofia e Medicina na Universidade de Salamanca onde foi professor. Mais tarde, em Portugal, foi nomeado médico da Câmara Real. Escreveu as seguintes obras: Paradoxorum dialectiorum (1558), In librum Aristotelis Perihermenias commentaria (1558), Commentaria in Galenum de facultatibus generalibus (1580), In libros XII de morbis medendis commentarii (1581), De optima praedicendi ratione libri VI. Item Judici magni Hippocratis, liber unus (1585).
Fr. Manuel Cardoso – Para a biografia desde grande músico do séc. XVII, dêmos a palavra a Fr. Manuel de Sá:
Na vila deFronteira, bispado de Elvas, e não na cidade de Beja, como diz D. Nicolau António, nasceu o R. P. Fr. Manuel Cardoso; seus pais Francisco Vaz e Isabel Cardosa, não se contentando com a nobreza, que lhe adquiriram seus antepassados, se exercitaram em a melhor, que é a da virtude, e criando os filhos, que tiveram, com todo o cuidado, este logo dos primeiros anos o dedicaram para filho de Maria Santíssima, Senhora do Carmo. Para conseguirem os seus desejos, logo que foi de idade competente, o mandaram para a cidade de Évora, para nela estudar Gramática, e arte da Música, à qual se aplicou tanto, que em pouco tempo se fez destro nela, e depois estudou contraponto, e se granjeou os aplausos de excelente compositor, e a honra de fazer o compasso na catedral da dita cidade. Nestes termos estava, quando sucedeu ir visitar o convento da mesma cidade de Évora o M. R. Pe. MestreFrei Simão Coelho, Provincial, que então era desta Província, o que sabendo seu pai, lhe veio falar, e lhe manifestou o ter dedicado aquele filho a Maria Santíssima, para ser religioso, dando-lhe notícia assim do seu préstimo, como do seu merecimento; e informando-se de uma, e outra coisa o Muito Reverendo Padre Provincial, e da limpeza de sangue e achando ter os requisitos necessários o aceitou, e lhe mandou passar patente. Já era outro Provincial, quando ele tomou o hábito no Convento de Lisboa, no primeiro de Julho de 1588, e no mesmo convento, tendo já completos 19 anos de idade, professou aos 5 de Julho de 1589. O grande aplauso que tinham as suas composições, o excitou a se aplicar com todo o desvelo a esta arte, e de tal sorte o conseguiu, que foi um dos maiores, e mais insignes compositores, que houve não só neste reino, mas em toda a Europa; mas sendo tão insigne nesta arte, nunca usou dela, senão para compor o com que se louvasse a Deus na sua Igreja. Tão grande estimação se granjeou, que não só era venerado dos Religiosos seus irmãos, mas dos das outras sagradas Famílias, da Nobreza e Títulos da Corte, e até
das Pessoas reais, como bem se viu nos grandes favores, que lhe fez o Rei Católico Filipe IV, quando levando-lhe à Corte de Madrid um dos livros, que compôs de Missas, que dedicou à mesma Majestade, e como nela ia uma, que o mesmo Monarca lhe tinha mandado dizer compusesse, o estimou tanto, que além das honras, que lhe fez, , lhe deu uma boa esmola para vir para este Reino, e despachou a um irmão seu com o Hábito de Cristo, e o fez Desembargador da Casa da Suplicação, e todo o tempo que esteve em Madrid, os dias que El-Rei assistia na Capella, lhe mandou que fizesse o compasso aos seus músicos, querendo-o desta sorte honrar publicamente. O Senhor Rei D. João IV, de gloriosa memória, também o honrou muito, mandando-o chamar muitas vezes ao palácio para tratar com ele sobre a arte da Música (da qual foi também destríssimo compositor) e chegando a vir à sua cela, e lhe fez muitas outras honras; e quando quis ornar a Livraria de Música da sua Real Capela, mandou fazer retratos dos homens mais insignes desta arte, e entre eles lhe deu o primeiro lugar, mandando por o seu muito ao natural, como nela se vê ainda hoje. Os anos que viveu na Ordem, foi naquele convento; onde foi quase todo o tempo de Sacerdote Mestre de Capela, e no mesmo foi muitos deles Subprior: a dita ocupação exercitou com tanta perfeição, que ainda há vivas memórias na tradição de uns a outros do zelo, que teve no mesmo emprego [...]. Fr. Manuel Cardoso viria a falecer, no Convento do Carmo, em 24 de Novembro de 1650 e aí foi enterrado numa sepultura onde se lia: Aqui jaz o Padre Fr. Manuel Cardoso Mestre e Varão insigne na Arte da Música. Faleceu em 24 de Novembro de 1650. Relativamente à nota biográfica atrás transcrita, acrescente-se ainda que, graças às pesquisas de Eurico Gama na Biblioteca Municipal de Elvas, foi possível localizar com
exactidão a verdadeira data do nascimento do músico fronteirense que ocorreu quatro anos antes da apontada por Sá, em 11 de Dezembro de 1566. A sua extensa obra foi, ainda de acordo com o seu biógrafo, publicada em seis volumes: quatro de Missas, um de Magníficas e outro da Semana Santa. Juntamente com as de Duarte Lobo e Filipe de Magalhães, a obra de Cardoso constitui um dos expoentes máximos da polifonia da Escola de Évora. Depois de um longuíssimo eclipse, a música daquele a quem Faria e Sousa se referiu na sua Fuente de Aganipe como: ...altissimo el Cardoso que excede al gran Ruger si le acompaña. voltou, recentemente, a brilhar com fulgor intemporal na cena musical internacional, nomeadamente em Inglaterra, onde foi, em 1991, executada e gravada em Westminster pelo prestigioso coro daquela Abadia. Para os mais curiosos por essa música da qual alguém disse ser mensagem eterna porque servida pela Fé inalterável nos destinos do Homem, aqui deixamos, passe a publicidade, as referências das gravações disponíveis no mercado discográfico: Masterpieces of Portuguese Polyphony-2 (Hyperion CDA66512), Frei Manuel Cardoso: Requiem, Motets (Gimmel CDGIM 021), Manuel Cardoso, Duarte Lobo (Collins Classics 14072), edição patrocinada por Lisboa 94 Capital Europeis da Cultura.
Pedro Freire de Oliveira – Professor e latinista. Nasceu em Fronteira a 11 de Abril de 1758 e aí faleceu, de apoplexia, aos 3 de Julho de 1814. Em 1774, com apenas dezasseis anos de idade, fez exame em Évora para professor da cadeira de Latim desta vila tendo começado a leccionar no dia 1 de Julho daquele ano.
Excelente no seu magistério, às suas aulas acorriam alunos de localidades distantes. Exerceu durante muito tempo a advocacia mediante autorização concedida pela Mesa do Desembargo do Paço. Deixou manuscritas as seguintes obras: uma Gramática e uma Selecta latinas;
a
tradução das obras O DiaboCoxo, de Lesage, o Elogio da Loucura, de Erasmo e Explicação vulgar das Cerimónias e Ritos da Semana Santa, traduzido do italiano; um opúsculo dividido em duas partes – Que coisa é um Papa e Que coisa é um Bispo; uma tradução das Sátiras, de Juvenal e uma Declaração analítica e apologética sobre as indulgências que os frades franciscanos arrogam pelo hábito de se lhes beijar a manga do hábito, obra que lhe valeu, em 1794, a perseguição dos religiosos. De todas as suas obras, apenas uma chegou aos prelos. Trata-se da Colecção das instruções, que dá aos seus discípulos no exercício da Latinidade Pedro Freire de Oliveira, professor etc. Tiradas dos bons autores que sobre estas matérias escreveram, e acomodadas à capacidade dos que aprendem. Esta obra, impressa em 1790, viria a ter um destino assaz curioso. Em 1819, cinco anos após a morte do seu autor, saiu uma nova edição, do livreiro Jorge Rey, que entretanto adquirira a propriedade da obra. Apesar de muito inferior à primeira, esta tiragem depressa se esgotou, chegando a atingir preços desproporcionados, tal a procura de que era alvo por parte dos estudantes da latinidade. Não ficou por aqui, porém, a atribulada existência das Instruções. Em 1859, Joaquim Lopes Carreira de Melo, director do Colégio de Nossa Senhora da Conceição, em Lisboa, pegou na obra, deturpando-a, e publicou-a com o título de Compêndio histórico sobre os costumes dos romanos, fundação de Roma, sua organização política, administrativa, judiciária, militar, cerimónias civis e religiosas. Para uso dos estudantes da latinidade!
Este plágio, que teria nova edição em 1861, chegou mesmo a ser adoptado pelo Conselho Geral de Instrução Pública para uso das escolas. E deste modo se apagou por completo a memória do professor de Fronteira cujos trabalhos foram precioso auxílio para várias gerações de estudantes, sem que o seu nome tivesse, em tempo algum, recebido o reconhecimento merecido.
5.2 Famílias Nobres de Fronteira
Como não podia deixar de ser, em terra que foi em tempos a mais importante do Mestrado de Avis, é evidente que nela floresceram também indivíduos e famílias que, pela sua ascendência, pela sua riqueza ou pelos cargos exercidos tiveram foros de fidalguia. Essas linhagens cujas primeiras gerações aqui viveram, cedo se transferiram para meios mais atractivos, nomeadamente Évora, Lisboa, Setúbal e Coimbra, onde lhes era possível manter um estilo de vida mais de acordo com o estado social de que se reclamavam, graças às rendas e proveitos auferidos em bens vinculados na terra de origem. Algumas delas vieram mesmo a aliar-se, por via matrimonial, a grandes casas da nobreza titular nas quais se incorporaram morgados e capelas instituídos em Fronteira como sucedeu, por exemplo, nas casas condais de Murça, Galveias e Camarido. As famílias da nobreza de Fronteira a que já tivemos oportunidade de aludir no capítulo consagrado à Igreja Matriz e outras que agora referimos como os Cabedos, Palhas, Gamas Lobos, Freires, Britos, Davides e Tinocos são, essencialmente, conhecidos através da documentação nobiliárquica posterior ao séc. XVI produzida, muitas vezes,
sem grande respeito pela verdade genealógica. Porém, é inegável que parte delas já se encontrava em Fronteira anteriormente ao séc. XVI. Não é nosso intuito esmiuçar aqui as ramificações e alianças dessas famílias o que seria, pelo menos, fastidioso pelo que remetemos o leitor mais curioso destas matérias para as obras da especialidade. Permitimo-nos, no entanto, por se tratar dos únicos dois casos de nobilitação de indivíduos de cujas cartas de brasão há notícia certa, citar os nomes de Pedro Francisco Martelo e de António Borralho Murça. O primeiro, descendente de uma família de origem supostamente espanhola, foi sargento-mor de Fronteira, superintendente das coudelarias e cavaleiro do Hábito de Cristo. As suas armas, concedidas por carta de 24 de Julho de 1703, são as que se podem ver no brasão exposto no actual Centro Cultural de Fronteira António Borralho Murça foi capitão-mor de Fronteira onde desempenhou também vários cargos na governança e instituidor do Celeiro Comum de Fronteira. Em 1748 foilhe passada carta de brasão, com as armas dos Borralhos.
5.3 IRMANDADES E CONFRARIAS
Como já, em parte, se viu no capítulo dedicado às igrejas de Fronteira, eram numerosas as confrarias e irmandades nelas sediadas. Aquelas eram, no entanto, apenas uma parte de quantas aqui existiram e floresceram ao longo dos séculos, as quais, à excepção da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia cujo cartório chegou, em grande parte, até aos nossos dias, desapareceram sem quase deixar rasto, de tal modo que, em princípios do séc. XX, se acha somente documentada
a existência de duas delas: a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora da Vila Velha. As razões desta sobrevivência parecem-nos óbvias: estas eram as duas únicas instituições confraternais, além da Misericórdia, que dispunham ainda, naquela época, de património próprio que só em 1938 viria a passar para a administração da Paróquia. São as seguintes as confrarias cuja existência pudemos comprovar, acompanhadas, sempre que possível, pelas respectivas datas de fundação ou, na falta destas, das de confirmação dos respectivos compromissos.
5.3.1 Confraria das Almas A Confraria das Almas do Fogo do Purgatório foi erigida por provisão de 8 de Julho de 1628 e teve o seu compromisso confirmado em 30 de Outubro do mesmo ano. O culto das Almas do Purgatório, assim como os do Santíssimo Sacramento e da Senhora do Rosário, foi uma das devoções mais fomentadas pela Igreja após o Concílio de Trento. Estava, como já vimos, sediada na Igreja Matriz, em capela própria.
5.3.2 Confraria das Chagas de Jesus Compromisso confirmado em 29 de Outubro de 1603.
5.3.3 Confraria de Nossa Senhora da Conceição Dom João como governador, etc. faço saber que havendo respeito ao que na petição atrás escrita dizem Afonso Garcia Moniz, Francisco de Paiva, António Pinto, António da Fonseca Galvão, Duarte Vaz Castelbranco, Manuel Rodrigues, Sebastião Martins, Cristóvão Rodrigues Menzas, Pedro Gonçalves e os mais nela assinados moradores na
vila de Fronteira que é da ordem e visto o que alegam e informação que se houve hei por bem e me praz de lhes dar licença para que possam instituir e instituam a Confraria de Nossa Senhora da Conceição sita na Igreja de Vila Velha na mesma vil, que é da dita ordem de que tratam na petição visto ser para mor louvor de Deus e da mesma Senhora [...] Com esta provisão de D. João IV, de 19 de Novembro de 1647, se erigiu em Fronteira a Confraria de Nossa Senhora da Conceição, invocação que viria a ser, por decreto de 24 de Março de 1649, padroeira de Portugal, em reconhecimento dos benefícios tantas vezes recebidos pelo reino nas suas horas de maior provação. Tudo leva a crer que entre os irmãos fundadores se encontram alguns participantes activos na Guerra da Restauração.
5.3.4 Confraria de Nossa Senhora da Piedade Fundada em 1629. Compromisso comprovado em 1 de Outubro de 1631. Estava sediada na Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha.
5.3.5 Confraria de Nossa Senhora da Vila Velha Teve o seu compromisso confirmado em 2 de Janeiro de 1604 e em 17 de Fevereiro de 1648. Tinha a sua sede na igreja da mesma invocação. Desconhece-se, hoje em dia, o paradeiro da documentação do cartório desta confraria, cerca de vinte e dois livros mais alguns maços e documentos avulsos, de cuja existência temos conhecimento através de um inventário levado a efeito em 1938, ano em que os mesmos foram entregues à custódia do então pároco da Matriz de Fronteira.
Na mesma ocasião, foram ainda entregues ao pároco José Maria Sarafana os seguintes objectos de ouro e prata pertencentes à confraria: Um menino Jesus, em ouro maciço; dois cordões de ouro; três travessões de ouro; dois broches de ouro; cinco fios de ouro; um anel de ouro; um colar pequeno, de ouro; uma estrela de ouro; uma pulseira de ouro; cinco pares de brincos de ouro; duas medalhas de ouro; três medalhas de esmalte, com aro de ouro; um cálix de prata dourada, com patena e colherinha; um cálix de prata com patena e colherinha; três cordões de prata; um resplendor de prata.
5.3.6 Confraria de Nossa Senhora do Carmo Fundada em 15 de Agosto de 1745. Tinha o seu altar na Igreja do Senhor dos Mártires, onde se realizava a sua festa anual, com missa cantada e luminárias na torre da Matriz.
5.3.7 Confraria de Nossa Senhora do Rosário da Gente Preta Esta confraria, habitualmente conhecida como de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erigida na Igreja Matriz, cujo compromisso foi confirmado em 29 de Outubro de 1603 e 25 de Fevereiro de 1682, tirou o seu nome do facto de ser uma confraria de escravos, à semelhança de muitas outras suas congéneres que proliferaram por todo o país. Tinha a sua festa anual no primeiro domingo do mês de Outubro, na Matriz ou na Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha. Por disposição testamentária do capitão-mor António Borralho Murça eram, obrigatoriamente, reitores daquela festa os administradores do vínculo por ele instituído, estipulando, inclusivamente, o seu testamento que mesmo se os pretos não concorrerem pagarão eles a missa cantada e sermão enquanto o mundo durar. Esta festa realizava-se ainda em 1788.
5.3.8 Confraria de Santa Catarina Confirmação do compromisso em 29 de Janeiro de 1662
5.3.9 Confraria de Santa Maria Relativamente a esta confraria queremos, antes de mais, esclarecer que não é certo que tenha sido Santa Maria a sua verdadeira invocação mas, dado que a mesma não surge expressamente mencionada no compromisso, que refere apenas ter sido erigida em honra e louvor de Nosso Senhor Deus e da Bem Aventurada Virgem Gloriosa Santa Maria, optámos, pelas razões que passamos a expor, denominá-la assim. Como já vimos, a primitiva igreja matriz de Fronteira era da invocação de Santa Maria, orago da única paróquia da localidade e, logo, padroeira dos seus moradores. Ora, o compromisso desta confraria é bem explícito quanto aos seus instituidores: [...] aprouve a nós os moradores de Fronteira [...] fazer confraria [...]. Temos, portanto, uma confraria fundada, não por homens bons ou por mesteirais mas, sim, por toda a população da vila. Em face disto, cremos que a confraria se terá constituído tendo, efectivamente, Santa Maria por título já que, como orago da povoação, seria a única invocação unanimemente aceite por todos os fronteirenses. Á semelhança dos anteriores, o compromisso desta confraria chegou até nós através de uma tradução do original, em língua latina, feita na mesma época. O compromisso não apresenta grandes diferenças relativamente aos já analisados. Nele vamos encontrar referências ao bodo: [...] E os confrades mui caladamente comerão [...], bem como outras, regulamentadoras da acção assistencial aos pobres e peregrinos:
[...] se algum pobre quer seja vizinho quer peregrino adoecer pelo termo os confrades mandem ou vão por ele e honradamente o tragam e todo o necessário lhe dêem e o ministrem [...] e ao culto dos mortos: [...] e todos os confrades com candeias acesas nas mãos lhe mandarão cantar uma missa por sua alma [...], terão candeias panos paus cortiças para enterrar os mortos [...]. A principal diferença entre os três estatutos reside na ausência de referências, neste último, a sanções disciplinares, pecuniárias ou de outra qualquer natureza e no facto do cargo de mordomo ser aqui remunerado com uma dúzia de queijos em cada ano.
5.3.10 Confraria de São Miguel Confirmação do compromisso em 24 de Outubro de 1610. Erigida na Igreja de São Miguel.
5.3.11 Confraria de São Pedro Confirmação do compromisso em 27 de Outubro de 1603. Tinha a sua capela na Igreja de São Pedro.
5.3.12 Confraria de São Sebastião Confirmação do compromisso em 8 de Novembro de 1603.
5.3.14 Confraria de São Tiago
À semelhança da sua congénere anterior esta era também uma confraria medieval de homens bons de Fronteira. Desconhece-se a data da sua fundação dado que, do mesmo modo que a do Espírito Santo, só conhecemos a sua existência através da versão do compromisso registada em 1486. Fundamentalmente, o compromisso da Confraria de São Tiago acompanha de perto as disposições daquele. Nele vamos encontrar instruções precisas referentes ao bodo e à sua universalidade: [...] Ajuntar-se-ão os confrades e determinem o dia do convite e as coisas que para o convite pertencem inteiramente as estabeleçam e de muito bom grado e prestamente as dêem e prometam. De todos os manjares convém a saber pão carne vinho [...] E no tal dia os pobres e mesteirosos sejam companheiros [...]; ao socorro aos confrades doentes: [...] Qualquer destes confrades se enfermo for seja vigiado de dois compadres e solicitamente o sirvam. E se for muito agravado da enfermidade será vigiado de quatro ou cinco confrades [...], e à assistência aos pobres: [...] Esta confraria se chama de São Tiago em honra do qual fizemos albergaria em a qual pousem e morem os pobres de Cristo [...]. Idênticas eram também as sanções disciplinares: [...] Se algum confrade disser ou fizer injúria ou ferir algum confrade seja posto quando todos os confrades estiverem em cabido em um esteio onde em penitência pela tal coisa com uma vara lhe darão dez pancadas [...]. A acção assistencial desta confraria, quando comparada com a do Espírito Santo, apresenta, fundamentalmente, uma única diferença. De facto, a hipótese de uma situação de cativeiro dos confrades, não contemplada nos estatutos do Espírito Santo, está aqui prevista: [...] se algum confrade for cativo que lhe dêem para seu livramento ou redenção uma vaca da confraria ou seu valor [...].
Como é evidente, estas eram as vacas criadas para consumo ritual, tal como sucedia nos bodos de outras confrarias... Erigida na igreja da sua invocação, à qual andava anexa a albergaria, a confraria era, certamente, uma das muitas solidariedades que ao longo da rede viária medieval prestavam apoio aos peregrinos que, do sul de Portugal, se dirigiam à Galiza em demanda do túmulo do apóstolo de Compostela.
5.3.15 Confraria do Anjo da Guarda Confirmação do compromisso em 29 de Março 1613 e 29 de Abril de 1643. Por provisão de 5 de Dezembro de 1617, esta confraria foi autorizada a colocar a imagem do seu patrono na Igreja Matriz, na capela que está despejada junto à porta travessa.
5.3.16 Confraria do Corpo de Deus Os três compromissos anteriores chegaram até nós incluídos num livro do tombo dos bens da Confraria do Corpo de Deus de que agora nos ocuparemos. Antes de mais, julgamos conveniente tentar uma breve explicação das causas desta feliz coincidência sem a qual nenhuma notícia da instituição e orgânica destas confrarias medievais de Fronteira teria, com toda a certeza, sobrevivido até ao presente. É um um facto incontestável que nos finais do séc. XV se assistiu a uma alteração do paradigma assistencial, caracterizada pela concentração dos serviços em unidades de grandes dimensões que viriam a integrar uma miríade de pequenos hospitais e albergarias até então a cargo de solidariedades sociais de pequenas dimensões, com origem na Idade Média.
Exemplo maior desta nova atitude foi a iniciativa de D. João II de reunir, em Lisboa, todos os pequenos hospitais até então existentes na cidade, numa grande e moderna unidade hospitalar que viria a ser o Hospital de Todos-os- Santos. Dentro desse mesmo espírito de renovação, o mesmo monarca alcançou ainda, do papa Inocêncio VIII, em 1485, autorização para reunir os vários hospitais de cada localidade num só hospital. Foi neste contexto, cremos, que, logo no ano seguinte de 1486, Fernando Cardim, escudeiro do rei e seu ouvidor no Mestrado de Avis, se terá deslocado a Fronteira onde fez registar os compromissos das confrarias cujos bens e funções devem ter sido, nessa mesma ocasião, incorporados na Confraria do Hospital do Corpo de Deus. Esta era também uma confraria de homens-bons, tal como a de São Tiago e a do Espírito Santo. Os seus corpos administrativos eram, de acordo com o regimento, constituídos por um juiz, um mordomo e um escrivão, eleitos, por maioria, por períodos de três anos. A admissão de novos confrades pressupunha o pagamento de uma jóia de cinco reais, a satisfação de uma quota anual de idêntica importância e a esmola de um ceitil em cada Domingo. Para além destas receitas, a confraria contava ainda com outros rendimentos provenientes do aforamento de propriedades que, ao longo do tempo, lhe haviam sido legadas. Porém, em 1486, o património do Corpo de Deus achava-se, em parte, alienado, na posse indevida de alguns usurpadores que o usufuiam sem qualquer legitimidade, circunstância porque [...] pelo dito Ouvidor foi dito que assim era verdade que ele viera a esta vila por correição e achara por informação em como a dita Confraria do Corpo de Deus andava de todo mal ordenada. Em tal maneira que muitos bens da dita
confraria andavam em alheados e fora da dita confraria e usurpados dela assim por afeição que os oficiais que os bens haviam de reger e ministrar como para aqueles que os traziam se meterem e estarem em posse deles sem nenhum título [...]. Este descalabro administrativo da confraria é ainda mencionado, de forma mais específica, em outra parte do mesmo documento: [...] E logo o dito Ouvidor e Juiz e Mordomo e confrades com acordo dos homens-bons da dita vila que presentes estavam acordaram que por as herdades e vinhas e olivais andarem a melhor recado e se não sonegassem e perdessem as rendas dos ditos bens como se até agora mostra que perderam e se não pode haver modo por que venham à verdadeira perfeição que se ponha tudo em pregão e que as aforem a quem por elas mais der e lhes façam delas e cada uma delas cartas de aforamento e se ponham por instrumentos públicos em este livro da dita confraria em tal maneira que a todo o tempo possa tudo vir à verdadeira perfeição [...]. Esta confraria na qual foram, como já vimos, integrados os bens de outras instituições de assistência de menores dimensões viria a ser, por sua vez, integrada na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia.
