M77z 086 - Transa De Mulheres - Tony Manhattan.pdf

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  • Words: 22,730
  • Pages: 103
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SÉRIE: 77Z VOLUME: 86 TÍTULO: TRANSA DE MULHERES AUTOR: TONY MANHATTAN ILUSTRAÇÃO DA CAPA: BENÍCIO EDITORA: MONTERREY ANO DA PUBLICAÇÃO: 1977 PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 8,00 PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL [email protected] DISPONIBILIZAÇÃO BOLSILIVRO-CLUB.BLOGSPOT.COM.BR [email protected]

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apresenta

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não tem qualquer relação com nomes ou personalidades da vida real: Qualquer semelhança terá sido mera coincidência. Publicação no Brasil: 1977 Copyright © Editora Monterrey Ltda. Proibida a reprodução no todo ou em parte

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TRANSAS DE MULHERES TONY MANHATTAN

Capa de BENICIO

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PRÓLOGO Não era difícil concluir que Herman Schulsz gostava de pescar. El^ estava sentado numa pedra, na beira de um riacho, a três milhas de Bluftein, a pouca distância do Reno. Tinha nas mãos uma vara cuja linha mergulhava nas águas tranquilas daquele afluente do Reno. Os olhos fixavam a superfície brilhante do riacho, com uma expressão de paz, de calma, dificilmente perceptível em suas pupilas castanhas quando se encontrava em Bonn. Os lábios finos entreabriam-se com suavidade, num meio sorriso beatífico, quase infantil. Tinha os longos cabelos brancos em desalinho, tombados sobre a testa alta. Usava um capote de plástico cinza, com grandes bolsos, que o protegia da umidade penetrante que reinava no local. Herman Schulsz enterrou a vara .na terra macia da margem do riacho e meteu a mão no bolso do capote, retirando de lá um pesado cachimbo curvo, preto, habilmente trabalhado. Do outro bolso, extraiu uma bolsa de fumo e começou, pacientemente, a operação de encher o cachimbo. Metia o fumo com cuidados extremos, calcando-o com uma pequena pá de prata. Depois, meteu o cachimbo na boca, pegou uma enorme caixa de fósforos e riscou um palito, chegando a chama ao fumo, sob a proteção das mãos, colocadas em concha. —7 —

Aspirou a fumaça com força, repetidas vezes, e apagou o fósforo, guardando a caixa. Com um sorriso de satisfação, Schulsz voltou a pegar a vara, cantarolando baixinho uma ária de Verdi. Eram seus dois vícios mais notórios, além do fumo, a pesca e a música de Verdi. Seria capaz de entoar, inteirinha, a Aída. Assim como poderia passar uma semana pescando. Com quarenta e sete anos, não tinha outras extravagâncias. Súbito, uma dor aguda, como uma picada de inseto, fêlo encolher-se e levar a mão ao pescoço avermelhado. Soltou a vara e o braço pendeu, flácido, enquanto seu corpo caía para um lado, resvalando até ficar apoiado contra a pedra. Quem o visse, diria que estava adormecido. Com a dor, apertara fortemente os dentes, mordendo o cachimbo. Não o largou, ao cair. Trinta segundos depois, dois vultos, cobertos por impermeáveis escuros aproximaram-se sem ruído e um deles entreabriu uma das pálpebras de Herman Schulsz. Fez um sinal de assentimento para o companheiro e logo pegaram o corpo inerte do alemão, arrastando-o pelo bosque de pinheiros, em direção a um carro estacionado a menos de duzentos metros. A mala do carro estava aberta e lá foi depositado Herman Schulsz. As duas figuras silenciosas entraram no carro e o veículo em breve arrancava, sem grande ruído, alcançando pouco depois a estrada, rumando a velocidade moderada na direção de Bonn. No entanto, não chegou à capital alemã. Deteve-se num descampado, depois de abandonar a estrada principal e meter-se por uma secundária. O vulto que dirigia o carro fez sinais luminosos com os faróis e, da noite que caíra havia pouco, responderam da mesma forma. —8 —

Uma vez mais o veículo se pôs em movimento, acercando-se do local de onde viera a resposta aos sinais luminosos. A sombra de um pequeno jato era agora visível, a uma centena de metros. O carro chegou até perto dele e dois outros vultos se aproximaram. Sem uma palavra, as quatro figuras moveram-se para a mala do automóvel e, sem esforço, carregaram o corpo inanimado de Herman Schulsz para o avião. Com uma rapidez impressionante, os vultos desapareceram no interior do aparelho, à exceção de um, que se afastou no carro. Cinco minutos mais tarde, o avião era apenas um ponto no espaço, rumando para o desconhecido. *** A garota deveria ter cerca de trinta anos, loura, bemfeita, com as curvas nos lugares onde se esperaria que estivessem. Possuía um corpo que se adivinhava ágil, elástico, flexível como uma cana de bambu. Era de uma cor achocolatada, lisa e levemente brilhante. Os olhos, de um azul intenso, pareciam despedir faíscas de sensualidade. Estava sentada diante dos comandos do avião que transportava um passageiro involuntário: Herman Schulsz. A loura pegou o fone do rádio e, enquanto uma outra garota regulava a frequência, foi falando: — Alô, Casa Grande? Aqui Delta Três falando. Alô Casa Grande, responda. Um leve zumbido e uma voz de mulher chegou até o avião: — Alô, Delta Três, aqui Casa Grande. Escuto.

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— Delta Três para Casa Grande. Missão cumprida. Voamos para Casa levando na bagagem o cientista nuclear. Está adormecido e assim ficará por mais doze horas. Tempo necessário para chegarmos em Casa. Escuto. — Parabéns, Delta Três. Grande Conselho vai ficar satisfeito. Esperamos vocês. Desligo. A loura voltou-se para a companheira, na cabina de comando do avião, e suspirou: — Felizmente tudo foi rápido. Não estou ainda muito acostumada com este tipo de trabalho. Como se sente você, Magda? — Tudo bem, Daisy. Apenas ansiosa para chegar em casa e poder tomar um banho. — Eu também. Estaremos lá dentro de onze horas e meia, se não houver problemas. — Que problemas poderiam aparecer? — Não sei. Alguém captar nossa mensagem, interceptar o avião, sei lá... — Mas isso é impossível, Daisy. Nossos rádios estão preparados para trabalhar nesta frequência especial, que apenas por mero acaso pode ser captada por algum radioamador. Quem poderia interceptar o avião não usa frequências de radioamador. — Tem razão, querida. Creio que a operação me deixou um pouco nervosa. — Também acho, Daisy. Temos onze horas pela frente. Seria bom ligar o piloto automático e ir descansar um pouco lá dentro, junto com Carlota e Berenice. Eu cuidarei disto por aqui. Você deve estar muito cansada. Daisy assentiu com um movimento de cabeça e, depois de fixar o piloto automático do aparelho, levantou-se, espreguiçando. Seu corpo ficou então exposto em toda sua pujança. Os seios firmes projetaram-se com arrogância, — 10 —

como aríetes disposto a golpear um observador desprevenido. Tinha os pés ligeiramente afastados e o short que usava descobria umas pernas de pele acetinada, suave, que apetecia acariciar. Passou a mão direita pelo estômago plano e pelo ventre achatado, com lentidão, e sussurrou: — Dava uma fortuna para estar agora com Bob. Sinto um calor terrível dentro de mim. Precisava de alguém que o apagasse. Magda soltou uma risada nervosa e piscou um olho para a companheira. — Terá que esperar mais algumas horas, querida. — É... Será que esse cientista vai acordar logo? Ou o efeito do narcótico que aplicamos no dardo só o deixará despertar dentro de onze horas? Até que ele não é nada de se jogar fora... Magda soltou outra risada e respondeu. — Você é demais, Daisy. Pare de cobiçar tudo quanto é homem. Me deixa nervosa. Vá dormir e procure não pensar muito em objetos cilíndricos e lábios quentes de desejo. — Você não sabe o que é bom. Não suspeita sequer o que uns lábios bem treinados podem fazer num corpo de mulher. Um dia talvez você descubra... Acariciou o rosto juvenil de Magda e saiu da cabina. A garota balançou a cabeça e dedicou sua atenção aos aparelhos de bordo, verificando a rota que levaria o jato a uma pequena ilha situada em pleno Pacífico, a cerca de oitocentas milhas da costa do Chile, na América do Sul. Carlota e Berenice estavam sentadas em cadeiras de lona, no corpo do avião, junto do assento onde repousava Herman Schulsz, desacordado. Daisy aproximou-se do cientista e entreabriu uma dc suas pálpebras. — 11 —

— Não deu sinais de querer acordar? — Nada. Dorme como um anjinho — disse Berenice. — Que pena! — exclamou Daisy. — Gostaria de bater um papo com ele, antes de chegarmos em casa. — Pare de se comportar como uma serpente voraz, Daisy — censurou Carlota. — Por quê? Vocês não gostam? Não tenho culpa de gostar tanto de homem. Ou é crime? — Vá dormir um pouco, minha filha — aconselhou Berenice. — Você deve estar cansada e algumas horas de sono só lhe farão bem. — Droga! A bela loura de olhos azuis intensos sentou-se em outra cadeira de lona. Ficou ali durante alguns instantes, mas logo se levantou, acabando por estender uma manta no chão, deitando-se. Seu corpo ondulava suavemente, em requebros de sensualidade, enquanto seus lábios entreabertos se umedeciam. Tinha os olhos fechados e a mão direita repousava entre as pernas, acariciando levemente as partes mais ardentes de seu corpo de fêmea sedenta de amor. Pouco depois, Berenice, uma morena espetacular de cerca de quarenta anos, excelentemente cuidados e de aspecto vigoroso, foi estender-se na manta, ao lado de Daisy, afastada uns cinco metros de Carlota e do adormecido cientista. — Durma, meu bem — sussurrou Berenice, chegandose para junto da ardente companheira e passando a mão, com suavidade, por seus cabelos, seu pescoço, seu busto arfante. — Fique comigo, Bere — quase gemeu Daisy. — Me acarinhe para eu descansar. — Está bem, amor. Eu ficarei aqui, juntinha de você. Está bem? — 12 —

— Está, Bere. Só que sinto muito calor. Não poderia tirar alguma roupa? — Claro, meu bem. Eu ajudo você... As vozes das duas garotas não eram mais do que um murmúrio, mal chegando até onde estava Carlota, uma garota apagada, de óculos de aros de metal, cabelo castanho amarrado no alto da cabeça e um jaleco grosseiro e escuro que lhe ocultava qualquer forma do corpo. *** Eram sete horas e trinta e dois minutos, na manhã seguinte, quando Daisy comunicou com a torre da ilha. — Alô, Casa Grande. Aqui Delta Três, pedindo permissão para descer. Escuto. — Alô, Delta Três. Aqui, Casa Grande, pista um livre. Pode descer. Estamos esperando você. Desligo. Cinco minutos pais tarde, o pequeno jato, reabastecido numa base clandestina durante a noite, começou a baixar sobre a ilha de Nkyrvos, a sul do Havaí, quinhentas milhas ao largo da costa sul-americana. Nkyrvos era uma ilha de razoáveis dimensões, coberta de uma vegetação luxuriante. Por um daqueles acasos que acontecem uma vez em cada século, a ilha não fora reclamada por país nenhum desde a Segunda Guerra Mundial. Era, pois, terra de ninguém, até que um grupo de mulheres começou a povoá-la, dois anos antes. Aí ficava a Casa Grande a que Daisy se referia em suas mensagens pelo rádio. Uma pista de concreto, com dois quilômetros de extensão, apareceu entre as palmeiras que bordejavam a praia. Daisy manobrou o jato para lá, com a perícia de um piloto experimentado e, minutos depois, o trem de — 13 —

aterrissagem tocava o concreto, com um gemer angustiado de pneus. Eram sete e cinquenta, quando a porta do avião foi aberta e Carlota apareceu, respirando profundamente o ar fresco da ilha. Havia um comitê de recepção, aguardando o avião. Cinco mulheres, três jovens e duas menos jovens, estavam na placa de desembarque, esperando. Duas delas avançaram para o aparelho, empurrando uma escada que se ajustou na porta. Pouco depois, Carlota e Berenice arrastavam o corpo de Herman Schulsz. A brisa suave que varria a pista de aterrissagem bateu em cheio no rosto do alemão, que abriu os olhos e sacudiu a cabeça. Tentou erguer-se, no que foi auxiliado pelas duas garotas. — Que... que significa isto? — balbuciou. — Calma, professor. Está tudo bem. O senhor veio apenas dar um passeio e conversar com ama velha amiga. Pode descer sozinho? — a voz de Carlota era suave, contrastando com seu aspecto um tanto grotesco. Schulsz olhou para ela, sem responder. Depois passeou o olhar à sua volta, pela vegetação intensa da ilha, pela pista de concreto que se estendia na sua frente, pousando-o, por fim, no grupo de cinco mulheres que aguardavam no solo. Duas delas estavam armadas de submetralhadoras, que chegavam a parecer brinquedos inofensivos em suas mãos delicadas. — Devo estar sonhando — murmurou ele. — Vou acordar, com certeza, porque isto não pode ser verdade. — Não está sonhando, professor — a voz era de alguém que vinha do interior do avião, aproximando-se da porta.

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Schulsz voltou a cabeça e fitou os olhos azuis e os cabelos louros da garota que falara. — Meu nome é Daisy e eu o transportei da Alemanha até aqui. — Hum... Muito interessante. E o que é isto aqui? — Nkyrvos, o último reduto do paraíso terrestre, a esperança da humanidade, a sede da Casa Grande. — Mas que rosário de bobagens você está dizendo, garota. Vamos, acabem logo com todo este absurdo e me digam o que aconteceu. — Não são bobagens, professor. Em termos diretos, o senhor foi sequestrado e trazido para uma ilha desabitada, perdida no meio do Pacífico. Acontece que esta ilha deixou de ser deserta desde há dois anos porque nós, as obreiras da Casa Grande, estamos aqui. Para nossa missão poder ser cumprida, precisamos de alguém como o senhor. Um expert em energia nuclear. Por isso o trouxemos desse jeito. Sabíamos que não viria de livre e espontânea vontade. — Isto é ridículo! Exijo que me levem de volta ao local de onde me trouxeram. — Calma, professor. As coisas não são mais feitas do modo que o senhor quer. Agora, o cientista Herman Schulsz, prêmio Nobel da Física, a maior autoridade mundial em energia nuclear, dançará de acordo com música da Casa Grande. Entendeu? Posso acrescentar que temos processos infalíveis para o fazer cooperar. Sua filha, por exemplo, poderá ser de grande utilidade para nós, nesse aspecto. Herman Schulsz baixou o rosto. — Entendo. O velho sistema de chantagem sobre a filha do famoso cientista. Já vi isso muitas vezes em filmes, mas nunca pensei que pudesse acontecer na realidade.

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— Como vê, aconteceu. E esperamos que o senhor colabore conosco. Creia que não gostaríamos de fazer mal a Michelle Herman. — Não toquem em minha filha! Ela vale mais do que todas vocês juntas — berrou o alemão. — Claro, professor. Claro. Agora vamos descendo, que o Grande Conselho está esperando por nós. Schulsz sacudiu a cabeça. Tudo lhe parecia irreal. Acabou encolhendo os ombros e adiantando-se, em direção ao grupo de cinco mulheres que o esperavam na pista. Elas abriram caminho, deixando uma passagem entre si, por onde o cientista avançou. O grupo voltou a fechar-se em volta dele e, todos juntos, encaminharam-se para um ônibus estacionado a cerca de cinquenta metros do avião.

