M77z 092 - Sem Tempo Para Morrer - Tony Manhattan.pdf

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  • Words: 20,093
  • Pages: 95
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SÉRIE: 77Z VOLUME: 92 TÍTULO: SEM TEMPO PARA MORRER AUTOR: TONY MANHATTAN ILUSTRAÇÃO DA CAPA: BENÍCIO EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1978 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 10,00 PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL [email protected] DISPONIBILIZAÇÃO BOLSILIVRO-CLUB.BLOGSPOT.COM.BR [email protected]

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apresenta

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem qualquer relação com nomes ou personalidades da vida real: Qualquer semelhança terá sido mera coincidência. Publicação no Brasil: 1978 Copyright © Editora Monterrey Ltda. Proibida a reprodução no todo ou em parte

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SEM TEMPO PARA MORRER TONY MANHATTAN

Capa de BENICIO

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PRÓLOGO Nem sempre Rosalyn fora uma mulher feliz. Porém, fazendo uma avaliação geral de seus vinte e nove anos, poderia dizer que o saldo era satisfatório. Nascera numa pequena cidade do Colorado e ali frequentara a escola primária. Mais tarde, sua família transferiu-se para Los Angeles, onde ela se formou em astrofísica. Desde cedo, Rosalyn havia sido considerada uma menina prodígio. Trabalhava com a matemática com a mesma facilidade com que suas amiguinhas brincavam com bonecas. Era um talento natural que seu pai, um major da Força Aérea americana, soubera cultivar. Por isso, não foi surpresa para ninguém, quando Rosalyn Sallinger se doutorou em astrofísica, com vinte e quatro anos de idade. E também não foi motivo de espanto o fato de ela se ter debruçado sobre teorias absolutamente revolucionárias, desenvolvendo-as com uma precisão e irrefutabilidade a toda a prova. Rosalyn, aos vinte e nove anos, era justamente considerada uma das principais autoridades mundiais em astrofísica, ciência que começou, neste século, a apaixonar o mundo. Infelizmente, isso revelou-se fatal para a jovem cientista.

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Se ela se tivesse limitado a ser uma boa dona-de-casa, ou, até mesmo, uma competente professora de matemática de qualquer colégio particular, não teria, com certeza, despertado a curiosidade de Douglas Royce Kempton. Mas Rosalyn era uma figura prestigiada em uma ciência do futuro. Por isso, Douglas R. Kempton decidiu que ela teria de ser submetida ao tratamento. Aliás, Rosalyn Sallinger não ficaria sozinha. Juntamente com ela, estariam, no total, vinte e dois cientistas, cobrindo todas as atividades de investigação que constituíam o suporte da vida moderna. Cibernética, energia nuclear, medicina avançada, psicologia, engenharia espacial, para mencionar apenas algumas. Era em tudo isso que Rosalyn Sallinger pensava, deitada de costas numa cama estreita, em seu quarto, na espécie de hotel absurdo onde tinha sido levada. Três dias antes, quando saía do Instituto de Pesquisas do Homem, em Nova Iorque, fora abordada por um estranho que lhe entregou uma carta do Professor Raymond McDonald, seu velho amigo britânico. Nessa carta, o Professor McDonald, especialista em cibernética, informava-a que se encontrava em Nova Iorque, mas que uma gripe violenta o impedia de visitá-la. No entanto, acrescentava, tinha algo muito valioso a lhe comunicar que, de certa forma, ligaria de forma indissolúvel as duas ciências. Por isso, lhe enviava seu motorista, pedindo-lhe que o acompanhasse até seu hotel. Rosalyn reconhecera a letra do professor em cibernética sem qualquer hesitação e entrara no carro negro que a aguardava. Na realidade, encontrara-se com McDonald, mas não em seu hotel. McDonald era, assim como ela passara a ser, —7 —

mais um dos hóspedes forçados de Douglas Royce Kempton. Quanto à carta, tinha sido realmente escrita por ele, mas sob coação. A descoberta científica de interesse mútuo, é óbvio que não existia... Rosalyn Sallinger foi recebida na porta do estranho palacete, construído no centro de uma propriedade de vinte mil metros quadrados, cercada de muros altos e dispositivos de alarma sofisticados. Seu anfitrião, o próprio Douglas R. Kempton, havia sido de uma amabilidade extrema, pedindo-lhe mil perdões pela forma como fora atraída até ali. Porém, ela teria que reconhecer que aquele era o único jeito de conseguir reunir um time tão fabuloso de personalidades científicas. Imediatamente, foi levada para uma espécie de conferência no subsolo do palacete e, sem preparação, posta ao corrente do motivo daquele sequestro. Todos os outros vinte e dois cientistas haviam sido transportados para ali de maneira semelhante, com pequenas alterações ditadas pelas circunstâncias. — Minha querida Doutora — dissera Kempton —, considero meu dever informá-la imediatamente do motivo pelo qual está aqui. Farei um breve resumo do que pretendemos e logo entenderá sua missão. Você teve a honra de ser uma das vinte e três pessoas escolhidas para criar um mundo novo, um mundo totalmente isento de maus sentimentos e usos indevidos das verdades científicas. É claro que o patrono dessa gigantesca tarefa sou eu, com meu dinheiro, juntamente com o Professor David Comserat, biólogo de fama mundial. Creio que o conhece... — Comserat? O cientista que propôs a execução de um vasto projeto de retenção da vida, congelando o corpo

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humano por períodos indefinidos, após os quais seriam, digamos, ressuscitados? — Exatamente. Por infelicidade, ou felicidade, talvez, o governo deste país de loucos recusou o projeto de Comserat. Eu o chamei e, juntos, traçamos um plano de reformulação do mundo, tendo por base as descobertas de Comserat. — Bom, e o que eu tenho a ver com isso? — Rosalyn esforçava-se por manter a calma, característica que sempre a acompanhara em seus vinte e nove anos de vida. — Lá chegarei, Doutora. Dizia eu que Comserat se juntou a mim e nós dois traçamos este monumental plano. Reuniremos aqui, voluntariamente ou não, a nata da ciência mundial. Posso mencionar, entre os que já são nossos convidados, o Dr. Alexei Spandryn, eminência em ciência espacial, como sabe, You Tse Luang, personalidade número um em psicobiologia, seu amigo, Professor Raymond McDonald, especialista em cibernética, e muitos outros. Através dos processos revolucionários de meu associado nesta empresa, o Professor Comserat, colocaremos todos vocês em hibernação por tempo determinado. É claro que as pessoas que tiveram o privilégio de serem escolhidas para esta hibernação não foram apenas os cientistas. Nossos projetos preveem o congelamento de quinhentos dos mais belos, fortes e inteligentes representantes de cada sexo. Eu mesmo e o Professor Comserat nos submeteremos ao tratamento, no final, é claro. Nossa hibernação será controlada por sistemas de tempo especiais, de maneira que, dentro de um determinado número de anos, seremos ressuscitados, como você disse, automaticamente, eu e meu associado. Nós nos encarregaremos, depois, de fazer com que vocês regressem, igualmente, ao mundo dos vivos.

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— E para quê? — perguntou Rosalyn, começando a convencer-se de que se encontrava nas mãos de um louco. — É claro que, assim, sem outra explicação, nosso plano pode parecer absurdo, pueril, até. Porém, nosso objetivo é constituir um grupo estritamente selecionado de pessoas, peritos máximos em suas atividades, juntamente com os mil melhores exemplares da raça humana, para repovoarmos este triste planeta, depois que fizermos explodir as cargas nucleares preparadas para ditar o fim da vida sobre a terra. — Isso é uma loucura completa, Air. Kempton, e posso apenas atribuí-la a uma brincadeira de péssimo gosto. — Lamento decepcioná-la, minha querida Doutora, mas não é uma brincadeira. Na verdade, o dia do juízo final para a humanidade está bem mais próximo do que se possa supor. Instalamos já, em diversos pontos do mundo, cargas nucleares que farão eclodir e dispersar, sobre a terra, elementos bacteriológicos e radioativos que exterminarão a raça humana em poucas semanas. Também esses elementos bacteriológicos e radioativos são um aperfeiçoamento do Professor Comserat, permitindo liquidar a vida humana, mas sendo inofensivos para outros, quase todos, animais e vegetais. — Exijo que me mande de volta ao lugar de onde me trouxeram, Mr. Kempton! Para mim, esta brincadeira já foi longe demais! Chega! — disse Rosalyn, em tom firme. Douglas Royce Kempton deu alguns passos nervosos pela sala, coçando o queixo. Por fim, deteve-se diante da cientista e bradou: — Doutora, creio já lhe ter dito que não se trata de uma brincadeira. Nós preferiríamos contar com sua voluntária participação. Porém, se insistir em se recusar, isso em nada alterará nossos planos. Apenas seremos forçados a agir pela — 10 —

força, o que pode tornar-se bastante desagradável. Posso lhe garantir que todo o plano é completamente inofensivo para suas vidas. Quando regressarem estarão com a idade física e mental que agora têm, bastando ativar seus bancos de memória para que todo o conhecimento que possuem neste instante seja relembrado, podendo aplicar-se em prol de uma humanidade que saberá retribuir seus esforços. Rosalyn estava entendendo, gradualmente, que não era vítima de um pesadelo. Nem de uma brincadeira de mau gosto. Estava vivendo uma absurda e dramática realidade. — Vocês estão loucos! Como se atrevem a pensar numa monstruosidade dessas? Será que meditaram um pouco sobre a individualidade de cada ser sobre a terra? Perguntaram se nós queremos fazer isso? Sabem se os homens estão dispostos a se entregar sem luta, sem danos? Acham que é destruindo a raça humana que a poderão salvar? Ora, parem com esse absurdo, em nome do céu! — Chega, Dra. Sallinger! Tive esperanças de que a senhora entendesse nossos ideais. Vejo que não consegui meu objetivo. O que vamos fazer é, de certa forma, parar o tempo, para assim, as feridas cancerosas da raça humana poderem ser tratadas e cicatrizadas. Depois tudo voltará a ser como antes, com uma só diferença: o mal terá desaparecido da face da terra! Rosalyn abriu a boca para voltar a argumentar, mas Kempton não permitiu, cortando, com secura: — Chega, Dra. Sallinger! A senhora verá, com seus próprios olhos, se nosso plano é, ou não, a única forma de salvar o que resta da humanidade. Voltou-se para a esquerda e gritou: — Guardas! — dois homens apareceram, armados, por uma pequena porta, atrás da qual deveriam estar esperando.

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— Conduzam a Dra. Sallinger a seu quarto e providenciem para que nada lhe falte. Rosalyn foi levada para o quarto onde agora se encontrava, fitando um ponto indefinido do espaço, olhando sem ver o teto alto, ornamentado com óleos renascentistas. Sem dúvida, sua vida fora completa até então. Era absurdo acabar daquele jeito. Mas nada parecia ser possível fazer para modificar as coisas. *** Na manhã do quarto dia de sua permanência no palacete de Douglas Royce Kempton, dois guardas bateram na porta e, depois de ela autorizar a entrada, apresentaram-se diante dela, perfilando-se respeitosamente: — O Dr. Kempton deseja vê-la, doutora — disse um deles, — Queira nos seguir. Não havia alternativa. Rosalyn foi com os dois homens e, pouco depois, estava numa sala cirúrgica, também no subsolo do palacete, diante de Kempton e de um segundo homem, baixo, calvo, de ventre volumoso e pernas curtas. — Dra. Sallinger, este é o Professor Comserat — apresentou o anfitrião. — Já o conhecia de fotografias — respondeu a cientista. — Acredite que é uma honra tê-la entre nós, querida colega — falou o biólogo, com os olhos pequenos brilhando por detrás das grossas lentes dos óculos. Rosalyn olhou em torno para a sala operatória preparada para funcionar e sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Teria chegado a hora? Kempton pareceu adivinhar seus pensamentos, porque disse: — 12 —

— Doutora, seu momento de repousar por alguns anos chegou, finalmente. Quase todos os seus colegas se encontram já em hibernação, sob condições excelentes e perfeitamente controladas. Nada teve temer, pois computadores moderníssimos comandarão suas funções vitais. Se, por infelicidade, algo corresse mal, eu e o Professor Comserat seriamos imediatamente despertados e tomaríamos as providências adequadas. — Me recuso terminantemente a me submeter a esta palhaçada ridícula! — reagiu a cientista, recuando um passo. Douglas Kempton fez um leve sinal a dois guardas e, no mesmo instante, Rosalyn Sallinger foi agarrada e deitada sobre uma mesa operatória. Foi longo o trabalho de preparação, esterilização e entrada da equipe de assistência. Rosalyn foi amarrada na mesa e, por fim, Comserat aproximou-se, com uma seringa na mão. — Doutora, vamos aplicar-lhe a primeira parte do tratamento. Você será como que anestesiada, após o que daremos sequência a todo o processo de congelamento, se me permite ser tão rude na definição de minhas descobertas. Rosalyn forcejou, tentando libertar-se, mas em vão. — Não tema, colega. Tudo está perfeitamente controlado. Você adormecerá tranquilamente e apenas sentirá frio nos primeiros instantes de hibernação. Logo tudo se apagará de sua memória e sua vida estará suspensa indefinidamente. Posso lhe assegurar, em nome da ciência, que será reanimada em condições físicas e mentais tão saudáveis como agora. Não me é possível dizer por quantos anos ficaremos em hibernação, porque isso depende ainda dos últimos resultados de uma pesquisa científica em andamento, em fase de conclusão. Mas não serão mais de cem, nem menos de cinquenta. Isso é um fato... — 13 —

Rosalyn estremeceu. Seria possível que tudo aquilo não fosse apenas um sonho mau? E o que faziam as autoridades, que não acabavam com as atividades perigosas desses loucos? Sentiu a picada num braço, mas sua mente parecia recusar-se a aceitar a realidade. Alguém teria que fazer alguma coisa. Urgentemente ... O sono começou a tomar conta dela. Um torpor geral invadiu seu corpo jovem e perfeito. As pupilas negras ficaram, pouco a pouco, mergulhadas numa névoa que se ia adensando e as pálpebras fecharam-se, por fim. Depois do que lhe pareceu uma eternidade, sentiu-se remotamente tirada da mesa operatória e metida num compartimento úmido. Devagar, o frio começou a invadir seu corpo. Primeiro, foi uma sensação gostosa de frescor. Logo essa sensação se foi intensificando, até seus dentes baterem como castanholas sevilhanas. Algo devia, na verdade, ter sido feito com seu corpo, porque, apesar do frio, não sentia qualquer anormalidade nas funções vitais do organismo. À medida que o frio aumentava, sua vontade de adormecer por completo era mais forte. Até que, por fim, tudo pareceu apagar-se de sua mente. Rosalyn Sallinger deixara, oficialmente, de viver. *** A astrofísica Rosalyn Sallinger abriu lentamente os olhos. Aos poucos, as coisas foram retomando sua forma, ocupando posições definidas no espaço. Os objetos