5.3.17 Confraria do Espírito Santo Em nome da Santíssima Trindade Padre Filho Espírito Santo três pessoas e um só Deus e da Virgem Maria Senhora Nossa. Porquanto a Confraria do Espírito Santo está levantada em uma ermida junto a vila que é da Ordem de Avis conforme as visitações e instituições da ordem e bula de Inocêncio Papa IV há-de ser confirmada por Sua Majestade como mestre e governador e perpétuo administrador que é da dita Ordem, nós os mordomos que hoje somos e em nome dos que ao diante forem considerando são obrigados ao serviço de tão alto senhor movidos com devoção e obrigados com muitos
e mui grandes benefícios que deste senhor temos recebido devemos de nos mostrar agradecidos a tantas mercês para que cada dia as recebamos maiores aprovados todos de livre vontade com ânimo alegre e devoto coração, nos queremos juntar como de facto juntamos nesta confraria, a qual queremos seja chamada do Espírito Santo para que todos os confrades benfeitores dela gozem dos benefícios dela e para maior perpetuidade e bom governo da dita confraria fizemos os estatutos e regras presentes às quais queremos sejam dadas a devida execução.
Capítulo I Ordenamos porquanto a Câmara é padroeira e faz os mordomos e está obrigada ao necessário da dita igreja e porque ora há descuido no cumprir esta obrigação queremos que os mordomos que hoje são e em nome dos que ao diante hão-de forem que por virtude deste capítulo se lembre aos senhores da Câmara da obrigação e costume que têm e assim às eleições que fizerem de mordomos assista o Prior da matriz com eles como pessoa da Ordem.
Capítulo II Ordenamos que se cumpra o que é costume dizer-se uma missa rezada todas as quartas-feiras pelas almas dos confrades benfeitores e assim se fará o que se faz por dia do Espírito Santo que é procissão da matriz à dita ermida com vésperas e missa cantada e pregação o que se fará sempre de bem em melhor.
Capítulo III Ordenamos que se faça um ofício inteiro de nove lições em cada ano pelo oitavário dos Santos ofertada com a oferta costumada pelas almas dos confrades benfeitores e assim
se haverá bula de Sua Santidade com júbilo e perdões para que esta ermida e confraria vá muito avante.
Capítulo IIII Ordenamos se peçam as esmolas costumadas pela vila, termo e lugares para o qual peditório só haverá [.?.] de Sua Majestade e assim os mordomos não possam ser constrangidos o ano que servirem a dita confraria a serviço algum para que melhor a possam servir e cumprir com as obrigações dela.
Capítulo V Ordenamos os oficiais que ora somos porquanto esta confraria tomamos por devoção havendo muitos anos que não havia quem a servisse Sua Majestade haja por bem sirvam o cargo de mordomos e escrivão enquanto a obra da dita ermida durar para que assim se acabe e vá muito avante e acabada a dita obra haverá eleitos na forma costumada e faltando alguns dos que ora são eleitos por morte ou ausentando-se da terra seja eleito outro em seu lugar.
Capítulo VI Ordenamos não ser visitados por visitadores da Ordem nem por provedores da comarca, nem tomadas contas por pessoa alguma senão por visitadores de Sua Majestade como mestre ou seu juiz da ordem pois é sua a igreja onde temos a tal confraria de que Sua Majestade é mestre e governador e perlado.
Capítulo VII
Ordenamos que vigário algum da vara nem seu meirinho nem escrivão entenda com a dita confraria em coisa alguma dela nem de seus bens e que se a dita confraria tiver fazenda seja deitada em pregão por tempo de um ano ou aquele que parecer ao Juiz da Ordem da comarca para que se arrende a quem mais der por ela, o qual arrendamento mandará, fazendo arrematações ou escrituras pelo escrivão da ordem ou o que lhe parecer, mas assinando ele dito juiz sempre em tudo ainda que não seja presente lhe serão enviados os autos para se fazer, os quais arrendamentos fará sempre com informação e parecer do prior, mordomos e juiz da dita confraria como lhe parecer, digo e sendo os pareceres diferentes a mandará arrendar como lhe parecer que convém para bem da dita confraria.
Capítulo VIII Ordenamos que as dívidas que se deverem passante de mil reis se pedirão e serão citados os devedores que as tais dívidas deverem perante o juiz da ordem da comarca os quais ele fará pagar como lhe parecer justiça e sendo de mil reais abaixo as fará pagar o prior da dita confraria, digo o prior da matriz onde a tal confraria temos evitando dos ofícios divinos aos devedores até satisfazerem.
Capítulo VIIII Ordenamos que se não possa diminuir nem acrescentar capítulo algum neste compromisso sem primeiro ser visto e aprovado por Sua Majestade a quem como mestre e governador e perpétuo administrador que é da dita ordem e igreja nos sujeitamos e queremos ficar debaixo de suas visitações e jurisdição como mestre, e queremos que por seus juizes e ministros da Ordem seja visitada esta confraria e tomadas contas e por outra pessoa alguma não, pello que como tais ficamos sujeitos à
Ordem gozando de sua jurisdição. Tem esta ermida o foro de umas casas que rendem quinhentos e cinquenta reis de foro em cada um ano, não tem esta confraria mais bens que os que os fiéis cristãos lhe dão por amor de Deus, pedimos a confirmação destes capítulos para louvor de Deus e proveito de nossas almas e serviço de Sua Majestade. Laus deo
Este é o compromisso da Confraria do Espírito Santo, confirmado em 15 de Outubro de 1603. Porém, como se depreende, este não é o instrumento fundador da confraria que, naquela época, se encontrava já, há muitos anos, sem ter quem a servisse. Estamos, pois, em presença de uma refundação da Confraria do Espírito Santo cuja instituição parece datar, de acordo com o documento transcrito, da época do pontificado de Inocêncio IV (1243-1254). Esta reformulação da confraria inscreve-se, com toda a certeza, na tendência revelada, ao longo da Época Moderna, por parte das autoridades civis e religiosas, de regulamentar mais apertadamente as práticas cultuais das confrarias daquela invocação, marcadas por rituais susceptíveis de pôr em causa a estrita moral sexual católica, a alta hierarquia eclesiástica ou, ainda, a legitimidade do próprio poder político. Como se sabe, eram frequentes os excessos cometidos por ocasião dos bodos, refeições rituais com distribuição de vinho e alimentos a toda a comunidade que degeneravam, muitas vezes em abusos de vária ordem, dificilmente enquadráveis nos horizontes da ortodoxia católica. Daí que a confraria, nos seus princípios fundadores, se tenha esvaziado, como veremos, dos conteúdos cultuais orientados para o mundo do comum dos viventes para se restringir ao culto dos mortos e à defesa das suas prerrogativas institucionais.
Para prova de quanto afirmamos vejamos, então, alguns excertos do primitivo compromisso até nós chegado, em cópia vertida do latim para português, em 1486: In nomine patriis et filii et spiritus sancti amen em honra dos quais e da bemaventurada gloriosa Virgem Santa Maria e de São Pedro e de São Paulo e de todos os outros apóstolos e santos. Aos homens-bons de Fronteira dos quais os nomes em baixo são titulados prouve fazer ajuntamento de confraria em louvor e honra do Espírito Santo da qual pelas coisas em ela contidas o costume digno de ser guardado é este. Ajuntados juntamente os confrades determinem o dia do convite. E aquelas coisas que ao convite pertencem todos por um consentimento firmemente o ordenem e o que necessário for solicitamente o dêem. Convém a saber pão carne vinho pertencentes ao convite. E no convite os pobres e mesteirosos sejam companheiros [...] E o que sobejar em o outro dia seja dado aos pobres [...] E se algum confrade for enfermo dois confrades solicitamente o sirvam. E se for muito agravado da enfermidade então quatro confrades o vigiem. E se morrer o corpo dele será com orações e preces guardado até que muito com círios nas mãos honradamente o deponham em seu moimento [...] E cada um confrade pela alma do defunto com um pão e candeia e vinho mandará dizer uma missa. [...] E se algum confrade quiser ir a Roma ou Jerusalém os outros o ajudem cada um com seis reais. [...] E qualquer um que quiser ser participante em esta congregação na entrada pagará um meio grosso. E se o confrade principal cometer injúria ou porventura feria a algum dos seus confrades no cabido onde juntamente todos estiverem o ponham em um esteio e com uma vara lhe dêem dez açoites ou pancadas [...] E os mordomos haverão dos gados os coiros e as cabeças e os pés e as fressuras tirando as enxúndias dos porcos. E o porteiro dos confrades aja a sua parte com os mordomos. E do defunto que se finar darão ao porteiro os melhores sapatos que lhe ficarem. [...] Esta confraria é chamada de Santo Espírito em honra da qual e louvor
fizemos albergaria em que pousem e morem os pobres de Cristo e se algum pobre for enfermo ou chagado ou finado fora da vila pelo termo todos os compadres vão por ele e o tragam ao hospital e do próprio da confraria o mantenham. [...] E esta regra e ordem inteiramente em parte e em todo seja guardada. A qual foi tirada do latim em esta sua própria linguagem por Pero Dias natural de Sousel. A qual foi feita na era de Cristo de 1486. Como se vê, as funções de convívio e assistência inter vivos, traduzidos na manutenção de uma albergaria e, provavelmente, de um hospital e na realização do bodo aberto a toda a população independentemente da sua categorização social, elemento da maior relevância na vida da instituição, predominantes no compromisso original, estão já completamente arredadas dos estatutos de 1603. Esta confraria viria a ser, em finais do séc. XV, à semelhança de outras que a seguir abordaremos, integrada na do Confraria do Corpo de Deus. A segunda confraria do Espírito Santo, fundada em 1603, esteve activa até 22 de Junho de 1809, data da sua extinção.
5.3.18 Confraria do Nome de Jesus Confirmação do compromisso em 24 de Outubro de 1603
5.3.19 Confraria do Santíssimo Sacramento Teve o seu compromisso confirmado em 27 de Outubro de 1603 e 30 de Outubro de 1679. Tal como aconteceu com a Confraria de Nossa Senhora da Vila Velha, também os bens do Santíssimo Sacramento foram confiados à guarda da Paróquia, em 1938.
5.3.20 Confraria dos Passos Confirmação do compromisso em 1602.Tinha, como já se viu anteriormente, a sua capela na Igreja Matriz.
5.3.21 Confraria dos Terceiros de São Francisco Esta confraria, sediada na Igreja do Espírito Santo, é uma das poucas cujo cartório, se bem que muito delapidado, chegou até aos nossos dias. Não se conhece a data da sua fundação, porém, é um facto comprovado que a confraria conheceu, nas últimas décadas do século dezoito, um período de grande pujança, como se viu no capítulo dedicado à Igreja do Espírito Santo. De acordo com a informação disponível e ao encontro do que atrás afirmámos, sabe-se que, entre 1785 e 1800, professaram na ordem cerca de 192 indivíduos dos quais, notese, cerca de metade eram do sexo feminino, sendo que esta elevada percentagem de mulheres confere a esta confraria um estatuto ímpar no panorama das confrarias locais. As alterações político-sociais do séc. XIX devem ter contribuído para a desagregação da Ordem Terceira cuja derradeira sessão da mesa teve lugar em 8 de Dezembro de 1840, apesar da admissão de novos membros se ter continuado a verificar até 1869, ano em que nela professou uma irmã de nome Maria Antunes, a última de que ficou registo escrito. Em termos legais, a Confraria foi extinta por Alvará do Governador Civil de Portalegre de 18 de Abril de 1888.
5.3.22 Irmandade da Santa Casa da Misericórdia Nascido em 1498 com a criação, sob os auspícios da rainha D. Leonor, da Confraria e Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia, erigida na Sé de Lisboa, o movimento confraternal das misericórdias constitui
o traço mais característico da assistência
portuguesa durante a Idade Moderna. Durante o século de quinhentos, as Misericórdias viriam a ocupar um lugar cada vez mais importante no panorama assistencial português que acabariam, praticamente, por monopolizar, não só na estreiteza do continente mas também através da imensidade do império colonial. Essa rapidíssima difusão espacial foi acompanhada por uma multiplicação das actividades desenvolvidas no apoio aos pobres, aos órfãos e aos cativos, na gestão de hospitais e albergarias e até na prestação de serviços financeiros. Durante a segunda metade do séc. XVI, aberta a possibilidade de herdar bens de raiz, as misericórdias iniciaram um processo de acumulação patrimonial que viria a reforçar a sua importância e a conceder-lhes um prestígio sempre crescente sem que, no entanto, se tivessem afastado do seu propósito fundador, isto é, da prática das obras de misericórdia, sete delas do plano espiritual: ensinar os simples, dar bom conselho a quem o pede, castigar com caridade os que erram, consolar os tristes desconsolados, perdoar a quem nos ofendeu, sofrer as injúrias com paciência e rogar a Deus pelos vivos e os mortos, e outras sete corporais: remir os cativos e visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber aos que têm sede, dar pousada aos peregrinos e pobres e enterrar os mortos. Depois destas brevíssimas nótulas introdutórias, passamos agora a ocupar-nos, concretamente, da Santa Casa da Misericórdia de Fronteira. É evidente que dada a extensão do assunto, digno, só por si, de um estudo monográfico, muito ficará por dizer.
Tentaremos, apesar disso, dar ao leitor um quadro minimamente fiel da existência histórica de uma instituição indelevelmente ligada à vida local. Como atrás se viu, a primeira Confraria da Misericórdia foi fundada em 1498, em Lisboa. Qual terá sido a data da fundação da sua congénere de Fronteira? A resposta a esta questão não é, como veremos, fácil nem definitiva. A fundação das misericórdias é, em muitos casos, coincidente com a confirmação do compromisso. Ora, tal não acontece com a Misericórdia de Fronteira. O seu compromisso, cópia do original manuscrito da Misericórdia de Lisboa, da autoria do célebre calígrafo André Pires, com data de 1516, foi-lhe confirmado muito mais tarde, pelo rei D.João III, a 21 de Março de 1555. Quer isto dizer que a Misericórdia de Fronteira foi fundada naquela data? A resposta é, definitivamente, não. Bastar-nos-á ler com alguma atenção o prólogo do compromisso, na parte em que o copista deixou registadas as razões que levaram à criação da confraria para concluirmos que a Misericórdia de Fronteira existia já, de facto, há muitos anos: [...] Ouvindo os principais da vila de Fronteira que em Lisboa se cumpriam as obras da misericórdia eles não menos zelosos do amor de Deus e do próximo e como membros de Cristo que é cabeça de todos os cristãos determinaram de fazer uma confraria da Santa Misericórdia a imitar a da cidade de Lisboa. E percurso de tempo com a ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria sua madre cresceram as esmolas e em as repartir por não encarregarem suas consciências mandaram pedir ao provedor e irmãos da Misericórdia de Lisboa seu compromisso para se regerem e governarem por ele [...].
Temos, assim, que a confraria existia já, há muitos anos, à época da confirmação do seu compromisso, o que pouco adianta para o esclarecimento da data exacta da sua fundação. Porém, percorrendo a documentação ainda existente, outros dados vêm lançar mais alguma luz sobre este assunto. No Tombo Novo da Misericórdia, notável trabalho de compilação de elementos extraídos de antigos tombos da confraria, concluído em 1823, pode ler-se a folhas 14: Tem 33 e três quartas de trigo de pensão na Herdade do Monte dos Frades a Vale de Maceiras que parte pelo Nascente com Herdade do Sesmo, e pelo Poente com Herdade das Oliveiras, e Misericórdia pelo Norte com Courelas Baldias, e pelo Sul com Herdade do Sesmo, em outro tempo chamou-se Herdade dos Freixos. João Mendes; em 1516 deixou o terço de renda com pensão de 15 missas [...]. Como se deduz, a Misericórdia de Fronteira existia já em 1516 e esta é, até ao presente, a data mais antiga em que nos foi possível encontrar provas da sua actividade De acordo com os seus estatutos, a confraria era formada por cem irmãos, cinquenta nobres e cinquenta mecânicos, circunstância nem sempre verificada. A direcção ou Mesa, eleita anualmente por sufrágio indirecto, por um colégio integrado por dez confrades, cinco nobres e cinco mecânicos ou de segunda condição, no dia 2 de Julho, Dia da Visitação de Nossa Senhora, era constituída por
treze irmãos que
desempenhavam, durante o ano seguinte os cargos de provedor (1), conselheiros (9), mordomos (2) e escrivão (1). Para desempenho das funções não administrativas, a confraria contratava os serviços de elementos externos.
Assim, em 1636, a Misericórdia tinha ao seu serviço quatro capelães, um organista, um hospitaleiro, um ministro, isto é, um contínuo, dois almocreves, dois médicos e um tesoureiro do trigo. Em 1700 estão registados os contratos com um tesoureiro do trigo, um tesoureiro do dinheiro, um ministro, um boticário, um barbeiro/sangrador, um cirurgião, um médico, quatro capelães, um hospitaleiro, um acarretador do trigo e um advogado desempenhando funções de procurador da casa e de defensor dos presos em juízo. Meio século mais tarde, constata-se a redução do número de capelães para apenas dois e, como novidade, a contratação de dois cantores. Em 1800 nova alteração nos serventuários da Casa a cujo serviço se encontram, então, três cantores havendo ainda a registar o desaparecimento dos acarretadores do rol dos contratados. Se os membros dos corpos administrativos exerciam as suas funções sem qualquer remuneração além do prestígio associado ao desempenho dos seus cargos, o mesmo não sucedia com os restantes funcionários, remunerados pelos rendimentos da confraria com que se financiavam também os serviços por ela prestados, a título gratuito. Vejamos, então, qual o património da Misericórdia que sustentava o seu funcionamento em regime de autofinanciamento quase exclusivo. Recorreremos, para tanto e uma vez mais, ao Tombo de 1823. No início do séc. XIX, os proventos da confraria, em dinheiro e géneros – trigo e azeite – provinham, na sua quase totalidade, de foros impostos em propriedades rústicas e urbanas, próprias ou não, que, ao longo dos anos, tinham entrado na posse da casa sob a forma de legados. Por ser assunto de particular interesse para a história da instituição, aqui deixamos, com algum detalhe, a relação dessas propriedades de que a Misericórdia era proprietária,
mencionando, sempre que possível, a data da sua entrada na posse da Santa Casa ou a da primeira referência que lhes foi feita nos livros da casa sendo que, neste caso, para as distinguir, as datas serão assinaladas com um asterisco: Predios Rústicos Herdade da Misericórdia, 1530 Herdade de João Luis, 1556 Herdade do Cavaleiro, 1530 Herdade das Fontes Pequenas, 1639* Herdade da Bemposta, 1669* Courela do Sabugal,1618* Courela do Mau Lavor, 1556 Courela dos Vales, 1530 Ferragial com suas casas em Vale de Maceiras,1580 14 courelas a Vale de Negas, 1615* Courela a Vale de Farinhas, 1534 Herdade da Catarina Velha, 1538 Herdade do Drago, 1580* Herdade do Salgueiro, 1596* Herdade dos Pintos, 1620* Herdade das Taipas, 1532 1 courela às Antas, 1530 1 courela às Antas, 1530 Courela Ministra, 1530 Courela Pequena, 1725* Courela do Cebolinha, 1735*
2 courelas às Antas, 1694* Courela ao Sesmo da Alvarinha, 1530 Courela da Cabeça da Serra, 1551 Courela do Arreganhado, 1549 Courela das Ameixieiras, 1657* Courela a Vale de Paredes, 1561 Courela ao Arrife do Touro ou Vale do Boto, 1670* Courela à Cruz de Alter, 1598* Courela aos Pegos da Pedra, 1554 Quadrelo às Várzeas, 1620* Quadrelo à Penha do Carvalho,1617* Cerrado do Senhor do Mártir, 1665* Courela à Cruz do Barreiros, 1628* 2 courelas a Vale de Nuno, 1762* Cerrado às Hortas do Concelho, 1589* Cerrado a Santo António,1560 7 courelas à Forca, 1599* Courela do Valbom ou dos Sisneirões, 1610* 3 courelas no Valbom, 1617* 30 courelas aos foros de Apolónia Borralha, 1776 2 sortes de zambujeiros na Coutada de Cima, 1772* Olival chamado Fragoso, 1607 Cerrado ao fundo da Rua do Mártir, 1669 Cerradinho a São Sebastião, Horta à Ribeira de Ana Loura,1581*
Courela no Ervedal, 1669* Vinha ao Carvalho,1741* Vinha ao Carvalho, 1617* Vinha ao Carvalho, 1617* Vinha às Várzeas, 1646* 2 olivais em Sousel, 1738 Olival às Covas Velhas, 1599 Olival de Balcovos, 1783 Olival à Horta do Areeiro, 1666* Olival ao Granel, 1731* Oliveiras ao Alto da Ponte, 1532 Olival detrás de São Pedro, 1617* Olival do Mingato, 1785* Olival ao Mingato, 1543* Olival à Cruz de Bento Sardinha,1617* Oliveiras ao Moinho Rasteiro, 1541 Olival do Bom Nome, 1617* Olival do Saragoçal ou Vinha Judia, 1568 Olival dos Carreteiros, 1714*
Prédios Urbanos Morada de casas na Rua dos Trigueiros, à Praça, 1696 Morada de casas na Rua dos Trigueiros, 1603 Morada de casa na Rua dos Trigueiros, 1665 Morada de casas nas Albardeiras, 1654*
Cerrado com uma casa, 1617* Morada de casas na Rua da Lagoa, 1642* Morada de casas nas Albardeiras, 1563 Morada de casas na Rua da Lagoa, 1632 Morada de casas na Rua da Lagoa, 1617* Morada de casas na Rua da Lagoa, 1542 Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1557 Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1642* Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1598* Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1670* Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1553 Morada de casas na rua de Avis de Baixo, 1592 Morada de casas na Rua de Avis de Baixo,1677* Morada de casas na Rua de Avis de Baixo, 1821 2 moradas de casas no Rossio de Santo António,1674* Quintal do Hospital Velho, 1772* Morada de casas no Adro de Baixo, 1731 Morada de casas no Adro de Cima, 1794 Morada de casas na Rua de São Miguel, 1673* Morada de casas na Rua de São Miguel, 1595 Morada de casas na Rua de São Miguel, 1642 Morada de casas na Rua do Fundão, 1683* Morada de casas na Rua do Mártir, 1652 Quintal na Rua do Mártir, 1596 Morada de casas na Rua do Mártir, 1658*
Morada de casas na Rua do Mártir, 1572 Morada de casas na Rua do Mártir, 1591* Morada de casas na Rua do Mártir, 1607 Morada de casas na Rua do Mártir, 1654 Morada de casas na Rua do Mártir, 1671 Morada de casas na Rua do Mártir, 1782 Morada de casas na Rua da Sameira, 1810 Morada de casas na Boavista, 1646 Morada de casas na Rua Nova, 1763 Morada de casas na Rua de Santarém, 1609 Morada de casas na Rua de Santarém, 1777* Morada de casas na Rua de Santarém, 1619* Um quintal no Fora da Vila, 1517 Morada de casas na Rua do Paço, 1593 Morada de casas na Rua de Paulo Curvo Morada de casas na Rua de Paulo Curvo, 1672* Quintal com cozinha na Rua da Judiaria, 1615* Morada de casas na Rua da Judiaria, 1609 Morada de casas na Rua do Açougue, 1588 Morada de casas em Sousel,1649* Morada de casas no Ervedal, 1609 Morada de casas no Ervedal, 1731* Morada de casas no Ervedal, 1654 Morada de casas no Ervedal, 1654
Era este o vultuoso património da Misericórdia de Fronteira cujos bens, entre os quais se contavam os da antiga Confraria do Corpo de Deus nela incorporados, foram progressivamente alienados, a partir de meados do séc. XIX, em virtude das leis de desamortização. À época da feitura do Tombo, estas propriedades rendiam, anualmente, cerca de 93.810 reais, em dinheiro, 1243 alqueires de trigo e 5.5 alqueires de azeite. A esta soma acrescia ainda o produto, não contabilizado, das esmolas e doações recebidas e, no seu conjunto, eram estes os rendimentos de que a confraria dispunha para a prossecução das obras de misericórdia, quer espirituais, quer corporais. De que modo se consubstanciavam estas obras de misericórdia? A principal actividade assistencial da Santa Casa traduzia-se na manutenção e funcionamento do seu hospital que teve a sua origem no primitivo hospital do Corpo de Deus. Pelo hospital passavam, para tratamento ou internamento, todos quantos deles necessitassem, residentes ou peregrinos, a título totalmente gratuito. O caso da assistência aos forasteiros de passagem é, sobremaneira, interessante já que a Misericórdia não limitava os seus préstimos à alimentação e hospedagem dos mesmos, em caso de necessidade, mas também facultava o transporte e passava a carta de guia, isto é, uma recomendação a ser apresentada pelo seu portador em qualquer outra misericórdia onde viesse a deter-se. Podiam, assim, os viandantes de poucas posses deslocar-se com relativa facilidade dentro do país, utilizando a vastíssima rede das misericórdias existentes, sem ter que recorrer aos serviços das estalagens e hospedarias particulares onde a sua permanência era, forçosamente, mais dispendiosa.
