Monitorizacao Reforma Penal-janeiro2008

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Boaventura de Sousa Santos Director Científico

Conceição Gomes Coordenadora

Equipa de Investigação: Paula Fernando Diana Fernandes José Reis Carla Soares Hugo Rascão Lara Dias Catarina Trincão Pedro Abreu

CENTRO DE ESTUDOS SOCI AIS FA CU LD A D E D E E CO NO M I A UNIVERSIDADE DE COI MBRA

Observatório Permanente da Justiça Portuguesa

31 de Janeiro de 2008 http://opj.ces.uc.pt

Relatório síntese relativo à monitorização da reforma dos Códigos Penal e de Processo Penal em realização do contrato de prestação de serviços celebrado entre o Centro de Estudos Sociais, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, e a Direcção Geral da Política de Justiça.

CENTRO DE ESTUDOS SOCI AIS FA CU LD A D E D E E CO NO M I A UNIVERSIDADE DE COI MBRA

Observatório Permanente da Justiça Portuguesa

31 de Janeiro de 2008

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Índice Índice................................................................................................................... i 1. Introdução ...................................................................................................... 1 O contexto do programa de monitorização ................................................. 1 Os diagnósticos dos problemas da justiça .................................................. 2 As principais linhas e objectivos do programa de monitorização ................ 3 O relatório ................................................................................................... 6 2. O Programa do XVII Governo Constitucional ................................................. 9 3. A Unidade de Missão para a Reforma Penal ............................................... 11 4. O Acordo Político Parlamentar para a Reforma da Justiça .......................... 14 5. A revisão do Código Penal ........................................................................... 17 A discussão na Assembleia da República................................................. 29 6. O Projecto de revisão do Código de Processo Penal................................... 32 A discussão na Assembleia da República................................................. 47 7. Os pareceres das diferentes instituições...................................................... 62 7.1 Conselho Superior da Magistratura ........................................................ 62 Código Penal............................................................................................. 63 Código de Processo Penal........................................................................ 68 7.2. Procuradoria-Geral da República .......................................................... 77 Código Penal............................................................................................. 77 Código de Processo Penal........................................................................ 82 7.3. Ordem dos Advogados .......................................................................... 99 Código Penal............................................................................................. 99 Código de Processo Penal...................................................................... 101 7.4 Conselho dos Oficiais de Justiça .......................................................... 102 7.5. Associação Sindical dos Juízes Portugueses...................................... 103 Código Penal........................................................................................... 103 Código de Processo Penal...................................................................... 106 7.6. Sindicato dos Magistrados do Ministério Público................................. 113 Código Penal........................................................................................... 113 7.7. Pareceres de outras Instituições.......................................................... 120 Instituto de Medicina Legal...................................................................... 120

i

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Comissão de Programas Especiais de Segurança ................................. 121 Direcção-Geral da Administração da Justiça .......................................... 121 Amnistia Internacional – Secção Portuguesa.......................................... 121 Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP)..................... 122 Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol e Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal ........................................ 123 Eurojust ................................................................................................... 123 8. O debate sobre a reforma a partir da comunicação social ......................... 125 Curso do debate...................................................................................... 127 Actores e assuntos do debate................................................................. 132 9. O debate sobre a reforma penal pelos especialistas.................................. 138 9.1. Código Penal ....................................................................................... 138 Responsabilidade penal das pessoas colectivas .................................... 138 Crime continuado .................................................................................... 140 Alterações ao sistema sancionatório....................................................... 142 Liberdade Condicional............................................................................. 145 Violência Doméstica................................................................................ 147 Tráfico de Pessoas ................................................................................. 148 Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual ........................... 152 Crime de receptação ............................................................................... 155 Crimes ambientais .................................................................................. 156 9.2. Código de Processo Penal .................................................................. 159 Segredo de Justiça ................................................................................. 159 Prova....................................................................................................... 161 Exames, perícias e prova digital ............................................................. 161 Escutas telefónicas ................................................................................. 163 Medidas de Coacção .............................................................................. 169 Processos Especiais e Suspensão Provisória do Processo.................... 176 Recursos ................................................................................................. 182 10. Notas conclusivas .................................................................................... 186 Bibliografia...................................................................................................... 192

ii

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

1. Introdução O contexto do programa de monitorização O trabalho de monitorização das alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal, cujo programa, de forma abreviada, adiante se apresenta, não pode perder de vista o contexto social e político do desempenho funcional do sistema judicial globalmente considerado e, consequentemente, da aplicação da nova reforma. Um dos aspectos mais relevantes deste contexto é o crescente protagonismo social e político que o sistema judicial tem vindo a adquirir desde finais da década de 80 do século passado. O efeito mais visível é a frequência com que a justiça está no centro da agenda mediática. Tal como acontece em muitos outros países, é crescente o interesse dos meios de comunicação social sobre os temas e os protagonistas do mundo judiciário, colocando-os, com frequência, nas primeiras páginas dos jornais. São múltiplas as razões para este protagonismo, que não cabe aqui analisar. Mas, desde logo, no seu lastro está a ideia de que o direito e o sistema judicial constituem factores decisivos do desenvolvimento económico e social e da vida colectiva democrática. Em consequência, o sistema judicial passou a sentir a forte pressão social sobre si exercida para dar resposta às necessidades de eficácia e eficiência do mundo dos negócios; à insegurança dos cidadãos, seja a insegurança decorrente da precarização dos direitos económicos e sociais (no trabalho, na saúde, na segurança social), do aumento dos riscos públicos ou da pequena e média criminalidade que todos os dias afecta os bens e a integridade física de muitos cidadãos; mas, também, para responder à grande criminalidade, com particular destaque para o tráfico de pessoas e de bens e para a corrupção. É cada vez mais forte a pressão da opinião pública sobre o sistema judicial para agir contra o que considera a “tradicional” impunidade dos poderosos. Para além das funções instrumentais de resolução de litígios e de controlo social, aos tribunais passou, assim, a ser atribuído um importante papel político e simbólico, que acaba por transformá-los num elemento importante de sustentação da legitimidade do poder do Estado. Mas, este contexto obriga os tribunais, não só a lidar com novas situações de tensão institucional entre os diferentes poderes, mas também a ter que enfrentar os limites operativos que dificultam o exercício das suas 1

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funções. Se é verdade que, cada vez mais, se procura na justiça um campo privilegiado para a afirmação de direitos, não é menos verdade que o poder judicial não foi concebido como um meio alternativo para dar resposta, pronta e eficiente, aos problemas que as outras instituições político-sociais não são capazes de resolver. O protagonismo do sistema judicial confronta-o, assim, com a sua própria crise, que, à superfície, se manifesta nas suas múltiplas ineficiências e incapacidades (organizacionais, técnicas, financeiras, culturais, etc.). Tudo isto se passa num novo contexto no domínio da comunicação social e que transformou tudo o que à justiça diz respeito num conteúdo mediaticamente apetecível. São múltiplas as virtudes e os perigos desta mediatização, muitos deles já amplamente divulgados por muitos autores. Um dos efeitos mais salientados relaciona-se com os critérios e a lógica da acção mediática

que

tendem

a

ampliar

aspectos

selectivamente

definidos,

negligenciando ou mesmo silenciando muitos outros, muitas vezes, com impacto mais intenso para os cidadãos, para as empresas, ou para as instituições judiciárias, e a divulgá-los de acordo com as suas próprias gramáticas e práticas discursivas, objectivos e culturas profissionais. A análise que, ao longo do trabalho de monitorização das alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal, se fará não pode perder de vista este contexto.

Os diagnósticos dos problemas da justiça Se o conhecimento, o diagnóstico e as terapêuticas sobre o sistema judicial veiculadas na comunicação social são importantes, precisam, naturalmente, de ser completados e confrontados com outros modos diferentes de diagnosticar os problemas do sistema judicial e de propor soluções. A opinião e as propostas dos operadores do sistema, incluindo muitos outros que não têm acesso à comunicação social, são fundamentais. Contudo, as suas posições têm, em regra, uma forte vertente funcional vinculada, por vezes, às suas preocupações profissionais em matéria dos seus direitos, condições de trabalho ou infra-estruturas. A insuficiência daqueles diagnósticos mostra a essencialidade do recurso a um sistema de avaliação e monitorização, que permita análises 2

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globais da realidade judicial, não apenas no seu domínio interno, mas atendendo a outras áreas fundamentais ao bom funcionamento da justiça, identificando os resultados positivos, os problemas, as lacunas e os efeitos perversos que desafiam diariamente o trabalho da justiça. Nesse sentido, atente-se no seguinte segmento do discurso do Senhor Presidente da República aquando da abertura do ano judicial em 29 de Janeiro de 2008: “as grandes alterações ao ordenamento jurídico devem ser acompanhadas de um escrutínio permanente dos respectivos resultados. É essencial sabermos que efeitos produziu uma determinada reforma, se teve consequências positivas ou negativas em relação aos fins que se propunha alcançar. É fundamental perceber o que correu bem e o que correu mal, para sermos capazes de avaliar objectivamente aquilo que deve ser corrigido e melhorado (...). As alterações nos nossos códigos e nas nossas leis devem ser sujeitas a uma monitorização contínua dos resultados produzidos e a um esforço de detecção precoce dos problemas. De nada vale fazer reformas se não fizermos um balanço da sua eficácia para o aumento da produtividade e da qualidade do serviço público da justiça”. Merecem, por isso, especial sublinhado as iniciativas do Ministério da Justiça através da Direcção-Geral da política da Justiça no sentido de proceder à monitorização das reformas da justiça. No caso da reforma penal, a sua extensão e centralidade para o sistema de justiça justificam, sem dúvida, que a sua aplicação seja adequadamente monitorizada. A monitorização exigente implica o recurso ao diagnóstico sociológico, cujas metodologias nos aproximam do funcionamento real do sistema no seu conjunto. Mas, a análise sociológica que lhe está subjacente é sempre

construída na

intersecção

com as

análises

veiculadas pela

comunicação social e com as análises operacionais. Ambas incorporam verdades relevantes sobre o sistema que é preciso conhecer e articular devidamente.

As principais linhas e objectivos do programa de monitorização O programa que se desenvolveu para a monitorização das reformas dos Códigos Penal e do Processo Penal é tributário daquela intersecção, procurando incorporar e combinar as análises e “verdades” dos diferentes tipos 3

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

de diagnósticos. Apresenta-se, de forma resumida, as linhas gerais do programa de monitorização, cujo objectivo central é, numa perspectiva sistémica, avaliar a eficácia das reformas, ajudar a desenvolver boas práticas, a identificar problemas e a avançar, de forma integrada, soluções. A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável exige, desde logo, uma avaliação das situações, cujo enquadramento seja susceptível de ser, de imediato,

alterado

em

consequência

da

entrada

em

vigor

da

lei,

designadamente das situações de prisão preventiva, liberdade condicional ou resultantes da alteração na tipologia das penas aplicadas. A abrangência das alterações e as suas diversas implicações impõem que a monitorização inclua, não só os tribunais e os órgãos de polícia criminal, como também outros serviços auxiliares da justiça. Distinguimos as alterações a monitorizar de acordo com o seu impacto no tempo: alterações cujo impacto seja susceptível de ser medido imediatamente após a entrada em vigor da reforma; alterações cujo impacto seja susceptível de ser medido após o decurso dos prazos previstos para o inquérito (avaliação da eficácia do inquérito); e alterações cujo impacto só pode ser medido a médio/longo prazo. Dadas as múltiplas implicações, quer no que respeita aos sujeitos processuais, quer à actividade dos tribunais (incluindo o Ministério Público) e aos serviços auxiliares da justiça, em especial, da administração penitenciária e de reinserção social, o trabalho inclui a avaliação das alterações, tendo em conta

os

seguintes

impactos:

1)

para

os

cidadãos

(arguidos,

vítimas/assistentes); 2) no desempenho funcional dos operadores judiciários (magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais); 3) no desempenho funcional das organizações (tribunais, incluindo serviços do Ministério Público, órgãos de polícia criminal, sistema prisional, sistema de reinserção social e sistema de perícias médico-legais). As alterações legais são, ainda, avaliadas tendo em conta o seu impacto nas diferentes fases do processo penal (fase de inquérito; fase de instrução; fase de julgamento; fase de recurso; e fase de execução). Alguns dos institutos, pela sua relevância na reforma ou pelas questões que suscitam, como a prisão preventiva, escutas telefónicas, segredo de justiça, liberdade condicional, penas alternativas, formas especiais de 4

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

processo, suspensão provisória do processo, deveres de informação à vítima, recurso extraordinário e responsabilidade criminal das pessoas colectivas, terão um acompanhamento mais específico. Por indicação do Senhor Ministro da Justiça, especial prioridade será, ainda, dada à avaliação no terreno da aplicação das soluções legais previstas no Código de Processo Penal que a proposta do Senhor Procurador-Geral da República pretende alterar (artigo 86.º – publicidade do processo e segredo de justiça; artigo 87.º - assistência do público a actos processuais; e artigo 89.º - consulta do auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais). A monitorização é desenvolvida com recurso a métodos quantitativos e qualitativos, extensivos e intensivos, designadamente, recolha e análise da imprensa, artigos de opinião e outros documentos, recolha e análise de dados quantitativos e qualitativos em tribunais, serviços do Ministério Público e serviços auxiliares da justiça (esta recolha, para algumas das alterações, inclui o universo dos serviços e dos casos em que tal tenha ocorrido e é feita mensalmente durante o período da monitorização), análise das estatísticas da justiça, realização de inquéritos, entrevistas, painéis de discussão e de estudos de caso. Os estudos de caso envolvem a recolha de dados de uma amostra de processos, estratificada por tipo de crime, que se encontravam pendentes em diferentes fases processuais em vários momentos (no inicio da entrada em vigor da reforma, decorridos os primeiros seis meses e decorrido um ano). Os tribunais para o estudo de caso foram seleccionados atendendo aos seguintes critérios: volume de processos, tipos de tribunais (especialização) e localização geográfica. O programa prevê, ainda, a realização de várias dezenas de entrevistas, a audição em vários momentos da monitorização de todos os órgãos do poder judicial e das associações profissionais e a realização de painéis de discussão, quer no OPJ/CES, quer em vários locais do país. A recolha de dados e o seu tratamento, quer pela dimensão de instituições e pessoas envolvidas, quer pelo seu volume, quer, ainda, pelas metodologias e técnicas utilizadas, é uma tarefa complexa. A descrição das metodologias utilizadas na recolha e tratamento dos dados, bem como as respectivas fontes serão feitas em cada um dos relatórios.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Contudo, queremos, desde já, deixar aqui uma nota a dar conta da pronta colaboração de todas as instituições solicitadas e do nosso grato reconhecimento. Esta monitorização, que teve o seu início no passado mês de Novembro irá decorrer até finais de Maio de 2009 e os seus resultados constam de relatórios-síntese trimestrais de ponto da situação, de dois relatórios semestrais de progresso, a apresentar em 30 de Maio e 28 de Novembro de 2008 e de um relatório final em 29 de Maio de 2009. A informação e análises integradas em cada relatório dizem respeito a um segmento do programa de monitorização, constituindo informação base para a fase seguinte do programa.

O relatório O relatório que agora se apresenta é o primeiro relatório trimestral. Este relatório tem dois objectivos centrais. O primeiro, é dar a conhecer, de forma sistematizada, o processo de preparação da reforma, incluindo as posições tomadas sobre as soluções apresentadas por diferentes entidades. O segundo é analisar o debate público sobre a reforma, quer o veiculado pela imprensa escrita, quer pelas entidades e pessoas que promovem o debate especializado. Damos, assim, conta dos processos de revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal, desde a apresentação do Programa do XVII Governo Constitucional, passando pelo Acordo Político-Parlamentar para a Reforma da Justiça, constituição da Unidade de Missão para a Reforma Penal, propostas de lei do Governo, seus objectivos (de que forma a prática se irá afastar dos objectivos pretendidos é uma das questões centrais em avaliação), até à leis que foram publicadas em Diário da República. Procuramos, ainda, com recurso aos elementos que nos foi possível obter, dar a conhecer, não só, as diferentes posições dos partidos políticos, em especial, relativamente aos institutos da prisão preventiva, escutas telefónicas, localização celular e segredo justiça, mas também, das instituições que, ao longo do processo, foram chamadas a pronunciarem-se, quer no que respeita à Proposta de Lei do Governo, quer no âmbito da Assembleia da República. Sabemos que esta análise não é exaustiva. Há elementos, designadamente as actas da Unidade de Missão, que não foi possível conhecer em tempo de serem analisados neste relatório, mas cuja análise será feita no próximo a 6

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

apresentar em Maio deste ano. Contudo, consideramos que a análise que agora incorporamos concentra a grande maioria dos pareceres e posições de todas as instituições. Em concretização do segundo objectivo, analisamos, de forma sistemática, as notícias publicadas sobre esta matéria, desde Julho de 2007 até à terceira semana de Janeiro nos seguintes jornais: Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Diário Económico, Jornal de Negócios, Correio da Manhã, Primeiro de Janeiro (incluindo à parte o caderno temático Justiça e Cidadania), Expresso, Sol, Visão e Focus. À medida que a reforma for sendo aplicada o debate especializado, quer no âmbito da doutrina, quer da jurisprudência, tenderá, naturalmente, a emergir. É importante perceber, ao longo desta monitorização, qual a evolução desse debate. Desde logo, se determinadas matérias que, no início da entrada em vigor da reforma, se consideraram controversas ou se julgam que irão ser objecto de dissensos interpretativos, irão ou não manter essa percepção. Mas, também, que outras questões os especialistas vão levantado, quais as suas interpretações ou soluções propostas. Neste relatório faz-se um levantamento de algumas das posições desse debate, feito em contexto de conferências, na sua grande maioria promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários. Algumas destas conferências foram acompanhadas por investigadores do Observatório Permanente da Justiça, outras tivemos acesso aos textos que, entretanto, foram publicados. Sabemos que houve outras conferências e outros palestrantes que reflectiram sobre matérias da reforma, como foi o caso da conferência na Universidade Lusíada, em 16 e 17 de Novembro de 2007, cujo eco, como referimos neste relatório, foi muito relevante na comunicação social. Além desta, outras houve em que não foi possível participar, e não existindo material que reproduza o seu conteúdo, as posições dos seus intervenientes apenas é possível conhecer e analisar através de entrevistas. Noutros casos, ainda não foi possível analisar o conteúdo das conferências para este relatório. Este é, como já se referiu, um trabalho que irá continuar e todas as posições serão analisadas em próximo relatório. Cabe-nos, por último, dizer que a grande maioria dos elementos que nos permitiu concretizar o primeiro objectivo foram-nos disponibilizados pela 7

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Direcção-Geral da Política de Justiça. Igual disponibilidade foi crucial para o acesso à informação constante da imprensa. Na pessoa da sua Directora, Dra. Rita Brito, fica aqui o nosso muito reconhecido agradecimento. Um agradecimento é, ainda, devido ao nosso colega, Tiago Ribeiro, pela ajuda na produção final do relatório.

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2. O Programa do XVII Governo Constitucional A necessidade de alterações aos Códigos Penal e de Processo Penal dominou, nos últimos anos, a agenda política. O ciclo eleitoral que legitimou a formação do XVII Governo Constitucional interrompeu um processo de reforma em curso no Parlamento sobre esta matéria, que veio a ser continuado e aprofundado pelo novo ciclo. O programa do XVII Governo Constitucional propunha-se concretizar várias reformas na área da Justiça, designadamente “tornar mais eficaz o combate ao crime e a justiça penal, respeitando as garantias de defesa”. Nesse sentido, o Governo propunha-se rever o Código de Processo Penal e, embora sem referência expressa, o Código Penal. No que respeita ao Código de Processo Penal, a proposta do programa do Governo estabelecia que “devem ser precisadas as competências dos sujeitos e participantes processuais (juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e órgãos de polícia criminal) na investigação e garantia dos direitos de vítimas e arguidos e clarificados, designadamente, os regimes do segredo de justiça, das escutas telefónicas e da prisão preventiva, de modo a torná-los inequivocamente congruentes com os princípios e normas constitucionais. Serão também reforçadas as medidas de coacção alternativas à prisão preventiva, intensificando-se o recurso aos meios de vigilância electrónica. Por outro lado será aperfeiçoado o ajustamento do processo penal à diferente natureza e complexidade da criminalidade”. No domínio das alterações substantivas, pese embora não se fazer uma referência explícita a uma revisão do Código Penal, o programa do Governo previa, no âmbito da promoção da desjudicialização, a “descriminalização de condutas cuja penalização esteja desactualizada” e com o objectivo de “promover a ressocialização dos agentes de crimes e uma defesa social eficaz, preconiza-se uma maior amplitude na aplicação de penas alternativas à pena de prisão, privilegiando-se, nomeadamente, a aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, e a alteração do modelo de execução de penas”. Significa, assim, que esta matéria, em especial algumas das questões que mais polémica têm suscitado, como os regimes do segredo de justiça, prisão preventiva e escutas telefónicas foram questões, em parte promovidas

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

por processos mediáticos, no centro do debate e expressamente previstas no programa do Governo.

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3. A Unidade de Missão para a Reforma Penal Considerando que as reformas a concretizar na areia da justiça penal implicavam “várias iniciativas legislativas que se encontram programadas e em cuja preparação deve ser assegurado um grau elevado de coerência e eficácia”, o Governo, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 138/2005, publicada no DR Série I-B de 17 de Agosto de 2005, criou, na dependência directa do Ministro da Justiça, uma estrutura de missão para a reforma penal, denominada “Unidade de Missão para a Reforma Penal”, que tinha como objectivo “a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma da legislação penal”. Pela mesma Resolução, foi definida a composição da referida Unidade, nomeado o seu coordenador e definido o seu estatuto, a duração da Unidade e a responsabilidade pelos encargos. A estrutura da Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP) foi assim estabelecida: a) Um coordenador, tendo sido, pela mesma Resolução, nomeado o Mestre Rui Carlos Pereira; b) Um conselho, integrado por um representante dos seguintes organismos: i)

Polícia Judiciária;

ii)

Centro de Estudos Judiciários;

iii)

Direcção Geral dos Serviços Prisionais;

iv)

Instituo de Reinserção Social;

v)

Instituto Nacional de Medicina Legal;

vi)

Gabinete de Política Legislativa e Planeamento;

vii)

Gabinete para as Relações Internacionais Europeias e de Cooperação;

viii)

Gabinete do Ministro da Justiça.

A Resolução estabelecia, ainda, que “sempre que entenda necessário ou conveniente, o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho a que se refere a alínea b) do n.º 2 representantes do Conselho Superior de Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

como professores universitários de áreas cientificas consideradas relevantes para a reforma penal”1. No discurso da sua tomada de posse2, o então presidente da UMRP estabeleceu o caderno de encargos da Unidade, que incluía a proposta de uma Lei-Quadro da Politica Criminal, da revisão do Código de Processo Penal, do Código Penal e do regime de execução das penas. Traçou, ainda, as linhas estruturais de intervenção da UMRP, incidindo, no que respeita ao Código de Processo Penal, nas seguintes matérias: a) Alterações pontuais nos regimes das medidas de coacção (sobretudo da prisão preventiva); b) Alterações pontuais dos meios de obtenção de prova (em especial da intercepção de comunicações); c) Regime do segredo de justiça d) Formas especiais de processo e) Recursos. Na justificação para se alterarem as matérias referidas nas alíneas a) e b) invocava-se “o cumprimento do programa constitucional de Direito Penal”, sustentados em decisões recentes do Tribunal Constitucional. Quanto ao segredo de justiça, referia-se ser “indispensável criar condições, ao nível legislativo, para responsabilizar os autores de crimes de violação do segredo de justiça”. Relativamente às formas especiais de processo, bem como aos institutos da suspensão provisória do processo e do arquivamento em caso de dispensa de pena, sustentava-se a necessidade da sua revisão no “desígnio de celeridade”, constitucionalmente imposto. Finalmente, no que respeita aos recursos, referia-se que “é possível e desejável criar mecanismos que permitam rejeitar in limine recursos manifestamente improcedentes” e restringir “o recurso em segunda instância – das Relações para o Supremo – aos casos mais graves”. A UMRP elaborou o projecto de Lei-Quadro de Política Criminal, que não é objecto desta monitorização, e os projectos de alteração aos Códigos Penal e 1

Refira-se que a própria Resolução determinava que a “participação na UMRP dos elementos do conselho se insere no âmbito das funções que exercem, não auferindo remuneração adicional”. 2 Discurso de tomada de posse do Coordenador da Unidade de Missão da Reforma Penal, Rui Carlos Pereira, Lisboa 11 de Agosto de 2005.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

de Processo Penal. Foi extinta pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 64/2007, publicada no Diário da República Iª Série B, de 4 de Maio, com eficácia a partir de 12 de Março de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

4. O Acordo Político Parlamentar para a Reforma da Justiça Em 8 de Setembro de 2006 foi assinado pelos Presidentes dos Grupos parlamentares dos Partidos Socialista e Social Democrata o “Acordo políticoparlamentar para a reforma da Justiça”, publicamente conhecido por “Pacto de Justiça”. Os grupos parlamentares dos dois maiores partidos com assento parlamentar acordavam, assim, discutir e votar favoravelmente um conjunto de iniciativas legislativas na área da justiça ao longo das sessões legislativas de 2006 e 2007, num calendário previamente definido. O “Pacto” incluía as seguintes matérias: revisão dos códigos Penal e de Processo Penal, Mediação Penal, reforma dos recursos cíveis, acção executiva, revisão do mapa judiciário, acesso á justiça, Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público e autonomia do Conselho Superior da Magistratura. Os dois partidos acordaram, também, que em sede de especialidade, e nos casos em que, sobre a mesma matéria, existisse mais do que uma iniciativa legislativa, os dois grupos parlamentares subscreveriam propostas comuns de substituição, concretizando os princípios e as soluções constantes num documento anexado ao Pacto. No que respeita aos Códigos Penal e de Processo Penal, as soluções a consagrar nas reformas legislativas ficaram estabelecidas com algum detalhe, quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto ao calendário da aprovação. Assim, quanto ao Código Penal, ficou acordado que: a) É consagrada a responsabilidade das pessoas colectivas; b) A legislação penal portuguesa é actualizada face aos instrumentos internacionais a que o Estado Português já se vinculou, nomeadamente em matéria de direitos das crianças, combate ao tráfico de pessoas e à exploração sexual, pornografia e prostituição infantil, e criminalidade organizada. c) É reforçada a aplicação de penas alternativas à privação da liberdade, reservando-se

a

prisão

para

as

situações

de

criminalidade

especialmente grave. d) Autonomiza-se o tratamento penal do crime de violência doméstica, nas suas

várias

configurações,

reforçando-se

a

tutela

de

pessoas

particularmente indefesas em crimes como maus tratos e discriminação. 14

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

e) É agravada a responsabilidade criminal, e bem assim as medidas de coacção, em fenómenos graves como o incêndio florestal e os crimes ambientais.

A iniciativa legislativa referente ao Código Penal deveria ser aprovada no 1.º trimestre de 2007.

No que respeitava ao Código de Processo Penal ficou acordado que: a) É restringido o segredo de justiça, passando, em regra, a valer o princípio da publicidade, só se justificando a aplicação do regime de segredo quando a publicidade prejudique a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais. A manutenção do segredo de justiça na fase de inquérito fica dependente de decisão judicial, suscitada pela vítima, pelo arguido ou pelo Ministério Público. Quando os interesses da investigação o justifiquem, o MP poderá também determinar a sujeição a segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a confirmação judicial em prazo curto. Nos casos em que seja aplicável, o segredo de justiça não pode perdurar por mais de três meses para lá dos prazos legais do inquérito. A violação do segredo de justiça constitui crime, e o respeito pela sua aplicação vincula de igual modo, quer aqueles que tenham contacto directo com o processo, quer aqueles que a qualquer título tenham conhecimento de elementos que dele conste. b) O âmbito das pessoas sujeitas a intercepção telefónicas, cujo controlo e fiscalização é da competência dos magistrados judiciais, deve ser circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso mediante consentimento efectivo ou presumido). São destruídos os suportes manifestamente estranhos ao processo, em que só intervierem pessoas que não constem do elenco legal. É da competência do juiz de instrução a autorização para a intercepção de comunicações, salvo nos casos do Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro Ministro, em que

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

essa competência é cometida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. c) Na aplicação de medidas de coacção são aprofundadas as garantias de defesa dos arguidos, clarificando-se a obrigatoriedade de audição e de uma adequada explicitação e fundamentação de quaisquer medidas ou decisões. d) A prisão preventiva passa a ser aplicável apenas a crimes puníveis com mais de cinco anos de prisão.

A iniciativa legislativa referente ao Código de Processo Penal deveria ser aprovada no 1.º trimestre de 2007.

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5. A revisão do Código Penal A Unidade de Missão apresentou ao Governo o Anteprojecto de revisão do Código Penal, que veio a ser aprovado em Conselho de Ministros, tendo sido remetido à Assembleia da Republica, como Proposta de Lei, em 12 de Outubro de 2006, prevendo a alteração de vários artigos. Na exaustiva exposição de motivos refere-se, desde logo, que a revisão abrange modificações materiais propriamente ditas, aditamentos e meros ajustamentos formais. Salientava-se que o âmbito da reforma era circunscrito, compreendendo um número limitado de regimes e mantendo incólume, no essencial, o sistema do Código Penal de 1995. Várias alterações eram suscitadas por obrigações comunitárias e internacionais.

Devem

mencionar-se,

nesse

contexto,

os

seguintes

instrumentos normativos: i) Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, de 5 de Março, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 14/2003, de 5 de Março; ii) Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e Protocolo Adicional relativo à prevenção, à repressão e à punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, aprovados pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 2 de Abril, e ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 2 de Abril; iii) Decisão-Quadro 2000/383/JAI, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, alterada pela Decisão-Quadro 2001/888/JAI, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2001, sobre o reforço da protecção contra a contrafacção de moeda na perspectiva da introdução do euro, através de sanções penais e outras; iv) Decisão-Quadro 2001/413/JAI, do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativa ao combate à fraude e à contrafacção de meios de pagamento que não em numerário; v) Decisão-Quadro 2002/629/JAI, do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos; vi) Protocolo Adicional à Convenção do Cibercrime, respeitante à criminalização de actos de natureza racista ou xenófoba, cometidos através de sistemas informáticos, assinado por Portugal em 17 de Março de 2003; vii) Protocolo Adicional à Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa, assinado por Portugal em 15 de 17

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Maio de 2003; viii) Decisão-Quadro 2004/68/JAI, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2003, relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil; ix) Convenção do Conselho da Europa contra o Tráfico de Seres Humanos, assinada por Portugal em 16 de Maio de 2005; e x) DecisãoQuadro 2005/667/JAI, do Conselho, de 12 de Julho de 2005, destinada a reforçar o quadro penal para a repressão da poluição por navios. Foram,

também,

ponderadas

as

recomendações

constantes do

Relatório, concluído em 12 de Fevereiro de 2004, pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional. Esta Comissão propugnou, em geral, a restrição da aplicabilidade da pena de prisão à criminalidade mais grave, a diversificação das penas não privativas da liberdade e o reforço da liberdade condicional. Foi considerada, de igual modo, a Recomendação n.º 3-B/2004 do Provedor de Justiça, relativa ao desconto de medidas privativas da liberdade na pena de prisão. Assume-se que outras inovações resultam de propostas apresentadas pelos representantes dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, dos órgãos de polícia criminal, da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, do Instituto de Reinserção Social e dos Gabinetes de Política Legislativa e Planeamento e para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação do Ministério da Justiça e pelos professores universitários que participaram nos trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal, inspiradas em dificuldades experimentadas na aplicação da lei penal e na emergência de novos fenómenos criminais. Sobre os objectivos da reforma, a exposição de motivos3 refere que a revisão procura fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado. Assim, de entre as suas principais orientações, destaca-se: a) a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas, tida como indispensável para prevenir actividades especialmente danosas; b) a diversificação das sanções não privativas da liberdade, para adequar as penas aos crimes, promover a reintegração social dos condenados e evitar a reincidência; c) a resposta mais eficaz a fenómenos criminais graves, como o tráfico de pessoas, o incêndio

3

Segue-se, de perto, o texto da exposição de motivos.

18

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florestal, os crimes ambientais e as falsificações; d) o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, como as crianças, os menores e as vítimas de violência doméstica, maus tratos ou discriminação; e) a agravação de crimes cometidos contra membros de Forças ou Serviços de Segurança, tendo em conta que as funções por eles exercidas garantem a incolumidade dos direitos dos cidadãos; f) a tipificação de novos crimes contra a liberdade pessoal e sexual e a previsão de novas circunstâncias agravantes nos crimes contra a vida e a integridade física; g) a efectiva reparação do prejuízo causado à vítima nos crimes contra o património; e h) a distinção de níveis de responsabilidade pela violação de segredos, tendo em conta a qualidade do agente e o resultado produzido. Na Parte Geral, as alterações abrangem a aplicação da lei penal no tempo e no espaço, a responsabilidade das pessoas colectivas, o concurso de crimes, o crime continuado, o consentimento do ofendido, as penas substitutivas da pena de prisão, a suspensão da pena de prisão, a liberdade condicional, o desconto de medidas privativas da liberdade na pena de prisão, o direito de queixa e a prescrição do procedimento criminal. Na Parte Especial, as modificações incidem nos crimes de homicídio qualificado, ofensa à integridade física grave, agravada pelo resultado e qualificada, violência doméstica, maus tratos, violação de regras de segurança, ameaça, coacção, tráfico de pessoas, coacção sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada, fraude sexual, lenocínio, importunação sexual, abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes, actos sexuais com adolescentes, recurso a prostituição de menores, lenocínio de menores, pornografia de menores, ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, violação de domicílio ou perturbação da vida privada, furto qualificado, abuso de confiança, dano qualificado, burla qualificada, burla relativa a seguros, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de crédito, discriminação racial, religiosa ou sexual, subtracção de menor, violação da obrigação de alimentos, falsificação ou contrafacção de documento, atestado falso, uso de documento de identificação ou de viagem alheio, incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, incêndio florestal, danos contra a natureza, poluição, poluição com perigo comum, atentado à segurança de transporte por ar, água 19

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ou caminho de ferro, atentado à segurança de transporte rodoviário, condução perigosa de veículo rodoviário, lançamento de projéctil contra veículo, utilização de menor na mendicidade, associação criminosa, sabotagem, resistência e coacção sobre funcionário, violação de imposições, proibições ou interdições, favorecimento pessoal, branqueamento e violação de segredo por funcionário. Quanto às modificações, em concreto, foram propostas as seguintes: No Título I da Parte Geral, referente à lei penal, reforça-se a aplicação retroactiva da lei mais favorável, em cumprimento do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição. Assim, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, cessarão a execução e os efeitos penais quando o arguido já tiver cumprido uma pena concreta igual ou superior ao limite máximo da pena prevista em lei posterior (artigo 2.º, n.º 4). Esta solução é materialmente análoga à contemplada no n.º 2 do artigo 2.º para a hipótese de lei nova descriminadora ou despenalizante, e a sua efectivação prescinde de uma reponderação da responsabilidade do agente do crime à luz do novo regime sancionatório mais favorável. No domínio da aplicação no espaço, é alterado o artigo 5.º, n.º 1, de forma a equiparar à extradição o mandado de detenção europeu ou outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado português. Por outro lado, no artigo 6.º, n.º 3, exclui-se a aplicabilidade da lei penal estrangeira mais favorável quando o facto houver sido praticado no estrangeiro, mas o agente e a vítima forem portugueses e viverem habitualmente em Portugal. O que fundamenta a aplicação da lei portuguesa nestes casos – evitar situações de fraude – justifica também o afastamento do favor rei. Também aos crimes de ofensa à integridade física, coacção sexual e violação, quando cometidos contra menores, se passa a aplicar a lei portuguesa, independentemente das nacionalidades da vítima ou do agressor, desde que este seja encontrado em Portugal. Por fim, determina-se que a lei penal portuguesa é aplicável a crimes cometidos por pessoa colectiva ou contra pessoa colectiva que possuam sede em território nacional. No Título II, relativo ao facto criminoso, as pessoas colectivas e entidades equiparadas passam a ser puníveis por alguns dos crimes previstos no Código Penal – maus tratos, violação de regras de segurança, escravidão, tráfico de pessoas, crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de 20

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menores, lenocínio, burla informática e nas comunicações, burla relativa a trabalho ou emprego, discriminação racial, religiosa ou sexual, crimes de falsificação, crimes de perigo comum, associação criminosa, tráfico de influência, desobediência, violação de imposições, proibições ou interdições, suborno,

favorecimento

pessoal,

branqueamento

e

corrupção.

A

responsabilização depende sempre de o crime ser cometido em nome e no interesse da pessoa colectiva, por pessoa que nela ocupe uma posição de liderança ou que aja sob a sua autoridade, e não exclui a responsabilidade das pessoas singulares nos termos gerais. São cominadas, neste contexto, as penas

principais

de multa

e dissolução,

as penas

substitutivas

de

admoestação, caução de boa conduta e vigilância judiciária e as penas acessórias de injunção judiciária, interdição do exercício de actividade, proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinadas entidades, privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos, encerramento de estabelecimento e publicidade da decisão condenatória. O crime continuado foi objecto de uma restrição que superou as dificuldades interpretativas. Assim, determinou-se que o seu regime se não aplica a crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, se estiverem em causa diferentes vítimas, de acordo, aliás, com o entendimento da jurisprudência. Ao nível sancionatório, prescreve-se que o conhecimento superveniente de novo crime que integre a continuação criminosa ou o concurso acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já executada, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave. Deste modo, assegura-se o máximo respeito pelo princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição. No sentido de promover uma tutela mais intensa das crianças e dos adolescentes, eleva-se a idade a partir da qual o consentimento justificante pode ser eficaz, de catorze para dezasseis anos. E aproxima-se o regime do consentimento do ofendido das orientações que têm vindo a ser preconizadas pela União Europeia, sobretudo quanto a crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores. No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos 21

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condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos. A proibição de exercício de profissão, função ou actividade poderá substituir penas de prisão até três anos. O trabalho a favor da comunidade pode substituir doravante penas de prisão até dois anos e não apenas até um ano. Os restantes institutos – substituição por pena de multa, prisão por dias livres e regime de semidetenção – passam a referir-se a penas de prisão até um ano. Procurando, ainda, adequar a execução das sanções penais às correspondentes infracções e às necessidades de prevenção criminal, contempla-se a possibilidade de suspender penas de prisão até cinco anos. Todavia, será obrigatório aplicar o regime de prova quando a pena de prisão suspensa exceder três anos. Por seu turno, a liberdade condicional poderá ser concedida, em todos os casos, quando o condenado tiver cumprido metade da pena. Mas será indispensável comprovar, nos termos gerais, que não há risco de ele persistir na actividade criminosa ou de a sua libertação perturbar a ordem e a paz social. Estatui-se, ainda, que todas as medidas privativas da liberdade sofridas antes da condenação são descontadas na pena de prisão. Incluem-se neste cômputo a simples detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. A inovação consiste em prescindir, para efeito do desconto, da exigência de as medidas terem sido aplicadas no mesmo processo, admitindo-se de modo expresso que digam respeito a processo diferente. No Título IV, sempre com a finalidade de reforçar a defesa de crianças e adolescentes, estabelecia-se que o direito de queixa só se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o ofendido perfizer dezoito anos, no caso de não ter sido exercido antes por outra pessoa e de o Ministério Público não ter dado início ao processo. No Título V da Parte Geral, determinava-se que a prescrição do procedimento não se verifica antes de o ofendido perfazer vinte e três anos nos 22

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crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores. Desta sorte, não se frustra a intenção de assegurar a perseguição penal após a vítima ter alcançado a maioridade. No Título I da Parte Especial, no âmbito dos crimes contra as pessoas, são acrescentadas novas circunstâncias ao homicídio qualificado. Assim, a relação conjugal (presente ou passada) ou análoga (incluindo entre pessoas do mesmo sexo), o ódio gerado pela cor, origem étnica ou nacional e pelo sexo ou orientação sexual da vítima, bem como a pertença desta a uma comunidade escolar passam a constar do elenco de circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade. No entanto, a técnica utilizada na tipificação do crime mantém-se inalterada. As circunstâncias não são definidas de forma taxativa, correspondendo antes a exemplos padrão, e não são de funcionamento automático, estando sujeitas a uma apreciação em concreto. O crime de ofensa à integridade física grave passa a comportar uma nova circunstância – a supressão ou afectação da capacidade de fruição sexual, que engloba práticas como a mutilação genital feminina. Os crimes de ofensa à integridade física qualificada e agravada pelo resultado são alterados de forma a não permitir que a agravação pelo resultado gere uma qualificação por especial censurabilidade ou perversidade. De facto, uma tal qualificação é incompatível, por natureza, com a negligência. Além disso, as penas são ajustadas de forma a impedir que crimes de ofensas à integridade física sejam puníveis mais gravemente do que crimes de homicídio doloso. Ainda em sede de crimes contra a integridade física, os maus tratos, a violência doméstica e a infracção de regras de segurança passam a ser tipificados em preceitos distintos, em homenagem às variações de bem jurídico protegido. Na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa. No crime de violência doméstica, é ampliado o âmbito subjectivo do crime passando a incluir as situações de violência doméstica que envolvam excônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análoga à dos cônjuges. Introduz-se uma agravação do limite mínimo da pena, no caso de o facto ser praticado contra menores ou na presença de menores ou no domicílio da vítima, ainda que comum ao agente. 23

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À proibição de contacto com a vítima, cujos limites são agravados e pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho com fiscalização por meios de controlo à distância, acrescentam-se as penas acessórias de proibição de uso e porte de armas, obrigação de frequência de programas contra a violência doméstica e inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela. Na violação de regras de segurança, passa a contemplar-se a criação negligente, e não apenas dolosa, de perigo para a vida ou de perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde. O crime de ameaça passa a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave. Por conseguinte, a ameaça é agravada quando se referir a crime punível com pena de prisão superior a três anos, for dirigida contra pessoa particularmente indefesa ou, por exemplo, funcionário em exercício de funções ou for praticada por funcionário com grave abuso de autoridade. Esta qualificação abrange os crimes praticados contra agentes dos serviços ou forças de segurança, alargando uma solução contemplada para os casos de homicídio, ofensa à integridade física e coacção. Para dar resposta a um fenómeno criminal da maior gravidade, identificado pela própria Constituição no artigo 34.º, n.º 3, consagra-se um crime de tráfico de pessoas, referido a actividades de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos. O crime compreende a oferta, a entrega, o aliciamento, a aceitação, o transporte, o alojamento ou o acolhimento de pessoas através de certos meios. Tratando-se de menores, admite-se que seja cometido através de qualquer meio, havendo lugar à qualificação se forem utilizados meios graves. Além disso, são criadas novas incriminações conexionadas com o tráfico, referentes à adopção de menores mediante contrapartida, à utilização de serviços ou órgãos de pessoas vítimas de tráfico e à retenção, ocultação, danificação ou destruição dos respectivos documentos de identificação ou de viagem. Nos crimes contra a liberdade sexual, promove-se o alargamento do conceito de violação, que passa a compreender a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos. Nos crimes de coacção sexual e violação, equiparam-se à dependência hierárquica ou de trabalho a relação familiar, de tutela ou curatela e o aproveitamento de temor causado pelo agente. Para garantir a defesa plena da liberdade sexual, é criado um crime de importunação 24

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sexual, que abrange, para além do exibicionismo, o constrangimento a contactos de natureza sexual que não constituam actos sexuais de relevo. É previsto um novo crime contra a autodeterminação sexual de menores, que se traduz na prática de actos sexuais mediante pagamento ou outra contrapartida. Trata-se de um ilícito que se fundamenta no favorecimento da prostituição de crianças e adolescentes. Os tipos incriminadores do lenocínio e da pornografia, por seu lado, são ampliados e reportam-se agora a todos os menores e não apenas a menores de dezasseis ou de catorze anos. Em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, requer-se o abuso da inexperiência da vítima com mais de catorze e menos de dezasseis anos quanto a todos os actos heterossexuais ou homossexuais consentidos. No plano das agravações, contempla-se uma distinção sistemática entre vítimas com idade inferior a catorze, compreendida entre catorze e dezasseis e compreendida entre dezasseis e dezoito anos. Nas agravações relacionadas com a transmissão de doenças, introduz-se o conceito de agente patogénico que crie perigo para a vida, substituindo a referência casuística a vírus. Todos os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, à excepção do crime de actos sexuais com adolescentes, passam a ser públicos, embora o Ministério Público possa continuar a decidir-se pela suspensão provisória do processo, tendo em conta o interesse da vítima. Aos condenados pela prática desses crimes será aplicável a pena acessória de proibição do exercício de profissão, função ou actividade que implique ter menores sob a sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância. No âmbito dos crimes contra a honra, é introduzida apenas uma alteração, na descrição típica da ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço. Distingue-se entre pessoa colectiva, instituição ou corporação, por um lado, e organismo ou serviço; por outro, apenas se exigindo quanto a estes últimos o exercício de autoridade pública. Superam-se, assim, divergências sobre o âmbito da norma e reconhece-se que todas as pessoas colectivas podem ser atingidas na sua credibilidade e merecem idêntica tutela. No domínio dos crimes contra a reserva da vida privada, também é modificada uma só norma incriminadora. Na descrição do crime de violação de domicílio, prevê-se o telefonema para telemóvel com intenção de perturbar a 25

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vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa. A conduta criminalizada tem dignidade punitiva idêntica à do telefonema para a habitação e o uso generalizado de telemóvel justifica o alargamento típico. No Título II, respeitante aos crimes contra o património, promovendo a satisfação integral do interesse da vítima, determina-se a extinção da responsabilidade criminal em casos de furto, abuso de confiança, dano, burla, burla relativa a seguros, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de crédito qualificados e receptação, desde que tenha havido restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou reparação integral dos prejuízos causados. Esta solução abrange as situações em que o objecto do crime possui valor elevado ou consideravelmente elevado ou em que os bens jurídicos protegidos têm uma dimensão essencialmente individual. O regime estende-se até à publicação da sentença de 1.ª instância, mediante a concordância do ofendido e do arguido, e não impede a mediação prévia, extraprocessual. E tão pouco obsta à aplicação, pelo tribunal, da atenuação especial já antes consagrada, quando não haja acordo entre o ofendido e o arguido (ou não haja restituição ou reparação integrais). Nos crimes contra o património menos graves, dependentes de acusação particular, distinguem-se os casos em que a coisa tem valor diminuto daqueles em que se destina a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade. Estes requisitos deixam de ser cumulativos, o que na prática inviabilizava a aplicação do regime. Porém, na segunda hipótese, o crime



será

particular

se

a

coisa

não

tiver

valor

elevado

ou

consideravelmente elevado. Em sede de qualificação do furto, equipara-se a colocação no interior de veículo ao transporte da coisa, por se tratar de condutas identicamente graves e censuráveis. O crime de dano passa a ser qualificado quando incidir sobre coisa destinada a uso de organismo ou serviço públicos e não apenas a uso e utilidade públicas, também em nome de uma analogia substancial entre ambas as hipóteses. No Título III, relativo aos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, alarga-se o âmbito do crime de discriminação racial ou religiosa, de forma a abranger a discriminação por causa do sexo ou da orientação sexual. 26

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Prevê-se, também, que o crime possa ser cometido através de sistema informático. Às modalidades de conduta típica já contempladas adiciona-se a ameaça contra pessoa ou grupo de pessoas. No Título IV, referente aos crimes contra a vida em sociedade, procedese a uma agravação da pena correspondente à subtracção de menor, que passa a ser de 1 a 5 anos de prisão. A pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, aplicar-se-á apenas quando o crime for cometido por ascendente, adoptante ou quem tiver exercido a tutela sobre a vítima. A violação da obrigação de alimentos passa a englobar a conduta de quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer. Trata-se de situação idêntica, na sua estrutura, à prevista na Parte Geral para as acções livres na causa (artigo 20.º, n.º 4). Os crimes de falsificação são objecto de diversas alterações. O conceito de documento de identificação é reformulado, passando a designar-se como documento de identificação ou de viagem e a englobar o cartão de cidadão. No elemento subjectivo especial destes crimes, inclui-se a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. O âmbito das condutas típicas é ampliado,

referindo-se

os

hologramas

e

quaisquer

componentes

do

documento, bem como o respectivo uso, detenção ou cedência. No caso específico de atestado falso, criminaliza-se a conduta de quem emita o documento ignorando se os factos dele constantes são verdadeiros. Introduz-se um crime de incêndio da floresta, que se consuma independentemente da criação de perigo para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado, circunstâncias que agravam a responsabilidade do agente. Neste domínio, é punível a negligência e criminalizada a conduta de quem impedir ou dificultar o combate aos incêndios. No caso de crime praticado por inimputável, é aplicável a medida de internamento intermitente durante os meses de maior risco de ocorrência de fogos. Para delimitar o âmbito dos crimes, exceptuam-se os trabalhos destinados a combater incêndios ou defender a floresta. Os crimes de danos contra a natureza e de poluição são alterados de forma a abrangerem a conduta de quem, em alternativa, violar disposições legais, regulamentares ou constantes de tratado ou convenção internacional ou obrigações impostas pela autoridade competente. Prevê-se também uma nova 27

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conduta típica, correspondente à comercialização de exemplares de fauna ou flora de espécie protegida, vivos ou mortos – ou de suas partes –, por se entender que tal conduta tem ressonância suficiente para justificar a intervenção penal. O conceito de dano grave contra a natureza é objecto de modificações destinadas a reforçar a tutela da natureza, tais como a eliminação de número significativo de exemplares de fauna ou flora ou a afectação grave de recursos do subsolo. Introduz-se um conceito de poluição grave, referido ao bem estar das pessoas na fruição da natureza, à utilização de recursos naturais e à disseminação de micro-organismos ou substâncias prejudiciais para o corpo ou a saúde das pessoas. Os crimes contra a segurança das comunicações são modificados, passando a comportar condutas que dispensam, para efeitos de consumação, a criação de perigo para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado. A condução perigosa de veículo rodoviário passa a englobar a realização de actividades não autorizadas de natureza desportiva ou análoga. Dada a gravidade da conduta típica, a pena cominada para o crime de lançamento de projéctil contra veículo é agravada. O crime de exploração de menores na mendicidade passa a abarcar a hipótese de a vítima ser utilizada na companhia do agente. Assim, será punível pela prática do crime, não só quem mande uma criança pedir esmola, mas também quem se faça acompanhar por ela para obter esmola. No crime de associação criminosa, delimita-se o âmbito do tipo, exigindo-se que a associação compreenda pelo menos três pessoas. Para distinguir a associação da mera comparticipação criminosa, requer-se a actuação concertada durante um certo período de tempo. No Título V da Parte Especial – os crimes contra o Estado –, é modificado o crime de sabotagem. As infra-estruturas relevantes para a economia, a segurança e a defesa nacional passam também a ser objecto de acção típica e de tutela. O crime de resistência e coacção sobre funcionário é objecto de uma precisão, pela qual se esclarece que a violência pode consistir em ofensa à integridade física, para além de ameaça grave. O mesmo tipo de ilícito é alargado, de forma a compreender a conduta de quem desobedeça ao sinal de paragem de veículo ou embarcação, dirigindo-os contra quem tiver dado a 28

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ordem. Trata-se de comportamento da maior gravidade, sobretudo no âmbito da fiscalização do trânsito. O ilícito criminal de violação de proibições ou interdições é alargado. Entre as condutas típicas inclui-se agora também a violação de imposições, pelo que o tipo de crime englobará o incumprimento de quaisquer obrigações impostas por sentença criminal, tenham elas conteúdo positivo ou negativo. No crime de favorecimento pessoal, é alterada a cláusula especial de impunibilidade da tentativa respeitante a familiares e pessoas próximas daquela em benefício da qual se actuou. A alteração traduz-se em especificar que são abrangidas quaisquer situações análogas à conjugal. O crime de violação de segredo por funcionário será objecto de agravação quando o agente criar perigo para a vida ou para a integridade física de outra pessoa ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Por último, o conceito instrumental de funcionário é alargado, para efeitos de punição por crime de corrupção, passando a compreender também os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos.