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CAPÍTULO PRIMEIRO Na pista da energia solar — Não, meu caro. Não sabemos mais nada. Apenas isso. O professor Herman Schulsz, prêmio Nobel da Física, autoridade reconhecida mundialmente em energia nuclear, mais especificamente, armamento nuclear, sumiu. Desapareceu misteriosamente quando pescava nas margens de um riacho perto de Bluftein, a curta distância do Reno. A vara de pesca foi encontrada presa entre uns arbustos, ainda com uma truta se debatendo na ponta da linha. Os demais apetrechos, dentro de uma bolsa, incluindo uma caixa de anzóis, linha, iscas e outras coisinhas de pescador de fim de semana, foram encontrados junto de uma pedra, ao lado de uma maleta de isopor, onde Schulsz esperava certamente guardar o peixe que apanhasse. — É muito pouco, na verdade. Os dois homens estavam sentados frente a frente, num pequeno restaurante chinês, em Nova Iorque. Um era jovem, de físico atlético, alto, com cerca de um metro e noventa, cabelos louros levemente frisados na nuca. Tinha olhos cinzentos, frios, e lábios finos e sensuais. O queixo era projetado para diante, indicando uma força de caráter e voluntariedade notáveis. Tinha mãos grandes e fortes. Aliás, todo seu corpo, apesar de esbelto, revelava-se musculoso, flexível, treinado para a ação. — 17 —

Chamava-se Horace Young Kirkpatrik e era oficialmente o presidente da K.K.K. Steel Ltda., um dos mais poderosos consórcios de aço v do mundo, com sede em Pittsburgh. O homem sentado na frente dele era bem mais velho, menos atlético e de cabelos esbranquiçados. Tinha um rosto inteligente e seus gestos possuíam a delicadeza de um gentleman. Era Mr. Lattuada, chefe do Departamento 77, da CIA, ramo da agência dedicado a sabotagem e espionagem internacionais. Casos fora de série, como era, também, o agente 77Z, Horace Kirkpatrik. Na realidade, Kirkpatrik era o famoso agente 77Z, fora de série, um daqueles homens que não se fabricam para um lugar especial dos serviços secretos. Eles nascem feitos, apetrechados de qualidades ímpares de inteligência, discernimento, capacidade para a ação, decisões e reflexos ultrarrápidos e certeiros. Um homem desses aparece uma vez, em um milhão de seres humanos. O que vem depois, o treinamento, as lutas marciais praticadas com a máxima perfeição e todos os conhecimentos possíveis, a destreza no manejo de qualquer arma, o profundo conhecimento dos detalhes da espionagem, na natureza humana, da psicologia, etc., são complementos que uma organização poderosa, como a CIA, agrega ao elemento excepcional que assimila. Esse era o caso do agente 77Z, o mais temido dos espiões, o mais secreto dos agentes, Máscara Negra, Andróide, Robô, quando funcionava a coberto do DCA (Department of Couvert Activities), da CIA. Seus atributos e qualidades naturais, somados ao aperfeiçoamento que a CIA lhe imprimia desde o primeiro instante e ao dinheiro que o tornava um dos milionários mais tranquilos do mundo, faziam de Kirkpatrik, do irresistível playboy do jet set internacional, pouco menos que um mago. — 18 —

Era esse playboy, atraente sem ser ostensivo, irresistível para as mulheres, que agora se encontrava diante de seu chefe, Mr. Lattuada, com uma expressão pouco satisfeita no rosto simpático. — Muito pouco, efetivamente. Como alguém pode desaparecer assim, sem deixar rastro? E por quê? — Bom, Horace, como alguém pode desaparecer assim, ainda não sabemos e esperamos que você possa contribuir para que fiquemos sabendo. Para isso, o Departamento o convocou. — Muito lisonjeiro, da parte de vocês — atalhou ele, com um sorriso irónico. Mr. Lattuada não prestou atenção para o comentário e prosseguiu: — Quanto ao porquê desse desaparecimento, a resposta já é outra. Herman Schulsz era uma das maiores autoridades mundiais em armamento nuclear. Cientista laureado com o prêmio Nobel da Física, era uma presa cobiçada por qualquer país que desejasse desenvolver seus sistemas armamentistas nucleares, apesar dos acordos e convênios de limitação de armas. — Está pensando em algum país em especial? — perguntou Kirkpatrik. — Não, Horace. Não estou pensando em nenhum. Poderia pensar em muitos, mas não quero arriscar um palpite que pode estar errado. Pode ser qualquer um e pode não ser nenhum deles. Entende? — Acho que sim. — Muito bem. A verdade é que Schulsz não foi o primeiro a desaparecer misteriosamente nos últimos tempos. Antes dele, tinha sumido a doutora Helen Remick. — A cientista especializada em energia solar?

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— Ela mesma. A doutora Remick notabilizou-se pelos seus estudos e descobertas, sobre a utilização da energia solar para quase todas as utilidades que hoje são desempenhadas pelos combustíveis convencionais. Segundo o processo dessa cientista, a energia solar poderia substituir, de imediato, a eletricidade, a gasolina, as hidroelétricas, até a energia nuclear, em certos aspectos. — E tudo isso era real, ou não passava de teoria demagógica, como tantas outras que cada dia aparecem pelo mundo? — Infelizmente, era real. Basta dizer que ela possui uma fazenda no Texas, a cento e vinte quilômetros de Dallas, onde instalou toda uma complexa aparelhagem, por ela mesma inventada e com a qual faz funcionar desde os aparelhos eletrodomésticos de sua casa até uma usina de tratamento de alimentos macrobióticos. Possui ainda um automóvel que não sai da fazenda e que funciona apenas com energia solar, armazenada em acumuladores criados por ela. Atinge uma velocidade máxima de 120 quilômetros horários e os acumuladores precisam ser recarregados apenas uma vez em cada cinco anos. — Mas isso é uma revolução no inundo atual. Os árabes... — Isso mesmo. Os árabes fizeram uma pressão tão grande, que tudo aquilo está suspenso, aguardando melhor oportunidade para vir à luz do dia. A política é uma coisa com muita força, meu caro. — Sei disso. Mas o que aconteceu com a doutora? — Um dia saiu de sua fazenda, a caminho de Dallas, onde esperava pegar o avião para Nova Iorque, e não apareceu mais. Não chegou a entrar no avião. Simplesmente desapareceu, sem deixar rastro. Mais ou menos como aconteceu com o cientista alemão. — 20 —

— Esse foi apanhado quando pescava. Sem rastro, também, não é mesmo? — Exato. A cerca de duzentos metros do local onde ele se encontrava, descobriram marcas de pneus de automóvel, que se dirigiam para Bonn. No entanto, no asfalto perderam-se as marcas. Estão tentando identificar o carro pelas marcas dos pneus, mas não acredito que isso leve a lugar algum. Certamente, trata-se de um carro roubado. No entanto, no caso de Herman Schulsz, há um detalhe curioso. Foram descobertas marcas de pés de duas pessoas, além das do professor, na terra macia da margem do rio. E ambas as pegadas pertencem a mulheres, jovens e de corpo bem feito... — Ei, espere aí. Que tenham descoberto que eram mulheres e jovens, entendo. Mas garantir que eram de corpo bem feito, não será ir um pouco longe demais? — Não. Pela profundidade das marcas, a inclinação e outras coisas mais, os peritos podem concluir que se trata de mulheres com cerca de cinquenta e cinco quilos, sem defeitos físicos externos. Claro que não garantem que sejam belas, se é isso que o preocupa, meu amigo. Mas que são perfeitas de corpo, isso eles afirmam. — Muito bem. Espero que a beleza geral corresponda à perfeição do corpo... — Também espero, porque estamos pensando que elas sequestraram o alemão. — Sorte dele, se assim for. — E sua, Horace. — Minha? Como assim? — Porque nós vamos fazer o impossível para você ser sequestrado por elas também. — Estou entendendo. Não consigo ver como...

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— Muito simples. A doutora Remick estava ainda lutando com um grave problema em suas descobertas. O controle da energia solar para substituição da energia nuclear em instrumentos de alta precisão. Armas de longo alcance, por exemplo. Os instrumentos cirúrgicos... — Entendo. Uso pacífico, com a alternativa da violência, como sempre acontece. — Exato. Ora, você, cientista obscuro, pouco amigo de publicidade e reconhecimento público, seguiu o trabalho dela com devoção e conseguiu aperfeiçoar um método de controle dessa energia, solucionando definitivamente o problema da doutora Remick. — E que método é esse? — Como eu vou saber? Não sou cientista. Isso é problema seu. Invente qualquer coisa, pois amanhã você será entrevistado por Borman Gentle. — Borman Gentle? O produtor do programa de televisão mais assistido no país? — Ele mesmo. Por processos que não interessam agora, conseguimos fazer com que ele leve ao ar, amanhã, ao vivo, um programa em que o cientista desconhecido, Horace Kepplleton, é a estrela. Acontece que Horace Kepplleton, físico nuclear e verdadeiro apaixonado pela investigação solar, é você. Tudo está preparado, sua documentação e bagagem pronta. — Horace Kepplleton? Muito interessante... — Kepplleton mantém um laboratório de investigação e estudo no Alasca, numa região de pesquisa financiada pelo governo dos Estados Unidos. Na realidade, essa região de pesquisas existe, só Kepplleton é falso. Ou, melhor, era falso até ontem. Ontem você nasceu para o mundo. Não sei se reparou, mas o noticiário nacional da televisão, de ontem à noite, inseriu já uma foto sua, bem como um ligeiro — 22 —

resumo de sua biografia e atividade científica, além da notícia de que amanhã você estará diante das câmeras de televisão, sendo entrevistado por Borman Gentle. Espero que as garotas que levaram Schulsz sejam as mesmas que raptaram a doutora Remick e que elas gostem de televisão... — Também espero. Aliás, depois das garantias que seus rapazes apresentaram, confesso que estou ansioso para ser sequestrado. Tomara que não mandem marmanjos, desta vez... Mr. Lattuada soltou uma gargalhada curta e disse: — Claro que não vão mandar. Quando o negócio é mulher, você bate todos os recordes de sorte. — Eu não diria que seja sorte, apenas. Acontece que eu tenho o que elas querem. E ofereço de boa vontade... — Modesto, você. É uma das qualidades que mais aprecio. Mas vamos ao que interessa. Seu nome consta da lista de passageiros do voo TWA 375, de amanhã, às nove, do Alasca para Nova Iorque. Daremos um jeito de você estar na sala de desembarque, como se na verdade tivesse chegado nesse aparelho. — E que faço depois? — Antes, quer você dizer. Antes de chegar, você procura disfarçar um pouco sua vitalidade, sua irresistibilidade, se entende o que quero dizer. Você tem que parecer um cientista, meio encurvado, precisando usar óculos para ler, um pouco distraído, os cabelos não muito bem penteados e as roupas de modelo bem antigo. Entendeu? — Acho que sim. Você sabe que farei qualquer sacrifício pelo meu país... — Sei disso — acrescentou Mr. Lattuada, com expressão irônica. — Você está registrado no Palace Hilton, sob o nome Horace Kepplleton, e tem uma entrevista, ao — 23 —

vivo, no estúdio da NYTC, às dez e trinta da noite. Às oito, alguém irá apanhá-lo no hotel. O resto é com você. Kirkpatrik olhou a pasta que o chefe lhe estendia. — Muito interessante. Vou passar esta noite pasta. — Alguns aspectos da vida de Horace Kepplleton e notas importantes sobre as pesquisas da doutora Remick. Dicas para você poder bolar uma teoria sobre o controle da energia solar em utilização em instrumentos de precisão. — Muito interessante. Vou passar esta noite lendo esta droga toda. Talvez eu invente mesmo esse sistema de controle. Air. Lattuada riu e fez sinal ao empregado, que se aproximou, solícito. — Pois não? — Traga a conta, por favor. Cinco minutos mais tarde, os dois agentes da CIA abandonavam o restaurante chinês, seguindo cada um o seu caminho.

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CAPÍTULO SEGUNDO Um caso de escarlatina A entrevista, ao vivo, do professor Kepplleton, pela NYTC, rede de televisão de Nova Iorque, foi um sucesso total. O cientista, um homem ainda jovem, de óculos de aros pretos e lentes relativamente grossas, estava usando um temo marrom escuro, de corte antiquado, gola estreita e calça apertada. Levava um lenço espalhafatoso, azul e vermelho, no bolsinho superior do paletó, e uma gravata^ amarela. A camisa branca não fora bem passada e algumas rugas eram visíveis junto do colarinho. Andava levemente encurvado e tinha a testa ampla com rugas de expressão, provocadas, sem dúvida, pela deficiência de visão. No conjunto, Kepplleton não impressionava. Era um tipo apagado que passaria despercebido no meio de uma multidão. Em resumo, uma figura diametralmente oposta à do atraente e irresistível playboy a que a sociedade mundial estava habituada. Observando com um pouco de atenção, poderia dizerse que ele tinha algo do famoso agente da CIA. Talvez o brilho metálico do olhar, o cabelo louro, penteado com uma risca no meio, perfeitamente reta, colado no couro cabeludo à força de fixador. Tirando isso, ninguém relacionaria o desconhecido cientista com o galante Kirkpatrik.

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Talvez houvesse um outro detalhe. Sim, aquela forma gulosa e atrevida de olhar a bela secretária de Borman Gentle era muito característico no famoso playboy. Mas a voz, apagada e monocórdica, não condizia com o olhar de apreciador da beleza feminina que suas pupilas pareciam indicar. Quem sabe, talvez ele estivesse analisando a apetitosa morena em termos de relatividade, força gravitacional, teorias de quantus e coisas assim... Talvez. A verdade é que a entrevista foi um êxito, pese embora o fato de alguns círculos científicos se mostrarem bastante céticos quanto à viabilidade das teorias explanadas pelo físico americano. Aquele negócio de controlar a energia solar pelo sistema medamítrico de River Sade, acoplado com a espastovitose fluido-quântica, não parecia muito convincente. Na realidade, aqueles termos pareciam até um tanto suspeitos. Borman Gentle bem insistira com Kepplleton para que ele explicasse o que aquilo significava, mas o cientista, com um sorriso tímido, disse que era o trabalho de longos anos de estudo e não poderia revelar todos seus trunfos assim, publicamente. A argumentação lógica do desconhecido cientista foi aceita sem protestos e, meia hora depois da entrevista, os telefonemas começaram a chegar ao hotel de Kepplleton, convidando-o para palestras e recepções, meetings científicos e industriais. Cinquenta minutos mais tarde, a Polícia nova-iorquina tinha estabelecido um cordão de segurança em torno do hotel e o FBI mandara alguns agentes, disfarçados de garçons e outros empregados do hotel, para proteger o cientista que ousara fazer declarações tão arrojadas diante das câmeras. Tudo estava correndo maravilhosamente bem para os planos de Kirkpatrik. Se as garotas que sequestraram os — 26 —

dois cientistas anteriores pertencessem realmente a mesma organização bem estruturada, não recuariam diante de qualquer sistema de proteção, por mais engenhoso que parecesse. E, afinal, os agentes que pareciam cuidar de Kepplleton não eram dos melhores, pois já haviam cometido dois ou três erros que poderiam ter sido fatais... Sem dúvida, Air. Lattuada havia preparado muito bem as coisas. *** Eram sete e trinta da manhã seguinte, quando uma ambulância foi chamada pelo gerente do hotel, parando sem barulho nos fundos do edifício. Uma senhora, instalada no segundo piso, quarto 209, começara a sentir-se mal subitamente e o médico, chamado para a atender, ordenara sua remoção imediata para o hospital. Três enfermeiras e um auxiliar subiram até o quarto 209, onde a Dra. Perkins, que atendera a doente, estava esperando. Curiosamente, a presença das enfermeiras com a maca da ambulância, pareceu ter um efeito curativo sobre a doente, que logo se levantou da cama e envergou uma bata branca, igual à que as enfermeiras estavam usando. Juntamente com elas e a médica, a ex-doente abriu a porta do quarto e observou os dois homens que se haviam sentado na saleta daquele andar, lendo o jornal. A médica fez um sinal com a cabeça e uma das enfermeiras aproximou-se dos homens. — Será que poderiam nos ajudar? A doente está resistindo ao transporte para o hospital, mas a doutora acha que ela corre sério perigo de vida, se não for operada imediatamente. Talvez possam nos ajudar... — 27 —

Os dois homens trocaram um olhar de entendimento e levantaram-se. — Muito bem, moça — disse o mais velho. — Veremos se a gente pode ajudar. Vamos. Os dois agentes do FBI seguiram a enfermeira e entraram no quarto 209. Tiveram uma desagradável surpresa. Quatro mulheres pularam sobre eles, nocauteando-os em menos de dez segundos. Dois minutos mais tarde, dormiam profundamente no banheiro do quarto, sob o efeito de um forte sedativo injetado em suas veias pela Dra. Perkins. As quatro mulheres, então, levando a maca da ambulância, dirigiram-se para a porta em frente, a do quarto 208, precisamente onde estava instala«) o professor Kepplleton. A médica abriu a porta e entrou, sem bater, seguida das enfermeiras e da falsa doente. — Eu não estou doente, doutora — protestou o cientista, quando a médica, com o estetoscópio pendurado ao pescoço, aproximou-se da cama onde ele lia uns apontamentos. — Sabemos disso, professor Kepplleton — respondeu a Dra. Perkins. — Mas um exame geral nunca fez mal a ninguém. Acontece que viemos trazer um doente que vai ficar aqui se recuperando de uma operação e aproveitamos para fazer um check-up no senhor. — Mas eu não preciso! Kirkpatrik tentou sentar-se na cama e sua mão pareceu voar para o botão de chamada, ao lado da cama. No entanto, por ironia do destino, o botão que apertou foi o do abajur de mesa de cabeceira... Um engano lamentável. Quando o cientista se apercebeu disso, as quatro mulheres tinham caído sobre ele, imobilizando-o, enquanto — 28 —

a médica, com a maior calma possível, enterrava a agulha de uma seringa em seu braço esquerdo. O professor Kepplleton esboçou uma débil resistência e acabou ficando quieto. A droga estava já fazendo efeito. — Pronto, companheiras. Ele é todo de vocês. Coloquem-no na maca e levem-no. Sabem o que devem fazer, não? A voz da Dra. Perkins perdera o tom persuasivo que adotara momentos antes. Parecia mais, agora, um general comandando seus subordinados, numa operação arriscada, atrás das linhas do inimigo. As enfermeiras assentiram com a cabeça e, pouco depois, o cientista estava deitado na maca, totalmente coberto por um lençol branco. Saíram do quarto e fecharam a porta com toda a calma, empurrando a maca até o elevador. Quando atravessavam o átrio do hotel, o gerente correu pra elas. — Morreu? — perguntou, aflito. — Não, senhor. Pode ficar tranquilo. — Então por que leva o rosto coberto? — Não convém que as pessoas vejam o rosto da paciente. Não é agradável. E acho bom o senhor não se evidenciar muito, se quer salvar o hotel. A doente estava fortemente atacada de escarlatina. Felizmente cheguei a tempo de evitar que a moléstia se propagasse. Segundo me disseram, ela deu entrada hoje, no hotel, não? O gerente estava assustado. Apavorado, mesmo. Escarlatina em seu hotel! Era o suficiente para encerrar o estabelecimento durante dois ou três meses. E todos os hóspedes sumiriam. — Claro, claro. Ela tinha chegado hoje, de madrugada. Parecia estar passando bem, quando entrou... — 29 —

