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SÉRIE: 77Z VOLUME: 51 TÍTULO: AVENTURA EM BROOKLIN AUTOR: TONY MANHATTAN ILUSTRAÇÃO DA CAPA: BENÍCIO EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1974 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: PÁGINAS: 128
SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL
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apresenta
Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem qualquer relação com nomes ou personalidades da vida real: Qualquer semelhança terá sido mera coincidência. Publicação no Brasil: 1974 Copyright © Editora Monterrey Ltda. Proibida a reprodução no todo ou em parte
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AVENTURA EM BROOKLIN TONY MANHATTAN
Capa de BENICIO
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PRELÚDIO Os acontecimentos que deram início a toda a trama, dessa vez, tiveram início num grande edifício-garagem situado na Rua Smith, esquina da Rua Pacific, no Brooklin, não muito longe do cais do East-River. O pequeno carro azul chegou, sem despertar maior curiosidade, e foi estacionar tranquilamente ao lado de um grande carro preto. Eram cinco e meia da tarde. Nenhum dos ocupantes dos carros se mostrou e, logo, o elevador começou a movimentar-se, levando os dois veículos, lado a lado, até o quinto andar. Depois da lenta subida, quando o elevador parou, um homenzinho nervoso e apressado saltou do carrinho azul e, olhando de um lado para o outro, apressou-se a atravessar a plataforma e a entrar no carro preto. Mal a portinhola se fechou, o homenzinho suspirou, aliviado. — E então? — indagou um dos ocupantes do grande carro preto. — Que nos tem a contar? O homenzinho, nervoso, revirava na boca um toco de charuto apagado. Era um velho hábito seu. Depois de fumar os charutos, ainda permanecia com a bagana revirando entre os lábios, o que lhe produzia uma saliva grossa e malcheirosa que, de quando em quando, ele cuspia para um lado com estrondo.
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Aquele hábito fora do comum valera-lhe o apelido pelo qual era conhecido por todos: Buck “Bagana de Charuto”. Mas Buck já se acostumara ao apelido e não parecia se molestar com ele. Outro dos três homens que se encontravam no interior do carro preto falou, dirigindo-se ao homenzinho com cara de rato: — E então, Buck? Vai cantar ou não? Não podemos ficar aqui o resto do dia, à espera de que você se decida! Se você tem interesse em livrar a cara... — Eu sei... eu sei... — gemeu o homenzinho, enquanto seus olhinhos aflitos corriam de um rosto para outro. — Mas... eu tenho muito receio... Muito mesmo! — Receio de quê? Não é esta a primeira vez que você nos presta informações! — Eu sei... eu sei..., mas... Outro homem falou, com um sorriso de mofa: — Mas teme que seja a última, não é? Vocês todos são iguais! Tomam as decisões e, depois, põem-se com melindres e receios de velha solteirona... Vamos! Desembuche de uma vez! Não temos tempo a perder! Os três homens, que apertavam Buck “Bagana de Charuto” naquele momento, eram membros do FBI e tinham ido ao encontro marcado porque o “rato-de-cais” prometera lhes dar os nomes dos chefes do contrabando de drogas. O FBI estava trabalhando em colaboração com o Bureau Federal de Narcóticos. Um dos agentes impacientou-se: — Se você pretendeu se divertir à nossa custa, fique sabendo que pagará muito caro por isso! O FBI não pode perder tempo com vagabundos da sua espécie e os covardes não nos agradam nem um pouco!
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— Eu sei — gemeu o homenzinho, executando malabarismos com a bagana entre os lábios finos. — Eu sei... mas é perigoso! Muito perigoso! — Você já sabia disso quando nos propôs este encontro e, de mais a mais, você, em troca, ficará impune! E olhe que você tem estado metido em alguns delitos bastante graves! Terá que se virar um bocado, para limpar a barra! — Sim, sim. Eu sei... eu sei..., mas... Os olhos miúdos e negros do marginal corriam de um lado para outro, enquanto a bagana de charuto continuava sua estranha dança, na boca do homenzinho. — E então? — rugiu um dos agentes, com a fisionomia fechada. — Vai começar a cantar? Já disse que não temos tempo a perder! — Sim, sim. Eu... vou fazer o que prometi... Outro detetive suspirou. — Ainda bem! E olhe que já não é sem tempo! O “rato-de-cais” ajeitou-se nervosamente, cuspinhou para o lado e, respirando profundamente, começou a falar, em voz baixa, como se as palavras lhe saíssem a muito custo por entre os lábios. Os três homens, fisionomias graves e atentas, ouviam o relatório do marginal. Tão atentos estavam que, quando um estranho pipocar teve início, mal tiveram tempo de esboçar um gesto de defesa. “Râ-tá-tá-tá”! Uma descarga de metralhadora vinda do alto, rasgou o teto do imenso carro preto e também atingiu o carrinho azul. Parecia uma chuva de chumbo quente. Os agentes do FBI, de imediato, viram que tinham sido apanhados numa armadilha e trataram de revidar o ataque.
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Na mesma hora, saíram do carro, com armas na mão, e começaram a atirar, a esmo, para cima de suas cabeças. Mas só por milagre poderiam ter êxito. Do alto, as balas choviam vertiginosamente, vindas não se sabia de onde. Um grito, um corpo que se contorcia... e um dos agentes caiu, morto, sobre a prancha de ferro do elevador. “Rá-tá-tá-tá”! Nova saraivada de balas e os outros dois, contorcendo os corpos numa estranha dança macabra, também caíram, varados pelo chumbo quente. Trêmulo e sem um pingo de sangue no rosto, Buck “Bagana de Charuto” saiu do imenso carro preto. Na mão direita, empunhava uma automática, que logo deixou cair em cima da plataforma. Apavorado, viu os homens com quem falava momentos antes, caídos entre poças de sangue. O matraquear das metralhadoras havia cessado, mas aquele silêncio era bem mais aterrador do que o ruído que se ouvira pouco antes. Era um silêncio de túmulo. Os olhinhos negros perscrutando o alto do edifício, a bagana de charuto dançando nervosamente na boca, o “ratode-cais” procurava, em vão, localizar o inimigo oculto. Silêncio. Terrível silêncio. Silêncio de morte. Por fim, os nervos do marginal pareceram explodir. De joelhos, começou a berrar a plenos pulmões: — Ouçam! eu não disse nada! Estava enganando os tiras! Eu não sou um traidor! Juro por tudo que não dei o serviço! Juro! Juro, estão me ouvindo? Eu juro... Com a voz entrecortada de soluços, e ali de joelhos sobre o sangue que escorria, o marginal calou-se e a bagana de charuto caiu de sua boca trêmula e rolou para um lado.
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Novamente o silêncio prenunciador do mal. Apenas o silêncio, denso, pesado, ameaçador. Os olhinhos negros corriam de um lado para outro, sem localizarem o inimigo. Era como se o chumbo quente tivesse vindo do próprio silêncio. Os lábios tremiam, descontrolados, e um tique nervoso fez com que o olho esquerdo do delator começasse a tremer. Sua boca novamente se abriu, num grito angustiado. — Por Deus! Eu... eu não cheguei a falar! Juro como não falei! Façamos um acordo! Eu aceitarei qualquer coisa, mas não me matem! Por Deus! Não atirem! Aquelas palavras pareceram irritar ainda mais os atacantes silenciosos. Súbito, o matraquear recomeçou e, com o corpo crivado de balas, o homenzinho girou sem direção e estatelou-se na chapa de ferro, com o rosto terrivelmente convulso e os olhos pretos fitando o nada, numa última expressão de terror. Pelo canto de sua boca escancarada escorria uma baba, misto de sangue e saliva marrom. Estava morto. Vagarosamente, o elevador começou a descer, trazendo os dois carros destruídos pelas balas da metralha e os corpos atingidos pelas mesmas. O mecânico que manobrava a subida e descida do elevador tinha os olhos arregalados pela surpresa. — Meu Deus! — gritou para os colegas. — Eram tiros mesmo o que ouvimos! Houve uma carnificina! Logo se estabeleceu uma grande confusão. Todos queriam ver o que se passava. Os empregados, e muitos clientes do edifício-garagem, corriam de um lado para outro. Alguém lembrou: — A polícia! É preciso chamar a polícia imediatamente!
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— Sim! A polícia! Alguém pegue o telefone! Chamem a polícia! Uma correria tremenda. Homens, ao mesmo tempo curiosos e apavorados, se acotovelaram em frente ao elevador com sua carga macabra. — Não adianta chamar a ambulância! Estão todos mortos! Um pequeno elevador de serviço acabava de chegar ao térreo naquele instante e, dentro dele. saltaram dois homens muito parecidos um com o outro, tanto fisionomicamente como na maneira de se vestirem. Ambos trajavam ternos escuros, muito bem cortados, chapéu, luvas, meias e sapatos pretos. Como dois agentes funerários. Contudo, cada um deles portava uma caixa de instrumento musical, em vez da pasta preta comum aos “papa-defuntos”. Um dos homens sobraçava uma caixa de violino e outro, um estojo de violão. Aparentemente, não passavam de dois inofensivos músicos profissionais. Sem se perturbarem, eles também se aproximaram do aglomerado humano e constataram a morte dos quatro homens. Depois, abrindo caminho por entre os curiosos, ganharam a rua. Sem se apressar, caminharam pela calçada até à próxima esquina, onde os aguardava estacionado um carro verde. Os dois homens abriram as portas do carro e entraram, acomodando seus instrumentos no banco traseiro. Depois, um olhou para o outro, que estava ao volante. — Creio que nada mais temos que fazer por aqui, não é? — Sim. Quanto mais depressa sairmos de circulação, tanto melhor. Missão cumprida, camarada! — Tudo aconteceu como estava em nossos planos.
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O que estava sentado à direção girou a chave e pôs o motor em movimento. O carro verde partiu maciamente, afastando-se do local. Atingida a primeira rua transversal, o veículo continuou a marcha, a uma velocidade razoável, e logo se perdeu por entre o trânsito intenso das ruas da cidade. Entretanto, as sirenas dos carros da polícia e da assistência aproximavam-se estridentemente do edifíciogaragem onde ocorrera o tiroteio. Dos carros saltaram vários homens uniformizados, uns de azul marinho e outros de branco. Num abrir e fechar de olhos, os homens da lei afastaram os curiosos e desimpediram o recinto. Um médico, acompanhado por um enfermeiro, aproximou-se dos corpos caídos, examinou um por um e, por fim, pronunciou-se: — Estes três estão mortos. Mas aquele ali ainda vive. Depressa! Providencie a remoção do ferido! Vamos tentar salvar a vida do pobre homem! O enfermeiro partiu correndo e, pouco depois, regressava, trazendo uma maca, seguido por um colega. O médico acenou para eles. — Carreguem-no com todo cuidado! Ainda vive, mas seu estado é grave! Vamos tentar salvá-lo. Com todo cuidado, as mãos experientes dos enfermeiros ergueram o corpo de ura dos agentes do FBI e o colocaram na maca, que levaram para a camioneta branca do hospital. O médico acompanhou-os de perto e entrou no veículo, ao lado do ferido, enquanto dava outras ordens: — Depressa! Vamos para o hospital à toda! Talvez cheguemos a tempo de lhe salvar a vida!
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A sirena da ambulância cortou o ar, sobrepondo-se ao ruído do tráfego, que ficava mais intenso ao cair da tarde. Os últimos raios de sol incidiam sobre os edifícios, colorindo tudo de um tom alaranjado. Era o crepúsculo que se aproximava. Com o findar do dia, tinha início mais um caso policial, no grande bairro de Brooklin.
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CAPÍTULO PRIMEIRO A nova geração do crime Três dias depois dos trágicos acontecimentos do edifício-garagem, Horace Young Kirkpatrik estava em seu gabinete de trabalho, no arranha-céu da Av. Duquesne, em Pittsburgh, onde ficava a sede da “K.K.K. Steel Ltd.”, a grande empresa siderúrgica norte-americana. A pele queimada de sol do jovem playboy contrastava com seus cabelos louros e longos, ligeiramente frisados na nuca. Apesar de ser o presidente da empresa, ele não tinha a aparência de um homem de negócios. O cinza-azulado do elegante terno que vestia combinava discretamente com o cinza-cobre de seus olhos frios e, por baixo do talhe elegante da roupa caríssima, podia-se adivinhar um corpo atlético, bem desenvolvido pelos exercícios e prática dos mais variados esportes. Principalmente o Karatê. Embora pouca gente soubesse disso, Horace Young Kirkpatrik, além de multimilionário e playboy internacional, era um agente fora de série do DCA (Departament Of Couvert Activity), uma seção da CIA dedicada a sequestros, raptos e assassinatos políticos. Seus nomes de guerra eram ‘‘Máscara Negra” ou “Andróide”. Assim como ele também era o não menos famoso agente 77Z de outra seção especializada da CIA.
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O playboy examinava, com displicência, alguns papéis que sua secretária (a solteiríssima Miss Ventura Marble) colocara à sua frente, momentos antes. Súbito, o interfone chamou. — Sim? — indagou o presidente da “K.K.K. Steel”, em tom impessoal. Do outro lado, a voz seca da solteirona fez-se ouvir: — Ligação de Washington. Um tal Mr. Smith. Diz que é urgente. Que é que o senhor acha? — Pode completar a ligação — respondeu Kirkpatrik, interessado. — Eu sabia! — A voz da solteirona soou ainda mais azeda. — Não é a primeira vez que esse “Mister Smith” telefona para cá! Para Miss Marble, uma chamada de Washington significava grandes farras com mulheres e bebidas, pois, toda vez que o playboy falava com aquele personagem desconhecido, partia em mais uma de suas inexplicáveis “viagens de negócios” ... A ligação foi completada e, logo, Kirkpatrik recebia instruções: — Você deve vir imediatamente até aqui, meu caro! Temos assuntos de grande importância a tratar! — Eu já estava mesmo começando a sentir cócegas — respondeu o playboy, sorrindo. — Partirei imediatamente, chefe. — Ótimo! Estaremos à sua espera! Desligando o telefone, o circunspecto presidente da “K.K.K. Steel” comprimiu o botão do interfone e, uma vez mais, soou a voz de Miss Marble: — Já mandei reservar passagem para Washington. No próximo avião da carreira.
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— Como é que sabia que era isso que eu ia lhe pedir? — indagou o playboy, divertido. — Tenho uma bola de cristal — resmungou a solteirona. E prosseguiu. — Por quanto tempo terei de ficar à frente de tudo? Uma semana? Kirkpatrik suspirou. — Está aí uma boa, uma excelente pergunta, minha prezada Miss Marble..., mas para a qual ainda não tenho resposta. Posso demorar um dia, um mês ou um ano... Quem sabe lá o que lhe reserva o destino? — E sorriu. Do outro lado, a voz seca da solteirona soou em tom de censura: — Se todos os homens de negócios agissem assim, o país estaria à beira do caos! — Acontece, minha querida, que nem todos os homens de negócios têm a ventura de ter por secretárias outra Miss Ventura Marble... Você é única, sabia? A comunicação foi cortada e, enquanto se levantava e amontoava os papéis a um canto da mesa de trabalho, Kirkpatrik sorria, satisfeito consigo mesmo. E refletia: “Coitada! Jamais se habituará em ver nas minhas constantes viagens outro motivo que não seja uma farra das grossas... Ah! Como são pervertidos os cérebros das mulheres que se esquecem de casar!”. Uma hora depois, o milionário Horace Young Kirkpatrik partia num avião da carreira e, mal chegado a Washington, dirigia-se para a sede da CIA, em Langley. A pesada porta de carvalho trabalhado do “Velho” se abriu, dando passagem ao playboy. — Olá, Horace! Você chegou mais depressa do que eu esperava! Kirkpatrik deixou a porta fechar-se sozinha.