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readquiriram seus contornos conhecidos, as cores voltaram a ser identificáveis. Um rosto apareceu no campo visual de Rosalyn e ela não pôde evitar um estremecimento. Aquelas feições eram familiares. Alguma coisa lhe dizia que já as vira antes, em um tempo aparentemente remoto. E a sensação que aquele rosto lhe provocava não era agradável. — Como se sente, Dra. Sallinger? A voz, um pouco untuosa, também lhe pareceu vagamente familiar. Pertencia a um rosto redondo, gordo, onde brilhavam dois olhinhos maldosos, por detrás de grossas lentes de vidro. — Quem é você? Onde estou? O que aconteceu? — Calma, Doutora. Você ainda está um tanto fraca, mas, logo, logo, ficará totalmente restabelecida. Está regressando de ura sono prolongado e não deve fazer esforços excessivos para se lembrar das coisas. Deixe que sua memória se recupere gradual e espontaneamente. Tudo acontecerá por processos naturais, sem sofrimentos desnecessários. Meu nome é David Comserat, professor em biologia. Você é a Doutora Rosalyn Sallinger, cientista de excepcional valor em astrofísica. Comserat? Sallinger? Astrofísica? Eram palavras que lhe diziam alguma coisa sem dúvida, mas não podia localizar, no tempo e no espaço, do que se tratava, com precisão. Foi lento o despertar de Rosalyn. Durou exatamente uma semana. No final do sétimo dia, ela podia lembrar-se de noventa por cento das coisas armazenadas em sua memória consciente. O Professor Comserat entrou no quarto de paredes brancas e puxou uma cadeira para junto da cama. — 15 —

— Como se sente, Doutora? — Bem. E creio que estou de posse de todas as minhas faculdades mentais e físicas. Por isso me atrevo a dizer que o que vocês fizeram foi uma monstruosidade de que se arrependerão. — Muito bem, Doutora. Depois discutiremos sobre isso. — Nada há a discutir. Se realmente aconteceu o que penso, seria preferível que jamais me tivesse despertado. — Receio que tenha, na verdade, acontecido o que você pensa. Para começar, devo informá-la de que nos encontramos no mês de junho do ano 2.040. Isso significa que, desde sua morte aparente, decorreram sessenta e três anos. No entanto, você mantém uma aparência física de vinte e nove, idade que tinha quando iniciou o processo de hibernação. — Que loucura, meu Deus! Isto não pode ser verdade! Você está mentindo! — disse a cientista, traduzindo em palavras o que repetira para si mesma milhares de vezes naquela semana. — Não, Dra. Sallinger. Não é mentira. Creio que, agora, já pode ir tomando conhecimento do que está acontecendo no mundo exterior. Devo preveni-la de que muitas coisas estão diferentes daquelas que você lembra. Por isso, não se deixe perturbar. Isto é um controle remoto de televisão. Pode usá-lo, para tomar conhecimento do novo mundo. O biólogo entregou-lhe um aparelho de forma retangular, com diversos botões na superfície de metal brilhante. — Não se surpreenda com o novo tipo de televisão, doutora. Acontece que os engenheiros, os técnicos em eletrônica e cibernética, os médicos e alguns outros especialistas foram os primeiros a voltar à vida normal, pois — 16 —

era essencial que preparassem o mundo para a nova espécie de homens. Rosalyn olhou o aparelho que mantinha sobre as pernas. Sentia um frio estranho invadir sua espinha. Era medo. Medo de apertar um daqueles botões e ver confirmadas as loucas palavras de Comserat. — Vamos, doutora! Coragem! Verá que tudo, hoje, é bem melhor do que há sessenta e três anos. Rosalyn, porém, não teve forças para mover os dedos. Foi o biólogo quem, com um sorriso, apertou um dos botões do pequeno aparelho. Imediatamente uma das paredes pareceu ganhar vida própria, transformando-se num enorme vídeo de televisão, reproduzindo as coisas em seu tamanho natural, como se fosse cinema. A imagem de um homem, sentado diante de uma mesa de metal brilhante, apareceu no estranho vídeo. A voz era suave, calma e nítida: — ... segundo o Conselho Central, o governo está envidando os maiores esforços no sentido de melhorar os acessos à parte leste do planeta, a mais prejudicada pelos efeitos da eclosão de há sessenta anos. No entanto, encontram-se abertas as inscrições para doação de áreas naquela região, bem como todos os incentivos e aparelhagens necessárias. Damos, em seguida, alguns aspectos das regiões mais atrativas para a fixação humana, na área anteriormente designada França. Rosalyn sufocou um grito, quando no vídeo apareceu a imagem de um pedaço da Torre Eiffel, de Paris, logo seguida de uma vista panorâmica do que fora a Place de 1’Étoile, com o Arco do Triunfo misteriosamente intacto. Porém, essa construção parecia ter sido a única que

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resistira. Tudo o mais, ou estava destruído, ou fora coberto por densa vegetação e algumas árvores. Um enorme animal destacou-se, nesse momento, de entre a folhagem que cercava o Arco do Triunfo. Era um elefante! — Aquele elefante — Rosalyn ouviu a voz de Comserat comentar — deve ser um dos sobreviventes que fugiram dos zoológicos europeus depois da eclosão e estabeleceu seu habitat em plena Paris. Se olhar com atenção, poderá identificar outros animais selvagens, únicos habitantes de vastas regiões do globo. Rosalyn sentia-se incapaz de falar. — Como pode ver, a maioria das construções mantémse intacta. O acervo histórico do mundo foi poupado. Na verdade, o que deixou de funcionar foi apenas aquilo que se deteriorou por falta de cuidados durante sessenta anos. No entanto, na sua maioria, as coisas podem ser recuperadas. — Mas que loucura! — conseguiu articular a jovem cientista. — Não é bem assim, minha querida colega. Contamos com todos vocês para salvar o que for possível, reconstruindo as coisas boas de nosso mundo, de forma mais perfeita e harmoniosa. Por exemplo, hoje não existe a fome, nem o medo das guerras. Nem ricos, nem pobres. Prisões, são coisas de que também não necessitamos ... Depois de algumas outras cenas de várias regiões francesas, a figura do homem voltou a aparecer no enorme vídeo, agora segurando algumas folhas de papel. — Chamamos a atenção de nossos espectadores para um comunicado do Conselho Central sobre a dramática situação da região norte do planeta. Como sabem, uma colônia extraterrestre instalou-se ali, há alguns meses, vindo a crescer, notavelmente, suas intenções bélicas e de — 18 —

conquista. Segundo informações recolhidas pelo Conselho, os extraterrestres pensam lançar uma ofensiva geral a partir do norte contra todos os núcleos humanos do planeta, a fim de acabar com a raça humana e poderem instalar-se livremente aqui. Por esse motivo, o Conselho emite o seguinte comunicado: “Acabamos de saber, através dos serviços de espionagem que fomos obrigados a montar, que os extraterrestres planejam lançar sua ofensiva de extermínio de nossa raça dentro de um mês, contado por nossos calendários. Entretanto, eles iniciaram já os preparativos armamentistas para essa ofensiva, o que leva este Conselho a apelar para a boa vontade de todos os nossos cientistas, no sentido de prestarem sua total colaboração no projeto de defesa que, contra nossa vontade, somos forçados a montar. Para detalhes mais elucidativos, solicitamos dos nossos homens e mulheres de ciência que contatem urgentemente com o Serviço Central de Ciências do Homem, dirigido pelo Professor David Comserat”. Acabamos de ler um comunicado do Conselho Central sobre a ameaça dos extraterrenos do norte. O homem fez uma pausa, deixou de lado os papéis que tinha na mão e falou de novo: — O comunicado nos parece bastante elucidativo para que se tornem necessários outros comentários. Queremos apenas pedir, em nome dos homens e mulheres deste planeta, que os cientistas, baluartes de nossa civilização, se unam em estreita colaboração com o Conselho Central e o Serviço Central de Ciências para que sejamos capazes de debelar a ameaça que pende sobre nós e possamos, depois de afastarmos os extraterrenos para seu mundo, voltar a — 19 —

desfrutar da paz e harmonia que soubemos conquistar. Boanoite. — Que palhaçada é esta, Professor Comserat? — perguntou Rosalyn, com os olhos dilatados? — Não se trata de palhaçada, minha querida colega. Infelizmente, as coisas estão um pouco mais dramáticas do que pode ser oficialmente revelado. Em todas as cidades foi estabelecido um sistema de rigoroso controle e defesa, porque a ameaça é mais real do que a população pensa. Será que poderemos contar com sua sabedoria, doutora? — Não acredito em uma palavra do que ouvi aqui. Tudo isto é uma rematada loucura! Eu quero sair daqui! — Calma, doutora. Infelizmente, não poderemos satisfazer seu desejo de nos abandonar imediatamente. Como sabe, acaba de despertar de um sono de sessenta e três anos. A maioria de nossa população manteve-se em estado de hibernação por períodos que oscilam entre os quarenta e os cinquenta anos. Os tecidos de reconstrução foram os primeiros a despertar. Depois a população em geral e, por fim, os especialistas de ciências mais empíricas, como é o seu caso. Rosalyn torceu as mãos, em desespero. — No entanto, sua hora chegou há uma semana, especialmente porque a humanidade precisa de seus serviços. Fez uma pausa, que a cientista aproveitou para bradar: — Me recuso a participar nessa farsa! — Pode nos condenar pelo que fizemos, Doutora. Porém, agora não adianta mais. Está feito. O que hoje interessa é que a humanidade está em perigo e necessita de seus serviços. Tem coragem de recusar? Rosalyn não teve essa coragem. Três dias depois, chamou Comserat e declarou: — 20 —

— Decidi colaborar, Professor Comserat, apesar de odiar vocês com todas as minhas forças. Porém, imponho uma condição. Quero visitar as ruínas, ou como lhe chamam, da cidade onde eu vivia. — Teremos o maior prazer em levá-la lá, doutora, tão logo termine seu período de quarentena. Como sabe, não pode expor-se, de imediato, à atmosfera ainda um tanto radioativa do exterior. Todos nós fomos obrigados a essa quarentena. No entanto, terminado o prazo seguro, nós a levaremos a sua cidade, que não está em ruínas, devo acrescentar... — Muito bem. E quando será isso? — Dentro de trinta e um dia, no mínimo. Até lá, espero que nos dê a honra de sua colaboração.

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CAPÍTULO PRIMEIRO Uma nova estrela em Hollywood O louro atlético estava de pé, junto da janela, contemplando o movimento intenso dos carros, lá embaixo. A janela pertencia ao gabinete de Mr. Lattuada, chefe do Departamento 77, da CIA. O louro era Horace Young Kirkpatrik, milionário e playboy dos mais requisitados no jet set internacional, presidente da K.K.K. Steel Ltd., consórcio de usinas de aço dos mais poderosos do mundo. Kirkpatrik dirigia os negócios da K.K.K. Steel, de um luxuoso escritório, no último andar de um colossal edifício em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Sua presença no gabinete de Mr. Lattuada devia-se ao fato de ele ser o temido agente 77Z, do Departamento 77, além de Máscara Negra, Robô e Andróide, nomes sob os quais agia, no DCÂ (Departamento ou Couvert Activities), setor da Agência que se dedicava a sequestros políticos, atentados e alta espionagem. A mensagem de um Mr. Smith, nome de código do chefe do Departamento 77 para seus contatos com Kirkpatrik, levara o agente fora de série da CIA até o local onde nesse momento se encontrava.

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— Quer dizer, então — falou Kirkpatrik, afastando-se da janela e acendendo um cigarro aromático — que nossos cientistas estão desaparecendo misteriosamente? — Isso mesmo. Como era de se esperar, o fato deixa a cúpula nervosa, para dizer o mínimo da reação deles. — E isso é trabalho para nós? — É. Outros departamentos iniciaram as investigações, mas, infelizmente, não chegaram a qualquer resultado positivo. — E como se espera que nós cheguemos? Kirkpatrik soltou uma nuvem de fumaça azulada para o ar e sentou-se na poltrona diante da mesa de Mr. Lattuada. — Bem, nós vamos dar um tiro no escuro, Horace. — Adoro tiros no escuro — os lábios finos de Kirkpatrik distenderam-se num sorriso, enquanto sua mão esquerda acariciava os cabelos louros e longos, levemente encrespados na nuca. — Pode começar a falar, chefe. — Bem, além dos cientistas, alguns artistas de cinema e teatro têm desaparecido de Hollywood e outros locais semelhantes em diversos pontos do mundo. Acontece que, por duas vezes, um homem foi visto rondando os lugares frequentados por esses artistas. Esse mesmo homem foi detectado perto dos pontos onde dois cientistas desaparecidos foram localizados pela última vez. — De onde vocês concluíram que esse homem está relacionado com o desaparecimento dos cientistas e dos artistas... — Exato. — E por que os artistas? Kirkpatrik esmagou o cigarro no cinzeiro e recostou-se na cadeira, assumindo uma posição indolente. — Não sabemos. Apenas pudemos estabelecer um detalhe comum a todos os artistas desaparecidos e aos — 23 —

cientistas. Eram expoentes máximos em suas respectivas atividades. Além disso, todos os artistas primavam pela sua beleza. — Pela forma como apresenta as coisas, Mr. Lattuada, poderia dizer-se que alguém está tentando reunir um bouquet de seres excepcionais, quer pela sua inteligência e sabedoria, quer pela sua beleza... — Ê essa, na verdade, a impressão que temos do assunto. Veja você. Entre outros, provavelmente, desapareceram, sem deixar rastro, a Dra. Rosalyn Sallinger, especialista em astrofísica, o Professor Comserat, perito em biologia. Os ingleses, por sua vez, detectaram o desaparecimento de Raymond McDonald, cientista dos mais credenciados em cibernética. Os russos deram pela falta de Alexei Spandryn, expoente em ciência espacial e os alemães relataram o sumiço de Franz Schopenhauer, eminente cientista em energia nuclear. — Belo time, sem dúvida. — É. Um conjunto digno de figurar em qualquer museu de inteligência. Quanto aos belos, desapareceram Briggite Parrain, francesa, Elke Gutembergen, alemã, Olaf Burgeoff, sueco, Rita Calesini, italiana naturalizada americana, Carolyn Rampa, inglesa, entre outros de que ainda não temos informações. — E que podemos nós fazer, afinal? Ou eu, para ser mais objetivo? — Bom, acontece que não desapareceu ainda nenhum galã masculino, é claro, americano. Por outro lado, o mesmo homem tem sido visto em Hollyood, com certa frequência. Temos seguido o homem, que se chama Peter Malcolm, e tem uma ficha totalmente limpa em todos os estados. Nada podemos provar contra ele, como é óbvio,

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por isso limitamo-nos a segui-lo discretamente. No entanto, até agora, ele não pôs o pé em falso. — E vocês têm esperanças que eu seja o eleito, entre os galãs americanos. É isso? Mr. Lattuada sorriu, mostrando os dentes brancos e certos. — Por algum motivo, você vem exercendo ura fascínio incomparável junto do chamado sexo fraco, não, Horace? O atraente playboy soltou uma curta risada e levantouse. — Está bem, reconheço que sou um belo exemplar de homem, que até hoje mulher alguma resistiu a meu charme, mas isso não quer dizer que eu seja o tipo preferido por esses estranhos colecionadores de talentos. — Teremos que arriscar, Horace. Ê aí que está o tiro no escuro de que eu falei. Kirkpatrik deu alguns passos pelo escritório e parou diante de um bar, num canto da sala. Deitou uísque num copo e misturou soda, com algumas pedras de gelo. — De acordo, Mr. Lattuada. Eu serei a isca para eles. E daí? — Daí que, quando você for sequestrado, como esperamos, terá que dar um jeito na situação. Isso, é claro, se as coisas estiverem se passando como pensamos. — Okay, chefe. E como vai nascer o novo astro do cinema? — Já nasceu. A Metro acaba de contratar um desconhecido ator de teatro como estrela principal de uma superprodução para a nova versão de Lawrence da Arábia. — Como sempre, eu sou o último a saber, não é verdade, chefe? — perguntou o agente 77Z, com um sorriso irônico.