A discussão na Assembleia da República A Proposta de Lei, com o n.º 98/X, foi apresentada na Assembleia da República em 12 de Outubro de 2006. Foram, ainda, apresentados anteriormente o Projecto de Lei n.º 211/X, do PS, o Projecto de Lei n.º 219/X da autoria de Os Verdes e os Projectos de Lei n.º 236/X e 239/X, ambos da autoria do PSD, todos eles envolvendo matérias relacionadas com o Código Penal. Posteriormente foi apresentado, em 12 Fevereiro de 2007, o Projecto de Lei 352/X do CDS-PP, também com vista à alteração do Código Penal. Todas as

iniciativas

legislativas

foram

remetidas

à

Comissão

de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para efeitos de emissão do relatório, conclusões e parecer. Na Comissão Parlamentar foram ouvidas as seguintes entidades: – Ministro da Justiça, conjuntamente com o Presidente da Unidade de Missão, em 10 de Janeiro de 2007; – Procurador-Geral da República, em 16 de Janeiro de 2007; – Conselho Superior da Magistratura, em 17 de Janeiro de 2007; 29

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– Bastonário da Ordem dos Advogados; – Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, em 7 de Fevereiro de 2007.

No dia 21 de Fevereiro de 2007, foram apreciados, conjuntamente, no Plenário os projectos de Lei n.º 211/X, do PS, o projecto de Lei n.º 219/X da autoria de Os Verdes, os projectos de Lei n.º 236/X e 239/X, ambos da autoria do PSD, 352/X do CDS-PP e 353/X do BE. A proposta de Lei n.º 98/X foi apresentada pelo Ministro da Justiça e discutida na generalidade na mesma data. No discurso de apresentação da proposta foram, pelo Ministro da Justiça, identificadas as cinco principais orientações que a revisão pretendia concretizar. Em primeiro lugar, a reforma proposta pretendia diversificar as penas, aumentando-se o leque de penas alternativas ou substitutivas da pena de prisão e alargando-se a sua aplicação, salientando o aproveitamento das potencialidades da vigilância electrónica. Como segunda orientação, referiu a responsabilização, de forma geral, as pessoas colectivas, que passa a existir nos seguintes crimes: violação de regras de segurança, tráficos, crimes sexuais, burla informática, discriminação, falsificações, crimes contra o ambiente, tráfico de influência, suborno, branqueamento de capitais e corrupção. A terceira linha da reforma é a repressão de fenómenos criminais graves, considerada como ameaças insuficientemente captadas pelos tipos criminais disponíveis, destacando três exemplos: tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, exploração de trabalho e extracção de órgãos, que passa a abranger novas condutas e a registar um aumento das penas aplicáveis; crime de incêndio florestal, que passa a corresponder a um tipo autónomo, contra um interesse da comunidade; e os crimes ambientais onde se introduzem conceitos que tornam possível a verificação de crimes mesmo quando não tenha ocorrido prévia intervenção administrativa. A quarta linha de reforma prende-se com o reforço de pessoas indefesas, onde se introduzem duas dezenas de inovações. A última orientação tem a ver com o reforço da autoridade do Estado democrático manifestada numa mais forte protecção de agentes das forças de segurança e de 30

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funcionários contra desobediências ao sinal de paragem e as tentativas de os abalroar. Na discussão intervieram deputados do PSD (António Montalvão Machado, Paulo Rangel e Luís Montenegro), PS (Ricardo Rodrigues e Maria do Rosário Carneiro, que apresentou o projecto de Lei do PS), PCP (Bernardino Soares e Odete Santos), CDS-PP (Nuno Magalhães, que apresentou também o projecto de Lei do CDS-PP), BE (Luís Fazenda, que apresentou também o projecto de Lei do BE) e Os Verdes (Francisco Madeira Lopes, que apresentou também o projecto de Lei de «Os Verdes»). Por todos os intervenientes foram manifestadas opiniões genericamente favoráveis à revisão do Código, independentemente de algumas divergências pontuais. O processo legislativo baixou à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A votação final global do texto final, apresentado pela Comissão, ocorreu no Plenário em 13.07.2007, tendo sido aprovado com os votos favoráveis do PS e PSD e com as abstenções do CDS-PP. PCP, BE e Os Verdes. O processo de reforma culminou com a publicação da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que procedeu à 23ª alteração ao Código Penal, cuja entrada em vigor foi estabelecida, conforme o artigo 13.º, para 15 de Setembro de 2007. Posteriormente, a Lei foi objecto de uma rectificação, referente a três artigos, através da Declaração de Rectificação n.º 102/2007, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 210, de 31 de Outubro de 2007.

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6. O Projecto de revisão do Código de Processo Penal Em Outubro de 2006, a Unidade de Missão apresentou ao Governo um Anteprojecto de Proposta de Lei, que veio a ser aprovado em Conselho de Ministros a 16 de Novembro de 2006, que foi remetido e apresentado, em 20 de Dezembro de 2006, à Assembleia da República, como Proposta de Lei. A Proposta de Lei 109/X consubstanciava a alteração de 191 artigos do Código de Processo Penal e abrangia um vasto conjunto de institutos processuais, incluindo os sujeitos, os actos, os meios de prova e de obtenção de prova, as medidas de coacção e de garantia patrimonial, o inquérito, a instrução, o julgamento, os processos especiais e os recursos. Na exaustiva exposição de motivos4 referia-se que as alterações pretendem conciliar a protecção da vítima (reforçada, designadamente, em sede de segredo de justiça, escutas telefónicas, acesso aos autos, informação sobre fuga e libertação de reclusos, declarações para memória futura e suspensão provisória do processo) e o desígnio de eficácia com as garantias de defesa, procurando dar cumprimento ao n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, que associa a presunção de inocência à celeridade do julgamento. Logo no artigo 1.º, procede-se a uma actualização das definições de terrorismo, criminalidade violenta e criminalidade altamente organizada. Todos os conceitos são agora considerados em separado, para poderem ser utilizados de per si a propósito de cada regime. O conceito de criminalidade organizada passa a abranger os crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência e branqueamento. A referência é feita sem menção de normas legais para abranger os crimes em todas as suas modalidades, independentemente de estarem previstas no Código Penal ou em legislação avulsa. É, ainda, acrescentada a noção de criminalidade especialmente violenta por imposição da revisão constitucional de 2001, que a introduziu ao admitir a entrada no domicílio durante a noite. Nos termos do artigo 11.º, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça passa a ser competente para autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o

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Também aqui se segue de perto o texto da exposição de motivos.

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Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar, quando for caso disso, a respectiva destruição. Nos artigos 11.º e 12.º atribui-se aos presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, das relações e das respectivas secções criminais a competência para conhecer dos conflitos de competências, de forma a evitar que estes incidentes provoquem atrasos injustificados. No artigo 19.º, já no âmbito da competência territorial, determina-se que o tribunal competente para o julgamento do crime de homicídio é o do lugar da prática do facto e não o lugar da consumação, tendo em conta que pode haver uma dilação considerável entre os dois momentos. O regime de impedimentos, previsto no artigo 40.º, é modificado. Estabelece-se que o juiz que tenha recusado aplicar o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória do processo ou o processo sumaríssimo, por considerar insuficiente a sanção ou haja aplicado uma medida de coacção assente na existência de fortes indícios da prática do crime, está impedido de participar nas fases ulteriores de julgamento e recurso. Não se estende o impedimento ao juiz que tenha mantido a medida de coacção, porque tal proibição não tem a seu favor justificação tão intensa e seria de difícil aplicação prática. No decurso do incidente de recusa ou escusa prevê-se agora a possibilidade de serem praticados, não só os actos urgentes, referidos no artigo 44.º, mas também os actos necessários a assegurar a continuidade da audiência. Sem esquecer que a qualidade de arguido corresponde a uma condição sine qua non do exercício de direitos processuais e que até pode ser adquirida por iniciativa do suspeito, exclui-se a possibilidade de constituição de arguido quando a notícia de crime for manifestamente infundada e determina-se, no artigo 58.º, que tal constituição depende da existência de suspeita fundada e está sujeita a validação da autoridade judiciária quando tiver sido promovida por órgão de polícia criminal. Estabelece-se que o arguido é obrigatoriamente informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações. Determina-se que no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o juiz informe o arguido dos seus direitos, dos motivos da detenção, dos factos imputados e dos meios de

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prova sempre que, neste último caso, a revelação não puser gravemente em causa a investigação, a descoberta da verdade ou direitos fundamentais. O período nocturno, durante o qual o arguido só pode ser interrogado na sequência de detenção e se ele próprio o solicitar ou estiverem em causa crimes especialmente graves, passa a situar-se entre as 0 e as 7 horas – e não entre as 0 e as 6 horas – harmonizando-se este último limite com o que é acolhido para efeitos de buscas domiciliárias. De modo inovador e para evitar o arrastamento ilimitado do interrogatório, prescreve-se que este tenha uma duração máxima de 4 horas, findas as quais só poderá ser retomado por um novo período máximo idêntico, durante o mesmo dia, após um intervalo mínimo de 60 minutos. Alarga-se a assistência obrigatória do defensor aos casos de interrogatório sempre que o arguido é cego ou está detido ou preso. Quando for estrangeiro o arguido tem o direito de escolher intérprete para traduzir as conversações com o seu defensor. O prazo para constituição de assistente nos crimes particulares é alargado de 8 para 10 dias, atendendo à sua exiguidade. Para reforçar a posição do assistente, prevê-se expressamente que ele se pode fazer acompanhar de advogado em todas as diligências em que intervier. Consagra-se com maior amplitude o princípio da publicidade. Assim, no decurso do inquérito, o Ministério Público pode determinar a publicidade “externa”, mediante requerimento ou com a concordância do arguido, se a cessação do segredo não prejudicar a investigação e os direitos de sujeitos e vítimas. No entanto, se o arguido requerer a publicidade e o Ministério Público a não conceder, cabe ao juiz decidir, por despacho irrecorrível, sobre a continuação ou a cessação do segredo. Durante a instrução, apenas o arguido se pode opor à publicidade. Mas, também, o “segredo interno” é restringido. No âmbito do inquérito é facultado o acesso aos autos ao arguido, ao assistente e ao ofendido, ressalvadas as hipóteses de prejuízo para a investigação ou para os direitos dos participantes ou das vítimas. Também nesta hipótese, cabe ao juiz de instrução criminal a última palavra no caso de o Ministério Público não facultar o acesso aos autos. Findos os prazos do inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo, a não ser que o juiz de instrução 34

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determine, no interesse da investigação, um adiamento pelo período máximo e improrrogável de 3 meses. Após o decurso dos prazos máximos de inquérito ou de prorrogação por 3 meses do período de vigência do segredo de justiça, o magistrado titular do processo comunica ao superior hierárquico imediato a violação do prazo, as razões que a explicam e o período necessário para concluir o inquérito. O superior hierárquico pode avocar o processo e dá sempre conhecimento ao Procurador-Geral da República e aos sujeitos processuais de que o prazo foi excedido e de qual é o período necessário para concluir o inquérito. Por seu turno, o Procurador-Geral da República pode decidir-se pela aceleração processual, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente. Por fim, para dissipar dúvidas sobre o âmbito subjectivo do segredo de justiça, introduz-se uma alteração pontual para esclarecer que estão sujeitas a segredo, quer as pessoas que tenham contacto com o processo, quer as pessoas que tenham conhecimento de elementos a ele pertencentes. No elenco de elementos e actos processuais que os órgãos de comunicação social não podem publicar, sob pena de desobediência simples, inclui-se agora a publicação da identidade de vítimas de crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a reserva da vida privada, excepto se a vítima consentir expressamente na revelação da sua identidade ou se o crime for praticado através de órgão de comunicação social. Trata-se de um regime destinado a proteger a vítima em situações em que a publicidade pode ter um efeito estigmatizante. Por outro lado, em homenagem ao direito à palavra e para impedir a devassa, comina-se também a punição coma pena de desobediência simples da publicação de conversações ou comunicações interceptadas no processo penal. Os actos relativos aos processos sumário e abreviado, conflitos de competência, recusas e escusas e liberdade condicional passam a poder praticar-se em dias não úteis e os respectivos prazos correm durante as férias judiciais. Por seu turno, o prazo para requerer a abertura da instrução, contestar o pedido de indemnização civil, a acusação ou a pronúncia e interpor recurso pode ser prorrogado até ao limite máximo de 30 dias, quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade.

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Com o objectivo de promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, determina-se que só a falta de actos legalmente obrigatórios gera a insuficiência do inquérito ou da instrução para efeitos de arguição de nulidades. De forma coerente, continua a prescrever-se a irrecorribilidade do despacho de pronúncia concordante com a acusação do Ministério Público, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, mas ressalva-se a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas. Permite-se que as testemunhas indiquem, para efeitos de notificação, não só a sua residência mas também o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Trata-se de um regime indispensável para preservar certas testemunhas – por exemplo, membros de serviços e forças de segurança – de eventuais constrangimentos e retaliações. Tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 20.º da Constituição e considerando que uma testemunha pode, a qualquer momento, converter-se em arguido, admite-se que ela se faça acompanhar de advogado, que a informa dos direitos que lhe assistem, sem intervir na inquirição. A previsão de que os arguidos do mesmo crime ou de crime conexo só podem depor como testemunhas se nisso consentirem abrangerá os casos já transitados em julgado. O direito de se recusar a depor como testemunha passa a abranger também as situações de convivência em condições análogas às dos cônjuges entre pessoas do mesmo sexo. Sendo certo que o segredo religioso beneficia de um regime especial por ser um corolário da liberdade de religião - e não pode ser sacrificado em nome de um interesse preponderante, esclarece-se que, no caso de invocação ilegítima, não há lugar à audição de “organismo representativo” (como sucede quanto ao segredo profissional). Em relação à quebra do segredo profissional, explicita-se

o

conceito

de

interesse

preponderante,

referindo-se

a

imprescindibilidade do depoimento, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. Esclarece-se que as provas obtidas, fora dos casos admitidos pela lei e sem o consentimento do respectivo titular, mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações não podem ser utilizadas. Supera-se, pois, uma dúvida interpretativa que a redacção do n.º 3 do artigo 126.º então suscitava, por se referir apenas à nulidade. 36

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No reconhecimento de pessoas, contempla-se a possibilidade de os intervenientes serem fotografados e de as fotografias serem juntas aos autos, mediante o respectivo consentimento. Prevê-se, por outro lado, que o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito de investigação criminal só vale como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial. Mas também aqui se admite que as imagens de pessoas que não tiverem sido reconhecidas sejam juntas ao auto, mediante o seu consentimento. Nas perícias sobre características físicas ou psíquicas de pessoas que não consintam na sua realização, exige-se despacho do juiz, uma vez que estão em causa actos relativos a direitos fundamentais que só ele pode praticar, por força do n.º 4 do artigo 32.º da Constituição. O despacho do juiz deve ponderar a necessidade de realização da perícia tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. Os exames pessoais têm de ser feitos por médicos ou pessoas legalmente autorizadas e não podem pôr em perigo a saúde do visado. Estando em causa tecidos humanos, os exames e as amostras devem ser destruídos quando não forem necessários . Nas perícias médico-legais e forenses, admite-se que o Instituto Nacional de Medicina Legal indique serviço de saúde em que devam ser realizadas, na hipótese de não dispor de médicos especializados ou das condições materiais necessárias. Estando em causa a apreensão de coisas sem valor, perecíveis, perigosas ou deterioráveis, a autoridade judiciária poderá ordenar a venda, a afectação a finalidade pública ou socialmente útil, as medidas de conservação ou manutenção necessárias ou a destruição imediata, conforme as circunstâncias. Após o trânsito em julgado da sentença, as pessoas a quem devam ser restituídas as coisas apreendidas são notificadas para as levantarem e, se o não fizerem, perdem essas coisas a favor do Estado no prazo de um ano. Dando expressão ao disposto no n.º 3 do artigo 34.º da Constituição, na versão da Lei Constitucional n.º 1/2001, admite-se a realização de buscas domiciliárias nocturnas, entre as 21 horas e as 7 horas, nos casos de terrorismo, criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, consentimento do visado e flagrante delito pela prática de crime punível com 37

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prisão superior a 3 anos. A autorização é dada por juiz, mas o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal podem assumir a iniciativa, sujeita a validação judicial, nos casos de consentimento e flagrante delito. Nesta última hipótese, a dispensa de autorização judicial decorre também da revisão constitucional de 2001, que fez caducar a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional. O regime de intercepção e gravação de conversações ou comunicações é modificado em múltiplos aspectos. Confina-se este meio de obtenção de prova à fase de inquérito e exige-se, de forma expressa, requerimento do Ministério Público e despacho fundamentado do juiz. Ao elenco de crimes contido no n.º 1 do artigo 187.º acrescenta-se a ameaça com prática de crime, o abuso e simulação de sinais de perigo e a evasão quando o arguido tiver sido condenado por algum dos crimes desse elenco. O âmbito de pessoas que podem ser sujeitas a escutas é circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso, mediante o consentimento efectivo ou presumido). A autorização judicial vale por um prazo máximo e renovável de 3 meses. Esclarece-se que os conhecimentos fortuitos só podem valer como prova quando tiverem resultado de intercepção dirigida a pessoa e respeitante a crime constantes dos correspondentes elencos legais. No que respeita ao procedimento, estabelece-se que o órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação elabora, para além do auto, um relatório sobre o conteúdo da conversação e o seu alcance para a descoberta da verdade. O órgão de polícia criminal entrega os materiais ao Ministério Público de 15 em 15 dias e este apresenta-os ao juiz no prazo máximo de 48 horas. O juiz determina a destruição imediata dos suportes manifestamente estranhos ao processo que, em alternativa, respeitarem a conversações em que não intervenham pessoas constantes do elenco legal, a matérias sujeitas a segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja revelação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias. Além disso, o juiz determina, mediante requerimento do Ministério Público, a transcrição

e

junção

aos

autos

das

conversações

e

comunicações

indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou garantia patrimonial. 38

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A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar e obter cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo. Valem como prova as conversações que o Ministério Público, o arguido e o assistente juntarem, podendo o tribunal, em obediência ao princípio da investigação, proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições ou a junção aos autos de novas transcrições. As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os suportes técnicos até ao encerramento da audiência. Os suportes técnicos referentes a conversações ou a gravações que não forem transcritas são guardados em envelope lacrado e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Os suportes que não forem destruídos são guardados após o trânsito em julgado em envelope lacrado e só podem ser utilizados na hipótese de interposição de recurso extraordinário. O regime descrito é aplicável a quaisquer outras formas de comunicação, esclarecendo-se agora que abrange o correio electrónico e outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardados em suporte digital. Exige-se também, de forma expressa, que haja despacho do juiz para obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou o tráfego de comunicações, restringindo-se tal meio de prova aos crimes e pessoas referidos no âmbito do regime das escutas. Todavia, admite-se que os dados sobre a localização celular sejam obtidos, no âmbito das medidas cautelares e de polícia, para afastar um perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave. Exclusivamente nesta hipótese, os dados podem ser pedidos por qualquer autoridade judiciária ou de polícia criminal, que terá sempre de comunicar tal pedido a um juiz no prazo máximo de 48 horas. Em sede de medidas de coacção e de garantia patrimonial são introduzidas alterações gerais e, em particular, respeitantes ao regime da prisão preventiva. Assim, no artigo 193.º consagra-se, de forma expressa, o princípio da necessidade, a par dos princípios da adequação e da proporcionalidade. Esclarece-se que a obrigação de permanência na habitação, implicando a privação da liberdade, só se aplica quando as medidas

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menos graves forem insuficientes, mas continua a configurar-se a prisão preventiva como ultima ratio das medidas de coacção. Acolhendo o entendimento dominante, impede-se o juiz de instrução de aplicar, durante o inquérito, medida de coacção ou garantia patrimonial mais grave do que a preconizada pelo dominus dessa fase processual – o Ministério Público. Além disso, requer-se que o despacho de aplicação indique os factos em que se fundamenta a aplicação da medida e os factos que são imputados ao arguido, bem como a sua qualificação jurídica e os respectivos meios de prova. Em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que admite, neste domínio, uma ponderação dos interesses conflituantes, a comunicação dos meios de prova só é recusada quando puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para os mais importantes direitos fundamentais dos participantes processuais e das vítimas. Abstraindo de tal ressalva, os factos e elementos que não tenham sido dados a conhecer ao arguido não podem ser utilizados para fundamentar a medida. Retira-se, por outro lado, o cunho estritamente objectivo ao requisito geral (de aplicação de medidas de coacção) da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, exigindo-se que essa perturbação seja imputável ao arguido. Clarifica-se o regime de acumulação das várias medidas de coacção, procurando reforçar a sua eficácia. Prevê-se que o reexame oficioso tenha lugar não apenas de 3 em 3 meses, mas também quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça do objecto do processo e não implique a extinção da própria medida. A extinção das medidas de coacção, por seu turno, passa a ser consequência imediata do arquivamento de inquérito e da prolação do despacho de não pronúncia ou do despacho que rejeitar a acusação. Os prazos de prisão preventiva são reduzidos, com o objectivo de acentuar o carácter excepcional. Todavia, no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do 40

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prazo. Para evitar que a prisão preventiva se possa perpetuar, estipula-se que os prazos previstos para essa medida não podem ser ultrapassados quando existir pluralidade de processos. Tendo ainda em conta a excepcionalidade da prisão preventiva, restringe-se a sua aplicação a casos de crimes dolosos puníveis com prisão superior a 5 anos. Porém, dada a circunstância de alguns fenómenos criminais especialmente graves serem puníveis com pena de limite máximo inferior, alarga-se o catálogo de crimes, segundo um critério qualitativo que abarca crimes dolosos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, puníveis com prisão superior a 3 anos. Também se prevê a aplicação de prisão preventiva em casos de violação grave da obrigação de permanência na habitação, mesmo que ao crime corresponda pena de prisão de máximo igual ou inferior a 5 anos (e superior a 3). Esclarece-se que não existe relação de litispendência ou caso julgado entre o recurso e a providência de habeas corpus. Determina-se, ainda, que é irrecorrível a decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as medidas de coacção. Tomando em linha de conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, prescreve-se que a decisão que mantiver a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido essa mesma medida. Para além dos casos já contemplados, atribui-se o direito de ser indemnizado a quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação e não for condenado por não ter sido o agente do crime ou por ter actuado justificadamente. Apesar de a medida de privação da liberdade ter sido correctamente aplicada, considera-se justo que o Estado de direito assuma a responsabilidade pelos danos sofridos por arguidos inocentes. Prescreve-se, ainda, que o tribunal informe o ofendido da data em que a libertação do arguido terá lugar, quando esta possa criar perigo, regime que é extensível aos casos de fuga e libertação de presos. Continua a prever-se que os órgãos de polícia criminal transmitem a notícia do crime ao Ministério Público no mais curto prazo, mas acrescenta-se que esse prazo não pode exceder dez dias. Determina-se que a denúncia 41

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anónima só origina inquérito quando dela se retirarem indícios da prática de crime ou constituir crime em si mesma (por exemplo, de difamação, denúncia caluniosa ou simulação de crime). Para viabilizar o procedimento criminal, a autoridade judiciária informa o titular do direito de queixa ou participação da existência de denúncia. A denúncia anónima que não determinar abertura de inquérito será destruída. Considerando que a detenção só deve ser efectuada em casos de estrita necessidade, estabelece-se que ela só tem lugar, fora de flagrante delito, quando houver razões para considerar que o visado se não apresentaria espontaneamente para a realização de acto processual. Este princípio vale também para a detenção em flagrante delito, hipótese em que o arguido que não for imediatamente apresentado ao juiz só continuará detido se houver razões para crer que não comparecerá espontaneamente perante autoridade judiciária – sem prejuízo de ser libertado, de qualquer forma, no prazo máximo de 48 horas, por força do n.º 1 do artigo 28.º da Constituição. Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, passa a ser obrigatória a recolha de declarações para memória futura durante o inquérito. Em todos os casos de declarações para memória futura, passa a garantir-se o contraditório na sua plenitude, uma vez que está em causa uma antecipação parcial da audiência de julgamento. Assim, admite-se que os sujeitos inquiram directamente, nos termos gerais, as testemunhas. Para clarificar o regime de intervenção hierárquica após o arquivamento do inquérito, estabelece-se que o despacho de arquivamento de inquérito é comunicado pelo magistrado do Ministério Público ao seu superior hierárquico imediato. Por outra parte, prevê-se que o prazo de trinta dias durante o qual pode ser determinada a formulação de acusação ou a continuação das investigações se conta a partir da data em que a instrução já não puder ser requerida. A suspensão provisória do processo passa a poder ser aplicada a requerimento do arguido ou do assistente. Ainda no âmbito da suspensão, restringe-se o requisito de ausência de antecedentes criminais passando a exigir-se apenas que não haja condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Também o requisito da culpa diminuta é transformado em previsão de ausência de culpa elevada. 42

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Nos

crimes

de

violência

doméstica

e

contra

a

liberdade

e

autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado, permite-se que o Ministério Público determine o arquivamento, independentemente da pena aplicável, em nome do interesse da vítima, desde que não haja condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Através destas alterações pretende alargar-se a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso. Para garantir a celeridade das formas de processo especiais, determinase que elas não comportam instrução. Assim, nem mesmo no processo abreviado há lugar a debate instrutório. Nos crimes particulares, continua a dar-se precedência ao assistente para deduzir acusação, mas prescreve-se o arquivamento no caso de o Ministério Público não acompanhar a acusação particular. Uma vez que o Ministério Público dirigiu o inquérito, só ele pode avaliar se existem indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento. No caso de esses indícios não existirem, não se vê razão para atribuir ao arguido o ónus de pedir abertura de instrução. No âmbito da instrução, pretende-se limitar a interposição de recursos interlocutórios a casos em que hajam sido preteridos actos obrigatórios, para promover a celeridade processual. Esclarece-se, também, que a irrecorribilidade da decisão instrutória concordante com o despacho de acusação do Ministério Público não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas. A audiência de julgamento passa a ser sempre documentada, não se admitindo que os sujeitos processuais prescindam de tal documentação, seja qual for o tribunal materialmente competente. Em caso de interrupção, a audiência retoma-se a partir do último acto processual, mesmo que hajam decorrido mais de oito dias, desde que se respeite o prazo máximo de trinta dias fixado para o adiamento. As declarações prestadas perante juiz, antes da audiência de julgamento, podem ser sempre lidas quando forem contraditórias ou discrepantes com as prestadas na audiência, independentemente do grau de contradição ou discrepância. No âmbito da alteração substancial de factos, introduz-se a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis, estipulando-se que só os primeiros originam a abertura de novo processo. Trata-se de uma 43

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decorrência dos princípios non bis in idem e do acusatório, que impõem, no caso de factos novos não autonomizáveis, a continuação do processo sem alteração do respectivo objecto. Prevê-se, ainda, que a alteração não substancial de factos ou da qualificação jurídica na fase de recurso seja dada a conhecer ao arguido. Em matéria da sentença, começa por se fazer uma precisão, pela qual se clarifica o conceito de acórdão como decisão proveniente de tribunal colectivo, seja interlocutória ou final. Admite-se, quando a decisão não for unânime, que cada juiz declare os motivos do seu voto de vencido, sem distinguir matéria de facto e de direito, quer se trate de acórdão de tribunal de primeira instância, quer se trate de acórdão de tribunal superior. Por fim, prescreve-se a reabertura de audiência para aplicar novo regime mais favorável ao condenado sempre que a lei penal mais favorável não tenha determinado a cessação da execução da pena. Em homenagem à celeridade processual, procura-se alargar o âmbito do processo sumário, tornando-o obrigatório nos casos de detenção em flagrante delito por crime punível com prisão não superior a 5 anos. Para além de se elevar de 3 para 5 anos o limite da pena, admite-se que a detenção tenha sido efectuada por qualquer pessoa, desde que ela haja procedido, no prazo máximo de 2 horas, à entrega do suspeito à autoridade judiciária ou à entidade policial. Prevê-se, ainda, que a audiência de julgamento se inicie no prazo máximo de 5 dias – e não de 48 horas – quando houver interposição de um ou mais dias não úteis entre a detenção e a audiência. Não fica prejudicada, no entanto, a possibilidade de a audiência ser adiada até ao limite máximo de 30 dias para o arguido preparar a sua defesa ou o Ministério Público desenvolver diligências probatórias. O reenvio, que agora se dirige a qualquer outra forma de processo e não apenas à comum, só é possível nos casos de inadmissibilidade do processo sumário, impossibilidade devidamente justificada de desenvolver as diligências probatórias no prazo de 30 dias ou excepcional complexidade do processo. Também com o objectivo de tornar aplicável a um maior número de casos o processo abreviado, que continua a ser aplicável a crimes puníveis com prisão não superior a 5 anos, concretiza-se o conceito de provas simples e evidentes através da técnica dos exemplos padrão. Deste modo, considera-se 44

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que há provas simples e evidentes quando o agente tiver sido detido em flagrante delito, mas o julgamento não puder seguir a forma sumária ou a prova for essencialmente documental ou assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos. Continua a valer o prazo máximo de 90 dias para deduzir a acusação, mas introduz-se o prazo de 90 dias para se iniciar audiência de julgamento. No processo sumaríssimo, introduzem-se apenas alterações pontuais, de que se destaca a possibilidade de o juiz, no caso de entender que a sanção proposta é insusceptível de satisfazer as finalidades da punição, fixar sanção diferente, com a concordância do Ministério Público e do arguido. Em alternativa, continua a prever-se a hipótese de reenvio, esclarecendo-se que ele se pode concretizar para outra forma de processo qualquer e não apenas para a comum. O conjunto de alterações introduzidas em sede de recursos pressupõe que o direito de recurso constitui uma garantia de defesa, hoje explicitada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20, n.º 1, da Constituição), mas deve subordinarse a um desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material. Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se, ainda, que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo. Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal. A proibição de reformatio in pejus é objecto de duas modificações pontuais. Determina-se que o recurso interposto apenas contra um dos arguidos não prejudica os restantes e esclarece-se que a possibilidade de agravar a pena de multa diz respeito à quantia fixada para cada dia de multa e não ao número de dias em que a pena seja graduada.

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Para harmonizar os regimes de subida e eficácia, determina-se que os recursos, cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis têm efeito suspensivo do processo ou da decisão recorrida, conforme os casos. No sentido de evitar a realização de actos processuais supérfluos, e tendo presente que a audiência no tribunal de recurso corresponde a um direito renunciável, prevê-se que o recorrente requeira a sua realização, especificando os pontos que pretende ver debatidos. Com o mesmo objectivo, suprimem-se as alegações escritas, que a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações. No âmbito da motivação, para pôr cobro a uma das principais causas da morosidade na tramitação do recurso, elimina-se a exigência de transcrição da audiência de julgamento. O recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações, não sendo obrigado a proceder à respectiva transcrição. O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes. Havendo pluralidade de recursos sobre a matéria de facto e de direito, determina-se que todos são julgados pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto. Sendo admissível recurso per saltum para o Supremo quanto à matéria de direito (de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo ou pelo tribunal de júri), proíbe-se expressamente a interposição de recurso para a Relação. Em contrapartida, passa a caber recurso para as relações dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri quanto à matéria de facto. A vista ao Ministério Público passa a destinar-se exclusivamente a tomar conhecimento do processo sempre que tiver sido requerida audiência. Nesse caso, o Ministério Público junto ao tribunal de recurso terá oportunidade de intervir na própria audiência. O tribunal de recurso passa a funcionar em três níveis. Competirá ao relator convidar a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas pelo recorrente, decidir se deve manter-se o efeito atribuído ao recurso e se há lugar à renovação da prova e apreciar o recurso quando este deva ser rejeitado, exista causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade e a questão a decidir já tenha sido apreciada antes de modo uniforme e reiterado. Do despacho do relator cabe sempre reclamação para a conferência. A conferência, por seu turno, passa a ter uma composição mais restrita, englobando apenas o presidente da secção, o relator e um vogal, 46

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competindo-lhe julgar o recurso quando a decisão do tribunal a quo não constituir decisão final e quando não houver sido requerida a realização de audiência. Só nos restantes casos o recurso é julgado em audiência. Considera-se que com esta repartição de competências se racionaliza o funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular. Nos casos de reenvio do processo, admite-se que o novo julgamento seja realizado pelo tribunal anterior. Apenas se exige que seja respeitado o regime geral de impedimentos, não podendo o juiz que haja intervindo no anterior julgamento participar no da renovação. Passa a prever-se como obrigatório o recurso (extraordinário) do Ministério Público para fixação de jurisprudência, sempre que estejam reunidos os respectivos pressupostos. Em homenagem a um desígnio de economia processual, estabelece-se que o prazo de 30 dias para a interposição de recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada conta a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida. Acrescentam-se novos fundamentos ao recurso extraordinário de revisão: a descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas; a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi; e a existência de sentença vinculativa do Estado português, proferida por instância internacional, que se afigura inconciliável com a condenação ou suscita graves dúvidas sobre a sua justiça. Em matéria de execução de penas, esclarece-se que cabe recurso nos termos gerais da decisão que negue ou revogue a liberdade condicional. Tratase de um acto jurisdicional que incide sobre um direito fundamental do condenado e ainda se inclui no âmbito da garantia de recurso consagrada no n.º 1 do artigo 31.º da Constituição.

A discussão na Assembleia da República A Proposta de Lei 109/X foi apresentada, em 20 de Dezembro de 2006, tendo baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, conjuntamente com as iniciativas apresentadas pelo PSD (Projecto de Lei 237/X), CDS-PP (Projecto de Lei 368/X), BE (Projecto de Lei 369/X) e 47

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PCP (Projecto de Lei 370/X), todas incluindo alterações ao Código de Processo Penal. Na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foram ouvidas as seguintes entidades: – Ministro da Justiça, em 10 de Janeiro de 2007; – Conselho Superior da Magistratura; – Conselho Superior do Ministério Público, em 13 de Março de 2007; – Bastonário da Ordem dos Advogados, em 14 de Março de 2007. A Proposta de Lei 109/X foi discutida em plenário, com a presença do Ministro da Justiça, a 14 de Março de 2007, conjuntamente com o Projecto de Lei n.º 237/X (do PSD), o Projecto de Lei n.º 368/X (do CDS-PP), o Projecto de Lei n.º 369/X, (do Bloco de Esquerda) e o Projecto de Lei n.º 370/X (do PCP). Na apresentação da proposta, o Ministro da Justiça traçou as linhas da reforma do processo penal, já constantes da exposição de motivos. Como primeira linha da reforma, foi salientado o aperfeiçoamento da garantia dos direitos das pessoas, em particular das vítimas e arguidos. Um segundo objectivo, prende-se com as alterações ao regime do segredo de justiça, passando agora a valer o princípio da publicidade, e, quando exista, tem que ser respeitado, não só por quem tem contacto com o processo, mas por quem tenha conhecimento dos elementos dele constantes. Um outro objectivo salientado foi a maior celeridade e simplicidade nos processos em todas as fases processuais com alterações em vários actos e procedimentos,

considerando

possível

ambicionar-se

uma

redução

significativa, em anos próximos, na duração média dos processos. Um quarto objectivo pretende robustecer a posição pública e supriremse lacunas visando equipar melhor a justiça na acção contra o crime. Finalmente, como objectivo estrutural, é enunciado que a revisão pretende dar uma contribuição pioneira no sentido de reconciliação das decisões penais proferidas na ordem interna com as decisões de instâncias internacionais.

Na discussão parlamentar intervieram os deputados do PSD, que também apresentaram o Projecto de Lei n.º 237/X (Guilherme Silva e José Aguiar Branco); do BE, que apresentou o Projecto de Lei 369/X (Luís Fazenda); 48

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do PCP, que apresentou o Projecto de Lei 370/X (João Oliveira), de Os Verdes (Francisco Madeira Lopes); do CDS, que apresentou o Projecto de Lei 368/X (Nuno Magalhães) e; do PS (Ricardo Rodrigues). A Proposta de Lei e os projectos referidos passaram para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para a abordagem na especialidade, tendo sido então constituído um grupo de trabalho, composto pelos Deputados Ricardo Rodrigues, do PS, Luís Montenegro, do PSD, João Oliveira, do PCP, Nuno Teixeira de Meio, do CDSPP, Helena Pinto, do SE, e Francisco Madeira Lopes, de Os Verdes. Este grupo de trabalho preparou um relatório sobre os articulados das várias propostas, o qual veio a ser aprovado pelo pleno da Comissão, a 18 de Julho de 2007, com a ausência do deputado de Os Verdes. O relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, acolhendo quase na íntegra as sugestões do grupo de trabalho restrito, foi apresentado ao Plenário a 19 de Julho de 2007. O Plenário da Assembleia da República aprovou este relatório nesse mesmo dia, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP. Aquando da votação, foi suscitada discussão do plenário a propósito de dois aspectos: o do âmbito do segredo de justiça (previsto no artigo 86° da proposta de lei) e da localização celular (prevista no artigo 252°-A). A este propósito, o PCP requereu e o Plenário da Assembleia da Republica aprovou, que a redacção destes artigos fosse avocada pelo plenário e votado por ele na especialidade. O plenário não alterou, no entanto, a redacção que já vinha consagrada no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A redacção final acabou por ser aprovada como tinha sido decidido na comissão especializada (e antes desta, pelo grupo restrito de deputados). Analisamos com mais detalhe, neste relatório, as posições partidárias relativamente aos seguintes institutos: Como se sabe, o Governo propôs alterações importantes ao regime da prisão preventiva. A fim de reforçar o carácter excepcional da prisão preventiva o Governo propôs que este instituto passasse a ser aplicado a casos de crimes dolosos puníveis com prisão superior a 5 anos. Em virtude de 49

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existirem alguns fenómenos criminais graves que são puníveis com pena de limite máximo inferior a 5 anos, alargou-se o catálogo de crimes, abrangendo os crimes dolosos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, puníveis com prisão superior a 3 anos. Acresce que também se propôs a aplicação da prisão preventiva em casos de violação grave da obrigação de permanência na habitação, mesmo que ao crime corresponda pena de prisão de máximo igual ou inferior a 5 anos e superior a 3 (artigo 202º). Neste domínio, é de notar a importante alteração na definição dos requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, em que se passou a exigir que a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas fossem imputáveis ao arguido (artigo 204.º). Relativamente, ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva prevê-se que haja lugar à avaliação destes quer, de 3 em 3 meses, quer quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça do objecto do processo e não implique a extinção da própria medida (artigo 213.º). Em relação à extinção das medidas de coacção, sublinha-se a proposta governamental no sentido de que as medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação também se extinguem quando for proferida sentença condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, se a pena aplicada não for superior à prisão ou à obrigação de permanência já sofridas (artigo 214.º). Os prazos de duração máxima da prisão preventiva também foram alterados. De forma geral os prazos são reduzidos. O Governo justifica esta medida para acentuar o carácter excepcional da prisão preventiva. No entanto, se o arguido já tiver sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada (artigo 215.º). Os partidos, salvo algumas excepções, votaram a favor das alterações propostas. O PS, PSD e o CDS-PP votaram a favor dos requisitos de aplicabilidade do regime da prisão preventiva previstos para o artigo 202.º. O BE absteve-se, não obstante também prever no seu Projecto de Lei 369/X a aplicabilidade deste regime quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos, a título 50

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excepcional e quando se mostrarem inadequadas as outras medidas de coacção. O PCP votou a favor do corpo do artigo e das alíneas b) e c), votando contra a aplicabilidade do regime nos casos de crimes dolosos puníveis com prisão superior a 5 anos prevista na alínea a). O Projecto de Lei 370/X (PCP) não propunha nenhuma alteração substancial ao anterior artigo 202.º, à excepção da proposta de alteração do corpo do artigo n.º1 cujo teor acentua o carácter subsidiário desta medida. No que respeita à alteração da alínea c) do artigo 204.º, que exige a imputação ao arguido da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, o PS e o CDS-PP votaram a favor e o PSD, o PCP e o BE abstiveram-se, tendo as suas propostas sido consideradas prejudicadas. Nas alterações propostas para o reexame dos pressupostos da prisão preventiva o PS, o PSD e o CDS-PP votaram a favor e o PCP e o BE abstiveram-se. Relativamente às alterações propostas para o regime de extinção das medidas de coacção previstas no artigo 214.º CPP, o PS, o PSD, e o CDS-PP votaram a favor, o PCP votou contra e o BE absteve-se. Em relação às alterações propostas para os prazos de duração máxima da prisão preventiva (artigo 215.º CPP), o PS, o PSD e o CDS-PP votaram a favor e o BE absteve-se em todo o artigo. O PCP votou a favor do corpo do n.º1, alíneas a), b) e d) do n.º1, n.º s 5 e 6 e absteve-se na alínea c) do n.º1, n.º2, 3, 4, 7 e 8. No que respeita à alínea c) o Projecto de Lei 370/X (PCP) propunha que a prisão preventiva se extinguisse quando, desde o seu início, tiverem decorrido 12 meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância, enquanto que a proposta do Governo que foi aprovada previa o prazo de 1 ano e 2 meses naquelas circunstâncias. O Projecto de Lei 369/X (BE) previa ainda prazos mais curtos de duração máxima da prisão preventiva: três meses sem que tenha sido deduzida acusação; cinco meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; oito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância; doze meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. Sublinha-se que a proposta governamental de alteração ao artigo 216.º, que previa a passagem dos prazos de duração máxima de prisão preventiva a 51

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suspenderem-se em caso de doença do arguido que imponha internamento hospitalar, se a sua presença for indispensável à continuação das investigações, foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE. Da mesma forma, a redacção do n.º 3 aditado ao artigo 217.º que prevê que quando se considerar que a libertação do arguido pode criar perigo para o ofendido, o tribunal informa-o, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, da data em que a libertação terá lugar, foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE. Em matéria de escutas telefónicas, o PS e o PSD apresentaram uma proposta de alteração à redacção do artigo 187.º CCP da PPL 109/X, na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no dia 18 de Julho de 2007, No entanto, este artigo corresponde praticamente na íntegra à proposta do Governo, apenas se diferenciando no facto de a proposta daqueles dois partidos prever que o juiz que emite o despacho fundamentado seja o juiz de instrução. A proposta governamental de limitar este meio de obtenção de prova à fase de inquérito, exigindo-se, de forma expressa requerimento do MP e despacho judicial fundamentado gerou um amplo consenso partidário, pois a redacção do n.º1 foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP e BE, a abstenção do CDS-PP. O Projecto de Lei 368/X (CDS-PP) previa para o corpo do n.º1 a mesma redacção do anterior artigo 187.º CPP. Acrescentam-se ao elenco dos crimes previstos no artigo 187.º, n.º 1 do CPP os crimes de detenção de arma proibida e de tráfico de armas (alínea c), de contrabando (alínea d), de ameaça com prática de crime, o abuso e simulação de sinais de perigo (alínea f) e a evasão quando o arguido tiver sido condenado por algum dos crimes desse elenco (alínea g). As alíneas c), d), f) e g) foram aprovadas com os votos a favor do PS, PSD, e CDS-PP, e a abstenção do PCP e do BE. O Projecto de Lei 370/X (PCP) previa a inserção dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e contra a protecção devida aos menores naquele elenco. Por sua vez, o Projecto de Lei 369/X (BE) propunha a inserção naquele elenco dos crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a cinco anos. Neste campo, o CDS-PP criticou em sede de plenário, no dia da votação final global o facto os responsáveis pelos 52

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crimes de coacção sexual e violação previstos nos artigos 163.º, n.2 e 164.º, n.º4 do Código Penal, e de abuso sexual de menores dependentes (artigos 173.º, n.2 e 3) não estarem abrangidos pela possibilidade de utilização de escutas telefónicas, em virtude de se tratarem de crimes com moldura penal abstracta ou com pena inferior a 3 anos. Por sua vez, o PSD em sede de plenário alegou, em resposta, que existem vários crimes sexuais abrangidos pelas escutas telefónicas, com moldura penal superior a 3 anos, indicando os crimes de coacção sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, abuso sexual de pessoa internada, lenocínio, abuso sexual de crianças, abuso sexual de menores dependentes, lenocínio de menores, pornografia de menores. O corpo do n.º2 do artigo 187.º que define as entidades competentes a quem se deve solicitar a autorização para as escutas telefónicas em determinados crimes, corresponde praticamente na íntegra à redacção anterior, apenas se tendo retirado o inciso “a ordem”. O PS, PSD e o CDS-PP votaram a favor, e o PCP e o BE abstiveram-se. O PCP e o BE propunham, através dos respectivos Projectos de Lei, a manutenção da redacção anterior. Ao elenco dos crimes previstos no artigo 187.º, n.º2, acrescentam-se os crimes de sequestro, rapto e tomada de reféns (alínea b) e os crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no Título III do Livro II do Código Penal, e previstos na Lei Penal relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário (alínea c). O PS, PSD e CDS-PP votaram a favor das alíneas b) e c), e o PCP e o BE abstiveram-se. Estes dois partidos não propuseram nos respectivos Projectos de Lei alterações a este artigo. Define-se em relação aos casos previstos no n.º2 que a autorização é levada, no prazo máximo de 72 horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes (n.º3 do artigo 187.º). O PS, PSD e CDS-PP votaram a favor desta proposta, o BE votou contra e o PCP absteve-se. As escutas passam a ser limitadas a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas, neste caso, mediante o consentimento efectivo ou presumido (n.º4 do artigo 187.º). O PS, o PSD e o CDS-PP votaram a favor desta medida e o PCP e o BE abstiveram-se. O Projecto de Lei 370/X (PCP) circunscrevia as escutas a suspeitos, arguidos ou pessoas em relação às quais seja possível 53

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admitir, com base em factos determinados, que recebem ou transmitem comunicações provenientes dos suspeitos ou dos arguidos ou a eles destinados, ou que estes utilizam os seus telefones. A proposta do BE, não obstante ser similar à do PCP, também previa a hipótese de que só poderiam ser efectuadas escutas de qualquer legal conhecedor de segredos de Estado, quando fossem ordenadas por despacho conjunto de três juízes do Supremo Tribunal de Justiça. Definiu-se um prazo máximo de 3 meses para a autorização judicial, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os requisitos de admissibilidade (n.º 6 do artigo 187.º). Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP e CDS-PP. O BE absteve-se. Por outro lado, clarifica-se que os conhecimentos fortuitos só podem valer como prova quando tiverem resultado de intercepção dirigida a pessoa e respeitante a crime constante dos respectivos elencos legais (n.º 7 do artigo 187.º). Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP e CDS-PP. O BE absteve-se. Os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que as fundamentaram são juntos ao processo em que devam ser usados como meio de prova, mediante despacho do juiz. Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, e CDS-PP. O PCP e o BE abstiveram-se. Relativamente ao procedimento das escutas telefónicas, a redacção aprovada corresponde na íntegra à proposta do Governo. Definiu-se que o órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação elabora, quer um auto, quer um relatório sobre o conteúdo da conversação e o seu alcance para a descoberta da verdade (n.º1 do artigo 188.º). Posteriormente, aquela entidade entrega aqueles materiais ao Ministério Público de 15 em 15 dias e este apresenta-os ao juiz no prazo máximo de 48 horas (n.ºs 3 e 4 do artigo 188.º). O Juiz pode ser coadjuvado por órgão de polícia criminal e, se necessário, interprete para se inteirar do conteúdo das escutas telefónicas (n.º5 do artigo 188.º). Estas medidas tiveram um razoável consenso partidário, na medida em que foram aprovadas com os votos a favor do PS, PSD, PCP e CDS-PP, e a abstenção do BE.