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— Deve dirigir seus agradecimentos a minha eficientíssima secretária, Miss Ventura Marble, que, entre outras coisas, possui uma bola de cristal e adivinha meus desejos... O velho indicou uma poltrona estofada. Não havia mais ninguém na sala. — Sente-se. Aceita um drinque? — Não. Pela maneira como me falou ao telefone, adivinho uma situação embaraçosa. Quero ter a mente sem nuvens, para tomar conhecimento do novo caso. De que se trata? — indagou o playboy, refestelando-se na confortável poltrona de couro marrom e cruzando as pernas. — Creio que este caso merece a intervenção do “Máscara Negra” — disse o Velho. — Existe um bando de gangsters em ação, no Brooklin, que ameaça a tranquilidade e a paz mundial. — Como? — interessou-se o agente fora de série. — Um simples bando de gangsters pode ameaçar a paz mundial? — E de que maneira! — tornou o Velho, que era um homem baixo e gordo, usando óculos de grossas lentes. E prosseguiu. — Imagine você que se trata de uma nova organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas, sequestros e chantagens! — Como, de resto, o são todas as organizações lesse tipo — comentou o playboy. — A Máfia não é novidade. E os gangsters de Brooklin também não. — Acontece, porém — prosseguiu o Velho que os nossos amigos de agora foram um pouco mais longe. Eles ofereceram, ao que apuramos, seus serviços tanto à União Soviética como à China Popular, para trabalharem em espionagem e tornarem vulneráveis as defesas norteamericanas! Imagine você se isso tem cabimento!
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O louro agente fora de série soltou um assobio, enquanto se erguia e dava alguns passos sobre o tapete macio da sala. Depois, comentou: — Sem a menor dúvida, trata-se de um bando bastante singular... — Sim! Trata-se de gangsters modernos e avançados, que são dirigidos por um Chefão, um novo Big-Boss, que ninguém sabe quem é! Calcule você, meu caro Horace, que os bandidos se aproveitam dos negros e dos porto-riquenhos para darem seus golpes! Eles sabem, como ninguém, explorar a revolta dessas minorias étnicas. Trata-se de uma organização terrível que nada respeita. Sendo ainda mais fria do que os sanguinários mafiosos, essa nova geração do crime tomou conta do Brooklin! São eles, agora, os donos de todo o jogo, das casas de prostituição, da venda de drogas etc. etc.! Todas as atividades ilegais estão nas mãos dessa quadrilha, que se dá a si mesma o nome de “A Alegre Sociedade”! — A Alegre Sociedade — repetiu Kirkpatrik. — É um nome e tanto para uma entidade com tais fins. Um nome e tanto! Esses cabeludos devem ser uns grandes gozadores! O Velho calou-se, por algum tempo, acendeu um charuto e logo prosseguiu: — O FBI estava no caso e tentava, por todos os meios, descobrir a identidade do Chefão, sem nada conseguir. Acontece que, há três dias, um gangster ligado à Alegre Sociedade... um elemento sem grande importância, marginal de quinta categoria, especialista em roubar mercadorias do Cais de Brooklin... ofereceu-se para denunciar seus comparsas, mediante o pagamento de meio milhão de dólares e um passaporte para a Suíça. Está me seguindo? — Estou. E o FBI topou a parada?
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O Velho gemeu. — Como não topar? Meio milhão de dólares é uma ninharia, em comparação com os danos que a tal Alegre Sociedade pode nos causar! Os “federais” toparam de cara e marcaram um encontro com o marginal, em um edifíciogaragem situado na esquina das Ruas Smith e Pacific... — E o homenzinho, à última hora, roeu a corda? — Não. Ele compareceu ao encontro marcado, mas, quando começava a falar, uma rajada de metralhadora, vinda do alto do edifício, atingiu os homens que estavam no interior de um carro e no elevador, que parara no quinto pavimento. Kirkpatrik ficou sério. — Morreram todos? — Não. Todos, não. Apenas o marginal e dois dos agentes. Um terceiro escapou com vida e encontra-se internado no Hospital de Pronto-Socorro de Brooklin. — Creio que já percebi tudo — falou Kirkpatrik, sorrindo outra vez. — O Máscara Negra deve entrar em ação imediatamente, para descobrir tudo a respeito da gang, não é isso? O caso tem ligações políticas... — Exatamente! Você precisa não só descobrir a verdadeira identidade do Chefão, como também desbaratar todo o bando, antes que os patifes comecem a fornecer informações políticas e militares aos comunistas! O caso, agora, tornou-se um problema político e, por esse motivo, o Departamento de Justiça pediu o auxílio da CIA. E eu apelo para você. — Muito bem. Entrarei em ação imediatamente! — Calma. Por onde pretende começar? O louro playboy tez uma careta.
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— Ainda não tenho um plano traçado..., mas creio que vai ser preciso dar um mergulho bem fundo no basfond de Brooklin. É lá que] deve estar o começo da meada. Ou não? — Sim. Nesse caso, você não tem tempo a perder. Como sempre, você tem total liberdade de ação, mas não se esqueça de que estaremos ansiosos para obter alguns informes que nos possibilitem ajudá-lo em qualquer emergência. Não desapareça sem dar notícias. Sabe onde quero chegar. — Não tenha esse receio, chefe — sorriu o playboy. — Prometo que serei um agente bem-comportado... Como sempre, aliás. — Pois sim! Eu conheço muito bem seus hábitos! Você parece que se diverte em desafiar o perigo! Gosta de agir sozinho sempre que pode. Mas não se esqueça de que a união faz a força! E a nossa agência tem um pouco mais força do que imagina a sua vã filosofia... — Frases feitas, chefe! Frases feitas! Nada mais do que isso! O Velho se mostrou ofendido. — Muito bem! Você é quem sabe! Todo cuidado é pouco! Estamos lidando com gente fria e perversa! Gente mais perigosa do que a velha Máfia, não. se esqueça! — Deixe tudo por conta do “Andróide”, chefe... E Kirkpatrik apertou a mão do Velho. Depois, enquanto se dirigia para a porta, ainda fez um último comentário: — O Máscara Negra também é muito mais perigoso do que a Máfia... e, para usar um dos citados dos quais o senhor tanto gosta: Duro com duro não faz bom muro! E saiu, deixando o chefe do DCA sorridente, soltando uma longa baforada de seu Havana aromático. Sim, “duro com duro não faz bom murro” ... E o Velho tinha cinquenta razões para confiar no seu agente predileto.
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CAPÍTULO SEGUNDO O capo mafioso Romanelli Ao sair do escritório do Velho, Kirkpatrik rumou para o aeroporto, onde, de uma cabina telefônica, já havia mandado reservar passagem para Nova Iorque. Sua intenção era, antes de mais nada, avistar-se com o G-Man que estava internado no Hospital do Pronto-Socorro de Brooklin. Usando de suas prerrogativas, o agente especial do DCA não encontrou empecilhos em entrevistar-se com o ferido, que ocupava o leito de um dos quartos particulares do hospital. — Você se acha em condições de ter uma conversa comigo? — indagou Kirkpatrik, sentando-se numa cadeira, à cabeceira da cama onde repousava o doente. — Recebi um excelente tratamento e creio que ainda não é desta vez que eu embarco — sorriu o moreno agente do FBI. — Sim, claro. Que é que você quer saber? Kirkpatrik aproximou mais a cadeira do leito, onde o homem se encontrava, e deu início a uma série de perguntas, em voz baixa. Pouco a pouco, foi tomando conhecimento de todos os detalhes da aventura em que o outro se metera. — Como vocês entraram em contato com Buck “Bagana de Charuto”?
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— Nós já o conhecíamos de longa data. Buck era um pequeno marginal, um rato-de-cais. Mas quem estabeleceu um contato definitivo entre nós e ele foi um mafioso pertencente à Cosa Nostra. — E onde se encontra esse agente da Máfia? — Trabalha no cais de Brooklin e está em liberdade condicional, atualmente. Buck “Bagana de Charuto” também fez parte da Cosa Nostra, mas passou-se com armas e bagagens para o bando da Alegre Sociedade. — Quem é o camarada da Máfia? O homem olhou com simpatia para o atlético louro que tinha diante de si. Parecia ler, nos olhos do agente fora de série da CIA, a determinação que sempre pautara seus atos. — O homem chama-se Gene “O Rato”. Ser fácil localizá-lo. Diga-lhe que você é um do nossos, do FBI, e creio que ele lhe prestará algum serviço. Esses camaradas não têm lei nem mora estão sempre dispostos a trair os companheiros para obterem alguma recompensa. Principalmente, quando quem lhes faz a oferta são agentes da lei. No fundo, eles nos respeitam muito. Kirkpatrik apertou a mão do homem e, depois de agradecer-lhe a colaboração prestada, apressou-se a deixar o hospital. Não demorou muito a localizar Gene “o Rato” no Cais do East-River. — Quem... quem lhe indicou meu nome? — indagou o homem, apavorado. — Eu não sei de nada! Não quero encrencas comigo! — Deixe de tolices, rapaz! Meus colegas do FBI me garantiram que foi você quem os apresentou a Buck “Bagana de Charuto”. Certo? — Sim, fui eu. E por isso mesmo estou apreensivo! O que aconteceu com Buck... naquele edifício-garagem...
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— O que aconteceu com ele não é culpa sua. Buck, certamente, não soube ser discreto. Não tomou todas as precauções necessárias e, por isso, foi descoberta sua traição. Os homens prudentes sempre vivem muito tempo... — Não! A Alegre Sociedade tem muito olhos! Eles tudo veem e tudo sabem! Ê muito arriscado traí-los! Eu não sei de nada! De nada! O homem falava atropelando as palavras e olhava para todos os lados como se estivesse à espera de que surgisse uma legião de demônios, a qualquer momento, em sua perseguição. Tinha a testa porejada de suor frio. Suas mãos, de dedos longos e nodosos, tremiam como varas verdes e ele, para disfarçar o tremor, tratou de escondê-las nos bolsos da calça. Ensaiou uma retirada, mas, quando voltava as costas para o agente fora de série da CIA, foi fortemente agarrado pelas mãos possantes do playboy, que quase o ergueu do chão. O bandido gemeu: — Por favor! Não faça escândalo! Não chame as atenções sobre nós! Aqui existem muitos olheiros e... A voz do “Máscara Negra” soou, ameaçadora: — Se tem tanto medo de ser apanhado em falta pelos elementos da Alegre Sociedade, trate de ajudar-me! Caso contrário, eu o levarei preso ostensivamente. Nós faremos com que corra a notícia de que você se deixou prender para dar o serviço mais à vontade, longe do cais... Depois de alguns dias, nós o poremos na rua e você terá de se explicar com o bando... É isso o que você quer? Um tremor terrível se apossou de todo o corpo do esquelético indivíduo. Sua voz soava estridente e desafinada e o rosto revelava todo o pavor que sentia naquele momento: — Não! Não podem fazer uma coisa destas comigo! Afinal de contas, eu já os ajudei uma vez, quando estabeleci
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contato entre vocês e Buck “Bagana de Charuto”! — Devem-me esse serviço... — Não estamos negando. Mas precisamos uma vez mais de sua ajuda. Se se recusar a prestá-la, já sabe! E Kirkpatrik ainda lhe deu uma sacudidela, antes de largá-lo. O suor descia pela testa do homem, empapandolhe os cabelos ralos. Seus olhos, assustadíssimos, percorriam a extensão do local em que se encontrava. Por fim, falou: — Está bem! Eu farei o possível para ajudá-lo. Mas será a última vez! Depois disso, não me peça mais nada! Que deseja saber? Kirkpatrik suspirou. Tinha vencido a parada. — Antes de mais nada, quero que você me diga quem foi que executou aquele trabalhinho lá no edifíciogaragem... — Quem... quem o quê? — gaguejou o infeliz. — Você me entendeu muito bem — rosnou Kirkpatrik, tomando-se implacável. — Quem executou Buck “Bagana de Charuto” e os nossos agentes? — Foram... os irmãos Kurian! — Irmãos Kurian? Quem são eles? — Chamam-se Bóris e Volódia Kurian. São gémeos, de descendência russa. Eles se encarregam de todos os serviços daquela espécie. São... como direi?... os carrascos da Alegre Sociedade. Executam toda série de trabalhos sujos. Todos os temem. — Muito bem — tornou Kirkpatrik. — E como posso entrar em contato com seus colegas da Máfia? — Como? Da Máfia? Mas eu pensei que estivesse interessado na Alegre Sociedade!
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— E estou. Mas tenho por hábito dar voltas longas, para chegar ao ponto que desejo. Quero, antes de mais nada, fazer contato com alguém da Cosa Nostra. — Bem... eu acho que posso apresentá-lo ao meu Capo Mafioso. Kirkpatrik não pôde ocultar o seu interesse. — Quem é ele? — Chama-se Giuseppe Romanelli e pertencia à “Família” que operava em Brooklin, mas foi expulsa pela “Alegre Sociedade”. — Quais são as atividades atuais desse tal Romanelli? — quis saber Kirkpatrik. Gene “O Rato” voltou a olhar ao redor. Depois: — Ele chefia o pessoal que age no cais. Pequenos trabalhos... Furto de mercadorias... Nada de grande monta... Os tempos mudaram muito, depois que a Alegre Sociedade se apossou de tudo. Pouco restou para os outros. O “Máscara Negra” acenou compreensivamente. — E onde posso encontrar esse seu amigo? — Ele tem uma lancha aqui perto. Nós o encontraremos lá mesmo. Se o senhor quiser me acompanhar... — Muito bem. Mas, antes de mais nada, precisamos traçar um plano. Você, por certo, não vai querer chegar diante de Romanelli e dizer que sou um agente do FBI... — Nem pensar em semelhante coisa! Seria mais fácil eu mesmo dar um tiro nos miolos! — Pois, então, vamos combinar tudo. Você me apresentará como um turista irlandês... Meu nome será... vejamos... O’Hara. Isso mesmo: Michael O’Hara, de Dublin. Dirá que estou precisando de trabalho e que, por isso, você resolveu me levar até ele... Combinado?
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— Sim... E agora, vamos sair daqui! Eu o levarei a Romanelli e, em troca, vocês me deixarão em paz! Prometido? — Vamos andando — ordenou Kirkpatrik, sem se incomodar em responder à indagação do outro. E os dois puseram-se a caminho, por entre os volumes do cais. *** A lancha era bastante ampla, embora estivesse muito maltratada. Via-se logo que os mafiosos estavam atravessando uma crise. “Caixa baixa — pensou o “Máscara Negra”. — Os tempos são outros...” Gene “O Rato” saltou para dentro da lancha e guiou Kirkpatrik por uma pequena e suja escadinha, que levava à cabina central. — Cuidado com a cabeça, O’Hara... Ao entrarem, depararam com um indivíduo de idade indefinida e grossas sobrancelhas ruivas. Seu rosto lembrava a máscara de Lúcifer. O homem olhou para os recém-chegados e, sem se erguer da cadeira em que se encontrava, indagou: — O que há, Rato? Quem é esse sujeito? Que vieram fazei aqui? O marginal, trêmulo, aproximou-se um pouco mais, torcendo o sujo chapéu nas mãos, enquanto falava. — Este aqui é Michael O’Hara, de Dublin. Um velho amigo meu... — E daí? — rugiu o outro, impaciente. Kirkpatrik pigarreou:
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— Creio que será melhor eu mesmo falar — disse ele, adiantando-se. — Venho de Dublin, onde as coisas não têm corrido muito bem para o meu lado... Estava à cata de um trabalho qualquer... Sou bom no gatilho. Se quiser, pode fazer uma experiência. — Bom no gatilho! — ruminou o homem ruivo. — Um pistoleiro, quer você dizer? Um matador profissional? — Sim. Isso mesmo. Estou disposto a aceitar qualquer serviço que me dê algum rendimento... O capo Mafioso Romanelli acenou. — Pois saiba que veio bater na porta certa! — E, olhando para Gene “O Rato”, vociferou: — Pare de tremer e de torcer essa porcaria de chapéu! Você, depois de velho, está ficando frouxo? Eu e o amigo aqui já nos entendemos! Já vi que estou falando com um cara competente! — Ainda bem — suspirou o homem magro. — Quer dizer que não fiz mal em trazê-lo? — Não. Fez muito bem. Precisamos mesmo de gente decidida! Poltrões como você encontram-se às dúzias vagabundando pelo cais! — Muito bem, Romanelli... E agora... bem... eu gostaria de... Se você não se importar... Gene “O Rato” tremia da cabeça aos pés. Romanelli deu um murro na mesa, com seu grosso punho fechado, enquanto berrava: — Raspe-se daqui! Estou farto de seus faniquitos! Mais parece uma solteirona histérica do que um mafioso! Sumase! Imagine se o Padrinho soubesse disso! Gene “O Rato” não esperou segunda ordem. Desapareceu tão rápido como se se houvesse desintegrado no ar. O “Máscara Negra” deu uma risadinha.