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A verdade é que ele estava cansado de saber que era assim. Quando qualquer missão exigia sua presença, era regra geral o Departamento preparar tudo, convocando-o apenas na hora de assumir o trabalho. A ele não restava outra alternativa, além de aceitar a missão. Kirkpatrik trabalhava nos serviços secretos especiais desde há alguns anos, apenas por amor ao perigo, à aventura. Era isso, talvez, que fazia dele o agente fora de série, temido pelos inimigos e respeitado pelos amigos. — Se você não quiser aceitar a missão, pode dizer, Horace — falou o chefe do Departamento 77. No entanto, ele sabia que Kirkpatrik jamais recusaria um trabalho, por mais arriscado que fosse. Era mais provável ele fazer cara feia a uma missão muito simples do que negar sua participação num caso extremamente difícil e perigoso. Por isso, as palavras de Mr. Lattuada foram recebidas com um sorriso mordaz. — O que faria se eu recusasse, chefe? — Teríamos que encontrar um substituto, é claro. Ou você está pensando que é o único macho atraente que existe na Agência? Kirkpatrik ficou olhando para o chefe durante alguns instantes. Depois esboçou um sorriso, que terminou numa gargalhada saudável, secundado por Mr. Lattuada. — Muito bem, chefe. Por onde vou começar? — Neste dossier você encontrará tudo sobre Peter Malcolm, oficialmente empresário de artistas e sobre Horace Klain, talentoso, mas desconhecido ator dos palcos da Broadway. — E não receia que Malcolm, como empresário de cinema, descubra que eu nunca fui ator em minha vida?

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— Não se preocupe, Horace. Malcolm é tanto empresário quanto você é artista de teatro. Tivemos o cuidado de estudar esse aspecto. — Eu deveria saber que vocês não deixariam nada ao acaso — sorriu o atraente playboy. — Quando devo partir para Hollywood? — Hoje. Tem passagem reservada no avião das dezesseis horas. Um representante da Metro estará esperando por você no aeroporto. — E quem é meu agente? — Você não tem agente, nem empresário. É do tipo de trabalhar independente, até porque, pelo menos até agora, você não teve muito que fazer, na arte dramática. Apenas papéis sem grande importância, pontas em grandes peças. — Entendo. E se, por acaso, algum empresário se quiser candidatar ao lugar? — Isso é problema seu, Horace. Nós arrumamos uma profissão para você e um papel de primeira grandeza. Que mais quer? — Está bem, chefe. Não precisa ficar nervoso. Pode deixar que eu me viro sozinho. Como sempre, aliás... Kirkpatrik depositou o copo sobre a mesa de Mr. Lattuada e pegou a pasta, onde se encontravam todos seus documentos temporários, a biografia de sua nova personalidade, os principais elementos sobre o homem que estaria supostamente ligado com os desaparecimentos e a passagem de avião. Estendeu a mão a Mr. Lattuada e sorriu: — Uma coisa eu posso lhe prometer, chefe. Não precisará ir para a fila para receber meu autógrafo. Para você, eu darei um especial, em entrevista reservada...

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— Obrigado pela gentileza, Mr. Klain. E boa sorte — respondeu Mr. Lattuada, devolvendo o sorriso « apertando a mão do agente 77Z.

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CAPÍTULO SEGUNDO Um convidado muito especial Horace Klain ficou instalado numa suíte do Hotel Paradise, em Beverly Hill. Fora recebido no aeroporto por Fred Reginald, representante da Melro Goldwyn Mayer, t levado para o hotel onde a suíte estava reservada. Considerando que ele não estava familiarizado com o ambiente de Hollywood, foi-lhe concedida uma licença especial de uma semana, durante a qual apenas teria que atender os jornalistas e fotógrafos. E não foram poucas as entrevistas. Por processos que escapariam ao leitor comum, ele foi capa de quase todas as revistas que se publicaram nos dias imediatos à sua chegada a Hollywood. A produção que iria estrelar custaria milhões de dólares e era lógico, portanto, que a Metro gastasse uns milhares com o lançamento de seu novo astro. O novo galã acabara de receber uma jornalista de corpinho apetitoso e sorriso de criança, quando o empregado do hotel bateu na porta da suíte. — Entre — autorizou Horace Klain. — Mr. Klain — disse o rapaz, muito direito. — Está aí um empresário que insiste em falar com o senhor. Mandou este cartão.

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Kirkpatrik pegou o cartão que o empregado lhe estendia e leu: Peter Malcolm Empresário O agente 77Z sorriu enigmaticamente e disse: — Pode deixar entrar, Tom. — Muito bem, Mr. Klain. Vou ligar para a recepção para que o mandem subir. Usando o telefone da suíte, Tom comunicou a decisão do ator ao recepcionista. Minutos depois, Malcolm entrava na suíte e Kirkpatrik dispensava o empregado. — Okay, Tom. Pode sair que eu e Mr. Malcolm temos negócios para tratar. O rapaz saiu, fechando a porta da suíte atrás de si. Malcolm avançou para Kirkpatrik e estendeu a mão para ele. O novo astro apertou-a com uma certa indiferença e perguntou: — Muito bem, Mr. Malcolm. Que posso fazer por você? O empresário sentou-se numa poltrona e sorriu: — Eu é que posso fazer alguma coisa por você, Klain. Fui empresário e agente de artistas que hoje são famosos. Sei das coisas como ninguém. E creio que você está precisando de alguém como eu. — Não vejo para quê. Acabei de assinar um excelente contrato, do qual não terei que dar nenhuma percentagem a um agente. Não acha que posso fazer as minhas coisas, sozinho? — Calma, Klain. Calma. Nem só de cinema vive o astro cinematográfico. Há a televisão, as aparições de poucos — 30 —

segundos que rendem uma nota violenta, os comerciantes sofisticados, as palestras em ligas e associações, além de muitas outras coisas. Você não conhece esta selva que é Hollywood, Klain. O que você vai ganhar com esse contrato, na Metro, não chegará nem para pagar este hotel, Klain. Você precisa de outras fontes de renda. E aí entro eu. — Tem certeza do que diz, Malcolm? Kirkpatrik analisou o homem que tinha na sua frente. Não possuía o aspecto tradicional dos empresários. Devia rondar os quarenta anos de idade, os cabelos parcialmente grisalhos, o físico de um atleta. Os olhos negros eram expressivos e inteligentes e sua maneira de vestir era demasiadamente sóbria para um agente e empresário de Hollywood. — Claro que tenho certeza, Klain. Minha experiência deve servir para alguma coisa, não? — Muito bem. E o que você sugere? — Que você faça um contrato comigo, nomeando-me seu agente exclusivo. O resto pode deixar por minha conta. — Entendo. E o que você ganhará cora isso? — Dez por cento. É a taxa habitual, não? — Dez por cento... Está bem, — disse, depois de ficar pensativo durante um minuto. — Mas tem uma condição. Ou melhor, duas condições. Malcolm manteve-se tranquilo. — Pois não? — Deste contrato com a Metro você não cobra os dez por cento. E todos os demais contratos que você arrumar para mim, devem ser submetidos à minha aprovação antes da resposta final. De acordo? Malcolm pareceu pensar maduramente no assunto e, depois, acabou declarando:

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— Quanto à primeira condição, me parece justo. Afinal, eu nada tive a ver com esse contrato. Quanto à segunda, já não estou tanto de acordo, porque se presume que eu devo saber o que é bom para você, artisticamente. Mas, como é nosso primeiro contrato, aceito suas condições. — Ótimo. Quando você começa a trabalhar? — Já comecei. — Como assim? — Eu tinha certeza de que você aceitaria minha proposta. Por isso tive o cuidado de fazer algumas diligências preparatórias. Desta forma, amanhã faremos uma pequena viagem a Nova Iorque, onde um produtor independente está interessado em seu trabalho para um curto filme de divulgação científica. — E isso é bom para mim? — Claro que é. Eles pagam bem e você trabalhará ao lado de alguns cientistas famosos. — Ótimo. Eu preciso mesmo ir a Nova Iorque? — É indispensável, pois querem submeter você a um teste de coordenação com os cientistas e outros atores. — Não estou entendendo que tipo de filme é esse, Malcolm. — Trata-se de material, hum... didático, vamos dizer. Não é uma novela, nem coisa parecida. O filme destina-se a ser exibido em conferências, em universidades e locais desse gênero. — Está certo. Então amanhã vamos até Nova Iorque. — Isso mesmo. Já reservei, aliás, passagens para nós dois no voo das sete da manhã. — Você pensou em tudo, hem? — É a minha profissão, Klain. Kirkpatrik sorriu. No entanto, o sorriso do agente 77Z não tinha o significado que Malcolm imaginava. — 32 —

Segundo tudo levava a crer, Mr. Lattuada acertara em cheio. Sendo tão empresário, experiente, pelo menos, como Kirkpatrik era ator de teatro e cinema, Malcolm não perdia tempo. *** No dia seguinte, como combinado, Malcolm pegou Kirkpatrik no hotel às seis da manhã. Pouco antes das sete, estavam no aeroporto e logo embarcavam, rumo a Nova Iorque. — Telefonei ao produtor e ele mandou um carro para nos esperar em Nova Iorque. Seguiremos imediatamente para o palacete dele. — Você não perde tempo, mesmo, Malcolm. Acho que vou gostar de trabalhar com você — comentou Kirkpatrik. — Garanto que não vai arrepender-se, Klain. O que eu tenho para lhe oferecer, em todos os anos que vão chegar, nem você pode imaginar. O agente 77Z sorriu, pensando no que eles teriam para lhe oferecer. Chegaram ao palacete do produtor, cerca de onze horas. Kirkpatrik estranhou o tipo de casa, para um produtor de cinema. Ficava situada num extenso terreno, cercado de altos muros brancos, e o agente pôde detectar alguns sistemas de alarme sofisticados; câmeras de televisão, células fotoelétricas no portão e um guarda que ele juraria estar armado. O próprio produtor os recebeu no átrio do palacete de dois andares.

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— Muito prazer em conhecê-lo, Mr. Klain. Seu nome chegou até nós de forma meteórica, podemos dizer — foi a apresentação do produtor. — Encantado em conhecê-lo, Mr.... — Kempton. Douglas Royce Kempton, Mr. Klain. — Kempton... — Kirkpatrik fez um esforço para se lembrar daquele nome. — Não me lembro de ter ouvido seu nome, ainda. Me desculpe a franqueza, mas ainda estou pouco relacionado com o mundo do cinema. — Não se preocupe com isso, Klain. Na verdade, meu nome não é muito conhecido mesmo. Não trabalho para o grande público. Nossos serviços são mais dirigidos à classe científica do país. — Entendo. Malcolm já me falou que o filme que pretendem fazer é de natureza científica. — Exatamente. Mas vamos entrar. Quero apresentá-lo a meu associado, o responsável pela parte científica de nosso projeto. Entraram no palacete, luxuosamente decorado, e Kempton levou o convidado para uma espécie de sala de conferências. Um outro homem estava ali, esperando por eles. — Meu caro Klain, permita que lhe apresente nosso coordenador científico, Professor David Comserat. Kirkpatrik sobressaltou-se. Comserat era um dos cientistas desaparecidos, segundo Mr. Lattuada. — Muito prazer, Mr. Klain — saudou o cientista. — Encantado, Professor. — Bom — atalhou Kempton. — Nosso tempo é curto e será melhor irmos direto ao assunto. Queira sentar-se, Mr. Klain.

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Kirkpatrik sentou-se numa poltrona e os dois homens instalaram-se diante dele. Estranhamente, Malcolm tinha sumido. — Vou explicar-lhe rapidamente qual é o nosso projeto, para que não se surpreenda com o que vamos exigir de você, Klain. As coisas começavam agora a tomar um rumo mais condizente com o que o agente 77Z esperava. — Pois não? Estou à sua disposição, senhores. — O Professor Comserat — começou Kempton — ficou famoso depois que apresentou um projeto para o congelamento de pessoas, fazendo-as permanecer em estado de morte clínica durante anos indefinidos, reanimando-as mais tarde, quando quisesse, em perfeitas condições físicas, mentais e psíquicas. Depois disso, apresentou ao governo deste país uma proposta para um projeto de grande envergadura, no qual seriam assim conservados, para a posteridade, personalidades de enorme prestígio e que hoje viam sua ação limitada pelos meios arcaicos de que ainda dispomos. Infelizmente, o governo deste país de infelizes resolveu boicotar o projeto. Kempton fez uma pausa, antes de prosseguir. — Reconhecendo o extraordinário valor do trabalho de Comserat, pedi-lhe que viesse faiar comigo e, juntos, acabamos traçando um monumental plano de reformulação do mundo. — Não entendi... — É simples. A hora do juízo final para a humanidade está chegando, Klain. Por esse motivo, é imperioso que preservemos alguns elementos humanos, guardando para uma época vindoura o que de bom, de sábio, ainda existe. — É muito louvável esse plano, mas não vejo onde eu posso me encaixar nele. — 35 —

— É simples também. Nós nos encarregaremos de ser a mão executora do apocalipse. Para isso, tudo se encontra preparado. Antes, porém, colocaremos em estado de hibernação, para falar em termos que o grande público possa compreender, uma amostra do que de melhor existe no mundo. Deu para entender agora? — Para entender, deu. Para aceitar, não — respondeu Kirkpatrik, mal podendo evitar um estremecimento. — Eu sei que não é fácil de aceitar, especialmente para aquelas pessoas que vivem ligadas apenas no mundo exterior, no que existe de podre por aí. — Espero que isso não seja dirigido diretamente a mim... — Claro que não é. Você foi selecionado entre muitos, Mr. Klain. Por processos que não interessam agora, dispomos de uma biografia completa de sua carreira. Vimos que, além de um belo exemplar do sexo masculino, você é um homem muitíssimo inteligente. Essas são as duas características básicas para nossa seleção. — Sinto-me lisonjeado com essa preferência. — E deve sentir-se, Klain. Porque haverá milhões de homens e mulheres que desejarão, mais tarde, estar em seu lugar. — Agora começo a não entender de novo. — Já vai entender. Venha comigo, por favor. Kirkpatrik levantou-se e seguiu Kempton. Saíram da sala de conferências e caminharam alguns minutos por um corredor bastante iluminado, depois de descerem uma escada para o subsolo. Pararam finalmente diante de uma enorme janela que dava para uma sala estreita, semelhante a uma morgue. — Não se impressione, Klain. Isto não é um necrotério, embora possa parecer. Trata-se da câmara de refrigeração. — 36 —

As caixas de vidro que está ali contêm corpos em hibernação, alguns de pessoas comuns, porém muito boas em determinado aspecto, e outros de cientistas, escritores, técnicos, etc. Kirkpatrik olhou aquilo com atenção. Havia, pelo menos, cem caixas naquela sala. Aquilo era um pesadelo. Só podia ser! — Não faz qualquer comentário, Klair? — Como? Ah! Comentários... Só me ocorre um. Vocês estão loucos! — É o que todos dizem. Mas não estamos, meu amigo. Entre essas caixas, encontram-se algumas que serão, ou já estão preenchidas por pessoas que contribuirão para que o mundo possa ser aquilo com que sempre sonhamos. — E qual é o meu papel? — Você será, como todos os outros, preservado para a posteridade. — Você é louco! — repetiu Kirkpatrik. — Não se assuste, meu amigo. Garanto-lhe e, comigo, o Professor Comserat, que quando você for despertado não sentirá nada. Estará em ótimas condições físicas e mentais. O processo é absolutamente seguro e já foi testado. Desde há cinco anos que vimos procedendo a estudos, experiências, testes rigorosíssimos e posso assegurar que tudo está perfeitamente controlado. Não precisa recear nada, Klain. — De qualquer forma, não vou consentir que façam comigo uma coisa dessas — protestou Kirkpatrik. — Infelizmente, sua permissão não é indispensável, meu amigo. Quando o despertarmos, você nos agradecerá. Então viverá num mundo novo, no seio de uma humanidade onde a harmonia, a paz e o respeito mútuo serão as palavras de ordem. Não haverá guerras. Não haverá medo, nem — 37 —

fomes. Os homens serão, na realidade, irmãos. Não acha que vale a pena o risco? — Acontece, Kempton, que estou satisfeito com o mundo, como ele está hoje. Não tenho pretensões a querer endireitar o que está torto, E, tenho certeza, todos os seus “convidados” — Kirkpatrik soletrou a palavra, com acento mordaz — pensam da mesma forma que eu. — Como eu disse, meu amigo, isso é irrelevante. Nós estamos dispostos a criar um mundo novo. E não vamos nos deter porque você e outros idiotas não concordam com a gente. — Como pensa me obrigar a isso? — Pela força, se necessário for. As coisas não estavam andando devagar. Antes, pelo contrário, pareciam a ponto de se precipitarem. Kirkpatrik precisava fazer um apelo a toda a sua capacidade de agente fora de série para voltar o barco para o seu lado... — Por que eu fui escolhido? — perguntou. — Porque você é um belo exemplar de homem, jovem, dinâmico, atlético, absolutamente saudável e, sobretudo, inteligente. A nova raça de homens será assim, Klain. Apenas escolhidos, que gerarão outros homens e mulheres de ótima qualidade. A nata da ciência, das artes e das letras será ressuscitada, dentro de algumas décadas! — Décadas? — Claro, meu amigo. Precisamos dar tempo a que os efeitos nocivos das radiações que destruirão este planeta desapareçam por completo. — Chega de loucuras, Kempton. Eu vou embora neste exato momento — decidiu Kirkpatrik. — Guardas! Acorrendo à voz de Kempton, quatro homens armados apareceram junto deles. — 38 —

— Conduzam Mr. Klain até seus aposentos. Mais tarde, voltaremos a conversar. — Devo entender que sou seu prisioneiro, Kempton? — Não seja tão dramático, meu amigo. Digamos que você é meu convidado. Mais tarde, me agradecerá por tê-lo mantido aqui. Agora, com licença. Temos muito o que fazer.