A este serviço recorriam, com uma frequência maior do que a dificuldade dos transportes da época poderá fazer crer, muitos estrangeiros cujas presenças ficaram registadas na documentação existente: em 1600, passou por Fronteira um Arcebispo Macadónio, com o qual a Casa despendeu um cruzado; em 1652, regista-se a conversão de uns hereges franceses de nação que se fizeram cristãos; em 1698, dois peregrinos de Santiago acolheram-se à caridade da confraria e, comprovando que nem só o comum dos mortais se abrigava sob o manto da Misericórdia temos, em 1747, um príncipe mouro a quem se deram 600 rs. de esmola e, em 1753, a memória de dois príncipes gregos, um deles fazendo-se acompanhar por um séquito de criados, aos quais a Santa Casa acudiu com 1440 rs. Ainda na área da assistência à doença, mereciam um lugar à parte as doenças do foro psiquiátrico, como se deduz da existência de uma alusão, em 1806, a uma grade de ferro da casa que foi dos doidos. Outra das áreas de actuação da Misericórdia era todo o conjunto de actos relacionado com o cerimonial mortuário. Nestas circunstâncias, a confraria participava, não só, do acompanhamento fúnebre dos irmãos, função a que estava estatutariamente obrigada, mas, também, cedendo a sua tumba para o transporte dos corpos dos menos favorecidos. Dispondo de cemitério próprio, nele se inumavam os irmãos falecidos, os pobres, os desconhecidos e, até, os criminosos sentenciados à pena capital cujas ossadas a irmandade recolhia, com solenidade, no Dia de Todos os Santos. Porém, de entre todas as actividades desenvolvidas pela confraria, nenhuma era tão carismática e de tão grandes repercussões na sociabilidade local como a organização e realização dos bodos.
Estes bodos não eram, de forma alguma, um exclusivo nem, tão pouco, uma prática reservada à Misericórdia. Ficou, aliás, bem clara a sua realização regular nas solidariedades medievais que abordámos mais acima. Ora, o que sucede é que o conjunto de refeições rituais que vamos encontrar no âmbito das suas actividades cultuais eram parte do legado daquelas confrarias cujo elemento material fora, entretanto, integrado na Santa Casa. Desses bodos – já veremos quais eram – o mais importante era o do Espírito Santo, culto de expressão tão particularmente querida no nosso país. As notícias sobre esta festa, apesar de maioritariamente breves, são abundantíssimas e seria, pelo menos, fastidioso para o leitor que aqui as apresentássemos na sua totalidade. Resumiremos, por isso, ao essencial, o conteúdo dessas notas dispersas, de modo a proporcionar, tanto quanto possível, uma visão de conjunto dessas celebrações. Comecemos pelos alimentos. O que se consumia no bodo do Espírito Santo? As notas de despesa não deixam quaisquer dúvidas a esse respeito: carne de vaca, couves, arroz, pão e vinho. A estes, só em 1661 se virá juntar o arroz e, em 1681, as alfaces. Deste último ano existe também lançada uma despesa relativa à compra de colheres. E eram estes, então, os ingredientes que nos surgem repetidamente, ano após ano, no menu dos comensais, em quantidades variáveis. Relativamente à carne, a prática mais corrente era o abate de uma vaca, por vezes duas ou, talvez por razões de ordem económica, a compra da carne à peça, no açougue local. De qualquer das formas, as quantidades eram sempre avultadas não se encontrando, em nenhum dos anos de que nos ficou registo, um consumo inferior a vinte quilos daquele género.
A oferenda de vinho era igualmente generosa, oscilando entre os vinte e os trinta litros por refeição. Habitualmente de produção local, o vinho consumido nos bodos podia, em caso de necessidade, ser adquirido noutras zonas produtoras tal como aconteceu em 1660, ano em que a Santa Casa importou dois almudes de vinho de Portalegre. Não menos significativo era o montante da esmola em trigo para panificar cujos valores chegaram, em princípios do séc. XVII, a atingir os cinquenta alqueires. Este consumo simbólico
do pão ficou, aliás, bem expresso, no seu sentido mais
profundo, pelas palavras do escrivão da Misericórdia que, em 1626, nos deixou o registo de uma despesa com dezasseis alqueires de trigo para amassar o Espírito Santo. O bodo tinha lugar no Hospital da Misericórdia. Compreender-se-á, porém, que nem todos os pobres a quem o mesmo se destinava estariam em condições de aí se deslocar, quer por razões de saúde quer por se contarem entre os muitos caídos em pobreza de data recente, os chamados pobres envergonhados. A esses, mandava a Santa Casa fazer entrega do seu quinhão por rapazes que percorriam a vila com os géneros da esmola. Os três restantes bodos tinham lugar pelo Natal, pela Páscoa e por ocasião da Procissão dos Passos. O porco era o prato forte do bodo de Natal, acompanhado, como sempre, pelo pão e pelo vinho. A abundância de alimentos era, certamente, a preocupação fulcral da Misericórdia nessas distribuições gratuitas aos mais necessitados. Daí que a Casa chegasse a matar cinco cabeças para distribuir durante aquela quadra festiva. Os carneiros, bodes ou cabras confortavam os estômagos menos privilegiados na festa da Páscoa e, na Procissão dos Passos, distribuíam-se pelos participantes sardinhas fritas, confeitada e garrafas de vinho, o que sugere a ingestão do mesmo durante a própria procissão.
Estes bodos que durante séculos assinalaram a vida religiosa local foram, com o andar do tempo, caindo no esquecimento. Pelo que pudemos averiguar, o primeiro dos bodos a deixar de ser celebrado foi o da Páscoa, omisso nos registos escritos a partir de 1665. Idêntica sorte teve o dos Passos que deixou de ser celebrado por volta de 1720. A este seguiu-se o do Natal de que não há notícias posteriores a 1732. Finalmente, o do Espírito Santo persistiu, na sua forma tradicional, entre as práticas religiosas locais até ao ano de 1789 que outras mudanças de maior monta trouxe ao mundo. Depois dessa data, apenas os aspectos litúrgicos se mantiveram, não havendo notícia que comprove a continuação do banquete ritual. Ainda em relação aos bodos, permita-se-nos acrescentar um último esclarecimento: além dos bodos institucionais, outros havia de fundação particular. Neste âmbito, é particularmente interessante uma manda do testamento do escudeiro Diogo Afonso, lavrado em 13 de Março de 1455, que reza: mando que comprem um porco e cozam e façam em talhadas e deem-no aos moços e pobres com pão e vinho que lhes avonde por amor de deus e por minha alma. Estamos, neste caso, em presença de um banquete fúnebre, de um, por assim dizer, bodo pro defunctis, na tradição das práticas funerárias do mundo greco-latino.
5.4 ACTIVIDADES ECONÓMICAS 5.4.1 Caça O exercício da caça foi durante os séculos do Antigo Regime regulamentado pelas disposições das Ordenações do Reino. E com esta frase se poderiam, muito cómoda e laconicamente, resumir alguns séculos de actividade venatória. Porém, como este é assunto que interessa a muita gente, não
resistimos – que o leitor nos perdoe – a transcrever as normas que para gerações e gerações de caçadores constituíram o enquadramento jurídico da sua prática:
Defendemos geralmente em nosso reino que pessoa alguma não mate, nem cace perdizes, lebres, coelhos com bois nem com fios de arame, nem com outros alguns, nem tome, nem quebre ovos das perdizes, sob pena de pagar de cadeia dois mil reis de cada vez que nisso for achado, ou lhe for provado dentro de dois meses, e mais perderá as armadilhas. Nas quais penas isso mesmo incorrerão as pessoas em cujo poder, ou casas forem achadas as armadilhas, ora sejam suas, ora alheias.
E nas comarcas da Estremadura, e de entre Tejo e Guadiana e no reino do Algarve, nos meses de Março, Abril e Maio e nas comarcas da Beira, Riba de Côa, Trás-osMontes e Entre Douro e Minho, nos meses de Abril, Maio e Junho pessoa alguma não cace perdizes, nem criação delas com perdigões, nem com aves de qualquer qualidade, redes, fios, ichos, laços, nem por outro qualquer modo, nem lhe tome, nem quebre os ovos, nem as cace a corricão no mês de Julho até meados de Agosto, nem no tempo da neve, onde a houver, quando a terra estiver coberta dela, enquanto não for derretida, nem com boi em qualquer tempo do ano.
E nos lugares da Estremadura e Entre Tejo e Guadiana e reino do Algarve, nos meses de Fevereiro, Março e Abril e nas comarcas da Beira, Riba de Côa, Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, em Março, Abril e Maio, se não cacem coelhos, nem lebres com cães, redes, fios, laços, furão, besta, espingarda, nem por outro qualquer modo, nem no tempo da neve nos lugares onde a houver e cobrir a terra, enquanto não for derretida. E quem o contrário fizer, sendo fidalgo ou cavaleiro, pela primeira vez seja
degradado um ano para África e pague vinte cruzados. E pela segunda haja as ditas penas em dobro e sendo de menor qualidade, seja preso trinta dias na cadeia e pague dois mil reis. E pela terceira seja degradado um ano para fora da vila e termo e do lugar onde for morador e pague em dobro a dita pena de dinheiro e percam as aves, cães, fios, redes e armadilhas com que caçarem.
Havendo tanta criação de coelhos em alguns lugares que façam dano às novidades, os oficiais das câmaras no-lo poderão escrever, enviando com suas cartas informação do corregedor da comarca, para nisso provermos como for nosso serviço.
E defendemos que em Lisboa, Almada, Sintra, Torres Vedras, Santarém, Tomar, Torres Novas, Porto de Mós, Coimbra, Évora, Montemor o Novo, Arraiolos, Vimieiro, Estremoz, Sousel, Fronteira, Viana, Vidigueira, Beja, Alcáçovas, pessoa alguma não mate nem cace perdizes com candeios, redes de cevadouro, perdigão, ou perdizes de chamado, sob pena de pagar por cada vez que for achado caçando com cada uma das ditas coisas, ou se lhe provar dentro de seis meses, ou sendo-lhe achadas em sua casa, ou em seu poder, e em cada um dos ditos lugares, ou seus termos dois mil reis de cadeia. E caçando com boi nos ditos lugares e seus termos ou sendo-lhe provado dentro de dois meses ou sendo-lhe achado em seu poder ou casa pagará dez cruzados e será degradado dois anos para África.
E pessoa alguma de qualquer qualidade que seja, não cace, nem mate perdizes com açor, gavião, nem com armadilha, nem a corricão na Coutada Nova da cidade de Lisboa que começa na estrada que vai dela para Benfica e de Benfica a São Marcos e de São marcos a Oeiras e daí direito ao mar. Nem cace, nem mate na dita coutada
lebres com galgos, redes, bestas, espingarda, nem com outra alguma armadilha. E quem o contrário fizer, sendo fidalgo, seja preso e da prisão pague vinte cruzados e percam as aves, cães e instrumentos com que caçarem, a metade para nossa Câmara e a outra para quem acusar. Estas Ordenações, leis gerais do reino, eram complementadas pelas posturas municipais que adequavam a sua aplicação aos particularismos locais dos concelhos, revelando, por vezes, aspectos menos conhecidos das vivências humanas relacionadas coma a caça e, até, como já de seguida se verá, com questões de ordem social. Vem isto a propósito dos problemas suscitados no seio da população de Fronteira de que nos ficou uma memória do ano de 1588. Graças a ela, ficamos a saber que a caça estava vedada aos peões, oficiais de ofícios mecânicos e trabalhadores durante os dias de semana, sendo-lhes apenas permitida aos Domingos e dias santos, depois da missa. Estes, porém, sem temor e obediência da dita postura caçam ordinariamente e deixam o uso de trabalhar sendo mancebos e aptos para o trabalho de que se houve[?] muito prejuízo a suas mulheres e filhos Tal era a paixão da caça naqueles tempos! Com o advento do liberalismo verificaram-se as primeiras grandes agitações neste terreno secularmente imóvel. Logo em 1821, um decreto viria abolir todas as coutadas abertas destinadas para a caça constituídas em terrenos de qualquer natureza. Posteriormente, em 1842, o Estado passou o melindroso problema da administração dos recursos cinegéticos para a esfera da competência das câmaras municipais o que se veio a traduzir numa abordagem meramente local de questões a que o poder central não soubera ou não quisera dar resposta adequada, adiando-se assim sine die a procura de soluções de fundo.
Tanto quanto nos foi possível apurar, a Câmara Municipal de Fronteira não produziu quaisquer posturas nesse sentido, situação que se manteve até 1885, altura em que foi produzido o primeiro instrumento regulamentador da caça a nível concelhio e é com esse regulamento a seguir transcrito, com o qual se encerra o presente capítulo.
Aos onze dias do mês de março de mil oitocentos oitenta e cinco anos, nesta vila de Fronteira e Paços do Concelho, estando reunidos o Presidente da Câmara e Vereadores abaixo assinados, ali foi ponderado que havendo repetidas queixas pela falta de uma postura que proíba o exercício venatório em certa e determinada época, como é expresso no artigo 384º e seguintes do Código Civil, o que sendo tudo bem ponderado e discutido, resolveram o que se segue: Artº. 1º È expressamente proibido o exercício da caça por qualquer modo, durante os meses de Março, Abril, Maio e Junho de cada ano, sob pena de 4000 rs. de multa. Artº. 2º Todo o indivíduo que, nos meses defesos, for encontrado com alguma peça de caça, serlhe-á apreendida a favor do estabelecimento da Misericórdia desta vila, ficando além disso obrigado à pena de 1000 rs. de multa. Artº. 3º Aquele que em prédio alheio destruir ninhos, ovos, ninhadas de aves de qualquer espécie ou criação de coelhos e lebres, fica sujeito à pena de 1000 rs. de multa.
Artº. 4º
Considera-se com intento de caçar todo aquele que for encontrado munido de espingarda e de outros atavios apropriados ao exercício da caça. Artº. 5º Aos cultivadores e proprietários é permitido perseguir e matar em qualquer tempo, nas suas terras, os animais bravios e ferozes para evitarem os prejuízos que estes lhes podem causar. Artº. 6 Os transgressores do artigo 1º ficam também sujeitos a serem autuados pela autoridade administrativa e entregues ao Poder Judicial para lhes ser aplicada a pena estabelecida no artigo 254 do Código Penal.
5.4.2 Pesca A pesca, hoje em dia uma actividade meramente desportiva ou recreativa, teve desde tempos imemoriais até aos anos sessenta do presente século alguma relevância na vida económica local dada a abundância e variedade das espécies existentes ns Ribeira Grande. A comercialização do peixe do rio, género cujo consumo era, dantes, muito superior ao actual, foi, desde cedo, objecto de regulamentações camarárias tendentes a moralizar os preços praticados, como se verá pelo acordo lavrado em 16 de Agosto de 1601: Nesta Câmara acordaram que nenhuma pessoa desta vila e seu termo venda peixes machos desta ribeira por mais de quinze reis o arrátel daqui até todo o mês de Outubro, e as bogas a doze, e daí até todo o Maio por um vintém os machos e as bogas a quinze [...].
Nada mais natural, portanto, que o interesse de que o curso de água se revestia para o próprio senhorio do concelho, a Ordem de São Bento de Avis à qual pertencia toda a ribeira e que nela possuía um caneiro de peixes (...) o qual caneiro estava por cima da azenha da Nogueira. A este caneiro que o Tombo da Comenda de Fronteira, datado de 1643, dá como já irreconhecível naquela época, pertenceriam muito provavelmente uns muros de alvenaria postos a descoberto em 1996, durante as obras de construção da praia fluvial da Ribeira Grande. De igual modo, foi desde sempre perceptível por parte das autoridades municipais uma preocupação constante pela boa conservação dos recursos piscícolas que, não esqueçamos, constituíam naqueles recuados tempos uma parte substancialmente mais importante da dieta alimentar da população local do que actualmente em virtude das dificuldades que então se verificavam no regular abastecimento do mercado local com o peixe do mar trazido pelos almocreves desde o porto de Setúbal. Daí que encontremos já entre a mais antiga documentação do município chegada até aos nossos dias diversas referências à actividade piscatória e à sua regulamentação que mais não são que adaptações locais das disposições gerais consagradas nas Ordenações do Reino. Assim, pela acta da vereação de 28 de março de 1562, ficamos a saber que nessa reunião os ditos juiz e vereadores deram malha a Simão Godinho para com ela poder pescar e o tamanho da malha há-de ser este que mandaram os ditos juiz e vereadores que ficou neste livro para por ela darem malha aos naturais e vizinhos desta vila para pescarem com condição que nestes meses defesos não pesquem e daí por diante não pesquem com mais estreita malha que esta.
Se a medida anterior visava impedir a pesca de especimes de menores dimensões assegurando deste modo a reposição natural dos efectivos capturados, outras havia tendentes a garantir, para os mesmos efeitos, os períodos de defeso como ficou consagrado na seguinte postura de 1617: Puseram por postura que nenhuma pessoa desde dia de São João até dia de São Miguel pesque nas ribeiras deste termo com nenhumas redes, nem armadilhas, nem materiais nem venda peixes [...] e no mais tempo que podem pescar venderão o peixe a peso e não a olho sob pena de duzentos reis [...] ou as áreas vedadas como se entenderá desta outra, aprovada em 1791: Acordaram e fizeram postura que nos pegos da Ribeira Grande deste termo, que são compreendidos desde o açude do moinho que era de Luis Álvares, denominado das Varges até o moinho Fundeiro, não possa pessoa alguma, de qualquer qualidade ou condição que seja, que seja, pescar em algum dia do ano, porquanto os hão por vedados e coutados para toda a casta de redes e armadilhas, à excepção da cana e mais anzoladas [...]. Nas posturas acima transcritas são mencionados os diversos métodos de captura de
peixe então utilizados. Entre eles conta-se a utilização de materiais. A que materiais se referiria o legislador? Pelo que nos foi possível apurar, tratar-se-ia de plantas ou extractos de origem vegetal, com propriedades tóxicas, usados para a pesca em águas paradas ou pouco oxigenadas. As plantas mais frequentemente usadas para esse efeito eram o trovisco (Daphne Guidium L.) cuja resina, a mezerina e outro composto, a daphnetina, contêm um alto grau de toxicidade para outras plantas e animais ; o verbasco (Verbascum thapsus) rico em saponinas e a coca (Menispermum cocculus L.).
Esta antiquíssima actividade piscatória cuja memória se conservou também no hidrónimo Pego do Barco, hoje já caído no esquecimento, não merecia já nenhuma referência directa nas posturas municipais de 1855, donde se infere que a sua importância económica seria já muito reduzida na época em questão.
5.4.3 Agricultura e Pecuária A agricultura surge-nos, desde sempre, como a principal actividade económica da localidade, tendo a sua expressão mais significativa na produção de cereais, especialmente de trigo, apesar das condicionantes edafo-climáticas se encontrarem bem longe de poder garantir bons índices de produtividade, como, aliás, ficou bem demonstrado nos estudos levados a efeito em plena euforia da Campanha do Trigo. Os resultados então apurados vieram corroborar as conclusões de diversos investigadores do séc. XIX cujos trabalhos comprometeram irremediavelmente uma persistente visão edénica do Alentejo. Na realidade, a documentação local oferece-nos, como já tivemos oportunidade de constatar, ao longo dos séculos, um quase constante cenário de deficit cerealífero o qual, se bem que indissociável dos mecanismos institucionais do sistema da propriedade da terra, era, fundamentalmente, condicionado pelos elementos naturais cuja influência determinante só se viria a tornar menos sensível com o recurso aos modernos factores de produção. A situação de carência a que já aludimos, manifesta desde o séc. XVI, em inúmeos embargos de cereais, em frequentíssimas notícias sobre a violência dos temporais, a excessiva bondade do tempo, a esterilidade das colheitas ou as pragas, revela-se, deste modo, uma constante da agricultura local cujos efeitos nocivos se faziam sentir,
inclusivamente, nas anezas de safras abundantes, pela desadequação dos habituais mecanismos de regulamentação do mercado a situações de produção localmente excedentária. Este traço estrutural da nossa agricultura transformou-nos, desde muito cedo, num país tradicionalmente importador, situação também reflectida à escala do concelho, no seguinte acordo da Câmara: Ano do nascimento de Nosso senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e oitenta e oito aos três dias do mês de Outubro do dito ano nesta vila de Fronteira estando aí presentes Diogo Cabral de Sá e Nuno Fernandes Subtil e Domingos Godinho vereadores o presente ano com muitos homens honrados da terra e da governação dela e muita gente do povo miúdo abaixo assinados sendo presente Diogo Pereira morador na vila de Veiros por Diogo Cabral de Sá vereador mais velho foi dito em seu nome e dos mais vereadores seus parceiros que considerando eles pela obrigação de seus ofícios a muita necessidade que há nesta vila e termo de pão pelo pouco que se colheu esta novidade passada não acharam outro remédio para remir a tal necessidade que mandar trazer por via de mercadores trigo e centeio do mar da cidade de Lisboa [...]. As continuadas tentativas para solucionar a deficiência frumentária crónica do nosso país traduziram-se, ao nível do concelho de Fronteira e com particular incidência a partir do séc. XVII, na progressiva ocupação dos terrenos públicos e particulares, antes maninhos, em terras de pão, processo que se arrastou até meados do séc. XX, sem jamais se terem alcançado os objectivos em vista, com carácter de regularidade, provocando a degradação dos solos menos aptos com profundos e irreversíveis reflexos nos ecossistemas locais. Facto que consideramos significativo é o da coincidência dos surtos de expansão das áreas cultivadas com os períodos de profundas alterações político-sociais, como sucedeu
a partir de 1822, após 1834 e, mais próximo de nós, na sequência das revoluções de 1926 e 1974, sinal evidente da permanência de uma situação deficitária da produção cerealífera nacional, repetidamente associada à questão da propriedade. Houve, portanto, de uma perspectiva diacrónica, até meados do séc. XX, uma evolução agrícola marcada por uma crescente especialização produtiva, culminando numa quase monocultura do trigo, um desvio cultural histórico, no dizer de Salazar. Esta especialização surge já, a nosso ver, favorecida em meados do séc. XVIII, graças à instituição de um Celeiro Comum cujos fundos eram exclusivamente constituídos por trigo, destinado a ser mutuado aos agricultores, frequentemente em situação de grande penúria sem trigos para comer nem para semear. Não dispomos, para o período anterior ao séc. XIX, de elementos sistematizados sobre a produção cerealífera do concelho mas, com base
nas informações disponíveis é
possível afirmar que, em meados do séc. XVII, as necessidades de trigo para semente e consumo da vila ascendiam a 1500 moios. Estima-se, relativamente ao mesmo período, que a produção anual total se situaria entre os dois e os três mil moios. Dois séculos depois, essa produção atingia os cinco mil moios. Este notável acréscimo da produção surge-nos como corolário do movimento de expansão das áreas semeadas mais do que como consequência da introdução de melhoramentos no sistema produtivo. De facto, a produtividade média mantinha-se ainda em valores que pouco diferiam dos obtidos no período medieval, ilustrando o proverbial imobilismo da estrutura produtiva agrícola. De acordo com os elementos disponíveis para as décadas de 60 e 70 do séc. XIX, eram os seguintes os índices de produtividade das diversas culturas: Trigo 1: 4.9, Centeio 1 : 5.1, Aveia 1: 6.2, Cevada 1 : 7.
O aumento generalizado da produtividade cujos valores se situavam, há vinte ou trinta anos, a níveis muito baixos: trigo – 1121 Kg/há ; cevada – 1365 Kg/há ; aveia – 973 L/há ; milho 533 L/há (1967) – viria apenas a acontecer em data muito recente, graças à mecanização das culturas, ao emprego metódico e racional de fertilizantes, à utilização de sementes seleccionadas e ao aumento das áreas de regadio. No momento actual, relativamente ao trigo, as produções têm, em certos casos, ultrapassado os 3000 Kg/ha. A cultura do centeio, mais adequada que a do trigo a grande parte da mancha arável do concelho, desapareceu do panorama agrícola local, sacrificado ao superior preço político do trigo. Semelhante ao do centeio foi o percurso da aveia. Cultura largamente difundida nos finais de 1800 (1714 ha em 1885) a sua produção viria a sofrer uma diminuição drástica, pelas razões já apontadas a que se somam os efeitos do abandono da força de trabalho animal. Juntamente com os cereais, o vinho e o azeite constituem o que poderemos chamar de tríade da agricultura alentejana. A cultura do olival, decisiva no quadro da economia das pequenas explorações agrícolas, atravessou, ao longo dos séculos, contrariamente aos cereais cuja expansão se revelou uma tendência constante, períodos de expansão e contracção, traduzidos em vagas de arranques indiscriminados e de plantações apressadas. O olival existente na região de Fronteira é, na sua maior parte, de implantação recente se bem que disponhamos de informações sobre a sua existência desde o período medieval quando as oliveiras cresciam, às portas da vila, nas proximidades da Rua dos Trigueiros. Sabemos, também, que em finais do séc. XVII se fizeram novos plantios de olival na Serra de São Miguel e que, no séc. XIX, se procedeu a grandes enxertias de zambujos na Coutada.