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Voltando à sua calma natural, Giuseppe Romanelli fitou Kirkpatrik por alguns momentos, antes de voltar a falar com sua voz grave: — Você tem boa aparência e poderá ser muito útil. Mas, antes de dar a última palavra, terei de apresentá-lo ao “Padrinho”. Suponho que você saiba como é a nossa família” ... — O “Padrinho”? Quem é ele? — Tudo a seu tempo. Logo, logo, você o conhecerá. Iremos ao encontro dele num restaurante localizado na Rua Mott, em Manhattan. Suponho que você também já tenha ouvido falar em Chinatown... E, sem parecer se importar com a presença do gigante louro, Giuseppe Romanelli pegou no maço de cartas e começou a espalhá-las sobre o tampo da mesa, armando um jogo de paciência. Ali estava, sem a menor sombra de dúvida, um dos antigos elementos da Cosa Nostra. Um homem acostumado a tratar com toda espécie de canalhas e pistoleiros. Um homem para quem os cadáveres nada significavam... Kirkpatrik sorriu para si mesmo. Faltava-lhe, ainda, uma situação daquelas, em sua carreira de agente fora de série da CIA. Faltava-lhe fazer parte de uma “Família” de mafiosos... Agora, ali estava ele, prestes a ser apresentado ao Padrinho. Quem diria? Horace Young Kirkpatrik, de playboy internacional e presidente da “K.K.K. Steel”, passara a membro da Cosa Nostra... O “Máscara Negra”, o “Andróide”, o agente especial 77Z iniciava a sua carreira de pistoleiro Cavacos do ofício!
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CAPÍTULO TERCEIRO Um Padrinho saudosista Em companhia de Giuseppe Romanelli, Michael O’Hara (ou seja, Kirkpatrik) seguiu para a Rua Mott. O Capo mafioso não tinha carro e foram de táxi. Quinze minutos depois, tinham chegado a seu destino. A Rua Mott localiza-se no Bowery e começa no antigo Bairro Chinês de Nova Iorque. Embora, atualmente, Chinatown não mais exista, o lugar ainda é um verdadeiro antro de malfeitores. Enquanto se encaminhavam para o restaurante do Padrinho, Romanelli dava algumas indicações a O’Hara: — Salvatori Magaldi, atualmente, está com oitenta anos, mas ainda é o chefe supremo da Cosa Nostra em Brooklin, onde sempre viveu e de onde foi expulso pela nova geração de gangsters da Alegre Sociedade. Agora, ele habita o sobrado de seu bar-restaurante, aqui mesmo na Rua Mott. E é daqui que controla toda a “família”. Pelo telefone, é claro. Ou, então, quando recebe a visita de seus Capos... — Quer dizer que ainda existe uma “família”, apesar da ação dos gangsters da Alegre Sociedade? — quis saber Kirkpatrik. — A Cosa Nostra não desapareceu de todo? Romanelli sorriu, orgulhoso. — Não. Seria preciso muito mais do que a incursão de gangsters avançados, para pôr fim à Cosa Nostra! É bem
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verdade que os membros da Alegre Sociedade tomaram conta do jogo, da prostituição e do roubo organizado, mas sempre ainda sobra alguma coisa para a Cosa Nostra... — E, mudando de tom. — Chegamos. É naquele sobrado, ali em frente, que Magaldi vive. Vamos entrar! Você terá que deixar a pistola na entrada. Os dois homens foram revistados por dois italianos, que lhes tomaram as armas, e galgaram rapidamente os degraus de madeira que conduziam ao sobrado. Bateram a uma porta e, como não obtivessem resposta, Romanelli apressou-se a dizer: — Certamente, Magaldi está lá embaixo no restaurante. Por que Luciano e Antônio não nos avisaram? Os dois homens tornaram a descer e penetraram no restaurante, quase deserto àquela hora. — Ali está ele — disse Romanelli. De fato, o velho Salvatori Magaldi ali se encontrava, confortavelmente instalado, em frente a uma mesa, onde se via um antiquíssimo aparelho de chá, herança dos velhos bons tempos. Salvatori Magaldi era uma figura impressionante. Alto e ainda robusto, para a sua idade avançada. As maçãs de seu rosto eram de um rosado que lembrava as bochechas de um recém-nascido e os cabelos, muito brancos e lisos, caíamlhe teimosamente em caracóis sobre a testa ampla. Dois olhos azuis e matreiros fitavam os visitantes, enquanto o velho falava pausadamente: — Ora viva, Romanelli! Que ventos o trazem a este retiro? Romanelli, à maneira dos antigos mafiosos, tomou respeitosamente a mão direita do velho, onde cintilava um valiosíssimo brilhante, e beijou-a com respeito. Só depois é que falou:
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— Vim trazer o meu amigo Michael O’Hara, para que conhecesse o meu querido Padrinho... — Ah, sim? — indagou o velho, fazendo um exame no outro rapaz que tinha à sua frente. — E o que é que o seu amigo pretende de mim? Certos favores, hoje em dia, estão se tornando mais difíceis... — Ele está à procura de emprego. Sabe manejar muito bem uma arma e eu pensei... — Não precisa dizer mais nada. Nos dias que correm, homens hábeis no manejo de arma vão se tornando raros. Já não é como nos bons tempos, onde cada componente dc um bando era um verdadeiro artista... O’Hara, não é? O’Hara... — Sim, senhor — respondeu Kirkpatrik. avançando dois passos. — Michael O’Hara, de Dublin... O velho tornou a examiná-lo de alto a baixo. Seus olhinhos azuis perscrutaram o fundo dos olhos cinzentos do “Máscara Negra”, que não desviou a vista, enfrentando o olhar severo que o Padrinho lhe dirigia. O velho sorriu, depois de algum tempo. Parecia tranquilizado. — Muito bem, rapaz. Gosto de homens que olham de frente para mim. Via de regra, são valentes e decididos. E são, também, sinceros. Quem não sabe sustentar o olhar de um outro homem é porque é dissimulado e traiçoeiro. Você tem um belo porte, não resta dúvida... Parece um daqueles dos bons tempos! Que arma prefere? Kirkpatrik, que usava luvas de pelica branca no momento, meteu a mão direita sob a axila e exibiu a sua pequena Mauser 22, com silenciador. — Seus discípulos me tomaram o Colt, na entrada. Na verdade, eu uso esta, que sempre passa despercebida... Os olhinhos do velho faiscaram. — Uma arma e tanto! E muito bem cuidada, pelo que posso ver... Se quer saber de uma coisa, gostei do detalhe
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das luvas e do silenciador. Um homem prevenido tem sempre maiores chances... Luvas evitam impressões digitais... Você promete, rapaz! Sentem-se! Aceitam uma taça de chá? É a minha bebida predileta... Coisas de velho... A tensão que existia até aquele momento se desfez. O convite do velho, para que os dois homens se sentassem à mesa com ele e saboreassem uma xícara de chá, significava que ficara satisfeito com o exame do hóspede. Romanelli tinha ficado apavorado, ao ver que seu companheiro continuava de posse de uma arma, mas logo se acalmou. Ele e Kirkpatrik sentaram-se em cadeiras confortáveis, de espaldar alto, bastante diferentes das demais cadeiras do restaurante, àquela hora quase vazio. A mesa de Magaldi ficava no fundo do salão. O velho serviu os dois homens (coisa que era uma verdadeira honra) e, enquanto remexia com uma colher de prata a sua própria xícara, falava tranquilamente, os olhos perdidos na distância: — Ah, meus caros! Os tempos são muito outros. Agora, já é raro um jovem decidido querer unir-se à honrada família da Cosa Nostra... Via de regra, são uns porcos cabeludos que falam uma língua que não é a nossa, vestem roupas quase femininas e são viciados em tóxicos. Longe vão os tempos em que um membro de nossa família se portava e se trajava como um homem da mais alta sociedade! Paletó, colete, gravata e chapéu... E roupas de cores sóbrias. Ninguém poderá dizer que viu, algum dia, um Lucky Luciano, um Al Capone, ou mesmo um Dillínger, trajando roupas espalhafatosas ou mesmo em desalinho! E eles escreveram suas histórias a bala! Tudo muito mudado... Já nem apelamos para o juramento de sangue, como antigamente... Não vale mais nada, agora que os homens dão mais valor ao dinheiro do que à palavra empenhada e
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vendem-se como mercadorias de feira! Está tudo anarquizado, meus caros! Kirkpatrik ouvia as palavras do Padrinho respeitosamente, enquanto fazia mentalmente uma relação de tudo. Ali estava um raro espécime da velha Mafia. Sua presença impressionava, como se um halo especial envolvesse a figura do velho... Era um homem grande e simpático e, quem o visse conversando, ou mesmo caminhando por uma das ruas da grande metrópole, jamais pensaria que aquele ancião austero e simpático fosse o Chefão de uma “família” da Cosa Nostra. Salvatori Magaldi tinha razão: os tempos haviam mudado, realmente. O velho prosseguia, sem se apressar: — A geração de hoje é fria, egoísta e sangüinária. Por isso, nós, os antigos donos da situação, perdemos algum terreno. Eu, por exemplo, estou prestes a me aposentar. A vida de hoje já não me proporciona tanto prazer como antigamente. Sinto-me cansado e, por que não dizer, de certa forma desmoralizado! O Termo é esse: desmoralizado! — Não fale assim, Padrinho — protestou Romanelli, com voz fraca. — Mas se é essa a verdade, “menino”! Eu e meus afilhados fomos praticamente expulsos de Brooklin e a Alegre Sociedade controla tudo, do outro lado do EastRiver! Fui forçado a abandonar meu escritório, em Brooklin, e a refugiar-me aqui, na porcaria da Rua Mott! Mas. antes de retirar-me, ainda pretendo causar alguns estragos entre o pessoal da Alegre Sociedade! Tenho um plano, no qual talvez possa aproveitar o seu amigo... Como é mesmo o seu nome? Não, não me diga! Deixe que a minha memória se esforce... O’Hara, não é isto? Sim, Michael O’Hara! Eu já ouvi esse nome não sei onde...
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E, sorrindo para Kirkpatrik: — Quando se passa dos setenta, é preciso manter a memória em eterno exercício; caso contrário, os assuntos se misturam, os nomes e as palavras nos escapam e aí, então, é o caos! Eu me prezo de ter tido sempre uma memória excelente e não vão ser alguns anos a mais que a farão desaparecer! Exercício, “meninos”! Eu sempre digo: o exercício é o melhor remédio! Mas, voltando ao que eu dizia: talvez possa utilizar você, O’Hara, num “servicinho” que tenho em mente. “Servicinho” é maneira de dizer... — Estou à sua inteira disposição — falou Kirkpatrik, em tom respeitoso. — Qual é o “trabalho”? O velho deu uma risada e suas bochechas rosadas balançaram. Depois, prosseguiu, com voz séria: — Sempre ouvi dizer que, quando se corta a cabeça da serpente, ela está aniquilada. Pois bem! O que pretendo, é justamente liquidar os chefes da Alegre Sociedade! Não posso me conformar com o fato de negociarem com drogas, coisa com a qual a Máfia jamais lidou, ou, se lidou, foi apenas para alcançar algum fim diferente, abandonando logo o terreno, depois de atingir o alvo que pretendia. Drogas, não! E, além do mais, não concordo em absoluto com o fato do pessoal da Alegre Sociedade estar disposto a trabalhar como agente dos russos e dos chineses! No bom tempo de Lucky Luciano, os mafiosos ajudavam o Ocidente e não o Oriente! Talvez vocês não saibam disso, mas foi a Máfia quem ajudou os americanos a desembarcarem na Sicília, durante a segunda grande guerra! Nunca nos metemos em espionagem! A favor dos russos, quero dizer... O velho fez uma pausa, durante a qual saboreou um grande sorvo de seu magnífico chá. Depois, semicerrando os argutos olhinhos azuis, voltou a cabeça na direção de Kirkpatrik:
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— Você me serve, meu filho. E vou lhe dar uma tarefa bastante importante, para começo de carreira. Já vi que você não está propriamente começando... — Não desejo outra coisa senão provar a minha capacidade — redarguiu Kirkpatrik — Qual é o “servicinho”? O saudosista Magaldi respondeu com voz doce: — Você terá que executar John “Caveira” Richmond, um dos chefes da Alegre Sociedade! O “Máscara Negra” não demonstrou a menor emoção. — E como poderei encontrá-lo? — inquiriu, com voz fria. — Não será difícil. Mas deverá usar a máxima cautela! John “Caveira” Richmond dirige um cassino clandestino, situado nos fundos de um hotel de luxo, em Coney Island. Eu já fui proprietário daquele hotel. E mandava no jogo, também. Mas os tempos são outros, O’Hara... os tempos são outros... Pois bem! Seu primeiro trabalho, para nossa família, será esse: executar 'John “Caveira” Richmond! Romanelli lhe fornecerá as demais explicações necessárias. O preço do trabalho dependerá da limpeza da execução. Mas nós não somos avarentos... E, com um gesto de mão, o velho despediu os dois homens. Romanelli beijou-lhe, uma vez mais, a mão, enquanto a alva cabeça pendia para um lado e ele começava a ressonar. Também devia sofrer de dispepsia, além de sofrer de saudade... Seguindo Romanelli, Kirkpatrik deixou o restaurante, na ponta dos pés, para não perturbar a madorna do ancião... Na saída, os dois italianos devolveram-lhes as pesadas pistolas.
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Já na rua, Giuseppe Romanelli deu duas fortes batidas nas costas do louro playboy, enquanto falava, sorridente: — Você é mesmo um homem de sorte, O’Hara! Logo no primeiro serviço, é destacado para eliminar um chefão! Isto prova a confiança que você despertou no Padrinho! Com John “Caveira” Richmond, só duas coisas podem suceder a você. — Quais? — Ou você o elimina e ganha as boas graças do velho, ou não consegue fazê-lo e, então... ele mesmo se encarregará de eliminá-lo, poupando-nos o trabalho. E peça a Deus para morrer de vez, porque os aleijados sofrem muito... — Uma excelente alternativa, não resta a menor dúvida — sorriu Kirkpatrik, com o pensamento ausente. A mente privilegiada do “Andróide” começava a funcionar, no corpo do pistoleiro Michael O’Hara...