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CAPÍTULO TERCEIRO A flor do Paraíso Kirkpatrik foi conduzido para um quarto pequeno, de paredes nuas e sem janelas. Apenas uma porta o ligava ao resto do mundo, naquele subsolo úmido. No meio da tarde, recebeu uma visita inesperada. A chave rodou na fechadura, pelo lado de fora, e a porta abriu-se sem aviso prévio. O agente 77Z estava sentado na beira da cama estreita, fumando e pensando. Levantou-se, disposto a avaliar as chances de uma ação imediata. Porém, ao contemplar a figura recortada na soleira, todos seus projetos de ação sofreram uma momentânea paralisação. Envergando um conjunto de calça e blusa verdes estava ali, sorrindo para ele, a mais espetacular ruiva que ele tinha visto nos últimos anos. Devia medir cerca de um metro e oitenta, tinha os cabelos de um ruivo cor de cobre polido e os olhos verdes mais intensos e provocantes de que o atlético playboy se lembrava. Tudo em sua atitude fazia lembrar uma gata, na época do cio. A boca, carnuda, sorrindo, entreaberta, mostrava os dentes muito brancos e perfeitos. Kirkpatrik podia distinguir a ponta vermelha da língua, dançando contra os dentes da fabulosa aparição. Os seios de tamanho — 40 —

adequado à altura da garota apareciam, rijos e orgulhosos, sob o tecido fino da blusa. Tinha a cintura estreita e as ancas redondas, macias, prolongando-se por um par de pernas compridas, de formato irrepreensível. A calça justa realçava a beleza daquelas pernas, elásticas e firmes. Se aquela mulher fosse tão inteligente quanto era bela, seria uma parada para qualquer homem. E Kirkpatrik decidiu que ele tinha que ser esse homem... O irresistível playboy deu alguns passos em direção à garota. Ela abandonou a porta e entrou no quarto, após o que um guarda voltou a fechar a folha de madeira grossa chapeada a aço, pelo lado externo. — Oi — saudou a garota. — Meu nome é Lane Kempton. — Lane Kempton? Eu juraria que você se chamava Afrodite. Por que o Kempton? — Sou filha de Douglas Kempton. — Entendo. Só por isso, começo a simpatizar mais com ele. Meu nome é Klain, o que não deve ser surpresa para você. — Realmente, não, Mr. Klain. — Prefiro que me chame de Horace, Lane. — Muito bem. Não sei por quê, mas pressinto que vamos ser bons amigos. — Pois pressinto que podemos ser mais do que amigos — insinuou ele. — Calma, Horace. Não queira andar depressa demais. — Não é andar depressa. Trato apenas de aproveitar o tempo escasso que me resta. A propósito, você faz parte do plano de seu pai?

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— Claro. Sou uma das mais fervorosas seguidoras dos projetos de papai. Será maravilhoso viver num mundo novo e puro. — É uma pena que você esteja tão contaminada pela loucura dele. — Não penso assim, Horace. Encaro os fatos como uma espécie de viagem interplanetária. Imagine que vamos adormecer numa nave espacial e que acordaremos no paraíso. Em algum planeta bem distante daqui, num lugar que se pareça muito com o Éden, a Terra Prometida, onde não haverá o feio, nem o mau. Apenas paz, harmonia e beleza. Não será maravilhoso? As narinas delicadas de Lane tremiam levemente quando ela falava. — Sim, seria maravilhoso, se você estivesse lá, tão bela e desejável como agora. — Estarei, Horace. Estarei. Posso assegurar que papai não mente. Se ele diz que estaremos lá, é porque é verdade. — Bom, vamos mudar de assunto — Lane tinha-se sentado na beira da cama, porque a única cadeira existente no quarto estava ocupada com o paletó e a camisa de Kirkpatrik. A garota passou os olhos demoradamente pelo tronco nu, musculoso e bronzeado do atraente americano e sua língua umedeceu os lábios. As narinas tremeram com mais intensidade, como égua que vê aproximar-se o macho, e concordou: — Acho bom, mesmo. Essa conversa fica cansativa, quando a gente encontra pessoas incompreensíveis pela frente. — Obrigado pelo elogio. Lane. Mas a verdade é que não posso compreender a estupidez, nem a loucura de pessoas que parecem sãs. — 42 —

— Touchée! Sua devolução de elogio foi magistral. Você é uma pessoa inteligente. — Obrigado. Minha inteligência e sua beleza deslumbrante podem fazer coisas muito interessantes. — Como, por exemplo? — Coisas como esta... Kirkpatrik sentou-se ao lado dela e passou a mão por sua nuca, atraindo a cabeça da garota para ele. Os lábios colaram-se e Lane não opôs qualquer resistência. Antes correspondeu ao beijo com uma paixão quase desesperada, dilatando as narinas e apertando o corpo rijo contra o do irresistível playboy. — Você é sempre assim, tão decidido e impetuoso, Horace? — perguntou a garota, quando se separaram. Kirkpatrik contemplou aqueles lábios vermelhos, os seios eretos de corolas escuras que o espreitavam por debaixo da blusa quase transparente, a respiração ofegante de Lane Kempton e perguntou: — Seu pai sabe que você veio aqui? — Ainda não. Mas vai saber. Nada acontece, nesta casa, que ele não acabe sabendo, de um jeito ou de outro. Mas estou pouco me importando para isso. — O que veio fazer, exatamente? — Conhecer você. E devo acrescentar que me surpreendeu. — Como assim? — Você é um homem e tanto. Me deixou perturbada. — Não diga! As mulheres costumam ficar apaixonadas por mim, e não perturbadas. — Você é convencido e pouco modesto, sabia? Isso já não me agrada. — Que pena! Porque estou querendo agradar-lhe em mais de um sentido. — 43 —

— No entanto, você é irresistível. Acho que vou gostar de você. — Garanto que vai. Em mais de um sentido, também. Voltou a puxá-la para ele, colando a boca na dela. Lane entreabriu os lábios sensuais e sua língua explorou, com paixão, a boca do famoso playboy. Além de bela e inteligente, Lane Kempton sabia das coisas. Seus dentes aplicaram suaves mordidas nos lábios de Kirkpatrik, passando para o pescoço, para o lóbulo da orelha, para os mamilos do atlético parceiro. Kirkpatrik por seu lado também conhecia a matéria do amor. Depois de algumas mordidas na nuca da garota, suas mãos desceram, acariciantes, para os seios duros e, rapidamente, desapertaram os dois botões da blusa. A pele era suave e quente e Lane estremeceu, quando ele aprisionou o bico de um seio entre os dedos e começou a massagear, lenta e cadenciadamente. Pouco depois, o rosto de Lane Kempton subiu de novo ao encontro do seu e as bocas colaram-se uma vez mais, num beijo violento. A mão direita de Kirkpatrik estava já descendo para o zíper da calça apertada da filha de Douglas Kempton e, em poucos segundos, a peça de vestuário incômodo estava no chão, enquanto o agente americano empurrava suavemente o corpo da garota para trás, fazendo-a deitar-se. Com uma agilidade espantosa, Lane desapertou as calças de Kirkpatrik. Não era justo que apenas ela estivesse nua... Os dois corpos juntaram-se com delírio, explorando-se com verdadeira paixão. Os lábios tantalizantes de Kirkpatrik desceram pelo peito arfante de Lane, pelo — 44 —

estômago plano, pelo ventre liso e claro, mergulhando na intimidade perfumada da espetacular mulher. Os dedos de Lane apoiaram-se nos ombros de Kirkpatrik e as unhas cravaram-se em sua carne. Pouco depois, os lábios do experiente deslizavam uma vez mais pela pele acetinada, arrançando gemidos e sussurros da boca feminina. Com uma torção inesperada, Lane colocou-se por cima dele, tentando com seus lábios e língua superar as carícias de que fora alvo. Quando, por fim, os dois corpos se encontraram, num amplexo desesperado, mais de uma hora se tinha passado desde o momento em que Lane Kempton abrira a porta do quarto do ator Horace Klain. — Não consigo entender como você pode aprovar a idéia louca de seu pai, Lane — disse Kirkpatrik, depois de acender dois cigarros e colocar um deles entre os lábios da garota. — Eu já lhe disse que não vejo essa loucura de que você fala, Horace querido. Pelo contrário, acho que é maravilho esta chance que nós temos de vir a fazer parte de uma humanidade perfeita, sem ódios e sem medos. — Você já pensou nos outros? Nos que não terão o privilégio, como vocês dizem, de ser escolhidos? Em seus sofrimentos, suas angústias, seus pavores? Afinal, perfeitos ou não, eles são seres como nós. — Você está dramatizando demais as coisas. De qualquer maneira, o mundo está irremediavelmente condenado, não é mesmo? Quanto tempo mais, você acha que o homem vai demorar até acabar consigo mesmo? — Isso não está em questão, Lane. A verdade é que eles têm os mesmos direitos que nós. Não é justo vocês pretenderem ditar o destino deles, nem o meu e o dos outros que aqui se encontram. Além disso, você já pensou que, — 45 —

nessa nova humanidade de que você fala, a mente do homem será a mesma de hoje? — E daí? — Daí que as emoções, os sentimentos, mais ou menos baixos, que atualmente provocam o ódio, a guerra, o medo, acabarão por vir à superfície nesses super-homens do futuro que vocês querem preservar. E, então, tudo voltará a ser igual. — Não, Horace. Você está enganado. Os motivos, as causas, que hoje determinam os baixos sentimentos, não existirão nessa época. O homem não terá motivos para ser ruim, entende? — Não, Lane. Não entendo. E creio que não adianta continuar discutindo isso com você. — É. Acho que não adianta. Será melhor fazermos outras coisas, bem mais gostosas... A garota pulou para cima do corpo musculoso de Kirkpatrik e seus lábios desceram de novo, ao encontro da boca dele. *** Depois de Lane Kempton deixar o quarto, o agente 77Z ficou longo tempo pensativo, fitando o teto. Precisava sair dali e dar um jeito naquela situação. Era uma loucura total, um pesadelo de que urgia se livrar rapidamente. Estava ainda nu, deitado sobre a cama, com as mãos cruzadas na nuca. A porta, sendo destrancada, chamou sua atenção. Logo um guarda abriu e entrou no pequeno aposento, transportando um tabuleiro com comida.

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Não havia outra mesa além da de cabeceira, pelo que o guarda teve de se aproximar, inclinando-se para diante, a fim de colocar ali o tabuleiro. — Deixe que eu ajudo — disse Kirkpatrik, levantandose de um salto, ficando, assim, atrás do guarda. Quando o homem quis virar-se e sacar a automática que usava num coldre de ombro, era tarde demais. Na sua frente, aproximando-se dele com a velocidade de um raio, apareceu um punho fechado que ele juraria ser de aço. O embate contra a ponta do queixo foi brutal. O guarda sentiu-se projetado contra a mesa de cabeceira, derrubando o tabuleiro com a comida e acabando por cair sobre a cama. Antes que pudesse levantar-se, uns dedos de ferro fecharam-se sobre sua garganta, apertando... apertando... apertando. A vista foi-se nublando e, pouco depois, < guarda sentiu-se descer para um poço sem fundo, de onde sabia não poder voltar. Kirkpatrik olhou o rosto afogueado, violáceo, do homem e censurou-se por ter apertado de mais. Afinal, não era indispensável matar o homem. Porém, não podia arriscar-se. A vida de milhões de pessoas poderia estar em perigo, se aqueles loucos tivessem condições de levar adiante seu plano diabólico. Rapidamente despiu o guarda morto e escondeu seu corpo debaixo da cama. Pouco depois, estava usando a roupa do homem, incluindo a automática. As calças estavam um pouco curtas, mas era o melhor que podia arrumar, dadas as circunstâncias... Espreitou cautelosamente na porta. Um pouco adiante, estava outro guarda, para o lado direito. Para a esquerda, não havia ninguém. — 47 —

O agente fora de série da CIA ajeitou melhor o boné que fazia parte do uniforme dos guardas, procurando esconder o cabelo louro, que teimava em escapar da precária prisão, saiu para o corredor, afastando-se do quarto tranquilamente, depois de trancar a porta e guardar a chave no bolso. Tinha anoitecido por completo e não entrava qualquer claridade pelos respiradouros abertos no teto do corredor. Apena algumas lâmpadas distanciadas uns quinze metros da outra iluminavam o extenso corredor. Quando chegou no final do corredor, Kirkpatrik parou, indeciso. Existiam ali duas portas, uma à esquerda e outra à direita. Mentalmente escolheu a da esquerda. Avançou resolutamente para ela e levou a mão à maçaneta, rodando-a. Nesse instante, uma sirena lançou nos ares um silvo agudo e insistente, enchendo todo o edifício com o som irritante de um alarma.

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CAPÍTULO QUARTO Um banho inesperado Ou aquela porta estava proibida e, por isso mesmo, ligada aos sistemas de alarme, ou então sua fuga já fora descoberta, o que era improvável, pois ninguém se aproximara de seu quarto. Nesse instante, uma voz grossa soou, por alto-falantes que Kirkpatrik não sabia onde ficavam: — Intruso na ala sul, forçando zona proibida! Intruso na ala sul forçando zona proibida! Devia ser ele, o intruso da ala sul! Passos apressados soaram já perto dele e o agente fora de série da CIA voltou a cabeça. Quatro homens avançavam, rapidamente, pelo corredor, na sua direção. Não tinham empunhado as armas, mas sim grossos cacetes, dos utilizados por certos tipos de polícia de rua. Kirkpatrik avaliou a situação. Seria difícil superar os quatro, numa luta corpo a corpo. Avançou para a porta que se abria à direita e forçou a maçaneta. Estava trancada! Tentou arrombar a porta, mesmo não sabendo o que o esperava do outro lado, mas seus esforços foram inúteis. — Pare! Você está cercado!