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Estabelece-se que o juiz deve determinar a destruição imediata dos suportes manifestamente estranhos ao que respeitarem a conversações em que não intervenham pessoas constantes do elenco legal, a matérias sujeitas a segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja revelação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias (n.º6 do artigo 187.º). Estas propostas foram aprovadas com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP e BE. Não obstante o PCP figurar no relatório da discussão e votação na especialidade da PPL 109/X como tendo votado a favor e contra, o que nos impede de indicar a votação correcta desta partido, podemos concluir que esta medida também teve um razoável consenso partidário. Quando o inquérito findar, o assistente e o arguido podem examinar e obter cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura de instrução ou apresentar a contestação (n.º 8 do artigo 188.º). Como prova, só podem valer as conversações que o Ministério Público, o arguido e o assistente juntarem, podendo o tribunal proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições ou a junção aos autos de novas transcrições (n.ºs 9 e 10 do artigo 188.º). As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os suportes técnicos até ao encerramento da audiência (n.º11 do artigo 188.º). Os suportes técnicos referentes a conversações ou a gravações que não forem transcritas são guardados em envelope lacrado e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (n.º 12 do artigo 188.º). Os suportes que não forem destruídos são guardados após o trânsito em julgado em envelope lacrado e só podem ser utilizados na hipótese de interposição de recurso extraordinário (n.º13 do artigo 188.º). Estas medidas, previstas nos n.º s 8 a 13 do artigo 188.º do CPP foram aprovadas com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP e a abstenção do PCP e BE. O regime descrito aplica-se a quaisquer outras formas de comunicação, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática mesmo que se encontrem guardados em suporte digital (n.º 1 do artigo 189.º). Acresce que se podem juntar aos autos dados sobre a localização celular ou o tráfego de comunicações, através de despacho do juiz, restringindo-se tal meios de prova aos crimes e pessoas referidos no regime de 55

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escutas (n.º 2 do artigo 189.º). No entanto, os dados sobre a localização celular são obtidos, no âmbito das medidas cautelares e de polícia, para afastar um perigo para a vida ou de ofensa à integridade física (artigo 252-A, n.º1). Neste domínio, sublinha-se o facto de em sede de plenário no dia 19 de Julho de 2007, quando foi realizada a votação final global, se ter procedido à votação do requerimento de avocação pelo Plenário, apresentado pelo PCP, da discussão e votação, na especialidade, do artigo 252-A (localização celular), constante do artigo 2.º do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à Proposta de Lei n.º 109/X. Submetido à votação, o respectivo requerimento foi aprovado por unanimidade, tendo posteriormente sido votada e apreciada a proposta daquele partido de eliminação do artigo 252.º-A. O PCP expressou em sede plenário que esta nova medida cautelar e de polícia comprime os direitos fundamentais, quer porque implicará uma ingerência nos meios de comunicação e não restringe a sua utilização às situações em que já exista um processo, como prevê o artigo 34.º, n.º 4 da CRP, quer porque a obtenção destes dados pelos órgãos de polícia criminal não está sujeita a autorização judicial em diversas situações. O PSD expressou a opinião de que a proposta do Governo respeitante a este artigo era má, quer por restringir a sua aplicação aos casos em que é necessário para afastar o perigo de vida ou ofensa à integridade física, deixando de fora graves casos de criminalidade, como por exemplo as investigações do crime de tráfico de droga, quer porque considera que a proposta é confusa e equívoca em relação à intervenção do juiz. Este partido defendeu que se devia alargar o âmbito de aplicação deste mecanismo e sujeitá-lo em todos os casos à validação do juiz. Não obstante estas considerações, o PSD informou que não concordava com a proposta de eliminação do artigo, porque entende que ficaria tudo na mesma. Neste campo, o PS declarou que, ao contrário do PSD, entendia que a localização celular não era nenhum meio de prova e que a CRP não permite esse tipo de localização como meio de prova, mas como um meio excepcional de acção para combater o crime, tendo a proposta aprovada respeitado a exigência constitucional. A proposta do PCP de eliminação do artigo 252-A foi submetida à votação e foi

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rejeitada com os votos contra do PS, PSD e CDS-PP, e os votos a favor do PCP, BE e de os Verdes. A matéria do segredo de justiça foi substancialmente alterada em relação à proposta do Governo. A redacção do artigo 86.º aprovada corresponde a uma proposta de substituição subscrita pelo PS e pelo PSD, cujos n.ºs foram discutidos e votados na reunião plenária da Comissão do dia 18 de Julho de 2007. Reforça-se a regra da publicidade do processo, ressalvadas as excepções previstas na lei (n.º 1 do artigo 86.º). Enquanto que o Governo propunha que o processo estava sujeito a segredo de justiça até ao termo do prazo para requerer a abertura de instrução, excepto se o MP determinasse a sua publicidade, a redacção aprovada estabelece que a regra da publicidade só é quebrada se o juiz de instrução, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o MP, e se entender que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos processuais, determinar por despacho irrecorrível, a sujeição do processo a segredo de justiça, durante a fase de inquérito (n.º 2, artigo 86.º). Na proposta governamental, o MP podia determinar a publicidade do processo, durante o inquérito, mediante requerimento ou concordância do arguido. Na redacção aprovada, o MP pode determinar a aplicação ao processo do segredo de justiça, durante o inquérito, se entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, mas ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução (n.º 3 do artigo 86.º). No caso de o arguido, do assistente ou do ofendido requererem o levantamento de segredo de justiça, mas o MP não o determinar, os autos são remetidos ao juiz de instrução que decide, por despacho irrecorrível (n.º5 do artigo 86.º). Os números 1,2,3,4 e 5 do artigo 86.º foram aprovados com os votos a favor do PS, PSD e CDS-PP, com o voto contra do PCP e a abstenção do BE. No que respeita à vinculação do segredo de justiça, a proposta governamental e a redacção aprovada coincidem, na medida que este instituto vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como as pessoas, que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes (n.º 8 do artigo 86.º). Esta 57

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medida foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD e CDS-PP, e os votos contra do PCP e BE. Outra alteração da proposta de substituição subscrita pelo PS e pelo PSD à proposta do Governo é a exigência de fundamentação pela autoridade judiciária quando ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça (n.º 13 do artigo 86.º). Esta proposta e o restante articulado foram aprovados com os votos a favor do PS, PSD e CDS-PP e a abstenção do PCP e BE. Neste campo, sublinha-se o facto de o PCP ter apresentado uma proposta de alteração ao artigo 86.º, em sede de plenário no dia da votação final global. As alterações, entre outras, incluíam a previsão de reclamação hierárquica ou recurso da decisão prevista no n.º 5 do artigo 86.º e que o segredo de justiça não prejudicava a prestação de esclarecimentos aos assistentes e aos queixosos sobre o andamento das investigações. O PCP em sede de plenário manifestou a sua discordância às alterações efectuadas ao instituto do segredo de justiça, criticando o alargamento do princípio da publicidade a todas as fases do processo e o facto de o segredo de justiça não ser admitido, sequer como excepção, na fase de instrução, atenta a possibilidade de realização de investigações nesta fase. Por outro lado, defendeu que o papel do MP é subvertido, em virtude de a sua decisão de submeter o processo a segredo de justiça ser sujeita à validação pelo juiz de instrução, que decide por despacho irrecorrível. No entender do PCP esta medida não corresponde à concepção do MP como autoridade judiciária que dirige o inquérito, transformando o MP em parte processual. Este partido criticou ainda o facto de se incluir uma norma que, no entender do PCP, esconde a violação do segredo de justiça, que responsabiliza os jornalistas que divulgam a informação, mas não pune quem efectivamente violou o segredo de justiça. O PSD defendeu que a regra em segredo se justiça, passou a ser, efectivamente, a da publicidade do processo e que o juiz de instrução só quebra esta regra se considerar que a publicidade prejudica os direitos do arguido, do assistente e do ofendido. Por outro lado, o PSD alegou que o segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem 58

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

como todas as pessoas que a qualquer título conhecerem os elementos do processo. Por sua vez, o PS declarou que houve uma mudança de paradigma passando os processos a ser públicos por regra. No que respeita à intervenção do juiz em fase de inquérito, este partido alegou que se existir contradição entre o MP e o arguido, tem de haver uma decisão que cabe ao juiz. O BE defendeu que o segredo de justiça deveria ser alvo de regimes diferentes consoante a natureza do crime e que se deveria limitar, no máximo, à fase de inquérito. Por outro lado, este partido criticou a medida aprovada de que o segredo de justiça vincula todos as pessoas que tomando ou não contacto com o processo tenham conhecimento de elementos daquele, e a respectiva proibição dos mesmos, independentemente do motivo. O BE declarou que não obstante os jornalistas serem os principais visados desta medida, toda a sociedade será visada, e, nalguns casos, também as próprias partes processuais ao verem retirado do escrutínio e da denúncia pública o seu processo. Acrescentaram que, apesar de existirem excessos que devem ser acautelados, é a própria divulgação pelos órgãos de comunicação social que tem contribuído para a descoberta da verdade e tem permitido salvaguardar o interesse público das vítimas e dos arguidos. A proposta de alteração do PCP foi rejeitada com os votos contra do PS, do PSD, e do CDS-PP, votos a favor do PCP e Verdes, a abstenção do BE. A alteração ao n.º 3 do artigo 87.º do CPP, que passou a prever que nos crimes de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, os actos processuais decorrem com exclusão da publicidade, teve um amplo consenso partidário, tendo sido aprovada com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP, PCP e BE. Também foram introduzidas alterações relevantes no campo da consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais. No inquérito é facultado o acesso aos autos ao arguido, ao assistente e ao ofendido, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, haja prejuízo para a investigação ou para os direitos dos participantes ou das vítimas (n.º1 do 89.º). Esta medida foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP, contra do PCP e a abstenção do BE. No caso de o MP não facultar o acesso aos autos, a decisão cabe ao juiz de instrução, que decide por despacho irrecorrível (n.º2 do artigo 89.º). 59

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Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP, e contra do PCP e BE. Foi feita uma proposta de substituição, subscrita pelo PS e pelo PSD, dos n.ºs 4 e 6 do artigo 89.º, que foram discutidos e votados na reunião plenária da comissão do dia 18 de Julho. Quando o processo se tornar público, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria (n.º 4 do artigo 89.º). Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS, PSD, CDS-PP e a abstenção do PCP e BE. Quando decorrerem os prazos máximos de inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça. No entanto, o juiz de instrução pode determinar, a pedido do MP, que o acesso aos autos seja adiado pelo período máximo 3 meses. Enquanto que a proposta governamental definia que este prazo era improrrogável, a proposta subscrita pelo PS e PSD que foi aprovada prevê que este prazo pode ser prorrogado, por uma só vez, nos casos de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade

altamente

organizada,

por

um

prazo

objectivamente

indispensável à conclusão da investigação (n.º 6 do artigo 89.º do CPP). Esta proposta foi aprovada com os votos a favor do PS e do PSD, e a abstenção do PCP, CDS-PP e BE. O processo de reforma culminou com a publicação da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, no Diário da República, I Série, n.º 166, que procedeu à 15ª alteração ao Código de Processo Penal cuja entrada em vigor foi estabelecida, conforme o artigo 7.º, para 15 de Setembro de 2007. Posteriormente, a Lei foi objecto de duas rectificações, através das Declarações de Rectificação n.º 100-A/2007, de 26 de Novembro, e 105/2007, de 9 de Novembro.

Refira-se, ainda, que o Grupo parlamentar do PCP, em 20.9.2007, deu entrada no Parlamento do Projecto de Lei 404/X/3 pedindo a suspensão da vigência da Lei n.º 48/2007 de 29 referente à aprovação do Código de Processo Penal. Tal proposta foi rejeitada em 18.10.2007. 60

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Em 23.01.2008 o Grupo Parlamentar do PCP deu, igualmente, entrada no Parlamento do projecto de Lei 452/X/3 pretendendo alterar o regime do segredo de justiça para defesa da investigação, alterando o Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 nomeadamente os seus artigos 86.º, 88.º, 89.º e 276.º.Tal projecto ainda não foi apreciado. Recentemente,

Procuradoria-Geral

da

República

fez

chegar

ao

Ministério da Justiça, uma proposta de alteração legislativa ao Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, que, por despacho do Sr. Ministro, de 17 de Janeiro de 2008, será devidamente apreciada com prioridade no âmbito da presente monitorização.

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7. Os pareceres das diferentes instituições Na tabela em anexo são indicadas as entidades que se pronunciaram por escrito5 sobre cada uma das normas alteradas dos códigos penal e de processo penal. Como acima referimos na introdução, a informação que a seguir se enuncia, de forma resumida, pretende conhecer o sentido das posições e propostas das diferentes entidades. Atendo aos objectivos, também acima enunciados, essas posições e propostas serão reapreciadas, ao longo do processo de monitorização, em confronto com as actuais posições das mesmas entidades.

7.1 Conselho Superior da Magistratura O Conselho Superior da Magistratura (CSM), para além das posições que tomou no seio da Unidade de Missão, efectuou três pareceres escritos: um, em 04 de Julho de 2006, dirigido ao Ministro da Justiça, dando conta de uma deliberação do plenário do CSM, tomada em 06 de Junho de 2006, na qual se aprovou, por unanimidade, uma proposta de alteração ao artigo 45.º do Código de Processo Penal. O CSM alertava para o que considerava uma crescente utilização do instrumento de recusa do juiz no âmbito do processo penal, sendo que a maioria desses pedidos era indeferida. O CSM enfatizava os prejuízos em termos de celeridade, podendo ocorrer a perda de eficácia da prova já produzida, se o pedido for apresentado na audiência. Considerava, por isso, o CSM que a agilização do regime da recusa de juiz no processo penal, sem colocar em causa quaisquer direitos ou interesses merecedores de tutela, pode ser um contributo positivo e eficaz para melhorar e credibilizar a administração da Justiça. Propunha, assim, uma alteração “cirúrgica” do regime da recusa de juiz do CPP no sentido de que o seu pedido não acarretasse a suspensão da intervenção do juiz no processo. Ao incidente seria atribuído carácter urgente o que levaria a que a que a decisão fosse proferida com maior rapidez. Os outros dois pareceres foram enviados, em 29 de Janeiro de 2007 e 14 de Março de 2007, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

5

Referimos os documentos a que tivemos acesso. Não foi possível, neste período, verificar junto de todas as entidades se existem ou não outros documentos. Caso tal se venha a verificar, essa informação será complementada no próximo relatório.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Liberdades e Garantias, no seguimento da audição que teve lugar na Assembleia da República perante aquela comissão.

Código Penal Em termos gerais, o CSM considera que a revisão do Código Penal se justificava pela necessidade de adaptação do Código a uma nova realidade social. Contudo, as soluções que constavam da proposta de lei em análise não eram passíveis de se considerarem estruturantes de um novo direito penal. Salientava

apenas

duas

excepções:

as

normas

que

consagram

a

responsabilidade penal das pessoas colectivas e a previsão da possibilidade do cumprimento de penas privativas da liberdade em regime de permanência na habitação. Concluía pelo que podemos designar de alguma tensão na filosofia do novo regime: por um lado, algum endurecimento do sistema penal substantivo, designadamente com a neocriminalização e agravamento da responsabilidade penal de algumas condutas; por outro, a suavização do sistema em determinados aspectos, como o regime da concessão da liberdade condicional em caso de crimes contra pessoas ou de crimes de perigo comum ou a ampliação da medida de pena de prisão passível de suspensão na sua execução. Assim, numa análise geral, o CSM considerou não poder deixar de manifestar um sinal claro de aprovação às propostas de alteração, ainda que pontualmente merecessem alguns reparos ou críticas, que, em síntese, se enunciam:

Parte Geral •

Artigo 2.º, n.º 4 – A possibilidade de aplicação de lei mais favorável posterior ao trânsito em julgado da sentença coaduna-se com o espírito da lei constitucional, nomeadamente com o artigo 29.º, n.º4 da CRP. Todavia, potencia situações de difícil tratamento jurídico, uma vez que afecta a segurança e estabilidade das decisões judiciais. O preceito legal deve clarificar se a aplicação da lei mais favorável só se verifica relativamente a casos em que se determine a cessação da pena, em virtude de parte da pena já cumprida atingir o máximo da pena prevista no regime mais favorável, ou se se estende a todos os casos em que a lei for mais

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

favorável. A publicação de leis penais mais favoráveis poderão conduzir, em certos casos, a períodos de bloqueamento dos tribunais criminais.



Artigo 11.º - Constitui a alteração mais radical da reforma. O conceito de “pessoa que ocupa posição de liderança” é demasiado aberto, podendo suscitar dúvidas em termos operacionais e conduzir à sua inaplicabilidade. A determinação da responsabilidade criminal das pessoas colectivas no crime de burla justifica-se plenamente face à realidade actual. Questiona-se qual a razão de ser da exclusão das entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade, como por exemplo, a BRISA, da responsabilidade criminal.



Art 38.º, n.º 3 – O aumento da idade mínima para a eficácia do consentimento é questionável face ao precoce amadurecimento dos jovens de hoje, sobretudo no que respeita a condutas de cariz sexual, bem como à já anterior previsão da necessidade de existência de discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance daquele consentimento.



Artigo 43.º - Concorda-se com o aumento da pena de prisão que deverá ser substituída por multa ou pena não privativa da liberdade, no entanto, chama-se à atenção para a possibilidade de um incremento das penas curtas de prisão, por força do aumento do quantitativo da pena de multa. Apesar da melhoria introduzida na redacção do n.º 3, combatendo algumas críticas de favorecimento a certas categorias de políticos, defende-se a transformação do poder-dever do juiz aí previsto, numa sua mera faculdade. O n.º 7 suscita dúvidas na sua formulação, podendo originar situações em que, cometido um crime pelo condenado, durante a execução da pena de substituição, revogada esta, a pena de prisão substituída não seria cumprida, se o tempo de execução da pena de substituição consumir o a pena substituída.



Artigo 44.º - Concorda-se com a inovação, defendendo-se mesmo a possibilidade de uma solução mais arrojada, consagrando-se tal medida como verdadeira pena alternativa. Relativamente ao n.º 4, chama-se à atenção para a incongruência do desconto da pena cumprida em regime de permanência, nos casos em que a mesma tenha sido revogada por o condenado ter infringido repetidamente os deveres decorrentes da pena, nomeadamente, ausentando-se da residência.



Artigo 45.º - Rejeita-se o alargamento deste regime, bem como o da semidetenção, por se considerar desadequada a sua amplitude.

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Artigo 47.º, n.º 2 – O aumento do limite mínimo do valor diário da multa poderá conduzir a um aumento das penas de curta duração, que devem ser consideradas como um mal a evitar.



Artigo 50.º a 57.º - A solução destes preceitos é discutível não colhendo identidade de julgamento entre os membros do CSM. É positiva tendo em conta as elevadas molduras penais previstas para muitos crimes contra o património e que conduzem à aplicação de pena de prisão superior a 3 anos, mas em que podem existir razões para a suspensão da sua execução. Já é discutível o facto do período de suspensão ter de ser de duração igual à da pena de prisão declarada suspensa. O facto de não estar fixada a data a partir da qual se conta o período de suspensão pode gerar dificuldades na aplicação do instituto.



Artigo 58.º - A medida é positiva, mas como a prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena substitutiva da de prisão, seria mais acertado manter o sistema actual, com a sua própria moldura. A proposta de alteração é mais rígida, mais limitativa para o juiz e pode conduzir a uma exagerada dimensão da pena substitutiva, extravasando as finalidades da punição.



Artigo 61.º - A solução aqui consagrada, com a eliminação da diferenciação de regimes de liberdade condicional consoante o tipo de crime em causa, que poderá conduzir a um esvaziamento dos estabelecimentos prisionais, poderá não conduzir a um efeito positivo na consciência ético-jurídica da comunidade e das suas expectativas.



Artigo 75.º - Defende-se a necessidade de consagração expressa, no n.º 2, de que o tempo durante o qual o agente cumpriu medida de permanência da habitação não conta para a reincidência.



Artigo 79.º, n.º 2 – Esta solução contraria a doutrina e a jurisprudência que consideram a existência de caso julgado como impeditiva de nova condenação sobre uma conduta não considerada na continuação. Tratando-se da substituição da pena transitada por outra mais grave, podem surgir dúvidas sobre esta solução, embora alguma doutrina e jurisprudência a defendam.



Artigo 80.º - A solução vai ser de difícil tratamento por não ter sido estabelecida qualquer limitação, para além das dificuldades práticas de comunicação entre os processos. A solução deve ser revista.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 90.º-A a 90.º-M – Não faz sentido o estabelecimento da pena de admoestação no elenco das penas aplicáveis a uma pessoa colectiva, dado aquela só se justificar enquanto dirigida ao sujeito da pena, que é a própria pessoa colectiva e não o seu representante legal ou equiparado. No artigo 90.º-G parece faltar a indicação das entidades a que pode o tribunal recorrer para fiscalizar o cumprimento da injunção imposta.



Artigo 116.º, n.º 4 – Este preceito é questionável pois ninguém garante que aos 16 anos o jovem já tenha maturidade para desistir da queixa, quando não a tinha 2 meses antes, bem como é questionável o direito à desistência se o arguido for pai ou mãe do menor.



Artigo 118.º - A excepção relativa à prescrição dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores pode gerar o arrastamento indefinido do processo e fomentar erros judiciários. A prova testemunhal acaba por se perder e se diluir no tempo, não se fazendo justiça. Justifica-se a eliminação da norma, aplicando-se as normas gerais do C.P em matéria de prescrição.

Parte Especial



Artigo 132.º - O n.º 2 incorpora uma alteração significativa. Tutelam-se penalmente situações relativas a relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, a que a lei civil não confere ainda qualquer tutela. É necessário um consenso nesta matéria. O n.º 2, al. f) é elogiável. Quanto á alínea l) dever-se-ia incluir “ os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos” (mediadores).



Artigo 152.º - A sua sistemática é deficiente pois abrange pessoas que não coabitam com o agente do crime. O n.º 2 não tem sentido quando a vitima é o menor que coabita com o agente, pois não há nenhum elemento novo no tipo que justifique a agravação. O n.º 5 é uma boa solução, mas peca por não enunciar os pressupostos da sua aplicação. A aplicação desta medida, face aos meios de controlo existentes, pode gerar um resultado inverso ao pretendido, possibilitando ao agressor aproximar-se da vitima, sem ser detectado.



Artigo 153.º e 155.º - Só se justifica o comentário desta solução com equiparação dos tratamentos da ameaça e da coacção, e com harmonização com outras circunstâncias em que a qualidade da vitima ou as circunstâncias da acção justificam a qualificação do crime.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 160.º a 179.º - As alterações corresponde ao reforço da tutela penal face a certas categorias de pessoas, assegurando-se o cumprimento das obrigações internacionais do Estado Português. É excessiva e criticável a amplitude do crime previsto no artigo 170.º. Parece ter-se ultrapassado o princípio que orienta a intervenção

do

direito

penal

na

sociedade,

sendo

punidas

situações

constrangedoras mas não gravosas (por exemplo, encosto nos autocarros). Quanto ao artigo 174.º suscita-se a dúvida do alargamento da protecção até aos 18 anos e o facto de não se fazer depender este crime de queixa, por comparação com o artigo 173.º.



Artigo 204.º, n.º2 – A manutenção do mínimo da pena em 2 anos de prisão diminui bastante o campo de aplicação da substituição da pena de prisão e é excessiva em comparação com outros tipos de crime, como por exemplo o roubo simples.



Artigo 206.º - A solução é de aplaudir na medida em que permite adequar a reacção do sistema penal aos verdadeiros interesses em presença; estando acautelado o interesse protegido pela norma incriminadora e sendo da vontade do titular desse interesse e do arguido pôr termo ao processo, nada justifica a sua continuação.



Artigo 256.º - Perdeu-se a oportunidade de solucionar uma questão sobre a qual a doutrina e a jurisprudência se contradizem. Entende-se que inexiste um concurso efectivo entre os crimes de falsificação de documento e burla, quando o documento é mero instrumento da burla.



Artigo 260.º - A precisão das pessoas a quem se aplica esta norma deve ser concretizada no texto normativo.



Artigo 273.º - Correspondia à autonomização do tipo de crime de incêndio florestal, cuja autonomização era aplaudida pelo CSM.



Artigo 274.º - Correspondia ao tipo de crime energia nuclear (actual artigo 273.º), cuja redacção era criticada pelo CSM, considerando-a equívoca.



Artigo 279.º - Critica-se a redacção deficiente.

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Artigo 290.º - Parece haver discrepâncias nas penas previstas nos n.ºs 2 e 3 quanto aos respectivos limites mínimos. Não se compreende que no n.º 3 o limite mínimo seja de 2 anos, enquanto que no n.º 2 seja de 1 ano. Deverá corrigir-se esta contradição.



Artigo 291.º, n.º 2 – É de aplaudir este preceito que sanciona as práticas de street racing.



Artigo 296.º - Deveria restringir-se a idade do menor aos 16 anos. Prevendo-se aqui apenas a utilização do menor, teme-se que não se abranja a própria exploração do menor para o exercício da mendicidade, situação que não cabe no tráfico de menores. Deveria ter-se ido mais longe, tal como sugere a proposta apresentada pelo Partido Socialista, punindo-se tal conduta de forma mais grave nos casos em que se explore o menor para mendigar e quando essa prática seja reiterada.

Código de Processo Penal A apreciação das alterações ao Código de Processo Penal, emitidas pelo CSM, que a seguir se enumeram foi enviada, em 16 de Março de 2007, para a Assembleia da Republica. O CSM começa por considerar que o facto de a revisão proposta não pretender colocar em causa o paradigma de processo penal acaba por redundar numa não intervenção ao nível de institutos e princípios que, se intervencionados, poderiam levar a uma verdadeira evolução do processo penal, designadamente no que se refere à utilidade de certas fases processuais, aos poderes do juiz para a recusa da acusação, à estrutura definitivamente acusatória do processo penal, ou ao exercício do contraditório em sede de inquérito para efeitos de utilização posterior da prova produzida nesta fase. Para o CSM, o carácter avulso da reforma, que apelida de “uma verdadeira dispersão reformista”, põe “em perigo um bloco normativo que antes era, intrinsecamente, coerente e lógico”, dando como exemplo a solução prevista no artigo 372.º, n.º 2 e artigo 367.º,n.º s 1 e 2 que tornam incoerente o que antes não oferecia qualquer dúvida.

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Apesar dessa posição de fundo, o CSM considera, no entanto, que merecem aplauso muitas das alterações propostas, designadamente as que põem cobro a dificuldades práticas, as que pretendem eliminar normas cuja interpretação tem sido considerada inconstitucional, as que visam a concretização de compromissos internacionais, as que perseguem objectivos de simplificação processual, de maior celeridade, de menor onerosidade, ou as que visam assegurar um mais justo equilíbrio quando estão em risco direitos fundamentais. Para o CSM, as alterações mais profundas contendem com três importantes áreas: segredo de justiça, escutas telefónicas e prisão preventiva. No que respeita ao segredo de justiça, salienta-se a preocupação em diminuir a amplitude da fase secreta do processo, o que merece concordância, dado que essa alteração vem adaptar o regime legal do segredo de justiça às exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Merece, igual, aplauso a previsão da intervenção do juiz para decidir sobre a publicidade, por despacho irrecorrível, depois de ouvir o ofendido. Chama-se, contudo, a atenção para o facto de se dever acautelar a situação de ausência de ofendido, ou seja, a audição do ofendido deve abranger a pessoa que, com a sua morte, tem legitimidade para constituir assistente. Coloca-se a dúvida do limite do segredo de justiça no caso de o arguido declarar que se opõe à publicidade, que, no entender do CSM, deveria ser o do momento da leitura da decisão instrutória e não a do trânsito em julgado desta. Considera, ainda, positivo o facto de a lei, sem pôr em causa o princípio da “necessidade”, deixar vincado que o direito à informação não é um direito absoluto que não conhece limites. As alterações propostas no artigo 89.º no que respeita ao inquérito merecem a concordância do CSM, desde logo, por considerar que consubstanciam uma solução equilibrada. Já a consequência prevista para a não observância dos prazos de inquérito pelo MP (n.º 6), consideram poder comprometer a evolução de determinados processos de inquérito não concluídos em prazo, ainda que tal seja susceptível de ocorrer em número reduzido de casos, uma vez que a lei inclui a possibilidade de prorrogação do prazo do segredo de justiça. 69

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Relativamente às escutas telefónicas, o CSM considera que as alterações propostas vêm dar resposta a algumas soluções que a prática vem suscitando. As alterações previstas no artigo 187.º, n.º 4, n.º 6 e n.º 7 não suscitam quaisquer reparos, chamando-se apenas a atenção para o desfasamento entre o artigo 187.º, n.º 1 e o artigo 269.º, n.º1, alínea e), considerando-se necessária a sua harmonização. O CSM considera a obrigação de comunicação ao MP, de 15 em 15 dias, bem como a obrigação de o MP dar a conhecer ao JIC o conteúdo dessa comunicação, previstas no artigo 188.º como soluções positivas. Critica-se, contudo, a restrição prevista no n.º 5, não permitindo a coadjuvação do juiz por funcionário judicial, e considera-se duvidoso que o juiz de instrução faça cumprir com rigor as exigências previstas do n.º 6, já que para tal seria necessário efectuar a audição integral de todas as conversas gravadas, o que, em muitos casos, se torna uma tarefa de impossível realização. No que diz respeito à prisão preventiva, o CSM considera que o projecto deixa claro o carácter excepcional desta medida de coacção e, nesta linha, restringe significativamente a sua possibilidade de aplicação. Destaca, desde logo, o artigo 202.º que comporta uma relevante alteração de opção de politica criminal, que não se critica, solução mitigada pelo novo preceito do n.º 2, artigo 203.º. Em matéria de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, concorda com a solução prevista no artigo 213.º, dado que consagra a jurisprudência constitucional que defende não ser supervenientemente inútil a decisão de recurso sobre esta medida de coacção, mesmo que, posteriormente à interposição de recurso, tal medida tenha sido mantida em nova decisão. Ainda no âmbito desta matéria, questiona-se a equiparação que se faz da prisão preventiva à obrigação de permanência na habitação, dado que a restrição aos direitos fundamentais é claramente diferente e mais gravosa na prisão preventiva. No que respeita às alterações propostas para a redução dos prazos da prisão preventiva (artigo 215.º), o CSM defende que tal solução é injustificada e problemática relativamente à fixação de prazo sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado, ainda que a solução acabe por ser algo temperada pelo disposto no n.º 6. Considera-se positiva a solução prevista no 70

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

n.º 4, na medida em que exige que a excepcional complexidade do processo deva ser declarada em 1ª instância. Chama-se, ainda, a atenção do legislador para o facto de estando prevista uma redução dos prazos da prisão preventiva se justificar o estabelecimento de um período transitório, ou uma entrada em vigor desfasada do tempo, de modo a evitar uma generalizada ultrapassagem dos prazos e a libertação abrupta de arguidos. Conclui o CSM esta análise geral fazendo uma referência à questão da indemnização nos casos em que, mesmo não tendo ocorrido nem ilegalidade nem erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que fundaram a aplicação da medida, resulte, todavia, comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou que agiu justificadamente. Para o CSM, a solução devia propender para a abrangência generalizada das situações, ou por ampliação das situações de indemnização a todos os casos de não condenação ou por a exclusão da indemnização, dado que a solução proposta poderá fazer emergir situações de grande injustiça relativa.

Para além destes temas nucleares, em concreto, o CSM pronunciou-se relativamente às seguintes matérias:



Artigo1.º - A introdução do conceito de criminalidade especialmente violenta, bem como as precisões aos demais conceitos é de saudar. Mas, o aperfeiçoamento não foi conseguido quanto ao conceito de criminalidade altamente organizada, que é adulterado ao incluir condutas como as de tráfico de estupefacientes, corrupção, branqueamento, em alguns casos puníveis com penas inferiores a 5 anos de prisão, que podem ser alheias a qualquer realidade criminal organizada e menos ainda altamente organizada.



Artigo 11.º e 12.º - Consideram-se positivas as inovações previstas, na medida em que tornam mais expedita a resolução dos conflitos neles previstos. Propõe-se, contudo, redacções alternativas ao n.º 6 do artigo 11.º, substituindo-se “do respectivo distrito judicial” por “da área de competência da respectiva Relação”, uma vez que num distrito judicial podem existir mais de que um tribunal da Relação. A redacção do artigo 35.º, n.º 1, deve em consequência, também ser aperfeiçoada.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 19.º - O novo n.º 2 trata-se de um perfeccionismo na definição da competência territorial, de duvidoso mérito, face à raridade da sua ocorrência.



Artigo 23.º - Previa-se a possibilidade de o processo ser distribuído a outro juízo ou secção do tribunal em que o magistrado exercesse funções. Essa possibilidade, segundo o CSM, poderia contender com garantias de transparência de funcionamento do sistema e de independência.



Artigo 38.º - Denuncia-se a incoerência sistemática do artigo, defendendo-se a alteração do n.º 3, através da substituição do inciso “tribunal competente” por “órgão competente”.



Artigo 40.º - A alteração prevista, embora reforce as garantias de independência, transparência e imparcialidade do juiz e tutele o direito a um processo justo, implica e acarreta graves dificuldades de gestão de recursos humanos com a necessária substituição de juízes em consequência do aumento dos casos de impedimento. É positivo o facto de a consagração do impedimento resultante da participação em julgamento anterior (alínea c) do artigo 40.º) viabilizar a inovação do 426.º-A. Mas, a sua formulação ampla pode gerar situações duvidosas em casos de separação de processos ou de anulações parciais de julgamentos.



Artigo 45.º - As alterações previstas são úteis e pertinentes, pois salvaguarda-se expressamente a continuidade da audiência. Também se introduzem factores de celeridade com o estabelecimento do prazo curto para a decisão do incidente e com a afirmação da irrecorribilidade da decisão.



Artigo 58.º - A exigência de uma suspeita fundada da prática do crime e a intervenção da autoridade judiciária para a validação da constituição de arguido tem-se por justificada. Mas, adverte-se para os seus custos, podendo tornar-se, em alguns casos, factor de perturbação do inquérito, com prejuízo da celeridade da própria investigação, uma vez que implica que os órgãos de polícia criminal remetam ao MP todo o processo.



Artigo 61.º - Justifica-se a consagração do direito do arguido ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade, face a procedimentos diferentes que possam ocorrer num concreto processo judicial.



Artigo 64.º - A solução é coerente com a provável inutilidade total do resultado desse acto em sede de julgamento. Todavia, outra solução, noutro modelo de contraditório,

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

poderia tornar aproveitáveis esses actos. O novo n.º 4 não serve quaisquer finalidades do processo penal, apenas encoraja à opção por advogado constituído.



Artigo 92.º - Aceita-se a norma constante do n.º 3 que visa a protecção e a realização dos direitos de defesa do arguido, mas de pouca utilidade prática e com custos desnecessários.



Artigo 103.º - A redacção do n.º 3 é equívoca, necessitando de clarificação. O n.º 4 é uma norma absurda e de difícil compreensão, confundindo actos de gestão processual com tutela de direitos e que pode ter efeitos contrários àqueles que aparentemente visa alcançar, redundando em limitação dos próprios direitos dos arguidos, caso o interrogatório não venha a ser concluído no referido timing. Não é razoável impor limites aos interrogatórios que variam consoante a complexidade do caso.



Artigo 132.º - Rejeita-se a possibilidade de a testemunha se poder acompanhar por advogado. Já a exigência do n.º 2 do artigo 133.º se saúda como positiva. A diferença estabelecida no artigo 135.º entre segredo profissional e religioso é bem aceite.



Artigo 141.º - O n.º 1 é visto como garante da defesa dos direitos do arguido. Mas, analisado em confronto com o previsto no artigo 194.º, verifica-se que se consagram regimes que não são inteiramente coincidentes: no primeiro interrogatório judicial, o juiz só pode omitir a comunicação dos indícios existentes no processo quando tal puser em causa a investigação; enquanto no despacho de aplicação da medida de coacção só fica dispensado de enunciar esses indícios quando isso puser gravemente em causa a investigação. Importa clarificar esta situação através de uma uniformização de soluções.



Artigo 147.º - As alterações são relevantes quanto à prova por reconhecimento de pessoas. O n.º 4 é de saudar pois pode contribuir para que em julgamento o tribunal aprecie melhor a relevância desse meio de prova, quando esta for posta em causa pela defesa. Defende-se a exclusão da solução de renovar, presencialmente, um reconhecimento fotográfico, bem como a eliminação o segmento final do n.º 7 “ seja qual for a fase do processo em que ocorrer”, permitindo o reconhecimento em audiência, enquanto prova testemunhal.



Artigo 154.º - Concorda-se com a nova regra contida no n.º 2.



Artigo 159.º, 160.º e 160.º- A – Concorda-se com a possibilidade de intervenção de entidades terceiras, que não o IML, uma vez que permite operacionalizar, agilizar e tornar mais expedita a produção dos meios de prova.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 174.º - Concorda-se com a fixação de um prazo máximo de 30 dias para a validade do despacho que autoriza ou ordena revista ou busca, inviabilizando, assim, práticas desadequadas, tais como a emissão de mandados sem prazo.



Artigo 177.º - A possibilidade de realização de buscas, em determinadas circunstâncias, entre as 21 e as 7 horas, não deixa de colocar questões de proporcionalidade em consequência das alterações ao conceito de criminalidade altamente organizada. Crimes de corrupção ou de tráfico de influência passarão a ser passíveis

de

sujeição

a

busca

nocturna,

o

que

parece

desnecessário

e

desproporcionado.



Artigo 185.º e 186.º - O regime proposto resolve alguns problemas de inoperacionalidade que se verificavam na prática judiciária.



Artigo 194.º - Entende-se que o JIC deve poder aplicar a medida de coacção legalmente oportuna e tida por adequada, independentemente da proposta pelo MP, já que a pode sustentar em interesses que transcendem os fins da investigação. Concorda-se que num processo penal subordinado ao princípio do acusatório, o JIC não possa recorrer a factos diferentes daqueles que são oferecidos pelo MP para fundar a aplicação da medida de coacção. Mas a valoração jurídico-penal desses factos deveria caber ao JIC, não devendo estar condicionada pela apreciação do acusador.



Artigo 200.º - Considera-se que o preceito não contém qualquer contradição na sua formulação.



Artigo 246.º - Os novos n.ºs 5, 6 e 7 evitam que toda e qualquer denúncia sob anonimato dê origem a um inquérito. É uma norma de utilidade inequívoca na prática judiciária, pois o MP, perante denúncias anónimas de crimes, mesmo sem suporte factual ou de credibilidade, não estava dispensado de abrir inquérito, sabendo à partida da sua total falta de justificação.



Artigo 257.º - Considera-se dispensável o aditamento ao n.º1, dado que estabelece uma solução que resulta evidente de um direito penal de intervenção mínima. Esta norma não está devidamente articulada com o disposto no 141.º e no 254.º, n.º 1, alínea a), dado que estes dois últimos preceitos continuam a ter como pressuposto para a realização do interrogatório do arguido por um juiz, encontrar-se este detido.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 271.º - Considera-se importante a obrigatoriedade de presença do MP e do defensor do arguido na prestação de declarações para memória futura. A obrigatoriedade

justifica,

ainda,

que

no

n.º

6

se

considere

também

correspondentemente aplicável o disposto no artigo 330.º, n.º 1, de modo a assegurar a substituição daqueles em caso de falta.



Artigo 281.º - Concorda-se com a possibilidade de suspensão provisória do processo nos casos de violência doméstica, sendo a intervenção da vítima decisiva, bem como nos casos de menores vítimas de crimes contra a liberdade ou autodeterminação sexual, a necessidade de ponderação do próprio interesse do menor. Entre as injunções e regras de conduta que podem ser impostas ao arguido, entende-se como razoável a de “não residir em certos lugares ou regiões” por a sua permanência neles poder facilitar a prática de novos crimes, mas já não se entende a inclusão de “residir em determinado lugar” (n.º 2, d)), dada a sua impraticabilidade na maioria dos casos.



Artigo 285.º - A faculdade de o Ministério Público determinar o arquivamento do processo em relação a crimes particulares quando não houvesse indícios suficientes mereceu a concordância do CSM, afirmando ser tal solução coerente com o papel do MP no inquérito.



Artigo 286.º - Aceita-se a exclusão da realização da instrução em qualquer processo que siga a forma especial.



Artigo 289.º - A solução faculta a participação dos sujeitos processuais nas diligências instrutórias, proporcionando um conteúdo mais útil a uma fase que, pela sua natureza, é contraditória.



Artigo 303.º - Os n.ºs 3 e 4 contêm soluções de particular relevância, depois repetidas, para a fase do julgamento, no artigo 359.º. Consagra-se por esta via processual uma solução de caso julgado para outros factos criminosos que, não tendo sido conhecidos em inquérito, são recondutíveis a uma mesma realidade.



Artigo 310.º - A norma reforça a natureza intercalar desta fase processual, nos casos de pronúncia, como uma fase de pura transposição das questões para julgamento.



Artigo 328.º - Concorda-se com a alteração proposta para o n.º 4, que veio eliminar o segmento normativo, segundo o qual seria necessário, em casos de reinicio da audiência, após interrupção há mais de 8 dias, que o tribunal decidisse, de imediato, se deveriam ser repetidos alguns actos.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 372.º - Propõe-se a alteração do n.º 2, que elimina a referência ao voto de vencido unicamente em matéria de direito, abrindo a porta para a consagração de um voto de vencido em matéria de facto. O art 367.º mantém-se inalterado fazendo surgir uma incompatibilidade entre os preceitos em análise. Também se afigura criticável a pretendida inovação, pois confere a possibilidade de voto de vencido em matéria de facto aos juízes, mas não a contempla para os jurados. Também fragiliza o acórdão, ao permitir a explicitação das questões de facto que não mereceram apreciação unânime. Considera-se, ainda, susceptível de afectar a segurança dos próprios juízes, permitindo perceber quais os mais ou menos responsáveis pela decisão.



Artigo 371.º-A – (Aditado) Defende-se a necessidade de esclarecer se a competência para

a

reapreciação

cabe

ao

tribunal

da

condenação

e

se

assim

o

é

independentemente da sua composição.



Artigo 381.º - É apontado como muito positivo o alargamento da aplicabilidade do processo sumário.



Artigo 389.º - Concorda-se com a proposta.



Artigo 391.º-A e segs. – Concorda-se com a ampliação desta forma de processo. O novo n.º2 não tem utilidade. Seria dispensável face ao n.º 3, que diz ser correspondentemente aplicável o disposto no artigo 16.º/3.



Artigo 400.º - O n.º 3 da proposta consagra solução contrária à fixada pelo Assento 1/2002, que estabeleceu que não cabe recurso final para a Relação, relativo à indemnização cível, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.



Artigo 411.º - Consideram-se demasiado dilatados os prazos previstos para a interposição do recurso, bem como para a resposta dos restantes sujeitos processuais. Considera-se positiva a não obrigatoriedade de realização de audiência, mas defendese que se podia ter ido mais longe, limitando a audiência aos casos em que houvesse lugar à renovação da prova. Não se vê razão para que o requerimento de interposição de recurso ou a motivação não sejam apenas notificados aos sujeitos processuais afectados pelo recurso depois deste ser admitido, até porque o recurso pode não ser admitido e se o não for, a notificação efectuada tornou-se inútil.



Artigo 412.º - A audição ou visualização das passagens indicadas e outras consideradas relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.º 6) não se fará na audiência, visto essa diligência processual não estar prevista no artigo 423.º.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 414.º - O n.º 7 tem a vantagem de tornar claro que o reexame dos pressupostos da prisão preventiva não é feito no tribunal de recurso.



Artigo 416.º - Argumenta-se a falta de fundamentação para a solução proposta de limitação da intervenção do MP em sede de recurso.



Artigo 419.º - Apesar de se prever no n.º 3, alínea a), que o recurso é julgado em conferência quando tenha sido apresentada reclamação da decisão sumária prevista no n.º 6 do artigo 417.º, o CSM defende que não será necessariamente assim.



Artigo 424.º - A norma proposta para o n.º 3, na parte em que se refere à alteração da qualificação jurídica, é de grande utilidade, pois são frequentes os casos em que o tribunal de recurso discorda da qualificação operada na decisão recorrida



Artigo 428.º - Não se vê razão para eliminar a possibilidade de renúncia ao recurso em matéria de facto nos casos de julgamento perante o tribunal singular. Há necessidade de salvaguardar, no artigo 428.º, que a falta de pedido de documentação da prova em processo sumário vale como renúncia ao recurso em matéria de facto.



Artigo 446.º - Não se vê razão para que este recurso não tenha o mesmo tratamento dos recursos ordinários, salvo a obrigatoriedade para o MP de o interpor.