— É sempre assim. As pessoas escondem o mal-estar, com medo de não serem admitidas no hotel. Não sabem o que têm. Pensam ser uma indisposição passageira. — Mas a doutora tem certeza que se trata de... — Absoluta, meu caro. E não vejo vantagem em você começar a anunciar isso em altos berros . — Claro, doutora. Claro. Muito obrigado por sua colaboração. E, uma vez que garante que a moléstia não teve tempo de se propagar... — Não teve, não. Felizmente. Mas acho bom o senhor trancar o quarto, sem entrar lá dentro, e o manter assim durante uns quarenta dias. Nunca se sabe até que ponto a moléstia pode estar contaminando o quarto... — Acha mesmo? Um quarto fechado quarenta dias... — Você é que sabe. Se quer arriscar-se a uma epidemia em todo o hotel, o problema é seu. — Não, não. De jeito nenhum, doutora. Muito obrigado. — Bom, se me permite, a ambulância está pronta para partir... — Claro, claro. Desculpe e, mais uma vez, muito obrigado, doutora. As enfermeiras tinham já levado a maca com o falso doente para a ambulância, saindo pelos fundos do hotel, sem serem incomodadas por ninguém. A Dra. Perkins saiu pela frente, uma vez que dispunha de seu próprio carro. Pouco depois, a sirena da ambulância fez-se ouvir e o veículo contornou o edifício, passando diante da porta do hotel, já em grande velocidade. *** O gerente do hotel chamou um empregado e ordenou: — 30 —

— Feche o 209 sem mexer em nada e traga as chaves para baixo. — Não retiro a bagagem? — Não. Aliás, ela não tinha muita bagagem. Apenas uma maleta pequena. Tomara que não lhe faça falta. O empregado subiu até o segundo piso, abriu a porta e ficou olhando para o interior do quarto 209. Não custava nada dar uma espiada. Especialmente no banheiro, onde a doente talvez tivesse deixado perfumes, ou coisas assim. Não devia ter tido tempo de os pegar... Com um sorriso satisfeito nos lábios, o rapaz empurrou a porta do banheiro e estacou. Olhou para os corpos dos dois homens, com os olhos muito abertos, voltou as costas e correu escadas abaixo. Três minutos depois, o gerente do hotel e dois policiais estavam diante dos corpos dos dois agentes do FBI, tentando reanimá-los. Quando o conseguiram, já três outros agentes tinham chegado. Vieram os colegas, acordando, e, depois de trocarem um olhar, precipitaram-se para fora do quarto 209, entrando, numa carreira desabalada, no 208. Como temiam, o quarto estava vazio. Do professor Kepplleton, não havia nem rastro. Mais tarde, o gerente do hotel explicava, pela vigésima vez: — Já lhes disse, senhores, como as coisas aconteceram. A senhora do 209 entrou no hotel eram seis horas da manhã. Parecia bem. Às sete e trinta, mandou chamar uma médica, uma tal Dra. Perkins, conhecida dela, dizendo que estava com muita febre e passando mal. Ofereci os serviços do médico do hotel, mas ela recusou, dizendo que apenas aceitaria a Dra. Perkins. Deu-me o número do telefone e eu chamei-a. Chegou dez minutos depois. Meteu-se no quarto — 31 —

da doente e, logo em seguida, deu-me um outro número de telefone, da sua clínica, para eu chamar a ambulância. Chegou o carro, com três ou quatro enfermeiras, e, uns dez minutos mais tarde, desceram com a doente na maca. Estranhei ela vir tapada com um lençol e a médica me disse que tinha verificado um caso de escarlatina e que tinha podido chegar a tempo de evitar que a doença se propagasse. Não havia perigo para o resto do hotel, mas não valia a pena alarmar os outros hóspedes. Saiu e eu mandei fechar o quarto, como ela sugeriu. O empregado entrou aqui, contra minhas ordens, e descobriu os dois corpos no banheiro... — Escarlatina, hem? — fez o inspetor Ronaldson, do FBI. — Escarlatina... — Foi isso que ela disse. E eu não sou médico. Não entendo dessas coisas... — E vocês? — o inspetor voltou-se para os dois agentes que haviam sidos encontrados no banheiro. — Como foram parar dentro daquele banheiro? — Uma enfermeira nos pediu para ajudarmos a convencer a doente a deixar internar-se. Parece que ela estava resistindo e o caso era grave. Nós fomos e elas saltaram sobre nós... — Elas? — Sim. As enfermeiras, a doente, a médica, o diabo! — Hum... Estou entendendo. Depois conversamos, na Delegacia. Podem ir. A Polícia e o FBI, apesar dos esforços, não conseguiram localizar a ambulância, a Dra. Perkins, nem a clínica para onde teriam se dirigido depois de saírem do hospital.

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CAPÍTULO TERCEIRO Um projeto fantástico O avião voava a baixa altitude, quase tocando a superfície do mar. Kirkpatrik acordou, abriu os olhos e passeou-os em volta. Estava sozinho no avião, segundo parecia. Pelo menos naquela parte do avião. Ao fundo, havia uma porta que deveria levar até a cabina de comando do aparelho. Endireitou-se um pouco e observou melhor o que o cercava. Estava sentado num sofá vermelho, de braços. Havia mais dois sofás iguais e algumas cadeiras de lona, espalhadas pelo salão. Era um aparelho do tipo executivo. Um jato de pequenas dimensões, mas muita comodidade. Pela vigia, avistou o mar. Voavam baixo, certamente para evitar os m radares de costa. O chão era atapetado, em amarelo torrado, e um bar, num canto, encostado na fuselagem, parecia bem fornecido. Havia uma mesa pequena e baixa no centro do salão, a pouca distância dos sofás. Apalpou-se. Não estava ferido. Injetaram-lhe uma droga entorpecente e o haviam transportado até o avião, sem ser incomodado. Processo engenhoso e perfeitamente executado. Tinha que reconhecer que estava lidando com gente de alto gabarito. E as garotas não eram nada más...

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Nesse momento, a porta do fundo abriu-se e uma mulher de cerca de trinta anos, cabelo cor de cobre e olhos verdes aproximou-se dele. — Seja bem-vindo a bordo, professor Kepplleton. — Onde estou? Que palhaçada é esta? O cientista parecia realmente indignado. — Calma, professor. Não se trata de nenhuma palhaçada. E ninguém vai fazer mal para o senhor. Estamos sobrevoando o Pacífico, a caminho da Casa Grande, onde chegaremos dentro de uma hora e meia. Até lá, será bom o senhor se recuperar. No bar temos todas as bebidas que possa desejar, desde que não peça um suco de baleia do Alasca... — Engraçadinha! Quer fazer o favor de mandar esta geringonça voltar para trás e me depositar em Nova Iorque? Estou farto de brincadeiras. Que pretendem, afinal? — Quando o professor Kepplleton resolver conversar com sensatez e deixar de insultar o jato de nossa presidente, talvez possamos chegar a conclusões interessantes. Kirkpatrik levantou-se e, por um momento, teve vontade de esmagar o sorriso cínico que a garota tinha nos lábios. Mas uma atitude dessas não estaria muito de acordo com o temperamento tímido do cientista que estava encarnando... Por isso, avançou até o bar e serviu-se de uma dose de Bourbon com gelo. Bebeu alguns goles e voltou para o sofá. A garota tinha-se sentado e olhava para ele com curiosidade. — Está se sentindo melhor, professor? — Um pouco... Como é seu nome? — Sarah. — Muito bem, Sarah. Que negócio é esse de Casa Grande e o que vocês querem de mim? — 34 —

— Bom, Casa Grande é o nome que damos ao palácio governamental de Nkyrvos. — Nkyrvos? Palácio governamental? O que é isso, meu Deus? — Como quer a explicação? Da forma como aprendemos no curso de atualização patriótica, ou como nós sentimos Nkyrvos? — Se possível, das duas formas. — Pois não. Nkyrvos é a nossa pátria. Adotiva, ou por ação, se preferir. Eu sou israelense. Tenho companheiras japonesas, americanas, francesas, inglesas, italianas, até russas. Praticamente de todos os países. Naturalizamo-nos nkyrvienses. Nkyrvos é uma ilha de cerca de noventa mil metros quadrados, localizada em pleno Oceano Pacífico, a oitocentas milhas da costa do Chile. Sua capital e única cidade, se você conseguir entender o que entendemos nós por cidade, é Bruntil e tem dez mil habitantes, entre nativos, dois terços da população, e nós, as naturalizadas e donas da ilha. — Muito interessante, essa forma de neocolonialismo. — Chame-lhe como quiser, professor. Acontece que Nkyrvos é extremamente rica em ouro. Por uma razão que não nos foi explicada, quase um quinto da ilha é formado por areias auríferas. Assim, dispomos de um poderio financeiro que nos permite concretizar nosso plano. Além disso, meu país cultiva praticamente tudo o que necessitamos para nossa alimentação, em que não entra a carne. Apenas o peixe, ovos e legumes e frutas. Uma espécie de vegetarianos. Dispomos de quatro aviões, dois navios de pequeno calado, que abrigamos no único porto da ilha, devidamente camuflado. Por enquanto, ninguém, no mundo exterior, conhece nossa terra. Isto é, ninguém aqui veio e partiu para falar. Entende? — 35 —

— Receio que sim. E o que pretendem? — A harmonia do mundo, do universo. Nem que para isso seja preciso destruir uma boa parte do mundo. — Interessante. E como vocês sentem essa terra? — Como o paraíso reencontrado, professor. Dali nós partiremos para a conquista do mundo. Transformaremos os homens, criaremos uma nova sociedade, acabaremos com a guerra, a maldade, a injustiça, as desigualdades sociais, as classes, as diferenças de raça, todas essas coisas que aviltam a humanidade. Em Nkyrvos temos liberdade total, paz, harmonia, respiramos ar puro e nos amamos uns aos outros. As únicas usinas de que dispomos são as nucleares e as de energia solar, onde o senhor vai colaborar. — E quem lhe disse que vou fazer isso, mocinha? — Fará, professor. Nós temos meios para o obrigarmos a colaborar. Depois o transformaremos num homem diferente, num ser superior, capaz de viver a vida que todos podemos viver. Verá que acabará amando esta terra, ainda que, no início, seja forçado a trabalhar por ela. — Você está louca. Diga-me, vocês têm alguma coisa a ver com o desaparecimento da doutora Remick e, mais recentemente, do professor Schulsz? Li nos jornais que eles desapareceram misteriosamente e estou tentando ligar uma coisa com outra... — Claro que temos, professor. O senhor é muito inteligente. Claro que não foi o nosso grupo quem os trouxe para cá. Raramente o mesmo grupo executa duas ações no exterior, consecutivamente. Mas esses dois seus colegas estão em Nkyrvos. E bem, posso garantir. A doutora Remick, aliás, já aderiu totalmente a nossa causa. O professor Schulsz também o fará em breve, bem como o senhor, professor Kepplleton.

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— Vocês estão loucos. E o chefe dessa loucura, quem é? — Não temos um chefe, professor. Apenas uma presidente, que dirige o Grande Conselho. Esse Grande Conselho é nosso órgão deliberativo e judiciário. — Uma presidente? Essa é nova... — Por quê? Não acredita na inteligência da mulher? — Não é bem isso. Simplesmente, prefiro ver uma garota, se for como você, deitada numa cama, ao meu lado, nua e bela, em vez de saber que o destino de um país, ainda que seja de brincadeira, como é o caso de vocês, está nas mãos dela... — Está enganado, professor — a garota tinha-se ruborizado. — A mulher serve para algo mais do que isso. E a prova é que em Nkyrvos todos os lugares importantes, à exceção dos técnicos, alguns apenas, são ocupados por mulheres. Todo o Grande Conselho é composto por mulheres. A chefia dos serviços de segurança, quase desnecessários, pertence a mulheres. Nosso exército, pronto para qualquer intervenção, inclusive em caso de agressão exterior, é composto, em setenta e cinco por cento dos casos, por mulheres. Os homens trabalham nas secretarias militares. Aliás, quase toda a população feminina de Nkyrvos pertence ao exército, em mobilização permanente. Só não usamos uniformes convencionais. Treinamos e combatemos com roupas leves e informais. — Espere aí. Combatem? — Exato. Como julga que dominamos os nativos? E como pensa que trazemos para aqui as pessoas de que precisamos? Temos que lutar nas cidades do mundo exterior, como aconteceu agora, para trazermos você, professor. Simplesmente, fomos treinadas para lutar, tão

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bem como qualquer homem, mas sem matar. Só acabamos com uma vida em último caso. — Isso já é um consolo para mim — sorriu Kepplleton. — Posso me recusar a trabalhar, sem correr riscos. — Há punições bem mais terríveis do que a morte, professor... — Entendo. Mas outra coisa. Você falou em usinas nucleares. Para quê, numa terra do tamanho de Nkyrvos? — Também lhe disse que tencionamos conquistar o mundo, professor. E, infelizmente, só podemos fazer isso pela força, pela violência. Vamos ser obrigadas a lançar uma bomba de potência controlada em algumas regiões, para fazermos vocês entenderem que a força e o poder estão do nosso lado. Kirkpatrik estava assombrado. Em pleno século XX, com nações albergando bilhões de pessoas, aparece um grupo de loucas, um simples milhar, ou talvez nem isso, tentando conquistar o mundo, querendo endireitar o que não tem conserto. E essa loucura, sustentada por uma ironia do destino, que deixou, entre as raríssimas ilhas desertas, uma extraordinariamente rica em ouro. Logo a que foi ocupada por esse punhado de mulheres fanáticas e loucas. Com suas ideias dementes, essas mulheres poderiam provocar tragédias incalculáveis. Alguém teria que as deter. E esse alguém, no momento, só poderia ser o agente 77Z. — Estou abismado, Sarah. A idéia de vocês só pode levar a uma tragédia de grandes proporções. Vocês acabarão sendo todas destruídas e, dessa forma, os sonhos de perfeição e regeneração do mundo que acalentam. — Está enganado, mais uma vez, professor. Nós acabaremos dispondo de todo o poderio existente sobre a terra. Teremos conosco as maiores inteligências do mundo, voluntária ou involuntariamente. As grandes riquezas — 38 —

estarão sob nosso controle e dominaremos o mundo. Faremos um mundo melhor e os que sobreviverem nos agradecerão. Nesse momento, a porta voltou a abrir-se e uma outra garota, a doente do hotel, apareceu. Teria uns vinte e cinco anos, era loura e possuía um corpo tipo mignon, bem feito. Com um sorriso nos lábios carnudos, aproximou-se de Kirkpatrik: — Está gostando de nossa hospitalidade, professor? — Digamos que estou ainda muito surpreendido para poder dizer se gosto disso que vocês chamam de hospitalidade. — Vai gostar, sim. Nós nos encarregaremos de fazer com que goste. A firmeza, a confiança que aquelas mulheres demonstravam em suas ideias era simplesmente impressionante. Kirkpatrik sorriu e disse: — O tempo dirá, beleza. Como é seu nome? — Ingrid. Sou dinamarquesa. Ou era, se preferir. — Entendo, Ingrid. Você é muito bonita. — Obrigada. O senhor até que é gentil, para um cientista meio quadradão, professor... Bem, vinha apenas informa-lo que vamos baixar em Nkyrvos dentro de dez minutos. Agradeço que aperte o cinto de segurança.

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CAPÍTULO QUARTO A pantera de punhos de renda Realmente, dez minutos depois, o pequeno jato tocava o chão de Nkyrvos. Enquanto sobrevoavam a ilha, Kirkpatrik pôde observar que grande parte dela era coberta por densa vegetação, de um verde luxuriante, salpicado aqui e ali por clareiras de terra amarelada. A parte sudeste da ilha quase não tinha vegetação. Era uma região arenosa, certamente onde se encontravam as minas de ouro. Bruntil, a capital de Nkyrvos, vista do ar, era algo impressionante. Impressionante apenas pelo tipo de construções que ali abundavam. Eram de colmo, as casas, mas construídas de forma que transformavam uma vasta área num autêntico jardim de colossais proporções. Notavase claramente a mão da mulher em tudo aquilo. Kirkpatrik sorriu da ingenuidade perigosa das nkyrvicnses. No meio da capital, uma cidade pequena, um edifício maior, também de colmo, redondo, tinha no mastro uma bandeira hasteada. Sem dúvida, a bandeira do país. Era toda branca, com uma risca azul cortando um dos cantos. O avião imobilizou-se, finalmente, na pista, e o professor Kepplleton foi escoltado até a porta, por Ingrid e Sarah. Uma escada tinha sido encostada ao aparelho e o agente 77Z começou a descer.