Depois de muito secundarizada face aos cereais, a olivicultura é, actualmente, o sector agrícola local em que têm sido mais visíveis os efeitos dos investimentos efectuados no âmbito da Política Agrícola Comum. Por outro lado, a crescente mecanização da cultura do olival, reduzindo de modo significativo os custos de produção, constituem um bom incentivo à sua expansão. A vinha cuja presença está atestada desde tempos remotos, persistiu na área do concelho até à década de 1960, altura em que a produção vinícola local foi definitivamente abandonada até ao seu ressurgimento, em período muito recente. Destinada essencialmente à satisfação das necessidades locais, a cultura da vinha cujo declínio é bem manifesto desde o séc. XVIII, conheceu um período de grande revutalização entre os anos de 1856 e 1870 em virtude da subida de preço do vinho, consequência directa das fracas produções provocadas pelo aparecimento do oídio. A produção vinícola local que, por volta de 1880, se cifrava em 140.000 litros era, em grande parte, exportada para Cabeço de Vide, Alpalhão, Nisa e Alter do Chão, importando-se, por outro lado, grande quantidade de vinho da região de Borba. Muito disseminada em toda a área do concelho, a vinha apresentava uma zona de grande concentração a nascente da vila, ao longo do Ribeiro do Carvalho, até à Ribeira Grande. Eram as seguintes as castas mais frequentemente utilizadas no fabrico dos vinhos locais: Trincadeira, Aragonesa, Malvasia, Moscatel, Fernão Pires e Cachudo Preta.
Além das grandes culturas que temos vindo a analisar, outras houve, menos significativas que, depois de um período de quase abandono, ressurgem agora enquadradas numa estratégia
de aproveitamento dos solos desocupados em
consequência da retracção das culturas cerealíferas de sequeiro.
De salientar aqui as proteaginosas, nomeadamente o grão de bico, a fava e o chícharo, géneros cujas produções ascendiam, em fins do séc. XIX, a 98.000, 86.000 e 168.000 litros, respectivamente. A produção horto-frutícola, desde sempre assegurada por pequenas unidades familiares e destinada essencialmente ao consumo local, apresenta boas perspectivas de crescimento
tendo em vista a expansão da procura das produções alternativas de
qualidade. Perfeitamente desprezível no panorama actual, a produção frutícola teve já alguma expressão contando-se mesmo, entre as rendas recebidas pelos comendadores de Fronteira, o dízimo das nozes, romãs e marmelos aqui produzidos tal como sucedia com as lentilhas, hoje completamente arredadas das produções locais. No panorama actual, não serão de desprezar as hipóteses de produção de produtos subtropicais, cuja introdução teve já antecedentes no séc. XIX, na cultura experimental do inhame. A produção de tomate que arrancou na década de 1960, em grande força, viria a sofrer uma grande retracção em virtude das alterações entretanto verificadas nos mecanismos dos mercados estrangeiros, seus habituais consumidores. Recentemente introduzida e produzida em grande escala, merece uma menção especial, pelos bons resultados obtidos, a cultura da beterraba. A silvicultura, actividade cronicamente desprezada porque incompatível com a rápida capitalização do investimento, tem na extracção da cortiça a sua única e, aliás, pouco significativa manifestação. As tentativas de introdução de novas espécies arbóreas, com aplicações industriais, de que temos notícias logo nos finais do séc. XVII, parece não terem surtido qualquer
efeito prático se bem que reiteradas no início do séc. XIX, com o plantio de um número significativo de amoreiras. Ainda durante aquele século ensaiou-se a plantação de manchas de pinhal, como agora, de novo, sucede. Porém, a iniciativa não teve continuidade e os pinheiros existentes, de fresca ou longa data, acabaram por desaparecer quase completamente da paisagem. Neste domínio, o único fenómeno digno de nota é o da expansão do eucalipto que ocupa já algumas centenas de hectares.
A produção pecuária foi, durante séculos, a actividade mais importante do sector produtivo local, não só pelo valor bruto do seu produto mas também pelos reflexos sociais que acarretava. Se é bem verdade que a posse da terra não era privilégio de todos, não é menos certo que a propriedade de gado, elemento sem dúvida importante na economia doméstica, se encontrava ao alcance de qualquer um, dada a existência de pastagens comuns que foram, pouco a pouco, absorvidas por outros modos de produção. Este processo de privatização das terras ou, pelo menos, do seu domínio útil conjuntamente com a sua afectação a outros modelos de rentabilização agrícola iniciouse em 1648, com a primeira atribuição de sortes na Coutada Brabia, para se semearem, por baixo da lagoa do caminho de Monforte donde estão uns carvalheiros altos. Não foi, porém, pacífica a atribuição das courelas. Contra ela se insurgiram os lavradores argumentando que as lavouras deste termo se não podiam sustentar se se derem as ditas courelas, isto porque tinham nelas os pastos necessários à sustentação dos seus gados de lavoura. Estas informações são tanto mais importantes porquanto, em 1583, muitos homens honrados dos que soem andar na governança desta vila [...] requereram aos ditos juiz e
vereadores que no termo desta dita vila havia certa quantidade de terras a que chamam Os Arneiros elas mesmo todas são arneiros que requeriam a suas mercês escrevessem a el-rei nosso senhor lhes vendesse os ditos arneiros que ficaram de Brás Palha porquanto esta vila era de grandes lavouras e tinham necessidade para os gados das ditas lavouras dos ditos arneiros por terem pequena coutada para os gados e lavouras dela [...]. Temos assim que o requerimento dos finais do século XVI traduz uma unanimidade quanto à necessidade de aumentar a área de pastagem para manutenção dos gados empregues nos trabalhos agrícolas. Em contrapartida, nos meados do século seguinte, apesar da mesma opinião ter acabado por prevalecer, existem já duas perspectivas de utilização das terras comuns – a da sua manutenção como pastos e a da conversão das mesmas em terras de semeadura. Algumas das causas desta mudança são conhecidas: as Guerras da Restauração provocaram uma súbita e enorme diminuição dos gados, o que terá levado os proprietários espoliados a procurar novas fontes de rendimento. Outras existirão, certamente, menos documentadas mas, o que mais nos interessa, de momento, é a constatação de que, a meio do séc. XVII, se verificam alterações na estrutura do produto agrícola inaugurando-se uma tendência de primado da cultura cerealífera que iria fazer escola nos séculos posteriores. Os dados quantitativos referentes a esta actividade são sobremaneira escassos mas permitem, ainda assim, avaliar uma notável produção de gado para abate já perceptível nos finais do séc. XVI, quando a vila nos surge como grande exportadora de gado ovino como se comprova pelas 1200 cabeças que daqui saíram, em 1593, com destino à capital e a outros centros urbanos.
Em data não muito anterior, 1588,
um criador local, o licenciado Luis Correia,
contratava com a Câmara, o fornecimento de seiscentos carneiros e mais se necessário for para abastecimento público., o que reflecte a dimensão de algumas das explorações pecuárias dessa época em que existiam na vila cerca de 44 pastores e cabreiros cuidando de outros tantos rebanhos. Nos princípios do séc. XIX, os manifestos dos gados existentes, se bem que pouco exaustivos, dão-nos notícia da existência de 3904 ovelhas, 680 cabras e 721 cabeças de gado vacum. Os dados estatísticos posteriores, principalmente os recolhidos no séc. XIX, apesar de numerosos, nem sempre são conclusivos dadas as alterações administrativas que, por várias vezes, expandiram ou reduziram em muito a área do concelho. Deduz-se, porém, deles que a grande vocação da pecuária local foi, desde sempre, a ovinicultura cujos efectivos nos surgem muito à frente das outras produções, facto já constatável, sem grande esforço de imaginação, no período romano, se atendermos aos frequentes achados de pesos de tear um pouco por toda a área do concelho. Fazendo uma resenha muito breve da evolução pecuária do último século, diremos que, como tendência geral, se assistiu à diminuição do número de caprinos e suínos . O gado ovinho, cujo número decresceu até à década de 1970, sofreu, desde então um aumento significativo a que não será alheia a política comunitária, através da concessão de subsídios. Para os bovinos constata-se uma alteração na composição dos efectivos em que o gado leiteiro foi, progressivamente, ocupando o lugar do gado de trabalho e para carne, à medida que se generalizava o consumo do leite de vaca, antes pouco requisitado.
Ultimamente, a criação de gado para carne ganhou, apesar dos contratempos de natureza epidémica, um novo alento graças à melhoria da qualidade do produto que veio a ocupar um nicho de mercado bastante prometedor. Igual via terá de ser a da suinicultura cuja prática, em moldes tradicionais, poderá vir a revelar-se, face aos novos modelos de consumo de produtos alimentares de origem animal em que a qualidade se apresenta como factor determinante da procura. A criação cavalar, hoje inexistente, foi, até meados do século passado, uma presença constante no concelho de Fronteira. As reais manadas da Coudelaria de Alter tinham na Coutada do Concelho uma das suas melhores áreas de pascigo. Além destas, outras houve, de criação particular, que alcançaram, pelas qualidades dos exemplares produzidos, certa projecção nos mercados nacionais e estrangeiros. Uma última palavra, sobre a apicultura. A produção de mel e seus derivados, hoje pouco significativa, teve outrora alguma relevância no panorama económico local. Daqui levava a Mesa Mestral da Ordem de Avis, em cada ano, no séc. XVI, cerca de 12 arrobas de cera, pitança apenas igualada pela que era recebida de Alcácer do Sal. A alta estimação em que o mel e a cera eram tidos, quer pelas aplicações medicinais do primeiro, presença habitual nos receituários do hospital da Misericórdia, quer pela utilização para fins litúrgicos da segunda, faziam deles produtos altamente apreciados e valorizados. Tanto assim que, no testamento de Diogo Afonso, escudeiro, morador em Fronteira, lavrado aos 13 de Março de 1455, o testador legou a Frei Gomes prior que me ouviu de confissão três colmeias. A produção de mel e cera ascendia ainda, em finais de 1800, a 1360 e 495 Kgs.., respectivamente.
5.4.4 Comércio e manufacturas
Estes são os sectores produtivos locais sobre os quais existe uma maior escassez de elementos informativos. Actividades essencialmente privadas, delas só chegaram até nós, de forma indirecta, os dados produzidos no âmbito de actos administrativos que directamente se relacionavam com o poder autárquico – pedidos de licenças ou concessões de alvarás – por exemplo. Tudo o resto, o retrato da actividade quotidiana de mercadores e almocreves, a localização dos locais de venda e de produção, os produtos comercializados e os respectivos preços permanecem, na sua maior parte, desconhecidos. Das regulamentações municipais concernentes a estes grupos profissionais, tanto quanto saibamos, apenas os Regimentos dos estalajadeiros, alfaiates e sapateiros chegaram até nós, numa versão da segunda metade do séc. XVIII, período em que os modelos corporativos se encontravam já em fase de acentuada decadência, permitindo-nos, através do seu clausulado, desfrutar de uma perspectiva bastante completa daquelas actividades, em termos de produtos comercializados, de serviços prestados e de preços praticados.
Regimento para os oficiais examinados de loja aberta do ofício de Alfaiate poderem levar seus salários Em esta vereação de 19 de Maio de 1773 acordaram e determinaram, que visto não haver nesta Câmara taxa dos ofícios mecânicos de Alfaiates, Sapateiros, Alvanéus Carpinteiros, e trabalhadores se fizesse por dois oficiais de cada um dos ditos ofícios mais peritos e de boas consciências para estes assentarem em o merecimento das obras de seus ofícios: e dos que trabalhassem em casas particulares e do que declarassem
cada um nos seus ofícios se lançasse em livro para ficar no arquivo desta Câmara para dele tirarem cada um dos mestres de loja aberta o seu Regimento, e dele usarem observando-o à risca; com a pena de quem o contrário fizer pagar pela primeira vez dois mil reis para este concelho, metade para o acusador e dez dias de cadeia; e que os almotacés ficarão obrigados nas visitas que fizerem no bem comum procurarem pelos ditos Regimentos e condenarem os que os não tiverem e que seria depois feita a dita taxa e lançada no livro, a qual viria a esta Câmara para se rever se está conforme às declarações que se fizerem, e se haverem por confirmadas firmes, e valiosas e os ditos Regimentos terem o seu verdadeiro efeito para bem se regerem, e governarem os Mestres de cada um dos ditos ofícios, e para cessarem as dúvidas, e contendas que muitas vezes havia entre as pessoas, e moradores desta vila, e termo que os ditos mestres se serviam para cujo fim foram chamados a esta Câmara e vereação Miguel Fernandes, e José Álvares, mestres de alfaiates a quem o Doutor António de Liz Juiz de Fora Presidente deferiu o juramento dos Santos Evangelhos sob cargo do qual lhes encarregou declarassem nas ditas taxas que ao diante vão e se seguem o valor de cada uma das obras que cada uma das ditas pessoas e moradores desta vila e termo mandassem fazer, e eles recebendo o dito juramento debaixo dele assim o prometeram fazer e aqui assinam. Feitios De um capote fino forrado
$480
E sendo sem forro
$300
Por uma capaca de pano subido picada
$80
E por uma de seda
$960
E de saragoça
$600
E por uma véstia de pano fino sendo picada
$300
E por uma de pano ordinário
$240
E de saragoça
$200
E sendo de seda boleada
$360
Por um calção, sendo de veludo, tripe seda, droga
$300
E sendo de pano fino de alçapão
$240
E sendo de saragoça
$200
Um par de polainas de canhão sendo bem feitas e proponteadas
$200
E sem canhão
$120
Por um casacão grande forrado
$480
E por um casacão liso
$300
Por um roupão de baeta
$300
E por uma brojaca comprida
$300
E por um sobretudo
$300
Por umas batinas de clérigo de baeta
$880
E por umas de castor
$960
E sendo de lemiste com trancelim
$960
E indo trabalhar fora de casa dando-lhe de comer[ao] dia ganhará
$100
E sendo oficiais se lhe pagasse metade da obra do feitio de seu corte
Regimento dos Sapateiros Por cada um par de sapatos de bezerro preto e virados bem feitos e seguros$
800
E por cada um par de bezerro preto de sola aparada
$800
E por cada um par de sapatos de bezerro branco de duas solas
$800
E de uma sola somente
$700
E por cada um par de sapatos de vaca de duas solas
$960
E por cada um par de sapatos de mulher de couro de cordeira dos de salto de pau
$550
E sendo de bezerro preto virados de salto de pau
$530
E por cada um par de sapatos de cordovão preto de sola aparada e salto de sola
$800
E por cada um par de borzeguins de vaca
$800
E de bezerro preto
$960
E de bezerro branco
$960
E por cada um par de botas fechadas
2$400
E pelas abertas
2$400
E por cada um par de solas e tacões dando tudo o oficial
$240
E indo trabalhar a casa de particulares dando-lhe cabedal e comida por cada dia
$100
E por cada um par de sapatos que fizer de homem por dia E a seco por dia
$100 $160
O par de sapatos de bezerro preto [de] duas solas
$960
Acórdão sobre o Regimento dos Estalajadeiros Que os estalajadeiros não alugarão nem emprestarão bestas que agasalharem Que os estalajadeiros não terão galinhas nas estalagens Que os estalajadeiros que agasalharem fato ou cavalgaduras darão fiança na Câmara Que os estalajadeiros não dêem de comer a bestas suas ao pé de bestas dos passageiros Que os estalajadeiros serão obrigados a pedir aos oficiais da Câmara lhe ponham taxa de cevada e palha Que os estalajadeiros serão obrigados a fazer, de cada um arrátel de carne de qual costa que seja quatro postas e depois de cozinhada se lhe dará além do valor da carne mais dez reis por cada posta a respeito do guisamento Levarão por uma posta de peixe que terá uma quarta depois de cozinhada mais dez reis além do que valer na praça e não tendo quarta de peso levarão cinco reis
Levarão por um ovo assado mais tres reis além do que valer Levarão por um ovo frito além do que valer dez reis Levarão por uma sardinha assada ou cozida mais real e meio do que valer Levarão por uma sardinha frita três reis Levarão por uma vela de sebo dez reis Levarão por uma candeia cheia de azeite quinze reis Levarão por concertar uma galinha, uma perdiz, um coelho, um leitão e um cabrito por cada uma desta coisas quarenta reis Levarão por cada pão mais um real do que valer na vila Levarão de guardar uma carga de fato do primeiro dia por diante dez reis Levarão por cada besta que agasalharem dando-lhe duas vezes no dia de beber dez reis Levarão por uma cama dobrada de dois colchões, dois lençóis, um cobertor, um travesseiro ainda que seja para duas pessoas quarenta reis Levarão por uma cama singela de um colchão, um lençol e um cobertor e um travesseiro nem que seja para duas pessoas vinte reis Levarão por uma esteira para dormir em cima dela cinco reis Levarão por um palmo de linguiça vinte reis Eis aqui a regulamentação funcional de alguns dos ofícios então existentes. Organicamente, o desempenho desses ofícios estava dependente de uma aprendizagem mais ou menos longa, finda a qual o aprendiz requeria ao Juiz de Fora a sua examinação. Este fazia citar, posteriormente, os juizes do ofício competente que examinavam o pretendente passando-lhe, se fosse esse o caso, uma Carta de Examinação que o habilitava, como mestre, ao desempenho das suas funções. Lamentavelmente, apenas três dos regimentos chegaram até nós. Outras fontes, porém, permitem-nos, se bem que de um modo incompleto, dado que só os moradores do sexo masculino são abrangidos, uma visão do panorama dos mesteres na época já referida.
Sabemos, assim, que em 1764, eram os seguintes os grupos de oficiais das profissões mecânicas existentes em Fronteira: Alfaiates, 5; Almocreves, 49; Alvanéus, 6; Barbeiros, 8; Boticários, 2; Cardadores, 1; Carpinteiros, 5; Carvoeiros, 1; Estalajadeiros, 2; Ferradores e Ferreiros, 8; Forneiros, 5; Moleiros, 7; Oficiais de Cutelaria, 2; Sapateiros, 33; Tecelões, 1; Tendeiros, 3; Tintureiros, 1. Note-se, contudo, que os números não traduzem a totalidade dos efectivos nem dos ofícios já que a profissão de muitos dos recenseados na documentação consultada não é mencionada e que as actividades tradicionalmente reservadas ao sexo feminino estão omissas. Destas profissões, a maioria iria chegar, funcionando em moldes não muito diferentes do das antigas corporações, a meados do séc. XX.
Contudo, as já anteriormente
referidas profissões do sector da manufactura têxtil, iriam desaparecer, completamente, muito antes dessa data. Esclareça-se que, já na época em que os dados acima foram registados, era notório o esvaziamento daquelas actividades, não se registando já a existência de outros mesteres do mesmo ramo, nomeadamente os escardussadores, sirgueiros, pisoeiros e tecelões de pano de cor e de linho. O grupo profissional, de longe, mais representativo – os almocreves, revela bem a importância do comércio de âmbito regional e a longa distância, já patente nos mais antigos registos municipais, nas medidas tomadas pela Câmara para garantir o regular abastecimento de peixe, vindo de Setúbal, à população. Para esse efeito determinava a autarquia, em 1583, que os almocreves desta vila fossem a Setúbal a buscar pescado pela maneira seguinte com pena de mil reis pagos de cadeia § Salvador Fernandes e Fernão Gonçalves Bota o primeiro caminho
§ Pero Vaz e Luis Lopes o segundo caminho § Manuel Lopes [e] Pero Gonçalves o terceiro caminho § António Burrinho e Bartolomeu Martins o quarto caminho e daí em diante pela mesma maneira correrão de maneira que a terra esteja sempre provida de pescado. Facilmente se compreenderá a importância dos almocreves se tivermos presente que a produção cerealífera era, pelo menos a partir de dado período, a principal actividade económica, sendo fundamental o fácil escoamento ou a rápida importação do produto. Assim, quer para os mercados de dimensão regional, como Estremoz, quer para os grandes centros de consumo, tornara-se imprescindível a acção dos almocreves. Porém, nem só os géneros de primeira necessidade eram objecto desse transporte feito em mulas ou carretas. Em 1626, a Santa Casa da Misericórdia de Fronteira mandou comprar em Badajoz veludo carmesim, damasco branco e retrós para a confecção de ornamentos, frontais, vestimentas e cinco véstias para os irmãos. Como se vê, vem já de longa data a tradição das compras na cidade fronteiriça. A importância vital deste comércio à distância transparece claramente na extensa regulamentação registada no foral de 1512. Nesse documento, no capítulo consagrado às portagens pagas pelos diversos géneros comercializados, referem-se, entre outros, os cereais, vinho, vinagre , sal, linhaça, cal, panos finos, panos grossos, linho, lã, couros, calçado, azeite, mel, especiarias, ferro grosso e ferro lavrado, sumagre, loiças, etc. Todos os produtos transaccionados eram taxados por cargas. Havia, assim, as cargas maiores, quando transportadas por gado muar ou cavalar e as cargas menores, no caso
do transporte ser feito por jumentos. Entendia-se ainda, por costal, a metade de uma carga menor. Directamente envolvidos na actividade comercial local, mas com carácter fixo, eram também os três tendeiros referidos, isto é, os mercadores com loja posta na terra. Os mercadores de Fronteira eram, em finais do séc. XVI, homens da nação, isto é, cristãos-novos, que aliavam à sua actividade comercial outras não menos rendosas como as da cobrança ou arrematação de rendas particulares ou do concelho. Chegaram até nós, os nomes de alguns dos membros mais notáveis dessa comunidade, envolvidos num processo de contestação de uma sentença que os impedira de ser lançadores no Cabeção das Sisas. Eram eles, Duarte, Henrique e Luis de Melo, Fernão Soares, Rui e Simão Gomes, Belchior Fernandes, João Dias, Francisco Lopes e Fernão Moreno. As mulheres, sempre tão raras nos actos oficiais, detinham, pela mesma época, o exclusivo do fabrico do pão. Este era vendido, obrigatoriamente, na praça, em unidades pesando um arrátel e meio arrátel, respectivamente. Quanto aos tipos de pão consumido, a documentação de finais do séc. XVI refere o pão alvo e o pão ralo. Das tendas ou lojas só no séc. XIX começa a haver um melhor conhecimento, em virtude da obrigatoriedade do licenciamento das mesmas, como se vê pelo quadro anexo, relativo às licenças comerciais passadas em 1840. Predominavam então, como hoje, os estabelecimentos de venda de produtos alimentares e, principalmente, de bebidas. O grande número de tabernas existente era, frequentemente, fonte de frequentes rixas e desassossego pelo que as autoridades locais proibiam a sua abertura nos domingos e dias santos, da parte da tarde. Além disso, o próprio número de tabernas fora, anos antes, limitado a quatro como se prova pela acta da Câmara de 4 de Janeiro de 1817: Nesta determinaram que para maior sossego e tranquilidade pública houvesse
só quatro tabernas para o que nomearam na Rua dos Trigueiros, José Caetano, o Velho, Rua de Avis, José Caetano Garroxo, Rua da Lagoa, João Tratadas e Rua de Santarém, Joaquim António Monteiro. A actividade comercial viria a experimentar, na primeira metade do séc. XX, um assinalável
desenvolvimento
bem
expresso
pelo
número
e
dimensões
dos
estabelecimentos existentes: em 1938, por exemplo, contavam-se setenta e três. Porém, o agravamento das condições de vida e o consequente êxodo da população vieram, a partir da década de sessenta, pôr fim a esse período de prosperidade do sector do comércio.