7.2. Procuradoria-Geral da República Também a Procuradoria-Geral da República emitiu parecer sobre a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Código Penal Relativamente à revisão do Código Penal, a Procuradoria-Geral da República elaborou dois documentos de maior relevo: um intitulado Proposta de Lei de revisão do Código Penal, aprovada em Conselho de Ministros – Comentários do Gabinete; e um outro remetido à Assembleia da República, relativa à Proposta de Lei de revisão do Código Penal, entrada na Assembleia da República em 12 de Outubro de 2006. No

primeiro

documento

identificado,

que

se

pode

subdividir

genericamente em quatro secções: uma relativa às disposições gerais; uma

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

relativa à responsabilidade penal das pessoas colectivas; outra relativa às consequências jurídicas do facto; e, por último, uma referente à parte especial do Código Penal. O segundo, mais condensado, segue uma divisão idêntica. Neste relatório daremos conta, apenas, deste último. Muito sinteticamente, neste segundo documento, a PGR faz os seguintes comentários:



Artigo 2.º, n.º 4 – Esta alteração vai de encontro àquilo que parte da doutrina vinha defendendo relativamente a um aumento do alcance do princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido. Todavia, a proposta não mantém, de forma explícita, a ressalva dos efeitos produzidos pelo trânsito em julgado. Assim, seria conveniente, para evitar futuras discussões, que esta redacção fosse clarificada neste sentido. Esta proposta de alteração, em termos substanciais, não se enquadra no princípio da aplicabilidade em bloco do regime mais favorável, o que poderá vir a provocar dúvidas de interpretação e de aplicação. Outra questão suscitada por esta nova redacção prende-se com o inciso “os seus efeitos penais” que pode ser tomado numa acepção que não reflecte o pretendido no âmbito da proposta, isto é, poderá vir a considerar-se a cessação de todos e quaisquer efeitos de índole penal que tenham sido produzidos pela condenação em execução, incluindo as menções inscritas no registo criminal, quando a intenção do legislador era apenas referir-se ao quantum da pena aplicada. Pelo que, também aqui conviria alterar a redacção desta proposta de alteração de modo a evitar possíveis interpretações indesejáveis.



Artigo 5.º, n.º 1 – As alterações propostas para este dispositivo são algo extensas e de intencionalidade político-criminal diversificada, sendo que a inovação que mais críticas merece consta da nova alínea g), do n.º 1. Esta inovação teve por base a projectada revisão da responsabilização criminal das pessoas colectivas e estaria aqui aparentemente em causa o princípio da personalidade activa. Este princípio justificarse-ia no caso das pessoas colectivas dada a inviabilidade da sua extradição. Mas, apesar de, à primeira vista, esta inovação parecer lógica, poderá questionar-se até que ponto se justificará a ilimitada extensão da responsabilização extraterritorial das pessoas colectivas face àquilo que é previsto para as pessoas singulares nos mesmos casos, sendo criado, desta forma, uma manifesta desigualdade material entre estas duas categorias de pessoas. Assim, seria aconselhável que fosse expressamente previsto que a lei penal portuguesa apenas se aplicasse extraterritorialmente aos crimes praticados por pessoas colectivas, nas mesmas circunstâncias em que seria aplicável a pessoas singulares, com as necessárias adaptações. No que respeita ao aos crimes cometidos contra pessoa colectiva (outro segmento da alínea g)), as críticas são ainda mais prementes, desde logo porque a justificação para a consagração

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irrestrita deste princípio quanto às pessoas colectivas não tem por base os instrumentos de direito internacional. A aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa aos crimes cometidos contra pessoas colectivas não deveria ir além daquilo que é previsto para os casos em que as vítimas dos crimes sejam pessoas singulares, sob pena de se estar a violar o princípio da igualdade. Note-se que, nestes casos, as pessoas colectivas já gozam de protecção penal pela aplicação das várias alíneas do n.º 1, pelo que dever-se-á ponderar a eliminação do segmento que, na nova alínea g), se refere aos crimes cometidos contra pessoas colectivas.



Artigo 11.º - Questiona-se a não inclusão no elenco da proposta de Lei, por exemplo do crime de burla, p.p. pelo artigo 271.º, do CP, quando a prática judiciária tem demonstrado existirem inúmeros casos de empresas que se dedicam a este tipo de infracção, ou no âmbito do qual os seus agentes os praticam, bem como de tipos de ilícitos criminais de natureza patrimonial ou com repercussão ou cariz económico de que resultem benefícios para a pessoa colectiva. Consagra-se uma responsabilidade demasiado ampla ao não se exigir que a responsabilização dependa da circunstância de a infracção ter sido praticada no interesse da pessoa colectiva. Dever-se-ia proceder

à

alteração

da

redacção

de

forma

a

tornar

inequívoco

que

a

responsabilização prevista na alínea b) dependa da circunstância da infracção ter sido praticada no interesse da pessoa colectiva. Critica-se a exclusão da responsabilização das pessoas colectivas de direito público e as entidades concessionárias de serviços públicos, questionando-se a sua conformidade com o princípio da igualdade. É imprescindível que se crie um registo criminal das pessoas colectivas, para se aferir da reiteração da prática dos crimes previstos no n.º 2, do artigo 11.º, que é um dos pressupostos de aplicação da pena de dissolução.



Artigo 43.º - As alterações previstas para este artigo vão muito além da regra da substituição por multa ou por outra medida, o que, até à data, era o escopo deste normativo. Trata-se agora de uma espécie de híbrido entre um caso de suspensão da execução da pena de prisão e a aplicação de algo similar a uma pena acessória. Poder-se-á dizer que o regime proposto é útil, na medida em que permite a aplicação, em casos de pena de prisão inferior a 3 anos, duma medida equivalente a uma pena acessória de proibição de exercício de funções. O que não se compreende é o alcance da regra contida no n.º 7, que apenas faria sentido em casos de verdadeira substituição da pena de pisão por uma outra pena, de equivalente relevo e danosidade. A aplicação do desconto aí previsto pode vir a conduzir a situações de desigualdade entre alguém a quem seja aplicado este novo regime e alguém que, não tendo cometido o crime “em exercício de profissão, função ou actividade pública ou privada”, visse a pena de prisão que lhe foi aplicada, em idêntica medida, ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º e seguintes deste Código. Não se vislumbrando

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

qual a razão para esta diferença de regime, conclui-se pela incoerência da solução proposta, afigurando-se mais consentâneo com o sistema punitivo global e com os objectivos que terão estado na origem desta revisão legislativa que seja afastada a aplicabilidade do n.º 7 deste artigo.



Artigo 52.º - As críticas às alterações propostas para este normativo restringem-se ao sentido e utilidade da expressão “complementarmente” que passou a constar do n.º 2. Embora se compreenda a intenção ressocializadora da nova previsão do n.º 1, não será de excluir que, em certos casos, seja realmente útil ou necessária a imposição de quaisquer regras de conteúdo positivo. Mas também não será de excluir que possa revelar-se útil, em casos em que não se justifique a aplicação de regras de conteúdo positivo, a imposição de regras de conduta de carácter puramente negativo.



Artigo 61.º - No que respeita a este normativo, as críticas prendem-se com os efeitos decorrentes da revogação do n.º 4, que vem tornar idêntico o regime da concessão da liberdade condicional quanto a quaisquer crimes, seja qual for a respectiva gravidade, atendendo, especialmente, a questões relacionadas com a prevenção geral. Critica-se ainda a inexistência de diferenciação, consoante os tipos de crime, do regime relativo à libertação aos dois terços da pena.



Artigo 62.º - Esta solução suscita dúvidas em termos de eficácia ressocializadora .



Artigo 127.º, n.º 2 – Relativamente à extinção das pessoas colectivas, aponta-se a possibilidade de diferentes interpretações no que se refere às multas e indemnizações porque o património daquelas responderá, atenta a amplitude da expressão “for condenada”.



Artigo 152.º - Critica-se a inclusão da expressão “castigos corporais”, como uma especificação do que sejam maus tratos físicos ou psíquicos. Coloca-se a questão de saber se a intenção do legislador é a de punir também os castigos corporais que, na nossa cultura, têm sido considerados adequados num contexto educativo/correctivo.



Artigo 160.º - O aproveitamento de “qualquer situação de vulnerabilidade da vítima” parece uma cláusula demasiado aberta. Deveria adoptar-se a expressão usada nos instrumentos normativos internacionais que se atenha à vulnerabilidade da vítima, mas que exija que o agente a coloque numa situação tal que não tenha alternativa que não seja a de se submeter à prática do crime ou, em alternativa, apenas situações de especial vulnerabilidade deviam ser consideradas relevantes. Importaria prever uma qualificação deste crime nos casos em que da prática do mesmo resultar ofensa à

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integridade física grave para a vítima ou perigo para a vida ou mesmo a morte da vítima. Entende-se ser diferente o tráfico de pessoas para a prostituição ou para a exploração do trabalho e o tráfico com vista a que lhes seja extraído órgãos. A punição desta última conduta deve espelhar essa diferença, punindo-se mais gravemente o agente. Chama-se a atenção para o facto de existir um vazio legislativo sobre a punição autónoma do tráfico/comercialização de órgãos colhidos em vida.



Artigo 169.º - Critica-se a amplitude da expressão “qualquer situação de vulnerabilidade”, defendendo-se que apenas as situações de especial vulnerabilidade deviam ser consideradas relevantes.



Artigo 175.º - Critica-se a amplitude da expressão “qualquer situação de vulnerabilidade”, defendendo-se que apenas as situações de especial vulnerabilidade deviam ser consideradas relevantes.



Artigo 206.º - Critica-se a possibilidade de extinção criminal introduzido pelo novo n.º 1. Está-se perante a implementação de uma justiça restaurativa fundada ou pensada em termos estritamente civilistas, de indemnização exclusivamente patrimonial, que põe em causa o princípio da igualdade dos cidadãos. Alerta-se para a incongruência da previsão e/ou exclusão de tal extinção relativamente a determinados tipos de crime. Ainda face ao 206.º, n.º 1, o legislador restringiu o âmbito de aplicação da extinção da responsabilidade criminal, por via da reparação integral ou restituição da coisa ilegitimamente apropriada, aos crimes de furto qualificado, abuso de confiança qualificado, dano qualificado e burla qualificada. Deixou de fora a aplicação aos regimes dos crimes base – de natureza semi-pública.



Artigo 218.º - Não se percebe se existe um mero esquecimento em conformar a redacção do n.º 4 às alterações do n.º 2, para o qual remete, ou se a não previsão da possibilidade de extinção da responsabilidade criminal às situações constantes da alínea d) do n.º 2 têm algum fundamento.



Artigo 240.º - Face ao n.º 2, não resulta claro o âmbito da incriminação quando os actos são praticados através de “sistema informático”, podendo a expressão “ou através…de meio informático”, por si só, sem intervenção de qualquer elemento que permita apreender a ideia de difusão, convocar a ideia de que estão abrangidos na incriminação sistemas informáticos individuais, apenas destinados a uso privado, para armazenamento de informação, sem qualquer objectivo de divulgação, difusão ou propagação. Defende-se a alteração da redacção daquele preceito de modo a clarificar a exigência de difusão, divulgação e propagação.

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Artigo 256.º - Verifica-se a falta de homogeneidade na utilização, no mesmo preceito, de expressões gramaticais diversas para designar a mesma conduta ou efeito da mesma conduta (contrafacção vs fabrico). Na alínea c) fica de fora o acto de elaborar, embora tipificado na alínea a), se entendermos “elaborar” no sentido de se prever expressamente a falsidade ideológica ou intelectual, não se percebe a razão pela qual esta modalidade de conduta não foi integrada na alínea c). A não delimitação, como conduta típica, do uso de documento falsificado ou contrafeito, aos documentos falsificados ou fabricados por outra pessoa, pode gerar divergências interpretativas, nomeadamente no que respeita ao regime do concurso, que importaria acautelar para a melhor e mais célere aplicação do direito e da justiça.



Artigo 271.º - Alarga-se o âmbito de aplicação da punição aos actos preparatórios do crime de falsificação ou contrafacção de documentos, o que não se afigura isento de dúvidas, sendo, no mínimo, potenciador de problemas interpretativos não desejáveis. Coloca-se a questão de eventual violação do princípio ne bis in idem. Sendo o crime do artigo 256.º, um crime de perigo abstracto, em que se verifica uma antecipação da tutela dos bens jurídicos, a punição dos seus actos preparatórios resulta numa dupla antecipação dessa tutela.



Artigo 291.º - Justificar-se-ia uma diferenciação na moldura penal abstracta entre as previsões do n.º 1 e 2, do artigo 291.º.



Artigo 347.º - A autonomização poder-se-ia aceitar face ao aumento de situações como as previstas no n.º 2, numa perspectiva de politica criminal, se a censura penal, por via da pena abstracta, fosse superior, o que não é o caso. Justifica-se a ponderação da alteração da moldura penal do n.º 2.



Artigo 371.º - O documento realça a alteração introduzida neste artigo entre a Proposta de Lei aprovada em Conselho de Ministros e a submetida à Assembleia da República, que atribui à celebração do Acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça, celebrado entre o PS e PSD.

Código de Processo Penal Em 19 de Dezembro de 2005, o Procurador-Geral da República enviou ao Ministro da Justiça, a Informação n.º GI050135 – Providências legislativas relacionadas com o segredo de justiça, de 23 de Dezembro de 2005, considerando, entre outros, que no que respeita à eventual formulação da proposta de alteração legislativa no domínio do segredo da justiça, considerava

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desnecessária, “no actual contexto dos trabalhos de revisão do sistema penal”, o uso da prerrogativa consagrada no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto do Ministério Público, considerando-se adequado que o contributo do MP viesse a ocorrer no âmbito e por referência aos trabalhos revisórios e não autonomamente. Assim, no âmbito de tais trabalhos, a PGR produziu um documento, cujas principais ideias a seguir se enunciam, que visava comentar as alterações propostas pelo Governo (proposta de lei n.º109/X/2, aprovada em Conselho de Ministros de 16 de Novembro), sendo feita referências às alterações decorrentes do projecto do PSD (projecto de lei n.º 237/X/1). Também relativamente a este documento, o mesmo poderá ser dividido em cinco partes: uma que analisa os arts. 1.º a 123.º; uma segunda relativa aos meios de obtenção da prova; uma terceira que se debruça sobre as fases da instrução e do julgamento, bem como sob as formas de processo especial; um quarto que analisa os arts. 191.º a 285.º; e, por último, uma parte relativa aos recursos e execuções. São os seguintes os principais comentários: •

Artigo 1.º - Os conceitos introduzidos de criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente organizada não oferecem dificuldades e a sua introdução cria um elemento de certeza na aplicação da lei.



Artigo 11.º, n.º 2, alínea b) – O fim visado por esta norma deveria ser clarificado pela repartição em duas divisões distintas: uma visando a intercepção e gravação das conversações/comunicações em que os visados sejam os referidos representantes do Estado; e outra dispondo sobre as conversações/comunicações em que os mesmos intervenham, ainda que não sejam os visados. A expressão “intervenham” suscita dúvidas sobre a violação do princípio do juiz natural.



Artigo 17.º - A alteração dá resposta expressa à questão da competência do juiz de instrução depois do encerramento do inquérito com dedução de acusação e antes da remessa dos autos a julgamento, resolvendo algumas questões, por vezes suscitadas, sobre a competência para a prática de actos nesta fase.



Artigo 36.º, n.º 2 – Esta opção parece não contender com a Jurisprudência do Tribunal Constitucional. Importaria consagrar a obrigação de a parte que suscita o conflito prestar informação nos autos, ou de notificação do acto aos sujeitos processuais, no caso do conflito ser suscitado oficiosamente pelo tribunal, de forma a evitar que o

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mesmo conflito possa ser suscitado simultaneamente pelo tribunal e por quaisquer dos sujeitos processuais.



Artigo 40.º - O alargamento dos motivos de impedimento contribuem para reforçar o princípio do acusatório, evitando que o juiz de julgamento tenha oportunidade de elaborar qualquer juízo prévio sobre os factos e culpabilidade do arguido. Mas este alargamento também criará dificuldades acrescidas na formação de colectivos, quer em sede de julgamento quer de recurso ou revisão.



Artigo 45.º - A extensão do n.º 2, relativa à competência do juiz, merece total concordância por razões de economia processual.



Artigo 58.º - A alínea a), do n.º 1, é uma solução equilibrada. Já o número 2 afigura-se uma norma perturbadora do processamento normal da investigação, ao remeter para o MP os autos, sempre que se proceda a uma constituição de arguido, com a consequente perda de tempo e atrasos na investigação. No n.º 5 introduz-se uma alteração relevante cuja razão de ser não se descortina.



Artigo 61.º - Esta norma não acrescenta nada de novo ao que já resultava do disposto na actual alínea c) e do artigo 14.º, n.º 4, mas o direito do arguido resulta clarificado nesta norma.



Artigo 70.º – A lei é mais clarificadora.



Artigo 86.º - A proposta parece centrar-se na consideração do segredo de justiça como estando direccionado predominantemente à protecção dos interesses do arguido e na perspectiva única da pequena criminalidade. Logo, a Proposta não pondera que é na investigação da criminalidade mais grave que não é possível, muitas vezes, encerrar o inquérito nos prazos legais. Também não pondera que as razões do não cumprimento dos prazos de inquérito dependem fundamentalmente das infra-estruturas afectas à realização da justiça penal, não dependendo do MP o cumprimento daqueles prazos. Quanto à cooperação judiciária internacional, este regime pode conduzir a uma recusa expressa ou velada de cooperação internacional por parte dos demais países. Esta solução contribui para a criação de mais um ponto de bloqueio no desenvolvimento da investigação, sem que tal seja justificado pela necessidade de maior protecção de direitos ou garantias prevalentes. Também pode atentar contra a eficácia na investigação. Não se compreende o n.º 4, pois, a irrecorribilidade investe o juiz em poderes discricionários na apreciação do caso, de que pode resultar frustrada a

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investigação e gorada a pretensão punitiva do Estado. Parece, assim, contender com o princípio consagrado no artigo 20.º, n.º1 da CRP. O n.º 11 é esclarecedor.



Artigo 89.º - Quanto ao n.º 4, ao introduzir a possibilidade de o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável requererem a “confiança” de autos ainda em investigação está a perder-se de vista a ponderação dos interesses em jogo. A “confiança” de um processo penal em fase de investigação é muito mais ampla e muito menos segura do que a confiança de um processo civil. Assim, para além da perturbação da investigação, pela infinidade de pedidos de confiança que podem surgir e consequente interrupção da investigação, o risco de tal solução é de tal forma evidente que só pode ter-se como absurda e atentatória da investigação e do interesse punitivo do Estado. Também não há um mecanismo eficaz que impeça os arguidos de irem requerendo periodicamente a consulta dos autos, prevendo-se que esta solução venha a revelar-se mais um ponto de bloqueio na celeridade e eficácia desejada.



Artigo 91.º - Aplaude-se a alteração do n.º 3, agilizando o formalismo legal inerente à nomeação de peritos no inquérito.



Artigo 92.º - Esta medida afectará os encargos financeiros a suportar pelo Estado com o processo. A proibição do n.º 5 apenas pode reportar-se a eventual prova obtida com violação do segredo de justiça por parte do intérprete. Não se vê qualquer efeito útil na remissão para o n.º 3.



Artigo 103.º - A inclusão no n.º 2 dos processos abreviados conjuga-se com o novo regime de tramitação estabelecido para esta forma de processo especial. Todo este regime tem um efeito perverso: os tribunais são chamados a conferir prioridade aos processos relacionados com a pequena criminalidade, esperando-se que o efeito da mediação penal neste tipo de crimes seja positivo e afaste dos tribunais e deste regime uma parte significativa do que é aí enquadrável.



Artigo 120.º - A alteração da alínea d), clarifica o conceito de “insuficiência do inquérito ou da instrução”, definindo-o pela omissão da prática de actos legalmente obrigatórios. Esta definição introduz clareza e segurança na aplicação da lei sendo positiva.



Artigo 131.º - A alteração proposta dos 16 para os 18 anos parece pouco compatível com o critério usado para fixar a maioridade penal, já que nos termos do artigo 19.º do Código Penal, “os menores de 16 anos são inimputáveis”. Atendendo ao disposto no artigo 91 do CPP, parece estarmos perante um abuso de lei e a introduzir no sistema uma desarmonia incompreensível.

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Artigo 132.º - Quanto ao n.º 3, existe uma incongruência com o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho e correspondente artigo 7.º do DL n.º 190/2003, de 22 de Agosto. Quanto aos n.ºs 4 e 5 não deixa de ser uma opção que assenta os seus fundamentos numa ideia, que julgamos perversa, segundo a qual, na relação entre o Estado e o cidadão, cabe ao estado atacar e ao cidadão defenderse.



Artigo 133.º - Quanto ao aditamento da alínea d) ao n.º 1, a formulação usada parece algo redundante e até um pouco capciosa. É que sempre se poderá interpretar esta formulação no sentido de ser admitido como testemunha um perito, na qualidade de perito, que não tenha realizado, no processo, uma perícia. Quanto à alteração que se pretende introduzir no n.º 2, entendemos, como o Tribunal Constitucional, que “a proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilegio contra a auto incriminação”. Sugere-se que o n.º 2 mantenha a redacção vigente.



Artigo 134.º - Nada a opor à alteração proposta para alínea b) do n.º 1, mas anota-se o desfasamento verificado entre a epígrafe e a norma epigrafada.



Artigo 147.º - Quanto à proposta para o n.º 5, cremos ser de boa técnica legislativa evitar, pelo menos na economia de cada preceito legal, a repetição de regimes. Ao fazer-se remissão apenas para o n.º 2, parece pretender impedir-se a aplicação, também, do n.º 3. Quanto à redacção do n.º 3 o acrescento revela-se absolutamente redundante e desnecessário.



Artigo 148.º - A alteração proposta é indispensável.



Artigo 154.º - Ao estabelecer-se que “quando se tratar de perícia sobre características…psíquicas…”, parece recomendável esclarecer se esta perícia é uma perícia psiquiátrica (artigo 159.º). E não o sendo, o que deve entender-se por “ perícia sobre características psíquicas”.



Artigo 156.º - Sugere-se a supressão do n.º 5. Quanto ao n.º 6, nesta norma acaba-se por conferir tratamento idêntico a questões muito diferenciadas. Cremos que só será possível permitir a destruição das “amostras” logo que, efectuado o exame, elas se tornem desnecessárias.



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Artigo 157.º - Não há nada a objectar a esta norma.

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Artigo 159.º - A introdução da expressão “…que se insiram nas atribuições do Instituto…” coloca a dúvida sobre quem realiza os exames e as perícias que não se insiram nas atribuições deste instituto. Sugere-se a supressão dos n.ºs 2 a 5 e que a redacção do n.º 1 seja a seguinte: “Os exames e as perícias médico-legais são realizadas, nos termos da lei, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal”.



Artigo 160.º - Propõe-se a alteração do n.º 2, de forma a compatibiliza-lo com o artigo 24.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto. Sugere-se a seguinte redacção: “A perícia deve ser deferida, nos termos da lei, ao Instituto Nacional de Medicina Legal, que a poderá deferir a serviços especializados do Serviço Nacional de Saúde, ou, quando isso não for possível ou conveniente, aos serviços de reinserção social ou a especialistas em criminologia, em psicologia, em sociologia ou em psiquiatria”.



Artigo 172.º - Quanto à remissão para o n.º 2 do artigo 154.º, há uma desconformidade que passa a existir entre o n.º 1 e o n.º 2 deste artigo.



Artigo 177.º - Existe uma patente desarticulação neste preceito, a reclamar uma reformulação cuidada, que abranja as buscas domiciliárias diurnas e nocturnas, estabelecendo um regime inequívoco compatível com a CRP (artigo 34.º, n.ºs 2 e 3).



Artigo 185.º - A equiparação entre as coisas sem valor e as coisas perecíveis, perigosas ou deterioráveis é precipitada, não se podendo esquecer que aquelas, apesar de destituídas de valor económico ou funcional, podem ter valor para os seus proprietários.



Artigo 186.º - Compreende-se com dificuldade a fixação de duas etapas temporais para a restituição dos objectos, sendo que o ónus que recai sobre o proprietário a partir do fim da primeira etapa é de fundamento duvidoso e incerto.



Artigo 187.º - O catálogo de crimes aqui apresentado parece-nos conter algum desequilíbrio. Circunscrever as escutas telefónicas ao momento processual do inquérito é arriscado, em termos de eficácia e do desejado êxito da investigação criminal. A circunscrição da alínea e) às circunstâncias em que os crimes sejam cometidos por telefone impede a possibilidade de uma investigação criminal adequada quando o meio técnico do cometimento for diferente do telefone. No n.º 6, faria sentido estabelecer um termo final à escuta coincidente com o momento do encerramento do inquérito.

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Artigo 188.º - No n.º 7 há dificuldade em compreender a razão de ser da intervenção do juiz num campo onde ao MP é dada ampla capacidade de escolha e decisão. A norma do n.º 7 precisa ser repensada à luz de toda a tramitação desenhada neste artigo 188.º, sendo de admitir que o que se terá pretendido estabelecer será que “durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do MP, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações de cujo conteúdo ainda não tenha tido conhecimento e que se mostrem indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência”. No n.º 8, parece ter-se ido longe demais, permitindo o acesso ao arguido e ao assistente à totalidade das gravações. As reservas vão sobretudo para as conversas gravadas e não transcritas e para as gravadas, transcritas, mas não indicadas pelo MP como meio de prova na acusação. Sugere-se que a acessibilidade seja: livre, relativamente às gravações transcritas e indicadas pelo MP como meio de prova na acusação; limitada àquelas em que cada um deles intervém, relativamente às gravações não transcritas ou transcritas mas não indicadas pelo MP como meio de prova na acusação. Acusa-se a desnecessidade dos n.ºs 9 e 10, salvo se a intenção tiver sido de encurtar e desvirtuar o princípio da investigação. Face aos n.ºs 12 e 13 não ficou contemplada a hipótese do inquérito ser encerrado por arquivamento, no âmbito do qual foram realizadas escutas telefónicas.



Artigo 189.º - Quanto à localização celular esta é menos eficaz e muito menos intrusiva do que a vigilância policial de pessoas. O ordenamento jurídico passará a conferir, a uma diligência menos intrusiva, uma disciplina mais restritiva, e a uma diligência bem mais intrusiva, uma disciplina sem restrições. Relativamente aos dados de tráfego não parece ser necessário fazer intervir o juiz de instrução na obtenção destes dados no decurso do inquérito, uma vez que a sua obtenção e o seu conhecimento, pela investigação, não violam qualquer direito fundamental.



Artigo 193.º - Não se vê que a previsão de um aparentemente inovador “princípio da necessidade” da aplicação das medidas de coacção venha acrescentar alguma coisa aos “princípios da adequação e da proporcionalidade. Mais inovador será o regime proposto para o n.º 2. Será esta a primeira manifestação da tendencial equiparação entre os pressupostos de aplicabilidade destas duas medidas de coacção, em termos que vão muito além daquilo que o Código actualmente prevê, pelo menos de forma expressa.



Artigo 194.º - Quanto ao novo n.º 2, julgamos ser de aplaudir a sua consagração contra uma interpretação jurisprudencial em contrário que violaria os princípios básicos de acusatoriedade do processo penal. O que poderá causar alguma perplexidade será a cominação de “nulidade” quanto a um acto que geralmente será meramente

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incidental, e do qual dificilmente poderão resultar consequências processuais susceptíveis de terem relevante influência na tramitação do procedimento principal, que possam ser utilmente invalidadas, por força do artigo 122.º. Há certas normas, tais como a audição prévia e a de exigência de um amplo contraditório, que farão todo o sentido quanto à aplicação de “medidas de coacção”, mas que já não fazem sentido quanto a medidas cuja natureza processual é análoga à dos procedimentos cautelares cíveis. Quanto ao n.º 3, parece resultar que passará a ser possível um “interrogatório judicial”, tendo em vista a aplicação das medidas de coacção quanto a um arguido não detido. Este entendimento abre perspectivas interessantes de actuação e tramitação processual, além de facilitar a prévia audição de um arguido ao qual deva ser aplicada qualquer medida de coacção. O novo n.º 4 refere-se à obrigação de exposição no despacho dos factos e dos elementos de prova que existam, contra o arguido, no processo, “sob pena de nulidade”. As excepções da alínea b), do n.º 4, afiguram-se como as adequadas para efeitos de protecção dos concretos interesses que poderiam ser lesados pela comunicação, ao arguido, dos elementos de prova contra o mesmo existentes. Apenas ficará por explicar em que medida poderão esses concretos interesses ser protegidos nos casos em que a aplicação da medida de coacção tenha lugar num momento em que, por força das novas disposições em matéria de prazos no inquérito e de segredo de justiça, o arguido poderá ter acesso irrestrito aos autos.



Artigo 201.º - A possibilidade de cumulação da obrigação de permanência na habitação com as medidas previstas na alínea b) do artigo anterior (não contactar com determinadas pessoas) adequa-se à natureza da “prisão domiciliária” – que não implica, necessariamente, uma obrigação absoluta de permanência na habitação.



Artigo 202.º - A proposta de elevação da pena exigível para aplicação da prisão preventiva colocará fora do alcance desta medida a generalidade da criminalidade de “colarinho branco”. Ora, num Estado de Direito democrático, não parece adequado que a lei, penal ou processual penal, passe a noção de que apenas os crimes ligados a situações de marginalidade merecerão uma reacção susceptível de ser entendida, socialmente, como verdadeiramente eficaz e decidida.



Artigo 203.º - Nos casos de maior gravidade, a possibilidade superveniente de aplicação de prisão preventiva, poderá não ser suficiente para fazer face às exigências cautelares que se façam sentir desde o início.



Artigo 204.º - A alínea c), torna claro, segundo a exposição de Motivos, que o perigo de perturbação de ordem e tranquilidade públicas terá que ser imputável ao próprio arguido. Exige-se também que haja perigo de que o arguido perturbe “gravemente” tais ordem e tranquilidade públicas. Poderá haver prementes questões de manutenção da

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ordem e tranquilidade públicas, derivadas da prática de um crime, nomeadamente quando esta seja geralmente atribuída a determinada pessoa. Talvez não seja muito seguro, em termos estritamente cautelares, fazer depender a aplicabilidade de qualquer medida de coacção dum eventual comportamento, posterior aos factos, do próprio arguido. Quanto ao perigo de “perturbação da ordem e tranquilidade públicas”, deve-se encarar esta alteração de redacção com alguma reserva.



Artigo 213.º - As alterações previstas são amplas, quantitativamente, e com alguma relevância. A razão de ser destas alterações não é explicada pelo Governo, mas não se vêem objecções a esta solução. O novo n.º 5 é relevante. Determina-se que o recurso interposto duma decisão que aplique ou mantenha a prisão ou a obrigação de permanência, deverá ser conhecido, ainda que essa medida tenha sido mantida em 1ª instância, nos termos deste artigo, por uma nova decisão. Poderá haver casos em que a manutenção da medida tenha sido mais do que isso, por se terem entretanto descoberto e invocado novos fundamentos para a aplicação da mesma. Talvez a redacção tenha um âmbito demasiado alargado ou irrestrito.



Artigo 214.º - A redacção proposta para o n.º 1, alínea a), poderá vir a suscitar problemas, por estar em causa uma “extinção” da medida, que não a sua eventual revogação – o que parece implicar a inaplicabilidade de uma disposição como a contida no n º 2 do artigo 212.º do Código, em matéria de revogação de medidas. Deveria ser aqui expressamente prevista a possibilidade de reaplicação, sendo esse o caso, de medidas de coacção extintas, em tempos similares aos do actual n.º 3 e do referido n.º 2 do artigo 212.º. Alerta-se para a necessidade, face a estas novas modalidades de extinção de medidas, de que seja prevista uma norma similar à do n.º 3 deste artigo, em termos que possibilite a reaplicação de medidas extintas, nos novos termos destas alíneas. Será necessário estender a estes casos, com as necessárias adaptações, a doutrina do actual n.º 3, que foi pensada, para o caso da alínea d), do n.º 1, tendo em conta o facto de se não exigir o trânsito da sentença absolutória. A equiparação da obrigação de permanência na habitação com a prisão preventiva está em coerência com o artigo 80.º, do CP, no que se refere ao desconto, na pena de prisão, da obrigação de permanência sofrida pelo arguido.



Artigo 215.º - Nos n.ºs 1, 2 e 3, ressalta que a redução dos prazos máximos de prisão preventiva, para diversas situações, não foi efectuada de uma forma aritmeticamente proporcional àquela que resulta duma comparação entre aqueles prazos. Não foi respeitada a proporção entre os diversos prazos que são concedidos para a duração da prisão preventiva nas diferentes fases processuais. Por razões não explicitadas, nos casos de “excepcional complexidade”, a que se refere o n.º 3, os prazos de duração máxima de prisão preventiva, no inquérito e na instrução, serão afinal mantidos, ao

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contrário do que sucede quanto a todos os restantes prazos. Quanto aos vários tipos de crime que são previstos nas alíneas do n.º 2, como justificativos duma elevação dos prazos normais de prisão preventiva, essa medida deixará de ser aplicável por força da nova redacção da alínea a), do n.º 1, do artigo 202.º. Quanto ao novo n.º 4 (declaração de excepcional complexidade), deverá assinalar-se que o MP deverá sempre ser ouvido, quando não for ele a requerer a prolação da decisão a proferir. Não se compreende, no entanto, porque será necessária a audição do assistente. Quanto ao n.º 7 do artigo 215.º, assinala-se, que ao contrário do que actualmente sucede, parecerá mais curial que se considere que um arguido estará preso preventivamente, em simultâneo (e não sucessivamente), “à ordem” de todos os processos nos quais lhe tenha sido aplicada tal medida – passando assim todos esses processos a ser tramitados com a necessária urgência, até que venha a ser proferida condenação definitiva num ou mais deles.



Artigo 216.º - A eliminação da possibilidade de suspensão do prazo de prisão preventiva para realização de perícia cujo resultado possa ser determinante para a decisão de acusação, de pronúncia ou final, é vista como negativa.



Artigo 219.º - Segundo o documento, as alterações introduzidas neste artigo serão as que mais críticas merecerão, em termos de princípio. A impossibilidade de recorrer do despacho que aplique medida de coacção, na defesa da legalidade objectiva ou da pretensão punitiva do Estado, bem como a irrecorribilidade do despacho que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extintas as mesmas medidas, coloca em causa a defesa da sociedade e dos interesses das vítimas de crimes e de defesa da própria legalidade democrática. A proposta assumida só se entende se se quisesse conceder ao juiz de 1ª instância, numa perspectiva extremamente acusatória do processo penal, um poder totalmente discricionário de decisão, em matéria de medidas de coacção.



Artigo 225.º - As modificações têm grande relevância, por potenciarem um claro alargamento das situações nas quais poderá ser concedida indemnização a quem tiver sido injustificadamente privado da liberdade. A alínea c) poderá trazer uma enorme insegurança jurídica e situações de flagrante desigualdade.



Artigo 242.º - A alteração proposta é redundante e desnecessária, na medida em que se refere a um crime inequivocamente dependente de queixa.

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Artigo 243.º - A imposição de um prazo certo de comunicação da notícia do crime ao MP leva à necessidade de ponderar esta circunstância aquando da prolação de despachos de delegação genérica.



Artigo 246.º - O actual CPP entendeu não ser de admitir denúncias anónimas. Das soluções propostas, conclui-se que o Governo não terá a perspectiva mais correcta a respeito da natureza das chamadas denúncias anónimas, num sistema como o nosso, no qual aquelas podem ser um precioso auxiliar das funções de prevenção criminal, relativas aos mais variados tipos de crime, se poderem ser tratadas como mera informação criminal, em moldes flexíveis e desburocratizados – ao contrário do que parece ser imposto pelo Governo. Não se justificará que se promova obrigatoriamente a possibilidade de que o eventual ofendido conheça e avalie todas as denúncias que possam ser formuladas contra o mesmo.



Artigo 247.º - Está-se perante aquilo que parece ser uma política deliberada de promoção da intervenção, no âmbito do inquérito, dos ofendidos ou de outros eventuais interessados na promoção do procedimento criminal. Por muito louvável que seja tal objectivo, o certo é que, na maioria dos casos uma norma com este teor será estritamente redundante. Quando não seja esse o caso, a existência de uma norma expressa, como esta, poderá ser bastante problemática, gerando eventuais invalidades.



Artigo 248.º - A Proposta introduz no n.º 2 uma inovação – cujo alcance não é fácil de determinar. Está em causa um errado entendimento a respeito daquilo que sejam a natureza e o valor das chamadas denúncias anónimas, em termos que deveriam levar a que se considerasse de todo inútil e redundante a alteração proposta.



Artigo 251.º - Chama-se à atenção para a impossibilidade de utilização futura, para efeitos de prova dos crimes de que o visado for suspeito, objectos encontrados na sua posse.



Artigo 254.º - Quanto à alínea b) do n.º 1, considera-se duvidosa a conformidade constitucional desta nova previsão com todas as consequências que daí poderão ocorrer, nomeadamente em termos de eventual invalidade de actos processuais.



Artigo 257.º - As alterações implicam uma radical alteração em matéria de submissão de arguidos a interrogatório judicial na fase de inquérito. O n.º 1 suscita algumas dúvidas. Torna-se difícil ver como poderão as autoridades judiciárias, às quais caberá ordenar esta detenção, avaliar se existem ou não “fundadas razões” para crer que a mesma será realmente necessária. O facto de só ter sido alterado o n.º 1 indicia que a

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doutrina fixada no mesmo apenas será aplicável às autoridades judiciárias, que não às policiais. Quanto às detenções efectuadas pela PJ, aplica-se o artigo 11.º, d) da Lei n.º 275 – A/2000, de 9/11. A manter-se a redacção desse artigo 11.º - A, poderíamos chegar à situação incongruente de as próprias autoridades judiciárias terem que fundamentar a detenção por si ordenada na existência dum concreto perigo de fuga – quando tal não seria exigido às “autoridades de policia criminal” da PJ.



Artigo 271.º - Quanto ao n.º 3 a alteração parece ser de aplaudir, face à natureza deste acto e ao carácter plenamente contraditório de que o mesmo se deve revestir. Quanto ao n.º 5, a Proposta aproxima a tomada de declarações dos procedimentos a seguir em julgamento, permitindo a inquirição directa, pelos sujeitos processuais, de quem prestar declarações para memória futura. Talvez, por lapso, não foi prevista uma excepção quanto à inquirição de menores, vítimas de crimes sexuais. A proposta também introduz um novo n.º 8, tal como o Projecto do PSD, com conteúdo inovador. Todavia, esta última cláusula é difícil de interpretar e aplicar com um mínimo de segurança, em termos práticos.



Artigo 272.º - A proposta de lei altera o n.º 1 num sentido que merece aplauso – esclarecendo que a obrigatoriedade de interrogatório do arguido, no decurso do inquérito, apenas existirá quando este ocorra contra pessoa determinada “que seja suspeita da prática de crime”.



Artigo 273.º - Introduz-se um novo n.º 3, não merecendo quaisquer preparos. No entanto, no que se refere ao simples ofendido, não se vê razão de natureza processual penal para que deva ser tratado de forma diversa da de qualquer outra testemunha. Assim, não se vê justificação para a alteração proposta.



Artigo 276.º - Na previsão do novo n.º 4, parece ser manifesto que, uma tal norma, por muito bem intencionada que seja, apenas poderá vir burocratizar mais, de forma inevitável e contraproducente, o trabalho do MP, na direcção dos inquéritos e na apreciação dos respectivos resultados. Por outro lado, quanto a inquéritos complexos, não se afigura útil a promoção de uma intervenção tão formalizada e burocrática da hierarquia. Não se vê igualmente utilidade na previsão do novo n.º 5, da mera possibilidade de avocação do inquérito, por parte do imediato superior hierárquico. A única consequência desta nova disposição será a atribuição aos magistrados com funções de coordenação de novas responsabilidades. Afigura-se injustificada a obrigatoriedade, ainda mais burocrática e inútil, de comunicação oficiosa aos sujeitos processuais dos atrasos existentes e das intenções do MP a respeito do inquérito. Não há razão para a comunicação obrigatória e oficiosa de quaisquer atrasos ao

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Procurador-Geral da República. A redacção proposta parece laborar em equívocos, a respeito das causas dos atrasos. Está em causa a reorganização dos serviços do MP, na área penal, em termos de facultar respostas às solicitações com recurso aos mecanismos de simplificação e aceleração da tramitação processual ao seu dispor. A previsão de mecanismos como estes não deixa de ser conflitual com a pretendida prossecução, pelo MP, das prioridades de política criminal que lhe sejam cometidas, nos termos da lei.



Artigo 281.º - No n.º 1 prevê-se que a suspensão possa ser decidida a requerimento do arguido ou do assistente e deve ser decretada sempre que se verificarem os pressupostos contidos nas alíneas desse mesmo n.º 1. Estas alterações não parecem ter grande sentido útil, a não ser como meros indicadores da indubitável relevância que deverá ter, para o MP, esta possibilidade alternativa de enquadramento do inquérito, sem dar origem às inúteis controvérsias que uma redacção como a agora proposta poderá suscitar. Concorda-se com a previsão de que os antecedentes criminais que deverão impedir a aplicação da medida serão apenas os relativos a “crime da mesma natureza”, bem como que deixe de se exigir um dificilmente indiciável “carácter diminuto” da culpa. Mais problemático se afigura o requisito introduzido na nova redacção da alínea c) (ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza). Não só se condiciona assim a liberdade de apreciação do MP, como será sempre difícil saber até que ponto tal condição se verificará, a nível nacional. A imposição da obrigação de “residir em determinado lugar” poderá

levantar

alguns

problemas

de

constitucionalidade,

face

à

restrição,

aparentemente excessiva, que daí decorrerá para vários direitos fundamentais do arguido.



Artigo 282.º - Quanto ao n.º 4, parece pouco realista esperar que, no decurso do prazo de suspensão provisória, um arguido possa vir a ser acusado, julgado e condenado pela prática dum crime eventualmente praticado no decurso desse mesmo prazo. Sendo assim, e querendo tornar-se aplicável um regime similar ao da execução da suspensão da execução da pena de prisão, seria mais adequado importar ao CP a totalidade desse regime (pelo menos no que se refere ao artigo 57.º, n.º 2).



Artigo 285.º - As alterações efectuadas afiguram-se de manifesta relevância, podendo até entender-se que, a serem aprovadas, porão fim ao regime processual penal especial que tem sido, entre nós, característico dos crimes particulares. Se se impõe ao MP que aprecie formalmente o objecto do inquérito instaurado quanto a tais crimes, tomando posição a respeito do mesmo antes da dedução de acusação particular, não se vê qual será a possível utilidade de que essa acusação particular seja deduzida por advogado. É própria justificação dum regime específico dos crimes particulares, com os

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contornos que poderiam justificar uma tal especificidade, que nos parece ser posta em causa.



Artigo 289.º - Subverte-se a estrutura do Código, aproximando a fase de instrução de uma verdadeira instrução contraditória. Mantendo-se esta alteração, dever-se-iam retirar consequências processuais. A exclusão da fase de instrução nos processos abreviados terá pretendido responder aos defensores da ideia de que a sua possibilidade corresponde a um excesso de garantismo não justificado. Sendo a instrução, a requerimento do arguido, uma manifestação do direito de defesa, justificarse-ia que este direito fosse igualmente garantido nesta forma processual, numa fase preliminar como é a instrução. A busca de celeridade e eficiência na administração da justiça penal deve ser compatibilizada com as garantias de defesa, que não poderão ser sacrificadas por aqueles objectivos.



Artigo 303.º - A redacção proposta, apesar de mais clarificadora, não resolve todas as questões nesta matéria.



Artigo 310.º - A opção tem como fundamento a celeridade processual, pretendendo-se obviar a recursos meramente dilatórios. Mas tal regime poderá subverter esse objectivo. De facto, reconduz-se para a fase de julgamento a apreciação de nulidades consubstanciadas em provas proibidas que tenham sido produzidas ou valoradas em fase de inquérito ou instrução. A exclusão que o tribunal de julgamento tenha de fazer daquelas provas pode afectar todo o processo.

Julgamento As alterações efectuadas não descaracterizam o sistema vigente. A introdução de algumas alterações, total ou parcialmente, poderão desequilibrar o sistema quanto ao escopo do processo penal. •

Artigo 345.º - A opção do legislador é compreensível à luz dos direitos de defesa do arguido e da impossibilidade de, nas situações previstas no n.º 4, se exercer o contraditório. A formulação do preceito não é clara, podendo permitir interpretação diversa quanto a saber quem é o “declarante” que se recusa a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2. É nosso entendimento que “declarante” é o coarguido cujas declarações não podem ser valoradas. O preceito poderá permitir interpretação contrária que desvirtuará a intenção do legislador e potenciará aplicações díspares e indesejáveis. Melhor seria clarificar a redacção, de modo a tornar inequívoco o segmento referido.

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Artigo 356.º - Deveria ponderar-se a permissão da leitura, visualização ou audição de autos e actos processuais realizados em sede de instrução, quando aos mesmos tivesse presidido o juiz e tivessem estado presentes o MP, os advogados e defensores.



Artigo 364.º - O que se pretende aqui é a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. Caso o tribunal não disponha dos meios técnico que permitam documentar as declarações, a única solução parece ser a de não realizar a audiência. Não se vê viabilidade na documentação escrita, integral e simultânea, pelo tempo que demoraria a efectuar. Dai que, a exclusão da possibilidade actualmente prevista no artigo 364.º, n.º 4, possa conduzir a adiamentos sempre indesejáveis.

Processo Sumário Esta forma de processo passa a ser obrigatória nos casos que preencham os pressupostos do artigo 381.º. Esta opção do legislador não merece críticas. Há, porem, que colocar algumas questões, dado que as alterações podem gerar obstáculos aos objectivos pretendidos pelo legislador, subvertendo-os ou dificultando-os.



Artigo 382.º - A alteração, com a eliminação do segmento “se o julgar conveniente”, parece querer tornar obrigatória a audição do detido pelo MP, após lhe ter sido apresentado nos termos do n.º 1. É subtraída à apreciação do MP a possibilidade do detido ser submetido a julgamento em processo sumário. Esta alteração não é determinante da necessidade de se tornar obrigatório o interrogatório do arguido pelo MP na fase preliminar ao julgamento. Não se vislumbra que utilidade prática e procedimental, pode ter esta imposição. Nem se afigura que a não obrigatoriedade de interrogatório contenda com qualquer princípio conformador do processo penal ou com os direitos de defesa. Tal obrigatoriedade imporá um esforço de reorganização e investimento de meios nem sempre justificáveis; traduz-se num excesso de diligências nem sempre compatíveis com os prazos limitados de detenção e de submissão a julgamento em processo sumário. Importa rever a opção relativamente à alteração do n.º 2 do artigo 382.º.



Artigo 385.º - É necessário preencher de forma objectiva os critérios a ponderar para a decisão de manutenção da detenção. O critério adiantado é muito vago e impreciso. O juízo de prognose que se impõe no artigo 385.º deverá ser fundado em razões objectivas, que o legislador poderá elencar, a título exemplificativo, por exemplos padrão.

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Processo abreviado As alterações acentuam a vinculação ao seu uso por parte do MP, não deixando de vincular os juízes na realização da audiência em prazos que não frustrem a natureza desta forma de processo e as finalidades de celeridade e eficácia na administração da justiça que a mesma pretende alcançar. •

Artigo 391.º-A – Não se consagrou, contrariamente ao artigo 381.º, de forma expressa, a possibilidade de utilização de processo abreviado “mesmo em caso de concurso de infracções”. Não se vê impedimento para que assim se proceda. Melhor seria, porém, que a letra da lei fosse expressa nesse sentido.



Artigo 391.º-C – De referir, quanto à alteração aqui proposta, que a recorribilidade do despacho de saneamento pode obstar à manutenção da forma abreviada do processo, em face do prazo previsto no artigo 391.º - D.