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Os guardas tinham-se detido a uns cinco metros dele e Kirkpatrik encarou-os. O que falara, um quase gigante de cabelo louro e olhos azuis, deu mais um passo na direção do agente. Não perdeu mais tempo. Não podia arriscar-se a ser massacrado por aquelas feras. Num movimento rápido, sacou a automática que retirara do cadáver do guarda, em seu quarto, e engatilhoua com uma expressão feroz. — Um movimento mais e abro sua cabeça, companheiro — disse, ameaçador. O guarda estacou e os quatro ficaram momentaneamente sem saber que atitude tomar. A mesma voz de antes voltou a soar, agora mais direta: — Mr. Klain, não cometa nenhuma loucura. Seu gesto é impensado e estamos dispostos a esquecê-lo, porque o atribuímos ao nervosismo de sua inesperada situação. Por favor, entregue a arma aos guardas e volte para seu quarto. Kirkpatrik olhou rapidamente em torno e viu uma pequena câmera de televisão, num nicho, a menos de dez metros. Levantando a arma, disparou naquela direção. A bala, certeira, estilhaçou a pequena câmara, que soltou uma nuvem de fumaça azulada. Os quatro guardas, desorientados, jogaram-se ao chão e cobriram as cabeças com as mãos, soltando os bastões. — Assim está melhor, companheiros — comentou o agente fora de série da CIA. Um dos guardas, o que falara primeiro, levantou a cabeça e, vendo que o tiro não fora disparado contra ele, pareceu ganhar coragem. — Entregue-se, Mr. Klain. Ouviu os serviços de segurança. Sua atitude será perdoada. — 50 —

Kirkpatrik soltou uma gargalhada. — Minha atitude será perdoada? Muito obrigado pela generosidade de vocês. — Logo, mudando de tom, bradou: — Deixem de besteira. Para onde leva esta porta? O agente fora de série da CIA apontou para a direita. — Para um armazém de materiais. — E esta? — voltou a perguntar, em voz dura. — Para a ala proibida. — Que negócio é esse de ala proibida? — Não sei — respondeu o guarda, acabando de levantar-se. — Fique quietinho, encostado na parede. E vocês também — acrescentou, voltando-se para os outros três, que, seguindo o exemplo do companheiro, haviam se erguido. Colocaram-se contra a parede, aguardando. — Muito bem. Vou contar até dez. Depois, começo a disparar. Têm esse tempo para se afastar-se daqui, correndo. Um... Os homens não esperaram segunda ordem. Começaram a correr desesperadamente, em direção ao outro extremo do corredor. O número três de Kirkpatrik foi acompanhado de um novo disparo, este direto para a fechadura da porta. O tiro teve dois efeitos imediatos. Fez com que os quatros guardas corressem mais velozmente, ao mesmo tempo que fazia saltar a fechadura, abrindo a porta. E bem na hora, porque nesse instante mais guardas apareciam no final do corredor, esses já armados de automáticas, que começaram vomitar fogo sobre o fugitivo. Kirkpatrik passou a porta arrombada e estacou.

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Encontrava-se num corredor igual ao que acabara de deixar, com portas de ambos os lados. Não podia arriscarse a ser apanhado ali. Optou por uma das portas, a primeira do lado esquerdo. Para sua surpresa, não estava trancada. Empurrou-a e entrou, fechando-a atrás dele. — Como se atreve? — gritou uma voz feminina. Kirkpatrik voltou-se e deparou com uma mulher de excepcional beleza, cabelos e olhos negros, de uns vinte e nove anos, que tentava sem grande sucesso ocultar o corpo bem feito trás de uma pequena calça de pijama. — Que significa isto? — Calma, mocinha. Estou em perigo. Não sei quem você é, mas eu não sou o que aparento. Esta roupa pertencia a um guarda que agora, está em meu quarto. Como provavelmente acontece com você, eu estou aqui contra minha vontade. Consegui fugir, mas estou sendo perseguido por um batalhão de guardas armados querendo minha pele. A mulher vacilou durante alguns segundos. Logo assumiu uma atitude decidida. — Entre nessa porta e meta-se na banheira. Com a água e tudo. Eu ia tomar banho agora e assim farei. Entretanto, você estará lá dentro, também. Quando os guardas entrarem no banheiro, o que não deixarão de fazer, esconda bem seu corpo debaixo da espuma. E peça a Deus que dê certo. Kirkpatrik admirou a bela mulher por sua presença de espírito e sua coragem. Não esperou mais. Entrou no banheiro e escondeu a automática debaixo de uma toalha. Logo pulou para a banheira, metendo-se dentro dela, com roupa e tudo. A água estava com bastante espuma, pelo que seria natural que passasse despercebido. — 52 —

Surpreendeu-se quando a bela mulher deixou a calça de pijama que continuava apertando contra o corpo e se aproximou da banheira também. — Espero que seja suficientemente decente para voltar o rosto para o outro lado... Kirkpatrik sorriu e fez-lhe à vontade. A bela desconhecida entrou na água e acomodou seu corpo nu nos espaços deixados pelo corpo dobrado do agente 77Z. Trinta segundos mais tarde, a porta do quarto era aberta com violência e dois guardas de automática empunhada entraram. — Que significa isto? — berrou a mulher, furiosa, quando um dos guardas entrou no banheiro. — Desculpe, Doutora, mas... — Desculpe, nada! — respondeu ela, cada vez mais irada. — Vou me queixar a Mr. Kempton imediatamente. Não posso mais tomar meu banho descansada? — Desculpe — repetiu o homem, pouco à vontade. — Mas estamos cumprindo ordens. Um elemento perigoso fugiu e nos mandaram revistar os quartos um por um. Sairemos logo — concluiu, lançando um olhar apressado pelo reduzido banheiro, onde não seria possível esconder ninguém. Fechou a porta do banheiro e voltou ao quarto. Menos de um segundo mais tarde, ouviram a porta do quarto fechar-se. Os guardas haviam saído, convencidos de que ali o fugitivo não estava escondido. Kirkpatrik retirou a cabeça de dentro da água, respirando, em desespero. — Quase meus pulmões estouravam! — reclamou. — Mas, assim mesmo, não sei como lhe agradecer. Meu nome é Horace Klain. — 53 —

— O meu é Rosalyn Sallinger e é a primeira vez que isto acontece. Alguma coisa grave deve estar acontecendo e eu não entendo nada. — Rosalyn Sallinger, a cientista? — Exatamente, A astrofísica. Como me conhece? — Bem, os jornais noticiaram seu desaparecimento. — E você lembra-se disso? — Claro que eu me lembro — respondeu o agente fora de série, um tanto surpreendido. — De onde vem você, Mr. Klain? — De Nova Iorque. Ou melhor, de Hollywood, onde estava até hoje de manhã. — Hollywood? Alguma nova cidade? — Nova? Não entendo. Hollywood não é muito velha, mas, pelo menos desde o nascimento do cinema que eu a conheço... — O nascimento do cinema? O primeiro ou o ressurgimento? — Agora sou eu que não entendo nada, Doutora... — Espere aí! Você não é um dos extraterrenos? Kirkpatrik pestanejou. Tudo aquilo devia ter sido duro demais para a famosa cientista. — Extraterrenos? — Vejo que estamos falando em linguagens diferentes. Me fale de Hollywood. — Não vai me dizer que não conhece Hollywood ... Que nunca esteve lá... — Eu conheci Hollywood antes da eclosão. — Eclosão? Tudo isto me está deixando meie tonto. Os dois mantinham o estranho diálogo dentro da banheira. Os seios da bela cientista, até pouco antes cobertos de espuma, tinham secado e revelavam-se agora, rosados e úmidos. — 54 —

Mas os dois jovens pareceram não reparar nisso, porque continuaram conversando. — Você não sabe o que foi a eclosão? Mas de que mundo você está chegando? — De nosso mundo, Doutora. O que está acontecendo com você? A cientista ficou silenciosa por momentos, parecendo profundamente mergulhada em seus pensamentos. Kirkpatrik não os interrompeu. Preferiu esperar que ela falasse. Isso aconteceu ao fim de quase três minutos de concentração. — Me diga uma coisa, Klain. Em que ano estamos? — Em que ano? Em 1978, é claro. — Tem certeza? — perguntou ela de novo. — Estamos mesmo em 1978? — Mas é claro que estamos em 1978. O que há com você? Rosalyn Sallinger tinha empalidecido intensamente. — Me enganaram, os canalhas! — Como assim? — Bem, agora tudo está claro para mim, Klain. A razão por que você não estava me entendendo. Nós falávamos de épocas diferentes. Você acreditaria que até há cinco minutos atrás eu pensava que nos encontrávamos no ano de 2.040? — Acreditaria, sim — respondeu o agente 77Z, que começara a entender o que se tinha passado. — Você deve ter passado por uma farsa de congelamento, sendo reanimada poucos dias depois. Aí lhe disseram que estava em 2.040 e você acreditou. Só não entendo como pôde acreditar num absurdo desses. — Não sabe? Eu lhe mostrarei e... — 55 —

Só então a cientista pareceu dar-se conta de que se encontrava nua, dentro da banheira, com um homem que até momentos antes era desconhecido para ela. E esse homem estava vestido... Rosalyn olhou seu corpo e, logo, o blusão de guarda que Kirkpatrik estava envergando. Não se contiveram e os dois estalaram numa gargalhada.

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CAPÍTULO QUINTO Pequenas alterações Kirkpatrik sentou ao lado de Rosalyn, na beira da cama. O quarto era bem maior do que o seu, contendo, além da cama e mesa de cabeceira, uma poltrona e uma mesa maior. Uma das paredes brancas estava completamente livre de móveis ou quadros e Rosalyn, agora usando um roupão de banho, indicou-a com a cabeça. Kirkpatrik assentiu e aconchegou mais ao corpo nu a toalha grande em que se enrolara depois de tirar a roupa molhada do guarda. A jovem cientista apertou um botão do pequeno aparelho que estava em cima da mesa e a parede iluminouse, transformando-se num gigantesco vídeo de televisão. — ... estamos apresentando a edição das vinte horas de nosso telejornal — estava dizendo uma mulher, sentada a uma mesa, com um mapa em plano de fundo. — A comunidade do sul do globo acaba de revelar que suas culturas de chá, algodão e café estão superando as previsões mais otimistas, enquanto o azeite não atingiu os níveis que se esperavam. No entanto, informam os porta-vozes da comunidade, a produção deste ano será mais do que suficiente para o consumo do globo, devendo ser armazenados, em estoque, algumas centenas de milhares de litros. — 57 —

— Inacreditável! — exclamou Kirkpatrik. — Passamos agora a um comunicado do Conselho Central sobre a situação dos extraterrestres que se instalaram no norte do globo — continuou a locutora. — Segundo o comunicado, a situação é estacionária. Os extraterrestres continuam aperfeiçoando suas técnicas bélicas, dispostos a atacar nossas posições dentro de vinte a trinta dias. O Conselho agradece uma vez mais ao corpo de cientistas que se mantém unido, colaborando para que consigamos obter condições que nos permitam enfrentar a ameaça dos invasores. Rosalyn apertou outro botão e a parede voltou a ser apenas parede. — Impressionante! — murmurou o agente 77Z. Levantou-se da cama e deu alguns passos pelo quarto, aproximando-se da parede, que examinou atentamente. Depois deu outra volta pelo quarto, observando tudo com atenção. — Aquela parede não parece ter nada de especial, além de ser revestida de vidro. Só isso — comentou. — Pode ser um vídeo. Pelo menos, eu acho que sim. — Claro. Pode e deve ser um vídeo. Simplesmente não está transmitindo qualquer programa de uma rede de televisão. No máximo, estará transmitindo vídeo-tapes, com áudio, especialmente preparados para criar o ambiente propício à farsa em que estamos envolvidos. — Eu tinha aceitado já a mentira absurda do ano 2.040, Klain... — Como as coisas aconteceram, afinal? — Foi tudo tão real, tão fantasticamente real, que eu... — Comece pelo princípio, Doutora. Não dispomos de muito tempo.

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— Eu diria que não dispõe de tempo nenhum, meu caro Klain — ouviu-se a voz de Douglas Kempton, vinda da porta subitamente aberta. Kirkpatrik voltou-se para a porta e levantou-se de um salto. -— Você está mais louco do que eu pensava, Kempton! O que significa toda esta palhaçada, afinal? — perguntou Kirkpatrik, irado. Douglas Royce Kempton estava parado na soleira da porta, com um sorriso cínico nos lábios e uma automática firmemente empunhada. — Lamento que as coisas tenham corrido por este caminho, mas a culpa é toda sua, Klain. Se tivesse deixado as coisas como estavam, nada do que vai acontecer em seguida teria necessidade de ocorrer. — Que quer dizer, canalha? — bradou Rosalyn, levantando-se. — Acalme-se, Doutora — Kempton fez um gesto imperioso com a arma. — Sua participação em nosso projeto, de momento, está terminada. Na verdade, tínhamos até superestimado sua necessidade nesta fase do plano. Por isso, não me obrigue a apertar o gatilho da arma. Seria uma pena se uma inteligência como a sua se perdesse de forma tão estúpida... — De qualquer maneira — interveio o agente 77Z, sentando-se de novo na beira da cama. — Creio que não nos resta muito tempo de vida, agora que descobrimos todo seu jogo sujo, não é verdade, Kempton? Douglas Kempton deu alguns passos pelo quarto, mantendo a porta aberta, sem deixar de vigiar atentamente os dois jovens. — Um dos grandes males da humanidade são os juízos precipitados. Por que eu teria de matar vocês, se não for — 59 —

obrigado a isso? Se não cometerem nenhuma bobagem, nenhuma ação impensada, podem estar certos de que o futuro de vocês se manterá inalterado. Isto, continuarão destinados à posteridade, ou quase. Serão congelados, hibernando como estava previsto. — Quer dizer que essa história da hibernação é mesmo uma realidade? — inquiriu o agente fora de série da CIA, surpreendido. — Claro que é uma realidade, meu amigo. Tudo acontecerá como eu lhe contei. Apenas um detalhe eu não referi a você e sobre o qual menti para nossa querida doutora. Não dispomos ainda das condições adequadas para arrasar com a parte da humanidade que condenamos. — De mim não terá nem mais um segundo de colaboração, canalha. E farei com que meus colegas saibam da verdade, também — bradou Rosalyn, vermelha de raiva impotente. — Creio já lhe ter dito — falou Douglas Kempton, com um sorriso — que sua participação nesta fase do projeto deixou de nos interessar, querida Dra. Sallinger. Ela foi necessária apenas enquanto não dispúnhamos dos elementos necessários para a constituição dos veículos que transportariam as cargas letais, o que você já completou nestes seus dez dias de trabalho voluntário. — Assassino! — quase gritou ela. — Ora, Doutora! Onde está sua inteligência? De que adianta começar a me ofender agora? Seus planos matemáticos foram de excepcional valia para nosso projeto. Só que não são mais necessários. O problema está resolvido. Por isso, pode acreditar que, dentro em breve, infelizmente mais breve do que desejaríamos, você entrará no verdadeiro estado de hibernação total.