PROPRIETÁRIO
LOCALIZAÇÃO
ACTIVIDADE
Miguel Galveia Tomás J. Coelho José Maria da Silva Aleixo José Francisco de Jesus Antónia Fria Vasco J. Vitória Manuel Curado Francisco Pera Maria Vasques Ana Reicha Ana Guilhermina Antónia Pina António Louro Joana Tenório Joana Chocolate Malaquias Paixão Rosa Pinta José Paixão Joaquim Canejo António Ferreira Angélica Copeto António Forças Bento J. Ugella Joaquim José de Brito Joaquim J. da Costa Clementina Rosa João José de Brito Antónia Teresa Filipe Dordio José Anacleto Manuel Lobo Sebastião Tenório
Rua dos Trigueiros Largo de São Brás Rua de Santa Maria Rua de Santa Maria Adro de Cima Rua Nova Rua de Santarém Rua do Sol Rua do Sol Rua do Sol Praça Praça Rua dos Trigueiros Rua dos Trigueiros Rua dos Trigueiros Rua dos Trigueiros Rua dos Trigueiros Rua dos Trigueiros Largo das Albardeiras Largo das Albardeiras Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua da Lagoa Rua de Avis Rua de Avis Rua de Avis Rua de Avis Rua de Avis Adro
Taberna Estalagem Capelista Taberna Taberna Taberna Taberna Taberna Taberna Capelista Padeira Padeira e Bebidas Comestíveis Comestíveis Comestíveis Comestíveis Bebidas Padeira Taberna Taberna Taberna Comestíveis Comestíveis Taberna Capelista Mercearia Mercearia e Bebidas Capelista Pão e Bebidas Capelista Pão e Bebidas Mercearia Capelista
Estabelecimentos comerciais em Fronteira (1840)
5.4.4.1 Feiras Numa época em que os circuitos de distribuição de bens, bem como os meios e vias de comunicação não possibilitavam a existência de fluxos fáceis, rápidos e regulares, as feiras constituíam momentos privilegiados de intercâmbio comercial, oportunidades raras de aquisição, venda e troca de produtos e de dispersão de excedentes agrícolas. Daí que as feiras locais tenham surgido em períodos de expansão económica, mormente no respeitante à economia agrícola – os finais dos séculos XVI e XIX. A mais antiga das feiras de Fronteira, a de São Pedro, foi instituída por alvará de 22 de Agosto de 1579 e realizava-se nos dias 29 e 30 de Junho. Em 1854, a feira transitou para o dia 15 de Agosto para logo regressar às datas primitivas. A segunda e mais recente, a Feira Nova, foi criada por iniciativa da Câmara Municipal e autorizada pela Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito de Portalegre, na sua sessão de 31 de Maio de 1883, tendo-se realizado, pela primeira vez, nos dias 26 e 27 de Setembro do mesmo ano, com grande concurso de géneros e pessoas vindas, algumas delas, da vizinha Espanha. O local habitual de realização destas feiras foi, até à sua ocupação urbana, o Rossio de São Brás, também conhecido como Rossio da Feira, espaço vasto e plano, situado a sul da vila, local de cruzamento de diversas estradas. Apenas em 1871 há notícias desse espaço não ter sido utilizado paro o efeito, realizando-se a Feira de São Pedro no Adro e ruas limítrofes, em virtude do local habitual se encontrar semeado. O terrado da feira não era, como hoje, cobrado directamente pela autarquia que, em vez disso, o arrematava em bloco a quem mais desse. Felizmente, dispomos ainda de alguns autos dessas arrematações feitas em local público, pelo porteiro (i.e. contínuo) da câmara que para esse efeito e como era habitual percorria os locais mais movimentados
da vila, empunhando um ramo verde de laranjeira e fazendo pregão, algumas datando do período inicial da realização da feira de São Pedro, como o que agora se transcreve: Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e noventa e cinco anos aos onze dias do mês de Junho do dito ano nesta vila de Fronteira na Casa da Câmara dela estando aí presentes Manuel Cardoso e Luis Álvares e Pero Davide vereadores o presente ano logo mandaram apregoar por Francisco Fernandes porteiro do concelho e Câmara a renda da feira desta vila e seu termo que se costuma fazer por dia de São Pedro que vem neste dito mês e por haver muitos dias que andava em pregão a dita renda da feira na praça e nos mais lugares públicos e costumados como disse da sua fé Francisco Fernandes porteiroe por não achar quem nas ditas tendas e rendas da feira maior lanço fizesse fazendo primeiro todas as afrontações necessárias e costumadas não achou quem na dita renda da feira maior lanço fizesse que mais proveito fosse desta Câmara e concelho por o dito tempo da dita feira conforme ao preço e dias que o ano passado foram arrendadas as tendas cobertas de telha a duzentos reis cada uma das ditas tendas cobertas e os vinhateiros e vendeiros e enxergueiros que tiverem tendas cobertas a oitenta reis cada uma tenda e as mais tendas cada uma cobertas de fato por cima a quarenta reis e as tendas que estiverem descobertas que se chamam terrádegos a vinte reis e as que tiverem solarias coiramas e caixões [?] e tabuados de tabuados e caixas e mais coisas e as albardeiras e caldeireiros sessenta reis cada uma pessoa e os picheleiros e todos os mais que são de vidreiros pagarão os picheleiros a sessenta reis e os do vidro a quarenta e por não haver quem maior lanço fizesse que mais proveito fosse do concelho que Domingos Gonçalves e Gaspar Vaz ambos moradores nesta dita vila que lançaram dez mil reis forros de todos os custos para o concelho [...] mandaram lhe fosse arrematada [...].
Como decorre da leitura do texto, a Câmara alugava não só o terreno mas também tendas cobertas de telha o que pressupõe a existência de estruturas edificadas, de carácter permanente, na zona do rossio, especialmente destinadas para aquelas ocasiões, sendo igualmente notório o pequeno número de actividades representadas pelo que julgamos que a feira de São Pedro seria, no seu início, de facto, um grande mercado de produtos agrícolas que, com o passar dos anos, se viria a tornar numa feira na verdadeira acepção do termo. Essa evolução está, aliás, bem patente na diversidade das actividades comerciais nela representadas em meados do séc. XVIII: mercadores de lãs, sedas, roupas inglesas e linho;
sombreireiros,
saragoceiros,
ourives,
livreiros,
retroseiros,
agulheiros,
albardeiros, madeireiros, vendedores de ferragens, etc. Tal como o comércio local, também as feiras atingiram dimensões físicas e económicas notáveis nos primeiros cinquenta anos do passado século, após o que entraram em decadência. Realizam-se ainda ao presente, no último fim de semana de Junho e Outubro, respectivamente. Finalmente, realiza-se ainda, desde 1976, um mercado na última quinta-feira de cada mês.
5.5 DEMOGRAFIA
Não existem, tanto quanto saibamos, nenhuns documentos susceptíveis de permitir uma reconstituição exacta da evolução da população de Fronteira
durante o período
compreendido entre a data da sua fundação, provavelmente em princípios do séc. XIII e o segundo quartel do séc. XVI, época em que se procedeu ao primeiro numeramento da população portuguesa.
As fontes documentais existentes, quer se trate do arrolamento dos besteiros do conto ou dos tabeliães, ou se revelam omissas ou susceptíveis de interpretações muito diversas. De igual modo, o Catálogo de Todas as Igrejas, Comendas e Mosteiros que havia nos Reinos de Portugal e dos Algarves pelos anos de 1320 e 1321 apenas sugere, atendendo à elevada taxa de 1170 libras imposta nos rendimentos da Matriz de Fronteira, a existência de uma população que se contaria entre as mais significativas do Bispado de Évora. De concreto, tudo o que podemos afirmar sem receio de incorrer em erro grave é que a situação demográfica da vila durante esse dilatado espaço de tempo foi marcada por um acentuado decréscimo da população
durante o séc. XIV, devido certamente à
pandémica Peste Negra que eclodiu em Portugal no Outono de 1348 e a outros surtos pestíferos que grassaram no país nos anos de 1356, 1361-1363, 1374, 1383-1385 e 1389, bem como às crises de escassez alimentar de 1355-1356, 1364-1366, 1371-1372, 1374-1376, 1384-1387, 1391-1392, 1394 e 1397-1400 e ainda às repetidas lutas civis ou contra Castela que então se travaram. Esse despovoamento ficou, aliás, bem patente na representação que o Concelho e os homens-bons de Fronteira fizeram a D. João I em virtude da vila se encontrar muito minguada e despovoada de gentes e se despovoa mais em cada um dia porque os moradores dela são muito desfalcados dos bens por razão desta guerra que ora é e das outras que antes foram. E outrossim porque foram muitas vezes cativos dos nossos inimigos e deles muitos que mataram e por esta razão se foram muitos a morar a outras partes fora dela. E por isto e outras razões a dita vila está muito despovoada. Do mesmo modo cremos poder afirmar que, em finais do séc. XV, à semelhança do sucedido em muitas outras localidades da zona raiana, o afluxo dos judeus expulsos pelos Reis Católicos em 1492 se deve ter traduzido num acréscimo da população local.
Durante o séc. XVI, multiplica-se a documentação local disponível continuando, contudo, a verificar-se um grande hiato nas informações com interesse demográfico. Naquele período, como antes referimos, realizou-se a primeira tentativa censitária a nível nacional. Pelos valores então apurados, a população de Fronteira em 1527 cifrarse-ia em 488 moradores a que se somavam mais 90 residindo no campo. O total dos moradores então recenseados coincide quase exactamente com o dos 550 fregueses contabilizados pelo visitador da Ordem de Avis em 1534 e difere apenas ligeiramente dos 513 moradores arrolados na relação de pessoas que havia na Comarca de Estremoz feita pelo licenciado Diogo Lopes, por volta de 1538. Que expressão terão, porém, em termos estatísticos actuais, noções como as de morador, vizinho, freguês ou fogo, familiares aos antigos cômputos? Várias hipótese têm sido apontadas obedecendo a outros tantos critérios de avaliação. Recorrendo aos factores de conversão utilizados numa obra maior da actual historiografia nacional, teremos para os valores apresentados uma população que oscilaria entre 2254 e 2832 indivíduos em 1527, 2145 e 2695 em 1534 e 2007 e 2513 nos fins da décadas de 1530, números que traduzem, de uma forma ou doutra, uma diminuição da população local. Nas quatro décadas seguintes a situação demográfica parece ter atravessado uma nova fase de expansão, razão que terá levado D. Sebastião a autorizar que se tomassem em cada ano cerca de 200.000 reis das rendas da comenda, até ao montante de 1.500 cruzados, de modo a financiar a construção de uma nova Igreja Matriz visto que a primitiva se tinha tornado demasiado exígua. Anos depois, porém, em 1577, o Visitador da Ordem de Avis na sua passagem por Fronteira deixa registado que na vila haveria mil vizinhos pouco mais ou menos e haverá 6000 almas de confissão, isto é, seis mil indivíduos maiores de sete anos.
Se bem que estes números se nos afigurem exagerados, quiçá pela necessidade de justificar as grandes somas despendidas na construção da nova Igreja Matriz, então ainda em início de construção, eles reflectem, sem dúvida, o aumento geral da população do reino característico desse período, confirmado pela existência, em 1580, de cerca de 800 indivíduos do sexo masculino, maiores de dezasseis anos e também por notícias coevas sobre o desmonte das muralhas para construção de casas. Temos assim, em retrospectiva, uma primeira fase de crescimento até meados do séc. XIV que terá motivado a expansão extra-muros da vila, a que se seguiu um período de despovoamento acentuado. Na segunda metade do séc. XVI a população atravessou novamente uma fase de expansão, embora lenta, que viria a ser contrariada no século seguinte por diversos factores que provocaram um retrocesso demográfico bem comprovado pela redução do número dos contribuintes que de 718 em 1610 passou para 544 em 1675. No dealbar da centúria de 1700 a população residente foi avaliada em cerca de 1000 vizinhos, o que significa ter havido um crescimento sensível no último quartel de 1600, o que é confirmado pelo aumento do número de contribuintes que, entre 1675 e 1706, passou de 549 para 807. Entre aquele ano e o de 1725, assistiu-se a uma nova diminuição da população expressa na redução do número de contribuintes que não ultrapassava, ao findar o primeiro quartel do séc. XVIII, os 579 indivíduos. Em 1732, residindo na vila e no campo, contavam-se cerca de 2404 indivíduos, sendo 1281 do sexo masculino e 1123 do sexo feminino. Passadas pouco mais de duas décadas, em 1758, continuava a verificar-se um decréscimo populacional expresso nos apenas 1789 moradores, número esse que
continuaria em fase de recessão até pelo menos 1792, ano em que a população não ultrapassava os 1773 indivíduos. Tendo sempre em vista a escassa fiabilidade que as estimativas apresentadas para o período referido nos devem merecer, uma conclusão se nos afigura, contudo, irrefutável: a evidência decorrente da análise dos dados fornecidos pela documentação fiscal de que as flutuações têm, fundamentalmente, a sua origem na variação da ocupação humana do campo que nos surge, assim, como a variável mais determinante, apresentando a população do núcleo urbano uma notável estabilidade. De facto, se considerarmos os quase três séculos que medeiam entre 1610 e 1800 divididos em períodos de, sensivelmente, vinte e cinco anos, constatamos que a maior alteração verificada na população da vila teve lugar entre os anos de 1675 e 1706 (+18.8%) enquanto que, por sua vez, a população residente no campo experimentou, entre 1706 e 1725, o seu maior decréscimo (-38.6%). A desertificação dos campos, omnipresente fonte de lamentos de proprietários, governantes e economistas que nela viam a causa do nosso secular e continuado estado de penúria frumentária viria, efectivamente, a agravar-se ao longo daqueles trezentos anos. As mais de trezentas pessoas residentes em montes e herdades nos princípios do séc. XVII reduziam-se, em 1859, a cerca de setenta e duas, distribuídas por vinte e um montes, hortas e moinhos. Com o advento do séc. XIX, multiplicam-se as fontes para o estudo da questão demográfica. Aos dados facultados pela prática dos censos regulares implementada a partir de 1864 acrescem, para o período anterior a 1850, os dos arquivos locais, ambos facilmente conjugáveis entre si em virtude das afinidades existentes entre as
metodologias utilizadas possibilitando, deste modo, uma percepção muito mais exacta da realidade. As convulsões que agitaram a sociedade portuguesa nas primeiras décadas do séc. XIX – guerra com a Espanha, Invasões Francesas, Guerra Civil – parece não terem afectado o balanço positivo dos saldos fisiológicos. Durante as décadas de 1840 e 1850 assistiu-se, pelo contrário, a um novo surto de recessão dos efectivos demográficos provocado por uma sucessão de anos agrícolas extremamente desfavoráveis, principalmente, como já antes vimos, os de 1846 de negra recordação para o lavrador porque colheu apenas a semente ou pouco mais, o de 1849 e o de 1856, ano de esterilidade extraordinária e faminta. Os saldos fisiológicos negativos observados ao longo de quase todo aquele vinténio : 1843 (- 13), 1844 (- 9), 1847 (- 5), 1848 (- 35), 1849 (- 8), 1850 (- 46), 1851 (- 23), 1852 (- 26), 1853 (- 30), 1855 (- 15), 1856 (- 62), 1857 (- 45), 1858 (- 2) e 1859 (- 15), levaram nomeadamente as autoridades centrais a debruçar-se sobre a etiologia do fenómeno. Nesse contexto, merece-nos especial atenção uma comunicação do Administrador do Concelho de Fronteira para o Presidente da Comissão de Geologia em que se expõem, clara e objectivamente, as causas de tão preocupante desequilíbrio. O documento que de seguida apresentaremos em transcrição parcial é bem ilustrativo daquilo a que hoje em dia chamaríamos um efeito de borboleta e afigura-se-nos um valioso contributo para a compreensão dos ciclos curtos de crescimento demográfico negativo que se deverão ter verificado com alguma frequência ao longo de todo o período de que nos temos vindo a ocupar. É um princípio incontestável que a população aumenta ou diminui em toda a parte segundo abundam ou escasseiam os meios de subsistência, pondo de parte outras
eventualidades. Ora nesta freguesia em que seus habitantes são exclusivamente agricultores, quando a indústria agrícola não fornece os lucros que em anos ordinários e nos férteis costuma dar, os agricultores têm a sua subsistência menos segura, usam de piores alimentos, os mancebos não podem por falta de meios estabelecer-se e a consequência necessária é a diminuição da população. Eis aqui o que tem acontecido há 3 ou 4 anos nesta vila em que pela esterilidade que tem havido, principalmente no ano de 1849, em que uma espantosa trovoada destruiu, no rigor da palavra toda a vegetação em 21 de Junho e a absoluta falta de produtos nesse ano trouxe em resultado as moléstias, a fome e a miséria no ano de 1850 que também foi sumamente estéril. A partir da década de 1860 e com base nos elementos disponibilizados pelos censos oficiais temos: No intervalo compreendido entre os anos de 1864 e 1878, em que se registou a nível nacional um aumento da população da ordem dos 9.5 %, a população de Fronteira sofreu uma diminuição de 3.4 %. Entre 1878 e 1890, mantendo-se a taxa de crescimento do país em valores muito próximos dos antes referidos para o período anterior, verificou-se localmente um acréscimo de 6.4 %. De 1890 a 1900, os valores do crescimento demográfico local (7.8 %) revelaram-se superiores à média nacional (6.9 %). De 1900 a 1950, a tendência evolutiva da população que entretanto ultrapassou os 3.000 indivíduos, acompanhou de perto o comportamento demográfico do país cuja população se viu aumentada em cerca de 2.5 milhões de habitantes no período compreendido entre 1920 e os meados do século. A partir de 1950 verificaram-se profundas alterações no panorama demográfico português.
A par com o grande fluxo migratório das populações nortenhas para os países desenvolvidos da Europa assistiu-se, no Alentejo, a intensos movimentos migratórios para a área urbano-industrial de Lisboa/Setúbal movimentos esses que se mantiveram até à década de 1970. Durante o período em questão e à semelhança do que sucedeu, de um modo geral, em todo o Alentejo, o concelho de Fronteira manifestou uma acentuada repulsão demográfica que se traduziu em taxas migratórias da ordem dos 17.1 % e 38 % nos decénios de 1951/60 e 1961/70, respectivamente, provocando a degradação estrutural da população. De facto, em virtude da conjugação de diversos factores limitativos – baixa natalidade, baixa mortalidade, intenso movimento migratório – a população cuja estrutura reflectia, em 1950, a das restantes regiões do continente, apresentava em 1970 um duplo envelhecimento caracterizado pelo aumento do número de velhos em simultâneo com a diminuição dos grupos etários mais jovens. Assistiu-se assim, no espaço de 20 anos, a um acréscimo da população idosa do concelho da ordem dos 138 % enquanto que, por sua vez, a população com idade inferior a 20 anos sofreu uma redução de 27.4 %. Desta inflexão na tendência de crescimento manifestada até meados do presente século advieram, para além do já referido envelhecimento, outras consequências igualmente gravosas como a diminuição da população activa e a sobrecarga económica e social da mesma. Ao longo da década de 1970, em consequência do abrandamento dos fluxos migratórios e de factos decorrentes das alterações políticas, económicas e sociais então verificadas, a população sofreu um ligeiro acréscimo a que se seguiu, nos anos 80, uma nova fase de contracção.
Quanto à evolução provável da população, esta será, de acordo com estudos realizados para os três distritos do Alentejo, essencialmente condicionada pela articulação das variáveis Fecundidade e Mortalidade uma vez que, como tudo leva a fazer crer, os movimentos migratórios perderão a sua expressão no contexto demográfico que temos vindo a observar. Com base nestes elementos delinearam-se três cenários de evolução caracterizados, cada um deles, por um modelo diferente de interacção Fecundidade/Mortalidade. Obtiveram-se deste modo projecções sem qualquer dúvida preocupantes que apontam para o facto de, em qualquer das hipóteses consideradas, o distrito de Portalegre apresentar decréscimos populacionais até ao ano 2000, contribuindo para tanto, de modo decisivo, o estado de desequilíbrio demográfico já detectável em 1981 na existência de saldos fisiológicos negativos. Os últimos dados disponíveis, publicados em 1999, mais não fizeram que vir confirmar esta tendência de crescimento negativo. Naquele ano, a taxa de crescimento demográfico natural, isto é, a diferença entre o número de nados-vivos e o número de óbitos verificados, foi de cerca de –12.4 e a taxa de crescimento demográfico total, variável que traduz a diferença da população residente entre o fim do ano da observação e o do ano anterior, foi de –18.4. Igualmente preocupante é o desequilíbrio entre os níveis etários, expresso por um índice de envelhecimento, factor que traduz a relação entre os menores de 15 anos e os maiores de 65, que se cifrava em 195.7.
6. SÍNTESE HISTÓRICA
Escrevemos, na primeira edição deste trabalho, não haver nada de mais pretensioso e, por vezes, menos verdadeiro que o lavrar de uma certidão de nascimento de uma povoação. Hoje, dezasseis anos volvidos, continuamos, como então, a subscrever cada uma das palavras do que então afirmámos, apesar dos progressos entretanto havidos quanto ao conhecimento da presença humana no território onde Fronteira se acha inserida. De facto, o único levantamento arqueológico de que então dispúnhamos referia a existência de cerca de trinta e nove possíveis estações arqueológicas no concelho. De então para cá, o levantamento arqueológico sistemático que tanto tardava, como então tivemos ocasião de assinalar, foi, finalmente, empreendido pelo arqueólogo ao serviço do Gabinete Técnico Local da Câmara Municipal de Fronteira que, no espaço de um ano, localizou e inventariou nada menos que cento e trinta e sete sítios arqueológicos, muitos deles até então inéditos, trinta e cinco dos quais situados na área administrativa da actual freguesia de Fronteira, números estes susceptíveis de correcção, por defeito, caso se mantenham, por prazo mais dilatado, os trabalhos de prospecção. Desse inventário ressalta a conclusão que a actual área do concelho foi testemunha de uma presença humana continuada desde os finais do Paleolítico, isto é, desde há aproximadamente dez mil anos. É, essencialmente, com base nesse trabalho levado a efeito pelo Dr. André Carneiro a quem, desde já, manifestamos publicamente o nosso agradecimento pelas informações prestadas e facilidades concedidas na sua utilização que aqui se registam, de modo muito sintético, as ocorrências arqueológicas detectadas até ao presente, estabelecendo, sempre que possível, um nexo entre os sítios ou simples achados e a sua localização no horizonte cronológico que lhes corresponde.
6.1 Paleolítico
O único sítio arqueológico deste período até agora assinalado localiza-se na Herdade do Burrinho, sobre um outeiro situado frente à malhada daquela propriedade, a pouca distância da Ribeira Grande. De acordo com a prospecção aí efectuada nos anos cinquenta do século passado, no âmbito de um projecto de localização dos terraços fluviais da bacia do Tejo e com base nos materiais então recolhidos – seixos de talhe grosseiro – tratar-se-á de um pequeno habitat atribuível à permanência temporária de populações recolectoras nómadas no local. Outro exemplar isolado de um artefacto lítico de características semelhantes aos acima referidos, foi encontrado no outeiro de Nª. Srª. da Vila Velha, na base da encosta a nascente, a curta distância do muro de vedação da propriedade, junto com muitas outras pedras provenientes da limpeza do solo, pelo que é impossível precisar a sua localização original.