Artigo 391.º-D – Quanto ao prazo de 90 dias, apesar de ser peremptório e não meramente ordenador, não se dispõe no preceito quais as consequências do seu não cumprimento. No caso da acusação deduzida após este prazo, quando esta não respeitou os pressupostos legais para o uso desta forma processual especial, importaria ver clarificado, de forma expressa, o procedimento a seguir, nomeadamente se se mantém a forma abreviada ou se deverá ser remetido para a forma comum.

Processo Sumaríssimo As alterações efectuadas visam ampliar o recurso a esta forma de processo, pela sua extensão a ilícitos criminais puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos.



Artigo 392.º - Alargou-se a pena abstracta para 5 anos, mas não se determinou, de forma expressa, a possibilidade de usar esta forma de processo em caso de concurso de infracções. Ainda que o entendimento seja no sentido de tal ser possível, nada obsta a que tal menção fique expressa, nos termos em que foi feito para o n.º 1 do artigo 381.º.



Artigo 392.º, n.º 1 - Não se alcança qual o objectivo da audição do arguido e da sua necessidade. Está em causa uma intervenção preliminar do MP para auscultação da posição do arguido perante a possibilidade de requerer a aplicação da sanção em processo sumaríssimo. Esta diligência visa expor ao arguido essa possibilidade, explicar-lhe o mecanismo daquele processo, de forma a aferir da possibilidade de se vir a opor. Afigura-se desnecessária, em nada contribuindo para a celeridade do processo,

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pois não há qualquer vinculação do arguido à não oposição que manifeste, nada o impedindo de posteriormente se opor.



Artigo 395.º - A alteração introduzida, relativamente à concordância do arguido quanto á fixação de sanção diferente da proposta pelo MP, só poderá ser compreensível em face da cominação feita no artigo 397.º, n.º 2. Esta necessidade de concordância não pode querer significar que se pretendeu introduzir uma nova fase de auscultação do arguido. Significa sim, que se exige que o arguido se não oponha à sanção fixada, no sentido de que, opondo-se a esta o juiz não pode, na decisão, proceder á aplicação daquela sanção, sob pena do despacho ser nulo.



Artigo 400.º - A redacção proposta para o n.º 3 deste artigo vem tomar posição inversa à jurisprudência fixada pelo STJ, segundo a qual à luz deste regime, não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal, podendo gerar situações de desigualdade. É que, a permanecer a referida possibilidade, casos surgirão em que só quando haja indemnização civil é que pode haver recurso, em detrimento dos outros em que tal não se verifica.



Artigo 402.º - É introduzido um n.º 3 que dispõe que o recurso interposto apenas contra um dos arguidos, em caso de comparticipação, não prejudica os restantes. Trata-se de um reforço da reformatio in pejus, mas a redacção apresenta-se pouco precisa. Pensamos que seria de aproveitar a oportunidade e tomar agora uma posição mais alargada sobre a questão que se poderia apelidar de consequências processuais do princípio da reformatio in pejus.



Artigo 411.º - Se o novo procedimento do n.º 6 pode promover celeridade, pode também contribuir para a produção de actos inúteis, pois o recurso a que se responde, de acordo com a nova disciplina, pode vir a não ser admitido.



Artigo 414.º - A nova redacção do n.º 1 consagra a resposta à motivação de recurso antes do despacho de admissão do mesmo, o que pode resultar na circunstância do recorrido responder num recurso que venha a não ser admitido. Quanto ao n.º 7, permite a clarificação de um ponto, a saber: se em recurso, o exame das situações é feito pelo tribunal superior ou pelo tribunal de 1ª Instância. Esta posição pode contribuir para uma maior celeridade da subida do recurso ao tribunal ad quem, agora se obstando ao entendimento frequente do tribunal a quo de que pode reter o recurso interposto, para resolver todas as questões que surjam depois de proferida a decisão final. Mas para esse, desiderato, impor-se-ia ir mais longe e incluir no translado os elementos que permitissem a solução de outras questões não abrangidas pelo recurso.

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Artigo 416.º - Critica-se a impossibilidade de o MP se pronunciar quanto a questões formais que podem impedir o julgamento, ou mesmo quanto a questões de fundo, no caso de uma possível rejeição por manifesta improcedência.



Artigo 419.º - A intervenção sistemática do presidente merece fortes reservas. Tendo em conta a expectativa de diminuição do número de processos a julgar em audiência, poderia, quando muito, aceitar-se que o presidente da secção interviesse na deliberação respeitante a tais processos, pois que os acompanha necessariamente ao presidir à audiência.



Artigo 426.º - Foi aditado um novo n.º 2, que vem resolver a questão de saber para onde é feito o reenvio do processo para novo julgamento ordenado pelo STJ no âmbito de recurso interposto, em 2ª Instância.



Artigo 437.º - No n.º 5 consagra-se a obrigatoriedade do recurso de fixação de jurisprudência para o MP, o que é difícil de concretizar. Tal implicaria o conhecimento atempado de todas as decisões proferidas pelo STJ e pelas Relações, o que não é possível dado que muitas delas não são publicadas, pelo menos em tempo útil.



Artigo 449.º - Quanto ao fundamento da alínea e), critica-se a imprecisa da sua redacção. No que concerne à alínea g), haverá que ficar claro estar em causa uma situação concreta. Não se afigura poderem reflectir-se os efeitos de uma sentença de instância internacional como se se tratasse de um acórdão dotado de força obrigatória geral emanado do Tribunal Constitucional.

7.3. Ordem dos Advogados Código Penal A posição da Ordem dos Advogados (OA) que, de forma sintética, a seguir se enuncia, foi enviada à Assembleia da República, após a respectiva audição parlamentar em 23 de Janeiro de 2007. Começa-se por afirmar a não pretensão de serem repetidas as posições assumidas no âmbito da UMRP (registadas em acta), nem em sede de audição no âmbito da 1.ª Comissão da Assembleia da República, mas apenas abordar alguns pontos que se consideram “essenciais ou menos esclarecidos no projecto”.

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A avaliação do projecto é globalmente positiva. Mais concretamente, como pontos positivos, a Ordem dos Advogados destaca os seguintes: agravação dos crimes de homicídio e de ofensas à integridade física, quando praticados por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientação sexual da vítima; autonomização dos crimes de violência doméstica, de maus tratos e de tráfico de pessoas; alterações no crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada; previsão do crime de discriminação racial, religiosa ou sexual; e alterações nos crimes de incêndio florestal e poluição. O parecer aponta, no entanto, cinco questões concretas que, na opinião da OA, merecem alteração. Em primeiro lugar, relativamente à responsabilidade penal das pessoas colectivas, defende-se a necessidade de concretização do que é a posição de liderança, a falta de oposição expressa e dos “contornos da imputação subjectiva de comportamento delituosos”, sugerindo que “em vez do termo genérico «por ocasião da sua actividade» [se utilize] um mais concreto «por ocasião e no exercício conhecido, e consentido, ou prosseguido, e não impedido, da sua actividade»”. Em segundo lugar, defende-se que as penas alternativas à prisão, “ou seja a substituição de prisão, a prisão por dias livres, a prisão em regime de semidetenção e o trabalho a favor da comunidade (…) possam ser equacionadas para penas aplicadas, no limite, até 3 anos”. Critica-se, ainda, o “limitado âmbito de aplicação, como sanção, do regime de permanência na habitação”, alertando para a possibilidade de aproveitar este período após a entrada em vigor, para testar esta nova sanção, apontando para um seu alargamento em momento posterior. Em quarto lugar, chama-se a atenção para a redacção dúbia do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente do concurso). Por último, o parecer debruça-se sobre o segredo de justiça e a norma que prevê o tipo de crime “violação do segredo de justiça”, afirmando rever-se mais na posição assumida pela UMRP (que previa uma diferenciação dos níveis de responsabilidade, consoante se tratasse de sujeitos intervenientes processuais ou outras pessoas) do que naquela constante do projecto apresentado pelo Governo (que elimina tal diferenciação). 100

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Código de Processo Penal No que se refere às alterações ao Código de Processo Penal, a Ordem dos Advogados faz uma apreciação globalmente positiva do anteprojecto, “se bem que aqui (…) com algumas objecções de fundo pela gravidade que as soluções, ou a falta delas, comportam para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, estejam eles na qualidade de arguidos, sejam eles queixosos, assistentes ou vítimas”. Assim, na fase de inquérito, defende-se a possibilidade de todos os despachos proferidos pelo Ministério Público, principalmente de arquivamento, serem sindicáveis por um juiz; um alargamento do conceito de insuficiência do inquérito e uma diminuição dos prazos máximos de prisão preventiva, nas fases preliminares, nos processos mais graves e complexos. Ainda no que respeita à prisão preventiva, defende-se a necessidade de “especificar que a decisão de aplicação de medidas de coacção só pode ser baseada nas provas que são dadas a conhecer ao arguido detido e que, também por isso, o recurso da decisão da aplicação das medidas de coacção só deveria atender ao que consta do despacho de fixação da medida e aos fundamentos nele constantes ou constantes da acta do interrogatório do arguido e que possam por ele ser livremente conhecidos e consultados”. A possibilidade de destruição das escutas que o juiz de instrução entenda serem entranhas ao processo ou irrelevantes sem audição dos sujeitos processuais levanta dúvidas. Segundo a Ordem dos Advogados, “a instrução tal qual está gizada não serve minimamente as finalidades para que foi pensada e até os princípios constitucionalmente consagrados sobre a figura”, referindo-se, mormente, à possibilidade de indeferimento, por parte do juiz de instrução, da causa totalidade das diligências probatórias requeridas, despacho esse irrecorrível. Quanto à fase de julgamento, defende-se, no caso de julgamento na ausência do arguido, que “há que reintroduzir a possibilidade antigamente conferida ao arguido ausente de, em alternativa, quando encontrado, recorrer ou requerer novo julgamento”. No que respeita à fase de recurso, alerta-se para a necessidade de ser possibilitado um efectivo recurso de matéria de facto.

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O parecer conclui, afirmando que “as grandes questões a serem modificada no presente anteprojecto prendem-se, pois, com o desenho das fases preliminares do processo e com a total ausência de garantias dos cidadãos e de igualdade de armas que, mesmo em questões essenciais, afasta por completo ou limita fortemente os princípios da participação e do contraditório”. 7.4 Conselho dos Oficiais de Justiça O Conselho dos Oficiais de Justiça, respondendo à solicitação do Ministério da Justiça, elaborou um documento com alguns contributos relativos ao projecto de revisão do Código de Processo Penal. Com maior veemência, o parecer chama a atenção para a necessidade de dotar a fase de execução das penas aplicadas no âmbito de processos sumários, sumaríssimos e abreviados de igual celeridade à que lhes é conferida para a fase de inquérito e de julgamento. Para tanto, propõe, entre outras medidas, a possibilidade de trânsito imediato da sentença caso não haja declaração para a acta da intenção de recorrer, bem como a necessidade de requerer também para a acta o pedido de pagamento em prestações de pena de multa que lhe seja aplicada. É, também, chamada a atenção para as questões relacionadas com a contumácia e com a necessidade de ampliar e flexibilizar o instituto da prestação de trabalho a favor da comunidade. O parecer pronuncia-se, ainda, sobre três disposições concretas do projecto de revisão do Código de Processo Penal: o artigo 86.º (publicidade do processo e segredo de justiça), defendendo a acentuação do princípio da publicidade do processo; o artigo 92.º (língua dos actos e nomeação de intérprete), alertando para o aumento significativo de despesas relativas a honorários que o novo regime proposto importaria; e o artigo 281.º (suspensão provisória do processo), afirmando que não se vislumbra que “o n.º 1 deste artigo tenha qualquer alínea f) na sua redacção vigente, como a proposta em análise leva a crer”.

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7.5. Associação Sindical dos Juízes Portugueses Código Penal Em 8 de Setembro de 2006, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) enviou para o Ministro da Justiça um parecer relativo ao Projecto de Revisão do Código Penal. A ASJP começa por referir que “muitas das soluções agora apresentadas merecem uma inequívoca apreciação positiva por virtude das necessidades que visam suprir e pela adequação das propostas normativas apresentadas”,

sublinhando

a

adequação

aos

novos

mecanismos

internacionais decorrentes, por exemplo, da aplicação do mandado de detenção europeu; as alterações no domínio da expansão da possibilidade de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade; o largamento da moldura penal para a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão; e algumas soluções no âmbito da parte especial que compatibilizam a lei portuguesa com normas internacionais, como é o caso do crime de tráfico de pessoas e alguns crimes de natureza sexual que envolvem menores. A proposta merece, contudo, algumas críticas, designadamente a constatação que existe uma contradição entre a Exposição de Motivos, onde se pode ler que “a revisão abrange modificações materiais propriamente ditas, aditamentos e meros ajustamentos formais. O seu âmbito é circunscrito, (…) mantendo incólume, no essencial, o sistema do Código Penal de 1995”; e, por outro, a realidade verificada pelo enorme número de artigos alterados, quer na parte especial, quer na parte geral. Assim, na opinião da ASJP, a amplitude das alterações efectuadas na proposta, em particular na parte especial, vai muito para além da intenção demonstrada na exposição de motivos. Considera, contudo, que se tal amplitude não é, por si e em abstracto passível de crítica, não é menos verdade que uma modificação de tipos penais de uma forma tão abrangente deveria implicar um consenso social alargado, quer no domínio técnico, quer no domínio político. Uma outra chamada de atenção da ASJP prende-se com a sobreposição de papéis que considera verificar-se, de forma sistemática, em determinados períodos legislativos, em que se substitui o papel da jurisprudência na interpretação das leis pela intervenção legislativa, em contextos que, no seu entender, não seriam necessários. 103

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A ASJP questiona, ainda, se algumas das soluções propostas, nomeadamente no âmbito das penas, não deveriam ter sido mais arrojadas, permitindo, dessa forma, um maior leque de penas alternativas.



Artigo 11.º- Questiona-se o amplo conjunto de crimes que se pretende incluir no catálogo que permite a responsabilidade penal das pessoas colectivas. No que se refere às penas aplicáveis às pessoas colectivas, a ASJP aponta que, no sem entender, não faz qualquer sentido cominar uma pena de admoestação a uma pessoa colectiva, afirmando mesmo tratar-se de um contra-senso.



Artigo 30.º- Não se vislumbra qual o sentido útil da alteração proposta, nem mesmo que seja necessário fazer qualquer alteração a esta matéria uma vez que se trata de matéria doutrinal e jurisprudencialmente solidificada.



Artigo 43.º, n.º 3 - Salienta a “curiosidade da solução” e defende que com a previsão aí contida facilmente se percebe o alcance da norma que não mais é do que evitar a aplicação de penas de prisão a crimes cometidos por titulares de cargos políticos no exercício das funções. Pelo que defende-se que não deve esta solução ser vista como uma imposição, mas antes como uma faculdade colocada à disposição do julgador.



Artigo 44.º- Concorda-se com a alteração, mas considera que seria mais adequado que a prisão domiciliária fosse consagrada como uma verdadeira pena alternativa e não como uma medida de execução da pena de prisão.



Artigo 50.º, n.º 5 – Refere-se que não é fácil descortinar a razão da necessária coincidência entre o período de suspensão e a medida concreta da pena uma vez que as razões que podem levar à suspensão da execução da pena não esgotam as razões que concorrem para a determinação da medida dela.



Artigo 61.º e ss – Considera-se que a solução prevista no artigo 61.º, n.º 4 é uma solução demasiado benevolente num modelo penal que já o é bastante. Segundo opinião da ASJP, nesta solução desconsidera-se em demasia as expectativas da comunidade em relação à administração da justiça penal, em detrimento de um único objectivo: esvaziar os estabelecimentos prisionais.



Artigo 80.º- Esta medida é susceptível de criar mais confusão numa norma que que não era susceptível de o ser antes da nova redacção para ela proposta.

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Artigo 116.º - Defende-se que o respeito pela autonomia do menor impõe que a remissão do n.º 4 se restrinja às hipóteses em que o menor não possua discernimento para entender o alcance e o significado do exercício da queixa.



Artigo 132.º, n.º 2, alínea b) e 152.º, n,º 1, alínea b) – Considera-se que a preocupação de tutela das pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges é duvidosa porque antecipa a tutela penal de tais comunidades de vida à própria tutela civil, e, sobretudo, sem o consenso alargado que deveria presidir à selecção das condutas puníveis. No que respeita ao crime de violência doméstica, refere que também tem dúvidas quanto à incriminação dos maus-tratos sobre o ex-cônjuge uma vez que o bem jurídico tutelado é a instituição familiar. Por outro lado, chama-se à atenção para que a aparente abertura da incriminação da violência doméstica com a lei a “bastar-se com maus-tratos intensos”, inculcando que basta um episódio para a consumação do crime, vem adicionar ao tipo mais um conceito indeterminado e de difícil preenchimento.



Artigo 132.º - Defende que a qualificativa que se pretende introduzir não tem em consideração a realidade criminológica subjacente ao crime entre cônjuges.



Artigo 164.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea b); artigo 165.º; 166.º; 167.º; 171.º, n.º 2. 173.º, n.º 2 - Relativamente à introdução do tipo “introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”, equiparando-a a actos sexuais de relevo, alerta para o facto de se tratar de uma solução dogmaticamente discutível uma vez que se equiparam estas novas situações a situações que põem em causa de uma forma inequívoca a liberdade sexual.



Artigo 170.º - Questiona-se se este novo crime não colide com o princípio que deve presidir à criminalização de condutas – isto é, o princípio da ultima ratio de intervenção do direito penal na sociedade. Pode tratar-se de uma solução que comporta um alargamento excessivo de uma criminalização que, como estava, já assegurava e protegia a tutela do bem jurídico liberdade sexual.



Artigo 172.º - Questiona a eliminação da agravação do tipo no caso da prática de actos sexuais com criança com finalidade lucrativa.



Artigo 173.º - Considera que a orientação desta norma é reveladora de que se está a enveredar por uma perspectiva neocriminalizadora já com algum significado, quer do ponto de vista criminológico, quer do ponto de vista sociológico.

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Artigo 190.º,n.º 2 - Tem dúvidas sobre o facto de saber se é adequado, sem mais, equiparar, na mesma descrição típica, a conduta daquele que com intenção telefona para a habitação, com a daquele que telefona para o telemóvel. Assim, é de opinião que, tal comportamento, a ser criminalizado, devia ser autonomizado, pois o que estava em causa nesta norma era a protecção da privacidade, a paz e o sossego dentro do espaço habitacional.



Artigo 206.º - Considera que a possibilidade agora consagrada na proposta não é mais que algo que a prática judiciária há muito conhece para crimes semi-públicos e particulares.

Código de Processo Penal O parecer relativo ao Projecto de Proposta de Revisão do Código de Processo Penal foi enviado para o Ministro da Justiça em 3 de Novembro de 2006. A ASJP começa por salientar que o projecto em apreciação consubstancia uma “revisão maximalista” que, embora legítima, não deixa, no entanto, de abrir brechas num normativo que se encontra estruturado num projecto moderno e fundamentado em opções dogmáticas inequivocamente sustentadas. Por outro lado, alerta para o facto de soluções, aparentemente inovadoras, poderem provocar conflitos de interpretação decorrentes da sua desconexão em relação à matriz estrutural subjacente ao CPP. Salienta algumas “incongruências entre opções normativas adoptadas e posições dogmáticas que as sustentam ou mesmo em relação a normas estruturais já existentes”. A título de exemplo, são apontadas situações como a da valoração dos depoimentos prestados em fases anteriores à fase de julgamento, por testemunhas e arguidos; o caso do regime das escutas telefónicas onde se altera o papel do JIC; ou a inserção e conteúdo de uma cláusula geral que define “criminalidade altamente organizada”. No que respeita ao regime dos recursos, a ASJP considera que não se foi tão longe quanto desejável, salientando, inclusive, que houve alguns retrocessos relativamente a certas posições firmadas pela jurisprudência.

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Alerta-se, ainda, para algumas omissões, nomeadamente na área da investigação criminal, em particular, no domínio dos meios de obtenção de prova adequados a uma investigação criminal em mutação. Por fim, a ASJP salienta o facto de, com excepção de o propósito de celeridade processual, não ser detectável na exposição introdutória do anteprojecto nenhuma linha norteadora que justificasse a necessidade de rever o CPP. No seu parecer, além das sugestões específicas que a seguir se referem, a ASJP propõe as seguintes. Desde logo, considera que o legislador, no que respeita ao segredo bancário, deveria proceder à harmonização dos vários regimes vigentes. Depois, relativamente à exigência do artigo 313.º, n.º 2 (remessa de cópias), considera tratar-se de um formalismo excessivo que, apesar de denunciado aquando da alteração de 98, tem sobrevivido às alterações subsequentes. Outra sugestão respeita ao artigo 287.º, n.º 7, que permite aos arguidos beneficiarem do prazo concedido ao arguido notificado em último lugar para abertura de instrução. Considera-se que esta norma se revela, por um lado, de efeitos especialmente gravosos para o célere andamento dos processos nos casos de especial complexidade e com elevado número de arguidos e, por outro que se presta a aproveitamentos indevidos por parte da defesa. Nas declarações para memória futura realizadas sem a presença do arguido, nos termos dos artigo 352.º, n.º 1, alínea a) e b), a ASJP defende que não tem fundamento a aplicação do procedimento previsto no artigo 332.º, n.º 7 (obrigatoriedade de o arguido ser resumidamente instruído do que se tiver passado na sua ausência), uma vez que se trata de fases processuais que não se caracterizam pela oralidade, sendo todas as declarações aí realizadas reduzidas a escrito. Conclui, referindo que seria útil regular a questão da litispendência no âmbito do processo penal, uma vez que este instituto se reveste de características demasiadamente específicas para continuar a ser deixado à dogmática geral.



Artigo 1.º, alínea m)- Considera existirem situações de corrupção e de tráfico de influências que não se enquadram no conceito de “criminalidade altamente organizada”

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e alerta para o facto de se proceder nesta norma a uma equiparação completamente desproporcionada relativamente a outros crimes.



Artigo 19.º - Não se compreender qual a ratio subjacente à alteração da regra geral da competência territorial para o julgamento dos crimes que “compreendam como elemento do tipo a morte de uma pessoa”.



Artigo 40.º - Aplaude a alteração proposta, mas entende que a mesma acaba por pecar por defeito uma vez que o princípio que subjaz à alteração proposta seria melhor garantido se se alargassem as situações de impedimento a outras intervenções não menos profundas do juiz na fase anterior ao inquérito, designadamente aos casos de interrogatório judicial de arguido.



Artigo 64.º - Deveria alargar-se a assistência obrigatória de defensor a todos os casos em que o arguido, apesar de não sofrer nenhuma diminuição física, psíquica cultural ou de instrução, é sujeito a interrogatório, uma vez que não se vê qual a razão para privar o arguido da assistência de defensor apenas por aquele não sofrer de nenhuma daquelas deficiências. A ASJP salienta que quando se refere a defensor está-se a referir, necessariamente, a advogado com inscrição já feita na Ordem dos Advogados e não a advogado-estagiário.



Artigo 86.º e 89.º - Concorda com a preocupação em diminuir o âmbito da fase secreta do processo, mas alerta para a ambiguidade decorrente daquilo que parece ser o caminho delineado ao ter sido atribuída dimensão constitucional à protecção do segredo de justiça, introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97 (artigo 20.º, n.º 3 da CRP). Ainda nesta matéria salienta as consequências penais do regime de vinculação ao segredo (artigo n.º 86.º, n.º 11) e o facto de todos aqueles que tenham conhecimento de elementos pertencentes ao processo também passarem a ficar vinculados ao regime do segredo; e, ainda, alerta para o facto de o artigo 89.º, n.º 6 vir fixar limites temporários à duração do inquérito sem que se conheça qualquer reflexão tendente a responder às possíveis consequências de uma tal inovação.



Artigo 103.º, n.º 4 - Considera que a fixação de um limite de horário para o interrogatório judicial é uma solução absurda, que não tem qualquer justificação e que confunde actos de gestão processual com tutela de direitos.



Artigo 141.º, n.º 4 (com referência ao artigo 194.º, n.º 4, alínea b) – Não se compreende a razão da diferença de grau introduzida na apreciação do risco para a investigação, exigindo-se, no primeiro interrogatório, para negar ao arguido a informação sobre os meios de prova em que assentam os factos que lhe são

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imputados, apenas a possibilidade de a revelação colocar em causa a investigação ou dificultar a descoberta da verdade; enquanto que, para dispensa da indicação de tais elementos de prova na fundamentação do despacho que decreta a medida de coacção, já se exige que seja colocada “gravemente” em causa a investigação ou a impossibilidade de descoberta da verdade.



Artigo 147.º - Critica o alargamento dos procedimentos do reconhecimento efectuado em sede de inquérito e instrução agora à fase de julgamento.



Artigo 188.º - Entre as várias dúvidas que se lhe suscitam nesta matéria, dá especial relevo à alteração do paradigma judicial no controlo das intercepções. Considera-se que não seria absolutamente criticável que o MP passasse a ter uma palavra a dizer na selecção das escutas, uma vez que tal alteração poderia responsabilizar o titular do inquérito pela evolução da compilação da prova, isto sem prejuízo de ao juiz caber o poder de autorizar e prorrogar as escutas, bem como ter a última palavra sobre a adequação e proporcionalidade na selecção sugerida pelos investigadores para a transcrição. Duvida-se da possibilidade efectiva de o juiz proceder ao controlo previsto no artigo 188.º, n.º 6 porque tal controlo exige a audição integral de todas as conversas captadas o que é praticamente impossível. Ainda assim, nesta matéria e segundo a ASJP, a matéria mais controversa decorre de, em termos práticos, em função das alterações propostas, nada parecer ir mudar na parte mais sensível das escutas, isto é, a sua sujeição a apertados critérios que configurem a necessidade da sua utilização. Por outro lado, a alteração sugerida para esta norma não tem, na opinião da ASJP, a virtualidade de poder limitar a audição das conversas apenas mantidas pelos suspeitos, arguidos ou vítimas. Quanto à definição do prazo para o exercício da supervisão judicial, embora se reconheça que tem o mérito de poder fazer diminuir o número de anulações de escutas, considera-se, ainda assim, que se esbate o poder de controlo do juiz.



Artigo 189.º - Considera que a extensão do regime processual das intercepções telefónicas ao registo de conversações e comunicações transmitidas por outro meio técnico que não o telefone, não leva em conta a substancial diferenciação das situações em causa.



Artigo 194.º, n.º 2 - Discorda fundamentalmente da referência à fase processual durante a qual o impedimento tem lugar, denunciando, desta forma, a lógica prevalecente que terá estado na origem da norma, isto é, a lógica estatutária que distribui poderes entre as duas magistraturas em função das fases processuais. Considera que há que distinguir dois aspectos na decisão de aplicação de uma medida de coacção: a apreciação de indícios e a sua qualificação, e a apreciação dos perigos

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a acautelar. No primeiro momento, existe a limitação imposta pela correcta aplicação do princípio do acusatório e o juiz não poderá tomar em consideração factos que o MP não assume como indiciados para efeitos de aplicação da medida de coacção; todavia, assumida a indiciação pelo MP, o enquadramento jurídico-penal dos factos cujo exercício da acção penal se reclama já não deverá considerar-se limitado pela apreciação do acusador, constituindo, naturalmente, matéria que não pode ser negada à apreciação jurisdicional.



Artigo 215.º - Questiona se não seria de aplicar a solução prevista à situação da condenação em primeira instância.



Artigo 215.º, n.º 8; artigo 214.º, n.º 2; artigo 193.º, n.º 2 e artigo 225.º - Questiona o regime processual legal idêntico consagrado em relação à prisão preventiva e à permanência na habitação, afirmando não poder comparar-se a restrição aos direitos fundamentais decorrentes de uma medida de coação tão gravosa como a prisão preventiva, com a restrição, ainda que grave mas incomparavelmente diferente, da prisão que subjaz à medida de obrigação de permanência na habitação.



Artigo 217.º, n.º 3 - Considera que se trata de uma medida “piedosa” que, juridicamente, não faz qualquer sentido.



Artigo 225.º - Apesar de saudar o alargamento da previsão, entende que esta proposta de alteração não respeita o princípio da presunção de inocência, ao limitar a indemnização à inocência comprovada. Por outro lado, salienta que ficaram por rever todos aqueles casos em que o arguido, apesar de ter sido detido e sujeito a prisão preventiva, nem sequer é julgado por o MP optar pelo arquivamento.



Artigo 246.º, n.º 5 e 6 - Juridicamente, não faz qualquer sentido, esquecendo-se que existem procedimentos legais que têm muitas vezes na origem denúncia anónimas e nem por isso deixam de ser objecto de tratamento e controlo por parte do MP.



Artigo 257.º - Alerta para o facto de não se ter acautelado a conjugação desta norma com o disposto nos artigos 142.º e 254.º, dos quais continuam a decorrer como requisito para a realização do interrogatório do arguido por um juiz o facto deste se encontrar detido; nem tão pouco com o disposto no artigo 204.º. Esta alteração suscita muitas questões, pelo que se impõe a clarificação da vontade do legislador porque, caso contrário, se corre o sério risco de, no futuro, sempre que a polícia pretenda passar à fase de detenções, se escudar na inovação automatizada da verificação de perigo de fuga.

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Artigo 281.º, n.º 6 e 7 - A previsão destas alterações, apesar de a ASJP as considerar de interesse, não devem ser vistas como sendo imperativas.



Artigo 310.º, n.º 1 e 2 - Alerta para o facto de a solução da irrecorribilidade do despacho de pronúncia a que se refere o n.º 1, associada à irrecorribilidade do despacho que indefere diligências requeridas pelo arguido, adensar, em muito a tese, da inconstitucionalidade deste artigo uma vez que cai o argumento adiantado pelo Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade porque sempre estariam salvaguardados os direitos de defesa pela recorribilidade do despacho que negasse a realização de diligências instrutórias solicitadas pela defesa. Também o n.º 2 oferece reservas, parecendo que se está a atestar um grau de menoridade à decisão do JIC nos seus poderes de conhecer as nulidades e as valorar no seu legítimo poder de decidir.



Artigo 345.º, n.º 4 - Considera que esta é uma solução absolutamente discutível e que irá trazer ainda mais dificuldades à descoberta da verdade material, sem que se consiga vislumbrar quais os direitos que se pretendem salvaguardar.



Artigo 372.º - Questiona a eliminação da menção apenas à matéria de direito para a fundamentação do voto de vencido.



Artigo 400.º, n.º 1, alínea c) - Não se entende o sentido útil desta alteração, podendo a mesma vir a provocar alguma confusão, isto para além de remeter com alguma imprecisão para o artigo 97.º, n.º 1.



Artigo 400.º, n.º 1, alínea f)- Concorda-se com a alteração.



Artigo 400.º, n.º 3 - Considera que esta alteração corresponde a uma inflexão e a um retrocesso relativamente à jurisprudência uniforme estabelecida pelo Ac. n.º 1/2002 do STJ.



Artigo 402.º, n.º 3 - Alteração considerada inútil.



Artigo 411.º, n.º 3 e 4 - Não vê razões para, à partida, se distinguir e conceder prazos diferentes consoante se trate de recursos exclusivos sobre matéria de direito ou matéria de facto, suscitando a alteração proposta inclusive alguma confusão relativamente às situações em que simultaneamente se recorre de facto e de direito.



Artigo 412.º, n.º 3, alínea a) e b) - Não percebe a razão de ser para passar a constar expressamente esta “concretização” dos pontos de facto impugnados e das provas que

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impõem uma decisão diversa, uma vez que cabe sempre ao recorrente concretizar os mesmos.



Artigo 412.º, n.º 6 - Entende que a alteração proposta se limita a transcrever o que consta no artigo 690.º A, n.º 5 do CPC, esquecendo-se, todavia, que em processo penal o julgamento do recurso pode ser precedido de audiência pública.



Artigo 413.º, n.º 1 e 2 - Vale o que foi dito relativamente ao artigo 411.º, n.º 3 e 4.



Artigo 413.º, n.º 3 - Considera que não se deveria manter a redacção primitiva, mas antes acompanhar a referência de que a notificação ao recorrente deverá realizar-se oficiosamente e aquando da notificação do despacho previsto no artigo 414.º.



Artigo 414.º, n.º 7 - Entende que talvez o lugar próprio para esta alteração fosse no artigo 213.º:



Artigo 415.º, n.º 2 - Concorda com a alteração porque torna muito mais célere um simples despacho de homologação de uma desistência de recurso.



Artigo 417.º, n.º 6; artigo 425.º, n.º 5 - Não se prevê, sem qualquer justificação plausível, a possibilidade de se remeter os fundamentos da decisão de recurso para a decisão recorrida.



Artigo 417.º, n.º 9; artigo 425.º, n.º 3 - Não compreende que se estabeleça o mesmo prazo para a prolação de acórdão em conferência ou em audiência.



Artigo 424.º, n.º 3 - Considera positiva a alteração porque se evita que o processo baixe ao tribunal recorrido para uma mera comunicação.



Artigo 426.º A - Felicita esta alteração porque elimina um dos expedientes que, na prática, tem suscitado algumas dificuldades de aplicação.



Artigo 432.º, n.º 2, alínea c) - Não entende porque razão se insiste em tornar o STJ numa instância de recurso frequente, impondo o recurso obrigatório da 1.ª instância para o mais alto tribunal. Mas sendo esta a opção dever-se-ia harmonizá-la com a alteração proposta para o artigo 400.º, n.º 1, alínea f).



Artigo 437.º - Apesar de concordar com a alteração proposta, salienta que, para abraçar devidamente este bom caminho, seria necessário voltar a introduzir o carácter obrigatório da jurisprudência fixada pelo STJ.

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Artigo 449.º - Esta alteração pode potenciar a eternização dos processos já que o conceito de “provas proibidas” pressupõe sempre uma nova apreciação, isto é, um novo julgamento.

7.6. Sindicato dos Magistrados do Ministério Público Código Penal O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), em 26 de Fevereiro de 2007, emitiu um parecer sobre a Proposta de Lei 98/X do Código Penal. O SMMP começa por analisar a iniciativa de transformar a generalidade dos crimes contra o património, quando a coisa alvo da conduta típica for de valor diminuto, de crimes semi-públicos em crimes de natureza particular. Considera-se que a modificação da natureza do crime, ao implicar a constituição como assistente e a representação por advogado, vai impor aos ofendidos uma maior consciência na análise dos casos concretos. No entanto, o

SMMP

entende

que

tal

modificação

irá

implicar,

na

prática,

a

descriminalização dos crimes de furto, abuso de confiança, apropriação ilegítima, dano, burla e burla para obtenção de alimentos, bebidas e serviços quando as quantias envolvidas forem inferiores a 1 UC. Pelo que, no entender do SMMP, “a descriminalização encapotada que a proposta pretende efectuar tem de ser devidamente equacionada, uma vez que poderá ter graves reflexos no aumento da pequena criminalidade”. Por outro lado, O SMMP chama a atenção para o facto de a alteração da natureza destes crimes comportar uma importante modificação processual relativamente à possibilidade de detenção em flagrante delito. Relativamente à possibilidade de as pessoas colectivas e entidades comparadas virem a ser agentes activos de práticas tipificadas como crime, considera que tal alteração foi efectuada para cumprimento do direito internacional e, por essa razão, dado que as obrigações daí decorrentes não exigiam a incriminação, mas apenas a responsabilização, dever-se-ia ter tentado alcançar esses mesmos objectivos por outros meios, nomeadamente através do direito administrativo ou civil. Ainda nesta matéria, considera o SMMP que o quantitativo mínimo diário da pena de multa previsto no artigo 90.º-B n.º 5 (100 euros) é elevado face à

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realidade económica da generalidade das empresas nacionais e alerta para o facto da responsabilidade penal das pessoas colectivas poder vir a criar problemas de constitucionalidade, por eventual violação do disposto no artigo 18.º da CRP. Finalmente, questiona-se a exclusão da responsabilidade penal das pessoas colectivas públicas, que também poderá originar problemas de constitucionalidade, bem como vir a ser apontada como um factor de alteração às regras de concorrência. A questão das penas e da liberdade condicional foi também objecto de reflexão por parte do SMMP. Entende que o relatório final elaborado pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional não deveria ser o único fundamento para as alterações a efectuar nesta área, sendo necessário “conhecer o caminho das pessoas que, com habitualidade, se dedicam à prática de crimes e acabam por ser condenadas em penas efectivas de prisão, porque só conhecendo a vida do habitual agente da prática de crimes se pode decidir sobres estas matérias”. O SMMP conclui, afirmando que as alterações comportam várias medidas que merecem concordância, havendo, no entanto, várias outras que deviam ter sido alvo de estudo prévio de forma a que fossem “mais consentâneas com a realidade judiciária e comunitária, assim obtendo maior legitimidade e acolhimento”, alertando para o facto de algumas propostas serem de difícil harmonização com alguns dos fundamentos da política criminal e poderem vir a provocar a ocorrência de efeitos opostos aos pretendidos.



Artigo 11.º, n.º 4 - Esclarece que a posição de liderança é exercida não pelo órgão mas sim pelos seus titulares individualmente considerados.



Artigo 30.º - Considera-se positivo que se esclareça que os crimes praticados contra bens jurídicos de matriz essencialmente pessoal não possam ser objecto de unificação pelo instituto do crime continuado. Alerta, no entanto, para o facto da ressalva contida no n.º 3 poder vir a tornar-se a regra e não a pretendida excepção o que fará com que esta alteração seja quase inócua. Nos casos de proximidade entre o agente do crime e a vítima, melhor teria sido se se retomasse a excepção criada para ao n.º 2, uma vez que a solução adoptada na proposta parece afrontar uma das preocupações enformadoras das alterações às leis penais: a protecção da vítima de crime.

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Artigo 43.º - Relativamente ao n.º 3 da redacção proposta não se entende a opção legislativa. Os crimes cometidos no exercício de certos cargos e funções são, objectivamente, reveladores de um maior nível de ilicitude e de culpa. Com a alteração pretendida, passaremos a ter dois tratamentos diferentes ao nível das penas: o agente do crime menos grave é punido com a pena de prisão e o agente do crime mais grave pode ser punido com a pena de substituição de proibição do exercício de profissão, função ou actividade pública ou privada. Relativamente ao n.º 7 o SMMP alerta para o facto da sua redacção parecer ser violadora do princípio da igualdade, sem que consiga ver fundamento com força legitimadora para tal alteração; bem como para problemas de articulação entre este n.º e o n.º 5.



Artigo 44.º - A possibilidade aqui consagrada é de saudar porque evita o estigma da prisão e pode permitir uma maior eficácia em sede prevenção especial. É preciso, no entanto, evitar que exista um tratamento diferenciado em função das possibilidade económicas dos condenados. Outro aspecto prende-se com a articulação do 44.º, n.º 1 e alíneas d) e e) do n.º 2. Afirma que não compreende a razão de ser destas alíneas uma vez que quem está obrigado a permanecer na sua habitação, por regra, não providencia pelo sustento dos seus familiares, verificando-se, aliás, a situação oposta.



Artigo 47.º - Esta norma revela que por trás da reforma estão também interesses economicistas. Com a reforma visa-se diminuir o tempo de prisão efectiva a cumprir pelos condenados e, por outro lado, aumenta-se em 500% o valor do quantitativo mínimo diário da pena de multa (de 1 euro passa para 5 euros), conseguindo-se, desta forma, diminuir a despesa e aumentar a receita.



Artigo 59.º - Defende-se que a revisão legislativa em curso deveria criar um critério quantitativo de conversão das penas de multa em pena de trabalho a favor da comunidade.



Artigo 80.º: O SMMP considera que a possibilidade conferida pelo n.º 1 desta norma levanta dois problemas: por um lado, o sistema judiciário não está preparado para aplicar a norma, uma vez que não existe modo eficaz de controlar em quantos processos o desconto já foi realizado; por outro, a falta de um limite temporal para o desconto vai fazer surgir no condenado a ideia de que possui um autêntico “crédito” de pena sob o Estado.

No mesmo dia, em 26 de Fevereiro de 2007, o SMMP emitiu um parecer sobre a Proposta de Lei 109/X do Código de Processo Penal. Considera, em

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termos gerais, positiva a tentativa de tornar o processo penal mais célere, designadamente no que concerne à fase de recurso nos tribunais superiores, bem como ao alargamento do âmbito de aplicação dos processos especiais. A este respeito afirma-se, ainda, que a solução para os problemas originados pela pequena e média criminalidade passa por uma melhor e mais eficaz utilização dos processos especiais, razão pela qual se entende que “se poderia ter ido, ainda, mais longe nas alterações dos processos especiais”. No que respeita à proposta do JIC não poder aplicar medida de coacção mais grave do que a prevista pelo MP, entendem que se trata de um substancial reforço do princípio do acusatório, em cumprimento das imposições constitucionais. Regista-se, ainda, como positivo o reforço das garantias dos arguidos em sede de interrogatório, o reforço da segurança e certeza jurídica alcançado com a previsão de ampliação das situações em que a presença do defensor é obrigatória no interrogatório e com o prazo para apresentação dos suportes técnicos das escutas telefónicas ao JIC. O SMMP levanta, contudo, várias questões, desde logo, em termos de política criminal, alertando para o facto de as alterações propostas comportarem “sérias e preocupantes novidades, uma vez que continuam o trajecto já iniciado com outras recentes propostas de alteração legislativa no sentido de se tutelar sempre e só a posição do arguido/suspeito pela prática de crime em detrimento da protecção da sociedade e, por vezes, da vítima”. Neste sentido, salienta a proposta de irrecorribilidade do despacho que aplica, altera ou revoga as medidas de coacção para todos os sujeitos processuais à excepção do arguido. O aumento de prazos para a constituição de assistente, para a interposição de recursos e respectiva resposta são, na opinião, do SMMP, injustificáveis dado que não comportam qualquer benefício para o processo e têm como único efeito o atraso dos processos. Consideram que as alterações propostas

continuam

“o

aprofundamento

das

dificuldades

criadas

à

investigação criminal”. Neste contexto, alertam para o que consideram escassez de meios materiais e financeiros e a quase inexistente formação dos quadros da investigação, factores que afectam o combate à criminalidade organiza e económico-financeira. 116

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Considera-se, ainda, que a reforma deveria permitir a existência de conexão de processos para crimes cometidos por um ou vários agentes que actuem em grupo e o façam numa zona geográfica delimitada e que ficou por regular a possibilidade do MP e dos tribunais poderem aceder directamente às bases de dados das entidades policiais e demais entidades públicas. Quanto ao inquérito, defende-se a fixação de um prazo peremptório para as entidades e instituições, cujo trabalho se reflecte de forma directa na celeridade do inquérito. Ainda neste âmbito, considera-se que os interrogatórios do arguido perante juiz, desde que se garanta o princípio do contraditório e o exercício de todos os direitos de defesa, deveriam poder ser plenamente utilizados em audiência de discussão e julgamento, devendo valer neste campo o princípio da aquisição e não o da imediação. No que respeita ao processo comum singular em que não haja pedido indemnização civil, propõe-se que a lei confira ao juiz a faculdade de, no despacho saneador, poder alterar a forma de processo para sumaríssimo, propondo ao MP e ao arguido uma sanção não privativa da liberdade. Quanto ao processo sumaríssimo, não está resolvida a questão de saber se o limite máximo da pena de prisão que permite a aplicação de sanções neste tipo de processo é também aplicável no caso de concurso efectivo de crimes ou se apenas é de aplicar quando estamos perante um único crime. Em processo sumário,

dever-se-ia

ter

previsto

a

dispensa

dos

agentes

policiais

comparecerem em julgamento. Finalmente, considera-se que ficaram por regulamentar novos meios de prova, designadamente, acesso e utilização das bases de dados de ADN ou da gravação e utilização do registo de som e imagem. Um outro ponto a carecer, igualmente, de regulamentação prende-se com o sistema de cumprimento das penas privativas de liberdade que, por ter que ser efectuado por dois tribunais (tribunal da condenação e tribunal de execução das penas), se reveste de especial complexidade. Assim, de forma a simplificar o procedimento, a torná-lo mais célere e mais respeitador dos direitos dos condenados, na opinião do SMMP, “bastaria proceder à alteração da competência dos tribunais de molde a que a execução ficasse verdadeiramente a cargo do Tribunal de Execução de Penas”. 117

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Artigo 58.º, n.º 3 - o regime que se pretende criar para a validação da constituição de arguido por parte do MP quando a mesma ocorrer por decisão do OPC “é caro, burocrático e vai aumentar consideravelmente o trabalho dos órgão de polícia criminal e, em consequência, atrasar a decisão final do inquérito”. Defende-se que, para evitar os inconvenientes e assegurar as garantias que esta nova norma visa, “bastaria criar um incidente em que o próprio arguido requeresse ao magistrado titular o controlo e validação da sua constituição como arguido”.



Artigo 89.º, n.º 6 - Findo o prazo normal de inquérito passa a ser possível a qualquer sujeito processual consultar os autos. Acontece que os crimes mais graves são, por regra, os mais morosos e de difícil investigação o que faz com que os prazos de inquérito relativos a este tipo de processos sejam absolutamente irreais e impossíveis de cumprir. Esta medida vai acabar por “criar a situação oposta ao que se pretende”. A ratio desta proposta de alteração é criar a possibilidade dos sujeitos processuais conhecerem o processo e poderem controlar o seu curso. Contudo, nos crimes que legitimam a existência de pré-inquérito, a solução proposta levará ao resultado contrário dado que a reacção dos OPCs será a de iniciarem todos os processos com meios de investigação informal de forma a disporem de mais tempo. Pelo que, com esta proposta de alteração, o que vai acontecer é que a investigação continuará fora do conhecimento dos sujeitos processuais e com a agravante de também estar fora da direcção e controlo judicial do MP e JIC.



Artigo 132.º, n.º 4 - O SMMP nada tem a opor a esta norma em concreto, mas considera que se deveria ter acautelado uma questão paralela de elevada importância processual. Não se compreende que o advogado da testemunha, ou outro advogado com que aquele mantenha relação de proximidade profissional, possa intervir no mesmo processo como defensor de um arguido dado que estaria sempre numa posição privilegiada por conhecer a prova já produzida. Daí que sugira que a lei, em consonância com uma alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, devesse prever um regime de verdadeiras incompatibilidades para esta situação. Face a esta solução, deixa de ser compreensível que as inquirições realizadas em sede de inquérito, uma vez garantidas pelo defensor do depoente, não possam ser utilizadas para confrontar a própria testemunha com as incongruências do depoimento que prestar em julgamento.



Artigo 133.º, n.º 2 - Esta solução dificulta a produção de prova sem que daí advenha qualquer ganho nos direitos de defesa da testemunha uma vez que a proibição de auto-incriminação se encontra devidamente salvaguardada.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 174.º, n.º 5 - Não se esclarece o conteúdo de “quando for seguido” pelo que a redacção desta norma nos termos propostos, vai criar os mesmos problemas que têm sido levantados sobre a redacção do artigo 188.º a respeito das escutas telefónicas. A referida expressão pode ser interpretada como sendo o momento contínuo e pode ser interpretada como sendo o momento seguinte à investigação.



Artigo 186.º, n.º 3 e 4 - A proposta de alteração para esta norma encerra uma incongruência interna que não se entende e que apenas tem o efeito de atrasar o processo. Se o legislador entende que o prazo máximo para se proceder ao levantamento dos objectos aprendidos é de 90 dias (n.º 1), qual a razão para que os objectos apenas se considerem prescritos para o Estado decorrido que seja um ano? Esta norma será a génese de dois problemas: o aumento de objectos depositados nos tribunais que já não têm espaço para guardar os que se encontram à sua ordem e o incremento do número de execuções pendentes nos tribunais.



Artigo 219.º, n.º 1 e 3 – Discorda-se com a opção de apenas ser permitido ao arguido, ou ao MP a seu favor, recorrer da decisão que aplica, mantém ou substitui as medidas de coacção, desde logo porque tal medida fere o princípio da igualdade de tratamento entre os sujeitos processuais, mas também porque é frontalmente contrária a uma das opções fundamentais da reforma do processo penal: a protecção e salvaguarda dos direitos da vítima. A norma é “discricionária e que deixa completamente desprotegida e sociedade e a vítima de crime, em detrimento do seu agente”.