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— Pare com essa série de besteiras, Kempton. Você está precisando de tratamento médico urgente — interveio Kirkpatrik. — Pare de fazer afirmações cretinas e imbecis, meu caro amigo. Limite-se a ser um bom ator e uma boa figura de homem. É apenas isso que pedem de você. — Imbecil é você e sua corja de assassinos, Kempton! — bradou Rosalyn. — Mais do que simples loucos, vocês são criminosos perigosíssimos! — Muito bem, meus amigos. Resta apenas informá-los de que sua hora se aproxima. Desta vez será para valer, Doutora. Agora entrará na câmara de congelamento, ao contrário do que aconteceu da primeira vez em que tudo foi simulado, limitando-se o tratamento a simples injeções de sedativos fortes. — Posso saber para que toda essa farsa, Kempton? — perguntou Kirkpatrik. — Pode. Isso foi necessário, e continuará sendo, com alguns outros cientistas, para que possamos dispor dos meios necessários para arrasarmos esse mundo de idiotas. Não esqueça de que temos um conjunto de cientistas espetacular. Eles estão produzindo, aqui mesmo, em nossos laboratórios subterrâneos e ultrassecretos, que a doutora conhece, as armas bacteriológicas em quantidade suficiente para acabarmos com a espécie humana. — Canalhas! — acusou, uma vez mais, a bela e jovem cientista. Kempton pareceu não ter escutado, porque continuou, inalterável: — Dentro de menos de um mês, teremos isolado e preparado, em condições de uso imediato, vírus em números suficiente para acabar com milhões e milhões de

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imbecis. Os restantes morrerão mais tarde, sob os efeitos que se manterão sobre a terra durante alguns anos. — Você é um monstro! — gritou Rosalyn. — Mais tarde, vocês me dirão se fui um monstro, ou o novo Messias que salvou o mundo da derrocada total. Por agora, fiquemos assim. — O que vai fazer com a gente, Kempton? — perguntou Kirkpatrik. — Por enquanto, vão ficar aí, juntos e sossegados. Não quero correr novos riscos. Dois guardas estarão permanentemente nesta porta e alguns outros nas proximidades. Dentro de algumas horas, mandaremos buscar vocês, para serem, finalmente, submetidos ao tratamento congelante. — Kempton! — disse Kirkpatrik, quando o outro começava a levantar-se. — Pois não, meu amigo? — Você já perdeu a parada, louco assassino! — Como assim, meu amigo? — Quando eu puder sair daqui, e não duvide de que o farei, vou acabar com sua vida com minhas próprias mãos. — Deixe de bancar o herói, querido Klain. Isso é obsoleto. Não se usa mais. Recuou alguns passos na direção da porta e continuou: — Lamento muito, Doutora, mas você agora sabe demais. Terei de apressar sua entrada na câmara de refrigeração especial... Soltou uma gargalhada e ficou olhando para a cientista, que deixara abrir o roupão de banho, revelando a magnificência de seu corpo esbelto, jovem e apetecível. A cientista reparou que a expressão de Kempton se modificara levemente e sorriu. Talvez, dessa forma, conseguisse vencer aquele louco... — 62 —

Mas o louco não deixava de ser inteligente. Como todos os loucos perigosos, dispunha de uma capacidade especial para sentir as reações dos outros. Kempton sacudiu a cabeça e desafiou, com um sorriso, firmando de novo a mão que empunhava a automática: — Tente, Doutora! Essa arma é tão antiga como o mundo. Seria muita estupidez minha, se me deixasse agora vencer por ela. Acredite que mulheres são objetos que não me faltam aqui. Por isso, pode fechar seu roupão. Não estou interessado em seu corpo. Enquanto Rosalyn fechava o roupão com um gesto de raiva e seu rosto se ruborizava, Kempton concluiu: — Aproveite e ofereça-o a Klain. Ele pode querer. E servirá para que não pensem muito nas últimas horas que restam a vocês. O assassino foi até a porta e saiu, com uma irônica inclinação de cabeça. Dois guardas apareceram na soleira da porta, acabando por fechá-la. Os dois homens estavam armados de metralhadoras ligeiras e seus rostos pareciam talhados no granito. O baque surdo da porta provocou um estremecimento em Rosalyn Sallinger.

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CAPÍTULO SEXTO O incrível exército Rosalyn Sallinger voltou-se para Kirkpatrik, com uma expressão angustiada no rosto bonito. — Que vamos fazer agora, Klain? Esse louco vai nos matar. Eu não acredito nessa história da hibernação. Ainda não existem dados suficientes que permitam um trabalho desses com boas garantias de sucesso... — Calma, Rosalyn — o agente 77Z começou a tratá-la pelo primeiro nome, sem que ela protestasse. — Temos que bolar um plano para escaparmos daqui e fazermos gorar os planos desses fanáticos. — Concordo com isso, Klain. Mas como vamos fazer? Você viu a porta. Está guardada por dois guardas, armados de metralhadoras... — Não sei ainda como vamos proceder, Rosalyn. Mas posso lhe garantir que sairemos daqui. Já me encontrei em situações tanto ou mais perigosas do que esta e sempre dei um jeito de escapar. — Quem é você, na realidade? A inevitável pergunta estava feita. Kirkpatrik não era o tipo de galã cinematográfico. Sua presença emanava energia, força demasiada e personalidade para ser apenas um ator. No entanto, o agente 77Z manteve sua versão. — 64 —

— Pensei que já lhe tinha dito... Sou Horace Klain, ator de teatro que acaba de assinar um contrato com a Metro Goldwyn Mayer para estrelar uma nova superprodução de Lawrence da Arábia. — Não, Klain. Não é isso que quero dizer. Você pode ser um excelente ator. Mas tenho certeza de que é mais do que isso. E, fato curioso, eu confiei em você desde o primeiro momento em que entrou por aquela porta. Creio que os hebreus devem ter confiado em Moisés dessa forma... — Que exagero, Doutora! Você confiou em mim porque precisava de acreditar em alguém. Seu subconsciente sabia que a situação que estava vivendo não era normal. Seu inconsciente revoltava-se contra isso e contra sua própria impotência dos fatos. Eu fui uma espécie de tábua salvadora, no meio do naufrágio. Você viu em mim um pouco mais de força do que você mesma possuía e sentiu-se imediatamente inclinada a confiar, a se entregar. Rosalyn Sallinger ficou pensativa, fitando o atlético playboy. — Talvez seja verdade, Horace — o tratamento mais íntimo surgiu também sem constrangimento, com naturalidade. — Tenho me sentido muito só. Como uma imperiosa necessidade de me apoiar em alguém. De ser protegida, acarinhada, não sei... Kirkpatrik deu um passo para ela e passou um braço pelos ombros da garota. — Eu entendo, Rosalyn. Pode confiar em mim. Eu a salvarei deste inferno — disse, acariciando-lhe a cabeça. O roupão de Rosalyn tinha voltado a abrir-se e os seios apareciam quase por completo, bem como uma faixa inteira do corpo, na frente, revelando uma pele macia e suave, um ventre liso e um triângulo escuro e perfeitamente — 65 —

desenhado, encimando duas pernas de contornos irrepreensíveis. Quando o braço de Kirkpatrik fez um movimento mais brusco, acariciando a assustada cientista, a toalha que ele havia preso na cintura soltou-se e caiu ao chão. O irresistível playboy ficou completamente nu, a poucos centímetros do corpo trêmulo de Rosalyn. Os olhos procuraram-se com avidez, fitando-se intensamente. As palavras estariam sobrando, se algum deles tentasse falar. No entanto, sem pressões, sem forças, os dois corpos juntaram-se, carne contra carne, e os lábios uniram-se num beijo longo e suave. As mãos de Kirkpatrik acabaram de desapertar o cinto do roupão e afastar a peça de banho, deixando a descoberto, inteiramente, o corpo magnífico da jovem cientista. Quando os lábios se separaram, os dois belos exemplares de macho e fêmea ficaram por alguns momentos olhando-se com força. Por fim, a boca de Kirkpatrik desceu pelo pescoço de Rosalyn, até os seios túrgidos e firmes. O impetuoso playboy levantou a bela garota nos braços e caminhou com ela até a cama. — Horace... — Não fale, amor — disse o excelente amante, depositando o corpo jovem e macio sobre a cama. Inclinou-se sobre ela e seus lábios baixaram uma vez mais sobre aquela pele morena, bebendo ali o néctar de um amor calmo, sem desespero, ao contrário do que tinha acontecido com Lane Kempton. — Horace querido... — sussurrou Rosalyn. — Preciso tanto de você, amor. Me beije muito, me aperte, me mate de amor, querido!

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O famoso playboy contemplou aquele corpo que se lhe oferecia. Os dois se uniram de novo, rolando sobre a cama, enquanto Rosalyn escutava, em algum ponto remoto de sua alma, o som de mil trombetas ecoando por paredes de prata. Mais tarde, recostados contra a cabeceira da cama, os dois jovens amantes fumavam um dos cigarros longos de Rosalyn, sem marca. A fumaça azulada formava pequenos círculos no ar, enquanto Kirkpatrik olhava, sem ver, o teto do quarto. — Já encontrou alguma saída querido? — perguntou Rosalyn. — Mais ou menos. Espero que dê certo, amor. Rosalyn ergueu-se um pouco e ficou apoiada num cotovelo, com o olhar ansioso fixo no do agente 77Z. — Tem que dar certo, Horace. A afirmação da jovem cientista não soava com muita firmeza. Era mais um desejo do que uma decisão. Kirkpatrik levantou-se rapidamente da cama e abriu as portas de um armário. — Será que existe aqui alguma roupa que me sirva? Não posso sair por aí deste jeito, pelado... — Não, Horace. Infelizmente, você é muito maior do que eu e receio que minha roupa não sirva nem em suas orelhas... O atlético agente olhou uma vez mais o corpo bem feito e pequeno da cientista e sorriu: — É verdade, bonequinha. Seu corpo é uma maravilha, mas em miniatura quase. Temos que resolver a parada de outro jeito. Pensou durante alguns instantes, acabando por sacudir a cabeça. — Não vejo outra solução mesmo. Terei que vestir a roupa do guarda, mesmo molhada. — 67 —

Foi até o banheiro e, minutos mais tarde, regressava vestido com a roupa do guarda morto, ainda bastante molhada. Rosalyn soltou uma gargalhada. — Você parece que acabou de atravessar o oceano, querido! — Não ria, senão eu faço você vestir uma roupa mais molhada do que a minha, sua gatinha diabólica. Ela conteve a gargalhada e, em seus lábios perfeitos, ficou apenas um sorriso de quase felicidade. — Muito bem, chefe — disse a garota, por fim. — Qual é esse plano sensacional? — Em primeiro lugar, boneca, é forçoso que você se vista. Assim, eu fico demasiadamente perturbado para poder pensar. Ela riu de novo e levantou-se. Quando passou junto de Kirkpatrik, o atraente playboy não resistiu e seus lábios desceram, rápidos, fechando-se em torno de uma das corolas rosadas dos seios. — :Pare, Horace... Assim não vamos sair daqui nunca mais — gemeu ela, sem muita convicção. Kirkpatrik reprimiu seu desejo de voltar a apertar aquele corpo nu em seus braços e fazê-lo gemer de angústia e prazer, afastou-se e esfregou o rosto. — Vamos, então. Vista-se rapidamente. Teremos tempo, mais tarde... Rosalyn pareceu um pouco decepcionada, mas logo o sorriso voltou a seus lábios, enquanto se encaminhava, ligeira, para o banheiro. Cinco minutos mais tarde, estava usando um conjunto de calça e blusa, marrons, tendo segurado o cabelo no alto da cabeça, num montinho gracioso. Tinha as faces

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levemente rosadas e aplicara um pouco de cor nos olhos negros. Estava linda. — E agora, Horace? — perguntou. — Muito bem. Eu vou provocar um pequeno incêndio. Enquanto isso, você se estende aí no chão, como se estivesse morta. Eu me juntarei a você quando tiver feito bastante fumaça para atrair os guardas. Tem por aí papéis que eu possa queimar? — Claro, Horace. Dentro dessa cesta, aí, têm muitos. Se não chegarem, dentro do armário há mais, novos. Pode destruí-los. Verei isso com prazer. Kirkpatrik fez um monte de papéis bem junto da porta e incendiou-os. Pouco depois, uma nuvem de fumaça começava a invadir o quarto, escapando-se parcialmente por debaixo da porta. Uma chave foi precipitadamente metida na fechadura e Kirkpatrik estendeu-se no chão, colocando a mão debaixo da toalha, com a automática engatilhada. Fora um erro de Kempton não ter procurado a arma. Esse erro iria lhe custar caro. Trinta segundos mais tarde, os dois guardas entraram no pequeno aposento, protegendo os olhos com os braços. — Estão ali! — disse um dos guardas. — Mortos ou desmaiados. Me ajude aqui! Os dois guardas aproximaram-se dos corpos de Kirkpatrik e Rosalyn. Debruçaram-se sobre eles, baixandose. O primeiro guarda nunca soube o que o atingiu violentamente na testa. A mão direita de Kirkpatrik subiu, vertiginosa, com a coronha da arma voando na direção da testa do homem mais próximo.

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O guarda foi projetado para trás e tombou de costas, com um fio de sangue escorrendo junto à linha dos cabelos. O segundo homem levantou-se rapidamente, percebendo seu erro, e tentou segurar a metralhadora na direção do prisioneiro. Kirkpatrik avaliou a situação em poucos segundos. Não lhe restava grande coisa a fazer. O guarda deveria ter ordens para abatê-lo se tentasse alguma coisa. Daí o rápido movimento para empunhar a metralhadora. Levantou uma vez mais a automática e apertou o gatilho. Depois do estampido, uma expressão de espanto apareceu no rosto do guarda, ao mesmo tempo que de um orifício negro, em sua testa, começava a jorrar sangue. Seus dedos abriram-se com lentidão, como se relutassem em soltar a metralhadora, e a arma acabou ficando pendurada no pescoço do homem, segura pela bandoleira. As pernas do guarda começaram a dobrar-se e, em poucos segundos, o homem jazia no chão, de rosto contra o cimento, formando uma poça de sangue. Rosalyn levantara-se e, sentada, tinha tapado a boca com as mãos, sufocando o grito que teimava em sair de sua garganta. O agente fora de série da CIA sacudiu-a pelos ombros e ela pareceu voltar à realidade. — Rosalyn, temos que sair daqui correndo. O tiro vai atrair outros guardas. A cientista balançou a cabeça, concordando e levantouse. Movia-se como um autômato, sem saber bem o que estava fazendo. Seus olhos procuravam afastar-se dos dois corpos estendidos no chão, no meio do sangue, mas uma força irresistível parecia atraí-los para lá. — 70 —

Kirkpatrik quase a arrastou para fora do quarto. Quando passaram a porta, um guarda, que estava de plantão uns cinquenta metros mais adiante, no extremo do corredor, vinha já correndo na direção deles. Kirkpatrik não esperou que ele se aproximasse muito. Quando o homem segurou a metralhadora, apontando-a para eles, o agente 77Z apertou de novo o gatilho da automática. O guarda abriu os braços e caiu para trás, recuando ainda até suas costas baterem contra a parede. Depois, foi deslizando lentamente, acabando sentado no chão, com a cabeça tombada para o peito. Em poucos segundos, Kirkpatrik estava junto dele. Retirou-lhe a metralhadora e passou a bandoleira por seu próprio pescoço. Quando a munição da automática se acabasse, ele recorreria à metralhadora. De repente, parou e um sorriso apareceu em seus lábios. — As portas deste corredor pertencem aos cientistas e outras pessoas sequestrados, como você e eu? — Pertencem. Estão aqui, nesta ala, seis homens e quatro mulheres. — Ótimo. Comece a experimentar as portas. As que abrirem, você entra e avisa rapidamente os outros que tudo foi uma farsa e devem se juntar a nós para sairmos daqui. Eu arrombarei as restantes. Apenas três portas estavam trancadas. Kirkpatrik rebentou as fechaduras com tiros certeiros e entrou. Dois desses quartos pertenciam a homens. Um era cientista, Raymond McDonald, britânico especialista em cibernética. O outro era técnico em energia nuclear, o americano Silent Boyd. A terceira porta era do quarto de Maggee Windsor, especialista em bacteriologia, canadense. Em poucas palavras, Kirkpatrik deixou-os ao corrente da situação. — 71 —

Vendo os restantes já no corredor, acompanhando Rosalyn, acabaram decidindo-se. Alguns deles empunharam os objetos mais contundentes que puderam encontrar. Pernas de cadeira, ferros das camas, pequenas facas. Com esse incrível exército de doze pessoas, Kirkpatrik avançou, mais confiante, pelo corredor, até a porta do final. Quando os guardas aparecessem, pelo menos os cientistas serviriam para os desorientar momentaneamente. Nesse instante, uma sirene de alarma começou a lançar para os ares o som estridente de seu silvo. Kirkpatrik parou e os outros imitaram-no. — Onde poderemos encontrar armas e munições? Algum de vocês sabe? — Na ala norte existe um depósito. Lá existem explosivos e armas — respondeu Raymond McDonald. — Fica ao lado da sala de computadores em montagem. — Ótimo. Como vamos para lá? — Precisamos passar essa porta, um salão de conferências e a casa da guarda. Não será fácil. — Vamos. Kirkpatrik pôs-se de novo em movimento, seguido pelo grupo decidido de cientistas. Chegaram na porta do final do corredor. Estava trancada, como era de se esperar. O agente fora de série da CIA gastou a última bala da automática num tiro certeiro, acabando com a resistência da grossa folha de madeira. O incrível exército passou a porta. Avançou por um pequeno corredor sem portas e acabou entrando na sala de conferências onde Kirkpatrik e os restantes membros da louca turma de Kempton haviam sido informados de sua “missão”. — 72 —

Ainda não tinham dado dois passos dentro da sala quando, pela porta da parede oposta, um grupo de uns dez guardas, armados de metralhadora alguns e automáticas os outros, irrompeu no salão. — Parem! — gritou um dos guardas. — Temos vocês sob a mira das armas!