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Na placa de desembarque, um grupo de cinco mulheres, duas delas armadas de metralhadora, estavam aguardando a chegada do visitante. Kirkpatrik compôs a expressão indignada que seria peculiar a um cientista numa situação daquelas e avançou para o grupo. Uma das mulheres, com cerca de cinquenta anos, cabelos levemente esbranquiçados e um brilho intenso nos olhos negros, veio ao encontro dele. — Seja bem-vindo a Nkyrvos, professor Kepplleton. Meu nome é Renée e estou encarregada de preparar instalações condignas para o senhor. — Continuo achando tudo isto uma palhaçada completa, minha senhora. Será que neste... país, como vocês dizem, existe uma autoridade? — Claro que existe autoridade, professor. Pode ficar tranquilo a respeito disso. — Então quero ver essa autoridade imediatamente. O que vocês estão fazendo é uma prepotência inadmissível, infringindo todas as leis internacionais. — Tenha calma, professor Kepplleton — aconselhou Renée, segurando o cientista por um braço. — Quero que conheça uma pessoa. Ou melhor, que reveja uma colega sua. Avançaram até o grupo, que havia ficado a poucos metros, e Renée estendeu a mão para uma mulher jovem ainda, uns trinta anos, no máximo, ruiva, levemente sardenta, de olhos verdes. Vestia apenas um short e uma mini-blusa, que deixavam adivinhar um corpo forte e perfeito, flexível, suave. — A doutora Remick. O professor Kepplleton. Kirkpatrik estendeu a mão e estreitou os dedos finos e cuidados da cientista. — 41 —

— É um prazer encontrá-la, doutora. Conheço profundamente seu trabalho, mas não tinha a honra de a conhecer pessoalmente. Sabe, minha quase reclusão no Alasca deixa-me um tanto afastado das pessoas. No entanto, isso não me impede de a admirar pelo seu trabalho espetacular. E, agora, pela sua beleza, também. — Como cientista, o senhor é muito gentil e galante, professor. Hellen Remick tinha uma voz profunda, quente e musical. Seus lábios cheios moviam-se pouco, mas as palavras saíam com clareza. — Sua beleza é, realmente, inspiradora, doutora Remick. — Ora, professor. Uma vez que somos colegas e vamos trabalhar juntos, será bom acabarmos com as cerimônias desnecessárias. Pode me tratar por Hellen e eu o chamarei de Horace. De acordo? — Muito bem. Para mim, é um prazer. — Vejo que vocês dois vão entender-se às mil maravilhas, meus queridos — interrompeu Renée. — Desculpem-me, mas precisamos ir. Nossa presidente está ansiosa para conhecer o ilustre visitante. Com uma suave pressão no braço, Renée encaminhou o professor Kepplleton na direção de um pequeno ônibus, estacionado a uns cinquenta metros. Entraram e Hellen sentou-se ao lado de Kirkpatrik. O contato da pele de sua perna era quente e agradável. — Já reparou bem neste ônibus, Horace? — perguntou ela, inclinando-se mais sobre Kirkpatrik. — Estou reparando — disse ele, simulando observar o veículo com atenção. — Movido a energia solar... — Exatamente, Horace.

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— É uma das mais notáveis descobertas da doutora Remick — interveio Renée. — Mas que falta de educação a minha, querido professor. Não lhe apresentei Bruni, a secretária da doutora Remick. Renée tinha alongado o braço direito e passara-o sobre os ombros de uma garota de óculos de grossos aros de tartaruga, narizinho arrebitado e olhos negros, profundos. Tinha os lábios finos e o corpo devia ser o de uma boneca, a avaliar pelo que a bata branca deixava ver. — Muito prazer, professor Kepplleton — disse a garota, com um sorriso tímido, estendendo a mão. Kirkpatrik apertou os dedos da garota, fazendo uma pressão intencional, ao mesmo tempo que seus olhos mergulhavam nos da garota. Bruni ruborizou-se e Kirkpatrik disse: — Se todos os habitantes desta ilha forem belos como você, acho que vou gostar disto... O rubor aumentou, no rosto de Bruni, e Kirkpatrik soltou-lhe a mão. — Bruni é uma menina muito inteligente — atalhou Rachel. — Tem sido de muita utilidade para mim. Espero que possa servir-lhe também, Horace. — Tenho certeza que vou usá-la bastante — concordou ele, com um novo olhar, carregado de segundas intenções. — Apesar de não estar muito certo de vir a trabalhar aqui. — O que é isso, professor Kepplleton? O senhor é nosso convidado, mas sua estada em Nkyrvos tem um objetivo. Precisamos de seus conhecimentos científicos. Certamente não vai deixar de nos ajudar, não é? — Não gostei muito do modo como fui convidado, minha senhora.

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— Que, minha senhora, professor. Para o senhor, serei simplesmente Renée. Espero que me dê a honra desse tratamento, professor. — Não era sobre isso que eu estava falando, Renée. Eu dizia que não estou disposto a trabalhar num plano louco, com o qual não concordo e em» que não acredito. Além disso, não fui previamente consultado, como seria da mais elementar ética profissional. — Quanta ingenuidade vocês possuem, os cientistas... Claro que o senhor vai colaborar conosco, professor. Afinal, nossos objetivos são meritórios. Não está trabalhando para uma causa aviltante, mas sim para uma luta nobre e humanitária. A doutora Remick poderá lhe explicar melhor essas coisas, falando sua própria linguagem. Ela aderiu por completo a nossa obra. E não está arrependida. Ou está, doutora? Na pergunta final de Renée notava-se uma leve ameaça, que não passou despercebida a Kirkpatrik. — Claro que não, Renée. Mas acho que seria bom você deixar o professor Kepplleton adaptar-se à nova realidade, antes de entrar em questões mais profundas. — Creio que tem razão, doutora — assentiu Renée. — Perdoe-me a rudeza, professor. Ah, chegamos. O ônibus detivera-se diante do edifício grande que Kirkpatrik avistara do ar. Era a sede do governo, pelo que entendera. — Por aqui, professor — disse Renée, saindo e mostrando o caminho. Era uma construção de colmo, com o formato de um hexágono. Tinha portas em todas as faces. Portas que eram enormes aberturas através das quais se divisava o interior, escuro e fresco.

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Entraram por uma delas, sempre acompanhados pelas duas garotas da segurança, com as metralhadoras firmemente empunhadas. O interior da Casa Grande era na verdade um ambiente fresco, em comparação com o exterior. Uma cortina de bambu separava a galeria de entrada das dependências interiores. Renée afastou a cortina e convidou Kirkpatrik a entrar. — Passe, por favor. Madeleine estava esperando o senhor. — Madeleine? — Exato, professor. Madeleine é nossa atual presidente. Digamos que ela exerce as funções de um primeiro-ministro nas sociedades do exterior. Um mandatário das decisões do Grande Conselho. — Acho que entendi — assentiu o falso cientista, avançando pela abertura tapada com a cortina de bambu. Kirkpatrik achou-se numa sala ampla e iluminada por chapas de uma fibra plástica azulada, que cobriam extensas aberturas no teto. Uma mesa grande, em semicírculo, estava colocada em frente da porta. Uma mulher sentava-se atrás dessa mesa imponente. Havia cadeiras de colmo e pequenas mesas espalhadas pela sala, bem como diversas estantes repletas de livros. Sobre a mesa grande, Kirkpatrik notou três telefones e um pequeno aparelho de televisão. Um quadro com vários botões ocupava um dos cantos da mesa. A mulher levantou-se e estendeu a mão direita na direção do cientista. — Meu caro professor Kepplleton! Não imagina o prazer que tenho em conhecer o senhor — disse ela, com uma voz cálida.

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Kirkpatrik deu mais dois passos e estreitou a mão delicada que tinha na sua frente. Seus olhos percorreram rapidamente a figura impressionante que o contemplava com um olhar luminoso nas pupilas muito azuis, quase brancas. Os cabelos, cor de trigo, pendiam até quase a cintura, passando sobre os seios eretos e firmes. O estômago achatado ligava-se harmoniosamente com os quadris e coxas arredondadas, prolongando-se por duas pernas magnificamente torneadas, até onde o famoso playboy podia avistar. Madeleine era, sem dúvida, um dos mais espetaculares espécimes de fêmea que Kirkpatrik já encontrara. Tudo nela respirava sensualidade, doçura, desejo reprimido violentamente. — Perdeu a fala, professor? — era a voz de Renée que o despertava com ironia. — Estou tentando entender — murmurou o professor Kepplleton. — Entender? — fez Madeleine. — Sim, entender como uma mulher como você, o sonho de qualquer macho, se encontra aqui, sentada atrás de uma mesa dessas, vivendo como um vulgar títere de aldeia. E devo confessar que não consigo compreender. — A primeira parte de sua observação é muito importante, professor. Mas considero a segunda de uma grosseria surpreendente. Serei tudo o que o senhor quiser, menos títere de aldeia. Nem sou ditadora, nem estamos vivendo numa aldeia. Eu pouco mando, na verdade. Todas as nossas decisões são tomadas em conjunto por um Grande Conselho, reunindo perto de trinta pessoas. E nenhuma medida é adotada, se não for aprovada por uma maioria de dois terços de votos do Conselho. Acha isso um sistema ditatorial? Um sistema deliberativo em que as decisões são tomadas por cerca de três por cento da população? — 46 —

— Lógica feminina, isso? — sorriu ele. — Pura verdade, professor. Veja o seu país, por exemplo. Qual a percentagem de pessoas que tomam decisões sobre a comunidade? Um por cento? Talvez nem tanto... — Bom, não vamos entrar em discussões demagógicas, garota. — Tenho que lhe pedir que meça suas palavras, professor. O senhor não está em um bar do Alasca, ou do bairro negro de Nova Iorque — interveio Renée. — O senhor encontra-se diante da presidente do Conselho de uma nação evoluída. Não se confunda com o fato de sermos mulheres, professor Kepplleton. Quando é preciso, sabemos ter a dureza e firmeza de atitudes de um verdadeiro déspota. — Vocês estão todas loucas — quase berrou Kirkpatrik. — Parem com esta palhaçada enquanto é tempo. Voltem para seus lugares naturais, na cama, nas capas de revistas, no cinema ou apenas como donas de casa. Por que bancar as duronas, quando (temerão e fugirão ao primeiro sinal de perigo? Se Kirkpatrik esperava fazer as mulheres perderem a calma, enganou-se. O sorriso complacente de Madeleine era uma prova disso. Limitou-se a abrir os braços numa atitude de impotência, mantendo um sorriso de superioridade: — Meu caro professor, lamento muito que sua mentalidade continue tão atávica como a de seus companheiros masculinos em qualquer parte do mundo. Tinha esperanças de que o senhor, como eminente cientista, possuísse uma inteligência mais evoluída, menos... quadrada. Mas estou vendo que me enganei. Guardas!

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A última palavra da presidente de Nkyrvos foi pronunciada com firmeza, em tom ligeiramente alto. As duas garotas que haviam escoltado Kirkpatrik desde o avião pousaram as metralhadoras sobre uma mesa e avançaram para Kirkpatrik, de mãos nuas. A menos de cinco metros do agente 77Z, uma delas, morena clara, iniciou uma curta corrida, elevando-se nos ares com a graciosidade de uma pantera, num salto prodigioso. Suas pernas bem-feitas fecharam-se em torno do pescoço do surpreendido agente fora de série da CIA. Antes que o corpo da garota começasse a descer, em direção ao solo, uma torção violenta de quadris puxou o atônito playboy para a esquerda, fazendo-o voar como uma pena. O gancho de pernas fora perfeito e Kirkpatrik caiu espalhafatosamente a três metros do local onde se encontrava. Aturdido, começou a levantar-se. Ainda não estava totalmente erguido, quando um autêntico vendaval de carnes femininas caiu sobre ele, puxando-o para cima. Kirkpatrik sentiu-se rodopiar sobre a segunda gata da metralhadora, indo cair perto do lugar de onde saíra momentos antes, exatamente com a cabeça debaixo do pé da primeira guarda. Sentindo-se dolorido e meio ridículo, o agente fora de série da CIA deixou-se ficar imóvel, voltando os olhos para Madeleine, que saíra de detrás da mesa e o contemplava com sarcasmo. — Quer que as pobrezinhas e medrosas garotas continuem, professor? Ou prefere abandonar essa ridícula atitude jacobinista e sentar-se diante de nós, para discutirmos, de igual para igual, seu futuro nesta ilha? Kirkpatrik respirou fundo e fechou os olhos.

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A situação era delicada. E comprometedora. Que diriam muitas garotas que ele conhecera, se o vissem naquele estado? E Mr. Lattuada? Nem um momento passou-lhe pela cabeça reagir. Não estava preparado para aceitar a idéia de bater em garotas como aquelas. Mas tinha que se convencer do contrário, pois a verdade é que elas eram um perigo para a humanidade. — Muito bem. Vocês ganharam, por agora. Vamos conversar — disse. — Vejo que sua inteligência não se perdeu por completo, professor. Podem soltá-lo — concluiu Madeleine. A garota retirou o pé de cima do ouvido de Kirkpatrik e ele levantou-se lentamente, apanhando os óculos que haviam voado junto com ele. Colocou a armação de vidros não graduados no rosto, alisou um pouco as roupas e encarou a presidente da ilha. — Muito bem, senhora presidente. Estou à sua disposição. — Obrigado, professor. Creia que me repugna ter que usar processos violentos para convencer as pessoas. E nós podemos ser muito desagradáveis. Nunca confie demais na aparência delicada e feminina de minhas garotas. Elas são autênticas feras, quando é preciso. Foram treinadas por grupos especialistas de comandos americanos. E o senhor sabe como esses homens são terríveis em luta. Pois posso garantir que minhas garotas foram preparadas para vencer qualquer um de seus instrutores. — Acredito, senhora presidente. A demonstração foi concludente. — Pode me tratar de excelência. Por enquanto. Quando virmos que está disposto a colaborar em nossa obra, serei apenas Madeleine. — 49 —

— Muito bem... excelência. E agora? — Agora, professor, o« senhor vai descansar. Renée lhe mostrará seus aposentos. Mais tarde, conversaremos. Ficará instalado no pavilhão dos cientistas, juntamente com o professor Herman Schulsz e dois outros físicos. Depois o mandarei chamar. Renée adiantou-se e segurou Kirkpatrik por um braço. — Vamos, professor? — Tenho escolha? — perguntou ele, com um sorriso irônico. — Na realidade, não — respondeu Madeleine. — Logo mais, a doutora Remick certamente deverá querer falar com o senhor, professor. Não é verdade, doutora? — Claro, Madeleine. Claro. Logo mais. — Muito bem, Renée. Mande entregar roupas para o professor Kepplleton. Veja o número dele e arranjem roupas um pouco menos tristes e apagadas. Mas não o transformem num fantoche. Quero que ele se apresente aqui, quando o chamar, como um homem bem vestido. Até que sua figura deve ser elegante, não concorda? Renée olhou para o cientista com expressão avaliadora e concordou: — Acho que tem razão. Podemos torná-lo> bem mais apresentável. — Ótimo. Podem levá-lo. Ele voltará aqui para a reunião das seis horas da tarde. — Muito bem, Madeleine. Vamos, professor. Uma leve pressão no braço indicou a Kirkpatrik que deveria seguir a garota de metralhadora que se tinha colocado na frente. A segunda guarda fechava o incrível cortejo.