Artigo 217.º, n.º 3 - Apesar das críticas doutrinais a esta proposta de alteração, entende que há que prever a possibilidade de o prazo de prisão preventiva se esgotar e, ainda assim, continuarem a existir as razões cautelares que lhe estão subjacentes. Tendo em conta estas situações, podendo estar em causa a integridade do ofendido, considera que a proposta de alteração é compreensível.



Artigo 246.º, n.º 5, alínea a) - Considera que a proposta de redacção deste preceito é contraditória nos seus próprios termos na medida em que os “indícios” nunca resultam da denúncia, mas sim da prova recolhida durante a investigação. Pelo que, não compreendem o que poderá compreender-se por “uma denúncia reveladora de indícios”. Por esta razão, defendem que a norma irá dar origem a posições interpretativas contrárias. Por outro lado, alertam ainda para o facto de a norma desrespeitar o princípio da legalidade e da oficialidade que impõem ao MP a obrigação de iniciar o procedimento criminal sempre que tiver notícia da eventual prática de um crime.

119

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma



Artigo 276.º, n.º 4 a 6 - O regime previsto para os casos em que o prazo de inquérito seja ultrapassado “é inútil porque nada traz de novo e vai importar um enorme atraso na tramitação dos processos”. A hierarquia do MP conhece todos os processos em que são ultrapassados os prazos de inquérito uma vez que, mensalmente, é elaborado um relatório estatístico onde também consta essa informação.



Artigo 281.º, n.º 1, alínea c) – A solução aqui consagrada é positiva, mas de difícil, senão impossível, aplicação concreta uma vez que não existe actualmente qualquer meio de saber se determinado arguido já beneficiou, ou não, de anterior aplicação de suspensão provisória do processo. Assim, a verificação deste pressuposto implica que as suspensões provisórias do processo passem a ficar averbadas ao registo criminal ou que se crie uma base de dados nacional sobre a sua aplicação.



Artigo 354.º, n.º 4 - A solução proposta vai originar situações “caricatas e de difícil compreensão pela sociedade”, levando a um acrescido descrédito e deslegitimação social do sistema judicial. Não se entende porque razão as declarações de co-arguido não ficam, nos termos gerais, sujeitas ao princípio da livre apreciação.



Artigo 382.º, n.º 2 - Não existe qualquer razão para, em processo sumário, se impor ao MP a realização de um interrogatório prévio à apresentação do arguido ao juiz para julgamento. Esta medida apenas contribui para atrasar a realização da audiência e a ocupar o tempo dos agentes policiais, funcionários e magistrados, para além de aumentar os custos do processo.



Artigo 414.º, n.º 1 – Discorda-se da solução de os sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso responderem antes do mesmo de ser admitido, até porque a resposta ao recurso importa toda uma série de formalidades da secretaria e dos sujeitos processuais que atrasam e encarece o processo.

7.7. Pareceres de outras Instituições Instituto de Medicina Legal Focou duas questões. Em primeiro lugar, propôs a alteração do disposto no artigo 159.º do Código de Processo Penal, no sentido de reflectir o disposto no artigo 2.º da Lei das Perícias Médico-Legais. Em segundo lugar, chamou a atenção para o facto de “com muita frequência, os peritos médico-legais serem convocados para prestação de esclarecimentos não na qualidade de peritos mas na qualidade de testemunhas, quando a única intervenção que tiveram no processo foi a realização de uma perícia médico-legal”.

120

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Comissão de Programas Especiais de Segurança Na sequência da solicitação do Ministro da Justiça para apresentar comentários ou sugestões aos projectos de revisão dos Códigos Penal e de Processo

Penal,

informou

não

pretender

apresentar

qualquer

uma,

acrescentando que, oportunamente, apresentaria uma proposta de alteração à Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que regula a aplicação de medidas para a protecção de testemunhas em processo penal.

Direcção-Geral da Administração da Justiça Defendeu uma proposta de alteração ao Código de Processo Penal relativamente ao trânsito em julgado e à fase de execução das penas de multa em sede de processos sumários e abreviados, no sentido de as dotar de celeridade à semelhança da fase de inquérito e julgamento. Assim, propõem “o imediato trânsito em julgado das decisões finais em ambos os processos, nos casos em que os sujeitos processuais não interponham recurso por simples declaração para a acta. Por outro lado, o juiz passa a fixar na sentença a pena subsidiária de prisão a aplicar quando o arguido não venha a proceder voluntária ou coercivamente ao pagamento da multa aplicada. Consagra-se ainda a possibilidade de liquidação da multa e das custas logo que a decisão transite em julgado e a consequente notificação imediata ao arguido”.

Amnistia Internacional – Secção Portuguesa Esta entidade emitiu parecer sobre o projecto de revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal, manifestando, em primeiro lugar, a sua concordância genérica com os mesmos “por conterem melhorias importantes do direito português quer no que respeita à protecção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos quer no que se refere à defesa dos direitos dos cidadãos reclusos”. Em especial, no que respeita ao Código Penal, a concordância da Amnistia Internacional prende-se, acima de tudo, com o reforço das penas alternativas à pena de prisão. Especificamente, aderiu às seguintes alterações: reforço da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável; introdução da pena de permanência na habitação; possibilidade de substituição da pena de prisão 121

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

até 3 anos pela de proibição do exercício de actividade e profissão; alargamento do âmbito da pena de trabalho a favor da comunidade e das penas de multa, prisão por dias livres e semidetenção; possibilidade de suspensão da pena de prisão até 5 anos; possibilidade da liberdade condicional em qualquer caso a meio da pena; desconto das medidas privativas da liberdade aplicadas em processo diferente; punição agravada da mutilação genital, da violência doméstica e do tráfico de pessoas; e extinção da responsabilidade criminal por crimes patrimoniais quando haja restituição ou reparação integral dos prejuízos. Esta instituição manifestou, no entanto, a sua preocupação quanto às soluções normativas relativas à extinção do efeito consumptivo do caso julgado no regime do crime continuado; à insuficiente regulamentação dos maus tratos e em especial dos maus tratos a menores; ao prazo de 6 meses a contar da data em que o ofendido perfizer 18 anos para a extinção do direito de queixa; e à diminuição da tutela penal nos crimes contra o ambiente. No que respeita ao projecto de revisão do Código de Processo Penal, a concordância desta instituição reconduz-se ao novo regime do segredo do inquérito; ao maior controlo das escutas telefónicas; à restrição do âmbito da aplicação da prisão preventiva; e ao alargamento das formas especiais de processo. Apresentou, contudo, objecções relativamente à omissão de autorepresentação em processo penal, à desprotecção da vítima no regime das medidas coactivas, à semi-publicização dos crimes particulares e à introdução de distinções jurídicas qualitativas entre as sentenças absolutórias.

Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) Ouvida no âmbito da discussão parlamentar, esta entidade emitiu parecer escrito, que versou unicamente sobre os crimes contra o património, cuja nova regulação reputou de “especialmente negativa”. São duas as questões levantadas. A primeira prende-se com a discordância com o valor exagerado

atribuído

aos

conceitos

de

“valor

elevado”

e

“valor

consideravelmente elevado”, propondo a sua redução para metade. A segunda diz respeito ao carácter semi-público, que rejeitam, dos crimes de furto simples, abuso de confiança, dano simples, usurpação de coisa imóvel, burla simples, burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, infidelidade e abuso de 122

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

cartão de garantia ou de crédito. No que respeita a este último, a CCP defende ainda que a dependência de acusação particular para os crimes contra o património de baixo valor, além de onerar excessivamente o ofendido, dá um “sinal (…) de impunidade de grande número de crimes (…) que, na prática, se descriminalizam”.

Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol e Confederação das Associações de Juízes e Árbitros de Portugal Estas entidades participaram na discussão sobre os projectos de revisão, remetendo para a Assembleia da República, um documento com várias propostas de alteração à lei então vigente e que já havia sido dado a conhecer em 2006 ao Governo, chamando a atenção para duas questões concretas: uma relacionada com o Código Penal e outra com a Lei-Quadro de Política Criminal. A primeira diz respeito à inclusão da expressão “juiz ou árbitro desportivo”, ou, pelo menos, de forma mais restrita, da expressão “juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva”, na aliena j), do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal (homicídio qualificado), que correspondia à alínea l) da proposta. A segunda à inclusão dos crimes de ofensas à integridade física contra juízes ou árbitros na Lei-Quadro de Política Criminal como crimes de prevenção e investigação prioritária.

Eurojust Através do seu Membro Nacional, a Eurojust remeteu à Assembleia da República um parecer relativo ao projecto de revisão do Código de Processo Penal que focava três questões essenciais: o regime da publicidade do processo (artigo 89.º, n.º 5); a omissão de referência às declarações tomadas por carta rogatória no artigo 356.º, n.º 2; e o regime de notificações e julgamento na ausência e a sua incompatibilidade com o regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu. No que respeita à primeira questão, defende que a permissão de consulta de todos os elementos do processo pelo arguido, ofendido e assistente, após o decurso do prazo de inquérito, com possibilidade de adiamento por três meses, “não encontra justificação no plano dos princípios e 123

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

traduzir-se-á, na prática, na frustração das finalidades do inquérito e dos mecanismos de cooperação internacional, designadamente nos casos de criminalidade grave e organizada, de natureza transnacional”, argumentando que uma rápida e eficaz conclusão do inquérito poderá ser garantida através do aperfeiçoamento do mecanismo da aceleração processual. Quanto ao disposto no artigo 356.º, n.º 2, alínea c), que omitia a possibilidade de leitura de declarações obtidas mediante cartas rogatórias legalmente permitidas, o parecer defendeu a sua inclusão, atendendo, principalmente, à dimensão internacional da criminalidade grave e organizada e à mobilidade das pessoas. Chama, no entanto, à atenção para o facto de “para prevenir hipóteses em que a recolha das declarações pode ser obtida por outra entidade, nomeadamente por delegação do juiz, de acordo com o direito do Estado requerido”, a formulação não poder, no que respeita às carta rogatórias, “ficar inflexivelmente sujeita à restrição constante do corpo do n.º 2 (“tendo sido prestadas perante juiz”)”. Por fim, no que se refere ao julgamento na ausência em caso de mandado de detenção europeu emitido por Portugal, em nome da possibilidade de execução deste último, o parecer defende a necessidade de introdução de “uma norma que, qual válvula de segurança, possibilite a Portugal a prestação de garantia legal a um novo julgamento com direito de presença, de modo a que arguidos condenados em tribunais portugueses por crimes graves possam ser entregues a Portugal”.

124

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

8. O debate sobre a reforma a partir da comunicação social Uma das características que tem marcado as reformas judiciais, um pouco por toda a Europa nas últimas décadas, é a crescente atenção que os media lhes dedicam. Se algo se pode dizer com segurança, a respeito da reforma penal de 2007, é que foi uma reforma mediática.6 Como já referimos na introdução geral, consideramos fundamental a análise dos traços dessa mediatização por várias razões. Em primeiro lugar, porque ela veicula um diagnóstico que consideramos importante, permitindo identificar os principais temas do debate público. Em segundo lugar, possibilita, a partir da identificação dos protagonistas, evidenciar consensos e dissensos entre os operadores do sistema judicial e outros. Além de que, a actuação dos próprios media pode, dando maior ou menor atenção a certa temática, produzir questões e marcar o tom e o traço dos debates públicos (Mendes, 2004). A análise de imprensa, que a seguir se faz, neste relatório ainda de forma preliminar e exploratória, teve como objectivo principal identificar, quer os principais temas de debate, quer os seus principais actores ou mobilizadores. Para tal, recorremos a pesquisas nos sítios de Internet dos principais órgãos de imprensa portugueses e, posteriormente, nas bases de dados de imprensa da DGPJ,

que

melhoraram

substancialmente

a

qualidade

da

pesquisa.

Seleccionámos cerca de 250 artigos em periódicos nacionais, entre Julho de 2007 e a terceira semana de Janeiro de 2008, que constituem uma amostra representativa do debate mediático, embora não exaustiva, que se encontra discriminada por publicação no gráfico abaixo.

6

Seria interessante compará-la neste aspecto com as reformas penais anteriores, exercício para além do âmbito deste estudo, mas a ausência de tal contextualização histórica não esbate a impressão inicial.

125

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Gráfico 1 – Artigos analisados por periódico Correio da Manhã

66

Jornal de Notícias

52

Diário de Notícias

50

Público

37

O Primeiro de Janeiro

14

Diário Económico

12

Justiça e Cidadania

10

Sol

6

Visão

5

Expresso

3

Sábado

2

Jornal de Negócios

2

Focus

2

Semanário

1

O Diabo

1 0

10

20

30

40

50

60

A recolha é exaustiva a partir de Julho, excepto para as publicações “Semanário” e “Diabo”. Para esta análise, excluíram-se, numa primeira triagem, artigos sobre casos concretos que referissem acessoriamente a reforma penal, mas mantivemos aqueles em que, inversamente, o caso concreto servia de ilustração à reforma penal e seus efeitos. Como seria de esperar, a imprensa diária tem preponderância na amostra. Todavia, é de acrescentar que tal preponderância foi também qualitativa: os artigos de fundo mais extensos e detalhados encontram-se igualmente nas páginas dos diários. Construímos, a partir desta amostra, uma base de dados de assuntos e intervenientes no debate, cuja análise quantitativa complementa a interpretação do corpus de artigos que se segue. Começamos por caracterizar o curso de debate mediático, para depois nos centrarmos nos actores e nas temáticas debatidas.

126

70

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Curso do debate Resulta da nossa amostra, que o caso mediático da reforma penal tem o prelúdio no início do Verão de 2007. Em meados de Julho, quando o novo Código de Processo Penal se preparava para ser aprovado, as atenções incidem no novo regime de segredo de justiça. A vinculação explícita dos jornalistas ao segredo de justiça gera, pontualmente, cepticismo. O Jornal de Notícias, de 15 de Julho, abre a edição com destaque ao tema, revelando as reservas de advogados, professores e, sobretudo, de jornalistas. Quatro dias depois, o jornal “Público” refere as preocupações da ASJP, expressas em parecer sobre o Código de Processo Penal, com o conflito que se criará entre segredo de justiça e liberdade de imprensa. Por esta altura, surgem já referências pontuais à “previsível” libertação de presos preventivos, matéria que se tornará um dos pontos quentes mediáticos. O Verão põe fim a esta breve cobertura jornalística. É com o regresso das férias judiciais, no início de Setembro, que a reforma penal vai “explodir” na cena mediática, em três vagas temáticas sucessivas: divulgação de escutas, data de entrada em vigor da reforma e libertação de reclusos. Logo no início de Setembro, os media incidem na restrição à divulgação de escutas telefónicas, que já constava da proposta de Código de Processo Penal entregue pelo Governo à Assembleia da República em Dezembro de 2006. Estala, então, um clamor na classe jornalística, que encontra alguma solidariedade discreta, mas coesa, no âmbito do MP; enquanto juízes e advogados se mostram divididos. As associações de juízes criticam a norma, que alguns juízes apoiam individualmente. Mais, visivelmente, o apoio institucional da Ordem dos Advogados contrasta com a rejeição de advogados que se pronunciam publicamente sobre o tema. A título de exemplo, Luís Menezes Leitão, candidato a bastonário da OA, critica em artigo de opinião no Jornal de Notícias de 18 de Novembro de 2007 a “linha panglossiana de aplauso” da Ordem, defendendo a revogação da norma. O tema domina as preocupações nas primeiras duas semanas de Setembro, passando para segundo plano à medida que se aproxima a entrada em vigor da reforma, embora permaneça no debate até Dezembro.

127

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

A rápida entrada em vigor da reforma penal, com um curto período de vacatio legis, foi, porventura, o factor que a catapultou para uma notoriedade, além do expectável, numa reforma que sempre altera rotinas instituídas. Para um leigo que seguisse a imprensa, a reforma parecia ter feito um curto-circuito na máquina judicial, que simplesmente não sabia o que fazer – veja-se títulos como “Ministério Público em alerta geral”, “Caos nos tribunais e prisões”,

“Códigos

dificultam

vida

das

polícias”.7

A

ideia

inicial

de

“desorientação” dá lugar, rapidamente, a um sonoro protesto, e a reforma penal explode definitivamente na cena mediática. Nos dias que antecedem a entrada em vigor e na semana que se segue, é o centro de todas as atenções. A cobertura mediática atinge o seu pico máximo, tanto em quantidade como em qualidade: mais de 50 artigos, agora já não discretamente nas secções de justiça ou política nacional, mas com direito a manchete, abertura de jornal, editorial e tratamento extenso de 4 ou 5 páginas.

Gráfico 2 – Número de artigos por semana 60

55 50

40

30

23 20

18

16

19

18

16 12

10 10

7

11 8

7 3

7 3

7

6 3

3

5 2

4

0 Até 1 2 de 9 de 16 de 23 de 30 de de SET a SET a SET a SET a SET a SET 8 de 15 de 22 de 29 de 6 de SET SET SET SET OUT

7 de OUT a 13 de OUT

14 de 21 de 28 de OUT OUT OUT a 20 a 27 a 3 de de de OUT OUT NOV 2007

7

4 de NOV a 10 de NOV

11 de 18 de 25 de 2 de 9 de 16 de 23 de 30 de 1 de 6 de 13 de 20 de NOV NOV NOV DEZ a DEZ a DEZ a DEZ a DEZ a JAN a JAN a JAN a JAN a a 17 a 24 a 1 8 de 15 de 22 de 29 de 31 de 5 de 12 de 19 de 26 de de de de DEZ DEZ DEZ DEZ DEZ JAN JAN JAN JAN NOV NOV DEZ 2008

Respectivamente, Correio da Manhã de 13 de Setembro, Jornal de Notícias e Expresso de 15 de Setembro.

128

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Inicialmente, a atenção incidia na incapacidade da máquina judicial para fazer face à reforma. A PGR revela que não tem meios próprios para saber os casos dos presos preventivos que terá de reapreciar, procuradores mostram-se revoltados com o súbito trabalho burocrático a que são obrigados para regularizar os processos e salvar as investigações existentes (notificações, pedidos de segredo de justiça), juízes evidenciam o afluxo de libertações e recursos que terão de despachar. Tudo, reclama-se, sem reforço de meios, sem sequer acesso a edições impressas dos novos Códigos. Lê-se, naqueles dias, títulos como: “PGR alerta para falta de meios”; “Juízes e procuradores criticam rápida entrada em vigor do novo Código”, “A pressa das alterações na Justiça”.8 Uma vez passada a data de 15 de Setembro, e consumada a entrada em vigor da reforma penal, a atenção desloca-se para a libertação de reclusos. Após a referência à libertação de 115 reclusos sucedem-se notícias que se debruçam sobre casos específicos, sobretudo, em alguma imprensa, dita “tablóide”. Assassinos e violadores libertados, ou que poderão vir a ser libertados, eis as palavras de ordem que ficam na memória e levarão o poder político a acusar os media de sensacionalismo e alarmismo irresponsável – “Assassino de polícias pode sair em liberdade”, “Libertados 115 presos com a entrada em vigor dos códigos “, “Novo Código Penal (sic) permite libertação mais rápida de homicidas”, “Criminosos na rua revoltam polícias”.9 Para alguns reclusos, começam os pedidos de habeas corpus e reabertura de audiência, que conhecem uma cobertura mais sóbria. Desenvolvem-se, também, nesta semana os temas que irão marcar o debate futuro. Do interior do MP, multiplicam-se as críticas à dificuldade de investigação do crime económico e organizado, ofuscadas, nesta fase, pelo enfoque na “onda de libertações”, mas que caracterizarão o discurso deste sector daqui em diante. Entretanto, o Procurador-Geral da República, que se mantivera discreto até aí, refere a necessidade de alterações aos Códigos que acabaram de 8

Respectivamente, Jornal de Notícias de 14 de Setembro, Público e Diário de Notícias de 15 de Setembro. 9 Respectivamente, Diário de Notícias e Jornal de Notícias de 16 de Setembro, Diário Económico e Correio da Manhã de 17 de Setembro.

129

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

entrar em vigor,10 ao mesmo tempo que tenta desdramatizar alertas de colapso da investigação lançados por figuras cimeiras do MP. Os partidos do centro político mostram-se tão surpreendidos quanto fechados à ideia, enquanto o PCP propõe a suspensão provisória de vigência dos novos códigos. O Presidente da República mostra-se, igualmente surpreendido, com toda a polémica. Após a agitada semana que se seguiu à entrada em vigor, dir-se-ia que mediaticamente a reforma penal entra em velocidade de cruzeiro, passa a pano de fundo sem, no entanto, desaparecer. Os holofotes abandonam o terreno, as notícias regressam às secções temáticas dos jornais e ao ritmo de meia a uma dúzia por semana e as dinâmicas institucionais voltam a marcar o ritmo da cobertura. Haverá, ainda, dois picos de cobertura, em Novembro e em Janeiro, porém, muito aquém da cobertura mediática da entrada em vigor. Outubro é um mês relativamente parco em notícias, parcimónia que dá visibilidade a questões de maior especificidade esquecidas até aí. O Jornal de Notícias de 7 de Outubro refere – é único a fazê-lo – a questão da nomeação de advogados de defesa: o novo Código de Processo Penal era omisso a este respeito (artigo 62.º) e gerou confusão nas polícias e MP, levando a PGR a emitir uma directiva que mandava aplicar o código anterior nesta matéria. A norma do crime continuado (artigo 30.º) é “descoberta” na segunda semana do mês como “órfã” e potencial “favor político”. O, então, Presidente da Unidade de Missão, Rui Pereira, nega a responsabilidade por ela, o PS terá ponderado retirá-la uma vez na Assembleia da República, mas acabou por mantê-la, e, não se conhecendo as de actas, ninguém assume explicitamente a autoria. Declarações ao semanário Sol de Catalina Pestana, ex-provedora da Casa Pia, que acusam o novo Código de Processo Penal e esta norma em particular de serem feitas propositadamente para o processo Casa Pia, despertam a atenção em vários periódicos.

10

A posição surge a 17 de Setembro de 2007, na abertura do ano lectivo no CEJ.

130

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

A nova regulamentação da proibição de divulgação de escutas começa a ser posta à prova com a publicação, no início do mês, de escutas por alguns órgãos (Sol, Correio da Manhã, 24 Horas).11 No plano da acção institucional, os agentes judiciários dão na segunda metade do mês sinais de organização para reclamar alterações aos novos códigos: ASJP, SMMP, OA e ASFIC anunciam para o mês seguinte uma reunião para estudar propostas de alteração, enquanto o PGR anuncia “dar” mais um mês de avaliação antes de eventuais propostas. A reacção política começa a diferenciar-se: PS e PSD mantêm-se fechados a alterações, o CDSPP espera pela apreciação do Procurador-Geral, enquanto PCP manifesta abertura e avança no Parlamento com a sua proposta de suspensão de vigência dos códigos, com o apoio do BE. O próximo pico de atenção mediática, mais discreto que o de Setembro, surge em Novembro com a realização de um congresso sobre a reforma penal na Universidade Lusíada, nos dias 16 e 17, que funciona como um amplificador para as queixas do Ministério Público e cimenta institucionalmente a sua pretensão de alterações. Nomes proeminentes do MP lançam críticas com impacto mediático: o novo Código de Processo Penal é paroquial, caseiro, só serve para a pequena criminalidade, abole na prática o segredo de justiça, introduz uma privatização inaceitável do processo penal, faz letra morta da Constituição (Cândida Almeida); fixa prazos impraticáveis para o crime económico (Jorge Rosário Teixeira); impossibilita a investigação consequente e poderá trazer sérios problemas de criminalidade grave dentro de alguns anos (Maria José Morgado). Com este pano de fundo, o Procurador-Geral da República anuncia que pedirá em breve alterações a algumas medidas, nomeadamente o alargamento dos prazos de inquérito para casos de criminalidade complexa. Em defesa da reforma, surgem vozes da advocacia alguns dias mais tarde (como Rogério Alves e Proença de Carvalho) As notícias diminuem a cadência no mês de Dezembro. As atenções em matéria de justiça incidem agora na onda de criminalidade violenta no Porto, onde a influência da reforma penal na acção das autoridades – por exemplo, dificuldades nas detenções ou prisões preventivas – só é referida 11

Ver “MP vai analisar escutas do Correio da Manhã”, DN, 4/10/2007.

131

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

lateralmente.12 Neste panorama, uma decisão judicial desperta estranhamente pouco interesse: um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa fixa que qualquer pessoa que se relacione com um suspeito pode ser sujeita a escutas, o que aparentemente vai contra o espírito do novo Código de Processo Penal nesta matéria. Apenas o Diário de Notícias se refere ao caso.13 O mesmo Diário de Notícias permanece só ao referir em meados do mês a ideia do governo de alterar as medidas de coacção em casos de violência doméstica: em vez de aplicar pulseiras electrónicas aos arguidos, distribuir antes telemóveis às vítimas. O BE e a associação de mulheres UMAR manifestam a sua discordância. A encerrar o ano, os artigos de balanço do ano sobre a justiça dão uma imagem de descontentamento do sector face ao Governo, devido em grande parte à reforma penal, mas, também, a projectos como a Lei de Carreiras da Função Pública. À entrada de 2008, a reforma penal parece já só atrair atenção enquanto conflito institucional. O último pico mediático, comparável ao do colóquio de Novembro, surge com a apresentação de propostas de alteração pelo Procurador-Geral da República. As propostas são entregues em meados de Janeiro e referem-se, nomeadamente, às seguintes normas: artigo 86.º – publicidade do processo e segredo de justiça; artigo 87.º - assistência do público a actos processuais; e artigo 89.º - consulta do auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais. A atenção incide nas relações com o poder político: o Governo admite alterações apenas dentro de dois anos, após estudo no terreno dos efeitos da reforma.

Actores e assuntos do debate Quem disse o quê sobre a reforma penal: Esta é a questão que procuramos explorar neste ponto, aliando, igualmente, uma abordagem interpretativa com um tratamento quantitativo dos dados.

12

Apenas um artigo no jornal Público se debruça especificamente sobre o tema. Nele, figuras da magistratura, polícia e universidade referem que as novas regras dificultam o combate à grande criminalidade, mas não são um factor decisivo. Ver “Crimes complexos agora mais difíceis de investigar”, Público, 12/12/2007. 13 “Qualquer pessoa que contacte um suspeito fica sujeita a escuta”, DN, 12/12/2007.

132

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

O gráfico seguinte mostra as intervenções que contabilizámos nas notícias.

Considerámos

como

intervenção

as

opiniões

dos

actores

reproduzidas em discurso directo ou indirecto,14 independentemente do seu conteúdo. Sublinhe-se que as intervenções podem ser individuais ou em representação de colectivos (instituições da magistratura judicial, do MP, sindicatos, Ordem dos Advogados, organizações não governamentais, etc.), mas aqui considerámo-las como um todo.

Gráfico 3 – Número de intervenções públicas

Ministério Público

97

Poder Político

51

Juízes

44

Juristase Advogados

43

Professores

37

Partidos

30

Jornalistas

24

0

20

40

60

80

100

120

O Ministério Público foi sem dúvida quem mais se pronunciou sobre a reforma penal, enquanto os demais intervenientes em geral se equilibram no debate. O número, comparativamente menor, de intervenções por jornalistas deve ser ponderado com o impacto dessas intervenções: trata-se de editoriais, colunas de opinião etc., cujo impacto é maior que as declarações para reportagens com que os outros grupos se fazem maioritariamente ouvir.

14

Isto significa que as mesmas declarações são contabilizadas tantas vezes quantos os artigos em que surgem.

133

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

As intervenções foram também discriminadas por assunto. Elaborou-se uma tipologia de assuntos, considerados relevantes, com que se classificou as intervenções, podendo a cada intervenção corresponder um ou mais assuntos. O gráfico seguinte apresenta os resultados.

Gráfico 4 – Assuntos das intervenções DeclaraçõesGerais OutrosTemas Prisão Preventiva Escutas Segredo de Justiça Vacatio Legis Inquérito Criminalidade Complexa Crime Continuado Reabertura de Audiência Interrogatório Judicial CrimesSexuais Recursos Prova - Outros PessoasColectivas OutrasMedidasde Coacção Localização Celular HabeasCorpus Sanções Liberdade Condicional Instrução Pronúncia

140 97 77 67 62 49 46 45 19 17 12 11 10 9 9 6 6 6 3 3 3 1 0

20

40

60

80

100

120

140

160

As declarações de teor generalista são as mais frequentes, incidindo em mais de metade das intervenções sobre o Código de Processo Penal: críticas ao seu carácter e origens políticas, à falta de qualidade técnica, vaticínios do seu falhanço a prazo, mas, também, elogios à dignificação dos arguidos. A partir da segunda metade de Outubro, multiplicam-se as referências à necessidade ou não de alterações ao Código de Processo Penal, que abrangem cerca de 1/3 das intervenções. O Código Penal é praticamente ignorado: apenas 5% das intervenções generalistas lhe fazem referência. Destaque-se o número de referências sobre outros temas que não cabiam nas demais categorias. Integram-se aqui referências a aspectos vários da reforma penal, como questões de detenção, constituição de arguido e violência doméstica, relativas à falta de meio da máquina judicial para fazer face às reformas (nomeadamente de um sistema informático moderno no 134

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Ministério Público, queixa constante deste sector) e referências a iniciativas distintas mas ligadas à reforma penal, como a Lei de Política Criminal ou o Pacto de Justiça. Entre as declarações sobre aspectos específicos desta reforma penal, a cobertura mediática reduziu-se, no essencial, a seis temas: prisão preventiva, escutas, segredo de justiça, vacatio legis, inquérito e criminalidade complexa. Olhando para trás, vê-se aqui o reflexo dos três factores que identificámos na explosão mediática de Setembro: proibição de divulgação de escutas (escutas), entrada rápida em vigor (vacatio legis) e libertação de reclusos (prisão preventiva). As queixas do Ministério Público, que povoam a cobertura mediática após Setembro, contribuem para os restantes assuntos mais referidos: prazos demasiado curtos (inquérito, segredo de justiça) e dificuldades na investigação da grande criminalidade (criminalidade complexa). Numa análise exploratória e preliminar, distinguiríamos num espectro oposição–apoio quatro grandes blocos: Ministério Público e polícias, juízes, jornalistas e professores, e finalmente advogados. Na comunicação social, o Ministério Público, secundado por vozes do mundo policial, constitui o bloco mais coeso de oposição à reforma: a crítica é generalizada, distinguindo-se internamente apenas pela veemência. Prevalece a ideia de que a reforma penal limita a acção do Ministério Público, especialmente nas áreas da grande criminalidade, a que se dedica o topo da sua hierarquia, os quadros mais qualificados, cuja voz pesa na arena mediática. Entre os juízes, a crítica, tendencialmente negativa, é maioritária, embora se encontrem vozes dissonantes. O desempenho funcional deste grupo não é directamente afectado como no caso do Ministério Público, o que se manifesta no teor do discurso, menos veemente. A relativização do pilar normativo do trânsito em julgado, possibilitada pelas reaberturas de audiência, assim como as indefinições do procedimento para realizá-las, são questões que mais “incomodaram” este grupo. Jornalistas e professores constituem a intervenção do exterior no debate, e, embora se registe um tom geral de crítica, há maior equilíbrio interno entre os argumentos, que além disso incidem em questões diferentes. Os

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jornalistas, apesar de contabilizarem menos intervenções, merecem, a nosso ver, destaque, pois nas suas intervenções pesam mais mediaticamente que os demais, já que dominam os mecanismos da notoriedade. Certas publicações revelaram uma linha de crítica mais dura a uma reforma que, a seu ver, representa um ataque do poder político à independência do jornalismo (questão da divulgação de escutas), uma defesa dos privilégios e impunidade das elites políticas e económicas, e a indiferença das mesmas face à criminalidade que afecta da população no quotidiano – Correio da Manhã e, em grau menor, Jornal de Notícias. Outras seguem uma argumentação mais ambígua, na qual coexistem, por um lado, críticas negativas quanto à norma que proíbe a divulgação de escutas, censuras à falta de bom senso da classe política, suspeitas face às suas motivações, e, por outro, aplausos ao reforço dos direitos individuais, à limitação da prisão preventiva, ao desígnio de acelerar o funcionamento do sistema – Público e Diário de Notícias. Os professores universitários, um grupo restrito, debruçaram-se sobre questões como as normas de reabertura de audiência e do crime continuado, e outras que passaram despercebidas aos demais, como a responsabilidade das pessoas colectivas. Dois nomes concentram as intervenções: Germano Marques da Silva, empenhadamente a favor da reforma, e, acima de tudo, Costa Andrade, crítico veemente dela. Na comunicação social, a advocacia é o bloco mais homogéneo a favor da reforma, embora com algumas vozes dissonantes. Uma posição compreensível, tendo em conta a agenda garantística da reforma. Um interveniente adicional merece referência à parte desta tipologia: a política. O comportamento da classe política parece pautar-se por reacção aos actores acima referidos e às questões que estes iam colocando na agenda mediática. Da esquerda à direita, encontra-se clivagens de circunstância, mas não propriamente de princípio, face à agenda garantística da reforma penal. Apenas com o desenrolar da polémica mediática se vão acentuar diferenças. Nessa altura, as reivindicações da magistratura, centradas crescentemente no combate à grande criminalidade, vão encontrar interlocutores no PCP e BE, que já haviam ensaiado uma tímida oposição no processo de aprovação da reforma.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Como veremos de seguida, o debate protagonizado em ambiente especializado é, em regra, um debate já de uma outra fase: da fase de adaptação à reforma, onde vamos encontrar grande multiplicidade de posições, algumas divergentes entre si.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

9. O debate sobre a reforma penal pelos especialistas 9.1. Código Penal Responsabilidade penal das pessoas colectivas Esta foi, como se sabe, uma das inovações desta reforma, sobre a qual, como se viu no capítulo anterior, várias entidades se pronunciaram em sentido contrário à actual proposta. Será, como referimos na introdução geral, uma das matérias objecto de um acompanhamento específico. A relevância da matéria levou a que constituísse um dos temas das já referidas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal” sobre o qual se pronunciaram Germano Marques da Silva15, Nuno Brandão16 e Carlos Adérito Teixeira17.

Para Germano Marques da Silva, a complexidade do instituto, a que se alia, na sua opinião, uma falta de clareza na articulação entre o Código Penal e a legislação especial, levará a que o actual regime seja “fonte de muitas divergências de interpretação”. Adverte, desde logo, para problemas no que respeita à exclusão das pessoas colectivas públicas, mas também ao modo de imputação dos factos à pessoa colectiva (actos de órgãos ou de pessoas físicas que a responsabilizam), bem no que se refere à problemática da culpabilidade. No que se refere à imputação dos factos à pessoa colectiva, questiona-se sobre a identidade das pessoas que nelas (nas pessoas colectivas) tenham autoridade para exercer o controlo da sua actividade. Quanto à responsabilização subsidiária das pessoas que ocupem na pessoa colectiva posições de liderança (artigo 11.º, n.º 9), o autor, discordando da opção

do

legislador,



aqui

uma

“exasperação

injustificada

da

responsabilização”.

Nuno Brandão considera que a responsabilização penal das pessoas colectivas é uma das “principais e mais marcantes” alterações introduzidas, sublinhado que se trata de um “passo natural” do sistema.

15

Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas - alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro. 16 O regime sancionatório das pessoas colectivas na revisão do Código Penal. Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”. 17 “A pessoa colectiva como sujeito processual”. Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Ao contrário de algumas criticas que têm surgido, o autor, no que respeita às sanções aplicáveis às pessoas colectivas, embora manifestando algumas reservas quanto à sua concreta aplicação prática, considera muito positivo o leque sancionatório previsto pelo legislador. Desde logo, atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, aplaude o facto de a admoestação não ter nesta sede natureza de pena principal, mas tão-só de pena de substituição da pena de multa. Levanta algumas questões no que respeita à pena de multa. Quanto aos limites do seu quantitativo diário, o autor reputa de adequado o limite máximo de € 10.000, porquanto “confere à pena de multa uma amplitude que na generalidade dos casos lhe permitirá responder de forma suficientemente capaz às necessidades preventivas suscitadas pelo crime cometido pela pessoa colectiva”. A mesma concordância não colhe o limite mínimo de 100€, considerando-o elevado tendo em conta a estrutura empresarial portuguesa. Alerta, ainda, para eventuais problemas interpretativos decorrentes da ausência de previsão de um regime específico em sede de concurso de infracções. Ainda no âmbito da pena de multa, mais concretamente, em matéria de cumprimento

da

sanção,

o

autor

manifesta

reservas

quanto

à

responsabilização subsidiária das pessoas que ocupem na pessoa colectiva posições de liderança. Na sua perspectiva, trata-se de uma transmissão da responsabilidade penal do agente da infracção, a qual “choca frontalmente com o princípio da culpa e com o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal”, podendo, também, consubstanciar uma violação do princípio ne bis in idem, se esse mesmo responsável foi também penalmente responsabilizado pelo facto.

Carlos Adérito Teixeira, reconhecendo estar-se perante um “novo paradigma em matéria de responsabilidade penal”, o qual configura como essencial, considerando a sociedade actual, num contexto de globalização e de risco, e atentas as características da moderna criminalidade. Quanto ao tratamento dado pelo legislador ao tema, o autor, desde logo, expressa algumas reservas quanto aos crimes imputáveis às pessoas colectivas. Iguais reservas são manifestadas no que concerne à opção pelo afastamento da 139

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

penalização de pessoas colectivas públicas, embora entenda que “são compreensíveis certas razões convocáveis em abono da solução adoptada e com apoios no Direito comparado”. Levanta algumas questões de natureza processual, dada a especial natureza das pessoas colectivas, propugnado por um necessário ajustamento legal, “sem este ajustamento legal, pode vir a revelar-se comprometida a exequibilidade judiciária do instituto, não obstante o expectável esforço de adaptação do regime jus-processual por parte das instâncias de justiça”. De entre as questões levantadas de natureza processual, destaca as seguintes: a representação judiciária da pessoa colectiva; a sua qualidade processual sui generis e a comunicabilidade dos efeitos dos actos processuais; a autonomia da representação conforme à autonomia da responsabilidade da pessoa colectiva face à responsabilidade dos agentes; a aplicação/aplicabilidade de actos e instituições com relevância processual (flagrante, detenção e primeiro interrogatório judicial, comunicação dos actos, conexão de processos, institutos e mecanismos processuais); a prova e os meios de obtenção de prova; as medidas de coacção e de garantia patrimonial aplicáveis; e as mutações da pessoa colectiva (constituição, modificações, extinção) e a sua conexão com a responsabilidade penal desta.

Também sobre esta matéria se pronunciou a Associação de Juízes pela Cidadania, que considera a redacção do novo artigo 11.º, que a consagra, confusa, devendo que ser objecto de clarificação no que respeita à aplicação do instituto aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.

Crime continuado Sobre as alterações introduzidas ao regime do crime continuado, destacamos a posição da Associação de Juízes pela Cidadania (AJPC) e de Jorge Baptista Gonçalves18.

18

“A revisão do Código Penal: Alterações ao sistema sancionatório relativo às pessoas singulares”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Setembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

A AJPC tem tido uma posição bastante crítica quanto ao tratamento, na reforma, da figura do crime continuado. Mais concretamente, discordam da redacção actual do n.º 3, do artigo 30.º, do Código Penal19 , relativamente à expressão salvo tratando-se da mesma vítima, considerando que, de forma especial nos crimes contra bens jurídicos eminentemente pessoais, “a reiteração dos ilícitos revela antes uma tendência criminosa da personalidade do agente, sendo tais factos de considerar como factores agravantes da sua culpa”. Nesse sentido, convocam a corrente jurisprudencial defensora de que, nos casos de crimes contra bens jurídicos eminentemente pessoais, não pode estar em causa a figura do crime continuado, porquanto a repetição de condutas “é digna até de maior censura”. Em resumo, consideram que a expressão salvo tratando-se da mesma vítima, constante desse normativo, “é uma expressão perversa, já que leva a soluções incongruentes”, podendo, a norma em causa, comprometer a finalidade

de

prevenção

geral.

Apontam-lhe,

ainda,

uma

leitura

de

inconstitucionalidade material, por se encontrar em oposição com o plasmado no artigo 18.º, n.º2, da CRP, uma vez que “denega, restringe, desde logo, os direitos eminentemente pessoais fundamentais tutelados pela Constituição da República Portuguesa, na medida em que o direito penal, enquanto meio de tutela desses mesmos direitos e interesses individuais, protege através do bem jurídico protegido pelas normas incriminadoras”.

Segundo Jorge Baptista Gonçalves, uma das questões que tem suscitado controvérsia é a questão do crime continuado. Sobre esta questão, o autor afirma que não vislumbra qualquer utilidade na introdução do novo n.º 3 do artigo 30.º, visto que “veio suscitar, inutilmente, dúvidas e controvérsias”. O n.º 3 não deverá, na perspectiva do autor, ser interpretado como dispensando, para os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais da mesma vítima, os requisitos da continuação criminosa plasmados no n.º 2. 19

A redacção dos n.ºs 2 e 3, do artigo 30.º, é a seguinte “2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. 3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Alterações ao sistema sancionatório Sobre este tema incluem-se reflexões de dois autores: Maria João Antunes20 e Jorge Baptista Gonçalves21.

Destacam-se aqui as reflexões de Maria João Antunes no que respeita às penas de substituição; ao concurso de crimes e ao crime continuado; e sobre a aplicação da lei penal no tempo. No âmbito das penas de substituição, a autora refere que o facto da pena de multa poder agora substituir penas de prisão não superiores a 1 ano (artigo 43.º, n.º 1) e o aumento do limite mínimo do quantitativo diário (de € 1 para € 5), decorre “da ideia errada, que vem já de Propostas legislativas de governos anteriores, que esta é a forma de aumentar a eficácia político-criminal da pena de multa”. Quanto às penas de substituição das privativas da liberdade, Maria João Antunes alerta para a questão de saber se o conteúdo de tais penas, “designadamente no que diz respeito à especial severidade do regime de execução que lhe está associada, é compatível com aquela elevação dos períodos de privação da liberdade e da duração máxima do regime de semidetenção, num sistema sancionatório em que a aplicação de penas visa também a reintegração do agente na sociedade. Sabendo-se que a este tipo de penas podem corresponder efeitos criminógenos”. Maria João Antunes aplaude a previsão das consequências do incumprimento das penas de substituição que sejam aplicadas em processo sumaríssimo. Na sua perspectiva, a lacuna até então existente foi colmatada pela lei, porém, salienta que a mesma “representa uma entorse, injustificada, à regra de que o incumprimento da pena de substituição determina o cumprimento da pena principal; e, por outro, que se trata de criminalização totalmente injustificada quando se aplique em processo sumaríssimo pena de

20

“Alterações ao sistema sancionatório”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Setembro de 2007. 21 “A revisão do Código Penal: Alterações ao sistema sancionatório relativo às pessoas singulares”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Setembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

multa principal, considerando o que se dispõe no artigo 49.º do Código Penal quanto à prisão subsidiária”. No que diz respeito ao concurso de crimes e crime continuado, entende que a parte final do actual artigo 78.º, n.º 1 prevê uma solução de aplaudir, mas que já era imposta pelo artigo 81.º, n.º 1 da versão anterior do Código Penal. Quanto à punição do crime continuado, a solução do artigo 79.º, n.º 1 seria “óbvia se não envolvesse a problemática do objecto do processo e do correspondente efeito de vinculação temática do tribunal, no que se refere ao princípio da consunção. Por força desta disposição legal, o efeito de caso julgado deixa de se poder estender a todos os factos que integram a continuação criminosa”. Sobre o instituto do desconto, “ao qual deveriam ser alheias as consequências do incumprimento das penas de substituição”, a autora assinala a alteração que determina que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação devem ser descontadas na pena de prisão ou na pena de multa, mesmo que estas medidas privativas da liberdade tenham sido aplicadas em processo diferente daquela em que o arguido foi condenado, desde que o facto por que for condenado tenha sido praticado antes da decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. Quanto à aplicação da lei penal no tempo, destaca “uma norma inovadora”, o artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, que visa reforçar a aplicação retroactiva da lei mais favorável, em cumprimento do disposto no artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, que determina que o trânsito em julgado da condenação não obsta à aplicação do regime mais favorável ao agente. Maria João Antunes salienta que estas normas inovadoras “se reportam exclusivamente às penas, apesar de se inserirem num ordenamento jurídico – (…) – que não distingue as penas das medidas de segurança, no que diz respeito à aplicação criminal”.

Jorge Baptista Gonçalves começa por referir que a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que constituiu a vigésima terceira alteração ao Código Penal de 1892, se manteve fiel à matriz do diploma legal, na redacção de 1995, “no que concerne ao sistema sancionatório relativo às pessoas singulares (...) aumentando o leque das penas de substituição e ampliando o âmbito de 143

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

aplicação das penas substitutivas da prisão já anteriormente previstas”, chamando a atenção para o facto de na revisão do Código Penal não se aborda a questão “dos critérios de equivalência entre a prisão e a multa de substituição”. Reflecte sobre várias questões relacionadas com esta matéria. Desde logo, quanto ao alargamento para um ano da prisão que deve ser substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, o autor prevê que a substituição passará a abranger mais casos de pequena e média criminalidade. Alerta, contudo, que nos casos em que seja aplicada a multa como pena de substituição da prisão, como o quantitativo mínimo diário “sofreu um aumento muito significativo (…), é de admitir que os preceitos relativos ao pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3 a 5) e à suspensão da execução da prisão (artigo 49.º, n.º 3) serão mais utilizados, atentas as previsíveis dificuldades de muitos condenados em pagarem as multas de substituição”. Mas, as “verdadeiras novidades”, no âmbito da substituição da pena de prisão, encontram-se no n.º 3 do artigo 43.º com a previsão de uma nova pena de substituição da prisão não superior a 3 anos, pena essa “próxima da suspensão da execução da pena de prisão com subordinação a regras de conduta”. Adverte, no entanto, que a compatibilidade desta pena substitutiva com o direito fundamental à livre escolha da profissão (artigo 47.º da CRP) poderá ser questionada e acrescenta que os n.ºs 3 a 6 do artigo 43.º suscitaram controvérsia aquando da votação na especialidade. O autor destaca, também, o novo artigo 44.º, relativo ao regime de permanência na habitação. O legislador estabeleceu uma forma de execução domiciliária da prisão, “podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais”. Sobre a prisão por dias livres, salienta, por um lado, o alargamento do seu âmbito de aplicação às penas de prisão em medida não superior a um ano, “o que potencia a possibilidade de aplicação destas medidas”; por outro, tendo o legislador optado por um critério de correspondência entre a prisão contínua e os períodos de prisão descontínua, “que é um critério de correspondência aritmética, facilitador da aplicação”, complicando-se a questão “se o tribunal condenar num número de dias de prisão que não seja múltiplo de cinco”. O 144

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

autor questiona se não se estará “muito longe dos propósitos político-criminais que originariamente justificaram a adopção desta pena e do regime de semidetenção”, dando o exemplo do cumprimento por dias livres de uma pena de 8 meses, que corresponderá a 48 períodos de fins-de-semana de encarceramento, isto é, “quase todos os fins-de-semana durante um ano (…) o que poderá frustrar a pretensão de evitar as consequências criminógenas da prisão”. Uma outra questão analisada por Jorge Gonçalves prende-se com a possibilidade de reabertura de audiência, a requerimento do arguido, para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, mecanismo previsto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal. Na perspectiva do autor, o termo “reabertura” poderá suscitar dúvidas sobre a composição do tribunal, considerando que a interpretação desta norma deve ser feita com recurso a uma cláusula de razoabilidade, pois exige que a reabertura do julgamento se faça com os mesmos juízes, porventura vários anos após o julgamento, “quando será muito difícil, ou mesmo impossível, reunir os mesmos magistrados, será uma solução destituída de razoabilidade e, porventura, impraticável”. Assim, o autor entende que a reabertura da audiência “não supõe a intervenção dos mesmos juízes do julgamento, sendo certo que tal reabertura deverá ocorrer sempre perante o tribunal de 1.ª instância, por forma a não privar o acesso às vias de recurso”.