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CAPÍTULO SÉTIMO Vencer uma batalha, não é ganhar a guerra O grupo liderado por Kirkpatrik estava à cerca de um metro do palco da sala de conferências. — Para trás do palco! Rápido! Todos os homens e mulheres se lançaram, como um só corpo, na direção do palco. Os guardas foram apanhados de surpresa. Não esperavam uma reação daquelas. Por isso, a primeira rajada de metralhadora que dispararam saiu tarde demais. Assim mesmo, um dos fugitivos soltou um grito, ao ser atingido por uma bala na perna. Caiu e arrastou-se, o mais depressa que pôde, para a proteção oferecida pelo palco. No instante em que estava tocando o chão, a metralhadora empunhada por Kirkpatrik começou a vomitar fogo na direção dos guardas. A primeira rajada atingiu três deles, nas pernas, fazendo-os gritar e soltar as armas. Uma das metralhadoras foi jogada violentamente para o alto, pelo guarda ferido. O impulso foi tão forte, que ela acabou deslizando pelo chão cimentado, parando a menos de um metro da perna ferida de Silent Boyd, o técnico em energia nuclear. — Boyd — disse Kirkpatrik. — Veja se consegue pegar essa metralhadora. — 74 —

O ferido gemeu e estendeu a perna sã, esforçando-se por chegar até a arma. Uma nova rajada partiu do lado dos guardas, entrincheirados junto da porta, na parede oposta do salão. Boyd gemeu mais alto, ao ser atingido por uma outra bala, dessa vez de raspão. Mas fez um esforço supremo e seu pé tocou a fita de munição da metralhadora. Rangendo os dentes, foi arrastando o corpo para o palco, trazendo, presa na ponta do pé, a arma. Quinze minutos mais tarde, três outros guardas apareceram, agora pela porta que ficava atrás dos fugitivos. Foi Boyd quem, revelando uma extraordinária presença de espírito, apesar dos ferimentos, empunhou a metralhadora que acabara de resgatar e apertou o gatilho. A rajada literalmente ceifou os três recém-chegados, provocando uma onda de gritos nas mulheres. — Meus parabéns, Boyd — disse Kirkpatrik. — Não sabia que tínhamos um atirador tão bom em nossas fileiras. — Não me pergunte como eu fiz isso — respondeu o técnico em energia nuclear. — Eu não saberia responder... O agente fora de série da CIA soltou uma gargalhada. Depois voltou sua atenção, de novo. para os guardas que ainda os sitiavam. — Vai ser difícil desalojá-los — sussurrou Kirkpatrik. — Temos que usar de astúcia. Olhou em volta e sorriu. — Maggee — disse para a canadense — vamos precisar de sua blusa... A cientista ruborizou-se, mas não protestou. Com movimentos rápidos, tirou a blusa branca e ficou apenas de sutiã. Passou a peça para o agente 77Z da CIA, que a amarrou no cano da metralhadora, como uma bandeira branca. — 75 —

— Nós vamos nos levantar lentamente — explicou o valente playboy. — Simularemos que estamos nos entregando. Alegaremos que Boyd está muito ferido e não pode erguer-se. No entanto, ele fica com a metralhadora em posição. Quando os guardas saírem daquela porta e derem alguns passos, vocês se abaixarão de novo, escondendo-se o melhor que puderem. Nesse instante, eu começarei a abrir fogo. Boyd — voltou-se para o ferido. — Você será capaz de se ajoelhar e disparar junto comigo? — Claro. Pode deixar. É a vida deles ou a nossa — respondeu o técnico nuclear com firmeza. — Ótimo. Preparados? Os onze fugitivos assentiram com a cabeça. Kirkpatrik ergueu a metralhadora com a bandeira branca improvisada acima do palco, deixando-a bem à vista. Uma rajada de metralhadora partiu da porta, arrancando pedaços da blusa branca. — Parem com isso! — gritou Kirkpatrik, quando os tiros cessaram. — Queremos nos entregar! Por um momento, o silêncio caiu sobre os dois grupos. Finalmente, um dos guardas falou: — Deixe ficar os braços levantados, Klain. Os outros que apareçam, lentamente e com as mãos para cima. Todos. E, você, solte a arma. Enquanto Kirkpatrik deixava a metralhadora tombar à sua frente, sobre o palco, e erguia as mãos, os restantes membros do absurdo exército de cientistas começaram a levantar-se com lentidão. Um minuto mais tarde, faltava apenas Boyd. — Está faltando um — gritou o guarda. — Queremos vê-los todos! — Silent Boyd está morto. Você acabara com ele há pouco — bradou o agente fora de série da CIA. — 76 —

Os guardas pareceram conferenciar durante quase dois minutos. Por fim, começaram a sair de trás da parede onde ficava a porta, avançando cautelosamente na direção dos sitiados. Havia seis em condições de andar. Um empunhava uma metralhadora. Os restantes levavam nas mãos as automáticas bem apertadas. Nos rostos, lia-se a determinação de matar, se preciso fosse. Estavam à cerca de quatro metros da porta, em campo aberto, sem possibilidade de fuga. Nesse instante, Kirkpatrik gritou: — Baixem-se! Rápido! Ao mesmo tempo que os dez cientistas se jogavam ao solo, protegendo-se atrás do palco, Kirkpatrik lançou-se para o lado, estendendo o braço e pegando a metralhadora com a blusa no movimento. As balas dos guardas perseguiam seu corpo com raiva. O agente fora de série da CIA rolou sobre si mesmo várias vezes. Quando parou, estava apertando o gatilho da metralhadora, vomitando fogo e chumbo sobre os seis homens. — Agora, Boyd! — gritou. Porém, a recomendação tinha sido desnecessária, porque o técnico nuclear já havia levantado a cabeça, equilibrando o corpo sobre os joelhos, auxiliado por Raymond McDonald, e o cano de sua metralhadora era sacudido pela violência das balas voando na direção dos guardas. A surpresa foi o fim dos inimigos dos fugitivos. Kirkpatrik deixou fora de combate quatro deles, com suas rajadas certeiras. Boy acabou com outro. O último guarda levantou os braços e soltou a automática. Mas era — 77 —

tarde demais. Boyd continuava apertando o gatilho e a metralhadora, em tiro contínuo, acabou ceifando a vida do sobrevivente. Mesmo quando já não restava um só guarda de pé, Boyd continuava disparando, com os dentes muito apertados. Kirkpatrik levantou-se com um salto e correu para ele. Sacudiu-o com violência e Boyd pareceu despertar do ataque de histerismo que o acometera. Soltou a metralhadora e deixou cair a cabeça para diante, apoiando-a no palco. — Pronto, amigo! — falou o agente 77Z, dando-lhe leves tapas no ombro. — Este pedaço já passou. Vamos sair daqui. O corpo de Boyd foi sacudido por um profundo soluço e o ferido acabou se endireitando. Com o auxílio de dois outros fugitivos, conseguiu levantar-se e começar a andar. Rosalyn apoiou-se em Kirkpatrik, pálida. As mulheres arrastavam os pés, com expressões de terror nos rostos. O quadro era demasiado violento para elas. — Por favor — falou Kirkpatrik, alto. — Que ninguém se lembre de desmaiar agora. Se alguém fizer isso, ficará aí. Não podemos perder tempo. Ninguém respondeu e continuaram a atravessar cautelosamente a sala. — Onde fica o escritório de Kempton? — No meio desse corredor da esquerda — falou Rosalyn. — Para a direita, ficam os laboratórios e o depósito de munições de que Raymond falou. — Vocês ficam aqui — disse o agente fora de série. — Me cubram, se houver perigo. Eu vou ver se nosso amigo está lá dentro. Os fugitivos assentiram e Boyd foi depositado no chão, com as costas contra a parede, já no corredor. — 78 —

Kirkpatrik avançou lentamente, colado à parede do corredor, acabando por deter-se diante de uma porta semelhante às outras. Só podia ser aquela. Assim mesmo, voltou-se para trás e, com um gesto, perguntou se era ali o gabinete de Kempton. Várias cabeças balançaram em concordância e Kirkpatrik sorriu. Colocou a mão na maçaneta da porta e torceu-a. A folha grossa de madeira abriu-se e ele empurrou-a com força. O quadro que se deparou diante dele era estarrecedor.

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CAPÍTULO OITAVO A câmara dos mortos vivos Kirkpatrik pestanejou duas vezes, custando a acreditar em seus olhos. Kempton estava de pé, com uma automática na mão. No chão, deitados de costas, com ferimentos mortais, encontravam-se dois homens. Um era Malcolm. Apresentava um orifício negro na testa, de onde escorria um fio de sangue. O outro era o Professor David Comserat. Tinha vários ferimentos no peito. — Louco! O que você fez? — bradou Kirkpatrik. — Ele matou Lane! Ele assassinou minha filha! Aparecendo por trás de uma enorme mesa de trabalho, os pés da filha de Douglas Kempton fizeram Kirkpatrik estremecer com violência. — Ele e Malcolm quiseram me passar para trás e sair fora do projeto. Usaram minha filha como escudo. Quando eu quis reagir, ele meteu uma bala nas costas de Lane — falou Kempton, com ódio. A automática continuava apontada para o cientista morto. Kempton rangeu os dentes e apertou o gatilho. O cadáver de Comserat foi sacudido pelo impacto da bala. Por fim, o percussor da automática emitiu um ruído metálico.

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Kempton insistiu ainda duas vezes, com uma careta de ódio, mas a arma não tinha mais balas. Raivoso, lançou a automática inútil sobre o morto, atingindo-o no rosto. Depois voltou os olhos para onde estava o cadáver da filha. Seguido atentamente por Kirkpatrik, Kempton deu alguns passos vacilantes. Chegou perto de Lane. Então soltou um grito pavoroso e saltou na direção de uma porta, à esquerda do escritório. Antes que o agente 77Z pudesse evitar, o assassino desapareceu pela inesperada abertura. Nesse instante, uma voz de mulher soou na porta: — Horace! Você está bem? Kempton tinha sumido e Kirkpatrik voltou a cabeça. Rosalyn Salinger correu para ele, abraçando-se a seu tronco, chorando. O agente fora de série da CIA, com o suor escorrendo pelo rosto, afastou-a suavemente e aproximou-se da porta por onde correra Kempton. A porta dava para uma escada, que subia para o andar térreo. Do louco assassino, nem sinal. — Vamos voltar para ajudar os outros, Rosalyn. Não podemos perder tempo perseguindo Kempton. Regressaram ao corredor. Os fugitivos apresentavam expressões ansiosas nos rostos sujos. Boyd gemia, com dores em ambas as pernas. — Vamos, amigos. Do escritório de Kempton sai uma escada que leva para cima. Subam-na e procurem sair deste inferno. — E você? — perguntou Rosalyn. — Eu tenho ainda um trabalho a fazer. — 81 —

O agente fora de série da CIA pegou três metralhadoras do chão, com as cintas de munição colocadas, e entregou uma para cada homem. — Não hesitem em usar isto, se mais guardas apareceram diante de vocês. Será a vida deles ou a de alguns de vocês... Os homens que receberam as armas assentiram e começaram a mover-se na direção do escritório de Kempton. — Eu fico com você — disse Rosalyn, com firmeza. — Nem pense nisso, boneca. Você vai com os outros. Não quero que lhe aconteça alguma coisa, agora que está quase em liberdade. — Não, Horace. Você não vai me impedir de acompanhá-lo até o fim, seja ele qual for. Havia tal determinação na voz de Rosalyn, que Kirkpatrik achou que não adiantava insistir. — Muito bem, valente! Pegue uma dessas automáticas e venha. Rosalyn apanhou uma das armas largadas pelos guardas mortos, parecendo ter medo que ela disparasse nas suas mãos. Pouco a pouco, no entanto, pareceu acostumar-se com o volume da automática, acabando por empunhá-la com relativa segurança. Kirkpatrik avançou pelo corredor, atravessou a sala de conferências e, pouco depois, encontrava-se diante da enorme janela da câmara de congelamento. Arrombou a porta e entrou na câmara. Aproximou-se lentamente das caixas de vidro que continhas os corpos congelados... Abriu a tampa da primeira e espreitou para dentro. Estava vazia! A segunda também. Rosalyn entendeu o que ele pretendia e falou: — 82 —

— Não adianta, Horace. Todas as caixas estão vazias. Foi nelas que nós fomos colocados, durante a farsa da hibernação. As restantes estavam reservadas às demais pessoas que deveriam vir ocupar seus lugares. — Quer dizer que não existe aqui mais ninguém, além do grupo de cientistas? — Existe, sim. Pelo menos mais cinquenta pessoas. São artistas, escritores, jornalistas, atletas, enfim, gente de grande valor em suas áreas de atividade. — Onde estão? — Nas celas do corredor onde você deve ter sido preso. — Então vamos para lá! Cinco minutos mais tarde, as celas tinham sido abertas. Havia ali quarenta e três pessoas, entre homens e mulheres. Não esperaram que a explicação fosse dada com todos os detalhes. Lançaram-se em correria pelo corredor, em direção à sala de conferências. Kirkpatrik e Rosalyn ficaram para trás. Neste instante, algumas rajadas de metralhadora soaram no andar superior. O incrível exército de cientistas tinha encontrado resistência, com certeza. Ficaram esperando, mais apenas duas outras rajadas se ouviram. Kirkpatrik passou um braço pelos ombros de Rosalyn e começaram a andar para o exterior. O pesadelo estava terminando. Estavam atingindo o corredor onde ficava localizado o escritório de Kempton, quando todo o edifício começou a ser sacudido por violentas explosões. — Os depósitos, Horace! Estão explodindo os depósitos! Nós vamos morrer aqui dentro!