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CAPÍTULO QUARTO Morte no cassino clandestino Nos fundos do “Happy Hotel”, perto do Luna Park de Coney Island, John “Caveira” Richmond, trajando um impecável smoking, vigiava a sala de jogo, através de um circuito fechado de televisão. John Richmond era um homem alto e magro, um rosto de pedra que parecia ter sido esculpido a talhadeira, olhe» frios e alguns fios de cabelos brancos nas têmporas. — Tudo legal, Nick — disse ele. A seu lado, de pé, estava Nick Nichols, seu lugartenente. Ao contrário de John “Caveira” Richmond, Nick era um sujeito atarracado e mais para gordo. Vestia-se também com bastante esmero e ostentava em uma das mãos um espalhafatoso anel de ouro com chuveiro de brilhantes. — Tudo legal, chefe — respondeu ele, com voz untuosa. Súbito, uma luz vermelha se acendeu, no alto da grossa porta de entrada do gabinete, ao mesmo tempo que soou uma pequena cigarra. — Veja quem é — ordenou o chefe ao seu capanga. Nick foi até à porta, que abriu deixando entrar uma loura muito bonita, de andar gingado. A mulher caminhou com elegância até perto da mesa, atrás da qual estava sentado John Richmond. Este olhou friamente para ela.
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— O que é que você deseja desta vez, Linda? Ao se debruçar sobre a mesa, a moça exibiu metade de seus seios grandes e agressivos. — Ouça, John... Eu assinei alguns vales... — Eu sei — retrucou o homem, apanhando um maço de papéis em cima da secretária. — Aqui estão eles. Veio saldá-los, minha querida? Seus olhos estavam grudados no decote da loura. — Não. Não é isso. Eu... para falar a verdade, estou em grandes dificuldades financeiras... Joguei alto e perdi! Agora... agora... — Agora, não tem com o que pagar, não é isso? E o olhar de John “Caveira” Richmond passou a percorrer, lascivamente, todo o corpo escultural da moça. Devorava-a, mentalmente. — Sim, John. Eu... eu quero que você me dê um prazo maior. Se fizer isso, poderei arranjar o dinheiro para pagarlhe... O homem sorriu sadicamente. . — E se eu não conceder o prazo que me pede? A moça ficou desorientada. Perdeu o autocontrole e sua voz quente tornou-se aguda. — Você não vai fazer isso, não é, John? Eu não saberia o que fazer! Eu... oh, John! Por favor! Dê-me apenas mais quinze dias! Não sei o que fazer! John “Caveira” Richmond sorriu enigmaticamente. — Não sabe o que fazer? Pois eu lhe digo, minha querida. Quem foi o idiota que disse que você não tem com o que resgatar sua dívida para comigo? Tem, sim, minha querida! Tem e muito! Basta decidir-se... está bem? A loura semicerrou os olhos azuis. — O que é que você está pretendendo sugerir, John?
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— Vamos, vamos! Você não é nenhuma boneca de cabeça oca, que eu sei! Já entendeu perfeitamente aonde eu quero chegar! Não é a primeira vez que abordamos o assunto... — Entregar-me a você? É isso? Mas você sabe perfeitamente que eu pertenço a Ivan Koniet! Ela parecia mais ofendida do que indignada. — Sei disso — sorriu o gangster. — E sei, também, que Ivan Koniet é um rico industrial de Brooklin... Já que você não parece disposta a aceitar a minha sugestão, por que não pede a ele o dinheiro para saldar a sua dívida? O telefone está aí mesmo. Vamos! Ligue para seu amiguinho e peçalhe para mandar o dinheiro! Aceito mesmo em cheque! Vamos! O que está esperando? — Você sabe perfeitamente que eu jamais faria uma coisa dessas! — Nesse caso, eu mesmo posso telefonar para ele, contando o fato e pedindo-lhe que salde a dívida por você. Você não lhe pertence, boneca? — Você está blefando, John! Não teria coragem de fazer o que diz! — E por que não? — Por quê? Ora, John! Francamente, eu... eu não espero que você seja tão sujo! O rosto de Richmond se transtornou e ele ergueu-se, disposto a esbofetear a loura; mas, nesse momento, olhou para o monitor da TV e viu que estava acontecendo alguma coisa fora do comum, no salão de jogo. Fez um sinal para o seu capanga. — Nick? O gordo aproximou-se. — Chefe?
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— Veja quem é aquele camarada alto que está discutindo no salão de jogo! Traga-o aqui, se for preciso! Depressa! Não quero que um tumulto estrague a nossa boa sorte desta noite! Vá agora mesmo, está bem? Sem perda de tempo, Nick Nichols deixou a sala e foi executar as ordens do chefe. Com o pensamento voltado para o assunto mais imediato, John “Caveira” Richmond voltou para sua cadeira, parecendo esquecer-se da loura. Esta recuou dois passos, na expectativa. Pouco depois, Nick regressava, conduzindo um louro atlético pelo braço. — Aqui está o homem, chefe. Estava discutindo por causa de dinheiro. Parece que não quer pagar o que perdeu. Ele disse que, se o virassem de cabeça para baixo, não cairia um centavo! — Muito bem! E pensa, por acaso que isto ui é alguma casa de caridade? — Um momento — pediu o louro, que outro não era senão Kirkpatrik. — Meu nome O’Hara! Mike O’Hara! Trabalho para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Washington! Posso assinar vales que pagarei pois! Eu quis dizer que não tenho dinheiro o... John “Caveira” Richmond recostou-se mais confortavelmente na cadeira de braços, antes de ar. Depois: — Como conseguiu entrar aqui, O’Hara? — Comprei a entrada! — sorriu o louro. — Com dinheiro tudo se consegue. E eu cheguei há algum... — Bem — sorriu John “Caveira” Richmond. Quem sabe se conversando não chegamos a um acordo? Trabalha no Departamento de Defesa Estados Unidos, não é? Deve ganhar uma gaita, hem?
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— Isso mesmo. Ganho mais do que mereço. O gangster virou o rosto. — Nick? — Sim, chefe? — apressou-se a responder o bandido gordo. — Leve essa pequena para outro sento. Depois que terminar com Mr. O’Hara, falarei com ela. Cada coisa a seu tempo, este poderá resgatar os vales em troca de suas próprias bem? Linda, segura por um braço, foi levada par uma saleta reservada, cuja porta de entrada ficava atrás de uma pesada cortina. Logo, Nick dei volta à chave e postou-se em frente. John, então começou a retirar um cigarro de sua cigarreira de ouro, enquanto falava: — Podemos falar à vontade, O’Hara. Est sala é à prova de som. Portanto, não tenha receio de responder às minhas perguntas. Nick é de inteira confiança. Somos, todos, homens sérios está bem? — O que deseja saber? — indagou Kirkpatrik afetando nervosismo, enquanto levava a mão ao bolso interno do paletó. — Talvez possamos fazer um acordo — falou o “Caveira”, acendendo cuidadosamente o cigarro. E, por entre uma baforada de fumaça, acrescentou: — Em seu departamento deve haver muita coisa interessante para alguns amigos nossos... — Aonde pretende chegar? — indagou o louro playboy, compreendendo que o gangster havia mordido a isca. — Você nos fornece algumas informações e, em troca, poderá continuar jogando livremente em nosso cassino... Assinando vales, é claro. E informações...
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Kirkpatrik retirou o maço de cigarros do bolso, escolheu um e o acendeu com um isqueiro, enquanto parecia pensar na proposta recebida. Depois: — Isso é muito perigoso! Se cu for descoberto... O gangster sorriu friamente. — O que é mais perigoso para você? Arranjar alguns documentos para nós ou o fato de apresentarmos os vales de jogo a seus chefes? Você sabe como esse pessoal do Departamento de Defesa é cheio de austeridade... — Eu... eu não assinei nenhum vale! — Mas vai assinar, é claro. Não pense que o deixaremos sair daqui, sem nos deixar um documento de sua dívida para conosco... Jogo é jogo, meu caro... — Mas..., não pode me dar um prazo? Eu pagarei! Prometo que pagarei! — Acredito. E tanto acredito que, mesmo sem conhecêlo, estou disposto a deixar que assine um vale. Como vê, estou lhe concedendo crédito. Já você parece não confiar em nós... Kirkpatrik, que, representando magistralmente o papel de homem medroso e acuado, acabara de fumar o cigarro em sucessivas tragadas, tornou a levar a mão ao bolso interno. Mas, dessa vez ele veio acompanhada de sua Mauser 22 que imediatamente entrou em ação. “Ploft”! Antes que o gangster desse conta do que estava sucedendo, foi atingido por uma bala em plena testa. Girando o corpo com rapidez espantosa, Kirkpatrik deu novamente ao gatilho. “Ploft”! O capanga Nick Nichols, atingido no coração, também tombou sem vida. “Mike O’Hara” sorriu. Estava cumprida a sua missão. Ninguém deveria ter ouvido os disparos, pois,
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como o próprio John Richmond dissera, a sala era à prova de som... E a Mauser, provida de silenciador, cuspia mais do que detonava... Kirkpatrik se aproximou da porta por onde a loura fora retirada da sala e, dando volta à chave, abriu-a. Linda apareceu, com os olhos muito abertos. Uns olhos azuis, de boneca. — Você... Você os matou? Que loucura! Agora, terá uma legião de gangsters no seu encalço! Sabe quem é esse homem? É um dos chefes de um bando de assassinos! — Não faz mal — sorriu o playboy. — Estou mais do que acostumado a viver perigosamente Como você viu, também vivo à custa dos mortos. Os olhos da moça foram para a mesa, onde, pouco antes, John “Caveira” Richmond pousara seus vales de jogo. — Aqueles vales... são meus! Posso...? Ele fez-lhe um gesto para que não tocasse em nada. — Dívida de jogo, não é? — falou, enquanto apanhava os vales e somava-os mentalmente. — Sim. Você vai...? Kirkpatrik, sem nada dizer, rasgou os papéis em pedacinhos, depois, colocando-os dentro de um grande cinzeiro de bronze, queimou-os. Suas mãos, calçadas com as luvas brancas, pareciam dois pássaros adejando. — Precisamos sair daqui imediatamente — disse a loura, enquanto se dirigia para a porta. — Vamos aproveitar enquanto não há nenhum capanga no corredor! Kirkpatrik ainda se demorou alguns segundos, olhando em torno; quando finalmente deixou o cassino e alcançou a rua, viu a loura que se afastava num carrinho esporte. A moça fugira sem ao menos dizer-lhe quem era, nem onde morava. Nem sequer um “obrigado” ...
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— Não faz mal — murmurou o “Máscara Negra” de si para si. — O mundo é assim mesmo! Está cheio de malagradecidos! E tratou de pôr a maior distância entre ele e o cassino, onde não demoraria a estourar a bomba... E, assim, Horace Young Kirkpatrik (ou seja. o agente fora de série da CIA) executou um “servicinho” a mando de Salvatori Magaldi. O “Máscara Negra” trabalhara para a Máfia. Mas aquilo também não devia desgostar os rapazes do FBI...
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CAPÍTULO QUINTO Tiroteio no parque O “Royal Hotel” de Brooklin ficava na Avenida 86, esquina da Rua 17. Naquele mesmo prédio, outrora, funcionara o restaurante do “Gordo” Jerry, gangster da Cosa Nostra assassinado a tiros porque desertara da “família” de Colombo. Era um edifício histórico, portanto. Nesse hotel é que Horace Young Kirkpatrik tem se hospedado, ao chegar a Brooklin como Mike O’Hara. “Máscara Negra” lia a notícia nos jornais. — Ótimo... Era isso mesmo que eu queria... Segundo diziam as reportagens, as mortes de John “Caveira” Richmond e seu auxiliar Nick Nichols tinham sido obra de um pistoleiro da Máfia, contratado especialmente. Um homem alto e louro, cuja identidade ainda não fora levantada pela polícia. Kirkpatrik sorriu com a notícia. De certa forma, não deixava de ser verdade, pois, afinal de contas, ele estava encarnando o papel de Michael O’Hara, um matador de Dublin contratado por Salvatori Magaldi, um Chefão da Cos Nostra... Os pensamentos do playboy seguiam esse curso, quando a campainha do telefone o trouxe d volta à realidade. Um telefonema? De quem? Apanhou o receptor e contestou:
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— Sim? — É O’Hara quem está falando? — pergunto uma voz quente e sensual. — Ele mesmo — respondeu Kirkpatrik, enquanto tentava adivinhar a quem pertencia aquela voz feminina. — Quem está falando aqui é Linda Berger... — Quem? — Linda Berger. Ah, é verdade! Nós não nos apresentamos... Ouvi seu nome por acaso, mas você não sabe o meu. Sou aquela pequena de ontem, no cassino de John “Caveira” Richmond... Kirkpatrik abriu um sorriso. — Como descobriu meu endereço? A voz da loura estava descontraída. — Foi fácil. Ouvi seu nome no escritório do cassino, está lembrado? Procurei no guia de nomes e, como não encontrei nenhum Michael O’Hara, apelei para os hotéis. Tive sorte, depois de vinte ligações erradas... — Muito bem. Você é uma garota bastante esperta... Quais são as novas? — Preciso muito falar com você, mas não pode ser pelo telefone. Tem que ser pessoalmente! Entende? Agora, havia urgência na voz dela. Kirkpatrik franziu uma sobrancelha. — Nesse caso, por que não marcamos um encontro? — Foi para isso que telefonei. Você poderá falar comigo esta noite? — Claro que posso. Em que lugar? — Por vários motivos, não devemos ser vistos juntos. Que tal no parque da Mirtle Avenue? Fica entre as Ruas Adams e Jay, aqui mesmo em Brooklin. Convém-lhe? À noite, aquilo fica meio escurinho e deserto... — Ok, garota. Estarei lá. A que horas?