Liberdade Condicional Esta matéria foi objecto de reflexão por parte de Artur Vargues22, no âmbito do programa de Formação Permanente do CEJ. Segundo o autor, apesar de a fase de execução das penas privativas da liberdade ter vindo a ser tratada como um “parente pobre dentro do acervo de abundantes estudos e decisões dos tribunais que incidem sobre outras áreas do direito penal e processual penal”, as alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal “vieram confirmar a importância desta área do Direito Penal pela dimensão e profundidade dessas alterações”, considerando, contudo, que “só a

22

Alterações ao regime da liberdade condicional. Formação Permanente do CEJ. “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”. Setembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

aplicação em concreto [do novo regime da liberdade condicional] poderá revelar o [seu] mérito e adequação social”. A actual redacção do regime da liberdade condicional faz desaparecer a distinção anteriormente existente entre a generalidade dos crimes e os crimes contra as pessoas ou de perigo comum e o crime de tráfico de estupefacientes, quanto ao tempo mínimo de cumprimento da pena, possibilitando que todos possam beneficiar da aplicação de liberdade condicional a partir do ½ do cumprimento da pena, em nome do princípio da igualdade. O autor defende, no entanto, que o regime anterior em nada violava aquele princípio, dado estarmos perante situações desiguais. O período da liberdade condicional, na actual redacção, assim como na anterior, é igual ao tempo de prisão de condenação que falta cumprir. No entanto, a actual redacção faz prever que “cumprido em liberdade condicional o máximo de 5 anos, será considerado extinto todo o tempo que o ultrapasse”. Para o autor esta alteração, que considera de “inovação muito importante”, apesar de poder “bulir com o princípio da intangibilidade do caso julgado (e coloca em dúvida a própria natureza jurídica da liberdade condicional enquanto entendida como incidente ou forma de execução da pena e não de modificação posterior da condenação, que agora é susceptível de estar posta em causa)”, “mostra-se fundamental para os casos de penas muito longas, por crimes praticados ocasionalmente” . Outra importante inovação da actual redacção que destaca, é a recorribilidade do despacho de não concessão da liberdade condicional, resolvendo, assim, questão antiga e que motivou decisões contraditórias dos tribunais superiores. O autor alerta, no entanto, para o seguinte: “ora, resolvida que está a questão da recorribilidade do despacho que negou a concessão da liberdade condicional, surge agora a da recorribilidade do despacho que a conceda”, matéria em relação à qual o legislador nada estabeleceu. Esta omissão aplica-se, mutatis mutandis, aos recursos de despachos que (não) revoguem a liberdade condicional (cf. artigo 486.º, n.º 4, do Código de Processo Penal). Destaca, ainda, o regime jurídico do inovador instituto da adaptação à liberdade condicional, previsto no artigo 61.º do Código Penal. Questiona-se, no entanto, se o juiz de execução das penas, após ter negado a adaptação à 146

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

liberdade condicional por não estarem verificados os pressupostos constantes da alínea a) e b), do n.º 2, do artigo 61.º do Código Penal, deverá apreciar a concessão da liberdade condicional ao ½ da pena, defendendo que apenas o deverá fazer se entre aqueles dois momentos mediar pelo menos 6 meses.

Violência Doméstica O tratamento da problemática da violência doméstica no âmbito da nova reforma, matéria sobre a qual se têm vindo a levantar algumas questões que estão a ter especial acompanhamento no âmbito da monitorização em curso, foi objecto de uma conferência de Teresa Pizarro Beleza, no âmbito das Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, realizadas no CEJ23. A autora, no que respeita ao tratamento dado ao fenómeno da violência doméstica na reforma de 2007 do Código Penal, considera que, no cômputo geral, a intervenção do legislador foi positiva. Considera que o legislador está a “levar a sério” a incriminação da violência doméstica ou entre pessoas próximas. Apesar de algumas dificuldades, a redacção actual apresenta uma maior especificação em comparação com a anterior. Desde logo, destaca a separação operada entre os crimes de violência doméstica (artigo 152.º), maus-tratos (artigo 152.º-A) e violação de regras de segurança (artigo 152.º-B), a qual entende ser “plenamente justificada” atenta a anterior redacção, na qual se misturavam preceitos

e

bens

jurídicos

protegidos,

num

texto

que

apoda

de

“acentuadamente confuso e obscuro”. Não obstante, é da opinião de que o legislador poderia ter ido ainda mais longe na sua intervenção, “separando os casos em que a relação próxima, presente ou passada, parece ser o fundamento da autonomização do crime de maus-tratos agora denominado de “violência doméstica” dos casos em que essa autonomização se funda numa especial vulnerabilidade da vítima que coabita com o agressor”. Destaca na nova descrição do facto típico do crime de violência doméstica, a desnecessidade de reiteração e a inclusão expressa dos actos designados por castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais. 23

Violência doméstica”. Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”. Setembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Merece igual destaque, no âmbito do catálogo das penas acessórias aplicáveis a estes crimes, a possibilidade de o arguido ser sujeito à obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica. Deste modo, entende Teresa Beleza, o legislador seguiu a ideologia de tratamento em sentido próprio, já utilizada anteriormente no âmbito do consumo de droga e, actualmente, do tráfico-consumo. Tráfico de Pessoas No debate de especialistas, relativamente às inovações no crime de tráfico de pessoas, emerge uma particular apreensão no que diz respeito à interpretação deste tipo legal. Evidenciam-se os dois textos que a seguir se analisam, um de Paulo de Sousa Mendes24 e outro de Pedro Vaz Patto25, ambos discutidos no âmbito das Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, que tiveram lugar no CEJ, nos dias 27 e 28 de Setembro de 2007.

Paulo

de

Sousa

Mendes

prognosticava

diversas

dificuldades

interpretativas do novo tipo legal, estabelecendo uma distinção entre o que designa de reais dificuldades e das falsas questões que foram levantadas aquando do debate político. Um exemplo destas últimas é a discussão sobre se a prostituição implica necessariamente exploração sexual. As reais questões prendem-se, no seu entender, com a distinção e autonomização deste tipo legal de crime diante de outras figuras, penalmente relevantes, como o crime de auxílio à imigração clandestina, o crime de lenocínio, no caso da exploração sexual e a contra-ordenação de dar emprego a cidadão estrangeiro não autorizado, no caso do aproveitamento de mão-deobra imigrante; entre outras infracções. Como refere, “as fronteiras entre todas essas infracções se turvam quando tomamos em consideração os meios de praticar o tráfico de pessoas (…). Na verdade, trata-se de um crime de execução vinculada. Algumas das formas de praticar o crime deixarão o aplicador do Direito na tormentosa dúvida sobre a qualificação jurídica dos 24

Mendes, Paulo de Sousa (2007) “Tráfico de Pessoas”, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal – 27 e 28 de Setembro de 2007, CEJ

25

Patto, Pedro Vaz (2007) “O crime de tráfico de pessoas no Código Penal revisto. Análise de algumas questões”, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal – 27 e 28 de Setembro de 2007, CEJ

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

factos”. O autor dá um exemplo para clarificar o seu ponto de vista: “quem aloja uma mulher fomentando o exercício por parte dela de prostituição, ao mesmo tempo que lhe faz ameaças graves, comete crime tráfico de pessoas, que – repare-se – não exige a entrada ilegal no país, nem sequer implica que a vítima seja imigrante (art. 160.º, n.º 1,alínea a), CP revisto), ou comete lenocínio, ademais qualificado pela ameaça grave (art. 169.º, n. 2, alínea a), CP revisto)?” (Sousa Mendes, 2007). Segundo a sua opinião, não se consegue propor neste caso específico uma qualificação jurídica adequada e definitiva. Mas, para o autor, poderá vir a assumir particular complexidade a distinção entre o crime de tráfico de pessoas e o crime de auxílio à imigração ilegal (Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho). Se, à primeira vista, os pressupostos teóricos e conceptuais de ambos os crimes parecem claros – justificando a moldura penal desigual –, estes implicam, na prática, uma linha contínua a unir, nos seus extremos, o tráfico e a imigração ilegal. Na sua opinião, a lei não consegue esclarecer esse continuum. Nas suas palavras, “vimos que a dicotomia entre tráfico e auxílio à imigração ilegal está essencialmente ligada ao contexto de exploração que se verifica no primeiro caso. Só que, na lei, não existe uma definição clara dos termos desta exploração, apenas se usando conceitos indeterminados, tais como “exploração sexual” ou “exploração do trabalho” (…). Ora, o preenchimento desses conceitos indeterminados na prática é decisivo para uma distinção correcta entre tráfico e auxílio à imigração ilegal“. A revisão do crime de tráfico de pessoas comporta, pois, para o autor, um perigo: o de que este tipo legal “se transforme, na prática, numa incriminação simbólica, como se fosse uma nobre bandeira dos direitos humanos que se desfralda na lei para efeitos de pura propaganda, ao mesmo tempo que o tipo legal de auxílio à imigração clandestina, cujos elementos são de prova menos exigente, acabaria cobrindo todas as situações descobertas de exploração sexual ou de exploração laboral de imigrantes. E esse perigo não é coisa de somenos, como se fosse apenas uma questão de punir pela pena do crime menos grave, em vez de pela pena do mais grave, mas também muito mais difícil de provar…”. Não considera esse perigo resolúvel pela sugestão de alguns especialistas, como Pedro Vaz Patto, que afirmam que se não for possível obter prova num determinado tipo de crime, obtém-se relativamente a 149

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outro (por exemplo, não se prova o tráfico de pessoas, mas prova-se o lenocínio) e, por isso, este concurso de crimes não tem de traduzir-se numa necessária impunidade.

Pedro Vaz Patto, apesar de denotar um certo cepticismo em relação à indeterminação de alguns conceitos, é menos crítico que Paulo de Sousa Mendes, e, na sua reflexão e análise da reforma, indica possíveis caminhos interpretativos. Para o autor, certos conceitos presentes no artigo 160.º do Código Penal poderão suscitar algumas dificuldades práticas, pelo que é necessário, como o próprio refere, “desbravar caminho” na tarefa interpretativa. O conceito que, à partida, lhe oferece maior preocupação, pela sua “elasticidade” e abrangência é o conceito de “aproveitamento de situação de especial vulnerabilidade da vítima”. Considera que a efectiva punição do crime de tráfico de pessoas dependerá do maior ou menor alcance e extensão conferidos a tal conceito. Este magistrado enuncia, ao longo da sua intervenção, alguns exemplos: é ou não a pobreza uma situação de especial vulnerabilidade? Não é verdade que quase todas as situações que levam à prostituição estão ligadas a situações de extrema pobreza? Acresce que, segundo Vaz Patto, a questão do consentimento assume aqui uma particular importância, sobretudo para aqueles que se encontram em lados opostos relativamente à legalização da prostituição. Embora sublinhe que se tratam de questões distintas, argumenta que o facto de se considerar irrelevante o consentimento em situações de aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade poderá ter, na prática, um alcance que se aproxima da criminalização da prostituição em geral, sendo o inverso igualmente possível. Para Pedro Vaz Patto, a necessidade de definição de tal conceito (já presente na versão anterior do Código) é ainda mais imperativa tendo em conta que a actual versão do Código Penal não se restringe ao tráfico de pessoas destinado à exploração sexual. Como o próprio refere, “a utilização legal de conceitos indeterminados como os de ‘vulnerabilidade’ ou de ‘especial vulnerabilidade’, sem mais especificações, pode conduzir a que se restrinjam os casos neles enquadráveis a situações extremas, que até poderiam enquadrar-se noutros conceitos também utilizados na definição dos meios de prática de tráfico de pessoas (‘violência’, ‘rapto’, ‘ameaça grave’, etc.) e sem 150

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

conferir um significativo sentido útil a tais conceitos”. Mencione-se, a este respeito, que esta era uma discussão já presente antes da revisão do Código Penal (ver Santos et al, 2007). Contudo, para o autor, a indeterminação do conceito e a inexistência de uma forma de determinação do mesmo, como acontece em alguns países, não deve reduzir o seu alcance. Embora entenda que se deva procurar um modo de determinação mais apurada do conceito, não considera “que estejamos perante um grau de indeterminação incompatível com o princípio da legalidade e com as exigências de certeza próprias do Direito Penal”, nem tão pouco “que essa indeterminação seja maior do que a de outros conceitos utilizados no Código Penal, tradicional e pacificamente aceites num quadro de respeito pelo princípio da legalidade (“motivo fútil”, “meio insidioso”, “compreensível emoção violenta”, “motivo de relevante valor social e moral”, “ameaça com mal importante”, “factos que austuciosamente provocou”, etc.)”. Pedro Vaz Patto também admite, tal como Paulo de Sousa Mendes, que pode haver dificuldades na distinção entre o crime de tráfico de pessoas, o de lenocínio

simples

e

o

de

lenocínio

qualificado.

Contudo,

defende,

contrariamente ao primeiro, que “a coexistência das três também permite evitar que tais dúvidas, ou dificuldades de prova, se traduzam numa injustificada impunidade”. Por fim, este magistrado faz referência à novidade trazida pela reforma penal no que diz respeito à punição do utilizador de serviços (no caso de tráfico para exploração sexual ou laboral) ou de órgãos da vítima. Esta medida surge para combater este fenómeno através do combate à sua procura. Há, contudo, uma questão que se pode colocar a este respeito: “pode interpretar-se a exigência de ‘conhecimento’ como uma exigência de que o agente actue com dolo directo, isto é, que esteja certo de que a pessoa cujos serviços ou órgão utiliza é vítima de tráfico. Ou pode entender-se que o agente também será punido se actuar com dolo eventual, isto é, se admitir como provável tal facto e, mesmo assim, porque isso lhe é indiferente porque tal facto pouco pesa na sua decisão, porque acima de tudo, coloca o seu próprio interesse na utilização em causa, não deixa de actuar” (Patto, 2007). Considera que há uma vantagem em termos de política criminal em se optar por uma interpretação mais ampla que

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

abranja a actuação com dolo eventual. Esta traduz igualmente de modo mais exacto a intenção do legislador em combater o tráfico através da procura. Contudo, se em termos de política criminal não tem dúvidas quanto a esta interpretação, o magistrado apresenta hesitações quanto à interpretação do direito vigente. E, neste plano, é necessário, segundo a sua opinião, tecer duas considerações. Em primeiro lugar, quem actua com dolo eventual actua com conhecimento, porém não um conhecimento “certo”, mas “incerto” ou “eventual”. Em segundo lugar, a intenção do legislador, ao fazer referência à existência deste conhecimento, terá sido, no seu entender, “a de restringir o alcance que sempre decorreria das regras gerais da relevância do dolo, as quais, obviamente, impediriam sempre uma responsabilização objectiva do utilizador (…) ou uma sua responsabilização por simples negligência” (Patto, 2007). Ou seja, é sua opinião que o legislador ao referir-se a “conhecimento” pressupôs “conhecimento certo”. Esta é, no entanto, uma matéria complexa e indefinida que poderá divergir consoante se opte pelo plano de interpretação da política criminal ou pelo plano de interpretação do direito vigente.

Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual No âmbito desta matéria destacam-se algumas questões levantadas por Maria João Antunes26, Maria do Carmo Saraiva Dias27 e José Mouraz Lopes28. Incluímos, ainda, uma referência à petição promovida pela Associação de Juízes para a Democracia (AJPC).

No que respeita às alterações introduzidas no âmbito dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação de menores, Maria João Antunes identifica duas tendências de reforma da justiça penal, as quais considera conflituantes entre si. De um lado, “a tendência de separar os crimes sexuais dos sentimentos

de

moral

gerais

da

moralidade

sexual,

concebendo-os,

consequentemente, não como crimes contra bens jurídicos supraindividuais, da 26

Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores”. Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”. Setembro de 2007. 27 Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos “crimes contra a liberdade sexual”. Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal 28 Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e a reforma do Código Penal. Universidade Autónoma de Lisboa.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

comunidade ou do Estado, mas antes como crimes que atentam contra o bem jurídico individual da liberdade e da autodeterminação sexual”. De outro, a tendência, que tem vindo a ser acolhida nos diplomas de direito europeu e internacional, respeitantes à exploração sexual de crianças e à exploração infantil, de tutelar para além do bem jurídico individual da liberdade e da autodeterminação sexual no que diz respeito a tais situações. Para esta autora, esta última tendência, patente agora em algumas incriminações, em particular, nas que passam a abranger menores até aos 18 anos de idade, “faz mesmo recear o retorno a um direito penal sexual tutelar da moral e dos costumes (dos bons costumes)”.

Maria do Carmo Saraiva Dias, no que respeita às alterações introduzidas no capítulo respeitante à liberdade e autodeterminação sexual, critica a inclusão das normas constantes da anterior secção III do capítulo dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual na secção II do mesmo capítulo, entendendo que tal alteração de sistemática, apesar de inócua, carece de sentido, já que assim se deixa de manter a “arrumação lógica adoptada pelo legislador de 1995”. Por outro lado, questiona-se se a introdução do novo tipo legal de importunação sexual, nos casos em que vítima é de maior idade, “não será o sinal claro de criminalização excessiva”. Quanto ao igual tratamento dado pelo legislador reformista aos quatro tipos de actos sexuais de relevo qualificados, nos termos do artigo 163.º, do Código Penal (cópula, coito anal e introdução, vaginal ou anal, de partes do corpo ou objectos apta ao exercício da sexualidade), a autora entende que tal opção se mostra “justificada e proporcionada com a maior gravidade que tais actos representam”. Não obstante, a autora entende que, assim, fará cada vez menos sentido a autonomização do crime de violação. Considera, ainda, que subsistem actos sexuais de gravidade equivalente aos referidos quatro tipos (de actos sexuais de relevo), os quais se encontram sujeitos a um tratamento diferente (como simples actos sexuais de relevo) o que, nas suas palavras, “é uma incoerência e mostra que a solução adoptada pela lei ainda não satisfaz”. No que respeita ao crime de lenocínio (artigo 169.º, do Código Penal), a autora mantém o entendimento de que a conduta descrita no n.º 1 do referido 153

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

normativo continua a ser “um crime sem vítima”, devendo ser descriminalizada. Defende, aliás, que esta posição se encontra hoje reforçada, atendendo à nova configuração do tipo legal de tráfico de pessoas (artigo 160.º, n.º1, do Código Penal).

Para José Mouraz Lopes, apesar de serem significativas as alterações introduzidas pelo legislador da reforma de 2007 no âmbito dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, o bem jurídico tutelado continua a ser apenas a liberdade e autodeterminação sexual, “mantendo-se o perfil definido pela revisão de 1995”. De entre as alterações, o autor destaca o alargamento do tipo legal do crime de assédio sexual, questionando a “pertinência e necessidade da criminalização deste crime” tendo em conta a “nula expressão estatística” deste. Também se questiona sobre a opção do legislador ao adoptar, de forma ampla, a doutrina da chamada toute pénétration no âmbito dos crimes sexuais, considerando que se trata de “matéria dogmaticamente discutível”, atento o bem jurídico protegido, e a necessidade de que seja a lesão desse bem jurídico o visado pelo agente. Uma outra objecção prende-se com a teleologia da diferenciação entre as alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 164.º, a respeito do crime de violação (embora aplicável aos demais tipos legais), que diz não compreender, já que na segunda alínea, ao contrário do que sucede na primeira, apenas se pune o acto contra quem sofre tal penetração, e já não de quem é levado a realizá-la. No que respeita ao crime de lenocínio, o autor mantém as dúvidas sobre a constitucionalidade desse tipo legal, dado que ao ser retirada a referência à prática de actos sexuais de relevo, parece ser “reforça[da] a opinião de que é a prostituição o alvo único do tipo de crime”, não sendo perceptível qual o bem jurídico visado pela incriminação. E, refere, há também que ter em conta a compatibilização entre esta criminalização, o preceituado no artigo 18.º, n.º1, da CRP e o direito à sexualidade do cidadão deficiente. O autor detém-se, ainda, na análise do crime de importunação sexual, considerando que esta “maximização do direito penal” decorre de opções de política 154

legislativa

legítimas,

embora

“não

sustentadas

em

critérios

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

cientificamente demonstrados”, questiona-se, mesmo se esta criminalização “não se tornará num “nado morto” susceptível de nem ter sequer a virtualidade (...) de ser um exemplo de um direito penal simbólico”. Quanto ao crime de pornografia de menores, é da opinião que as condutas previstas nas alíneas c) e d), do artigo 176.º, não consubstanciam uma violação directa do bem jurídico protegido (a autodeterminação sexual do menor), o que causa alguma perplexidade. Por outro lado, aponta que a previsão do n.º 3, do artigo 176.º, do Código Penal, consubstancia uma imposição de criminalização, na esteira da Decisão-Quadro 2004/68/JAI, do Conselho, a qual é pouco consensual e problemática. Desde logo, pelo facto de não ser identificável qual o bem jurídico protegido, mas também pela eventual colisão com o direito à liberdade de criação artística. Ainda no âmbito desta matéria, mas no que se refere à suspensão provisória do processo, o autor, que começa por levantar a questão da inclusão de uma norma de natureza processual num diploma de direito substantivo, denuncia a existência de uma dessincronia entre as previsões dos códigos Penal e de Processo Penal, pois que “enquanto no Código Penal se dá ao Ministério Público a possibilidade de poder determinar a suspensão provisória do processo, a norma similar constante do Código de Processo Penal impõe ao Ministério Público que, desde que verificados os requisitos legais para tal seja determinada a suspensão provisória do processo”. Sobre uma das questões que tem suscitado alguma polémica, a alteração operada pelo legislador na figura do crime continuado, mais concretamente, no n.º 3, do artigo 30.º, começa por sublinhar o facto de se tratar de “matéria não pacífica”, sendo sua opinião, manifestada no âmbito da UMRP, que “não se justificava qualquer alteração a esta matéria tendo em conta tratar-se de uma questão que a dogmática e a jurisprudência se encarregariam de resolver”.

Crime de receptação Sobre esta matéria, destaca-se a posição de André Mouzinho29, que considera ter-se perdido “uma boa oportunidade de discussão relativamente à 29

A reforma no Código Penal e o Crime de Receptação previsto no artigo 231.º, n.º 2, do Código Penal. Verbo Jurídico. Novembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

passagem deste crime, no tipo de ilícito previsto no n.º 2, para o regime contraordenacional”, atendendo à gravidade da conduta em questão. O autor defende que “o Princípio da Subsidiariedade do Direito Penal como ultima ratio não está a ser respeitado para este tipo de conduta (…). Existem acções mais graves quer a nível dos bens jurídicos que são protegidos, quer a nível de ilicitude e de culpa”. Invoca, ainda, razões de ordem pragmática para defender a passagem deste tipo de crime a contra-ordenação, como a poupança do erário público evitando julgamentos; a atenuação da complexidade dos processos, que se passariam a centrar apenas naqueles sujeitos que “estariam em nítido conluio (…) com os agentes que cometeram os crimes patrimoniais precedentes”; e possibilidade de arrecadação de receitas com o produto das coimas, que poderiam ser utilizadas em acções de prevenção.

Crimes ambientais Damos conta, sobre esta matéria, de algumas reflexões constantes de dois textos: um de José Souto de Moura30 e Maria Paula Ribeiro de Faria31.

Souto de Moura, em jeito de balanço, considera que com a revisão do Código

Penal

foram

feitos

importantes

avanços

de

clarificação

e

operacionalidade nas previsões dos crimes ambientais, “restando agora aguardar por uma sua aplicação mais frequente”. Para o autor, com a reforma de 2007 do Código Penal o legislador tratou “basicamente de reforçar a tutela de um bem jurídico que já antes merecera protecção”, isto “quer por se tentar dar maior eficácia às previsões penais, quer estendendo o âmbito das condutas com relevância penal, no crime de danos contra a natureza. A primeira intenção revela-se ao ser colocada, no mesmo pé de igualdade, a violação de normas e a desobediência a ordens concretas da Administração, ou fazendo intervir o conceito de poluição grave”. Na perspectiva de Souto de Moura, a discussão sobre a necessidade de protecção do ambiente, enquanto tal, pelo direito penal “parecerá agora 30

Crimes ambientais. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Setembro de 2007. 31 Do Direito Penal do Ambiente e da sua reforma. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Setembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

ultrapassada. Passaram 25 anos sobre a entrada em vigor da previsão do crime de poluição, e 12 sobre a do crime de danos contra a natureza. Apesar de tudo, estamos perante uma reforma em que o legislador poderia [ter] revisto as suas posições, descriminalizando, ou ter passado ao lado deste tipo de infracções, sem lhes tocar, mas não o fez. Mais, interveio para alargar o âmbito de aplicação do sistema penal no sector”. O crime de danos contra a natureza – artigo 278.º do Código Penal – foi, para Souto de Moura, estruturado como crime de resultado e de dano, prevendo uma conduta típica associada a um resultado também típico. O autor conclui, quanto a esta norma, que o preenchimento de elementos do tipo parece agora mais simples porque se ampliaram as previsões; entende que a estrutura básica do crime se mantém, sem embargo de se ter tornado mais complexa, com introdução explícita de uma componente de desobediência que passou ser tão-só eventual. Considera que o n.º 2 do artigo 278.º torna o tipo legal “ainda mais heterogéneo, e sobretudo demasiado abrangente. A ponto de se não ver qual o espaço deixado para as contra-ordenações no seu domínio específico que é o da comercialização”. A nova redacção do crime de poluição – artigo 279.º do Código Penal – segundo Souto de Moura, “como que secundariza a desobediência, já que a prevê como mera possibilidade de preenchimento do tipo, ao lado do desrespeito tão-só de normas. Do mesmo modo que no artº 278º, aliás. Parece portanto que, para preenchimento do tipo, deixou de se exigir uma intervenção dos agentes administrativos junto da entidade poluidora. Mas, sendo assim, a componente dano passa a ter uma importância decisiva que a componente desobediência deixou de ter. Daí que o crime tivesse passado a ser, agora mais claramente, um crime de dano, embora com uma eventual componente de desobediência”. Para o autor, com a reforma de 2007 o preenchimento do tipo legal é mais fácil, considerando, ainda, que foi secundarizada a componente desobediência, acentuando-se, na sua perspectiva, a natureza da infracção como crime de dano. No que se refere ao crime de poluição com perigo comum – artigo 280.º do Código Penal –, Souto de Moura refere que “parece que (…) se quis utilizar a poluição como mero instrumento de criação do perigo, não se fazendo dele um tipo qualificado em que, ao tipo matricial, se acrescentou depois o perigo”, e 157

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

esta sistematização foi a utilizada por se querer articular o artigo 280.º com o artigo 279.º.

Também para Maria Paula Ribeiro de Faria, a reforma do direito penal do ambiente trouxe maior precisão conceptual, salientando o esforço do legislador no sentido de “dar aos preceitos incriminatórios uma maior dimensão material permitindo ao mesmo tempo a possibilidade de serem efectivamente aplicados em relação à actuação das pessoas colectivas”. Contudo, na sua óptica, continua a manter-se “uma lógica de subsidiariedade da intervenção, e alguma dificuldade de regulamentação tendo em conta que se trata de normas que tutelam sobretudo o meio ambiente contra riscos futuros que não fazem parte do tipo mas que lhes dão o sentido não permitindo a sua caracterização como crimes de perigo concreto ou de dano”. Apesar dos esforços evidenciados, considera que o legislador “talvez pudesse ter ido mais longe”. Poderia ter consagrado tipos legais dirigidos à incriminação de instalações industriais clandestinas causadoras de poluição, “muito embora isso talvez não fosse necessário, já que à luz da nova redacção do art. 279º sempre se poderá dizer que, apesar de não existir uma licença, ou uma norma concretizadora da lei que estabelece limites de poluição, se pode invocar directamente a lei que os impõe. Outra possibilidade incriminatória refere-se à omissão por parte de funcionário do inquérito correspondente onde se trate de uma contra-ordenação (vai fiscalizar e descobre uma ilegalidade; ou recebe uma denúncia e não faz nada) porque o crime de prevaricação e denegação da justiça não abrangem este tipo de condutas que se desenvolvem num âmbito administrativo”. A autora não deixa de advertir para a manutenção de “um sério risco de simbolismo tendo em conta as dificuldades de causalidade que valem neste domínio e tendo em conta que é mesmo muito duvidoso que a intervenção penal seja uma necessidade neste domínio”.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

9.2. Código de Processo Penal Segredo de Justiça Esta é uma das matérias da reforma sobre a qual se têm levantado mais questões. Como referimos na introdução geral, será também uma das matérias objecto de acompanhamento específico no âmbito desta monitorização. Sobre esta matéria, destaca-se, neste relatório, a intervenção de Pedro Vaz Patto32 no âmbito das Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal, promovidas pelo CEJ. O autor começa por chamar a atenção para o carácter inovador do regime do segredo de justiça no actual Código de Processo Penal, não só em relação ao regime anterior, mas também relativamente, quer ao anteprojecto elaborado pela UMRP, quer à Proposta de Lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República, que mantinham a regra da sujeição do processo a segredo de justiça até ao termo do prazo para requerer a abertura de instrução. Depois de uma breve descrição das linhas gerais do regime, o autor apela “ao bom senso dos juízes na aplicação deste novo regime do segredo de justiça” e à “correcta interpretação”, por forma a evitar situações admissíveis na lei, mas, na sua perspectiva, pouco razoáveis, como por exemplo, a não sujeição do processo ao segredo de justiça na fase de inquérito contra a vontade do arguido ou contra a vontade do Ministério Público, sem oposição do arguido. Critica, ainda, “a publicidade da instrução em qualquer circunstância e contra a vontade do arguido”, uma vez que “se a instrução é pública, o arguido pode evitar o julgamento e a sua publicidade, mas não evita a publicidade da própria instrução, o que não deixa de afectar o seu bom nome, apesar de a suficiência dos indícios de prática do crime que sobre ele recaem ainda não estar definitivamente comprovada” (2007: 4). Defende que requerida a sujeição do processo ao segredo de justiça por parte do Ministério Público, em fase de inquérito, o juiz de instrução apenas deverá divergir de tal posição quando esteja em causa a aplicação de medidas de coacção, “designadamente a prisão preventiva ou uma medida privativa da liberdade, cujos efeitos se revestem de uma dimensão de irreversibilidade que exige a possibilidade de uma reacção imediata que não se compadece com a 32

O regime do segredo de justiça no Código de Processo Penal revisto. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

espera (porventura de largos meses) por fases ulteriores e públicas do processo. (…) Quando não está em jogo a aplicação de uma dessas medidas, os direitos de defesa do arguido têm um peso menor. (…) Não foi intenção do legislador descaracterizar a fase de inquérito, transpondo para esta fase o princípio do contraditório que vigora em pleno nas fases de instrução (…) e do julgamento, esvaziando estas fases da sua finalidade própria”. Estando em causa a aplicação de medidas de coacção privativa da liberdade impõe-se “um regime especial de restrição do segredo de justiça”, que encontra tradução legal no regime previsto para o primeiro interrogatório judicial de arguido detido. No que respeita ao regime previsto para o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, Vaz Patto salienta que o novo regime “obrigará a reequacionar a própria estratégia da investigação, a qual terá que contar com este dado importante, que é a eventualidade de acesso do arguido a elementos probatórios essenciais à sua defesa” e põe termo à “prática (outrora algo frequente) de fundamentar [o despacho de aplicação de medida de coacção] através da remissão para partes do processo não acessíveis ao arguido e sem que dessa remissão este possa retirar qualquer conclusão” (2007: 8). Relativamente à irrecorribilidade dos despachos judiciais que decidem sobre o acesso aos autos ou sobre o segredo de justiça, previstos nos artigos 86.º, n.ºs 2 e 5, e 89.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o autor entende poderem

suscitar-se

dúvidas

de

constitucionalidade,

pelo

carácter

eventualmente não irreversível da lesão que dessa irrecorribilidade possa decorrer para os direitos da defesa, dando como exemplo a aplicação da medida de coacção privativa da liberdade (2007: 9-10). Reflecte, ainda, sobre uma questão que tem levantado, de facto, algumas dúvidas de interpretação e aplicação, relacionada com o regime previsto no artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. O autor considera que a norma pode admitir dois entendimentos distintos: “pode entender-se que, findo o prazo inicial de três meses, o Ministério Público pode requerer novo prazo que não poderá ultrapassar, no seu limite máximo, outros três meses e que, mesmo que não ultrapasse tal limite, deverá ser sempre objectivamente indispensável à concluso da investigação. E pode entender-se que, findo esse primeiro prazo de três meses, poderá ser requerido novo prazo sem qualquer outro limite que não seja o inerente ao facto de se tratar de prazo 160

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

objectivamente indispensável à conclusão da investigação” (2007: 12-13). Para o autor é esta última interpretação que deve ser acolhida.

Prova No âmbito desta matéria analisam-se as comunicações de Pedro Verdelho sobre exames, perícias e prova digital33, Damião da Cunha34 e Maria de Fátima Mata-Mouros35 sobre o regime legal das escutas telefónicas.

Exames, perícias e prova digital Depois de uma breve introdução sobre a importância da prova pericial para a produção da prova em processo penal, especialmente no que respeita à criminalidade económica, financeira e fiscal, Pedro Verdelho critica o facto de o actual código, à semelhança do anterior, não regular “de forma assumida a prova digital (ou, se se preferir, electrónica)”, deixando “por resolver questões práticas que se têm suscitado na demarcação e distinção concreta das regras que distinguem os exames e as perícias” (2007: 3). Descrevendo o processo legislativo que deu origem ao actual Código de Processo Penal, o autor relembra a posição assumida pelo Procurador-Geral da República que, em sede de audição, em comissão especializada, “suscitou aquilo que considerou uma falha na proposta de lei: havendo a possibilidade legal de realização de intercepções telefónicas no decurso da investigação de alguns crimes cometidos pelo telefone, a proposta não previa a realização de intercepção de comunicações por via electrónica, se esta for a via pela qual os crimes forem cometidos. Estava em causa a alínea e) do n.º 1 do Artigo 187º do Código de Processo Penal, cujo texto permanece inalterado, após a Lei n.º 48/2007, tal como acontecia com a proposta” (2007: 16). Também relativamente à intercepção de comunicações e à obtenção do registo de comunicações electrónicas, o autor convoca a intervenção de Costa Andrade, em entrevista ao Diário de Notícias de 30 de Setembro de 2007, segundo o qual a redacção do artigo 189.º, do Código de Processo Penal, ao 33

Técnica no novo CPP: exames, perícias e prova digital. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007 34 O regime legal das escutas telefónicas – algumas breves reflexões. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007 35 Escutas telefónicas – o que não muda com a reforma. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

referir-se a intercepção de dados guardados em suporte digital, confunde intercepção com buscas. O autor, além de apelidar a formulação da lei, nesta parte, de “estranha”, refere que “a solução que consagra não é pacífica. Desde logo, porque estende ao correio electrónico já recebido (e aberto e lido) um regime que não tem paralelo no correio tradicional. (…) Existe, portanto, aqui, uma disfunção entre regimes paralelos do mesmo código” (2007: 19-20). Refere, ainda, que o regime apenas se aplica a correio electrónico guardado em suporte digital, não prevendo a sua aplicação a outros suportes, como, por exemplo, as mensagens impressas em papel, havendo, mais uma vez, “dois regimes diferentes aplicáveis a realidades com idêntica natureza” (2007: 22). As mesmas questões levantam-se, mutatis mutandis, quanto às comunicações recebidas por telecópia. Alerta, também, para a possibilidade de “grandes dificuldades operacionais de implementação”, tendo em atenção o elevado número de inquéritos em que há apreensão de computadores, que, na generalidade dos casos, possuem mensagens de correio electrónico. “Facilmente se conclui que não espera que possa funcionar eficazmente um sistema que impõe a verificação por um juiz do conteúdo de cada computador apreendido em inquérito” (2007: 20). Critica, igualmente, a impossibilidade de proceder à apreensão de mensagens de correio electrónico “em processo de inquérito em que estejam em causa crimes de ameaças ou crimes de injúrias perpetradas por correio electrónico” (2007: 20), bem como a impossibilidade de apreensão daquelas mensagens “em boa parte dos crimes previstos na Lei da Criminalidade Informática” (2007: 21), atentas as respectivas molduras penais. O autor conclui, assim, que “como facilmente se depreende, depois desta alteração legislativa passou a ser bastante difícil e improvável investigar com sucesso a prática de crimes desta natureza, ao não ser possível, nessas investigações, proceder à apreensão de comunicações electrónicas de qualquer tipo, quer estejam em trânsito, quer estejam já armazenadas num computador. A esta dificuldade acresce a impossibilidade, agora expressamente resultante da nova lei, de obter para a investigação dados de tráfego” (2007: 21). Uma novidade apontada é a regulamentação da obtenção de dados de localização celular e da obtenção de registos da realização de conversas telefónicas ou de outras comunicações, resolvendo, assim, “discussão antiga 162

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

em volta da natureza da chamada facturação detalhada e da competência legal para ordenar a sua obtenção em fase de inquérito” (2007: 18). Relativamente à primeira daquelas questões (localização celular), prevista, quer como meio de obtenção de prova, quer como medida cautelar e de polícia, realça-se a “difícil contextualização” da nulidade com que se comina a falta de intervenção do juiz de instrução no caso de utilização deste método como medida cautelar ou de polícia (artigo 252.º-A). Segundo o autor, “este tipo de localização celular não é um meio de prova nem de obtenção de prova, destinando-se exclusivamente a acautelar a vida ou a integridade física. Se o objectivo desta localização for a obtenção de prova, então deveria recorrer-se à previsão do Artigo 189º. Fica a dúvida de qual será o objecto da nulidade” (2007: 24). No que respeita às perícias ou exames sobre características das pessoas, especificamente quanto aos denominados exames intrusivos, o magistrado afirma que o legislador clarificou a possibilidade de realização de tais exames, condicionados a decisão judicial e desde que não represente perigo para a saúde do arguido, pondo assim termo a jurisprudência divergente no âmbito da legislação anterior. No entanto, a previsão de que a destruição das amostras de sangue ou outras células corporais e dos relatórios periciais deverá ser realizada logo que não sejam necessários pode, segundo o autor, gerar “dúvida quanto ao concreto momento em que deve proceder-se à destruição das amostras e do relatório pericial” (2007: 12).

Escutas telefónicas Sobre esta matéria, Damião da Cunha, no seu texto, começa por tecer duas considerações gerais sobre o tema. Uma relativa à revisão do código, referindo que “independentemente das críticas que possam ser feitas às concretas soluções agora consagradas, não se pode deixar de atribuir créditos a esta Revisão, por versar uma matéria que tantas dificuldades suscitou, procurando criar uma regulamentação – que, até agora, não tinha sido seriamente ensaiada – que se pretende adequada a uma realidade da investigação criminal, mas sem deixar de dar o relevo e a ponderação devidos às garantias, institucionais ou subjectivas, que com as escutas entram em conflito” (2007: 2). A segunda, de âmbito mais genérico, promovendo a necessidade de uma reflexão mais profunda que abrangesse, quer os 163

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

denominados meios de obtenção de prova, quer a “discussão sobre finalidade e valência das escutas no âmbito da investigação criminal e, nomeadamente, quanto à prova e sua efectiva valia” (2007: 2). Concretamente sobre as principais alterações introduzidas pela revisão do Código de Processo Penal no regime das escutas telefónicas, Damião da Cunha refere a discutibilidade da solução encontrada que possibilita a imposição de escutas telefónicas à vítima, com base no seu consentimento presumido ou efectivo, bem como a questão deixada em aberto pelo regime “de saber se todos os eventuais intermediários (…) podem ser objecto de escuta (…), ou se não se verificará uma qualquer excepção ou, ao menos, uma qualquer limitação quanto aos denominados portadores de segredos” (2007: 5). Damião da Cunha adere à restrição das escutas telefónicas à fase de inquérito, considerando, no entanto, não dever ser “considerada novidade de maior” (2007: 7), atenta a formulação mitigada da autonomia investigatória do juiz já existente na Revisão de 1998. Relativamente ao novo regime das denominadas “formalidades das escutas” previsto no artigo 188.º do Código de Processo Penal, o autor atribui três objectivos às soluções adoptadas: “criar um regime, tanto quanto possível, claro quanto ao (modo e tempo de) conhecimento por parte do juiz dos elementos relevantes obtidos com as escutas; eliminar as transcrições generalizadas; e, por fim, consagrar o acesso/exame do arguido aos registos e suportes técnicos para efeito de eventual uso dos mesmos no âmbito do seu direito de defesa” (2007: 8). O professor discorda da actual regulamentação dos denominados “conhecimentos fortuitos”, “pelo menos com a abrangência que a lei lhe aponta (em termos de susceptibilidade de utilização que nos parece excessiva” (2007: 12) e apelida de “tímida ou demasiado cautelosa” (2007: 14) a solução adoptada para a admissibilidade de destruição imediata dos suportes ou registos magnéticos e autos por parte do juiz, defendendo que se, por um lado, “a consagração deste regime legal justifica-se por um princípio (ou garantia) de justo processo ou de justo tratamento”; por outro, “a consagração deste princípio coloca em causa, pelo menos em parte, a forma (e a eficácia) de controlo do juiz, nomeadamente quanto à possibilidade de destruir registos,

164

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

sobretudo tendo em vista salvaguardar a protecção de outros interesses relevantes” (2007: 13-14). Conclui o autor que “a formulação do CPP é (ou pode ser) algo equívoca, na medida em que nos parece assentar na conjugação entre registos irrelevantes (para a prova) e registos inadmissíveis/inutilizáveis (para a prova ou como meio de prova)” (2007: 14), acrescentando que “fica-se com a ideia de alguma imprecisão (seguramente resultante da cautela do legislador) na solução legislativa, entre o «manifestamente irrelevante» (manifestamente estranhos ao processo) e casos que se configurariam de «inutilizabilidade» de elementos de prova” (2007: 18). Damião da Cunha não deixa, no entanto, de precisar que, na sua opinião, “a solução perfilhada não merece (…) face à timidez com que é proposta, qualquer censura (na medida em que constitui um conteúdo, a todos os títulos, minimalista). A dúvida reside exactamente em saber se não deveria, como julgamentos, ser mais incisiva, ao menos impondo a destruição de registos «inadmissíveis»” (2007: 18).

Maria de Fátima Mata-Mouros, no texto em análise, apresenta uma introdução geral bastante crítica à produção legislativa no âmbito do processo penal, considerando que “por mais que um juiz de instrução se esforce nunca poderá assumir o papel de controlo de certas medidas processuais penais que a lei lhe confere ou sequer um desempenho que faça justiça ao novo nome com que o legislador passou a gostar de o designar: o juiz das liberdades”, e, por outro, acusa “a «incúria» de algumas leis na expectativa de as ver melhoradas e, com elas, as tais práticas que todos repudiamos” (2007: 1-2). A autora acusa ainda a falta de estudos que possibilitem o conhecimento sobre a dimensão do fenómeno das escutas telefónicas, concluindo que “na justiça portuguesa há contas que têm de começar a ser feitas, sob pena de continuarmos todos a falar do que ninguém conhece” (2007: 4). No âmbito desta matéria, Fátima Mata-Mouros identifica quatro “preocupações que sobressaem das alterações legislativas introduzidas no regime das escutas telefónicas”: a)

Preocupação de garantir à defesa uma possibilidade de

intervenção na selecção das conversas com relevo para a descoberta da verdade; 165

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

b)

Preocupação ao nível da definição dos procedimentos;

c)

Preocupação com os prazos;

d)

Preocupação de delimitação do âmbito subjectivo de incidência da

escuta (2007: 5). A primeira merece a concordância da autora, traduzindo-se na “abertura do processo à defesa e, com ela, o rumo ao processo justo e equitativo o que (…) constituía – e em muitos aspectos continua a constituir – uma das reformas indispensáveis a empreender no inquérito” (2007: 5). Ao nível dos procedimentos, Fátima Mata-Mouros começa por apontar a falta

de

concisão

e

de

simplicidade

do

regime

previsto,

referindo,

posteriormente, que, apesar da previsão expressa da nulidade de qualquer escuta realizada com preterição das formalidades exigidas nos arts. 187.º, 188.º e 189.º, “a reforma deixa (…) por resolver a grande questão que interessava resolver em sede de regime jurídico dos vícios incidentes na realização de uma escuta telefónica: a rigorosa delimitação das formalidades essenciais das meras formalidades na sua realização” (2007: 13), que imporá soluções diferentes quanto à (in)sanabilidade das nulidades. Esta indefinição legal, juntamente com a ampliação dos casos em que é admissível revisão de sentença, pode levar a que, na opinião da autora, “o futuro nos reserve a sucessão de pedidos de anulação de prova recolhido por via de escutas telefónicas, quer em sede de instrução, quer em sede de julgamento. Mas, pior do que isso, mesmo em casos de condenações transitadas já em julgado” (2007: 13). Também no que respeita aos procedimentos, Fátima Mata-Mouros detém-se sobre aqueles que se inserem no plano da garantia constitucional em sede de direitos fundamentais, considerando que “aqui, lamentavelmente, as soluções previstas suscitam-nos fortes reservas”. Em primeiro lugar, defende que a obrigação do juiz determinar a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, prevista no artigo 188.º, n.º 6, é de “incumbência de execução impossível, já que exige: a)

Audição integral de todas as conversas captadas, o que constitui

dificuldade praticamente inultrapassável (…); b)

Dotação de meios técnicos e auxiliares que continuam a não

interessar ao legislador (…); 166

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

c)

Conhecimento por parte do juiz do perfil profissional, familiar e

social das pessoas escutadas de modo a permitir detectar as conversas que oferecem grau de risco de poderem «afectar gravemente direitos, liberdades e garantias» o que constitui conhecimento de antecipação impossível, para além de

apelar

à

interpretação

de

conceitos

excessivamente

vagos

e

indeterminados” (2007: 14-15). A autora defende, assim, que “os comandos legais em referência carecem de densidade normativa (…). Antes de tudo o mais, faltava – e continua a faltar – lei. Sim, falta-nos lei! E, na sua base, toda uma dogmática das medidas de investigação ocultas”, nomeadamente no que respeita à sua conciliação com o respeito pelas esferas de segredo de Estado, profissional e religioso (2007: 15). Relativamente à terceira preocupação apontada, a autora divide a análise em dois momentos: um relativo aos prazos no procedimento e um outro relativo aos prazos de duração das escutas. No que se refere ao primeiro, apesar de considerar “compreensível a preocupação do legislador em pôr cobro

a

esta

querela”

(da

indefinição

da

interpretação

do

termo

“imediatamente” para a apresentação das escutas realizadas ao juiz de instrução para validação), alerta para a existência de “elevados perigos a considerar na previsão legal de um prazo fixo para efectivação do controlo judicial” (actualmente de 15 dias), a saber: o perigo de mecanização dos procedimentos de controlo e o perigo de esvaziamento do próprio controlo do juiz (2007: 17). Já relativamente ao segundo momento, a autora saúda a previsão de um prazo máximo de duração de “uma medida restritiva de direitos fundamentais”, que “ilustra uma fundada intolerância a prorrogações ilimitadas e indefinidas”, não concordando, no entanto, com o prazo de 3 meses concretamente adoptado, por o considerar excessivo (2007: 18). Finalmente, quanto à última preocupação da revisão (delimitação normativa do âmbito subjectivo das escutas), Fátima Mata-Mouros afirma tal delimitação ter “o mérito de por cobro a divergências de interpretação anteriormente verificadas sobre a amplitude da permissão legal”, alertando, todavia, para o facto de que a formulação legal “não irá resolver o problema da proliferação deste meio de investigação” (2007: 19).