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EPÍLOGO — Corra, Rosalyn! Temos que chegar ao andar superior antes que as explosões fechem a saída! — gritou Kirkpatrik. Correram na direção do gabinete de Kempton, atravessaram-no sem se deter e estavam chegando na porta quando a voz soou atrás deles: — Pare, Klain! Estou apontando uma arma para suas costas! O agente fora de série da CIA estacou de súbito, sentindo um arrepio percorrê-lo. Rosalyn soltou um gemido abafado e deteve-se também. Voltaram-se lentamente. Douglas Royce Kempton estava sentado atrás de sua mesa de trabalho, com um sorriso demente nos lábios e uma automática firmemente apontada para eles. — Você' está louco, Kempton? Saia daqui se quer salvar a pele. Essas explosões vão fechar as saídas em pouco tempo — gritou Kirkpatrik. — Eu sei disso, Klain. Mas não se preocupe. Não chegarão até aqui. Nós três iremos para a câmara de congelamento e entraremos em hibernação. Tudo está preparado, Klain. Por estes dias, começariam as verdadeiras sessões de congelamento. Assim, nós seremos os únicos que passaremos para a posteridade. Os sistemas são acionados por controle eletrônico, de forma que seremos despertados dentro de alguns anos, em perfeitas condições.

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O agente fora de série da CIA concluiu que Kempton estava irremediavelmente perdido. Sua loucura não o deixava ver a impossibilidade do que pretendia fazer. A Polícia devia estar chegando, a qualquer momento. Ele seria preso e as. instalações ocupadas. Mas Kempton não via nada disso. Apenas seu sonho louco contava para ele. — Não diz nada, Klain? E você, Dra. Sallinger? — Monstro! — bradou Rosalyn. Kempton soltou uma gargalhada demente e levantouse, dando um passo na direção de Kirkpatrik. — Klain, pegue minha filha e traga-a. Ela também será congelada. Quem sabe não acordará viva, daqui a cinquenta anos? — Não seja idiota, Kempton! Vamos tentar sair daqui enquanto temos tempo. — Cale a boca! Kirkpatrik amaldiçoou-se por não ter apanhado uma arma. Quando a metralhadora que levava ficou sem munição, ele a jogara fora. Rosalyn soltara sua arma para abrir as celas e não voltara a pegar nela. Estavam, pois, desarmados, diante de Kempton. — Vamos, imbecil! Faça o que eu disse — ameaçou o louco assassino, engatilhando a automática. Kirkpatrik deu um passo e baixou-se junto de Lane. O corpo da garota estava frio. Nada neste mundo a faria regressar à vida. Nem agora, nem dali a cinquenta anos. Lutando contra sua consciência, o agente fora de série da CIA fez a única coisa que lhe restava fazer. Segurou o corpo de Lane na sua frente, como um escudo, e começou a avançar para Kempton. — Pare! — gritou o louco. — Pare ou disparo!

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— Dispare, Kempton! Dispare e mate sua filha! Veja como ela olha para você! Aperte esse gatilho, imbecil! Vamos, assassino! Kempton recuou, com os olhos ameaçando saltar das órbitas. — Pare, Klain! Eu não quero matar minha filha! Pare! — Não, canalha! Eu não vou parar. Você terá que soltar essa arma agora mesmo, ou disparar contra Lane! Decidase, Kempton! Kirkpatrik continuou avançando e Kempton recuando. O rosto do louco era uma máscara horrenda de ódio e desespero. — Pare, Lane! Pare! Eu apenas quis dar a você um mundo melhor... Por favor, Lane... Pare! Eu não quero machucar você... Mas o corpo de Lane não se deteve. Kirkpatrik continuou avançando inexoravelmente, levando o cadáver seguro pelas axilas, na sua frente. — Não, Lane! Kempton apertou o gatilho e a bala entrou no peito de Lane, à altura do seio esquerdo. O corpo foi sacudido pelo impacto e quase se soltou das mãos do agente da CIA. — Lane! Minha filha! O que eu fiz com você, Lane? Antes que o agente fora de série pudesse entender o que se ia passar, Kempton voltou o cano da automática para sua própria cabeça e apertou o gatilho duas vezes sucessivas. A primeira bala entrou pelo olho direito de Douglas Kempton, matando-o imediatamente. A segunda foi atingir o teto, desviada já pela queda do corpo. Kirkpatrik saltou de lado, largando o corpo de Lane, que tombou sobre o do pai. Nesse momento, começaram a soar, bem perto deles, as sirenas da Polícia e dos bombeiros. — 86 —

— Vamos sair daqui, Rosalyn — disse o agente 77Z. — Nada mais podemos fazer. Arrastou a jovem cientista para fora. Quando começavam a subir os degraus que levavam ao andar térreo, o corpo de Rosalyn amoleceu e os joelhos dobraram-se. Sua resistência chegara ao fim. Kirkpatrik segurou-a antes que caísse no chão, e com ela nos braços chegou ao átrio de entrada do palacete, no momento em que a Polícia invadia a área diante da casa. *** Oito dias se tinham passado sobre a explosão violenta que acabou com oitenta por cento do subsolo do palacete de Douglas Royce Kempton. A Polícia pouco pôde recolher do material científico que existia nos laboratórios. Dos sequestrados, apenas um saiu ferido e outro perdeu a vida no último embate com os guardas de Kempton. Foi necessário pedir reforços de transporte para levar toda aquela gente para os hospitais. A maioria estava em estado de choque. Só uma pessoa não foi encontrada: o ator Horace Klain. A cientista Rosalyn Sallinger declarou à Polícia que a última recordação que tinha de Horace era do momento em que se sentira desfalecer na escada que saía do escritório de Kempton. Mais tarde, acordara já numa ambulância, a caminho do hospital. Além de Horace Klain, a Polícia deu pela falta, também, de uma pesada moto que um guarda deixara na entrada do terreno de Douglas Kempton.

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*** — A Metropolitana quer saber como a moto da Polícia foi parar junto de minha casa, Horace — disse Mr. Lattuada, saboreando o bourbon com gelo que havia sido preparado pelo jovem e atlético Horace Young Kirkpatrik, presidente da K.K.K. Steel. — E eu é que vou saber disso, chefe? O rosto de Kirkpatrik era da maior ingenuidade e inocência. — Bem, creio que terei de soprar umas palavras ao ouvido do Capitão Reynolds, da Metropolitana, a respeito dessa moto... Os dois homens soltaram uma gargalhada. — Será que posso saber, agora, como as coisas se passaram, Horace? — perguntou Mr. Lattuada, quando parou de rir. — Apenas fui informado de que a Polícia, numa ação fulminante, conseguiu resgatar todos os desaparecidos, incluindo uma equipe completa de cientistas. Estes afirmaram que tinham seguido a liderança de um jovem ator de cinema, de nome Horace Klain. No entanto, a Metropolitana insiste em que todos teriam morrido na violenta explosão que destruiu quase por completo o palacete de Douglas Kempton, se não tivesse havido a ação pronta e eficiente da Polícia e dos Bombeiros. — Eles disseram isso, chefe? — perguntou Kirkpatrik, com ironia. — Disseram, sim. Além de comunicarem a todas as patrulhas o roubo de uma moto. Os jornais, mais tarde, informaram a morte trágica de Horace Klain, entre os escombros da explosão. Seu corpo não foi encontrado, presumindo-se que esteja soterrado. — 88 —

— Então, Mr. Lattuada, se eles já apresentaram todo o serviço feito, por que eu devo perder mais tempo? — Mas foi assim que as coisas se passaram? Não me parece que essa história esteja muito bem contada... — Não sabe que é muito feio e perigoso desmentir as autoridades deste triste país? — Ei! — interrompeu o chefe do Departamento 77. — Que negócio é esse de triste país? — Ora, chefe... Foi uma expressão que ouvi de alguém que adora o gelo. Ou melhor, adorava. Espero que, onde ele se encontra agora, possa realizar seu sonho de hibernação. — Muito bem, Horace. Vamos deixar de brincadeira. O que aconteceu realmente? — Um dia eu lhe contarei, chefe. Até farei um relatório escrito, se quiser. Mas não agora, por favor. — Por que não, Horace? Eu que tenho que justificar os movimentos de meus agentes, ainda que eles não sejam oficiais... — Porque vim aqui apenas para recolher uma informação. — Que informação? — Preciso saber onde se encontra a Doutora Rosalyn Sallinger... Mr. Lattuada ficou olhando para o irresistível playboy, acabando por balançar a cabeça, com um sorriso paternal. — Você não muda mesmo, hem, Horace... Não tem jeito — depois de uma pausa, escreveu alguma coisa em um papel e estendeu-o a Kirkpatrik. — Está aí. Nesse hotel. Mas não sei se quererá recebê-lo. Está muito abatida. — Deixe comigo, chefe. Kirkpatrik levantou o copo e, antes de acabar o bourbon, tocou o de Mr. Lattuada, brindando:

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— À paz eterna de Horace Klain, um dos melhorase artistas dramáticos que apareceram neste país. Beberam em silêncio. Quando Mr. Lattuada ia falar de novo, o atraente playboy estava já na porta, sorrindo: — Até a vista, chefe. Missões mais altas me chamam neste instante. *** Kirkpatrik parou diante do balcão da recepção. — Boa-tarde, senhor. Em que posso servi-lo? — perguntou o recepcionista, com um sorriso. — A Dra. Rosalyn Sallinger, por favor. — Lamento, mas ela não pode receber ninguém. Está repousando. Deve ter lido nos jornais a aventura dramática que ela viveu e... — Mas quer fazer o favor de informá-la de que eu estou aqui, amigo? — Desculpe, cavalheiro, mas tenho ordens, dela e da própria Polícia, para não anunciar ninguém. O homem parecia irredutível. Mas Kirkpatrik não era do tipo de desistir. Nem quando as coisas pareciam bem mais difíceis ... Uma nota dobrada, colocada disfarçadamente entre os dedos do recepcionista, fez o seu sorriso voltar, prestativo. — Como eu lhe disse, não estou autorizado a anunciar ninguém e não quero problemas com a gerência, nem com a Polícia. No entanto, talvez o senhor possa me fazer um favor. Chegaram algumas cartas para a Dra. Sallinger e, como não tenho aqui nenhum boy... — Pode deixar, amigo. Eu mesmo as levarei. Qual é o número? — 90 —

— Suíte 312, senhor... Kirkpatrik pegou as cartas que o recepcionista tinha na mão e encaminhou-se para os elevadores. Cruzou-se com vários boys e seus lábios abriram-se num sorriso, lembrando-se da força de uma boa gorjeta. Diante da porta da suíte 312, um guarda uniformizado parecia observar com atenção uma mosca que pousara no teto alto do corredor. Kirkpatrik não contara com aquele obstáculo. Sorriu e avançou para o policial. Compôs uma expressão alarmada e foi falando, ainda antes de se deter diante dele. — Sargento... — arfou. — Estão assaltando a recepção. Três homens armados renderam os detetives do hotel e as pessoas que estavam no hall e insistem em levar todo o dinheiro que... O guarda não esperou que ele terminasse. Sacou a arma de serviço e correu para as escadas. Descendo por ali, teria ótimas possibilidades de surpreender os marginais. Sua promoção estava garantida! Kirkpatrik sorriu abertamente quando o guarda desapareceu pelas escadas, numa corrida cautelosa. Voltou-se para a porta da suíte 312 e compôs o sorriso mais sedutor que existia em seu arsenal. Bateu com os nós dos dedos e esperou. Um minuto depois, a porta abriu-se e o rosto pálido de Rosalyn Sallinger apareceu pela abertura. — Eu disse que não queria ser incomodado por ning... — começou a bela cientista. Parou, de súbito, abrindo muito os olhos e a boca. — Horace! Horace Klain! — Correspondência urgente para a Doutora Sallinger — disse Kirkpatrik, sem abandonar o sorriso. — 91 —

Rosalyn pegou-lhe por um braço e puxou-o para dentro da suíte, trancando a porta. — Horace! Por onde tem andado você? Graças a Deus que está vivo, amor! Vejam só! Horace Klain, aqui! Agora que começara a falar, Rosalyn parecia incapaz de se calar. Para ajudá-la, Kirkpatrik passou-lhe um braço pela cintura e colou sua boca na dela. Era o único jeito de impedir que as palavras e a respiração ofegante da cientista continuassem jorrando. Quando o beijo ardente terminou, Rosalyn afastou-se um pouco perguntou: — Que aconteceu com você, Horace Klain? Todo o mundo chorou sua morte entre os escombros. — Perdão, Doutora, mas deve estar havendo um engano. Meu nome é Horace Young Kirkpatrik, sou presidente de um consórcio de usinas de aço e é a primeira vez que a vejo... — Horace, Horace! Aos outros você poderia enganar. Mas não a mim. Eu reconheceria sua boca, seus olhos verdes e seu corpo de Apoio entre um milhão de homens. — Mas, Doutora... — Horace, querido! Não estou nem um pouco interessada em saber o que aconteceu com Horace Klain. Contendo-me com um Horace qualquer, desde que seja você. E tanto me faz que ele seja um ator de Hollywood ou um milionário industrial. Me beije, por favor! Kirkpatrik não se fez de rogado. Seus lábios acariciaram os dela por alguns instantes, com suaves mordidas naquela boca vermelha, cujos lábios tremiam de excitação.

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Suas mãos experientes desceram para o cordão do robe que ela estava usando e, logo, para as alças da curta camisola de dormir. Quando o corpo pequeno de Rosalyn Sallinger ficou exposto à claridade do quarto, Kirkpatrik pegou-a no colo e andou, com ela, para a cama. Acabava de depositá-la no leito, quando soaram batidas imperiosas na porta. — Doutora Sallinger! — ouviu-se uma voz. — Sou o guarda de plantão. Responda, por favor. — Nossa! O guarda! Me salve de novo, querida! — exclamou Kirkpatrik. A bela cientista passou o roupão pelos ombros e abriu a porta da suíte. — Estava repousando, agente. Que aconteceu? — Um estranho apareceu aqui e me disse que estavam assaltando o hotel. Fui lá embaixo e era mentira... — E o que eu tenho a ver com isso? — Pensei que fosse um estratagema para entrar em seus aposentos, Doutora. Não... — Em meus aposentos, senhor agente, não entrou ninguém — interrompeu a cientista. — Agora posso continuar repousando? Pensei que tinha recebido ordens para não me incomodar... — Bem... claro, claro! Se está tudo em paz, queira aceitar minhas desculpas. O guarda perfilou-se, fez uma leve inclinação depois e voltou as costas, indo ocupar de novo seu posto. Rosalyn trancou a porta e regressou ao quarto. — Horace! Onde está você, querido? Olhou a cama. Estava vazia. Não havia nem sinal de Kirkpatrik. Nesse instante, um leve ruído veio do banheiro. — 93 —

Rosalyn correu para lá e estacou, na porta. Kirkpatrik estava ali, nu, dentro da banheira. — Foi numa situação destas que eu vi seu corpo lindo pela primeira vez, boneca. E cheguei à conclusão de que não tratei você muito bem, nessa ocasião. Vamos tentar de novo? Estendeu a mão para Rosalyn, que avançou para ele, com as faces ruborizadas e um brilho estranho no olhar. — Bobo! — sussurrou, deixando-se cair, de costas, sobre o corpo nu do irresistível agente fora de série da CIA...

FIM

A seguir: ME AME, DEPOIS ME MATE. Excitante aventura em que o agente 77Z quase se deixa liquidar nas garras de uma poderosa rede de espiões e nos braços de uma loura provocante. Não perca!

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