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— Que tal vinte e duas? Quero dizer: às dez horas da noite. — Certo. Estarei lá às vinte e duas horas em ponto! — Por favor, não falte! O que tenho a lhe dizer é muito importante! — Não faltarei, pois também tenho uma coisa muito importante para lhe dizer... — O quê? — indagou a loura, com curiosidade. — Nada de imoral. Quero dizer tudo o que senti a seu respeito... Mas isso só pode ser dito pessoalmente, não acha? — Sempre é melhor — sorriu a moça. — Então, estamos entendidos! Logo mais, às dez horas da noite, no parque da Mirtle Avenue! — Sem falta — ajuntou Kirkpatrik. Ouviu o clic provocado pelo desligamento do aparelho. Depois, ergueu-se, sorridente, satisfeito consigo mesmo. — Bem... já cumpri a minha obrigação! Por que não cuidar, também, da devoção? E uma devoção loura como Linda Berger é para ser cuidada com muito carinho... Apesar de sua longa prática com pistoleiros e louras bonitas, ele estava longe de imaginar o que o esperava na Mirtle Avenue. *** O parque estava quase deserto, e bastante escuro, quando Kirkpatrik saltou do carro e pôs-se a caminhar pelo lajedo. Mal acabara de dar alguns passos quando ouviu a voz de Linda, que, de longa, gritava: — Fuja, O’Hara! Eles querem pegar você! O “Máscara Negra” olhou para todos os lados e logo, percebeu alguns vultos que corriam em sua direção. Sem
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pestanejar, sacou a sua Mauser 22, disposto para o que desse e viesse. — Você não escapa, gringo! — gritou uma voz ameaçadora. Eram quatro crioulos altos e fortes, armados com facas e revólveres. Kirkpatrik atirou sem mesmo se preocupar em fazer pontaria. “Ploft”! O crioulo mais próximo estatelou-se no chão, soltando um grito de dor. O segundo tentou esconder-se, mas foi caçado pelo gigante da CIA, que novamente acionou o gatilho. “Ploft”! O homem rodopiou, como se executasse uma estranha dança, e acabou também caindo por terra. Uma chuva de balas passou por cima da cabeça do Máscara Negra. Depois, dois vultos correram, em disparada, para o abrigo das árvores. Kirkpatrik foi-lhes no encalço, com a Mauser fumegante na mão. Um dos negros escondeu-se atrás de uma árvore e aguardou a passagem do adversário para aquele local, mas foi infeliz. A luz de um lampião projetou sua sombra e o agente fora de série da CIA, apercebendo-lhe o jogo, mudou de direção e surpreendeu-o pela retaguarda. Estava apenas a dois passos do negro ajoelhado, quando este proferindo um palavrão, lançou-se sobre ele, armado com uma faca. — Morre, gringo! Kirkpatrik não perdeu tempo a reagir. Com um tremendo e inesperado pontapé, desarmou o seu adversário, que deitou a correr, em zigue-zague, por entre as árvores. Kirkpatrik queria apanhar um dos crioulos vivos; Por isso, foi no encalço do fugitivo. Mas, logo adiante, topou com
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outro adversário. Uma bala zuniu sobre sua cabeça e ele vislumbrou o clarão alaranjado que partira da arma. Apontou sua Mauser naquela direção e atirou duas vezes. “Ploft! Ploft”! Um gemido e, logo, Kirkpatrik compreendeu que mais um antagonista tinha sido posto fora de combate. Ao longe, soou o ruído da sirena de polícia. 0 tiroteio tinha posto toda aquela área em polvorosa. Kirkpatrik precisava deixar aquele local o mais depressa possível! Atravessou o parque correndo e viu quando um negro entrava num carro esporte estacionado pouco adiante. Não havia dúvida: era o seu fugitivo! O Máscara Negra seguiu a mesma direção, e abrindo a porta do lado oposto por onde entrara o negro também entrou no veículo. Dessa vez, não houve facas. Desarmado e vendose ameaçado pela Mauser do gigante louro, o crioulo não esboçou nenhuma reação. Apenas gemeu: — Não me mate, gringo! Atrás do banco, Linda Berger (com as mãos amarradas) olhava para a cena com espanto. — Trate de abrir o bico — ordenou Kirkpatrik ao negro, enquanto se apossava da direção do carro e dava a partida. Precisava sair dali o mais depressa possível. Contudo, ao fazer a mudança, desviou o cano da pistola. Foi o quanto bastou para que o negro tentasse escapar. Abrindo a porta, soltou um grito e atirou-se para fora, mas um tiro da Mauser atingiu-o em pleno trajeto, lançando-o na sarjeta, onde ficou imóvel, numa poça de sangue. Kirkpatrik, então, concentrou-se em levar o carro para longe dali. Diversas viaturas policiais convergiam para a Mirtle Avenue, mas nenhuma o interceptou. Uma vez fora de perigo, o louro playboy encostou o carro esporte e concentrou-se em desatar as mãos da loura.
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A seguir, sentou-a no banco, a seu lado, e retomou a corrida, sem pressa, na direção da Avenida 86. Minutos depois, chegavam ao hotel onde Kirkpatrik se hospedava. Aí, a moça contou sua estória: — Meu telefone deve estar sob controle da Alegre Sociedade! Por isso, os bandidos souberam de nosso encontro. Eles me pegaram, no parque, me amarraram e... — O que é que você sabe a respeito desse bando de malfeitores? — indagou Kirkpatrik. — Meu irmão pertenceu à quadrilha e foi assassinado por seus comparsas! Por isso, sei de alguma coisa! Kirkpatrik não demonstrou a menor emoção. — Sabe quem é o chefe? Ela sacudiu os lindos cabelos platinados. — Não. E era isso que eu queria que você descobrisse para mim. Posso pagar-lhe. Sei que você é um profissional e gosta de dinheiro. Kirkpatrik sorriu. — Não será preciso. Trabalharei para você com muito gosto... — E, mudando de tom, enquanto se encaminhava para o banheiro: — Sirva-se de uma dose de bebida. Vou tomar uma ducha. Ou você quer fazer-me companhia? Ela já estava calma, outra vez. Mas não se ofendeu. — Não, obrigada. Prefiro um bourbon. Já vi que você não está interessado na minha proposta. Kirkpatrik entrou no banheiro, despiu-se e abriu o chuveiro. Enquanto se ensaboava, cantou o “Sole Mio”. Mas, quando acabou de se enxugar e quis sair, não conseguiu. A loura fechara-o pelo lado de fora.
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CAPÍTULO SEXTO O chefão Depois de trancar Kirkpatrik no banheiro. Linda Berger dirigiu-se para seu apartamento da Rua Coyle, em Shaipshead, ali mesmo em Brooklin. Trocou a roupa que vestia por uma tênue e elegante camisola e tratou de dormir, para descansar das emoções vividas naquela noite. Pela manhã, foi despertada pelo ruído da campainha do telefone. Estirou o braço preguiçosamente e atendeu. — Alô? — Linda? — Ivan? — Eu mesmo. Era Ivan Koniet, o rico industrial, amante da moça. De um salto, Linda deixou o leito e, já completamente desperta, continuou a conversa: — Que novidade é essa, você ligando para mim a estas horas? Ainda é madrugada! A voz do homem era grave. — Ouça, Linda. Preciso ter uma conversa muito importante com você. Quer vir ao meu encontro, na hora do almoço, na boate Halleluya da Avenida Flatbush? — Na hora do almoço? Mas... que horas são agora? — indagou a moça que perdera completamente a noção do tempo.
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Uma pausa. — São exatamente onze horas. Como vê, não é tão cedo assim... — E a que horas você pretende me encontrar? — Digamos... a uma hora, está bem? — Está. Vou desligar para preparar-me. Afinal de contas, mal acabo de acordar... — Certo, querida. Mas seja pontual porque o assunto é da máxima importância! Um beijo! — Outro para você! A loura desligou o telefone e encaminhou-se preguiçosamente para o banheiro, enquanto dava tratos à bola. “Que assunto será este, de tanta importância? Ivan não costuma agir desta maneira... Que terá acontecido?” Aquele telefonema não pressagiava nada de bom. *** Passavam cinco minutos da uma quando Linda Berger chegou à boate, àquela hora deserta. Em volta de uma mesa encontravam-se Ivan Koniet, Stevens Markados (o gordíssimo proprietário da casa) e seus dois guarda-costas, os gêmeos Bóris e Volódia Kurian. — Como vê, pontualidade máxima! — exclamou a moça. Ivan Koniet mal retribuiu o beijo que a loura lhe deu. Um dos gêmeos afastou uma cadeira, para que ela se sentasse, e, logo que a moça se acomodou, o industrial atacou o assunto: — Antes de mais nada, tenho que lhe fazer uma revelação da máxima importância. Mais cedo ou mais tarde
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você teria mesmo que saber: portanto, acho melhor que tudo chegue a seu conhecimento por meu intermédio. Ivan Koniet era um homem relativamente moço e elegante. Uma figura imponente de homem da sociedade. Uma pequena mecha de cabelos brancos, partindo da fronte, dava-lhe um ar juvenil, em vez de envelhecê-lo. Terno muito bem cortado e de excelente qualidade, mãos bem tratadas... enfim, um autêntico homem de negócios das alfas esferas. Linda piscava os olhos, espantada com o modo de proceder do amante. E ele prosseguiu: — Certamente, já ouviu falar da Alegre Sociedade... A loura ficou mentalmente em guarda. — Sim. Alguma coisa. Por quê? — Eu sou o chefe! A revelação foi dita com voz tranquila e impessoal. A moça abriu os olhos, enquanto falava: — O chefe?! Você está querendo dizer que é o responsável por essa quadrilha de criminosos?! O rico industrial sorriu friamente. — Ora, vamos! Deixe-se de melindres! Seu irmão trabalhou conosco muito tempo e você sabe perfeitamente disso! — Sim. E sei, também, que foram vocês que o eliminaram! É revoltante! Eu... — Modo de pensar. Cada um tem seus hábitos... Você também não é nenhuma santinha... Sei de suas dívidas de jogo. — Como? Quem foi que...? — “Caveira” era um de meus lugar-tenentes. assim como seu irmão, Johny Gallope, também o f oi... — E você mandou eliminá-los! Teve coragem!
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— Seu irmão tentou trair-nos. Nossa lei é esta. Morte aos traidores. Precisamos ser muito escrupulosos nesse ponto... — Eu... eu nunca pude imaginar que você... A moça tremia dos pés à cabeça. Súbito, ergueu-se da cadeira e deu dois passos pela sala. — Que é isso? — indagou o industrial. — Onde pensa que vai? — Eu... quero ir embora daqui! Quero afastar-me de você imediatamente! Eu... Duas mãos fortes pousaram-lhe nos ombros, obrigandoa a sentar-se novamente. Era um dos irmãos Kurian. Os dois russos postaram-se ao lado da cadeira ocupada pela jovem, que olhou para eles aterrorizada. — Que... que pretendem de mim? Foi Ivan Koniet quem respondeu: — Fique quietinha em seu lugar e ouça o que tenho a dizer! Preciso de sua ajuda! — Nunca! Não quero me envolver com bandidos! Quando eu conheci você, não sabia... — Ora, não seja idiota! Pensa que não sei das suas intenções ao se aproximar de mim? — Minhas intenções? Mas... — Cale-se! Sei perfeitamente que você desconfiou de que seu irmão mantinha algum trato comigo e, por isso, depois da morte dele, fez amizade comigo... Não pense que me enganou. Nem por um instante. Aceitei-a porque gosto de mulheres bonitas... Você estava ao alcance de minhas mãos, por que não aproveitar? — Seu... canalha! Eu... A bofetada estalou, forte, no rosto da moça, fazendo com que lágrimas caíssem de seus belos olhos azuis. — Veja como fala, boneca!
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Imediatamente, Linda Berger compreendeu que não tinha saída. Estava nas mãos daqueles assassinos frios e calculistas! Precisava contemporizar, para salvar a própria vida! Foi com a voz embargada pelas lágrimas que repetiu a pergunta feita anteriormente: — Que pretendem de mim? — Ótimo! — exclamou Ivan Koniet, dando uma risada. — Assim é que uma menina de juízo fala! Agora, poderemos nos entender? O que quero de você é muito simples. Sei que você fez amizade com um pistoleiro irlandês chamado Michael O’Hara. Também sei que ele foi contratado pela Cosa Nostra para eliminar-nos. A moça olhou fixamente para o industrial, enquanto expunha seus pensamentos: — Você... você não vai querer que eu elimine O’Hara para vocês, não é? — Não — sorriu Ivan Koniet. — Nada disso. Muito ao contrário. Seu trabalho será apenas aproximá-lo de nós... — Para que vocês o matem? É um assassinato frio e premeditado! — Quem foi que falou em assassinato, beleza? Sinceramente, eu aprecio os homens como O’Hara. Um pistoleiro como poucos. Provou ser um elemento precioso e eu decidi contratá-lo. Estou precisando de mais gente boa. — O quê? Você se esqueceu de que foi ele quem eliminou John “Caveira” Richmond. Nick Nichols e seus quatro capangas negros? — Não. Ainda não esqueci, mas pretendo esquecê-lo... Afinal, quem morreu... morreu. O importante é cuidar dos vivos... e O’Hara está muito vivo. Pode ser-nos de grande utilidade, agora que nosso leais colaboradores e Volódia estão sendo procurados pelo FBI, devido àquele “trabalho”
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no edifício-garagem, e precisam entrar em gozo de férias. — E com a mão bem tratada, apontou os gêmeos, que sorriram. — Este dois têm sido de grande utilidade para nossa organização. Têm sido insuperáveis, sob as ordens de meu amigo Markados... O gordo proprietário da boate sorriu, satisfeito. — Numa palavra — argumentou a loura — Você quer que eu atraia O’Hara para cá? — Exatamente. Você é bem inteligente, querida... — E se eu me recusar? Desta vez, Ivan Koniet ergueu-se da cadeira que ocupava para poder esbofetear com mais força o rosto bonito da loura. Duas bofetadas estalaram, jogando a cabeça da moça de um lado para o outro. E o industrial, num tom de voz completamente em desacordo com o seu porte elegante de homem da sociedade, começou a gritar com ódio: — Não seja idiota! Para você não há escolha, sua vigarista! Mulheres da sua laia não se podem dar ao luxo de querer viver imaculada! Você não passa de uma piranha viciada no jogo! Seu irmão também era um marginal! Não me venha agora com falsos pudores, porque farei com que se arrependa amargamente! Na Alegre Sociedade ninguém discute as ordens do chefão! Num gesto rápido e instintivo, Linda abriu a bolsa que trazia e puxou uma pequena pistola com cabo de madrepérola. Uma violenta pancada no pulso fez com que a arma saltasse da mão da moça e rolasse pelo chão. Em seguida, duas novas bofetadas fizeram a loura chorar de dor e de raiva. — Bandidos! Covardes!
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Um dos irmãos Kurian (o que desferira a pancada no pulso da jovem) tratou de pegar a pistola, que entregou a Markados. O gordo negociante meteu-a no bolso. — Eu queria fazer a coisa de maneira mais fácil, mas parece que você não é suficientemente inteligente para compreender — disse Ivan. — Pois vou pôr a situação em pratos limpos! Ou você colabora conosco, ou sairá daqui com esse lindo rostinho desfigurado! Também isso faz parte dos métodos da Alegre Sociedade... Enquanto falava, o industrial fez um sinal ao dono da boate. Este retirou do bolso um vidrinho e o empurrou em sua direção, sobre o tampo da mesa. Ivan Koniet apanhou o vidro, retirou a tampa e, com um palito de fósforo (que apanhou dentro do cinzeiro que se encontrava em cima da mesa), retirou uma pequena gota do líquido. Uma gotinha, apenas... Um dos irmãos Kurian agarrou uma das mãos da moça e o industrial deixou cair a pequena gota em cima dela. Ouviu-se um leve chiado. A moça soltou um grito terrível, enquanU» a pele enrugava e queimava ardentemente. Uma pequenina ferida, mas dolorosíssima. — É apenas uma amostra — sorriu o Chefão. — Por ela, você pode calcular o que acontecerá se despejarmos todo o conteúdo deste frasco no seu lindo rostinho... Em cinco minutos você se transformará num monstro! — Não! Isso não! Pelo amor de Deus! — Está em suas mãos. Se colaborar conosco e nos trouxer O’Hara, muito bem. Continuaremos amigos como antes. Caso contrário... E advirto-a de que não adianta pensar em escapar! Temos excelentes colaboradores, além dos irmãos Kurian, que a agarrarão onde quer que você se esconda. Nossa organização é excelente. Ninguém nos escapa. Agora, diga-me o que é que você pensa...
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A moça compreendeu que só tinha uma saída. — Está bem. Eu trarei O’Hara até vocês! — Esta noite sem falta — completou o industrial. — Eu o trarei. E... agora, posso ir embora? Por favor! Eu... não estou me sentindo bem! — Pode ir. Mas veja como se comporta! Não tente nenhum truque, que se dará muito mal! — Eu sei. Pode estar tranquilo que não tentarei fugir. Você me convenceu. —. ótimo! — sorriu Ivan Koniet — Então, espero-a aqui, logo mais à noite, com seu amiguinho O’Hara... Pode ir. A moça apanhou a bolsa e recebeu de volta sua pistola, devidamente descarregada. Em seguida, tratou de sair o mais depressa possível daquele lugar. Mal acabara de transpor a porta e já Ivan Koniet dava as suas ordens: — Muito bem! Depois que ela nos trouxer o tal O’Hara, você dois podem encarregar-se dela! Entendido? Os gêmeos sorriram, enquanto acariciavam seus estojos que, aparentemente, continham instrumentos musicais. — E... o que faremos com O’Hara? — indagou o gordo Markados. O chefão exalou um suspiro. Depois: — Aproveitaremos seus serviços durante as férias de Bóris e Volódia. Depois... bem, depois os dois também se encarregarão dele. Afinal, não podemos nos esquecer de que ele eliminou meia dúzia de amigos nossos! Amor com amor se paga! Ê os quatro gangsters fizeram ecoar suas risadas na boate deserta.