6.2 Neolítico e Calcolítico Comparativamente ao Paleolítico, são bem mais numerosos e expressivos os testemunhos arqueológicos destes dois períodos cujas inovações vieram moldar de modo determinante a evolução futura do processo civilizacional da humanidade, muito para além dos progressos introduzidos nas tecnologias dos materiais que lhes andam associados, isto é, a produção de utensilagem de pedra polida e a introdução da metalurgia do cobre, respectivamente. Foram, contudo, os contributos introduzidos nas esferas produtiva e social os elementos verdadeiramente cruciais, de tal modo que é hoje possível falar de uma revolução neolítica, marcada por fenómenos tão importantes como a descoberta da agricultura, a domesticação dos animais e o surgimento do fenómeno urbano e de formas primitivas de diferenciação e organização social, para mencionar apenas algumas das profundas alterações então verificadas. Testemunhos dessas novas formas de produção e organização, dado a sua construção pressupor a acumulação de excedentes e de assimetrias sociais, são as antas ou dólmenes. Estes monumentos funerários cujo surto construtivo teve o seu apogeu durante a primeira metade do III milénio a C, encontram-se representadas em toda a área do actual concelho, com particular incidência na freguesia de São Saturnino onde, nos terrenos da Herdade Grande, se concentravam nada menos que dez desses monumentos megalíticos. Na freguesia de Fronteira foram, até à data, localizadas e identificadas apenas três, situadas, isoladamente, na Horta das Antas e nas herdades dos Aroeirais e Mortágua. Estas construções, manifestações locais do fenómeno mais vasto do megalitismo alentejano, são atribuíveis à migração de um surto construtivo, com origem na região de
Évora e Reguengos de Monsaraz, que terá progredido até à zona de Pavia, daí derivando para a parte norte do actual distrito de Portalegre, ao longo do curso da Rieira de Seda, até Ponte de Sor e Montargil e atingindo ainda, por outro lado, as áreas do Crato, Alter do Chão e Fronteira. Estas antas constituem, pelas suas características e monumentalidade, a face mais visível do espólio arqueológico do período de que nos ocupamos. Porém, outros elementos filiáveis no mesmo horizonte cronológico chegaram até nós, sob a forma de achados isolados, quase sempre fortuitos e invariavelmente descontextualizados cuja descoberta permanece, na maior parte dos casos, omissa de quaisquer registos. É este o caso dos numerosíssimos instrumentos de pedra polida que, frequentemente, foram e continuam a ser encontrados à superfície do terreno ou entregues por lavouras mais profundas Cremos que muitos existirão, ignorados, na posse de particulares enquanto que outros integraram já os contingentes do lucrativo comércio de antiguidades. De todo esse valioso espólio, impossível de quantificar pelas razões já aduzidas, ficounos, contudo, uma pequena amostra, num inventário lavrado em 1949, por ocasião de um projecto de criação, ao encontro da legislação então vigente, de um conjunto arqueológico com valor concelhio Esse inventário onde se encontram registadas as peças que deveriam integrar o núcleo arqueológico a constituir, pertencentes à colecção do arqueólogo amador Francisco Canejo Coutel, atesta, entre outros, sob a rubrica Da Prehistória, a existência de 170 machados de pedra, de diferentes tipos (alguns exemplares raros), 2 fragmentos de serra simples de silex, 2 machados de cobre, 12 enxós, 12 percutores, 6 contas de colar, 13 contas de lousa e ribeirite, 1 chapa de ardósia, amuleto, com desenhos geométricos
e representação da figura humana, 2 pedras representando o pé humano (raras), elementos estes característicos dos espólios Neo-Calcolíticos. Permitimo-nos ainda mencionar, com as reservas devidas à ausência de quaisquer estudos ou notícias sobre eles, dois casos de monumentos megalíticos, situados no termo da vila, que poderão ter sido produzidos durante o mesmo período. Trata-se de dois grandes monólitos, um deles, a Pedra do Mau Frade, situada na margem direita da Ribeira de Ana Loura, frente às ruínas do Moinho do Cabral e o outro, sem nome que o identifique, junto à sepultura escavada na rocha existente na Apaúla. O primeiro é um grande bloco de granito cuja extremidade virada a poente foi afeiçoada, de modo a torná-la quase plana. Sensivelmente no centro dessa face lisa, a pedra apresenta uma depressão de forma hemisférica. O segundo monólito é, ele também, de natureza granítica. Na face exposta ao norte foilhe retirada uma pequena secção, em forma de cunha, produzindo, por assim dizer, uma prateleira. A face superior do bloco, muito coberta de musgo, sugere, ainda assim, a presença de insculturas cuja existência e natureza só um exame mais aturado poderá esclarecer.
6.3 Idade do Bronze
A introdução da metalurgia do bronze no actual território português, fenómeno que terá tido lugar nos princípios do II milénio a.C., veio inaugurar um novo período que, estendendo-se até por volta do séc. VII a.C., se situa na charneira entre a Pré e a Proto-História. No interior do Alentejo existem, comprovadamente, diversos assentamentos humanos daquela época – povoados de altura, dotados de estruturas defensivas - entre os quais o da Cabeça de Vaiamonte, situado a escassa distância de Fronteira. Aqui, os únicos vestígios desse período de que temos conhecimento são um bracelete de ouro que passou aos manuais da especialidade com fama de encontrado em Estremoz, terra do ourives a quem o mesmo foi vendido pelo autor do achado feito nos arredores de Fronteira e uma mó de sela, encontrada pelo autor destas linhas. Curiosamente ou não, ambos os achados foram feitos nas proximidades da antiga Igreja de São Miguel, epónimo que nos surge associado a outro dos povoados do Bronze Final do Alto Alentejo, o do Monte de São Miguel, em Nisa. O local, no cimo da chamada Serra de São Miguel, junto ao marco geodésico ali construído, apresenta grande abundância de materiais cerâmicos, sugerindo a sua topografia, pelos desníveis e taludes ainda visíveis, a presença de um recinto cercado no topo do outeiro, facto que terá levado pelo menos um investigador a considerar a hipótese de se encontrar perante os restos de um castro. Acresce ainda que, durante a abertura das covas para implantação do olival aí existente, se encontraram vestígios de inumações no local, o que poderá, talvez, vir ao encontro daquela suposição. Não esqueçamos, porém, que a Igreja de São Miguel era um dos locais de quarentena durante os frequentes surtos epidémicos dos séculos passados, pelo
que os ossos postos a descoberto poderão ser de origem moderna ou, ainda, medieval visto que nessa época o outeiro de São Miguel foi, de acordo com a Relação do Bispado de Elvas, o sítio escolhido pelos cavaleiros de Avis para erguerem uma fortaleza de pedra em sosso, pouco mais de quarto de légua desta vila, para a parte de Avis, onde hoje está edificada uma ermida de São Miguel sobre a ribeira que corre por junto a esta vila de Fronteira da parte do Norte, da qual fortaleza os cavaleiros que nela estavam de presídio defendiam aos mouros de Vaiamonte a passagem do rio para irem impedir a edificação de Avis. Será que os cavaleiros aproveitaram para o efeito algumas estruturas ou materiais do hipotético castro? Apenas mais um pequeno apontamento que julgamos oportuno sobre o período de que nos temos vindo a ocupar: é sabido que a produção de metais foi uma presença constante em todos os assentamentos humanos do Bronze Final. Apesar de não terem, até ao presente, sido encontradas quaisquer evidências de práticas metalúrgicas na área, existe, não muito distante, um hidrónimo que remete para essa actividade. Trata-se do Pego dos Ferreirinhos, troço da Ribeira Grande localizado entre margens de difícil acesso, especialmente a que constitui a encosta norte do Outeiro de São Miguel que poderá ocultar vestígios que permitam a inclusão daquela zona no horizonte temporal dos finais da Idade do Bronze. Contrariamente, o outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha, situado igualmente junto à ribeira, para nascente do anterior, tem entregue algum espólio metálico ( objectos de ferro e cobre) e metalúrgico (escórias e pingos de fundição), juntamente com grandes quantidades de cerâmica, pelo que não será totalmente de excluir a eventualidade da sua ocupação durante o mesmo período.
6.4 Idade do Ferro
No séc. VIII a. C. a intensificação dos contactos com o Próximo Oriente veio introduzir no modo de vida das populações autóctones do sul do actual território português novos contributos culturais tão importantes quanto a escrita, a cerâmica montada ao torno rápido e, principalmente, a tecnologia da redução e do trabalho do ferro. Estes influxos não tiveram grande repercussão no interior do Alto Alentejo onde, por exemplo, a cerâmica se continuou a fabricar ao torno lento. Por volta do séc. V a.C., porém, a chegada de novas populações de origem céltica veio introduzir um factor de desestabilização, levando ao abandono, saque e posterior ocupação de muitos dos antigos povoados pelos invasores recém-chegados, como viria a suceder em alguns dos grandes povoados do nordeste alentejano. Localmente, os vestígios deste período que se estende até à ocupação romana, parecem traduzir uma continuação da permanência humana em sítios já anteriormente habitados, nomeadamente nos outeiros de São Miguel e da Vila Velha. Neste último, para além de fragmentos de cerâmica estampilhada, característicos da época, ostentando padrões semelhantes aos encontrados no cabeço de Vaiamonte, as escavações efectuadas no Verão de 1995, por ocasião das obras de reforço dos caudais de abastecimento público de água, vieram revelar, no topo do outeiro, vestígios de muros construídos com grandes blocos irregulares de pedra, ligados com barro, elemento já referenciado em recintos fortificados da época e muito outro espólio, entre o qual se destacam alguns discos circulares de xisto que serviriam, talvez, como tampas de urnas funerárias e os vestígios de actividade metalúrgica, a que já aludimos. Porém, recordamo-lo uma vez mais, só uma investigação mais cuidada, supervisionada por especialistas nesta área, poderá esclarecer as muitas dúvidas existentes, separando o
trigo do joio e pondo cada coisa em seu devido lugar pois, caso contrário, que fazemos também o nosso, corremos constantemente o risco de emular o sapateiro de Apeles.
6.5 Época Romana
A ocupação romana do Alentejo ter-se-á iniciado por volta do ano 202 a.C., sendo o território então conquistado incorporado na província romana da Lusitania que tinha a sua capital em Emerita Augusta, a actual cidade de Mérida. Posteriormente, por ocasião da reforma administrativa de Vespasiano, toda a vasta área foi integrada, para efeitos de administração judicial, no Conventus Pacencis, sediado em Pax Julia, actual Beja. Deste período, maioritariamente marcado por uma grande estabilidade política e administrativa que permitiu um desenvolvimento material nunca até então experimentado em tão grande escala, ficaram-nos numerosos vestígios que, numa perspectiva local, atestam bem a intensidade do processo de romanização das populações indígenas. Começaremos, neste capítulo, por dar notícia dos vestígios mais recentemente localizados e inventariados. Neste âmbito, e citando sempre o levantamento arqueológico promovido pela autarquia local, cujos resultados pormenorizados serão, a seu tempo, objecto de publicação, foram identificados elementos comprovativos da presença romana, de diversos períodos, nas herdades da Palhinha, Talha de Baixo, Samarruda, Farrusco, Porto dos Melões e Monte do Judeu, além do já várias vezes referido outeiro de São Miguel. A maioria dos materiais encontrados são constituídos por cantarias, restos de construções, cerâmicas comuns e de construção, pesos de tear, sepulturas e, elemento
merecedor de particular destaque, uma lápide epigrafada paleocristã, encontrada na Herdade da Palhinha, atribuível aos finais do séc. IV ou inícios do séc. V d.C., uma das mais antigas de que há notícia em Portugal. De acordo com a leitura epigráfica efectuada pelo Pe. Dr. Henrique Louro, é a seguinte a inscrição visível sobre o monumento, dando-se em itálico as palavras que suscitaram algumas dúvidas ao investigador: DEPOSITIO IN FANTIS PET E LANCIE MbL SE TEMBRIS VIII ID ANNIS 2 III cuja tradução é a seguinte – Deposição (sepultura) de Pedro infante (criança) (natural do território Lanciensi) a oito dos idos de Setembro (6 de Setembro) da idade de três(?) anos. Estaríamos, assim, em presença de cidadãos oriundos da região da actual Beira Baixa, domiciliados no que viria a ser o concelho de Fronteira, à semelhança do que tantas e tantas vezes viria a suceder em futuras ocasiões. Existem, porém, notícias de outros achados atribuídos ao mesmo período histórico, mormente de objectos de uso corrente, que chegaram até aos nossos dias. Alguns deles encontram-se registados no inventário da colecção particular a que já anteriormente fizemos referência e que aqui passamos a transcrever: 2 ânforas de 1.10 m de altura, 2 telhões, 2 grandes fragmentos de mosaico, 3 mós manuais, 20 pesos de tear, de barro, 4 cossoiros, 6 lucernas de barro, 2 vasos de barro, 2 garrafas de barro, 4 fíbulas de bronze, 1 phalus de bronze, 12 tégulas, 150 denários, 1 fórfex, 3 tigelas de loiça
arretina, 1 uguentário de vidro, 2 asas de sístula, 2 estelas funerárias e diversos objectos de barro e bronze. Tal como para as peças pré-históricas do mesmo acervo, não dispomos, infelizmente, de qualquer informação mais detalhada sobre os locais e contextos em que estas últimas foram encontradas, o que, apesar de não diminuir o valor intrínseco dos achados, limita grandemente o melhor conhecimento que, a nível local, os mesmos poderiam permitir sobre o período da romanização. De igual modo, também nada se sabe sobre a proveniência de duas colunas existentes no jardim do adro cujos capitéis permitem situar a sua produção durante o Baixo Império Deixámos propositadamente para o fim, por ser assunto a que voltaremos, uma informação veiculada por Leite de Vasconcelos, segundo a qual o centro da própria vila seria, ele também, face a algum espólio aí encontrado, de origem romana, sem no entanto informar sobre as circunstâncias da sua descoberta. Ora, curiosamente, e pela simples razão que, contrariamente ao que acontece com os outros sítios que temos vindo a mencionar, nele não se fazem lavouras, o subsolo da vila é muito mal conhecido e as escavações, quando ocorrem, quase sempre por ocasião de alguma ruptura de canos, sucedem em locais já antes escavados, como é evidente. Porém, sempre que se tem escavado fora desses locais já devassados, os achados têm surgido. Recordamos aqui que, por ocasião da abertura das valas para ampliação da rede telefónica, foram postas a descoberto, para citar apenas um caso, vestígios de uma galeria que se notava haver sido entulhada e uma nascente de água, isto junto ao edifício dos correios, no espaço compreendido entre a sua fachada norte e a placa ajardinada aí existente, em local onde não existe, oral ou escrita, memória de quaisquer construções, o que vem reforçar a hipótese da sua grande antiguidade.
6.6 Época Muçulmana
Existe, por assim dizer, um eclipse total em termos de conhecimento do que foi a história de toda a região entre os meados do séc. V e o início do II milénio d.C. Contrariamente ao período anterior cujos vestígios se apresentam com grande densidade nas três freguesias do concelho, a época que assistiu às movimentações dos povos ditos bárbaros e à posterior ocupação muçulmana encontra-se praticamente ausente do registo arqueológico conhecido, excepção feita para um vaso árabe e algumas moedas que o inventário já por várias vezes citado regista, sem os descrever e para alguns fragmentos cerâmicos, encontrados no Outeiro da Vila Velha, provavelmente da mesma época. Refira-se a propósito deste local que as chamadas Covas dos Mouros aí existentes serão muito anteriores à presença do Islão, como aliás já tivemos ocasião de afirmar em lugar próprio.
6.7 Idade Média Com a progressão da Reconquista Cristã para sul, o nordeste alentejano veio, inevitavelmente, a cair na esfera dos interesses dos primeiros monarcas portugueses, palco de avanços e retrocessos militares e, finalmente, terra ganha e firme para a Coroa de Portugal. Na sequência dessas lides guerreiras, toda uma vastíssima zona do Alentejo viria a ser doada à futura Ordem de São Bento de Avis cujo contributo para o esforço de guerra foi, assim, regiamente remunerado.
Antes sediada em Évora, a milícia passou ao lugar de Avis, em virtude da doação que dele lhe fez D. Afonso II, em 1211, com a condição de o povoar e fortificar. Porém, só entre os anos de 1218 e 1223 o governo da ordem se fixou definitivamente naquela vila. Com base nestes dados, é-nos possível situar a presença dos cavaleiros na fortaleza construída sobre o Outeiro de São Miguel, de que atrás demos notícia, entre os anos de 1211 e 1218, visto que neste último já a povoação de Avis existia, como se prova pelo foral que então lhe foi concedido, o que terá tornado desnecessária a presença dos freires naquele posto avançado. E chegamos, agora, ao ponto em que nos é possível falar, sem qualquer sombra de dúvida, da vila de Fronteira. Vejamos, então, em que circunstâncias foram produzidas as primeiras referências escritas à vila. No início do séc. XIII, os territórios recentemente conquistados do norte alentejano encontravam-se numa fase incipiente de organização. Dois grandes focos de poder – a Ordem de Avis e a Diocese de Évora – procuravam estruturar os territórios recém conquistados de acordo com os seus interesses, nem sempre isentos de atritos. Esta situação de indefinição administrativa e fiscal inicial foi, frequentemente, clarificada através de convénios entre as duas entidades. Ora, é precisamente no texto de um destes acordos, lavrado em 1236, entre o bispo Fernando e o mestre Fernando Rodrigues, que se contém a primeira referência escrita a Fronteira cuja igreja ficou, desde então, reconhecidamente sujeita ao poder episcopal. Esta informação, para além do seu evidente valor na perspectiva da cronologia local, permite-nos outras considerações igualmente relevantes. A primeira é a de que, juntamente com a de Seda, a igreja de Fronteira é uma das mais antigas igrejas paroquiais da diocese.
Em segundo lugar, esse facto poderá ser sintomático de um grande incremento demográfica da localidade logo nas primeiras décadas do séc. XIII. Este último parágrafo é, sem dúvida, digno de reflexão mais profunda. Como vimos, por volta de 1211, parece não existir qualquer aglomerado populacional, pelo que os cavaleiros se terão visto na contingência de construir um forte no Outeiro de São Miguel, decisão que – note-se - poderá também ter sido fruto de outras opções de ordem estratégica relacionadas com o controle da estrada para Avis; apenas vinte e cinco anos depois, depara-se-nos já a vila de Fronteira, com a sua igreja matriz de Santa Maria e a capela anexa de S. Tiago. Ora, construir duas igrejas em tão curto espaço de tempo, ademais nas circunstâncias adversas da época, é caso para pensar...ou será que as igrejas ou, pelo menos, uma delas já existiam? E assim sendo, que populações serviriam? Será que a toda a região, tão intensamente ocupada na época romana, se esvaziou com o colapso do império ou terá havido, na longa duração, um povoamento discreto e continuado que mais não fez que emergir e tornar-se visível à luz reacendida dos novos poderes regionais? A tantas perguntas ainda sem resposta poder-se-á juntar a da localização da primitiva vila: no local actual ou, como reza a tradição, no Outeiro de Nossa Senhora da Vila Velha? Como já foi dito, têm sido muitas as inumações reveladas ao redor da igreja e muitas outras, decerto, existirão. Paralelamente, os trabalhos levadas a efeito em 1995 e outras de que temos conhecimento, em época anterior, revelaram muitos vestígios de edificações. Ora, a existência de um cemitério, juntamente com a de uma pia baptismal são indicadores, geralmente aceites, da erecção de uma paróquia. Porém, este último
elemento, como já o fez notar o autor das Antiguidades de Fronteira, nunca existiu naquele templo, o que vem invibializar a hipótese da circunscrição existente em 1236 ter a sua matriz e servir uma freguesia residente naquele local. No mesmo sentido e mais relevante que todos os outros é o facto do documento em causa não referir, sequer, a Igreja de Nossa Senhora da Vila Velha, pelo que esta não devia ainda existir. Temos assim que, se por um lado é incontornável a evidência da presença humana naquele sítio, por outro, tudo aponta a que essa ocupação tenha ocorrido em tempos mais recuados de que restariam, no séc. XIII, apenas os vestígios que terão estado na origem do topónimo. Outra hipótese não menos digna de consideração, se tivermos em conta as afinidades existentes com outros locais onde existe aquele topónimo, será a da Vila Velha ter tido a sua origem na deslocação para aquele local das populações muçulmanas submetidas durante a reconquista e expulsas dos seus locais de origem pelos novos ocupantes. Se assim for, a verdadeira vila velha, em termos de cronologia, será, muito provavelmente, a actual povoação. Muito lamenta o autor não poder prestar mais esclarecimentos sobre este assunto que tão fundo toca os fronteirenses mas, como diz o povo na sua sabedoria, não se fazem omeletes sem ovos, o que, no caso vertente, é o mesmo que dizer que sem pesquisa não há dados e sem dados não há conclusões minimamente fundamentadas, mas apenas especulações... Retomando agora o fio ao nosso discurso, voltamos a ter notícias da matriz de Fronteira em 1279, quando era já notório o aumento dos centros de culto em toda a região. Naquela data a igreja de Fronteira surge-nos com alçada e jurisdição sobre a capela de Cabeço de Vide, o que significa que aquela localidade não constituía ainda uma paróquia.
O fim das lutas da reconquista e a precoce definição das fronteiras nacionais deve ter trazido um surto de desenvolvimento à vila onde a Ordem de Avis tinha já, em 1263, instituído uma comenda. A agitação política dos inícios do séc. XIV não deve ter tido reflexos grandemente negativos neste estado de coisas, como se deduz do volume das rendas da matriz, por volta de 1320. Esta igreja viria mesmo a ser, em meados daquele século e ao nível do reino, uma das poucas entidades detentoras de uma biblioteca, facto este que aponta no mesmo sentido. É evidente, contudo, que a Peste Negra terá provocado prejuízos humanos e materiais notáveis, como aconteceu um pouco por todo o continente, provocando uma situação de crise que viria a ser agravada pela instabilidade política e militar dos finais de trezentos. Data deste período o acontecimento histórico mais notável que viria a ficar indelevelmente ligado ao nome de Fronteira – a Batalha dos Atoleiros. São por demais conhecidas as circunstâncias que estiveram nas origens do confronto, pelo que não as referiremos. Esta batalha cujas repercussões viriam a ser abafadas pelo desfecho de Aljubarrota assinala uma mudança fundamental na arte da guerra medieval. É, de facto, nos Atoleiros que, pela primeira vez em Portugal, todo um exército, aí incluindo a cavalaria, combate a pé, táctica já experimentada, com sucesso, pelos exércitos burgueses contra as forças aristocráticas em batalhas como as de Crécy e Poitiers, durante a Guerra dos Cem Anos e, sem dúvida, a mais indicada perante a desproporcionalidade das forças em confronto nos campos do Alentejo. Não se conhecem com exactidão os efectivos envolvidos. No entanto, não deviam ser mais de trezentos os homens a cavalo a que se juntavam pouco mais de mil homens a pé, cerca de cem besteiros e cento e oitenta bacinetes.
A este número haverá que acrescentar trezentos pagens, um por cada lança, igual número de condutores de muares e o pessoal afecto à vasta carriagem que sempre acompanhava os exércitos medievais, em número impossível de determinar. No campo oposto encontrar-se-iam, pelo menos, mil lanças com os respectivos pagens atrás dos quais seguia grande soma de homens de pé. As forças portuguesas dispuseram-se no terreno em quatro unidades tácticas: a vanguarda constituída pelos cavaleiros apeados e as alas e a rectaguarda, mantidas pelos peões, enquadrados por alguns soldados experientes cuja missão era evitar a sua fuga, disposição em tudo tradicional não fora o novo papel atribuído aos cavaleiros. O local exacto da batalha terá sido uma pequena zona plana, a Folha da Consciência, que se estende nas imediações do Cabeço do Caldeirão, junto ao Ribeiro das Águas Belas. Segundo a tradição, o nome deste ribeiro terá tido a sua origem no seguinte facto: durante a batalha, os combatentes atormentados pela sede, teriam bebido a água do ribeiro que corria tinta de sangue. Apesar disso, algum ou alguns deles teriam deixado escapar a exclamação – ó que belas águas ! - que estaria, assim, na génese do hidrónimo. A batalha, que se terá travado entre as dez e as onze horas da manhã do dia 6 de Abril de 1384, Quarta-Feira de Trevas daquele ano, pouco tempo durou. A cavalaria de Castela, depois de algumas arremetidas desastrosas contra as linhas do Condestável Nuno Álvares Pereira, pôs-se em debandada deixando para trás, mortos no campo, alguns personagens da grande nobreza do reino vizinho, entre os quais o Mestre de Alcântara. Foram até agora assinalados vestígios arqueológicos deste período nas herdades da Palhinha, Sete Vales, Ribeira da Vide, Ladrões, Samarruda e Caliços e ainda na Apaúla, Vila Velha, São Miguel e Porto de Vaiamonte.
6.8 Da Idade Média aos nossos dias Goradas as aspirações de Castela à coroa portuguesa e instalada no trono a dinastia de Avis, Fronteira recuperou da estagnação demográfica e económica, tornando-se uma povoação cuja riqueza crescente não terá sido alheia à decisão da Ordem de, em 1459, fazer reverter para a sua Mesa Mestral as rendas auferidas na vila onde possuía diversas herdades, vinhas, casas e duas covas de pão. Saliente-se que a Comenda de Fronteira era a mais rentável das trinta e oito comendas instituídas nos bens da Ordem, o que traduz bem a importância da vila à qual viria a ser concedido foral, por D. Manuel, em 1 de Junho de 1512. Vinho, azeite, cereais e pecuária constituíam os quatro pilares básicos dessa riqueza e alimentavam, entre outras, as manufacturas têxteis e saboarias locais. No séc. XVI, o produto interno da vila e o afluxo de capital gerado pelo comércio oriental foram os responsáveis por um período de grande progresso demográfico e material, bem expresso no surto construtivo da época, apenas comparável ao experimentado durante as primeiras e as últimas décadas do século de novecentos. As rendas do filho bastardo de D. João II, D. Jorge, Duque de Coimbra, Mestre de Santiago e Avis confirmam, em 1527, a prosperidade da povoação. De Fronteira saíram, naquele ano, para os cofres ducais, cerca de 760.000 reais, a segunda maior verba de todas as desfrutadas pelo magnate, logo atrás dos proventos produzidos pelo riquíssimo Almoxarifado de Setúbal, na Ordem de Santiago. Nas últimas décadas de quinhentos, num período em que, cremos, a manufactura têxtil local se encontrava já em recessão, a Coroa colhia ainda, da sisa dos panos localmente produzidos, mais de 100.000 rs.