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CAPÍTULO QUINTO A primeira suspeita O pavilhão dos cientistas era uma conscrição retangular de um só andar, como todas as da ilha, aliás, localizada a cerca de mil metros da Casa Grande. Uma paliçada de troncos, perfeitamente aparelhados, cercava toda a casa. Parecia um forte do velho oeste americano. O portão largo era guardado por dois homens armados de metralhadora. Foi uma surpresa para Kirkpatrik, encontrar aqueles dois exemplares do sexo forte ali, em atitude militar, no meio das mulheres... — São os animais de estimação de vocês? — perguntou o agente 77Z, apontando para os dois guardas. — Muito espirituoso, professor. No entanto, não sei se já lhe disseram que não há apenas mulheres nesta ilha. É lógico que não podemos viver sem os homens. Afinal, são necessários como instrumentos de reprodução. Além disso, pela sua constituição física bem forte, em alguns casos, podem ser muito úteis em certos trabalhos mais pesados. Vai encontrar muitos, professor. E não estão descontentes, se isso o anima. — Entendo... Quando passaram pelo portão, os dois guardas perfilaram-se com aprumo, ao estilo mais perfeito de

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qualquer exército. Renée fez um gesto com a mão e eles ficaram à vontade. — Interessante — comentou Kirkpatrik. — Você toca algum apito especial? — Sou oficial de segurança, professor. Desculpe não lhe ter dito antes. Na verdade, sou a responsável pela segurança do país. Digamos, em termos de mundo exterior, que sou o ministro da Defesa, interna e externa. Deu para entender? — Perfeitamente, general. — Brigadeiro, professor. Kirkpatrik não pôde evitar um sorriso zombeteiro. No entanto, a situação preocupava-o bastante. — Força Aérea? — Pertenci à Força Aérea de meu país de origem, professor. Era capitão aviador de Israel, no tempo de Golda Meir. Quando ela foi afastada, ingressei nas fileiras de Nkyrvos. Naturalizei-me e esta é minha pátria, naturalmente. — Vocês são uma surpresa total para mim, brigadeira. — Ainda terá muitas surpresas, professor. Aqui estamos. Tinham chegado ao pavilhão e Renée empurrou uma porta de madeira. Encontraram-se numa ampla sala de onde partiam três corredores. — Os quartos ficam neste corredor — disse Renée, apontando o da esquerda. — Neste, à direita, ficam a sala de refeições, a sala de lazer e uma dependência de cultura física. Ali poderá praticar seus exercícios de ginástica, se tem esse hábito. No último corredor, possuímos um laboratório de física e química apetrechado com tudo o que possa precisar, uma biblioteca^ científica com todas as

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obras que necessite e uma pequena sala de meditação e retiro. — Impressionante! — É, na verdade, impressionante. O senhor encontrará aqui todas as condições de trabalho que podem tornar sua vida um autêntico paraíso. Espero que acabe gostando. Seu quarto é o primeiro do corredor. Detiveram-se diante da porta do quarto, onde uma placa havia sido já afixada: PROFESSOR KEPPLLETON — Física — Vejo que estavam me esperando — sorriu o cientista. — É verdade, professor. Nós somos um povo organizado. —Estou vendo. Entraram no quarto, composto por duas peças amplas e um banheiro. Todo o mobiliário era de um gosto simples, confeccionado à base de bambu e madeira. Não se via uma peça de ferro. O dormitório possuía uma ampla janela, tapada apenas por uma diáfana cortina. — Não trancam os convidados de vocês? Não receiam que eles fujam? — perguntou, apontando para a janela. — Ora, professor. Sejamos realistas. Para onde fugiriam? E como? A nado? Não se esqueça de que está numa ilha. Além disso, para evitar aborrecimentos desse tipo, toda a cerca é vigiada, permanentemente, por um circuito de televisão interna que está sob observação no comando de segurança vinte e quatro horas por dia. Em todos os segundos, professor. — Muito engenhoso, realmente. Bem, e que devo fazer agora? ...

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— No momento, sugiro que tome um banho e repouse um pouco. Logo conhecerá seus colegas cientistas. Eles estarão aqui às cinco horas. São, neste momento, duas e quinze. Às cinco, mandarei chamar o senhor, professor. Deseja comer alguma coisa? — Não. Muito obrigado, brigadeira. — Tem um bar, aqui na sala, com diversos tipos de bebida. Esteja à vontade. — Até logo. Ah, quando mandar me acordar, veja se mandam uma soldada bem simpática. Não gostaria de ser despertado por um sargento, mesmo feminino, de bigode e voz de trovão... — Pode deixar, professor. É um desejo que poderei satisfazer para o senhor. — Muito gentil... Renée voltou-se e saiu da suíte. Kirkpatrik sentou-se no sofá da sala de entrada, sem se incomodar em fechar a porta. Um sorriso amargo apareceu em seus lábios. Era inacreditável o que estava acontecendo. Uma ilha quase completamente povoada por mulheres, fanáticas, dispostas a endireitar o mundo. E, o que era mais grave, com poder e recursos que lhes permitiam provocar tragédias de proporções incalculáveis. Claro que não poderiam concretizar seu plano louco, mas abalariam o mundo, se lançassem uma só das bombas de que dispunham, ou podiam fabricar. Era preciso fazer alguma coisa, urgentemente. Aquela loucura tinha que ser detida de imediato. Milhões de pessoas estavam em perigo, em vários pontos do globo. No entanto, não podia precipitar-se. As coisas tinham que ser feitas com inteligência e firmeza.

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Por isso, resolveu seguir o conselho de Renée. Entrou no banheiro e trancou a porta. Retirou o temo desalinhado que estava usando e a camisa de corte antiquado. Por debaixo dessas peças apareceu uma malha negra, colada em seu corpo atlético. Sabendo que poderia ser sequestrado de um momento para o outro, tivera o cuidado de andar sempre com a malha negra, vestida por debaixo do temo. Num bolso do paletó, repousava a meia máscara de cetim preto. Em qualquer momento, o perigoso Máscara Negra estaria pronto para atuar. Tomou um banho frio, pois a temperatura subira bastante em Nkyrvos. Perguntou a si mesmo se o sistema de aquecimento da água seria ativado pela energia solar e acabou concluindo que sim. Era impressionante o que aquelas mulheres estavam fazendo na ilha deserta até pouco tempo atrás! E o mundo mantinha-se alheio à ameaça... Depois de se enxugar, enrolou a toalha na cintura e dobrou cuidadosamente a malha negra, escondendo-a atrás de um armário do banheiro, junto com a meia mancara. Pegou suas roupas antiquadas e abriu a porta. Uma surpresa o esperava no quarto. Sarah estava sentada na cama, com um copo de Bourbon na mão esguia. O cabelo cor de cobre estava solto, tombando-lhe sobre os ombros, e as pupilas verdes tinham um brilho estranho. — Trouxe suas novas roupas, professor — disse ela, apontando para uma calça azul claro e um safari de cor creme, que repousavam nas costas de uma cadeira. — Muita gentileza, Sarah — sorriu ele. — Nessa caixa tem roupa íntima. Espero que goste. Fui eu que escolhi no armazém. — Então tenho certeza que gostarei. Você é amor. — 55 —

Sarah estendeu-lhe o copo de Bourbon com gelo, mantendo os olhos verdes presos em seus músculos poderosos e seu tórax moreno. Passou a língua pelos lábios vermelhos e sorriu: — Está gostando mais de nós, professor? — De você eu sempre gostei. Não me agradou foi o modo como me... convidaram. — Entendo. Mas verá que ainda vai adorar isto. Sarah fez um gesto amplo com o braço direito, enquanto Kirkpatrik se sentava ao lado dela, na cama, sorvendo pequenos goles de Bourbon. Olhava para ela fixamente. — Você tem algum cargo especial, aqui em Nkyrvos? — Não, professor. Digamos que sou uma obreira da grande colmeia. Acredito em nosso ideal e faço o que me mandam. Tento executar minha tarefa da melhor forma possível. — O que você fazia em Israel? — Era enfermeira do exército. Conheci lá Renée e ela me convidou para vir trabalhar em Nkyrvos. Não me arrependo de ter aceitado. — Você sabe que é uma garota espetacular? Qualquer homem se sente tentado aos maiores pecados diante de você. A voz do falso cientista era quente e insinuante. Sarah começou a sentir uma estranha onda de calor subindo-lhe pela espinha, quase lhe queimando o rosto. Umas picadas atingiram-lhe a ponta dos seios e ela remexeu-se. inquieta. Kirkpatrik avançou o rosto na direção dela e seus lábios pousaram sobre a boca da bela israelense. Ela tentou afastar-se, mas essa atitude durou apenas um segundo. Logo, com um suspiro de sofreguidão, passou os braços pelo pescoço do louro cientista e apertou seu corpo contra o dele. — 56 —

A porta fora fechada e os dois estavam totalmente sós. O irresistível playboy exerceu uma leve pressão nos ombros de Sarah e ela deixou-se tombar sobre a cama. Com a rapidez e habilidade de um perito, Kirkpatrik despojou-a do short minúsculo que estava usando e da blusa que mal lhe cobria o tronco. A própria Sarah se encarregou de fazer descer as calcinhas pelas pernas. Os lábios do expert fora de série traçaram uma linha sensual na pele da garota, começando nos lábios e terminando na caverna do prazer da bela garota. Como dois montes de sacrifícios à deusa do amor, os seios de Sarah erguiam-se ao encontro da boca conhecedora do tímido cientista. As mãos de Sarah trabalhavam febrilmente, procurando o instrumento da masculinidade do atlético americano. Encontrá-lo e senti-lo na palma de sua mão foi a sensação mais gratificante que a jovem israelense experimentara nos últimos meses. Sarah estava realmente necessitando de um homem. E, se aparentemente o professor Kepplleton não era o mais indicado, a verdade é que em breve a garota se convenceu de que estava enganada. Kepplleton era espetacular. Profundo conhecedor dos segredos da excitação, arrancava de seus lábios gemidos de prazer, até a conclusão total daquela sublime sinfonia. Sarah deixou-se cair para um lado, fechando os olhos e respirando, apressada. Sentia-se exausta, como se tivesse sido esvaziada de todo o peso e ardência que sentia no corpo. Estava saciada, pelo momento. — Você também é uma surpresa, professor — murmurou, passando uma perna sobre o corpo musculoso de Kirkpatrik. — Mérito seu, querida. Qualquer músico é um virtuoso com um bom instrumento...

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— Digamos que eu acredito. Posso fazer uma pergunta, que me vem atormentando desde que conversamos no avião? — Claro, boneca. Pergunte. — Você é mesmo cientista? Kirkpatrik sentiu uma onda de calor subir-lhe ao rosto. Ficou tenso por um segundo, mas logo relaxou. — Que é que você acha. — Não sei. Quero acreditar que sim. Mas o seu tipo físico não está de acordo com a idéia que fazemos de um cientista. Você é um atleta. Atraente, apesar de tentar esconder isso debaixo dessas roupas ridículas. Vive um pouco encurvado, mas quase apostava que não é natural. Eu diria que você não evitou aqueles golpes das guardas na sala de Madeleine porque não quis. Estou enganada? — E se estivesse? — Isso seria bom para você. Porque, se Madeleine descobre que você não é cientista, sua pele não valerá um centavo. Ou Renée, que é bem mais cruel do que Madeleine. Tenha cuidado com ela. — Não se preocupe, meu bem. Sou cientista. Chamome Horace Kepplleton e tenho vivido no Alasca, num campo He pesquisas científicas mantido secreto pelo governo dos Estados Unidos. Conheço profundamente o trabalho da doutora Remick e aperfeiçoei suas teorias, chegando a resultados que ela ainda não tinha podido alcançar. Está mais tranquila? — Não, professor. Você não me parece estar contando a história direitinho... — Por quê? Porque tenho um corpo atlético? Sabe que a vida no Alasca não é propriamente sedentária? Fazemos

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exercícios físicos todos os dias, incluindo caminhadas de quilômetros pelo gelo. Isso tonifica e desenvolve o físico. — Bem sei, mas... — Não pense mais bobagens, Sarah querida. Venha para perto de mim... — Agora não, professor. Gostaria muito, mas preciso ir. Tenho trabalho para fazer e, dentro de algum tempo, virão chamá-lo para a reunião de apresentação ao Grande Conselho. Por favor, tenha cuidado com Renée e Madeleine. — Pode deixar, meu bem. Serei um menino bemcomportado. E tentarei parecer mais cientista e menos homem... — É bom mesmo, querido. Sarah pulou da cama e vestiu-se rapidamente. Pouco depois, saía da suíte, deixando Kirkpatrik com uma sensação de perigo em cada célula de seu corpo. O disfarce não parecia estar funcionando tão bem como ele desejaria. Ou, então, essa garota era demasiada esperta. Tomou um novo banho e vestiu a roupa que Sarah lhe trouxera. Realmente, sentia-se melhor assim. O termo antiquado não lhe agradava nem um pouco. Encurvou o tronco e deixou cair os ombros. Colocou os óculos e compôs uma expressão apática. Precisava enganar aquele Conselho. Duas batidas na porta sobressaltaram-no. — Entre — gritou. A porta abriu-se e dois guardas armados, com um sorriso cínico nos lábios, entraram nos aposentos. — A brigadeira Renée mandou buscar o professor para a reunião do Conselho. Mandou pedir desculpa, mas nós éramos os soldados mais simpáticos de que dispunha neste momento. — 59 —

O segundo guarda não aguentou a situação e soltou uma sonora gargalhada. Sarah tinha razão. Renée era cruel... — Muito bem, companheiros. Vamos lá... Saiu do pavilhão, escoltado pelos guardas, e avançou para o edifício da Casa Grande. O Grande Conselho estava reunido. Trinta mulheres, entre vinte e cinco e setenta anos. Belas, feias, esbeltas, grotescas, louras, ruivas e morenas, brancas, pretas e amarelas. Uma mistura apavorante, tendo em vista o plano louco que se propunham realizar. No meio da mesa erguia-se um símbolo nacional, segundo depreendeu Kirkpatrik. Era uma coluna de madeira/sobre a qual uma mulher sustentava, sobre os braços abertos, uma esfera armilar. — Professor Kepplleton, apresento-lhe o Grande Conselho de Nkyrvos — Madeleine erguera-se e indicara as trinta mulheres, com um gesto circundante do braço direito. — Aqui será decidido o futuro do mundo, professor. E não pense que somos loucas ou fanáticas. Estamos perfeitamente conscientes de nosso poder e daquilo que estamos fazendo. Quis o destino que nos instalássemos nesta ilha, extremamente rica em ouro, o vil metal capaz de corromper as mentalidade e caráteres mais íntegros. Com ele, temos conseguido tudo. Dispomos hoje, dois anos depois de termos nos instalado, de um sistema ofensivo capaz de amedrontar qualquer nação dita civilizada. Fez uma pausa, passeando os olhos azuis pela sala. — Para que nosso plano possa ser totalmente concretizado, falta-nos apenas preparar, ou melhor, concluir a montagem, das usinas nucleares. Para isso temos conosco o professor Herman Schulsz.

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Madeleine apontou para um canto da sala onde um homem estava sentado, atrás de uma mesa pequena. Kirkpatrik olhou atentamente para o professor Schulsz. Os cantos dos lábios finos estavam caídos, em atitude de desânimo. Os cabelos brancos e longos mantinham-se em desalinho e o cachimbo apagado na boca completava o quadro de desolação total que o cientista representava. — O projeto nuclear está sendo atrasado mais do que desejaríamos, pois foi difícil convencer o professor Schulsz da importância de sua colaboração. Mas já superamos esse obstáculo e ele já está preparando o pessoal que fará funcionar as usinas que em breve construiremos. Não é verdade, professor Schulsz? O físico alemão baixou a cabeça, vencido. — Para um melhor aproveitamento de nossos recursos e, inclusive, para um aceleramento de nosso projeto nuclear, convidamos a doutora Hellen Remick, que o senhor bem conhece, pelo menos de nome. Infelizmente e apesar de ela ter aderido incondicionalmente a nossos ideais, seu trabalho estava incompleto quando ela veio para aqui. Quando começávamos a nos desesperar, uma vez mais a Providência veio em nosso auxílio. O mundo tomou conhecimento de sua existência, professor Kepplleton! A presidente do Grande Conselho sorriu para Kirkpatrik, balançando a cabeça. — Devo confessar que o admiro, pela sua abnegação. Todos esses anos trabalhando num anonimato quase total. Apenas quando a solução de grande parte dos problemas da humanidade estava em suas mãos, o senhor apareceu, como um Messias disposto a salvar os homens, a troco de nada. No entanto, tenho outra confissão a fazer. O senhor foi uma autêntica surpresa para mim. Esperava encontrar uma pessoa do tipo de professor Schulsz e, em vez disso, aparece — 61 —

um homem atraente, embora apagado, tímido, mas de aspecto vigoroso. Vestido com mais elegância, como agora, e com um pouco de esforço de sua parte, o senhor poderia ser um perigo para a castidade de qualquer mulher. Perdoe falar desse jeito, mas costumo ser muito franca. E o senhor me impressionou, professor. — Posso falar, excelência — disse, pela primeira vez, Kirkpatrik. — Um momento, professor. Deixe-me terminar — a voz de Madeleine assumira uma frieza que preocupou o agente 77Z. — Resumindo, nós trouxemos o senhor até aqui para que desenvolva para nós o sistema de controle da energia solar, em utilização de alta precisão. Posso acrescentar que tencionamos usar sua ciência na medicina, na ótica e, por ser infelizmente necessário, na confecção de um determinado tipo de arma desenvolvida por nossos técnicos armamentistas. Madeleine apontou para outra parte da sala onde, a uma mesa retangular, sentavam-se cinco homens, de rosto circunspecto, olhar frio e expressão alucinada. — Nosso departamento armamentista é dos mais evoluídos que poderia encontrar em qualquer lugar do mundo, professor. No entanto, só utilizaremos seus conhecimentos, se o mundo não quiser nos escutar. Para estarmos devidamente preparadas, precisamos de sua colaboração. Podemos contar com ela? — É claro que não, excelência! — respondeu Kirkpatrik, em tom firme. Um murmúrio de assombro percorreu o Grande Conselho. Um simples homem, um verme, ousava opor-se à vontade das senhoras do mundo! — Essa atitude não levará a nada de bom, professor — disse Madeleine, em tom suave. — Pode acreditar que — 62 —

dispomos de meios, nem todos agradáveis, para convencermos as pessoas. Não gostaríamos de ter que os utilizar, como fizemos com o professor Schulsz. Por isso, acho melhor o senhor conversar com ele esta noite e tentarem chegar a uma conclusão. Amanhã às sete horas nos reuniremos de novo. £ tudo. Pode voltar para seus aposentos. — Não posso falar, agora? — inquiriu Kirkpatrik. — Não, professor. Enquanto não chegarmos a um acordo, o senhor não poderá falar. Tente compreender que o poder somos nós. Tudo será mais simples. Boa-noite.