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CAPÍTULO SÉTIMO A proposta do chefão Kirkpatrik estava em seu apartamento, no hotel, quando uma pancada leve na porta chamou sua atenção. Como um felino, saltou da poltrona onde se achava acomodado saboreando um uísque e, apanhando a sua Mauser, correu até à porta. — Quem é? Uma voz feminina, grave e sensual. O playboy sorriu e abriu a porta. Parada no corredor, Linda Berger olhava-o com expressão submissa. — Posso entrar, ou você ainda está muito aborrecido comigo? — Entre — falou o louro agente da CIA, acenando com a mão armada. A moça entrou e ele fechou a porta a chave. Depois guardou a arma. De pé, no centro da sala, Linda aguardava, impaciente, uma reação qualquer de sua parte. — Vamos — disse ele. — Pode começar a justificar-se. Por que me trancou no banheiro? — Eu estava aterrorizada! Tinha medo que nos tivessem seguido e tentassem alguma coisa. Queria escapulir daqui!
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— Nesse caso, por que voltou agora? Se os pistoleiros da Alegre Sociedade nos seguiram, podem estar no meu encalço a esta hora... — Não. Eles... eles me encontraram — falou a moça, em tom tímido. — Como? Eles lhe fizeram alguma coisa? Espero que não a tenham dopado, ou transformado a sua mentalidade... (*) O que foi que aconteceu, afinal? (*) Kirkpatrik referia-se ao casso dos “Fabricantes de Robôs”, em que se envolvera pouco antes. Ver volume 46 desta série. — Nada demais. Não fui maltratada, mas, uma terrível ameaça pesa sobre mim! — Sente-se e conte-me tudo, com calma. Quer uma bebida? — Seria bom. Kirkpatrik preparou um uísque com soda para a jovem e, acomodando-a confortavelmente no sofá, sentou-se a seu lado, com um cigarro aceso entre os dedos. — Agora, fale. Conte-me tudo quanto lhe aconteceu. Linda engoliu em seco. Depois: — Bem... eu fui procurada por um dos lugar-tenentes do Chefão e, sob ameaças terríveis, ele me obrigou a prometer que viria trazer até você uma proposta... O Máscara Negra sorriu. — E que proposta é essa? — Eles querem que eu o leve até à boate Halleluya. Querem contratá-lo como pistoleiro. Era justamente o que ele esperava. — Irei — respondeu, para espanto da moça. Para quando está marcado o encontro?
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— Para esta noite mesmo — respondeu Linda. — Você também irá comigo? — Sim. Posso... Posso esperar aqui mesmo, até que chegue a hora? — Pode. Ainda falta bastante tempo, mas não será por falta do que fazer que nos aborreceremos ... — disse o playboy. E passou o braço pelos ombros macios da loura. Depois, atraiu-a de encontro a seu peito e beijou-lhe avidamente a boca vermelha. Um beijo que foi correspondido com o mesmo calor. *** Kirkpatrik e Linda Berger dançavam, muito agarrados, na pista de danças da boate Halleluya quando alguém bateu de leve no ombro do louro agente especial do DCA. — Mr. O’Hara? Queira fazer o favor de acompanharme... Kirkpatrik olhou para aquela mão balofa e, depois, para o dono dela. Era o gordíssimo Markados, o grego proprietário da boate. — Claro! Como não? Vamos, meu bem. — Imediatamente, o par se separou e acompanhou o homem até uma porta, disfarçada por trás de uma cortina. Ali o gordo parou e, voltando-se para Linda, falou: — Você fica. Nosso assunto é particular. Kirkpatrik compreendeu que queriam separá-lo da moça para, possivelmente, causar-lhe algum mal. Quem sabe, talvez até liquidá-la! Isso ele não permitiria! — Não. Ela é de minha inteira confiança — falou. — Faço questão de sua presença a meu lado. Ou nós dois... ou nenhum de nós!
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— Bem... Seja como quiser — respondeu o gordo Markados, dando de ombros e entrando. Kirkpatrik tomou a moça pelo braço e também entrou no gabinete do dono da boate. Este já se refestelara numa imensa poltrona que, ao que tudo indicava, tinha sido fabricada sob encomenda para comportá-lo. — Sentem-se — falou, indicando outras duas poltronas com a mão gorda. Os dois se acomodaram e Markados foi direto ao assunto: — Sabemos quem é você, O’Hara, e do que você gosta... dinheiro. Sua intervenção ao lado da Máfia e contra nossos colaboradores provou ser você um excelente matador, mas... — e o rosto balofo do homem abriu-se num sorriso — mas... o tempo da Máfia já passou. Nós tomamos conta de todos os mercados e os poucos remanescentes da “Cosa Nostra” que ainda persistem em ocupar um lugar qualquer logo estarão fora de ação. Portanto, você pode ver por si mesmo que, junto àquela gente, não terá nenhum futuro... Muito pelo contrário. Estará, a cada dia, caminhando a passos largos para seu próprio fim... Nós somos a Alegre Sociedade! Kirkpatrik sorriu ironicamente e o gordo homem, compreendendo a intenção do sorriso, ponderou: — Sei que você se julga muito forte. Mas, por mais forte que seja, acabará por cair numa cilada. E então... Com um gesto de mão, o homem gordo deu a entender que Kirkpatrik acabaria por ser abatido. Fez uma pausa, antes de prosseguir. Depois: — Tenho uma proposta a fazer-lhe. — Vejamos se me interessa.
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— Você deixará o velhinho Magaldi de lado e passará para o nosso lado. Terá maior pagamento, mais liberdade e melhores oportunidades. Topa? — Sim, mas imponho uma condição. Apesar de vocês serem muito fortes, estou em condições de fazer uma exigência... O homem gordo, que não estava acostumado àquela espécie de resposta, espantou-se. — Impõe condições? Mas... — Sim — respondeu o louro playboy, tranquilamente. — Aceito a proposta que acaba de me fazer, com a condição de conhecer o nome do Big-Boss, ou melhor, do Chefão de vocês, se prefere assim. Eu nunca trabalho no escuro. — Mas... Isso, nunca! Nenhum de nossos colaboradores conhece a identidade do Big-Boss, e não será você o primeiro a conhecê-la! Esqueça! Kirkpatrik voltou-se para Linda. — Você não sabe quem é o chefe? — perguntou, com um sorriso divertido. — Não sei de nada a respeito da Alegre Sociedade — mentiu a moça. E Kirkpatrik percebeu que ela não dizia a verdade. — Acho muita ousadia de sua parte fazer semelhante proposta — resmungou Markados. — Você será um empregado. Que lhe interessa saber o nome de quem lhe paga? De um salto, o louro agente fora de série da CIA agarrou o homem gordo pela gola do paletó e sacudiu-o fortemente. — Ouça uma coisa, seu tratante! Você vai me revelar o que sabe, senão... O rosto redondo do homem tornou-se vermelho e ele começou a tossir, enquanto era sacudido. Kirkpatrik ergueu uma das mãos, para desferir um soco no homem, quando a
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porta se abriu com violência e apareceram os dois gêmeos Kurian, com seus “instrumentos” fora dos estojos.1 Eles tinham permanecido o tempo todo atrás da porta. — Nem mais um movimento! — ordenou um deles. Kirkpatrik imobilizou-se. Sabia que não levaria a melhor, naquela situação. E depois, não queria sacrificar Linda, por quem começara a se interessar. Soltou o dono da boate (que caiu como um saco de batatas em cima da poltrona) e ficou imóvel. — Está certo! Desta vez, vocês levaram a melhor! Vamos conversar! Refeito do susto, Markados falou, indignado: — Você agiu muito mal, O’Hara, e se não fosse as ordens expressas do Chefão, para que nada lhe suceda..., mas você não perde por esperar! Agora, a coisa tomou outro rumo! Ou você aceita trabalhar conosco no escuro, ou não viverá para contar o caso! Escolha! Kirkpatrik suspirou, aparentando conformação. — É... parece que não tenho, mesmo, outra escolha... Prefiro trabalhar com vocês, é claro. O dinheiro sempre é o dinheiro, venha de onde vier... — Muito bem! Assim é que se fala — respondeu Markados, sorrindo falsamente. — Eu não disse que nós conhecíamos os seus gostos? Os irmãos Kurian não gostaram da decisão. Sentiam certa inveja daquele pistoleiro irlandês que vinha substituílos. Preferiam ter recebido ordens para eliminá-lo. Os dois russos não gostavam de concorrentes e O’Hara apresentava-se como um rival capaz de disputar-lhes o posto. Mas... souberam guardar para si seus pensamentos. Mais tarde, teriam chance de eliminar o possível rival, sem levantar suspeitas. Quando voltassem das férias forçadas.
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— Bem, rapazes — sorriu Markados, para os gêmeos. — Creio que poderão partir de férias quando quiserem, já que nosso amigo O’Hara aceitou nosso convite... E, para não perdermos tempo, vou transmitir a vocês a decisão do Chefão. E, apontando com a mão gorda para o lugar onde Linda Berger estava, o dono da boate lançou a sentença: — Ela já não nos interessa. Fez o que tinha a fazer e pronto. Fim de carreira. — O quê?! — A moça ergueu-se, muito pálida. — O que você quer dizer com isso, Markados? — Quer dizer — sorriu o homem, maldosamente — que você deve ser eliminada. Imediatamente. Ê a lei da Alegre Sociedade. E, enquanto soltava uma gargalhada sádica, ante a expressão de pavor da moça, seus olhos corriam dos irmãos Kurian para Kirkpatrik. Este, atônito pelo inesperado da decisão, não sabia como agir. Mas precisava agir antes dos russos, se quisesse voltar a gozar da companhia da bela loura platinada.
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CAPÍTULO OITAVO Um “passeio” ao cais de Brooklin Passado o primeiro momento de surpresa, Kirkpatrik tomou a palavra: — Ouça uma coisa, Markados. Se vocês querem contar com os meus serviços, não devem tocar num fio de cabelo de Linda! — Ah, sim? — sorriu o grego. — E por que esse interesse por ela? — Nós nos amamos. E ela, agora, é a minha garota! — É verdade — argumentou a moça. — Eu também o amo, O’Hara! Prometa que não permitirá que façam nada comigo! — Prometo. Quanto a isso, não precisa ter receio. Eu a protegerei de tudo e de todos! Eu, Mike O’Hara, de Dublin! — Muito bonito e comovente — zombou o gordo dono da boate. — Mas não é você quem decide as coisas, O’Hara! Eu ainda tenho poder e, abaixo do chefe, mando eu! Estou certo de que ele não vai se zangar, se eu contrariar as suas disposições. Principalmente, depois que souber da atitude de vocês dois! Eu tenho uma velha conta a ajustar com você! — Não sei o que possa ser — respondeu Kirkpatrik, na defensiva.
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— Pois eu lhe digo! Sabe que John “Caveira” Richmond era meu sobrinho? Kirkpatrik sorriu desafiadoramente. Sabia que muitos marginais, ao serem desafiados, perdiam a cabeça e não dominavam suas ações. Ele era frio e sabia como agir em certos momentos. — Que família, hem? Todos os demais componentes são bandidos também? — Você é muito atrevido, O’Hara! Mas eu darei um jeito nisso! Eu não o pouparei mais! Nem a você nem a esta bonequinha hipócrita! O Chefão não se importa mais com o que possa acontecer a ela. — Como? Então, Linda conhece o chefe? — estranhou Kirkpatrik, que queria provocar uma revelação. Houve uma pausa. Depois: — Sim, eu o conheço muito bem — respondeu a moça. — Chama-se Ivan Koniet e é industrial. Eu me tornei sua amante, por que desconfiei que tinha sido ele quem mandara assassinar meu irmão! Mas não sabia que ele era o chefe da Alegre Sociedade... até que, esta manhã, ele próprio me revelou tudo. Se eu soubesse disso antes... E, voltando-se para Markados com ar de desafio, explodiu. — Se Ivan está cansado de mim, fique você sabendo que eu sempre estive cansada dele! Ninguém pode amar um homem egoísta e perverso como Ivan! Eu o detesto e, se tivesse uma oportunidade, eu o mataria com minhas próprias mãos! Principalmente agora, que sei que ele mandou matar meu irmão! — Acalme-se — sorriu o gordo. — Nós não lhe daremos essa oportunidade... Seu destino já está traçado. Você e seu querido O’Hara irão dar um “passeio” até o cais
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de Brooklin, ao largo do East-River. Afianço-lhe que é um passeio encantador... A um gesto do homem gordo, um dos gêmeos Kurian avançou para Kirkpatrik, enquanto o outro apontava a submetralhadora diretamente para Linda. O louro agente da CIA retesou os músculos, mas não se atreveu a qualquer reação com medo do que pudesse acontecer à moça. — Levante as mãos, O’Hara! — ordenou o russo que o ameaçava. Kirkpatrik foi revistado e sua Mauser passou para o bolso de Markados, que sorria friamente.! Linda olhou, com ar aflito, para o falso pistoleiro irlandês, mas este apenas encolheu os ombros. — Agora, eu os convido a nos acompanhar — disse o dono da boate. Markados ergueu-se e tomou a direção da porta. Os dois gêmeos fustigaram Kirkpatrik e Linda com as submetralhadoras e eles também se puseram a caminho. Logo se encontravam no salão repleto de fregueses. Os dois irmãos russos tiveram que ocultar as suas armas e Kirkpatrik, aproveitando a oportunidade que se apresentava, deu um empurrão na moça, lançando-a longe, ao mesmo tempo em que mergulhava na direção dos pistoleiros russos. Ao verem a briga, vários assistentes gritaram e se puseram de pé. Estabeleceu-se a confusão. Surpreendidos, os dois gêmeos rolaram por terra. Mas não largaram as armas, que começaram a cuspir fogo, por trás das capas que as envolviam. Com isso, a confusão se tornou maior. Markados voltou-se, mas foi surpreendido por Kirkpatrik, que, passando-lhe um braço pelo gordo pescoço, fez de seu corpo um escudo, ao mesmo tempo que, com a mão livre, tirava a Mauser do bolso do grego.
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Agora, ele também estava armado. Voltara a ser o Máscara Negra. Teve início um tiroteio e os gritos e correrias se sucederam. Foi um pânico geral. Os frequentadores da boate atropelavam-se, correndo em direção à saída. Os garçons escondiam-se atrás do balcão. Os músicos da orquestra deixaram o tablado e trataram de se pôr a salvo. Os dois irmãos Kurian levantaram-se, com as submetralhadoras em riste. Kirkpatrik ameaçou-os encostando a Mauser à cabeça de Markados: — Parem de atirar, ou matarei seu chefe! Mas os gangsters estavam como que enlouquecidos. Não atendiam nem aos gritos de Kirkpatrik, nem à ordem do gordo: — Não atirem! Ele me mata! Os russos avançaram em direção ao agente fora de série da CIA. Ao mesmo tempo, Markados tirou uma navalha do bolso. Na iminência de ser degolado pela lâmina afiada, Kirkpatrik apertou a gatilho. O homem escancarou a boca e um grito partiu de sua garganta. A navalha caiu e rolou pelo chão. Os gêmeos acorreram, ao mesmo tempo que Kirkpatrik atirava-lhes em cima o corpo do grego. Atrapalhados com o peso do cadáver, os irmãos Kurian perderam o equilíbrio e também rolaram pelo solo. As duas submetralhadoras escaparam de suas mãos. Kirkpatrik aproveitou-se disso para desaparecer de circulação, arrastando Linda por um braço... *** Achavam-se do lado de fora e Kirkpatrik ia entrar no carro quando sentiu o frio cano de uma arma em suas costas.