167

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

A autora conclui que “aquilo que não vai mudar com a nova lei” é “a persistente indefinição legislativa. Apesar dos inúmeros esclarecimentos introduzidos na lei processual penal pela reforma em discussão, a verdade é que naquilo que realmente interessava disciplinar continuam a proliferar os conceitos vagos e imprecisos” (2007: 19). Aponta como expoente máximo desta indefinição a ausência de parâmetros legais para a autorização de uma escuta, defendendo que a nova redacção do artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo ido “espreitar as legislações estrangeiras”, ignorou, “todavia, os defeitos de há muito identificados na observação das mesmas. Na prática, continuará a confundir-se a previsão legal do catálogo de crimes que admitem prova por via de intercepções telefónicas com a legalidade das mesmas” (2007: 20). A autora deixa uma última nota relativa à localização celular, enquanto medida cautelar e de polícia, prevista no artigo 252.º-A, do Código de Processo Penal, afirmando que o sistema disponível na Polícia Judiciária não permite a localização celular sem que pressuponha a activação de uma intercepção telefónica. “ou seja, para accionar uma localização celular a polícia continua a ter de pedir ao juiz a realização de uma intercepção (leia-se escuta) telefónica. Mas a lei já fala em dispensa de pedido prévio ao juiz. Em matérias que pressupõem alguma sofisticação tecnológica a bondade da lei não pode andar desligada dos instrumentos que a concretizam” (2007: 23). Para Carlos Adérito Teixeira36 o novo regime configura um novo modelo e um novo paradigma de escutas telefónicas. Considera, contudo, que com as alterações introduzidas foram mantidos alguns problemas patentes no anterior e, também, criados novos problemas. Como alteração positiva, aponta a identificação das categorias de pessoas que podem efectivamente ser escutadas. Não obstante, critica o facto de as autorizações de escutas serem feitas independentemente da titularidade do meio de comunicação alvo da intercepção. Alerta para a necessidade de o juiz ouvir as escutas na avaliação quinzenal. Caso contrário, explica, seriam verdadeiras escutas administrativas, deixadas aos OPCs sem controlo judicial. 36

“Escutas telefónicas”. Jornadas de Revisão do CPP, organizadas pelo CEJ. Aula Magra da Reitoria da Universidade de Lisboa. 15 e 16 de Novembro de 2007

168

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Quanto ao facto de o juiz de instrução determinar a transcrição e junção aos autos de conversações e comunicações indispensáveis para a aplicação de medida de coacção (que não o termo de identidade e residência) ou de garantia patrimonial, Carlos Adérito Teixeira entende que esta solução não é adequada. Embora aceitando que o legislador entendeu que deve ser feito um controlo das escutas pelo juiz de instrução, sublinha o papel deste como juiz das liberdades, controlando e avaliando numa perspectiva de protecção de direitos, liberdades e garantias. Ora, explica Carlos Adérito Teixeira, determinando o juiz quais as escutas a transcrever, está já a seleccionar prova ou meio de obtenção de prova e, por essa via, ganhando pré-compreensões, pré-conceitos em relação aos factos e aos arguidos. Por conseguinte, entende que, pelo menos teoricamente, seria mais coerente deixar que fosse o Ministério Público a transcrever as escutas para fundamentar a sua proposta de aplicação de medida de coacção. Prevê, ainda, que o artigo 189.º, do Código de Processo Penal, dará azo a “grandes debates”, nomeadamente, a respeito das mensagens escritas de telemóvel, uma vez que poderá haver entendimentos segundo os quais o regime aplicável é o das escutas telefónicas e, nesse caso, será discutível se um ofendido (por exemplo, uma vítima de violência doméstica) pode apresentar mensagens escritas como prova. Estas poderão não ser utilizadas por não ter sido autorizada a sua intercepção. Considera, ainda, que as injúrias cometidas através de correio electrónico e, em especial, os crimes informáticos deixarão de ter investigação possível, pois não constam, pelo menos na sua generalidade, do catálogo do artigo 187.º, do Código de Processo Penal, pelo que no âmbito da investigação desses crimes não pode ser autorizada a intercepção.

Medidas de Coacção Sobre esta temática analisamos as reflexões de Vítor Sequinho dos Santos e de Nuno Brandão, ambas feitas no âmbito das já referidas Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal.

169

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Para Vítor Sequinho37, as alterações consagradas no artigo 193.º do Código de Processo Penal (princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade na aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial) pela nova lei foram, por um lado, desnecessárias e, por outro, redundantes e repetitivas, continuando, neste aspecto, “a nada ter de realmente inovador” (2007: 3). Considera que as novidades surgem apenas no artigo 194.º (despacho de aplicação e sua notificação), com o fim da possibilidade de aplicação pelo juiz de medida de coacção mais grave que a promovida pelo Ministério Público, pondo, assim, termo a uma longa controvérsia existente na legislação anterior. No entanto, para Vítor Sequinho “o legislador apenas resolveu o primeiro nível do problema”, deixando em aberto a “questão da graduação, em abstracto, das medidas de coacção previstas no CPP em função do critério da sua gravidade” (2007: 4-5). Este magistrado judicial defende que “o critério de graduação das medidas de coacção para o efeito previsto no n.º 2 do artigo 194.º só pode ser o do grau de exigência dos pressupostos que a lei estabelece para cada uma delas” (2007: 5). Outra questão, que considera deixada em aberto pelo citado artigo 194.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, é a de “saber se o juiz pode cumular medidas de coacção para além do requerido pelo Ministério Público, ainda que nenhuma delas seja, por si só, mais grave do que aquela ou aquelas que este último propõe” (2007: 7). Considera, por isso, que “é inevitável que, na prática, venham a suscitar-se problemas a este nível, que terão de ser resolvidos através da ponderação das medidas de coacção requeridas e aplicadas em conformidade com o critério substancial (…) da medida em que, em concreto, a liberdade do arguido é limitada” (2007: 8). O autor debruça-se, ainda, sobre um outro aspecto que qualifica como “alteração muito significativa” (2007: 10) e “nítido progresso sob o ponto de vista das garantias de defesa do arguido” (2007: 12): a audição do arguido e a informação a que este, para o efeito, tem acesso. No entanto, depois de uma breve descrição do regime, Sequinho dos Santos defende que “o novo regime apresenta 37

algumas

incongruências”,

apontando

as

seguintes:

1)

Medidas de coacção. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007.

170

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

inalterabilidade do regime de audição do arguido quando se trata de reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação – o autor afirma que “estas opções legislativas indiciam que o próprio legislador se conformou com o carácter rotineiro – naquilo que este termo tem de pior – que o reexame daqueles pressupostos adquiriu em alguma (má) prática judiciária, o que é incompreensível no âmbito de uma reforma do Código de Processo Penal que, no domínio que cuidamos, foi movida por uma forte preocupação de alargar o contraditório e, também por aí, conferir um conteúdo substancial às garantias de defesa do arguido num sector onde elas se mostravam particularmente frágeis” (2007: 14); e 2) utilização de conceitos diferentes para definir o conteúdo da comunicação ao arguido prevista na alínea d) do n.º 4 do artigo 141.º e para definir o conteúdo da fundamentação do despacho previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 194.º do Código de Processo Penal. No que se refere aos pressupostos gerais de aplicação de medidas de coacção diversas do termo de identidade e residência, o autor salienta duas alterações significativas: a necessidade de verificação daqueles pressupostos no momento da aplicação da medida de coacção (impedindo a aplicação de medida de coacção para aplicar apenas em data futura) e a introdução da alínea c) do artigo 204.º, que exige “agora de forma clara (…) o perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que seja este a perturbar a ordem e a tranquilidades públicas” (2007: 16). Segundo Vítor Sequinho, a exigência de que a perturbação da ordem e tranquilidades públicas sejam imputáveis ao arguido (e não apenas objectivamente susceptíveis de gerar um alarme social atendendo à gravidade do crime) é de aplaudir. No entanto, o requisito de que tal perturbação seja grave é, na opinião do autor, excessivo, “acabando [o legislador] por deixar transparecer, não já uma legítima preocupação por algum excesso na aplicação de medidas de coacção diversas do termo de identidade e residência, em especial da prisão preventiva, mas, bem mais do que isso, uma verdadeira obsessão em limitar ao extremo a aplicação daquelas medidas” (2007: 17).

171

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Ao contrário de muitas posições mediaticamente veiculadas, Nuno Brandão38, na sua reflexão, começa por salientar, que a revisão do Código de Processo Penal, no domínio da aplicação das medidas de coacção, surgiu da “necessidade de aperfeiçoar, clarificar e esclarecer um regime legal que nos últimos anos esteve sujeito a intensa exposição e discussão pública” (2007: 2). No que respeita ao procedimento de aplicação daquelas medidas, considera que “apesar do elevado número de preceitos que (…) foram alterados (…), não será correcta a conclusão de que foram postas em causa as linhas fundamentais do regime anterior (...) limitando-se a explicitar soluções que decorreriam já de uma interpretação desse regime não só conforme a Constituição, como também à própria lógica e estrutura intra-sistemática de um processo penal de matriz acusatória” (2007: 3). O autor não deixa, em todo o caso, de considerar tais alterações pertinentes, tendo em conta as divergências jurisprudências existentes sobre certos pontos. Desde logo, o autor considera que a alteração constante do artigo 257.º, n.º 1, do Código de Processo Penal relativa à forma de promover o comparecimento do arguido para interrogatório com vista à aplicação de medida de coacção foi necessária, defendendo que tal solução “não só é idónea a promover um respeito acrescido pela liberdade das pessoas, como também a obstar ou, pelo menos, dificultar práticas inadmissíveis que vêm sendo denunciadas, que passam por enfraquecer o discernimento do arguido e abalar a sua estabilidade emocional e anímica antes do interrogatório, através da privação da liberdade e do isolamento por longas horas” (2007: 4). Outra solução aplaudida pelo autor é a da obrigatoriedade de assistência de defensor nos interrogatórios de arguido detido ou preso. Neste âmbito, o autor aponta, no entanto, como oportunidade perdida a falta de disposição que imponha ao Ministério Público, “em caso de inexistência de perigo na demora”, “a obrigação de apresentar ao juiz de instrução os autos (ou cópia deles) e o requerimento para aplicação da medida de coacção com uma antecedência razoável e adequada à complexidade e dimensão do processo, sobre a detenção ou momento imposto ao arguido para

38

Medidas de coacção: o procedimento de aplicação na revisão do Código de Processo Penal. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

comparecimento”, bem como a possibilidade de, em processos de especial complexidade e dimensão, “intervir em equipa, mais do que um juiz de instrução” (2007: 6). No que respeita ao novo regime de contraditório prévio à aplicação de medidas de coacção, faz dois reparos: um formal (apontando a redundância da necessidade de fundamentação do despacho que atesta a impossibilidade de audição do arguido) e outro substancial, relativo à eliminação da possibilidade de afastamento da defesa prévia no caso da sua inconveniência que “tinha em vista fundamentalmente acautelar o perigo, sobretudo na criminalidade organizada e violenta, que para a investigação e para as vítimas ou outros participantes processuais poderá advir do conhecimento da intenção de aplicação de uma medida de coacção e portanto da existência de uma investigação criminal em curso” (2007: 8). A explicitação constante da alínea c), do n.º 4, do artigo 141.º, do Código de Processo Penal (necessidade de informação ao arguido dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo), questão, como se sabe, que tinha suscitado muita controvérsia, é vista pelo autor como “plenamente justificada” (2007: 10). No que respeita ao regime de acesso aos autos e material probatório por parte do arguido antes da aplicação de medida de coacção, o autor saúda, por um lado, a “decisão de tomar posição clarificadora nesta matéria” e, por outro, defende que a solução adoptada, garantido uma ponderação concreta entre os interesses subjacentes ao segredo de justiça e os interesses da defesa, “assegura (…) um compromisso ainda razoável, adequado e conforme à Constituição” (2007: 14). No entanto, aponta os seguintes problemas práticos que aquele regime comportará: 1) dificuldade de fundamentação do despacho judicial que indefira o pedido do arguido de aceder aos elementos probatórios constantes dos autos, com base no perigo que poderá resultar para a investigação; 2) dificuldade de compatibilização do disposto na alínea d) com o disposto na alínea b) do artigo 141.º, n.º 4, fruto da distinção de conceitos utilizados na definição do conteúdo da comunicação ao arguido e da fundamentação do despacho judicial.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

O autor avalia o novo regime de invalidade previsto para a violação do dever de fundamentação do despacho que aplique medida de coacção, considerando-o “mais simbólico que substancial, dado que sendo o despacho de aplicação da medida de coacção proferido pelo juiz no termo do interrogatório judicial, na presença do arguido e do seu defensor, como acontecerá na generalidade dos casos, o vício de fundamentação, mesmo constituindo nulidade relativa e não mera irregularidade, continuará a dever ser arguido no próprio acto” (2007: 18-19). Contrariamente à posição emitida em alguns pareceres, concorda com a limitação da liberdade de aplicação de medida de coacção, imposta no artigo 194.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que veio por termo a indefinição jurisprudencial sobre a matéria. A nova precisão de irrecorribilidade da decisão que indeferir a aplicação, revogar ou declarar extinta uma medida de coacção, merece crítica negativa por parte do autor. Considera que tal inovação coloca em causa o equilíbrio “entre a necessidade de protecção dos direitos fundamentais do cidadão presumido inocente sujeito e objecto do processo penal e o interesse na realização da justiça penal” (2007: 21).

Prisão Preventiva A respeito das alterações introduzidas no regime da prisão preventiva, Vítor Sequinho dos Santos39 considera que se trata de “um dos domínios onde o ímpeto reformista se fez sentir com maior intensidade” (2007:19). Salienta, sobre esta matéria, os seguintes aspectos. Considera que o agravamento do requisito de aplicação desta medida de coacção, introduzido pela redacção do artigo 202.º n.1, alínea a), pode vir a deixar de fora do seu âmbito de aplicação “segmentos da criminalidade com acentuada gravidade e que causam justificados sentimentos de insegurança na população, sobretudo quando se trate de condutas reiteradas do mesmo agente” (2007:20). Quanto à aliena b) do mesmo normativo, entende que o seu âmbito de aplicação é restrito em relação ao esperado e que a redacção está desfasada 39

Formação Permanente do CEJ “Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal”. Novembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

em relação ao elenco de definições legais do artigo 1.º, no que respeita às fórmulas “casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada” e “criminalidade violenta (…) punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos”. Um segundo aspecto prende-se com a redução do prazo de prisão preventiva, previsto no artigo 215º n.º1, que considera desadequada, já que é efectuada “precisamente onde ele é mais necessário, ou seja, na fase de inquérito” (2007: 24). Entende que esta redução, em sede de inquérito, “é incompreensível”. Aponta, ainda, um problema formal relativamente à formulação definitiva da alínea a) do n.2, pois que, o procedimento legislativo foi incorrecto, dado que “por definição, o teor da republicação de um diploma legal tem de ser um mero reflexo das alterações introduzidas pela lei nova – em tudo aquilo que se afaste desta última, é juridicamente inexistente”, pelo que, consequentemente, se lhe colocam “dúvidas sobre qual seja a actual redacção daquela alínea” (2007: 26). No que respeita ao n.º 2 desse normativo, mais concretamente, às alíneas a) a d) e f), entende que, lendo-as em conjugação com as do artigo 202.º, n.º 1, alínea a), “fica-se com a convicção de que o legislador de 2007 se limitou a reduzir os prazos previstos no corpo do referido n.º 2, sem atentar devidamente nos crimes que aquelas alíneas previam” (2007: 27-28). Consequentemente, pensa, “passará a ser mais do possível, vulgar, que um crime não admita prisão preventiva num primeiro momento, por força da al. a) do n.º 1 do art. 202.º, mas, verificados os pressupostos do n.º 2 do art. 203.º, passe a admitir essa medida de coacção com um prazo máximo alargado” (2007: 28), o que levaria a uma solução “que, embora possível, é, no mínimo, estranha” (2007: 28). Salienta que o n.º 6, do artigo 215.º, instituiu um “regime fortemente inovador” (2007: 28), desde logo, ao prever a fixação do prazo máximo de duração da prisão preventiva através do novo critério da duração da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado. Contudo, essa via possibilita a manutenção dessa medida de coacção por períodos extremamente longos, o que até à reforma de 2007 se não verificava. Considerando, por isso, que este preceito legal deveria ter sido sujeito a uma regulamentação detalhada, o que, a seu ver, não sucedeu: “o n.º 6 do art. 215.º surge algo desgarrado entre as 175

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restantes normas deste artigo, com uma redacção enganadora e com omissões incompreensíveis” (2007: 29). Prevê, assim, problemas interpretativos a respeito da pena a ter em conta para cálculo do limite máximo da prisão preventiva. Nos termos desse normativo, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada, quando o arguido seja condenado em pena de prisão em 1.ª instância e a condenação tenha sido confirmada em sede de recurso ordinário. Desde logo, Pedro Verdelho afirma que o termo “confirmada” não é feliz. Entende que o âmbito de aplicação do normativo não se limita às hipóteses de confirmação da sentença de 1.ª instância pelo tribunal superior. Assim, interpreta o termo “confirmada” no sentido de a decisão do tribunal superior também condenar numa pena de prisão efectiva, mesmo quando esteja a julgar total ou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público no interesse deste. Por outro lado, levanta-se, também, a questão de saber de que tribunal (a quo ou ad quem) será a sentença a ter em conta, entendendo que, nesses casos, será a tendida a de duração mais curta. O autor entende que se suscitam problemas no caso de concurso de crimes, pois poderá ser tida em conta ou a pena unitária ou uma das penas parcelares. E, destas, qual será atendida. Considerando que se deverá ter em conta uma das penas parcelares, esta deverá ser respeitante a um crime que admita prisão preventiva. Havendo mais de uma, entende Pedro Verdelho, deverá ser considerada a pena mais elevada. Não obstante, o autor admite que esta posição poderá não ser consensual. Considera, por isso, que “o legislador deveria ter previsto e regulado estas situações, em vez de (…) abrir a porta a indefinições e a consequentes divergências nas decisões judiciais, com todas as injustiças que daí decorrem, para mais tratando-se de matéria que contende tão intensamente com a liberdade das pessoas” (2007: 32).

Processos Especiais e Suspensão Provisória do Processo Analisam-se sobre esta matéria textos de Helena Leitão40, Sónia Fidalgo41 e Rui do Carmo42.

40

“Processos especiais: os processos sumário e abreviado no Código de Processo Penal (após a revisão operada pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto)”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Julho de 2007

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

Helena Leitão salienta a consagração da possibilidade de adiamento do início da audiência até ao limite do 5.º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis entre a detenção e a audiência, o que significa que, na prática, permite o julgamento em processo sumário, numa segunda-feira, de um arguido que tenha sido detido e libertado na sexta-feira anterior, ou mesmo na quinta-feira mas, neste caso, se ocorrer a interposição de um feriado no decurso de 48 horas. No que se refere à detenção em flagrante delito, apesar de entender a intenção do legislador ao impor a realização do julgamento em processo sumário quando estejam reunidos os pressupostos respectivos, na sua perspectiva deverão estar previamente excluídas as causas que legitimem o arquivamento do processo, nos termos dos artigos 277.º ou 280.º, a sua suspensão provisória, de acordo com os artigos 281.º e 282.º, ou a aplicação de sanções em processo sumaríssimo, como determinam os artigos 392.º a 398.º. Ainda acerca da detenção em flagrante delito, o novo interrogatório judicial de arguido “que encontrou inserção sistemática no âmbito do processo sumário”, de acordo com a autora, apenas deve ter lugar “em momento prévio ao início da audiência de julgamento, nos casos previstos nas als. a) e b) do art. 387º e quando se verificar a necessidade de aplicar ao arguido outras medidas de coacção que não o termo de identidade e residência”. Relativamente

ao

processo

abreviado,

a

autora

refere

que o

desaparecimento de qualquer referência à notificação do despacho de acusação no quadro do processo abreviado “pode suscitar algumas dúvidas sobre a obrigatoriedade de se proceder àquela notificação”. Considera, contudo, que “tal notificação continua a impor-se, desde logo em razão do regime geral do art.º 113.º, n.º 9, que preceitua a necessidade de o despacho de acusação ser notificado, além do mais, ao arguido, bem como ao respectivo defensor ou advogado. Essa notificação faculta igualmente ao arguido a 41

“O processo sumaríssimo na revisão do Código de Processo Penal”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código Penal. Novembro de 2007. 42 “Suspensão provisória do processo. no Código de Processo Penal revisto – alterações e clarificações”. Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

possibilidade de arguir a prática de eventuais nulidades praticadas no decurso do inquérito, sendo que essa arguição poderá ser decidida no despacho liminar a proferir pelo juiz de acordo com o art.º 311.º, ex vi, art.º 391.ºC. Por outro lado, a necessidade de um tal despacho ser objecto de notificação é consequência do regime predisposto para a contagem do prazo de dedução de pedido de indemnização civil dos art.s 75.º e 77.º, n.ºs 2 e 3”. Alerta, ainda, para o novo prazo de 90 dias para o inicio da audiência, a contar da dedução da acusação, que considera “suscitará, por certo, as maiores dificuldades de ordem prática, maxime nos processos em que tenha ocorrido a dedução de pedido de indemnização civil”, pois o decurso sucessivo dos prazos para dedução de pedido de indemnização civil e contestação a essa pretensão “limitarão, de sobremaneira, o tempo disponível para o cumprimento de todas as formalidades necessárias a que a audiência de julgamento se inicie no prazo de 90 dias”.

Sónia Fidalgo, em matéria de aplicação de penas no âmbito do processo sumaríssimo, levanta algumas questões. Desde logo, questiona se “do ponto de vista dogmático, quando são aplicadas em processo sumaríssimo, as penas de substituição não privativas da liberdade são aplicadas como verdadeiras penas de substituição, ou se deverão antes ser vistas como penas (de substituição) aplicadas a título ou por forma principal”. Na sua perspectiva, as penas não privativas da liberdade que integram o catálogo das penas de substituição em sentido próprio, quando são aplicadas em processo sumaríssimo não constituem verdadeiras penas de substituição do ponto de vista dogmático. Sobre a possibilidade de aplicação, em processo sumaríssimo, da pena de suspensão da execução da pena, da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e da pena de admoestação, segundo a autora, tem havido posições que consideram que tal não é possível. Contudo, no que diz respeito à recusa de aplicação, em processo sumaríssimo, da pena de suspensão da execução da pena, considera que tal decorre de “uma errada qualificação dogmática deste instituto”, visto a suspensão da execução da pena de prisão não representar, “entre nós, um simples incidente ou uma modificação da execução da pena de prisão”, mas constituir uma pena autónoma, pelo que 178

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

“não vemos razão para que ela não possa ser aplicada em processo sumaríssimo”. Quanto à admoestação, como constitui uma pena não privativa da liberdade, a autora entende que a mesma poderá ser aplicada em processo sumaríssimo. Considera de “aplaudir” a redacção do artigo 392.º, n.º 1, uma vez que nos casos em que o arguido não tenha tomado a iniciativa de propor ao Ministério Público que requeira ao tribunal a aplicação da sanção em processo sumaríssimo, o Ministério Público apenas poderá requerer o processo sumaríssimo após ter ouvido o arguido. Para Sónia Fidalgo, com a audição prévia do arguido “fica-se com a certeza de ser conhecido no processo o paradeiro do arguido, podendo evitar-se a perda de tempo e de meios nas situações em que, a final, por não se conhecer o paradeiro do arguido, não é possível notificá-lo da proposta do Ministério Público, devendo o caso ser julgado noutra forma processual”, além de, ouvido, o arguido poder recusar a aplicação da sanção em processo sumaríssimo logo nesta fase inicial e este contacto preliminar como o arguido poder ser encarado como “uma forma de preparação deste para a aceitação da sanção proposta pelo Ministério Público e, deste modo, contribuir para a concretização de uma maior eficácia do processo sumaríssimo”. Uma das novidades introduzidas com a reforma de 2007 é a reparação arbitrada em processo sumaríssimo (artigo 82.º-A do Código de Processo Penal), a qual se traduz numa “indemnização civil, de arbitramento oficioso, em caso de condenação”. A autora interroga-se sobre se a inclusão da reparação no requerimento do Ministério Público “não pode conduzir a uma maior oposição do arguido à aplicação da sanção em processo sumaríssimo”. Sobre o crime de violação de imposições determinadas a título de pena aplicada em processo sumaríssimo (artigo 353.º do Código Penal), concorda com o facto de ter sido colmatada a ausência de previsão legal quanto ao procedimento, nos casos em que o condenado em processo sumaríssimo em sanção diferente da pena de multa principal não cumprisse essa sanção. Manifesta, porém, algumas dúvidas “quanto à adequação da solução encontrada”. Avança que, provavelmente, teria sido possível uma solução inspirada no antigo regime de prova “de modo a que se o arguido não 179

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cumprisse a pena não privativa da liberdade com a qual havia concordado, poderia ser-lhe feita uma solene advertência e, se tal não se revelasse suficiente, poderia ser revogada a pena aplicada em processo sumaríssimo e designado dia para julgamento, em que se procederia à determinação de uma nova sanção tendo em conta o crime inicialmente cometido”.

Rui do Carmo, sobre as alterações introduzidas no Código de Processo Penal no âmbito da suspensão provisória do processo, entende que as mesmas “ajudarão a clarificar os pressupostos de aplicação do instituto e, nesse sentido, poderão eliminar incorrectos entendimentos que a rotina e uma concepção burocrática da função têm ajudado a consolidar na praxis diária”. O autor concretiza: “a explicitação do texto da lei no sentido de ficar clara a obrigatoriedade

da

sua

aplicação

quando

verificados

os

respectivos

pressupostos legais; a possibilidade expressa de a sua aplicação ser requerida pelo arguido (e também pelo assistente); a sua aplicação aos casos de «ausência de um grau de culpa elevado»; e a exigência de ausência de antecedentes criminais apenas relativamente a crimes da mesma natureza”. Adverte para o facto de, apesar de já na redacção anterior do Código de Processo Penal a suspensão provisória do processo não dever ser entendida como uma faculdade do Ministério Público, mas antes como um dever, o actual artigo 281.º, n.º 1 “veio dizê-lo expressamente”, explicitando que a pode determinar oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, o que se plica, “nos mesmos termos, na fase de instrução, vinculando o juiz de instrução”. No que concerne as injunções e regras de conduta, a revisão de 2007 aditou a prestação de serviço de interesse público, a frequência de certos programas e actividades, a proibição de frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões e a obrigação de residir em determinado local. A prestação de serviço de interesse público e a frequência de certos programas e actividades, segundo o autor, eram já com frequência aplicadas. Quanto à obrigação de residir em determinado local, Rui do Carmo questiona “se esta nova injunção não constituirá uma limitação excessiva ao direito de livre deslocação e de livre fixação da residência, porque não proporcionada à

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

gravidade dos ilícitos penais enquadráveis nos pressupostos de aplicação da suspensão provisória do processo”. A revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento do processo, que antes da revisão ocorria se o arguido não tivesse cumprido as injunções e regras de conduta, passou a ter um novo fundamento – a verificação de que “durante a suspensão do processo, o arguido comete[u] crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado” – , previsão com o qual o autor concorda, visto sancionar o arguido que ”tendo beneficiado da aplicação deste instituto, não adequou o seu comportamento ao respeito pelos bens jurídicos que já havia anteriormente violado, demonstrando que o cumprimento das injunções e/ou regras de conduta não respondera suficientemente às exigências de prevenção; por outro lado, vem retirar fundamento legal a uma prática frequente de impor como regra de conduta ao arguido o não praticar qualquer crime, ou crime da mesma natureza, durante o período de suspensão, entendendo-a, não sem crítica, como podendo constituir «comportamento especialmente exigido pelo caso». Mas anuiu ao seu objectivo, que era o de não permitir o arquivamento do inquérito no caso de o arguido praticar novo facto criminoso, nomeadamente da mesma natureza, durante o período em que vigorar a suspensão”. O autor alerta para o facto de nos n.ºs 3 e 4 do artigo 178.º do Código Penal, a suspensão provisória do processo “continua a ser tratada”, o que, na sua perspectiva, implica “desarmonia entre a sua redacção e do nº 7 do art.º 281º do CPP: no CPP é exigida a ausência de anterior condenação do arguido ou de aplicação de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza; enquanto no CP é tão-só exigido, incompreensivelmente, que «não tenha sido aplicada anteriormente medida similar (suspensão provisória do processo, portanto!) por crime da mesma natureza ”. Levanta, ainda, uma questão, que tem sido objecto de debate doutrinal e jurisprudencial, que é a questão da admissibilidade, ou não, de recurso do despacho em que o juiz de instrução, no inquérito, declara não concordar com a suspensão provisória do processo. Ora, o autor entende que com a revisão ficou claro que “a suspensão provisória do processo não é uma decisão discricionária e que o arguido e o assistente têm o direito de a requerer, menos defensável seria a irrecorribilidade do despacho de não concordância do juiz de 181

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

instrução criminal, a não sindicância do seu respeito pelo programa políticocriminal vertido no Código de Processo Penal, a que deve obediência”.

Recursos Nesta matéria analisam-se aqui os textos de Ana Maria Barata de Brito43 e de Simas Santos e Leal-Henriques44.

Antes de entrar no tema objecto do seu texto (a revisão do código relativa ao recurso da matéria de facto), Ana Maria Barata de Brito descreve as alterações legislativas anteriores à actual redacção, nomeadamente a operada pela reforma de 1998, que veio consagrar um recurso efectivo da matéria de facto, continuando, no entanto, as Relações “decorridos quase dez anos, (…) a confrontar-se com a dificuldade da concreta delimitação do preciso quantum de conhecimento do facto que lhes é exigido (e/ou permitido) por via do recurso da matéria de facto” (2007: 3). Parte, no entanto, do pressuposto central de que “o julgamento em primeira instância é o palco por excelência da revelação do facto” e de que “o recurso em matéria de facto não deve ser visto como uma sistemática sindicância à actividade processual de aproximação ao facto efectuada pela primeira instância”, tratando-se apenas de “um remédio para a excepcionalidade do falhanço no acerto definido nesse julgamento”. Conclui, assim, “ser este o entendimento a seguir desde a reforma de 98, que se mantém inalterado na versão revista, e que encontra conformação constitucional” (2007: 9). No que respeita à matéria objecto de alteração, a autora destaca, em primeiro lugar, o fim da transcrição das gravações da audiência, com o qual “pouco se ganha (…); apenas a óbvia diminuição dos custos do processo”, podendo, inclusive, gerar uma dificuldade acrescida no manuseamento da prova, “em casos de depoimentos muito extensos” (2007: 10-11). Chama a atenção, no que respeita às audiências a requerimento do recorrente, para o ónus de especificação presente no n.º 5 do artigo 411.º que “poderá suscitar 43

“Recursos em processo penal: a interposição do recurso; o recurso da matéria de facto” Formação Permanente do CEJ. Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Novembro de 2007 44 Recursos em Processo Penal (De acordo com o Código do Processo Penal revisto). 6.ª edição. Lisboa. Editora Rei dos Livros. 2007.

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Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

dificuldade de compatibilização com o disposto no artigo 423.º, n.º 1”, que impõe ao o Relator o ónus de enunciar as questões que merecem exame especial (2007: 13). A autora destacou, ainda, duas alterações, uma por influência da prática; outra da jurisprudência do Tribunal Constitucional. Quanto à primeira, atribui a restrição da vista ao Ministério Público à mera tomada de conhecimento do processo nos recursos a julgar em audiência a “consagração normativa de práticas processuais (uma vez que o M.P. já vinha reservando a emissão de parecer para os recursos julgados em conferência)” (2007: 14). A segunda visa “normativizar jurisprudência do Tribunal Constitucional” e refere-se à obrigatoriedade do “despacho de aperfeiçoamento quando as conclusões do recurso da matéria de facto (e de direito) não satisfaçam as exigências legais (artigo 417.º, n.º 3), não se permitindo porém modificar, por via desse aperfeiçoamento, o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.º 4)” (2007: 15). A consagração da admissibilidade do recurso da matéria de facto de decisão de tribunal de júri, e a sua interposição para o Tribunal da Relação, põe termo, segundo a autora, que se socorre da opinião de Maria João Antunes, à disparidade do regime entre o tribunal colectivo e o tribunal do júri, de constitucionalidade duvidosa. A autora sustenta, ainda, que as disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 2 (inadmissibilidade de recurso prévio para a relação), 414.º, n.º 8 (obrigatoriedade de julgamento conjunto de todos os recursos da mesma decisão), e 400.º (inadmissibilidade de recurso de acórdãos da Relação condenatórios que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos), podem originar uma diminuição de garantias de defesa.

Simas Santos e Leal-Henriques, na sua obra de referência “Recursos em Processo Penal”, realizam um estudo aturado do sistema de recursos em processo penal, nesta última edição (a 6.ª), de acordo com o Código revisto. Algumas dessas questões foram objecto de reflexão na conferência proferida por Simas Santos nas Jornadas de Revisão do Código de Processo Penal, organizadas pelo CEJ em Novembro de 2007. A extensão da obra não nos 183

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

permite uma análise aprofundada a integrar neste relatório. Destacam-se apenas algumas das questões levantadas. Os autores destacam como “uma das mais significativas inovações da revisão de 2007” (2007: 111) a hipótese de, em determinadas circunstâncias, o relator decidir o recurso por decisão singular (”decisão sumária”), passando o funcionamento do tribunal de recurso a possuir três níveis (relator, conferência em reclamação e audiência). Referem que esta ampliação dos poderes do juiz relator, efectuada pelo legislador reformista, é no mesmo sentido do explanado no Documento de Reflexão dos Conselheiros, proposta por um destes autores. Valoram, ainda, entre outras, os pontos que seguidamente se elencam. No âmbito das decisões impugnáveis e não impugnáveis, mais concretamente, a respeito das decisões que não admitem recurso, entendem que a alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, terá necessariamente de ser rapidamente alterada, retornando-se à redacção da Proposta de Lei n.º 109/X. Isto porque esta alínea, que prescreve que não é admissível recurso do acórdão da relação que, em sede de recurso, apliquem pena não privativa da liberdade (incluindo-se aqui, portanto, a suspensão da execução da pena, o trabalho a favor da comunidade e a admoestação), não se coaduna, na sua opinião, nem com o enunciado na Exposição de Motivos da referida Proposta de Lei n.º 109/X, nem com o estatuído na alínea f) do mesmo normativo e na alínea c), do n.º 1, do artigo 432.º. Na verdade, do texto da Proposta constava “…que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos”. Como referem estes autores, “na discussão na especialidade o PS propôs e fez aprovar a actual redacção”, considerando ser “inexplicável esta mudança de posição, que gera dificuldades de interpretação” (Santos e Leal-Henriques. 2007: 42). Deste modo, sublinham, “passa a haver um só grau de recurso (para o STJ) quando se trate de decisão que aplicou prisão superior a 5 anos e dois graus de recurso (para a Relação e para o STJ, se não houver dupla conforme condenatória), e se abrirá injustificadamente o recurso de bagatelas penais para o STJ, contra o que a proposta de revisão reclamava” (2007: 42). Não obstante, como já era o entendimento do STJ, não será passível de recurso um acórdão da Relação que, em recurso, condene em pena de prisão não superior a 5 anos, se a sentença recorrida tinha sido proferida por tribunal singular, tal como o 184

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

entendimento de que a reformatio in melius condenatória é confirmativa. Foi, também, neste sentido o teor da intervenção de Simas Santos nas Jornadas de Revisão do Código de Processo Penal organizadas pelo CEJ. No que respeita ao despacho de admissão de recurso, os autores saúdam a nova redacção do n.º 7, do artigo 411.º, porquanto este normativo, ao estatuir que, subindo o recurso no próprios autos havendo arguidos privados de liberdade, o tribunal recorrido, antes de remeter o processo para o tribunal superior, ordenará a extracção de certidão das peças processuais necessárias ao seu reexame, vem clarificar uma questão que não tem sido unânime nos Tribunais Superiores. Mais concretamente, se, em sede de recurso, o reexame de tais situações é feito pelo tribunal superior ou pelo tribunal da primeira instância. Por outro lado, esta nova formulação pode, a seu ver, contribuir para uma maior celeridade da subida do recurso ao tribunal superior. Considera, contudo, que tratando-se de matéria importante para a celeridade do processo penal, “impor-se-ia ir mais longe e incluir no traslado os elementos que permitissem a solução de outras questões não abrangidas pelo recurso e postular uma rápida subida” (2007: 67). No que se refere ao momento da subida, mais concretamente, aos recursos que, nos termos do artigo 407.º, n.º 3, sobem diferidamente nos próprios autos, e que são agora motivados com o requerimento de interposição de recurso, não sendo, assim, agora possível apresentar a motivação do primeiro recurso com a motivação do recurso que o faz subir. De acordo com estes Conselheiros, este regime demonstra que “se trata (…) de um Código que se preocupa mais com a rápida tramitação dos recursos do que com a economia processual” (2007: 92). A respeito da vista ao Ministério Público, expressam a sua opinião sobre o novo n.º 2, do artigo 416.º, nos termos do qual sendo requerida audiência nos termos do artigo 411.º, n.º 5, a vista ao Ministério Público tem apenas como finalidade este tomar conhecimento do processo. Entendem estes Conselheiros que não foi, aqui, tido em conta o tipo de intervenção diversificado do Ministério Público, considerando não fazer sentido que “dentro desse âmbito não possa o M.º P.º pronunciar-se quanto a questões formais que podem impedir o julgamento, ou mesmo de fundo, no caso de uma possível rejeição por manifesta improcedência” (2007: 109). 185

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10. Notas conclusivas 1. Como referimos na Introdução, este é um primeiro relatório (relatório síntese de ponto da situação) de um amplo programa de monitorização da reforma dos Códigos Penal e de Processo Penal, iniciado em Novembro passado. Eram dois os objectivos deste relatório: dar a conhecer, de forma sistematizada, o processo de preparação da reforma, incluindo as posições tomadas sobre as soluções apresentadas por diferentes entidades e analisar o debate público sobre a reforma, quer o veiculado pela imprensa escrita, quer pelas entidades e pessoas que promovem o debate especializado. Ora, a natureza parcelar da análise que esteve na base deste relatório, assente exclusivamente em fontes documentais e em percepções dos operadores, não nos permite tirar conclusões sobre a aplicação prática da reforma (embora já estejamos a analisar muitos dados de terreno), apenas, e tão só, sobre as posições e opiniões a esse respeito. Ainda assim, como também já se deixou dito, há documentos e reflexões de especialistas que não foi possível analisar para este relatório, o que significa que, mesmo nessa perspectiva, as notas conclusivas que aqui se deixam devem ser vistas como parcelares e exploratórias.

2. Uma das linhas de tensão que emergiu para a discussão pública, aquando da entrada em vigor da reforma, está relacionada com o processo de produção das propostas de lei, quer no âmbito da Unidade de Missão, quer em sede de discussão na Assembleia da República. Para alguns sectores, esta reforma sofreu de algum “autismo”, que se consubstancia, em especial, no “afastamento” de reconhecidos penalistas, designadamente da chamada “escola de Coimbra”, e dos operadores judiciários. A ideia, veiculada nos meios de comunicação social, foi a de que reforma ou, pelo menos, alguns dos institutos, emergiu publicamente com alterações que muito poucos conheciam e sobre as quais aos operadores judiciários não tinha sido possível pronunciarem-se devidamente. Esta ideia, associada à crítica generalizada de um curto período de vacatio legis, marcou, de forma impressiva, a entrada em vigor da reforma. De acordo com algumas opiniões veiculadas na comunicação social, a extensão das alterações introduzidas deveria ter tido em conta, não só o 186

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

conhecimento da doutrina e da técnica legislativa “reconhecidas”, mas também de quem tem o conhecimento da prática, isto é, de quem aplica as leis. Discordando daquelas posições, segundo o Governo, que apresentou à Assembleia da República a proposta de reforma, e para o então coordenador da Unidade de Missão, o processo legislativo foi um processo participado. No debate na RTPN, promovido pela Revista “Julgar”, em 20 de Dezembro de 2006, o coordenador da Unidade de Missão chamava a atenção para isso mesmo: “quero recordar que não estou a responder sozinho pelo projecto de revisão do Código de Processo Penal. Na Unidade de Missão para a Reforma Penal participaram e participam representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, dos órgãos de polícia criminal, dos serviços prisionais, dos serviços de reinserção social, de vários departamentos dependentes do Ministério da Justiça e ainda quatro professores e vários assistentes universitários. Tive muito orgulho em coordenar essa equipa e os resultados a que chegámos foram em regra consensuais” (Pereira et al., 2007: 120). Não foi ainda possível, para este primeiro relatório, conhecer em que termos decorreu essa representação e qual o seu efectivo significado, tanto mais que, como adiante se verá, nos termos da resolução que criou a Unidade de Missão para a Reforma Penal, a esses representantes foi conferido um “estatuto” de convidados. Ainda no que se refere a esta questão, é interessante verificar, não podendo deixar de merecer reflexão, a surpresa de Laborinho Lúcio, no debate acima referido, com o aparente consenso à volta da reforma: “na verdade, o que me surpreende é que, tratando-se embora de uma intervenção com significado no domínio do direito penal, haja pouco conflito à volta da reforma”, considerando mesmo que “ o autor da reforma gostaria de ser confrontado com posições nomeadamente de natureza ideológica” (Pereira et al., 2007: 107). Ainda nesse debate, e a propósito da reacção pública a um parecer emitido pela Associação Sindical de Juízes sobre o projecto de revisão do Código Penal, Fátima Mata-Mouros confessa “que o que me deixa um pouco entristecida é ver que neste país a discussão, a diferença de opiniões é muito mal aceite”, salientando, ainda, a preocupação de “nestas novidades do Código

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Penal é precisamente a ausência de debate público em seu torno” (Pereira et al., 2007: 134).

3. Na verdade, as normas jurídicas não “vivem” em abstracto. A eficácia da sua aplicação prática depende muito da verificação ou não de um conjunto de condições, sejam elas culturais, organizacionais ou infraestruturais. O sucesso ou insucesso de muitas reformas depende bastante da forma como essas condições foram avaliadas e tidas em conta. Como já referimos, não foi possível avaliar para este relatório, de forma cabal, a amplitude e os termos em que a reforma incorporou a participação dos agentes judiciais e de outras instituições da sociedade. Contudo, da análise documental, pode concluir-se que muitos dos institutos que foram objecto de alterações, alguns dos quais suscitaram forte polémica na imprensa, como o segredo de justiça, escutas telefónicas e prisão preventiva, tinham estado, nos últimos anos, sujeitos a intensa exposição e discussão públicas. Pode, ainda, concluir-se, como se pode ver pelas posições e propostas, acima

referidas,

das

diferentes

instituições

que

foram

chamadas

a

pronunciarem-se no decurso do processo legislativo e que constam de documentos escritos, que diversas entidades expuseram as suas posições sobre várias aspectos da reforma, tendo feito chegar os seus pareceres ao poder legislativo. Questão diferente é a de saber em que medida as críticas e propostas apresentadas foram ou não reflectidas na reforma. As posições e propostas, tanto as que se enunciam neste relatório como as outras que se vierem a dar a conhecer, tomadas no âmbito do processo legislativo, serão reapreciadas, ao longo do processo de monitorização, em confronto com as actuais posições das mesmas entidades. Além de tentarmos perceber em que medida o poder legislativo as incorporou, é, também, importante conhecer se o decurso da vigência da reforma levou aquelas entidades a delas se afastarem, a mantê-las ou a propor outras, e, em que medida, a avaliação da aplicação prática que se fará justificaria e justifica que elas tivessem sido tidas em conta. Quanto à existência de uma verdadeira participação e discussão públicas, elas dependem da verificação de vários factores. Desde logo, dos 188

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

objectivos e condições em que são solicitadas e promovidas, mas também dos termos em que as entidades solicitadas ou que se queiram fazer ouvir no processo fazem e promovem a sua participação e discussão, quer interna, quer externamente. Ao longo da monitorização, esta é uma questão que irá, também, ser analisada e aprofundada.

4. As posições de alguns sectores político-partidários causaram alguma perplexidade, tanto mais que se tratava de uma reforma aprovada pela Assembleia da República e que tinha sido objecto de um acordo políticoparlamentar. Salienta-se, nesse sentido, a surpresa do Presidente da República, veiculada pela comunicação social, lembrando que o Código de Processo Penal “foi amplamente discutido na Assembleia da República, foram ouvidos todos os operadores judiciários, não suscitou grande controvérsia no Parlamento e foi aprovado pelos maiores partidos portugueses” (Jornal de Notícias, 2007: 11). Consideramos que é preciso distinguir a participação político-partidária e a participação e discussão públicas, onde se inclui a participação dos operadores judiciários. Tratando-se de leis da Assembleia da República, o espaço de discussão político-partidário tem sede própria. Os partidos podem apresentar, tal como o fizeram, propostas próprias, discutir as apresentadas pelas outras forças partidárias e votá-las. Considerando posteriores posições públicas, em especial relativamente a determinados institutos, era importante perceber em que medida os diferentes partidos se distanciaram ou não das soluções

propostas

pelo

Governo

e

quais

as

soluções

alternativas

apresentadas. Em anexo a este relatório incluiu-se uma tabela onde se indica a posição de cada uma das forças partidárias face a cada um dos normativos da proposta colocada à votação. Neste relatório, fez-se uma breve resenha dessas posições quanto aos institutos da prisão preventiva, escutas telefónicas, localização celular e segredo de justiça, institutos que mais controvérsias têm suscitado. As propostas dos partidos serão avaliadas ao longo da monitorização

procurando-se

testar a sua maior ou menor eficácia,

comparativamente com as soluções aprovadas. Por ora, evidencia-se, tal como o tinha evidenciado o Presidente da República, que a reforma, vinculada a um 189

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

acordo político-parlamentar entre os dois maiores partidos com assento parlamentar, no âmbito da discussão parlamentar não apresentou divergências significativas entre as diferentes forças partidárias.

5. A entrada em vigor foi marcada por uma forte mediatização, em que questões como o curto período da vacatio legis, a vinculação explícita dos jornalistas ao segredo de justiça, o número elevado de libertação de presos preventivos, as dificuldades na investigação do crime económico e organizado; a dificuldade nas detenções e prisões preventivas, passível de atingir certo tipo de criminalidade, como a violência doméstica; a alteração do regime do crime continuado; emergiram, como demos conta neste relatório, com intensidade. Apesar de algumas destas questões continuarem a ser veiculadas na comunicação social, o espaço mediático tem vindo a comprimir-se e a dar lugar ao debate em ambiente especializado. Este debate, de que em parte se dá conta neste relatório, é marcado por uma multiplicidade de posições onde, apesar de se tomarem posições discordantes relativamente a algumas soluções

da

reforma,

se

levantam,

sobretudo,

questões/dúvidas

de

interpretação, de sistemática, sobre a bondade normativa ou a eficácia de determinadas soluções ou sobre as condições práticas da sua aplicação. A título de exemplo, as questões relacionadas com a exclusão das pessoas colectivas públicas do regime de responsabilidade penal; as dificuldades de aplicação das normas processuais às pessoas colectivas; as incongruências entre os regimes das intercepções telefónicas e das comunicações electrónicas; a impossibilidade prática do controlo por parte do juiz de instrução das escutas telefónicas para ordenar a destruição imediata; as dificuldades de compatibilização dos pressupostos de apreciação da concessão da liberdade condicional e da adaptação à liberdade condicional, a dificuldade de determinação do prazo máximo da duração da prisão preventiva; a compressão do papel do Ministério Público no âmbito dos recursos. Mas, é, também, um debate onde muitas das soluções avançadas merecem aplauso, como é o caso do novo regime dos processos especiais, a ampliação dos poderes do juiz relator em matéria de recursos, o reforço das garantias dos arguidos, a diminuição do tempo de prisão preventiva, a regulamentação de matérias diversas até então sem regulamentação ou 190

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

objecto de grande controvérsia interpretativa, como a alguns aspectos relativos à obtenção de dados de localização celular, às perícias ou às escutas telefónicas. Dos documentos analisados, emerge um debate onde, tendencialmente, como é natural num debate em ambiente especializado, não se identificam posições absolutamente positivas ou absolutamente negativas, quer quanto à reforma em geral, quer mesmo em relação a determinados institutos que, no palco da comunicação social, levantaram grandes protestos. Evidenciam-se dúvidas, algumas discordâncias quanto a determinadas soluções normativas, mas, também, satisfação e concordância com outras. Em suma, diríamos que se evidencia um debate “quase normal” sobre uma reforma que acaba de entrar em vigor, onde se suscitam dúvidas, se expõem divergências, muitas delas que virão a ser resolvidas com a adaptação à reforma ou pela intervenção jurisprudencial correctiva. Naturalmente que a “normalização” do debate não significa ausência de problemas da reforma. A identificação dos seus problemas e a apresentação de propostas de soluções é, como se deixou claro na Introdução, um dos objectivos centrais desta monitorização.

191

Monitorização da Reforma Penal: o processo de preparação e o debate público da reforma

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