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CAPÍTULO SEXTO Uma estranha passividade Eram sete horas, quando bateram na porta do quarto de Kirkpatrik. — Entre! Uma garota apareceu diante do agente 77Z. Uma mulata explosiva, usando o que parecia ser a indumentária oficial de Nkyrvos. Um short branco e uma blusa azul celeste, de um ombro só. As pernas cor de chocolate da morena estavam brilhantes e convidativas. O professor Kepplleton baixou um pouco os óculos e analisou a garota por cima da armação, com olhar de apreciador. — Boa-noite, professor. Sou Kátia. Estou encarregada de manter o senhor e seu apartamento em perfeitas condições. Por isso, se precisar de alguma coisa, basta apertar o botão verde que está sobre a sua cama. Seja o que for... O sorriso de Kátia era bem elucidativo, o que não desagradou a Kirkpatrik. Trabalhava muito melhor com alguma distração. — Ótimo, Kátia. Apresente meus agradecimentos a Renée e diga-lhe que lhe mando um beijão. — Direi, professor. Precisa de alguma coisa agora? Antes de dormir o senhor deve ir jantar na sala de refeições.

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O jantar é servido às oito horas. Cerca das onze, virei ver se precisa de algo para a noite. — Excelente, boneca. Sabe que começo a simpatizar com este lugar? — Ficamos muito satisfeitas com isso, professor. — Acredito, meu bem. Você de onde é? — Quer dizer onde eu nasci? — É. É isso que eu quero dizer... — Nasci em Windhoek, na Namíbia, África Austral. De lá fui para os Estados Unidos e, aí, fui contratada para vir para Nkyrvos. — Então você é uma beleza genuinamente africana, não é isso? — Exatamente, professor. Precisa de alguma coisa, agora? — Sim, preciso. Queria falar com o professor Schulsz. Posso? — Claro. Vou ver se ele está. Não sei se já voltou. — Eu espero, então. Se o encontrar, diga-lhe para vir aqui, por favor. — Ele virá, professor. Só isso? — No momento, é só. Não se esqueça de vir às onze. Talvez eu a convença a me contar uma história de ninar... — Adoro contar histórias de ninar, professor. Até logo. Antes que Kirkpatrik pudesse responder, a bela mulata virou-se e saiu do apartamento. Dez minutos mais tarde, Kirkpatrik estava sentado num sofá, tomando um Bourbon gelado, quando bateram na porta. Não precisou falar. A folha de madeira foi empurrada e o professor Schulsz entrou, curvado e de expressão sombria. Kirkpatrik levantou-se e foi ao seu encontro, estendendo-lhe a mão, que o outro apertou. — 65 —

— Tenho prazer, sinceramente, em conhecê-lo, professor Kepplleton. É agradável ouvir alguém falar duro com essas harpias. — Cuidado, professor Schulsz. Aposto que há microfones escondidos por aqui... — Não há, não. Tive o cuidado de revistar muito bem meu apartamento, durante as longas noites de insônia que tenho passado. Essas loucas estão me deixando maluco. Não sei se poderei resistir por muito tempo. — Por que cedeu? — Elas têm minha filha, em Bonn. Recebi uma mensagem dela, uma carta, entende, onde me explicava tudo. Se eu não ceder, será trazida para aqui e entregue aos nativos. Não aos mais civilizados, infelizmente. Será entregue aos nativos prisioneiros. — Há prisioneiros, aqui? — Claro. Pertenciam a um movimento de libertação local. O MLN, Movimento de Libertação de Nkyrvos. Coitados... Lutavam com armas primitivas e não estavam habituados a combater contra mulheres. Ficaram meio sem jeito, quando elas apareceram de metralhadora em punho... — Entendo. E que mais lhe fizeram, professor? — Refere-se às torturas físicas? Algumas das piores que Hitler utilizou nos campos de concentração de judeus. Essa mulher, chefe dos serviços de segurança, a brigadeira Renée, é uma autêntica víbora. Tenha cuidado com ela. É capaz de lhe arrancar os olhos, se não simpatizar com você. Conseguiu instalar um verdadeiro clima de pavor entre os nativos livres da ilha. E entre muitas das garotas que aqui vivem, trazidas por elas, enganadas. Não as deixam partir e são punidas frequentemente. — O quadro não é muito encorajador... — Não, realmente, professor Kepplleton. — 66 —

— Por favor, professor, deixemos os tratamentos cerimoniosos. Pode chamar-me simplesmente de Horace. — Muito bem, Horace. Eu sou Herman, para os amigos. — Como o pegaram, Herman? — De surpresa. Estava pescando, num riacho... — Isso cu sei. — Também é a única coisa que sei, Horace. Quando acordei, estava aqui. Forçaram-me, usando minha filha, a preparar equipes técnicas para operarem a usina nuclear. — Mas essa usina já funciona? Já existe? — Ainda não. Para minha tristeza, elas vão me obrigar a construí-la. E cu nada posso fazer em contrário... Será que o mundo não vai fazer nada? — Vai fazer, professor. Tenha calma e finja que vai cedendo aos poucos. Não desespere. Nunca ouviu falar de resistência passiva? — Já. Sabotar o trabalho sem que elas se apercebam disso no momento. — Exato. É isso que tenciono fazer. — É uma boa idéia. Mas me diga uma coisa. Como eu nunca ouvi falar de você? — Não sou vaidoso, Herman. Sempre vivi afastado da publicidade. Há alguns anos que não saía do Alasca. — Entendo. E de onde partiu para chegar às teorias que desenvolveu? Quero dizer, de que ponto do trabalho de Hellen Remick? — Não estou com disposição para falar disso, agora, professor. — Professor? Que aconteceu? — Desculpe-me, Herman. Mas as paredes podem ter ouvidos, entende? Mais tarde falaremos sobre isso. Agora está na hora do jantar. Eu o convido, Herman.

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O sorriso de Kirkpatrik contagiou Herman Schulsz. Pela primeira vez, desde há muito tempo, os cantos de seus lábios subiram e alargaram-se num sorriso. — Gosto de você, jovem. Parece-me honesto e cofisciente. Vamos. Os dois saíram do apartamento e caminharam até a sala de refeições. Aí, outros dois cientistas foram apresentados a Kirkpatrik. Um era inglês, Patrick Dogherty, especializado em eletrônica. O outro era alemão, Franz Berenstein, perito em balística. Ambos estavam resistindo quanto podiam. Porém, pelas suas expressões, Kirkpatrik adivinhou que essa resistência não duraria muito tempo mais. O jantar foi frugal, à base de frutas e legumes exóticos, mas saborosos. Foi servido um excelente vinho de mesa, produção da ilha, segundo Herman informou. Depois do café, os quatro cientistas dirigiram-se para a sala de lazer. Era um recinto amplo, dispondo de um complicado sistema de televisão que retransmitia os principais programas de vários países do mundo. Uma excelente aparelhagem sonora, complementada por um ótimo estoque de discos de boa música, mesas de jogos de salão, bilhar, xadrez e diversas poltronas completavam o mobiliário da sala. Sentaram-se e o professor Schulsz colocou um disco de Brahms na vitrola. Ficaram algum tempo em silêncio, até que Kirkpatrik perguntou: — Temos hora obrigatória de recolher? — Não. Desde que não saiamos do forte... — respondeu Franz. — Não tem mais cientistas, por aqui? — Tem, Horace. Mais alguns e numerosos técnicos. Mas são homens e mulheres que se venderam facilmente. — 68 —

Não estão mais neste pavilhão. Têm sua casa, como a doutora Remick. — Interessante. E onde fica a casa da doutora Remick? — É a terceira, daqui para lá — indicou Patrick Dogherty. — Entendo. E vocês, por que não cederam ainda? — Ceder como? Essas mulheres são loucas. Vão destruir o mundo, se conseguirem concretizar seus planos. E comigo elas não farão isso. Podem me matar, mas não conseguirão que eu colabore. — E você, Franz? — Penso da mesma forma, Horace. Não temos família sobre quem elas possam exercer chantagem, entende? Admiro o professor Herman Schulsz por isso. Mesmo com a filha em poder deles, tem conseguido enganá-las, não cedendo totalmente. — É. Acho que tem razão. Bem, acho que vou dormir. São quase onze horas e estou cansado. Kirkpatrik levantou-se e os outros o imitaram. — Amanhã conversaremos mais, amigos. Temos que dar um jeito de resolver esta situação. Concordo com vocês no fato destas mulheres serem loucas ou visionárias. — Boa-noite, Horace — disse Herman, estendendo-lhe a mão. — Amanhã nos veremos, às sete, na reunião dessa palhaçada a que elas chamam de Grande Conselho. — Até lá, então, amigos. *** Eram onze e quinze, quando a porta se abriu e a espetacular Kátia entrou na suíte de Kirkpatrik. O irresistível playboy tinha tirado a camisa e seu tronco forte e bronzeado brilhava sob a luz fraca que brotava do teto. — 69 —

— Estava receando que você não viesse, boneca. — Eu disse que vinha, professor. — Enquanto estiver aqui dentro, pode me chamar apenas de Horace. Lá fora serei professor Kepplleton, mas, aqui, apenas Horace. De acordo? Kirkpatrik tinha-se levantado e avançava para a mulata esfuziante. Colocou as mãos em seus ombros e meteu os dedos entre o tecido fino da blusa e a pele morena. Kátia não se moveu. Com um violento puxão, Kirkpatrik rasgou a blusa, deixando a descoberto um seio de chocolate perfeito. Ela pestanejou, mas ficou no mesmo lugar. Apenas seus olhos tinham adquirido um brilho mais intenso. O atraente e falso cientista chegou-se mais para ela e correu o zíper do short, puxando ú reduzida peça para baixo. Kátia não estava usando nada sob ele. Em poucos segundos, a bela mulata ficou despida, diante de Kirkpatrik, que colou os lábios em seu pescoço. Nesse momento, uma corrente elétrica passou pelo corpo da garota, fazendo-a estremecer. Arqueou o corpo e segurou os cabelos louros do atlético americano. A boca de Kirkpatrik continuou percorrendo o corpo escultural de Kátia, descendo pela corola dos seios, acariciando o ventre liso e plano, aventurando-se pela selva perfumada do reduto mais íntimo da sul-africana. Tombaram os dois sobre o chão de tábuas e Kátia desenvolveu uma atividade febril, arrancando as calças de Kirkpatrik, enquanto sua língua tentalizava cada milímetro da pele do louro presidente da K.K.K Steel. O instrumento orgulhoso que tanto prazer proporcionara já a dezenas de mulheres ajustava-se perfeitamente nos dedos de Kátia e em outras partes cálidas de sua anatomia perfeita.

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Passava da meia-noite, quando Kátia saiu da suíte do professor Kepplleton, tentando segurar os dois pedaços da blusa sobre o busto arrogante. *** Ainda não era uma hora quando a sombra escura fechou a porta do apartamento do professor Kepplleton e avançou, colada na parede, em direção à sala de entrada. Era uma figura atlética, alta, que se movia com a agilidade de um felino. Tinha o corpo coberto por uma malha escura e o rosto oculto por uma meia máscara de cetim preto. Deslocando-se com o silêncio de um puma, o Máscara Negra entrou no salão às escuras, logo se encaminhando para o corredor onde ficava o laboratório. Era realmente um laboratório montado com tudo o que um verdadeiro cientista poderia desejar. O mascarado percorreu rapidamente o enorme salão, mexendo-se entre a complexa aparelhagem, cortando fios aqui, soltando outros ali. Em menos de quinze minutos, tinha realizado um trabalho de sabotagem que atrasaria qualquer utilização do laboratório em, pelo menos, uma semana. Com um sorriso satisfeito, o mascarado deixou o laboratório, saindo por uma janela. Encaminhou-se diretamente para o portão da cerca de madeira. A cerca de dez metros, jogou-se ao solo e continuou avançando, de rastros. Era difícil ser captado por qualquer sistema de televisão, rastejando e confundindo-se com a escuridão que envolvia o forte. O portão estava entreaberto. A confiança dos guardas era ilimitada. Vigiar cientistas distraídos era moleza...

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Já do lado de fora, o Máscara Negra levantou-se, colado à cerca de madeira. Afastou-se, sempre grudado na cerca, sem que os guardas se apercebessem. Contornou todo o forte e encaminhou-se para a terceira casa da direita, e da doutora Remick. Uma rápida observação permitiu-lhe descobrir uma janela, fechada apenas por uma cortina de rede. Em poucos segundos, tinha aberto um buraco na rede, suficiente para passar o corpo, o que fez sem ruído. Encontrou-se numa sala semelhante à de sua suíte, apenas maior. O mobiliário era do mesmo tipo do seu, simples, mas de bom gosto. Uma porta aberta conduzia a um quarto. Em silêncio, o Máscara Negra ultrapassou a porta. Hellen Remick dormia profundamente. O intruso adiantouse e, a cerca de meio metro dela, parou, contemplando-a. Hellen Remick era uma mulher bonita e apetecível. Pena que ele tivesse que silenciá-la. Não podia arriscar-se a ser interrogado pela cientista diante do Conselho. Sua farsa seria imediatamente descoberta e, como dissera Sarah, sua vida passaria a valer menos do que um centavo nas mãos de Renée. Colocou a mão sobre os lábios da bela americana e fez pressão. Hellen acordou e forcejou, tentando libertar-se do que lhe tapava a boca. Fitou o mascarado e abriu muito os olhos. O agente fora de série da CIA levou um dedo aos lábios, antes de dizer: — Nem uma palavra, doutora. Se abrir a boca, não verá o sol nascer amanhã... Ela fez um movimento de concordância com a cabeça e o Máscara Negra retirou a mão de sua boca.

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— Você... quem é você? — perguntou ela, em voz baixa. — Alguém que não concorda com a loucura que você e suas amigas pretendem cometer e está disposto a evitá-lo, antes que seja tarde demais. — O louco é você, se pensa que pode vencer essas fanáticas. — Como é, doutora, isso são modos de falar de suas amigas e governantes? — ironizou o mascarado. — Que amigas? Você já deu uma espiada no quarto ao lado? O agente fora de série fez um gesto negativo com a cabeça. — Então vá até lá e verá uma criança de seis anos dormindo. É meu filho e a garantia de que colaborarei com Madeleine e sua turma de visionárias assassinas. Só lamento que esse professor Kepplleton não seja do tipo de resistir. Ele virá destruir a resistência que tenho tentado manter... — Não acha que está falando demais perante alguém que você não sabe se é amigo oh inimigo? — Se pertencesse a essa corja de loucas, não entraria desse jeito em meu quarto. Além disso, estou chegando ao limite de minhas forças. Preciso desabafar com alguém. E você é tão bom como qualquer outro, para isso. Se você está disposto a lutar contra essas víboras, seja quem for, pode contar com meu silêncio e ajuda. — Admiro sua coragem, doutora. E gostaria de acreditar em você. Pode crer que me pouparia muito trabalho. — Acredite, se quiser. De qualquer forma, vou fazer qualquer coisa, ainda que isso signifique a morte para mim. Alguém tomará conta de Richard, meu filho. — 73 —

— Digamos, então, que eu acredito. Que poderia você fazer para me ajudar? — Qualquer coisa. Matar esse intrometido cientista que acabou de chegar, antes que ele possa fazer o que eu tenho evitado. Kirkpatrik sorriu e ergueu a mão direita. — Não, doutora. Nada disso. Kepplleton não vai ceder. Ele veio para aqui, porque quis. — Quer dizer que ele se deixou raptar propositalmente? — Mais ou menos isso. E eu ajudei. Inclusive, viajei com ele, sem que as suas captoras notassem. Nesse momento, escutaram pisadas fortes na calçada de tábuas diante da casa e Hellen Remick disse: — Depressa! É uma patrulha. Passam aqui duas ou três vezes, todas as noites. Acho que querem ter certeza de que continuo submissa. Normalmente não entram. Limitam-se a perguntar se está tudo bem até eu acordar. Contra o que era habitual, a porta da casa da cientista foi aberta de repente e duas mulheres e um homem, todos armados de metralhadora, entraram, com as armas aperradas.