A estas haveria que juntar as muitas outras rendas cobradas pela Coroa, pela Câmara e por outros grandes proprietários institucionais e particulares que aqui possuíam terras e outros bens aforados, o que não nos é possível, para aquilatar a dimensão exacta da riqueza da vila no seu período de maior vitalidade. O século XVII, em que a presença espanhola se irá fazer sentir durante quase meio século, coincide com um período de decadência económica local bem manifesta na diminuição da renda da sisa dos panos, já referida, que no início do terceiro quartel de seiscentos não ia além dos 14.000 rs. Neste caso concreto, mais nociva que a destruição dos gados provocada pela intervenção dos exércitos castelhanos, terá sido a acção inquisitorial que, no mesmo período, se abateu com mão pesadíssima sobre a comunidade cristã-nova de Fronteira, tradicionalmente ligada ao fabrico e comércio de panos, provocando a sua dispersão e a posterior desarticulação de sectores produtivos locais até então complementares, com todas as consequências gravosas que daí resultaram. O mesmo se terá verificado na comunidade comercial, dado que os mercadores de Fronteira pertenciam, na sua quase totalidade, àquela minoria. A revolução de 1640 e as Guerras da Restauração que se lhe seguiram, agravaram ainda mais a situação da economia local em virtude das razias perpetradas pelos exércitos castelhanos no teatro de guerra do norte alentejano. Facto de relevo, mais pela ligação que estabeleceria entre a vila e uma família da grande nobreza, do que pelos benefícios que trouxe à localidade, foi a criação, na pessoa de D. João Mascarenhas, 2º Conde da Torre, do título de Marquês de Fronteira, por alvará de D. Pedro, príncipe regente, de 8 de Janeiro de 1670, aqui transcrito: Eu o Príncipe como Regente e governador dos reinos de Portugal e dos Algarves e do Mestrado de Cavalaria e Ordem de São Bento de Avis faço saber aos que este alvará
virem que tendo respeito aos merecimentos e serviços que Dom João Mascarenhas Marquês de Fronteira gentil-homem de minha Câmara e do Conselho de Guerra e Vedor da Fazenda e esperar de quem ele é e daqui em diante continuará em me servir muito como pedem suas obrigações e com o amor e lealdade com que até agora o fez imitando aqueles de quem descende e desejar[?] por tudo acrescentar sua pessoa e casa hei por bem como Mestre e governador e perpétuo administrador da Cavalaria e Ordem de São Bento de Avis fazer-lhe mercê da dita vila de Fronteira que é da dita ordem com a jurisdição ordinária que têm os donatários da Coroa e datas de todos os ofícios excepto os das sisas e os do provimento da Câmara a qual não é minha tenção prejudicar tudo em sua vida para que tenha somente o domínio útil reservando o domínio directo a mesma ordem a cuja mesa mestral pagará dez mil reis cada ano por reconhecimento sem que por isso se entenda fazer-se-lhe prazo em que tenha lugar renovação mas somente uma mercê em vida e sendo necessário para maior abundância e validade desta mercê que lhe faço na sobredita forma haver breve de Sua Santidade o poderá o Marquês impetrar e esta mercê lhe faço com declaração que o provimento dos ofícios será por apresentação dele dito Marquês passando-se as cartas pela Mesa da Consciência e Ordens e que aos providos por mim se não hão-de tirar e somente por morte dos proprietários se hão-de prover e este se cumprirá sendo passado pela chancelaria da ordem e valerá como Carta suposto que seu efeito dure mais de um ano sem embargo de qualquer provisão em contrário. Doada a vila a D. João Mascarenhas, este não veio, pessoalmente, tomar posse dela, mandatando para o efeito o Mestre de Campo Dinis de Melo e Castro. Este só em 6 de Julho se viria a deslocar a Fronteira para cumprir as formalidades do costume. Do auto então exarado nos livros da Câmara extraímos a seguinte passagem,
onde se descrevem alguns dos rituais que acompanharam a cerimónia de confirmação da posse e senhorio da vila que então tiveram lugar: [...] em virtude da qual procuração o dito Dinis de Melo passeando-se pelas ruas públicas desta vila assim as do arrabalde como no Castelo pondo as mãos nas portas dele e tomando algumas pedras e abrindo portas e fechando-as em presença dos oficiais da Câmara no fim deste auto de posse assinados com o Alcaide Sebastião Soares e com o Porteiro Baltazar Moreno que o é desta Câmara foi dito pelo dito Dinis de Melo como procurador bastante de Dom João Mascarenhas Marquês desta Vila de Fronteira pela mercê que Sua Alteza lhe tinha feito tomava posse da dita vila na forma do Alvará de Sua Alteza [...] com declaração que ele dito Dinis de Melo de Castro como procurador bastante do dito marquês não queria coisa alguma das Coutadas dos moradores desta vila que hoje estão possuindo e delas agora nem em tempo algum quer das ditas coisa alguma e se obriga a sempre assim os sustentar e manter para que os ditos moradores desta vila e seus vassalos possam das ditas Coutadas fazer o que lhe parecer e lográ-las como dantes fizeram a qual posse na forma acima dita os ditos oficiais da Câmara lhe houveram por dada e ele dito Dinis de Melo por tomada a qual lhe deram pacificamente sem contradição de pessoa alguma declarando mais que as coutadas são duas Vale de Seda e a que hoje estão cultivando Fonte Santa Apaul Fonte do Frade e toda redondamente na forma que era dantes em que entra a Lavradia as quais todas assim nomeadas são dos moradores desta vila que compraram com seu dinheiro e outrossim foi dito pelo dito Dinis de Melo que ele em nome do dito Marquês se obrigava que os cargos da nobreza desta vila os serviriam os homens nobres desta vila e nenhum outro mais fora dela [...]. Ora, este dilatado prazo de mais de ano e meio decorrido entre a doação e a tomada de posse da vila não aconteceu por acaso...
O que sucedeu foi que os moradores de Fronteira fizeram forte oposição por suspeitarem que o marquês pretendia apropriar-se das suas Coutadas. Os protestos populares fizeram eco na Corte pelo que o Príncipe D. Pedro mandou fazer averiguação das razões que assistiam a este povo pelo
Doutor Mateus Gonçalves Mouzinho,
iniciativa da qual, no dizer do próprio Regente, não resultou coisa alguma. Sensível à delicadeza da situação, D. Pedro insistiu na via do diálogo pelo que, por carta de 10 de Abril de 1670, ordenou ao já nosso conhecido Dinis de Melo de Castro que se deslocasse a Fronteira porque pareceu conveniente buscar todos os meios de persuadir aquele povo e moradores, a que conheça quanto lhes importa recorrerem a mim e esperar da minha grandeza que os ouvirei e farei justiça, antes que seja forçado a passar a maior demonstração. Vos encomendo muito procureis pelos meios da prudência e da razão insinuar-lhes quanto lhes convém mandar aqui um procurador a tratar deste negócio, sendo certos que os ouvirei e deferirei com todo o favor que permitir o seu requerimento, e que devem esperar da minha boa vontade, e do que obrardes nesta diligência e for resultando dela me avisareis. Foi, portanto, na sequência desta ordem que o futuro Conde das Galveias veio a Fronteira, conseguindo acalmar os receios do povo e a sua animosidade contra o marquês e fazendo acatar as reais ordens, sem necessidade de recurso a medidas drásticas por parte da Coroa. O bom sucesso da missão do Mestre de Campo viria, aliás, a ser reconhecido por carta do príncipe, de 16 de Julho do mesmo ano: Dinis de Mello de Castro amigo. Eu o Príncipe vos envio muito saudar. Recebeu-se a vossa carta de seis do corrente e por ela entendi o acerto e boa disposição com que reduzistes os moradores de Fronteira a darem posse ao Marquês da mercê que lhe fiz do senhorio dela, e vos agradeço muito consegui-lo assim.
Punha-se, assim, um ponto final no contencioso que movera os moradores de Fronteira contra o senhor da vila, com a garantia do respeito integral pela propriedade das Coutadas do Povo que viria a ser reconhecida, em 1678, por sentença judicial, na sequência de nova tentativa de apropriação das terras pelo marquês que, anos antes, prometera não querer coisa alguma delas... No século XVIII, o afluxo do ouro do Brasil deu origem a um breve período de prosperidade a que não foram totalmente estranhas as políticas de fomento interno então postas em prática. A prosperidade do tempo teve na arquitectura a sua mais evidente forma de expressão local, datando dessa época a construção da Igreja do Senhor dos Mártires, do Hospital da Misericórdia, das abóbadas e capela-mor da Matriz e Misericórdia bem como de algumas residências particulares de feição erudita, como a ala sul do actual edifício do Centro Cultural. Igualmente reveladora da existência de capitais excedentários nas mãos de alguns dos moradores, foi a criação, em 1749, por iniciativa do capitão-mor António Borralho Murça, do Celeiro Comum de Fronteira, com um fundo de 200 moios de trigo, destinados a permitir o regular abastecimento de cereal para semente, género que frequentemente escasseava, em virtude dos maus anos agrícolas. De igual modo, as duas únicas cartas de brasão conhecidas passadas a indivíduos de Fronteira foram-no, também, nesse período, sinal inequívoco do enriquecimento de uma parte da população. Os meados do século viriam a ficar tragicamente marcados pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755 que tão viva impressão causou em todos os meios cultos da época. Se bem que em Fronteira os efeitos do megassismo tenham sido de pouca monta, aqui deixamos o relato dos prejuízos experimentados, tal como ficaram registados pelo então prior da matriz:
No 1º dia de Novembro de 1755 pelas nove horas e meia pouco mais ou menos, sucedeu nesta vila de Fronteira o terramoto que duraria meio quarto de hora, até 10 ou 12 minutos pouco mais ou menos. Não se sabe com certeza nem bem o pude averiguar de que parte fosse maior impulso porque a destruição que fez nesta vila foi muito pouca. Nesta vila só caíu uma parede do meio em uma casa térrea e um pedaço de uma chaminé e algumas também se arruinaram abrindo-se nelas muitas rachas, o que sucede na maior parte das casas, porém somente cinco moradas em que estão as da Câmara ficaram incapazes de se morar nelas sem se reedificarem. Os edifícios maiores desta vila que são os templos experimentaram as ruínas seguintes: A nossa igreja matriz tinha já antigamente uma racha que tomando a metade da abóbada descia uma racha que chega aos caixins das vestimentas e com o terramoto abriu mais o que também sucedeu na abóbada da sacristia do SS. Sacramento que também tinha outra semelhante e também abriu mais alguma coisa e algumas rachinhas nas outras paredes, coisa muito pouca, e as cimalhas da Igreja da parte sul mostraram algum sentimento principalmente na telha que as cobria e caíram dela alguns cálices. O cunhal da nova sacristia dos clérigos junto ao telhado da parte do Norte mostrou algum sentimento e se vê algum tanto apartado da parede. A Igreja da Misericórdia que se achava reformada e feita de abóbada, abriu esta duas rachas uma na capela-mor onde começou a sua forma, entre a mesma abóbada e a parede, e da racha da capela-mor despediram duas rachinhas cada uma por sua parte, entre a parede do frontispício e a mesma abóbada mas não tão grande como a da capela-mor. Na ermida do Espírito Santo [...] havia muitos anos tinha na abóbada muitas rachas para o pé da porta principal e com o terramoto caíu grande parte da abóbada da parte do Norte e o arco da capela-mor abriu ao meio e ficou de sorte que em breves tempos virá tudo abaixo. As mais igrejas não padeceram ruína grave. No convento dos
capuchos caíu a escada da tribuna esta está quase no chão de modo que foi necessário mudar o Sacramento para um altar colateral. A abóbada do coro se dividiu no arranque da mesma. O frontispício da capela-mor abriu duas rachas muito grandes. O dormitório da cisterna que fica para a parte do sul e da sacristia, desmentiram as paredes mestras uma mão travez e as celas dos religiosos dividiram duas mãos travez. A enfermaria está tão arruinada que não se curam nela os enfermos. Nesta vila não teve perigo pessoa alguma e só um homem comum que andava pedindo para a Santíssima Trindade caindo-lhe o pedaço da chaminé que acima dissemos quebrou uma perna mas ainda está vivo. A Fonte da Pipa, que está na estrada que vai desta vila para Alter do Chão, tiro de peça a esta de Fronteira, sendo que todo o ano corria para fora está seca e a Ribeira Grande por cima da ponte em um tiro de bala tem um pego que todo o ano conserva em si água e um homem rústico que por acaso se achou ao pé da fonte na ocasião do terramoto e advertiu que de tal pego saíu uma onda tal que enchendo a ribeira de barra a barra chegou a bater na ponte cobrindo os pés direitos que pela parte de cima a fortalecem e sem passar a água por baixo da ponte se recolheu a mesma onda ao dito pego aonde ficou e no mesmo estado de que antes era a ribeira seca como antes estava e não achei mais de com este homem que me disse esta notícia. Mais que o fim de um século, 1800 assinala o princípio do fim de um mundo. O séc. XIX irá assistir à derrocada das seculares instituições do edifício do Antigo Regime cuja demolição começara já, em França, nos finais do século anterior. Os reflexos das novas ideias e as convulsões políticas e sociais que as acompanharam viriam a fazer-se sentir, de modo mais ou menos intenso, na vida local, ao longo de toda a primeira metade de oitocentos.
Logo em 1801, o braço de ferro entre o bloco franco-espanhol e a Inglaterra de que Portugal era aliado motivou a invasão do Alentejo e colocou Fronteira na rota de invasão dos exércitos de Godoy. Incapaz de resistir, como quase todas as outras localidades alentejanas atacadas, Fronteira foi invadida, no dia 9 de Junho, por um destacamento militar sob o comando de D. Baltazar Vilalba que exigiu da população a exorbitante quantia de três contos e duzentos mil reis, vinte pares de sapatos, mil rações de pão e vinho e ainda outros géneros sob pena de, caso as exigências não fossem satisfeitas, entregar a vila ao saque da soldadesca. Depressa se viu, porém, que a povoação não dispunha dos meios com que satisfazer o pesado tributo pelo que o invasor decidiu reduzir a metade o montante exigido. Ainda assim, era demasiado. Após negociar com as autoridades locais, D. Baltazar acabou por levar somente um conto quinhentos e vinte e cinco mil e duzentos reis, dezoito pares de sapatos e um almude de vinho... E assim chegou ao fim a Guerra das Laranjas em Fronteira. Os anos seguintes ficaram marcados pelas invasões francesas. Não existe, na documentação local, informação suficiente que nos autorize a traçar um quadro minimamente fiável do sucedido em Fronteira mas a terra não deve ter escapado à voragem napoleónica. Na memória das gentes ficou apenas a recordação do tiroteio contra o altar-mor da Igreja do Senhor dos Mártires, o roubo de um crucifixo de mármore, do mesmo altar e pouco mais. Vencidos os generais do imperador, os homens partiram mas, as ideias ficaram, como fermento, a levedar... Apalpando o terreno, entre sucessos e fracassos, a ideologia liberal viria a consagrar-se com a revolução de 1820. O absolutismo, porém, estava longe de reconhecer a derrota.
Apanhado entre dois fogos, o povo de Fronteira, na sua maioria alheio aos meandros da política, lá ia aclamando ora a Carta, ora o senhor D. Miguel, rei absoluto. Nos juramentos de fidelidade, reduzidos a autos camarários, os nomes repetem-se, independentemente do que se aclama. Parece-nos perceptível, contudo, uma afinidade entre a nova ideologia e a elite local, cujos membros, na sua maior parte, se encontram ausentes do juramento de fidelidade a D. Miguel. Porém, a situação não era tão anedótica quanto as palavras acima podem fazer crer: a sanha miguelista fez as suas vítimas entre os fronteirenses. Por liberal se fuzilou, em Portalegre, Pedro José Marques e pelas mesmas razões outros houve que por pouco escaparam à mesma sorte, no presídio de Estremoz. Falecera, entretanto, o rei D. João VI, de entre todos os monarcas aquele a quem o povo de Fonteira viria a prestar as mais sentidas homenagens fúnebres, em sinal de profunda gratidão para com o soberano que tão bondosamente os havia tratado. Foi, de facto, D. João VI que despachou favoravelmente a construção dos novos Paços do Concelho e, mais importante ainda, foi a ele que se ficou a dever a divisão da Coutada Lavradia pelos moradores da vila, motivos mais que suficientes para levarem a Câmara da época a perpetuar, pormenorizadamente, no seu livro das actas, as exéquias que tiveram lugar nos dias 11 e 12 de Maio de 1826: [...] Foi anunciada a fúnebre função das exéquias do dia onze do corrente, pelo meiodia, com os dobres de sinos de todas as torres quer da Igreja, Convento e Relógio, quer dos mais das outras igrejas. Antes disso e com muita antecedência se tinham dirigido ofícios ou cartas de convite às classes eclesiásticas, religiosas e seculares da nobreza e governança desta vila para assistirem e prestarem os seus bons ofícios. Pelas duas horas, duas e meia e três da mesma tarde se repetiram geralmente os mesmos dobres chamando o sini da Câmara, isto é, o da cadeia, os membros do Senado
e todos os cidadãos às Casas ou Paços do Concelho, às três horas, pelo sinal costumado. Ali se congregaram todas as pessoas da governança e nobreza desta vila, os Juizes dos ofícios mecânicos e seus oficiais para este acto notificados e palas, quatro, cinco horas saíram das mesmas casas da maneira seguinte: Ia adiante um piquete de Cavalaria 2 comandado por um sargento e logo seguia o Procurador da Nobreza, José António Baptista, montado em soberbo cavalo coberto de luto, levando o estandarte de pano preto com as Armas Reais cobertas de fumos, sendo sustentada a cauda do mesmo estandarte por dois Juizes dos ofícios mecânicos, vestidos de preto, com capa e volta que pegavam nas borlas e pontas do mesmo estandarte para que não tocasse no chão. Ao lado do mesmo cavaleiro iam, igualmente vestidos, outros dois Juizes dos ofícios mecânicos que levavam varas pretas na mão aos quais se seguiam o oficial de Vara, Pedro Marques, e o porteiro José António, o primeiro de capa e volta e este vestido de luto e ambos com varas verdes indo o primeiro do lado esquerdo e o segundo no centro; o meirinho Pascoal José Tenreiro seguia do lado direito, vestido de preto, com capa e volta, empunhando uma vara branca. Atrás do porteiro ia o Escrivão das Armas, Paulo José da Silva com vara preta e de capa e volta. A estes se seguiam os oficiais dos ofícios mecânicos, vestidos de preto, em duas alas e a seguir a eles os seus Juizes com varas também pretas na mão. Seguiam atrás destes; do lado esquerdo, o escrivão e tabelião Francisco Rebelo de Paiva Lobato e do direito o Juiz da Vintena de Vale de Maceiras, Luis Martins Pereira, ambos de preto e com capas. As pessoas da nobreza e governança da vila seguiam em duas filas os ditos escrivão e Juiz da Vintena, vestidas também de preto e com capas e voltas observando-se em quase todos a mesma uniformidade de vestes. Estas duas filas levavam no fim, do lado esquerdo, o Comandante das Ordenanças João Bernardo Matinca e do direito o
desembargador Joaquim José de Castro coma sua beca vestida. No centro dessas pessoas da Governança iam iam três Juizes dos Ofícios – Joaquim Penana, José Calisto e Manuel José Gonçalves que levavam no braço direito os escudos com as Armas Reais pintadas os quais eram acompanhados pelo Doutor Síndico da Câmara, Joaquim José Machado Sacoto que levava a seu lado esquerdo o contínuo da mesma Câmara e Alcaide dela, Pedro José Valbom. O cortejo era rematado pelo Corpo Senatório que levava na sua direita o Doutor Corregedor da Comarca José Maria Osório Cabral, o Doutor Juiz de Fora e Presidente da Câmara, António Casimiro de Magalhães e Montes, ambos com varas brancas e os mais membros do Senado – o vereador mais velho, Joaquim Freire de Oliveira, o segundo vereador Joaquim Manuel Namorado e o terceiro vereador José António Copeto. O Procurador do Concelho José António Louro e o escrivão da Câmara Francisco de Paula Esteves, vestidos de preto com capas e voltas levavam varas pretas nas mãos e cobriam-se com chapéus desabados com grandes fumos pendentes para o lado esquerdo. Iguais chapéus levavam todas as pessoas que iam de capa. Era acompanhado o Senado por um destacamento ou guarda de milicianos do regimento de Portalegre com armas em funeral que se compunha de quarenta e tantos soldados comandados pelo seu capitão Rosado, da vila de Alter do Chão e que marchavam todos pelo som baixo e triste de um tambor que mansamente tocava o instrumento coberto de luto. Desta forma vagarosamente marcharam pela Rua de Avis abaixo, Adro de Baixo e de Cima onde estava preparado um pequeno tabernáculo ao qual foi conduzido pelo Síndico da Câmara o vereador mais velho, Joaquim Freire de Oliveira que depositando o seu chapéu e vara nas mãos do mesmo Síndico e recebendo
um dos três escudos, recitou as palavras do estilo e quebrou o mesmo escudo. Neste acto deu uma salva a infantaria. Regressado ao seu lugar o vereador, continuou este lúgubre acompanhamento pela Rua de Santarém acima até à praça onde estava colocado outro tabernáculo ao qual foi conduzido pelo Síndico, com as mesmas formalidades, o segundo vereador Joaquim Manuel Namorado. Este, cumprida a etiqueta e proferidas as palavras do estilo quebrou o segundo escudo ao que a Guarda dos Milicianos correspondeu com outra descarga. Continuou-se depois pela Rua dos Trigueiros abaixo, Rua da Lagoa acima até à esquina das casas denominadas da Convalescença e ao lugar fronteiro, onde estava colocado outro tabernáculo subiu o terceiro vereador, José António Copeto que depois de executar as formalidades já referidas quebrou o terceiro escudo e logo todas as pessoas e autoridades que levavam varas pretas as quebraram também ao mesmo tempo que a tropa dava a terceira salva. Deste lugar se dirigiram na mesma ordem para a Igreja Matriz onde todos tomaram os lugares que tinham sido designados pelo Doutor Síndico. No lugar fronteiro à capela de São Francisco, entre as duas colunas estava o assento da Câmara armado e coberto de luto e por baixo deste o do Doutor Síndico e dos Procuradores da nobreza e do povo. Abaixo deste se sentaram os Tabeliões, Juiz de Vintena, Meirinho e Alcaide, Juizes dos Ofícios, oficiais de vara e mais oficiais dos ofícios mecânicos. Na parte fronteira à Câmara e do lado do Evangelho estavam o Desembargador Castro e o Comandante das Ordenanças aos quais se seguiam o Capitão Madeira, cavaleiro na Ordem de Cristo, o Major Barradas, cavaleiro na Ordem de S. Tiago de Espada, o Bacharel em Leis João Rebelo, o Bacharel em
Medicina João Bernardo e logo se seguiam indistintamente as pessoas da nobreza e governança desta vila. Tomados os ditos lugares pelas pessoas a quem eram destinados começaram a cantarse as Vésperas e o ofício pelas classes do Clero e dos Religiosos e pela Música vocal e instrumental nos trechos que lhe pertenciam. Acabadas estas pomposas e todavia fúnebres e lutuosas cerimónias entre as oito e as nove horas do dia 11, veio o mesmo adjunto de pessoas já mencionadas acompanhar o estandarte do luto às Casas da Câmara onde se dispersou o cortejo. Na manhã seguinte, pelas nove horas da manhã, ao toque do sino da Câmara, reuniram-se as mesmas pessoas com as mesmas vestes do dia antecedente e saíram na forma já referida para a Matriz levando o Procurador da Nobreza a bandeira de luto erguida à frente dos membros da Câmara. Tomados os lugares na igreja, continuou a religiosa função com a missa finda a qual o Reverendo frei Paulo de Santa Rita, natural desta vila, subiu ao púlpito e fez um eloquente discurso fundado em princípios análogos ao objecto e reconhecidamente verdadeiros em que demonstrou as virtudes e mais raras qualidades do nosso Augusto Monarca, o Senhor D. João VI. Seguiram-se depois as absolvições e mais cerimónias do estilo, tudo com grande pompa e decência. Distribui-se cera de arrátel às pessoas da Câmara, de meio arrátel às demais pessoas da Governança e às pessoas condecoradas, ainda que de fora, e de quarto de arrátel às restantes da classe mecânica e a todas as pessoas que apareceram de casaca. A tropa de infantaria deu neste segundo dia duas descargas a levantar a Deus e a Santos e uma terceira no fim das absolvições.