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— Mãos para cima e não tente nada — falou Bóris Kurian. — Sei que sua munição acabou! Agora, nós tomamos o comando da festa! E vamos fazer vocês dois dançarem à nossa maneira! Nada podia ser feito. Os dois irmãos tomaram lugar no carro e, enquanto um deles dirigia, o outro vigiava atentamente Kirkpatrik e Linda, apontando-lhes a sua submetralhadora. Linda chorava desconsoladamente. Suas queixas molhavam o paletó do Máscara Negra: — Sinto muito, O’Hara! Fui eu quem o meteu nesta encrenca! Mas tinha esperanças de conseguir vingar a morte de meu irmão! Somente hoje pela manhã descobri que Ivan Koniet era o chefão. Sei onde ele mora, mas... de que adianta? Estamos sendo “levados a passeio”! E a moça fez um gesto de desalento. Kirkpatrik procurou consolá-la: — Nem tudo ainda está perdido A esperança é a última que morre. — Pode dar tudo por perdido — rosnou Volódia Kurian. — Veja! Estamos chegando ao cais e há uma lancha à nossa espera! Não é admirável a organização da Alegre Sociedade? Realmente, logo o carro manobrava e encostava num local ermo, onde uma pequena lancha os aguardava, com o motor ligado e um rapazola ao volante. Tudo estava preparado para o “passeio” pelo rio. — Desçam — ordenou Volódia, apontando a arma diretamente para a cabeça de Linda. — Desçam que, aqui, terá início a viagem mais agradável de suas vidas! — E sorriu, maldoso. Kirkpatrik, sem se deixar abater, ajudou Linda a sair do carro e segurou-lhe o braço, enquanto caminhavam. Sua
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mente — a mente do Andróide — trabalha com afinco, em busca de uma saída... Um dos Kurian bateu, com a ponta da submetralhadora, nas costas de um e outro prisioneiros. — Caminhem! São poucos passos, apenas! Realmente, depois de três ou quatro passos através do molhe, chegaram à beira de uma escada, no fim da qual se encontrava a lancha. Um dos pistoleiros russos passou à frente deles e acomodou-se na embarcação, sempre apontando a arma, enquanto que o outro os segui de perto. Kirkpatrik e Linda começaram a descer a degraus que fatalmente os levariam à uma viagem da qual não haveria volta... — Tenha calma — disse apenas o Máscara Negra, afagando os cabelos da loura. Uma vez dentro da lancha, Bóris ordenou ao rapazinho: — Vamos! Nossos convidados têm pressa em começar o passeio! Para eles, está tudo acabado! Mas ainda não estava.
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CAPÍTULO NONO Um palacete em Flushing O rapazinho que estava no volante da lancha fez um sinal aos irmãos Kurian para que soltassem as amarras. Era o que o Andróide previra... os dois russos, na pressa de partirem, descuidaram-se e deste descuido se aproveitou Kirkpatrik. Com dois golpes simultâneos empurrou os irmãos gêmeos para fora da lancha. Sem mesmo perceber o que se passava, os dois gangsters viram-se lançados à água do cais. O rapazinho tentou enfrentar Kirkpatrik, mas este, mais traquejado em todas as modalidades de luta, em pouco tempo levou seu oponente de vencida. E, tomando-lhe o revólver que ele sacara para detê-lo, também o atirou à água. Depois, tomando a direção da lancha, Kirkpatrik partiu, em ziguezagues, para prevenir algum possível atentado à bala. Enquanto isso, os dois Kurian e o rapazinho esperneavam na água fria, tentando voltar para o cais. Os russos tinham perdido as submetralhadoras. A lancha afastou-se rapidamente pelo Eas River e, passado o primeiro momento, Kirkpatrik resolveu interrogar Linda Berger.
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— Você mentiu, quando disse que não sabia o endereço do Big-Boss, não foi? A moça ruborizou, ao responder. — Sim. Eu... tinha medo. Pensei que assim salvaria minha vida... — Bem..., mas, agora, estamos fora de perigo e você já pode contar o que sabe. Onde mora o Chefão? A moça mordeu os lábios, antes de falar. Por fim, decidiu-se: — Ivan Koniet mora num palacete muito bem defendido. — Onde? — Em Flushing. Era um arrabalde de Brooklin. — Você será capaz de me guiar até lá? Preciso ter um entendimento com o Chefão! — É perigoso, O’Hara! Estou lhe dizendo que a casa é muito bem defendida! — Acho que já provei a você que não temo situações perigosas. Nós, os irlandeses, somos muito cabeçudos... — Eu sei, mas... — Vamos! Resolva-se de uma vez! Ou você está do meu lado e, assim sendo, me ajuda em qualquer situação, ou então está contra mim! E, se estiver contra mim... — Por favor, O’Hara! Compreenda! Eu gosto de você e... — Pois, se gosta realmente de mim, este é mais um motivo para que me ajude! Temos que acabar com a alegria dessa Sociedade! A loura sacudiu os ombros, respirou profundamente e decidiu-se: — Está certo! Encoste a lancha num cais! Depois, teremos que arranjar um carro. Eu o levarei até lá.
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Kirkpatrik manobrou a pequena embarcação, com perícia, e logo os dois saltaram para terra. Tinham percorrido apenas três quilômetros do East River. Sem perda de tempo, o louro agente fora de série da CIA dirigiu-se a uma agência, onde alugou um carro. Minutos depois, estavam rodando na direção de Flushing e do palacete do rico industrial Ivan Koniet. — Você está desarmado, não é? Vi quando os gêmeos tomaram sua Mauser... — Mas não viu quando eu tomei esta arma daquele rapazinho que estava na direção da lancha — disse Kirkpatrik, exibindo o revólver. Era um Colt 45, carga dupla. — Ainda bem — suspirou a moça. — Assim, sempre teremos com o que nos defender... O carro corria velozmente e não tardou a que a loura apontasse para uma muralha que despontava mais à frente. — Lá está o palacete de Ivan Koniet! Por trás daquele muro cinzento! — Parece uma fortaleza! — É uma fortaleza, fortemente guardada! O que você pretende fazer? Ivan é intocável, O’Hara! — Você se engana — respondeu o playboy. Intocável era Eliot Ness. (*) (*) Famoso agente do FBI, caçador de gangsters, na década de 30. E Kirkpatrik estacionou o carro nas proximidades da muralha que circundava o jardim do palacete de Flushing e, depois de pensar um pouco, resolveu-se:
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— Você vai, com o carro, buscar o auxílio da polícia, enquanto eu tento penetrar na fortaleza do Chefão! — Sozinho?! — exclamou a loura. — Mas é perigoso! Muito perigoso! Os capangas de Ivan não pouparão sua vida! E, depois, a polícia... Você não tem medo da polícia? — Saberei defender-me. Faça o que estou mandando! Vá buscar a polícia! A moça suspirou, resignada. — Está bem! Você é quem dá as ordens! Mas, se fosse eu, não apelava para os “tiras”! Kirkpatrik beijou-a na boca, antes de saltar. Em seguida, fez sinal para que a loura partisse. O carro ganhou distância e, aproveitando-se das sombras, Kirkpatrik tirou a roupa elegante que vestia, surgiu vestido com a malha de Jersey preto que sempre levava por baixo da camisa, para uma emergência. De um bolso camuflado na malha, retirou õ capuz e a máscara de cetim e, em menos de cinco minutos, estava transformado no Máscara Negra. Com grande agilidade, galgou o muro que cercava o grande palacete e, num salto que quase não fez ruído, caiu do lado de dentro do jardim. Aí, agachou-se como uma pantera pronta a dar um bote..., mas não havia cães na propriedade. O Máscara Negra aproximava-se cautelosamente da casa quando vislumbrou dois vultos imensos, passeando de um lado para outro. Eram dois homens com cara de lutadores de boxe aposentados, que faziam a guarda do prédio. — Você não ouviu qualquer coisa? — rosnou um deles. — Espere aqui! Vou dar uma espiada daquele lado... O mascarado, sorrateiramente, aproximou-se de um dos homens e, de um salto, logou-o por terra, deixando-o
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desacordado com um golpe de Karatê. Ao pressentir o rumor, o outro guarda (que se afastara) aproximou-se correndo. E foi se chocar diretamente com o punho do Máscara Negra. Ouviu-se o estalar dos ossos e o homem, com o maxilar fraturado, caiu de costas e perdeu os sentidos. O caminho estava livre. Mais uma vez usando seus músculos ágeis (e o elemento surpresa) o Máscara Negra punha seus inimigos fora de combate. Deu volta à casa e aproximou-se de uma janela envidraçada, por onde se filtrava uma luz. Atrás da janela ficava uma sala luxuosamente mobiliada. Olhando para o interior, o Máscara Negra viu a figura de um homem alto e elegante, vestido com um robe-de-chambre. Era Ivan Koniet, debruçado sobre uma mesa, examinando um livro. Embora só o tivesse visto em fotografias nos jornais, Kirkpatrik logo o reconheceu. O industrial estava tão distraído que não notou a janela abrir-se vagarosamente e um vulto negro deslizar para dentro da sala... Quando ergueu a cabeça, tinha diante de si o Máscara Negra. — Quem é você? Como entrou? Que quer? Kirkpatrik sorriu por trás da máscara de cetim. Vagarosamente, suas mãos enluvadas abriram-se e fecharam-se como as de um campeão de Karatê prestes a entrar em combate. — Não acha que está fazendo muitas perguntas? Ivan Koniet sobressaltou-se e, ao levantar, esbarrou num copo de uísque que tinha ao alcance da mão. O copo caiu no chão, espatifando-se. De um salto, o Máscara Negra agarrou o homem pela gola do robe-de-chambre. — Idiota! Quer chamar a atenção de seus homens, não é? Mas não pense que se livrará de mim facilmente! Vou
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responder às suas perguntas! — acrescentou o Máscara Negra, sem largar as lapelas do elegante robe de Ivan Koniet. — Eu sou o Máscara Negra! O Chefão ficou perplexo. — O Máscara Negra?! — Em carne e osso! Entrei saltando o muro e abatendo os seus dois capangas... e, agora, vou dizer-lhe o motivo desta minha visita! Você é o... “Bang”! *** Uma forte pancada na cabeça fez com que o mascarado fraquejasse sobre as pernas. Uma segunda pancada acabou por pô-lo fora de combate. Desabou sobre o soalho, sem sentidos. *** Quando abriu os olhos, o Máscara Negra tinha as mãos amarradas atrás das costas e Ivan Koniet sorria, enquanto bebericava um copo de uísque. — Muito prazer, Máscara Negra... Não sabe a satisfação que estou tendo em ver que você não é assim tão invencível conforme reza sua crônica... Também é uma grande honra, para mim, saber que o Serviço Secreto se interessa pelos meus negócios... Ao lado do Chefão (e com os dentes arreganhados num gesto que pretendia que fosse um sorriso) estava um gigantesco gangster, quadrado como um gorila, de olhos perversos e sobrancelhas cerradas. — Felizmente, Alexei ouviu a queda do copo e veio em meu auxílio — continuou Ivan Koniet, apontando para o
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russo com o novo copo cheio de uísque com gelo. — Você trabalhou bem, Alexei. Merece um trago confortador... Sirva-se, enquanto interrogo o nosso convidado... Abrindo mais a bocarra, no arremedo de um sorriso, o russo dirigiu-se ao bar, onde começou a preparar uma dose cavalar de bebida. Usava uma caneca, em vez de um copo. Enquanto fitava os dois homens, o Máscara Negra trabalhava com as mãos, afrouxando os nós que o prendiam. Sua cabeça deixara de doer e ele se sentia perfeitamente lúcido. Muito seguro de si, Ivan Koniet ergueu a mão e arrancou-lhe a máscara de cetim. Recuou com uma exclamação de espanto. — Michael O’Hara! Ora, muito bem! Então, o Máscara Negra é o famoso pistoleiro irlandês O’Hara? Isso quer dizer que O’Hara também não deve ser O’Hara e sim um agente da CIA... Tive sorte em ter visto você entrar na boate Halleluya para se entrevistar com Markados... Nesse momento, o Máscara Negra (que conseguira soltar as mãos) atirou-se em cima do bandido, derrubandoo com um tremendo murro no queixo. Ivan Koniet soltou um grito e tentou escapulir, mas o Máscara Negra agarrou-o fortemente e passou a esbofeteálo com violência. — Agora ajustaremos contas, canalha! Eu poderia perdoar um gangster, mas nunca um espião! O capanga, que estava prestes a levar seu copo de uísque à boca, largou-o e avançou, como um bólido, na direção do Máscara Negra, agarrando-o pelo pescoço. Largando o Chefão, Kirkpatrik empenhou-se em luta corporal com o russo gigantesco. Agora, ele não tinha mais dúvidas de que aquele homem era um agente do KGB soviético.
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Eram dois gigantes, medindo forças. Em pouco tempo, os finos móveis da sala estavam espatifados; mas, depois de alguns golpes bem aplicados, o agente da CIA deixou o russo caído com o pescoço quebrado. Estava morto. Como quase todos aqueles que se atravessavam no seu caminho ... O Máscara Negra ergueu-se e deparou com o cano de uma arma que lhe era apontada. Ivan Koniet tinha, novamente, um sorriso nos lábios. — Esqueceu-se de mim, meu caro Máscara Negra? Kirkpatrik engoliu em seco e preparou-se para atacar novamente. Mas a porta abriu-se, com estrondo, e deixou entrarem os dois irmãos Kurian. A surpresa paralisou o Máscara Negra. Os russos apontavam submetralhadoras e sorriam satisfeitos para ele. O Máscara Negra apenas murmurou, em voz baixa: — Linda? Você... — E nós — concluíram os irmãos Kurian, em coro, sorrindo com ar de triunfo.