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CAPÍTULO SÉTIMO Um parceiro pouco ortodoxo — Fique aqui! Se for necessário, escanda-se em qualquer lugar. Mas não apareça, pelo amor de Deus — murmurou Hellen Remick. O Máscara Negra colou-se na parede, músculos tensos, prontos para qualquer eventualidade. A cientista vestiu um roupão sobre a fina camisola de dormir e dirigiu-se para a sala de entrada. Pouco depois, ouviram-se vozes: — Desculpe ter entrado assim, doutora, mas acreditamos que alguma coisa aconteceu aqui — dizia a guarda. — E por que alguma coisa ia acontecer aqui? — inquiriu Hellen. — A rede da janela da sala foi rebentada e há pegadas no chão, junto da casa. Hellen Remick soltou uma gargalhada. — E é por isso que estão tão preocupados? — Claro. Não lhe parece suficiente? Tivemos notícias de que um novo grupo de rebeldes se está organizando na ilha. Todo cuidado é pouco. — Entendo. Mas, no caso presente, não precisam se preocupar. Acontece que eu já suspeitava da existência de um novo grupo rebelde. Por isso, e como tendo documentos — 75 —

científicos importantes em casa, resolvi trancar a porta quando saí. Porém, talvez por falta de hábito, perdi minha chave. Ontem de noite, quando voltei, não consegui abrir a porta. Tive que arrombar a rede da janela e pular por aí, pegar a outra chave dentro da casa e abrir a porta ao meu filho. Só isso. — Só isso? — É verdade, agente. Apenas um esquecimento comum da chave de casa. Felizmente as janelas são de rede. — Hum... Felizmente. De qualquer forma, não custa nada a gente dar uma olhada pela casa. Sabe, algum rebelde pode ter visto a rede arrombada e decidiu entrar e estar escondido. — Se isso acontecesse, eu saberia, agente. Nenhum rebelde entraria aqui apenas para se abrigar do calor... — Sei disso. Mas é nossa obrigação velar por sua segurança. Por isso, insisto nessa espiada rápida. Antes que a cientista pudesse impedi-lo, os dois homens e a garota avançaram pela sala, dirigindo-se para o quarto de Richard, o filho da cientista. O Máscara Negra pensou rapidamente. Se tentasse sair, teria que atravessar a sala e seria descoberto. Se arrebentasse a rede do quarto de Helen e escapasse por aí, a fuga seria descoberta e a cientista ficaria em má situação. O único jeito era enfrentar os guardas e silenciá-los. Colocou-se bem atrás da porta do quarto e esperou. Cinco minutos mais tarde, completada a revista nas outras dependências da casa, a porta do quarto abriu-se e a garota apareceu no limiar, apontando a metralhadora para o interior. Avançou cautelosamente, seguida de perto pelos dois guardas. O mascarado esperou que os três estivessem dentro do dormitório, antes de agir. Quando o fez, foi com a agilidade — 76 —

de um felino e a força demolidora de um martelo de demolição. O cutelo de sua mão direita voou para a base da nuca do guarda que se encontrava mais próximo, acertando-o com violência. O homem abateu-se sem um gemido, com o pescoço quebrado. Ainda não tinha acabado de cair, quando a ponta do pé esquerdo do mascarado se levantou do chão e subiu, com a velocidade de um raio, em direção aos rins do segundo guarda. O golpe foi perfeito, atingindo o homem num ponto vital. Ele soltou a metralhadora e abriu a boca para gritar. Porém o ar recusou-se a sair de seus pulmões e ele acabou tombando para a frente, como um saco vazio. A garota voltou-se rapidamente, no momento em que um pontapé certeiro lhe fazia voar a arma para longe. Longe de se intimidar, ela colocou-se em posição de ataque, enfrentando o mascarado. — Belezinha, será melhor você ficar sossegada, para eu não a machucar — sussurrou o Máscara Negra. — Porco chauvinista! Que está pensando? Que o homem é superior? — havia ódio e fanatismo na voz da garota. Seu corpo leve e esguio ergueu-se nos ares e voou para o agente fora de série da CIA. Seus pés, juntos, avançavam perigosamente de encontro ao peito do mascarado. No último instante, ele ergueu as mãos em forma de concha, bem a tempo de aparar o golpe, segurando os pés da guarda com firmeza, ao mesmo tempo que efetuava uma torção violenta para a esquerda. A garota emitiu um grito abafado e estatelou-se em cima da cama. O Máscara Negra caiu sobre ela, uma fração de segundo depois.

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1 Seu corpo bem treinado e musculoso aprisionou a jovem guarda como um tenaz, enquanto sua mão direita se cerrava sobre a boca apetitosa da bonita agente. Ela debateu-se, em vão. Pouco a pouco, sua resistência foi diminuindo, até que se imobilizou por completo. O mascarado, então, retirou a mão de sobre a boca dela e sussurrou: — Como é? O homem é superior, ou não? Como resposta, a garota efetuou um rapidíssimo movimento de quadris. Apanhado de surpresa, pois pensava que ela se rendera, o agente fora de série foi projetado para fora da cama. A garota não esperou que ele se recompusesse. Pulou para o lado oposto e caiu sobre a metralhadora. Dando uma cambalhota sobre a arma, como o faria qualquer comando bem treinado, ela começou a erguer-se, já com a metralhadora empunhada. O mascarado suspirou. Confiara uma vez mais na debilidade das mulheres e fora traído. Sua hora estava chegando, por excesso de confiança. Também, que diabo, quem iria dizer que um corpinho gostoso como aquele, continha tanta dinamite? Nesse momento, um “plop” abafado soou no interior do quarto. A garota foi empurrada para a frente, abriu muito os braços e soltou a metralhadora. Começou a voltar-se, com uma expressão de surpresa nos olhos escuros. Não completou a volta e não chegou a ver a doutora Remick, tremendo visivelmente, ainda com uma pequena automática provida de silenciador, fumegando na mão. Caiu com um baque surdo, junto dos corpos dos dois companheiros de guarda. — Acho que lhe devo minha vida, doutora. Muito obrigado. Excedi-me em minha confiança. Afinal ela era apenas uma mulher... — 78 —

— Não, senhor mascarado. Ela não era apenas uma mulher. Ela era um demônio, uma víbora com a forma de gente. Essas garotas são treinadas por especialistas, para matar sem a menor piedade e usando as técnicas mais perfeitas e certeiras. Se eu não tivesse aparecido, pode acreditar que você seria um homem morto. A voz de Hellen tremia, ao compasso de sua mão, que continuava empunhando a automática. O Máscara Negra aproximou-se dela e, com suavidade, retirou-lhe a arma dos dedos. Toda a aparente resistência de Hellen se quebrou então, como se o contato da arma fosse a única coisa a mantê-la atuante. Deixou-se cair contra o peito do vigoroso desconhecido e os soluços rompeu a barreira do silêncio, sacudindo seu corpo bem feito e jovem. O Máscara Negra passou um braço pelos ombros dela e sussurrou: — Tenha calma. Tudo acabou bem. Venha deitar-se um pouco. Empurrou-a com gentileza para a cama e deitou-a. — Temos que pensar numa forma de dar sumiço a estes corpos, doutora. Não podem ser encontrados aqui. Hellen tinha-se acalmado um pouco e assentiu com a cabeça. — De qualquer forma, eles vão descobrir a falta deles, pela manhã. — Claro. Mas não saberão que foi aqui que sumiram. Como vamos fazê-los desaparecer? — Nos fundos da casa, há um velho poço. Podemos jogá-lo ali, até encontrarmos um local melhor. Estão mortos? — Todos os três, doutora. Eu tencionava poupar a garota, mantendo-a prisioneira em algum lugar até — 79 —

resolvermos a situação, mas as circunstâncias não permitiram... — Era ela, ou você — protestou Hellen. — E entre os dois não havia escolha. — Claro, doutora. Eu sei e já lhe disse que fico agradecido. Afinal salvou minha vida, não é? Enquanto falava, o mascarado foi aproximando o rosto coberto pelo cetim negro, acabando por colar seus lábios nos da bela cientista. Hellen ficou impassiva nos primeiros segundos. Logo, porém, passou os braços pelo pescoço do desconhecido e sua língua devassou, desesperadamente, a boca do atlético mascarado. — Espere uma nova oportunidade, doutora — disse ele, afastando-se com firmeza. — Neste momento temos coisas mais importantes para fazer. — Haverá uma nova oportunidade? Quem é você? — Alguém que a doutora conhece e que está disposto a arriscar sua pele para acabar com a loucura de um punhado de fanáticas visionárias. — Para mim, é muito pouco. Queria saber quem é o homem que se oculta atrás dessa máscara. Se bem que eu tenha já uma forte suspeita. — Então fique com sua suspeita e trate de vestir alguma coisa, para me ajudar a carregar os corpos para o poço. *** Meia hora depois, os corpos estavam trancados dentro do poço. Fora preciso retirar a tampa de laje e recolocá-la no lugar, depois de os corpos estarem dentro do poço. Transpirando, os dois coveiros improvisados voltaram a entrar em casa. — 80 —

— Posso saber o que pensa fazer, senhor mascarado? — Bom, espero que você possa me orientar sobre a melhor forma de agir. Creio que precisamos preparar alguma coisa como um golpe de Estado, não? — Segundo a guarda tinha me dito momentos antes da luta, um novo grupo de rebeldes estava-se formando em Nkyrvos. Conheço um nativo que pode nos ajudar a contatar com eles. — Ótimo. De quantos homens vocês acham que esse grupo rebelde dispõe? — Não faço a menor ideia. — Será que serão capazes de disparar contra mulheres? Hellen Remick abriu os lábios num sorriso amargo. — Se você visse o que essas víboras têm feito com os nativos desta ilha, sem dúvida pensaria de outra forma. Elas escolhem os mais vigorosos e simpáticos, servem-se deles para o sexo e depois mandam-nos para as minas de ouro, trabalhando de sol a sol, sem pagamento. MuKos desaparecem sem deixar rastro. — Muito bem. Tente localizar esse seu amigo e saiba quantos rebeldes estarão em condições de lutar, amanhã de noite. Não podemos arriscar-nos mais. Quantos estão presos? — Muito poucos. Uma dúzia, no máximo. Os líderes e muitos dos mais aguerridos foram mortos na prisão e seus corpos cremados. — Processo engenhoso. Outra coisa. Não aperte muito o professor Kepplleton, amanhã, na reunião. Acredite em mim. Ele está do nosso lado. — Farei o possível. Se bem que eu não simpatizei muito com ele desde o começo... — Faça um esforço. Ele é indispensável para o nosso plano. — 81 —

— Está bem. Tentarei não o enterrar definitivamente. O Máscara Negra sorriu e passou a mão pelos cabelos da bela americana. — Você é uma garota sensacional. Também não corresponde à idéia que eu fazia de uma cientista. — Se me vir de óculos, bata branca e sem jeito, cabelo amarrado no alto da cabeça e expressão profissional, talvez não pense mais desse jeito. — Não acredito. Seu corpo de mulher jovem estará sempre gritando que é uma garota capaz de satisfazer o macho mais exigente. Hellen perturbou-se e o sangue subiu-lhe ao rosto. O Máscara Negra inclinou-se mais uma vez e seus lábios pousaram sobre os dela. Dessa vez não houve nem um segundo de impassividade. Hellen apertou o corpo contra o dele e suas mãos baixaram, velozes, para a sede da masculinidade indesmentível do maseterado. Até o Máscara Negra tem suas fraquezas. Afinal, ele é humano... Por isso, segundos depois, a camisola de dormir jazia no chão da sala, aos pés da bela cientista. O agente fora de série da CIA prendeu as mãos de Hellen atrás das costas quando ela tentou arrancar-lhe a máscara. — Sem essa, doutora. Ficarei aqui mais uns minutos, se prometer portar-se com juízo. Ainda é cedo para saber quem sou. Como resposta, ela pulou para o colo dele, abrindo as pernas, uma para cada lado de sua cintura, e fechando-se nas costas dele, como um tenaz. Foi fácil para o mascarado encontrar o caminho do reduto mais secreto da anatomia de Hellen Remick. E uma nova sinfonia de gemidos e suspiros encheu a sala, subindo por vezes até um crescendo que ameaçava acordar Richard, que dormia no quarto. O — 82 —

mascarado havia sentado a bela cientista sobre a mesa e, incrível como pareça, os dois corpos ajustavam-se perfeitamente naquela posição pouco ortodoxa. Meia hora mais tarde, Hellen repousava em sua cama, satisfeito o desejo que abrasara suas entranhas durante tanto tempo. Sorriu, lembrando-se que nem sequer sabia quem era o seu maravilhoso parceiro dessa noite. Ou saberia? Preferiu não arriscar e esperar o desenrolar dos acontecimentos.

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CAPÍTULO OITAVO Mobilização geral O Máscara Negra moveu-se com rapidez e silêncio, em direção ao pavilhão pintado de azul claro, quase ao extremo da pequena cidade. A casa de Renée, a responsável pela segurança interna e externa da ilha, era uma das maiores de Nkyrvos. Tinha um amplo jardim na frente, tratado com esmero e, ao contrário da maioria das casas da ilha, dispunha de grossas grades de ferro trabalhado nas janelas e a porta era de madeira grossa. Certamente dispunha de sistemas de alarma, detecção contra intrusos e coisas assim. Precisava arranjar uma forma de entrar sem alarma. Rodeou a casa, até encontrar o que procurava. Uma árvore grande, nos fundos, e com resistências para aguentar um bom peso. Pouco depois, o Máscara Negra tinha achado um rolo de corda numa casa em construção, a menos de duzentos metros dali. Voltou com ela e, fazendo um laço, ao estilo dos vaqueiros, jogou-o na direção da chaminé da casa de Renée. A terceira tentativa, conseguiu prender o laço, sem ter despertado o alarma. Amarrou a outra ponta num forte galho superior da árvore e começou a deslizar pela corda, em direção à casa de colmo. Pouco depois, pisava o telhado, de chapas de fibra plástica através das quais o sol se filtrava durante o dia. — 84 —

Avançou com cuidado, apoiando os pés nas vigas da estrutura de suporte das chapas, olhando o interior cia casa, tentando localizar a brigadeira. Encontrou-a no terceiro quarto e o que viu foi uma surpresa. Renée estava dormindo, totalmente nua, sobre a cama. Ao seu lado, igualmente nua, dormia uma garota loura, de longos cabelos e corpo espetacular. Devia ter uns vinte anos e tinha uma perna sobre as de Renée. O mascarado não pôde evitar um sorriso sarcástico, enquanto um assovio de admiração saía de seus lábios. — A víbora encontrou seu passarinho... — murmurou para si mesmo. Com algum esforço, conseguiu desprender a chapa de fibra plástica de uma dependência ao lado do quarto de Renée. Era um banheiro espaçoso. Levantou a chapa e desceu o corpo, silenciosamente, pela abertura, até seus pés pousarem sobre uma penteadeira de pedra polida. Em breve estava no solo, avançando com lentidão para o quarto da brigadeira. Sem o menor ruído, passou uma busca rápida em toda a casa. Não havia mais ninguém. Apenas as duas mulheres, dormindo na cama larga. O mascarado procurou dentro de um armário e encontrou o que queria. Alguns lençóis azuis, que abriu e enrolou, formando cordas. Com o máximo cuidado, aproximou-se da cama e, prendendo a respiração, passou as cordas improvisadas por debaixo das pernas delas. Tinha esperanças de que elas não acordassem. Na verdade, Renée e sua parceira tinham o sono bem pesado. Em poucos minutos, estavam fortemente amarradas uma na outra, num abraço involuntário. Talvez elas tivessem pensado que estavam sonhando que se amavam... — 85 —

A verdade é que o mascarado acabou de dar o último nó e elas continuavam dormindo. Sentou-se na beira da cama e bateu as palmas. Renée abriu os olhos de repente e franziu a testa. Tentou erguer-se e não conseguiu. Olhou para sua parceira e forçou as mãos, para a empurrar para longe. Foi aí que entendeu que estava amarrada. O Máscara Negra apertou um botão, ao lado da cama, e uma luz velada acendeu-se numa lâmpada sobre a mesa de cabeceira. — Um belo espetáculo, brigadeira... — Você... Me solte imediatamente, idiota, ou chamarei os guardas. Você se arrependerá disto! — Renée parecia cuspir veneno, tentando escapar de qualquer forma. — Duvido que chame os guardas, minha querida brigadeira. Não seria bom para sua imagem, se este espetáculo maravilhoso fosse presenciado por muita gente e tornado público... A firme e dura brigadeira Renée, desencaminhando jovens de vinte anos para o lesbianismo... — Cretino! Canalha! Quem é você? — Estou cansado de repetir a mesma coisa. Sou alguém disposto a impedir que um bando de loucas criminosas concretize um plano assassino e absurdo. Serve como explicação? — Você se arrependerá, idiota! Me solte! — Ainda não, brigadeira. Primeiro vamos ter uma conversinha. A garota acordada também e estava de olhos arregalados, com o sangue quase todo no rosto. Sentia vergonha. — Que quer você? Dinheiro? Tem ouro no cofre. Pegue nele e suma daqui — berrou de novo Renée.

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— Calma, minha querida. Não vim para pegar seu ouro. Guarde-o para suas amigas. Elas precisam mais do que eu. Pode ser que lhe seja útil na prisão. — O louco é você — riu ela. — Como pensa me levar para uma prisão, idiota? Disfarçada de camundongo? — Quem sabe? Talvez com uma boa surra você não fique muito diferente de uma ratazana... — Você não se atreverá, cretino. O mascarado levantou-se e, com a maior calma do mundo, aproximou-se da cama, pelo lado oposto ao da luz. Sua mão direita descreveu um arco no ar e estalou, com violência, no rosto de Renée, que soltou um gritinho abafado. — Calma, brigadeira. Não faça barulho. Poderia aparecer alguém e isso não seria lisonjeiro para você... — Canalha! Verme imundo! A mão baixou, uma vez mais, sobre os lábios de Renée, fazendo


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— Uma decisão acertada desse Conselho. Mais um motivo para eu expor vocês em praça pública. Assim o mundo ficará livre de duas depravadas. — Não! — gritou Renée. — Diga o que quer. Eu farei. Mas não torne esta... fraqueza pública, seja você quem for... — Muito comovente, brigadeira. Mas as coisas não são tão simples assim. Como você se comunica com suas guarnições? — Vou lá pessoalmente, ou uso o rádio. — Ótimo. Vamos usar esse rádio. — Que vai fazer? Está louco? O Máscara Negra não respondeu. Segurando um pedaço de lençol usado para amarrar as duas mulheres, puxou-o com força, obrigando-as a ficarem sentadas. — Agora levantem-se e, com muito cuidado, vamos até esse rádio. Os olhos de Renée despediam faíscas de ódio e raiva impotente. A lourinha estava pálida, apavorada. Pouco depois, estavam numa pequena sala, diante de um potente transmissor. — Muito bem, brigadeira. Agora preste atenção. Você vai ordenar a suas garotas e homens uma mobilização geral. Onde fica o aquartelamento deles? — No extremo sul da cidade. — Muito bem. Então chame o oficial às ordens e mande todo o exército concentrar-se dentro do quartel amanhã, às oito horas. Que permaneçam ali, até nova ordem. Diga que vão precisar executar uma operação de extrema importância para a segurança nacional, durante o dia, a qualquer momento. Que fiquem de prontidão total, até você dar ordens em contrário. Mobilize todos os efetivos, de dentro e de fora do quartel.