Acabados estes cultos tão religiosos como é devido a tão alto objecto recolheu-se o adjunto na forma já dita às Casas da Câmara e posto o Estandarte do Luto à janela que estava armada de preto dissolveu-se o mesmo. Durante as cerimónias esteve colocado uma majestosa essa no centro do templo, no lugar fronteiro às duas primeiras colunas da parte da capela-mor cuja altura subia acima dos capitéis das mesmas e que tinha na sua base 18 palmos de comprimento. Na mesma essa se achavam, em diversos lugares, várias inscrições todas significativas das virtudes e excelentes qualidades do Augusto Soberano, escritas em letra redonda e na língua latina. Na parte que da mesma essa dizia para o fundo da Igreja e aonde se achava a maior parte dos espectadores estava colocada a Real Efígie do Senhor D. João VI com os dísticos seguintes: Lex clementia in lingua ejus; Roboratur clementia thronus ejus, cada um de seu lado. Ao pé da mesma essa esteve o Procurador da Nobreza com a bandeira de luto da parte do evangelho, e de pé, e durante o tempo que decorreu a função religiosa do dia 11; e no seguinte de 12 foi colocada a mesma bandeira na capela-mor, e do mesmo lado; e tomou o mesmo Procurador o seu lugar designado por baixo do Síndico da Câmara. Toda a década de 1830 ficou marcada por intensa actividade militar: avanços e recuos de forças regulares e guerrilhas liberais e miguelistas, escaramuças, ajustes de contas e toda uma série de actos de violência que sempre acompanham uma guerra civil. Seria, porém, na década seguinte que a agitação social viria a ter a sua maior expressão, durante o período de mais acesa contestação ao ministério de Costa Cabral. As reformas políticas então implementadas, nomeadamente as medidas que proibiram os enterros nas igrejas e o estabelecimento do cadastro da propriedade rústica, estiveram
na origem próxima dos levantamentos populares iniciados no Minho, em Abril de 1846, que passaram à história com o nome de Revolução da Maria da Fonte. A contestação em breve se estendeu a todo o país e, em Maio, no dia em que se pronunciou esta vila contra o ministério de Costa Cabral o povo exigiu e queimou efectivamente todos os papeis que estavam em poder do Comissário das contribuições deste concelho. Sabemos, porém, que a adesão de Fronteira ao movimento revolucionário foi o resultado de uma decisão, democraticamente tomada, pelo povo e pela Câmara que, para esse efeito, se reuniram a fim de deliberarem se se deve seguir o exemplo da Capital do Distrito e dos concelhos que já se tinham pronunciado no mesmo sentido e das províncias do Norte, Beira e Estremadura e logo por todos e cada um dos cidadãos presentes em grande número foi dito que eles aderiam aos pronunciamentos feitos naquele sentido para a queda do ministério de Costa Cabral acatando como lei fundamental a Carta Constitucional e a pessoa da Senhora Dona Maria Segunda como Rainha de Portugal e que todos prometiam por todos os esforços pela conservação de todos estes objectos, da tranquilidade e sossego público [...]. Mas, uma vez mais, as boas intenções não chegaram e o sossego e ordem pública acabaram por soçobrar nas águas revoltas da agitação popular. O motim que então se seguiu parece ter sido da responsabilidade de um indivíduo, Francisco Ribeiro de Oliveira Pinto, de quem a documentação da época nos deixou o seguinte retrato: [...] acerca do comportamento moral, civil e político de Francisco Ribeiro de Oliveira Pinto [...] devo declarar enquanto à parte política que este cidadão se não tem comportado bem pois foi visto por todos à frente de todos os motins que nesta vila tiveram lugar por ocasião da revolta de Maio de 1846 [...] enquanto à parte moral e
civil também se não tem comportado bem pois que tendo-me o Administrador substituto do Concelho dessa cidade [Portalegre] dado notícia de um furto de uns porcos por ele ali praticado e tendo eu investigado este negócio fui descobrir os porcos no rebanho de um porqueiro a quem o mesmo Francisco Ribeiro os havia entregado o que tudo é público e notório. Não deixo todavia de acreditar de que os nenhuns meios de subsistência deste homem sua mulher e filhos o obrigaram talvez a estes excessos e um emprego de que vivesse emendaria talvez as suas faltas. Nesta memória transparece claramente uma das causas fundamentais, senão a principal, já apontada para explicar a adesão ao movimento revolucionário da Maria da Fonte – a extrema miséria do campesinato que, no futuro, se iria agravar. Dobrado o meio do século, pacificada a vida nacional, iniciou-se, com a Regeneração, um longo período de progresso material cujos efeitos repercutiriam na vida local. Dependendo essencialmente da actividade agrícola, o destino da vila ficou intimamente ligado à evolução da agricultura que, até meados do séc. XX, viria a condicionar todas as perspectivas de desenvolvimento local. A questão da nossa secular dependência frumentária e as políticas agrícolas tendentes a alcançar a tão almejada auto-suficiência virão decidir, por longos anos, a vocação produtiva da propriedade rústica local, onde a cerealicultura e, principalmente, a cultura do trigo deram origem a uma especialização produtiva que, a longo prazo, criou fragilidades cujos efeitos são, ainda hoje, bem visíveis. Desde o início de 1800 foi notório o aumento da área cultivada, estimulada, a partir de 1834, pela venda dos bens nacionais e pelas leis de desamortização. Diga-se, a título de curiosidade, que dois dos vinte maiores compradores dos bens então posto em hasta pública – Joaquim Manuel Namorado e João António Gomes Castro – estavam ligados a famílias de Fronteira.
Este aumento das áreas cultivadas foi, por vezes, secundado pela introdução dos adubos químicos pela mecanização agrícola o que se traduziu num efectivo aumento da produção interna. Porém, a importação de trigo estrangeiro e principalmente da América do Norte, que inunda de trigo não só Portugal mas quase toda a Europa, colocado no mercado nacional a preços sem concorrência, viria despoletar uma crise cuja consequência mais marcante seria o estabelecimento de um regime proteccionista para o trigo português, anseio antigo da lavoura nacional, já perceptível em 1840, numa representação enviada pela Câmara de Fronteira à Câmara dos Deputados sobre os grandes males que resultarão à Agricultura se passar no tratado que está em discussão a livre navegação do Rio Douro pelos Espanhóis e transporte de seus cereais e depósito deles na cidade do Porto e, finalmente, contemplado na chamada Lei da Fome, de 1899, passada por pressão do lobby da grande lavoura alentejana e ribatejana. Esta segunda metade do séc. XIX ficou assinalada pelo aparecimento de grandes e progressivas explorações agrícolas e pelo fortalecimento da burguesia agrária local mas, como reverso da medalha, veio agravar factores até então pouco significativos de tensão social, como o desemprego cíclico do proletariado rural, cujas consequências nefastas eram já visíveis nas últimas décadas do século. Em 1882, incapaz de dar solução à situação de miséria aguda que então se vivia em Fronteira, o Administrador do Concelho dirigiu à rainha uma petição no sentido de ser concedida à população necessitada alguma espécie de auxílio susceptível de minorar o estado de penúria extrema que afligia a maior parte da população trabalhadora. A soberana fez remeter a carta para uma comissão encarregada da gestão dos fundos remanescentes dos socorros aos inundados que oficiou o Presidente da Câmara de Fronteira com vista a esclarecer algumas dúvidas entretanto levantadas, nomeadamente
quanto ao número de indigentes, superior a quatrocentos, e porque a falta de trabalho que se alega não parece muito justificada, quando se vê por toda a parte que o que falta são braços para trabalhar. A esta objecção, respondeu o chefe do executivo municipal nos seguintes termos. [...] que o número de 400 pessoas pobres neste concelho não é exorbitante, segundo o meu parecer, porque efectivamente a pobreza é muita e há casas em que se compreendem 6 e 7 pessoas pobres. Que conquanto na actualidade não haja falta de trabalho nos serviços agrícolas, contudo é um facto de que o ano findo em 30 de Junho último foi péssimo pela escassez e imensa carestia dos géneros, a ponto de muita gente contrair muita dívida que ainda não pôde satisfazer e que mal o poderão conseguir, embora o corrente ano seja um pouco melhor. Que é também certo que neste concelho, essencialmente agrícola, existem 3 máquinas, uma de ceifar e duas de debulhar, as quais prescindem de muitos braços [...]. Aqui temos, então, um dos factores do agravamento das condições de vida do trabalhador rural, sem dúvida o mais facilmente perceptível – a mecanização da agricultura. Data do mesmo período a iniciativa da criação de uma Escola Prática de Agricultura em Fronteira. Para esse efeito procedeu-se mesmo à expropriação de parte das herdades dos Reboredos, Cardosa e Clérigos, por decreto de 20 de Outubro de 1888 mas, o projecto que tanto poderia ter pesado no progresso da terra não teve o desenvolvimento previsível acabando, como tantos outros, por cair no esquecimento. O séc. XIX português chegou ao fim num ambiente de crise nacional e de descontentamento generalizado que as forças republicanas iriam aproveitar da melhor maneira.
A República, prometendo a redenção da Pátria e o remédio para todos os males, instalarse-ia, após o assassinato político do rei, a 5 de Outubro de 1910, num país onde, diziase, no dia seguinte à revolução, já só a rainha era monárquica. Fronteira não ficou imune à euforia revolucionária. A Proclamação da República foi, de facto,
algo de memorável nos anais locais e um dos últimos actos em que o a
participação activa do povo figura nos registos camarários: Aos nove dias do mês de Outubro de mil novecentos e dez, pelas doze horas do dia, na sala dos Paços do Concelho desta vila, se reuniu em sessão solene, com assistência das autoridades, funcionalismo e muito povo, a Digna Câmara Municipal. O Sr. Presidente propôs para presidir a esta sessão o cidadão Dr. Francisco de Sousa Namorado, proposta esta que foi aprovada por aclamação. Secretariado pelos Srs. José Rovisco Pais e Manuel Chambel da Costa, começou por saudar a mesma Câmara por Ter promovido esta reunião, importante pela grandeza do pensamento que traduz “ Vitoriar o triunfo das ideias democráticas “; e afirmando que a Liberdade só pode florescer dentro da democracia, declarou aberta a sessão. Dada a palavra ao talentoso académico Manuel Relvas Xavier por este foi dito: que as monarquias perderam a razão de ser, desde que a Revolução Francesa acabou com o direito divino e demais a monarquia portuguesa por seus erros e por seus crimes estava condenada a morrer. A necessidade de apressar a sua morte impunha-se ao povo português eliminando por completo e primeiro que tudo, o jesuítismo, esse cancro social, que era um dos seus principais pontos de apoio. Terminou o ilustre académico o seu brilhante discurso saudando os que se bateram pela liberdade em benefício da República.
Seguidamente fez-se ouvir o Sr. Dr José dos Santos Andrade, que com a sua palavra fácil, correcção de frase e naturalismo se insinuou, como costuma, no ânimo do auditório, sempre pronto e ansioso por o escutar. Começou por justificar o entusiasmo de que está animada esta manifestação por ela traduzir não só a emancipação, mas principalmente a redenção da nossa Pátria.Se a redenção de uma pátria, continuou, é sobejo motivo para exultar o seu povo, com mais forte razão devem levar até ao delírio o seu entusiasmo aqueles que, como os Portugueses, cheios de civismo, nascidos num país outrora grande, florescente e próspero, como nenhum outro, e achando-se depois arrastado por uma horda de ambiciosos, se não malfeitores, que o levaram ao estado comatoso, o vêem agora salvo pela implantação de u regime de liberdade e de justiça. Mas para que se possa usufruir os benéficos resultados de tão heróica transformação, torna-se indispensável que, entregando-nos a um trabalho honesto, cumpramos rigorosamente os nossos deveres e façamos valer os nossos direitos, não imitando aqueles indivíduos que livres da tutela se entregam à ociosidade e como consequência vão dar à miséria e à cadeia. Reminou dando vivas à República Portuguesa, e à Liberdade. Nesta altura se organizou o cortejo, que da sala da sessão saiu levando à frente a Câmara com a bandeira da República, e acompanhada pelos assistentes, muito povo e música, percorreu na melhor ordem as ruas principais da vila aclamando freneticamente e amiudadas vezes a República Portuguesa e dando vivas à Liberdade, ao exército e à marinha, ao povo e aos mais beneméritos que tantos esforços empregaram para a implantação do novo regime. No regresso retomou cada um o seu lugar na sala e pelo Sr. Presidente foi dito: que em vista de tão simpática e sincera manifestação como a que acabámos de presenciar nenhuma dúvida pode haver acerca dos sentimentos patrióticos do povo Fronteirense; que a nação pela sua descrença nos que a iam
conduzindo levou a sua tolerância até às raias do servilismo, o que muito admiraram as nações estrangeiras e nomeadamente a Inglaterra, que, como consta num dos últimos números do Século, declarou que a paciência dos portugueses era extraordinária e que não surpreendeu ter Portugal reunido os seus vigorosos elementos para pôr termo a tão intolerável estado de coisas! Disse mais o Sr. Presidente que o povo português tem sido sempre dedicado à sua pátria e conservado o sangue dos seus antepassados e as suas energias e que se estas estiveram reprimidas por tanto tempo foi por falta de chefes bem orientados. Mas agora que surgiram homens cheios de f´é, que têm levado os seus esforços até ao sacrifício para implantarem este regime que nos vai salvar, o povo português tendo nele a máxima confiança entrega-lhes da melhor vontade o seu destino. Mais disse que para avaliar a administração que o Governo da República vai fazer basta olhar para a honestidade com que a Câmara Municipal de Lisboa tem procedido. Levantados os vivas tomou a palavra o Sr. Francisco Curvello, que num brilhante improviso, cheio de calor e por vezes interrompido pelo entusiasmo que despertava nos ouvintes, começou por comparar dois factos épicos da nossa história “ a independência de Portugal sacudindo o jugo castelhano e a implantação da República “, exaltando mais este último facto por dar ao povo além da independência também a liberdade. Demonstrou a utilidade da República para o rejuvenescimento da Pátria, exortou o povo a amá-la, comparou a administração das Câmaras Municipais monárquicas com a das republicanas e especialmente com a de Lisboa e concluiu que a administração do Governo Republicano não pode deixar de ser utilíssima para o povo português e dando vivas à República Portuguesa, à Pátria livre, ao povo de Fronteira e à Câmara da mesma vila. Todos os oradores foram muito aplaudidos.
Em seguida o Presidente propôs que ao Exmº. Ministro do Interior fosse expedido o seguinte telegrama: “ A Câmara Municipal de Fronteira, reunida em sessão solene, com assistência de muito povo, e interpretando o sentir de quase todos os seus munícipes, saúda calorosamente o Governo Provisório da República”. Esta proposta foi unanimemente aplaudida. Por último o mesmo Presidente agradeceu em nome da Câmara a grande concorrência de assistentes e a boa vontade com que aderiram ao convite que receberam e declarou encerrada a sessão. E para constar se lavrou esta acta que vai ser por todos assinada. Eu José Francisco Bugalho, Secretário da Câmara a escrevi e assino. A Câmara: Manuel Máximo de Brito e Castro, António Rodrigues Formigal, Maximiano Joaquim Barradas Namorado. O Administrador: Francisco Joaquim da Costa. A Mesa: José Rovisco Pais, Manuel Chambel da Costa. Manuel fernandes Sobrinho, Acácio dos ramos Correia, Acácio Correia da Silveira,João Correia Morgado Rego, José dos Santos Andrade, Daniel Moreira Gomes, Joaquim José Pereira Barradas, João Correia da Silveira Contente, Domingos Martins, António Joaquim Zacarias, José Joaquim canejo, Francisco Soares Laranjo, José de Sousa Pereira, António Beato, João António Espadinha, Cláudio Pais Rebelo, António Rijo do Inso, Francisco de Sousa Franco, Domingos José Monteiro, Manuel de Almeida Pirão, Manuel José Guerra Vieira, João Carlos da Costa Ramos, José Damasceno Gomes, Marciano Rovisco Pais, José Pais Monteiro, António Sérgio de Sousa Neves, Jerónimo Maria Perestrelo, António Carlos de Moura, Manuel António Marques, Mariano da Conceição Marques, Joaquim Martins Porto, João Maria Porto, José Fernandes Ribeiro, António Gomes, António Mendes Quintano, Joaquim Maria Perestrelo, João Marques Namorado, Francisco Lopes Marques, António Relvas Xavier, Jerónimo Rodrigues Sadio, Domingos José Monteiro Júnior, João José de Brito
e Castro, Maximiano António Telles de Castro, Joaquim Manuel Namorado,Francisco José Rodrigues de Moura, Manuel Relvas Xavier, António Maria de Andrade Sampaio, João Manuel Teles de Matos, Manuel Gil, Francisco Dias Loução, Aleixo José dos Santos, Fernando Augusto de Almeida, José Francisco Bugalho. E assim se implantou o novo regime em Fronteira. Este, porém, ficaria longe do cumprimento das promessas feitas e esgotar-se-ia na instabilidade política e governativa a que o golpe militar de 1926 viria a pôr fim. O principal e mais dramático episódio destas primeiras décadas do séc. XX teve lugar por ocasião do movimento grevista 21 de Janeiro de 1911, em que se registou a morte violenta de dois civis, um deles de menor idade, às mãos das autoridades. É, no entanto, inegável o desenvolvimento da vila durante o período em questão, alicerçado na expansão das áreas votadas à produção cerealífera, bem manifesto, por exemplo, na expansão urbana e no crescimento demográfico e económico da povoação e na melhoria das condições de vida. Os primeiros anos da década de 1930, especialmente as colheitas de 1934 e 1935, ficariam na memória das gentes do campo como os anos em que as pedras deram trigo, alimentando a visão edénica de um Alentejo, celeiro da nação, que ainda hoje persiste de forma muito curiosamente enraizada no imaginário popular. Datam desse período a entrada em funcionamento da primeira cabine telefónica pública, em 1933 e a instalação da rede de distribuição de energia eléctrica, inaugurada em 1 de Janeiro de 1938. A pujança da vida local projectava-se, de igual modo, na intensa actividade de cariz cultural de uma boa parte da população o que permitia a existência de duas bandas de música rivais – a Sociedade Recreativa Musical Fronteirense, vulgarmente designada por A Espiga e a Sociedade Filarmónica Fronteirense, vulgo O Piparrão. Paralelamente,
o Teatro, arte de grandes e antigas tradições em Fronteira, sobrevivia e prosperava graças ao empenhamento de actores amadores locais. Na década de 1940 – pasme-se – faziam-se concertos de jazz no salão nobre dos Paços do Concelho... Mas, o modelo proteccionista, reavivado pela Campanha do Trigo, estava esgotado e o seu abandono, a favor de um modelo económico que privilegiava a industrialização, viria a provocar uma série de profundas alterações cujos efeitos se fazem ainda sentir nos nossos dias. A agricultura alentejana chegava, assim, aos finais do séc. XX profundamente desajustada das novas realidades marcadas pelo arranque de uma nova ordem que apontava para a diluição das fronteiras económicas e para os fluxos globais de produtos e serviços, incapaz de se reformular e apontar novos rumos mais consentâneos com os novos tempos. Espelho fiel da situação agrária das últimas décadas de 1900, o texto abaixo transcrito reflecte bem as dificuldades experimentadas pelo mundo rural alentejano e a percepção aguda da necessidade de uma reforma agrária que viria realmente a acontecer, se bem que em moldes muito diversos dos que, certamente, estavam nas mentes dos membros do Conselho Geral do Grémio da Lavoura de Fronteira, na sua sessão de 18 de Abril de 1970: [...] Protegem-se e subsidiam-se inúmeras obras, mas a protecção à lavoura trigueira nunca foi considerada. Deixam-se morrer os seareiros, arruinaram-se a maior parte dos lavradores alentejanos, provocou-se o êxodo dos agricultores e apesar dos protestos e representações que vimos fazendo, não somos atendidos. Compreendemos que se promova o desenvolvimento industrial para o necessário progresso económico-social, mas não se justifica que se votasse a maior parte da Agricultura à miséria. Devia-se ter estruturado o problema agrícola de forma a que
não se permitindo o aumento dos preços dos seus produtos, ela fosse para a ruína. Promover-se a sua mecanização, indicar-se as culturas a fazer e educar os agricultores obrigando à formacão de cooperativas, de maneira a evitar o desaparecimento da pequena e média lavoura. È interessante observar o que fez Israel neste problema. O individualismo do lavrador que nunca se justificou, hoje é inadmissível. Só em cooperação poderemos resolver os nossos problemas económicos. Há vinte anos havia reservas económicas que podiam fazer face à evolução que se está dando, presentemente não as tem. Assim, impõe-se ao Estado a obrigação de a promover, suprindo financeiramente, planificando e obrigando todos a associarem-se em cooperativas para o Bem Comum. A modernização da Lavoura impõe encargos que ela não pode suportar. As medidas que se vêm adoptando por parte do Governo são duma grande imperfeição. Com elas se favorecem quase só os grandes proprietários e os aventureiros que pedem empréstimos e subsídios sobre o que não têm, dificultando ainda mais a vida dos outros agricultores. Pelo que resumidamente expomos impõe-se uma reforma agrária no nosso País que já devia estar estudada e executada há duas décadas de anos, pelo menos. Com ela se poderia alcançar a valorização do produto agrícola e trazer a satisfação e alegria às populações agrícolas. É confrangedor notar a tristeza que paira sobre as nossas vilas e aldeias alentejanas em comparação com a descuidada e alegre vida de há vinte anos [...] A consequência mais perniciosa desta falência do mundo rural foi, sem qualquer dúvida, o esvaziamento humano da localidade, a migração para as zonas fortemente industrializadas dos distritos de Lisboa e Setúbal que acarretou consigo o imprevisto
envelhecimento da população e a perda inestimável da capacidade criadora dos homens e mulheres forçados a partir. Apenas na década de setenta essa sangria sem precedentes viria a ser, se não estancada, pelo menos reduzida na sua intensidade, em virtude das profundas transformações então operadas na sociedade portuguesa. Apesar disso, as perspectivas de desenvolvimento demográfico e económico local continuam a revelar-se questões altamente problemáticas.
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Câmara Municipal de Fronteira. Relação de alguns objectos que fazem parte do recheio arqueológico guardado nas dependências do prédio da Câmara onde vive o Chefe da Secretaria, 1949 Câmara Municipal de Fronteira. Relação de todos os arruamentos da sede deste Concelho, [ca. 1950] Câmara Municipal de Fronteira. Termo de entrega de todos os bens, livros e alfaias que estavam na posse da Mesa Administrativa da Confraria da Senhora da Vila Velha, ao Reverendo Senhor Padre José Maria Sarafana, 1938.05.19 Câmara Municipal de Fronteira. Termo de entrega de todos os bens, livros e alfaias que estavam na posse da Mesa Administrativa da Confraria do Santíssimo Sacramento, ao Reverendo Senhor Padre José Maria Sarafana, 1938.05.19 Câmara Municipal de Fronteira. Tombo dos Bens do Concelho, 1643 Câmara Municipal de Fronteira. Tombo dos Bens de Raiz do Concelho, 1771 Câmara Municipal de Fronteira. Treslado de uma escritura que faz António Soares Franco com João Baptista Louro, e sua mulher Maria Joana Baptista Laranjeira, recebendo destes um moinho de vento [...], 1845.10.02 Câmara Municipal de Fronteira. Visitas do Ouvidor da Comarca de Avis, 1666-1708 Capitania-mor de Ordenanças de Fronteira. Registo dos moradores da Capitania-Mor de Ordenanças, [1671?] Carneiro, André. Análise do Potencial Arqueológico do Concelho de Fronteira [policopiado], Fronteira, Gabinete Técnico Local da Câmara Municipal de Fronteira, 2001 Carta do Príncipe D. Pedro para Dinis de Melo de Castro pedindo-lhe para o avisar dos meios que pode haver para se conseguir em Fronteira a posse que pretende o Marquês da dita vila, Biblioteca da Ajuda, 51-VI-12, nº 252 Celeiro Comum de Fronteira. Registo de provisões e mais documentos pertencentes ao Depósito Comum da Vila de Fronteira, 1776-1819 Confraria do Corpo de Deus de Fronteira. Regimento e Tombo dos Bens, 1486 Confraria do Espírito Santo de Fronteira. Estatutos e Compromisso, 1603 Conselho Municipal de Fronteira. Cópia da acta da sessão de 15 de Setembro de 1954 Costa, Carlos Eurico da. A Caça em Portugal, Lisboa, Estampa, 1980 Empresa Geral de Fomento, et al. Projecto de Desenvolvimento Regional: Distrito de Portalegre, Lisboa, E.G.F., [1982?]
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