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CAPÍTULO DÉCIMO O último banquete Desarmado e sem a máscara que lhe escondia o rosto, Kirkpatrik teve ainda a desilusão de ver Linda Berger chegar em companhia dos pistoleiros. — Eu devia ter desconfiado que você me trairia na primeira oportunidade! As mulheres são todas iguais! Aposto que você voltou para o chefão! Os dois russos soltaram estrepitosas gargalhadas, enquanto a moça se mostrava aflita e corria para os braços do louro playboy. — Mas... você está pensando que eu o traí? Não! Não foi nada disso! Você precisa acreditar em mim! Eu ia chamar a polícia, quando fui apanhada, na estrada, por estes dois bandidos que vinham para cá num carro! Fecharam-me o caminho e obrigaram-me a acompanhá-los! Eu estou do seu lado, querido! Ivan Koniet assistia a tudo impassível. Largara a arma, com a qual rendera o Máscara Negra, sobre um móvel e apressara-se em preparar uma nova dose de bebida, A morte de seu guarda-costas Alexei não parecia tê-lo impressionado. De onde se encontrava, ele se voltou, para apreciar o que se passava. — Muito enternecedora essa cena — sorriu cinicamente. — Mas de nada adianta sua fidelidade, minha
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boneca... Você, e o seu novo amante, estão fritos! Mas é belo morrer fazendo o amor... Linda Berger encarou-o com ódio. — O que pretende dizer com isso? O que é que você está tramando, em seu cérebro doentio? — Ah! Chegamos às ofensas? Não era assim que você me tratava antes... Eu jamais poderia imaginar que aquela gatinha dengosa que se oferecia com tanta volúpia fosse capaz de praguejar como qualquer estivador do cais! — Canalha! Diga de uma vez quais são suas intenções a nosso respeito! Você não vai nos obrigar a...? — Para falar com franqueza, ainda não sei. Estou pensando cá com os meus botões o que será mais prático: dar ordens para que Bóris e Volódia os executem imediatamente, ou fazer uma proposta vantajosa ao seu amiguinho.... Sim, eu ainda continuo sendo um homem de negócios... — Uma proposta vantajosa? — indagou Kirkpatrik, vendo, nas palavras do bandido, uma chance de sair-se bem da enrascada. — Sim. Bastante interessante. Por acaso, gostaria de ouvi-la? Os irmãos Kurian entreolharam-se, espantados com a calma do chefe. — De qualquer maneira estou mesmo em suas mãos — tornou o gigante louro, afetando submissão para ganhar terreno. — Vejamos qual é o tipo de sua proposta. Tudo, menos morrer, com esta boneca nos braços, em cima de uma cama gelada... — Pois bem. Eu, como já lhe disse, tenho a desconfiança de que você é um espião da CIA... mas, mesmo assim, atrevo-me a fazer-lhe uma proposta que,
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aliás, não afetaria em nada suas atividades oficiais... Negócios são negócios. — E qual é a proposta? — indagou o louro playboy, impaciente. — Eu lhe ofereço um emprego bem remunerado. Digamos... mil dólares semanais, sem que você deixe de pertencer à CIA. Ser-nos-á até mesmo mais útil, continuando a exercer suas funções... Que tal? Não será o primeiro “tira” que “amolece” no combate ao Sindicato... —• Eu... Bem, não estou certo, ainda. Gostaria de fazer uma pequena exigência... — Uma exigência? Não me parece que você esteja em condições para isso! Mas, vejamos lá o que é. — Eu aceitarei sua proposta, desde que você concorde em que Linda passará a me pertencer, a partir deste momento. Eu amo esta garota. O Chefão sorriu, desdenhoso, enquanto falava: — Só isso? Ora, ora! Estamos de pleno acordo, meu amigo. Afinal de contas, Linda para mim é jornal velho... Já foi lido e relido. Se você não se incomoda com isso, ela é sua. E posso lhe adiantar que essa pantera sabe fingir que sente um grande prazer... — Estamos entendidos, então. Você nunca mais perseguirá a menina... e ela passará a me pertencer. Um dos Kurian deu um passo à frente e falou, raivoso: — Não tem medo de que este camarada esteja tentando ganhar tempo para depois nos trair, chefe? Não confie nunca nos irlandeses! Olhe aqui a arma que eu tomei dele! Ivan Koniet meneou a cabeça, enquanto recebia a Mauser 22. — Trair-nos? Não. Ninguém trai um patrão que lhe paga mil dólares por semana... Ninguém é tão honesto, ou tão burro, a esse ponto! — E, mudando de tom: — Bem, eu
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estava tomando um aperitivo, antes do jantar, quando fui interrompido pela sua chegada, O’Hara. Que tal se fizéssemos um banquete em comemoração? Um banquete à meia-noite, como se usa na alta sociedade? Realmente, um velho carrilhão acabava de dar as doze badaladas, naquele momento. Kirkpatrik sorriu, condescendendo. — Excelente idéia! Um banquete regado a vinhos italianos e champanha! — Já vi que você tem gostos parecidos coa os meus — disse Ivan Koniet, que era um gastrônomo habitual. — Passemos, pois, à sala de refeições. Mas todos os meus vinhos são russos. Apenas o champanha é francês. Naquele momento, ouviu-se o ruído das sirenas da polícia que se aproximava. Fez-se uma reviravolta no ambiente. — A polícia! — gritaram os Kurian. — Maldição! — rosnou Ivan Koniet. — Logo agora que íamos começar a nos divertir! Depressa! Tomem posições! E você O’Hara, pegue a sua Mauser! Aqui está — acrescentou ele, atirando a arma na direção de Kirkpatrik, que a apanhou no ar. — Não os deixem chegar até o terraço — gritou o Chefão, enquanto se dirigia para uma escada de mármore, a um canto, e começava a galgar os degraus apressadamente. — Ele vai fugir no helicóptero! — gritou Linda. — Sempre manteve o aparelho no terraço, para uma emergência! Kirkpatrik, sem perda de tempo, atirou nos dois Kurian, quase sem fazer pontaria. Sua Mauser funcionou admiravelmente. Os dois russos, apanhados de surpresa, caíram mortalmente atingidos. Depois, passando por cima
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dos corpos, o agente da CIA seguiu o mesmo caminho que Ivan Koniet. Ao alcançar o terraço, as hélices de um pequeno helicóptero Hughes-500, ali estacionado, tinham começado a funcionar. Kirkpatrik correu, agachado, até o aparelho; aí, abrindo a porta, atirou-se para dentro, enquanto o helicóptero começava a ganhar altura. Ao ver o gigante louro saltar para dentro do aparelho, o Chefão da Alegre Sociedade compreendeu de imediato o que se estava passando. Tentou uma reação, mas Kirkpatrik, mais ágil, atacou-o em primeiro lugar. O aparelho dançava um balé original, em plena noite, enquanto os dois homens lutavam. Por fim, a porta se abriu e um corpo foi atirado para fora, indo cair nas águas geladas do East River. Do alto do terraço, Linda Berger soltou um grito de pavor. Teria sido 0’Haia? A distância não lhe permitira ver se o corpo usava robe ou malha preta. O helicóptero começou a descer e a moça preparava-se para escapar do terraço quando a voz de Kirkpatrik chamou seu nome: — Linda! Venha depressa! Não temos, tempo a perder! A polícia está invadindo o palacete! Precisamos escapar! A moça ganhou novo alento. Correu para o aparelho e, um momento depois, os dois amantes desapareciam na escuridão da noite... Entretanto, lá embaixo, os remanescentes da “Alegre Sociedade” eram aprisionados pelos homens da lei. Os dois russos estavam apenas feridos e também foram algemados e conduzidos para as viaturas policiais de Flushing. Aquilo era o fim da Alegre Sociedade.
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CONCLUSÃO Depois de dar uma volta no ar o helicóptero desceu nas proximidades do palacete de Ivan Koniet. Kirkpatrik dirigiu-se para o local onde escondera as suas roupas e vestiu-se completamente. Depois regressou ao helicóptero, onde se reuniu a Linda, e o aparelho voltou a levantar voo. Só então o playboy pôs-se a comentar com a loura o aparecimento providencial da polícia. — Foi um verdadeiro milagre terem aparecido naquele momento! Parece que eles adivinharam! A moça sorriu satisfeita. — Neste caso, quem praticou o milagre fui eu... — Você? Mas... como?! Pois os irmãos Kurian não a trouxeram de volta? Você não me disse que...? — Sim. Na verdade, eles me interceptaram no caminho, mas, antes que saltassem do carro e me aprisionassem, tive tempo de escrever uma mensagem, com o meu baton, no para-brisa do carro. Uma mensagem muito simples: “Alegre Sociedade — palacete de Ivan Koniet. Em seguida, para que os russos não dessem pela coisa, saltei e fui ao encontro dos dois... — Agora, compreendo tudo! A polícia encontrou o carro abandonado na estrada, leu a mensagem e... É, você é uma garota bastante inteligente!
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— Eu não podia deixar que os bandidos da Alegre Sociedade levassem a melhor — argumentou a loura, beijando-o na boca. — Você os odiava muito, não? — Jurei vingar a morte de meu irmão a qualquer preço! E, graças à sua ajuda, consegui o meu intento! Ivan Koniet mereceu o fim que teve! Os ratos devem morrer afogados! A moça parou de falar repentinamente e pôs-se a olhar o louro playboy, com ar de espanto. — O que há? — indagou Kirkpatrik, desconfiado. — Bem... é que Ivan falou aquele negócio a respeito de você pertencer à CIA... Você não é um “tira”, é? — Tolices — sorriu Kirkpatrik. — Ele fez essa suposição e eu deixei-o ir em frente, para tirar partido da situação... Você acha que se pertencesse, realmente, à CIA, ou ao FBI, teria motivos para escapar quando a polícia apareceu? Era mais simples mostrar a minha carteira funcional ... Mas acontece que eu não a tenho. Não sou um “tira”, meu bem. — Bem, eu acho... — os lábios da moça se abriram num sorriso. — Não! Um agente da CIA não fugiria da polícia! Mas, nesse caso, você é realmente um pistoleiro irlandês! Você é Michael O’Hara! — Fui — mentiu Kirkpatrik. — Fui um pistoleiro... Você pode vangloriar-se de ter conseguido regenerar-me! Fez comigo o que não conseguiu fazer com seu irmãozinho! E, puxando a moça, com um braço, para junto de si, enquanto o outro manobrava o aparelho, uniu seus lábios aos dela, num beijo ardente. O helicóptero, momentaneamente desgovernado, cabeceou no ar. Mas, felizmente, não caiu. ***
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Mais tarde, no apartamento de Linda Berger. Kirkpatrik saboreava uma dose generosa de uísque, depois de ter tomado uma reconfortadora ducha fria. A loura, coberta por um transparente negligée, passeava pela sala, os pés descalços pisando sobre o espesso tapete. — Felizmente acabou-se o pesadelo — dizia ela. — Houve um momento em que pensei que não saíssemos com vida desta aventura! Meu irmão foi vingado e... acabou-se a Alegre Sociedade! Tudo graças a uma loura e um pistoleiro irlandês! Mas eu duvidei do nosso sucesso... — Você não confiava em mim? — sorriu Kirkpatrik. — Confiar em você, confiava, mas... eles eram em maior número e estavam sempre bem armados. Enfim... tudo acabou e, agora, poderemos ficar descansados, sem o menor receio de (que nos entre portas adentro capangas munidos de metralhadoras! Kirkpatrik ergueu-se e foi até o local onde Linda se encontrava. A moça afastara a cortina e olhava para a cidade, lá fora. As luzes dos luminosos emprestavam um ar de festa à noite. Todo o bairro de Brooklin cintilava. O louro playboy agarrou-a pelos ombros e voltou-a de frente para ele. Por um momento, os dois permaneceram com os corpos muito juntos, sem dizer palavra. Foi Linda quem quebrou o encantamento, passando os braços pelo pescoço do playboy e murmurando seu nome (ou o que ela pensava que fosse o nome dele), em voz cheia de emoção e promessas. — Michael! Oh, meu querido, Michael! Como eu o desejo! Agora mais do que nunca! Kirkpatrik sorriu, do engano da moça, mas nada fez para retificá-lo. Apertou-a mais de encontro ao peito musculoso e seus lábios beijaram primeiramente os olhos
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semicerrados da loura e, depois, desceram para os lábios onde permaneceram num longo e apaixonante beijo... *** Na manhã seguinte, Kirkpatrik despedia-se de Linda, prometendo regressar o mais breve possível. — Você jura que não vai se esquecer de mim? — indagou a moça, fazendo beicinho. Ela era, realmente, uma delícia de mulher! — Não sou homem de fazer juramentos. Mas creio que a minha promessa deve bastar para você. Eu a amo! Ela olhou-o profundamente, bem dentro dos olhos, por alguns momentos, antes de voltar a falar: — Sim. — Suspirou, conformada. — Eu o esperarei por muito tempo ainda. Talvez você volte, realmente. Se assim for, será ótimo! Talvez ... talvez nunca mais nos vejamos e, então, guardarei comigo a lembrança dos doces momentos que passamos juntos... De uma forma ou outra, você representará sempre uma coisa boa que aconteceu em minha vida... Michael O’Hara! Quando o avião em que Kirkpatrik partia para Washington levantou voo, Linda Berger, de pé, acenava com um lencinho de renda e de seus olhos caíam grossas lágrimas. — Adeus, amor! Até um dia, se for possível! Tomara que os meus pressentimentos não se justifiquem... e você não seja um “tira”! Mas tudo me leva a crer que Michael O’Hara não existe! ***
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Com um sorriso de satisfação nos lábios, o Velho andava pela sua sala de trabalhos, enquanto ouvia o relatório de Kirkpatrik lhe apresentava. — Eu sabia que, uma vez mais, você sairia vitorioso, meu caro Horace... A Alegre Sociedade foi completamente desbaratada! Um ou outro elemento, que ainda se encontra em liberdade, não tardará a ser apanhado e devidamente punido. Podemos dizer que a paz voltou a Brooklin. E os nossos “amigos” do KGB terão que sair para outra... O agente fora de série da CIA olhou, de modo interrogativo, para o chefe. — O que há? — indagou o chefe do DCA. — Faça logo a pergunta que tem em mente! Eu o conheço bastante para saber que alguma coisa o incomoda! O que é? — Gostaria de saber o que acontecerá com o velho Salvatori Magaldi... — Ah! Compreendo! Mas não é preciso você se preocupar. Aquele assunto pertence ao FBI, que já tratou de pressionar o velho. Ele optou por uma aposentadoria compulsória e por acabar seus dias tranquilamente, tomando chá, no reservado dos fundos do restaurante da Rua Mott... Na verdade, o FBI não tem nenhuma prova palpável contra ele. Os tempos mudaram, meu caro Horace. Já não há mais lugar para as famigeradas “famílias” da Cosa Nostra. — Creio que já nada mais me resta a fazer aqui — ponderou Kirkpatrik, enquanto se levantava. — Já sei — volveu o Velho, sorridente. — Você está ansioso para voltar ao seu escritório, não é? — E deu uma piscadela de olho significativa. — Ao meu escritório? Sim... Acho que é isso. Não sei por que, mas a verdade é que sinto saudades das repreensões de Miss Ventura Marble... Ela é um dragão, não resta
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dúvida, mas já me acostumei às suas investidas e sinto falta delas... O Velho estendeu-lhe a mão, que ele apertou com energia. Minutos depois, o playboy deixava o prédio onde estava localizada a sede da CIA, em Langley. Dali, partiu diretamente para o aeroporto. Tinha reservado passagem num avião da TWA. Enquanto seguia para Pittsburgh, Kirkpatrik ponderava com seus botões: “Uma vez mais o KGB sofreu uma derrota. Quando será que aqueles cavalheiros tomam emenda? Alexei Zhikov, afinal, sempre era o homem deles em Brooklin...” *** Com uma pequena sunga preta sobre o corpo, e displicentemente deitado sobre o gramado que cercava a piscina de seu palacete, o industrial do aço Horace Young Kirkpatrik deixava que o sol da manhã queimasse o seu corpo musculoso. Passos macios se aproximaram e o Apoio louro ergueu os olhos cinzentos. De pé, a seu lado, estava o mordomo, com um telefone cor de marfim nas mãos. O longo fio estendia-se até dentro de casa. — Telefonema para o senhor, sir. — Quem é? — Não quis dizer o nome, mas é voz de mulher... Como sempre, sir. Kirkpatrik apanhou o aparelho, com uma esperança a brilhar nos olhos cinzentos. O mordomo afastou-se discretamente, voltando para o interior da casa. — Sim? Ah! É você Angelique? Por onde tem andado? Como? Acaba de chegar de Paris e não sabe onde se
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hospedar? Mas por que já não está aqui em casa? Sim! Venha! — E, depois de uma ligeira pausa, fez uma pergunta: — Escute, Angelique. Você, por acaso, trouxe um biquíni? Por quê? Porque eu, para ser sincero, pretendo passar os próximos dias à beira da piscina, saboreando uns bons drinques... Desligou o telefone e saltou para dentro da água morna e azulada da piscina. Aquela ligação dera novas forças ao irresistível playboy. Breve, Angelique, uma linda francezinha morena, estaria ali, para lhe dar momentos de indescritível prazer. Não há nada como uma morena, para mitigar as saudades de uma loura...
FIM
A seguir: DEVORADORES DE PLÁSTICO — onde Kirkpatrik enfrenta uma invasão de bactérias que ameaçam destruir a nossa civilização, baseada na matéria plástica. Não perca!
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