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— Mas isso é uma loucura. Todo mundo vai estranhar isso. Como vou explicar? — O problema é seu, minha querida. Tem cinco minutos para fazer o que eu mandei. Renée berrou unia imprecação e estendeu as mãos, até onde o lençol lhe permitia, apertando alguns botões. A lourinha gemeu, pois, os movimentos da brigadeira provocavam dores em seu corpo. — Cale-se, imbecil! — berrou ela. Pouco depois, uma voz apareceu no rádio. — QG atendendo. Pronto, brigadeira. — Coronel, esta é uma ordem de prioridade absoluta — a voz de Renée tremia levemente. — Ordene uma mobilização geral para as oito horas da manhã. Mande informar a Casa Grande para ninguém sair à rua, pois eu ordenei um alerta geral. Os rebeldes concentraram-se e planejam avançar sobre a cidade a qualquer momento. Temos que cair sobre eles de surpresa. Para isso necessito de todos os efetivos mobilizados. Incluindo unidades de reserva. Despache imediatamente mensageiros. Às oito horas, quero todo o mundo aí. Será punido com a morte, como desertor, quem desobedecer a minhas ordens. A voz feminina do outro lado do rádio tremeu: — Sim, brigadeira. Mas... que digo se o Conselho quiser explicações? — Diga que estou em missão ultra-secreta e que contatarei com eles logo que possível. Que não saiam da Casa Grande. — Muito bem, senhora. Mais alguma coisa? — Claro. Avise-me aqui, quando a mobilização for completada. — Entendido, brigadeira. Desligo. — 89 —

O rádio emudeceu e Renée voltou-se para o mascarado. — Está satisfeito? Que pretende fazer agora? — Ficar aqui, com vocês, até saber que a mobilização foi completada. — Você está louco. E acho que já vi seus olhos antes. Eu me lembrarei de onde os conheço. — Quer levar mais bofetadas, brigadeira? Já lhe pedi para não ameaçar. Vamos voltar para a cama. — Eu não acho que vão a lugar algum... A voz surgira atrás do Máscara Negra, com uma entonação irônica. Ele voltou-se e deparou com uns olhos azuis, muito claros, emoldurados por um longo cabelo louro. O rosto pertencia a um corpo escultural, metido numa blusa transparente e numas calças brancas justas, que salientavam as formas opulentas de Madeleine. Ao lado da presidente de Nkyrvos, quatro soldados, de metralhadora empunhada firmemente, tinham nos olhos uma expressão decidida, assassina.

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CAPÍTULO NONO A loucura final Madeleine sorria, com cinismo, olhando para o quadro grotesco que as duas mulheres apresentavam, amarradas e apavoradas. — Minha querida Renée. Se eu não suspeitasse de sua ambição, nunca saberia o que estava acontecendo agora. Por isso, você deu azar. — Muito oportuna, excelência — comentou o mascarado. — Acha mesmo, professor Kepplleton? — O quê? Professor Kepplleton? O assombro de Renée era genuíno. — Exatamente, imbecil. Desde que comecei a suspeitar de você, brigadeira, mandei instalar um sistema de vigilância televisionada em sua casa, querida. Quando este palhaço mascarado aqui entrou e acendeu a luz da mesa de cabeceira, acionou o dispositivo de alarma e as imagens do que acontecia aqui começaram a chegar a meu quarto. Não foi difícil entender o que estava acontecendo. Reuni minha guarda pessoal e vim assistir. Há muito que eu sei de seus vícios depravados, Renée. Esperava apenas uma oportunidade para acabar com eles... — Você... — Renée bufava de cólera.

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— Exato, minha querida. Não há nada que mais me repugne do que alguém contrariar as determinações da Natureza. E o que você vem fazendo com essa pobre garota e com outras, é repulsivo. Ainda se elas fizessem isso de livre vontade..., mas não. Você as obrigava, servindo-se de sua força, de seu poder. Era uma prepotência que eu não permitiria que continuasse por muito tempo. Esse palhaço mascarado apenas apressou o que já estava decidido. — Você é uma harpia, Madeleine. Pensa que não sei que usa os guardas para se satisfazer? Homens nojentos, boçais, selvagens mesmo, com quem você pratica bacanais e orgias por detrás das portas fechadas de sua casa. — Está bem informada, querida. Sei que não gosta disso, porque homens não são o seu prato favorito. Repugnam-lhe até. Mas está errada, meu bem. Não há coisa melhor do que sentir dentro de nós o instrumento de prazer sublime que qualquer homem possui. Já pensou que a natureza nos fez de forma a que em nós se encaixasse perfeitamente uma parte do sexo oposto? Por que contrariar? E se pudermos tirar o máximo prazer disso, tanto melhor. — Você acha que o Grande Conselho gostará, quando eu contar o que sei? — inquiriu Renée, com um sorriso venenoso. — Você não terá oportunidade de contar nada, minha querida. Vai morrer aqui, agora mesmo, às mãos de um mascarado misterioso. Meus guardas acorreram e abateram esse guarda, afinal o professor Kepplleton. Como vê, nada mais fácil. — Não poderá fazer isso, Madeleine. Acabarão descobrindo e você estará perdida. O Máscara Negra seguia a conversa entre as duas mulheres com um sorriso zombeteiro. No entanto, esperava — 92 —

apenas uma oportunidade para agir. Não iria deixar-se abater assim, sem mais nem menos. — Bem, você logo verá se farei ou não. Agora vamos arrancar essa máscara do nosso querido cientista, para nos certificarmos de que é realmente ele. Madeleine tirou uma pequena arma do coldre que levava na cintura estreita e avançou para o Máscara Negra. Parou a meio metro dele e levantou a mão esquerda, com os dedos estendidos na direção do rosto mascarado. O dia tinha nascido já. Deveriam ser cerca de cinco horas. Tudo aconteceu com uma rapidez imprevisível. A mão direita do agente fora de série da CIA fechou-se sobre o pulso de Madeleine, puxando-a violentamente. A presidente de Nkyrvos foi obrigada a rodar e suas costas chocaram contra o corpo atlético do mascarado. Quando os guardas se aperceberam do que estava acontecendo, era tarde demais. Madeleine apertou o gatilho e a bala partiu, fatal, na direção de Renée, que seguia, atônita, o desenrolar da cena. Foi colhida em pleno peito, por baixo do seio esquerdo. Não emitiu um som. Caiu lentamente, vencendo a resistência da apavorada loura, que abrirá a boca para gritar. Mas não saiu qualquer som. O segundo tiro disparado por Madeleine estilhaçou uma chapa de fibra plástica do teto. — Matem-no! — gritou ela, forcejando para se libertar. No momento em que o mascarado conseguira aprisionar a mão que empunhava a arma, soou a primeira rajada. O agente fora de série da CIA sentiu o corpo de Madeleine estremecer, sob o impacto das balas. Um dos guardas reagira como autômato à voz da presidente, apertando o gatilho. Nem por um instante passou por sua ^ — 93 —

cabeça que o corpo dela estava diante do mascarado. Quando os dedos de Madeleine se abriram, soltando a arma, o Máscara Negra segurou-a, mantendo o corpo da bela mulher como escudo. Antes que os guardas pudessem evitar, três balas partiram, com a pontaria de um expert. Três feios buracos escuros, logo manchados de vermelho, apareceram nos corpos dos homens, ainda abobalhados pela ação inesperada do desconhecido. O primeiro soltou a metralhadora e caiu, com uma bala na testa. O segundo recebeu a carga de chumbo no pescoço e o terceiro foi atingido no rosto. O quarto homem tentou dar meia volta e fugir, mas uma última bala alcançou-o antes que chegasse na porta. Estremeceu violentamente e bateu contra a parede, resvalando devagar até o chão. O Máscara Negra soltou então o corpo de Madeleine e correu para a lourinha que tentava libertar-se de Renée. — Boneca, você escapou Sesta. Vou soltá-la e você some daqui. Não abra a boca sobre o que aconteceu porque isso seria a sua morte. Entendeu bem? A garota assentiu com repetidos movimentos de cabeça e o agente especial começou a separá-la do cadáver da brigadeira de segurança de Nkyrvos. Quando terminou, a garota pegou um lençol, embrulhou-se nele e correu porta afora. O Máscara Negra não esperou. Alcançou a porta em duas passadas e perdeu-se na escuridão, abandonando parte das cautelas que tivera ao entrar. Não tardaria a chegar uma multidão, atraída pelo som dos tiros, e ele esperava estar bem longe nesse momento. Correu, meio abaixado, em direção a casa de Hellen Remick. — 94 —

Nesse momento, algo impressionante começou a acontecer em Nkyrvos. O chão pareceu tremer, rugindo como fera enlouquecida. O Máscara Negra foi jogado ao solo. Levantou-se de um salto e recomeçou a correr. Entrou como um furacão na casa de Hellen, no momento em que o rugido que vinha das entranhas da terra parecia querer estilhaçar tudo na ilha. Hellen estava de pé, com uma expressão apavorada nos olhos. — Depressa, doutora — gritou ele. — Deve ser um terremoto, ou maremoto. Vista-se e corra para o pavilhão dos cientistas. Vou tentar conseguir um avião. Rápido. Temos que abandonar a Ilha, antes que seja tarde demais. — Nkyrvos é uma ilha vulcânica. Eu sabia que vivíamos sobre a cratera de um vulcão submerso que poderia entrar em erupção a qualquer momento. — Não adiantam as explicações, agora, doutora. Faça o que eu lhe disse. Sem esperar resposta, o Máscara Negra correu na direção do forte onde viviam os cientistas. — Pare! A voz era de um dos guardas do portão do forte. O outro fugira. — Não seja idiota, amigo. Vá procurar um barco, ou coisa parecida, e suma o quanto antes — gritou o mascarado. Chegara junto do guarda. Este, sem entender bem o que estava acontecendo, levantou a metralhadora na direção dele. Nunca soube o que o tinha atingido, com tamanha violência, na base do queixo. Começou a ver milhões de — 95 —

estrelas, sua vista nublou-se e soltou a arma. Quando chegou ao solo, o mascarado corria para dentro do forte, fazendo acionar o sistema de alarma. Uma sirena começou a tocar estridentemente. O mascarado não se deteve. Correu para o quarto do «professor Kepplleton e fechou a porta, ofegante. Em poucos segundos tinha despido a malha negra e envergado a roupa esporte que Sarah lhe levara. Dobrou cuidadosamente a malha, formando um rolo de reduzidas dimensões, e colocou-a entre as calças e a cintura. Logo correu para fora do quarto. O chão continuava tremendo e rugindo. Na rua, os gritos de pavor sobrepunham-se ao ruído do tremor. As portas dos quartos ocupados pelos três cientistas tinham-se aberto e os homens assustados olharam para ele. — Rápido, professor Schulsz. A ilha é uni vulcão que entrou agora em atividade. Corra para fora. Estavam ultrapassando o portão da saída, quando esbarraram com a doutora Remick, correndo como louca, arrastando o filho pela mão. — Não há tempo para mais nada, Hellen — gritou Kepplleton. — A fera está acordando. Sabe onde ficam os hangares? Ela fez que sim, com a cabeça, e começou a correr para lá. Kirkpatrik deitou um último olhar para o forte. O guarda que ele nocauteara momentos antes não estava mais ali. Tinha acordado e fugido. Correram como loucos durante quase quinze minutos. Por fim, a cientista americana indicou uma construção baixa e alongada. — 96 —

— É aqui. — Ótimo. Vamos ver se conseguimos um avião emprestado de sua excelência. Empurrou os portões do gigantesco pavilhão „ e entrou, seguido dos outros. — Parem onde estão! Ninguém vai fugir daqui! Diante deles estavam cinco mulheres, lideradas por uma matrona de cerca de cinquenta anos. — Nadja Burkoff! — exclamou Hellen Remick. — Você não é mais a chefe das guardas. A ilha está-se desmoronando! O vulcão vai entrar em atividade a qualquer momento e todos morreremos. Peguem um avião e tentem fugir daqui, enquanto é tempo! — Parem, eu disse! Não é a primeira vez que o vulcão ruge e não entra em erupção. Ninguém vai embora. Nosso plano apenas começou a realizar-se. —Não seja louca! — gritou o professor Kepplleton. — Desta vez, isto vai tudo para o fundo, Nadja. Não se sacrifique, junto com esse bando de idiotas. — Voltem a abrir a boca e lhes meto uma rajada na barriga! A pesada mulher levantou ostensivamente a metralhadora, na direção do grupo de cientistas desesperados...

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EPÍLOGO Nesse momento, o chão pareceu tremer com mais intensidade e um rugido ensurdecedor varreu a ilha. — Cuidado! O grito de Kirkpatrik não chegou o tempo. Uma seção da parede do lado esquerdo do hangar abateu-se com estrépito. As quatro mulheres guardas, apavoradas, viram a pesada formação de madeira avançar para cima delas e largaram as metralhadoras, correndo na direção da porta. — Parem, idiotas! Nadja acompanhou o berro com uma rajada. A última das quatro garotas pareceu tropeçar em uma barreira invisível e abriu os braços, descrevendo uma grotesca pirueta antes de tombar, morta. Kirkpatrik moveu-se com a velocidade de um raio. A ponta de seu sapato esquerdo atingiu o cano da metralhadora de Nadja, fazendo a arma voar aparatosamente. Logo um potente direto do punho esquerdo se abateu sobre o rosto feio da russa. — Desculpe-me, por ser mulher, apesar de tudo — murmurou ele, enquanto a pesada chefe das guardas caía para trás. Helen soltou um grito abafado e apertou-se contra Kirkpatrik. — A parede, Horace!

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Na verdade, o que restava da parede vinha caindo sobre o corpo de Nadja. Seria inútil qualquer tentativa para salvar a soviética. Seu corpo desapareceu sob o monte de pesados troncos e uma nuvem de poeira. — Vamos — gritou o tímido professor Kepplleton. Correram para o aparelho de Madeleine, parado a uns vinte metros dos portões abertos. Por sorte, a parede que abatera fora a do lado oposto. *** Sobrevoando a ilha, os cientistas abriram os olhos de espanto. No mar, já a quase uma milha de Nkyrvos, umas cem embarcações compridas moviam-se velozmente, afastandose do inferno em que a ilha se transformara. — Os nativos estão fugindo — disse Schulsz. — Pelo menos, salvaram-se do braseiro. — É — fez Kirkpatrik, aos comandos do avião. — E que braseiro, Herman! O vulcão entrara finalmente em atividade, espalhando lava e fogo por todos os lados. Não havia mais qualquer movimento em Nkyrvos. Os nativos tinham conseguido fugir nos barcos compridos. Seriam umas sete mil pessoas, no mar, em busca de novas paragens para uma nova vida, longe do terror das loucas. Certamente, levaram algumas mulheres com eles. Mas na condição de simples mulheres. Não mais de soldados prepotentes, visionárias e loucas. Passariam um mau bocado, nas mãos dos nativos furiosos. Mas, no fundo, até talvez aprendessem a gostar de ser simplesmente mulheres...

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*** Sem maiores problemas, o avião aterrissou no Havaí. Foi longa e complicada a explicação para as autoridades. Finalmente, os quatro cientistas, o garoto de Helen e Kirkpatrik foram liberados temporariamente e conduzidos a Nova Iorque, num jato da USAF. Três dias depois, refeitos de tudo o que haviam passado, Schulsz e Kirkpatrik estavam sentados no salão da suíte de Kirkpatrik, diante de dois copos de Bourbon com gelo. — Meu caro Horace, há uma coisa que eu gostaria de aclarar: o que sabe você sobre a teoria de Hellen Remick e a energia solar? — Para falar verdade, meu caro Herman, nada! E não volte a me chamar de colega ou professor Kepplleton. Meu nome é Horace Young Kirkpatrik e sou presidente de um consórcio de aço. Montamos esta jogada, um amigo meu e eu, numa tentativa desesperada de descobrirmos para onde você e Hellen Remick haviam sido levados. Só que nenhum dos dois fazia a menor idéia de que as coisas se iriam desenrolar dessa forma. Nem de que havia mulheres tão lindas e tão loucas neste mundo. — Eu sabia! — exclamou o cientista alemão. — Desde o começo que eu suspeitava que você não era cientista coisa nenhuma. A entrevista que deu para a televisão e que vimos, em gravação de vídeo-tape, em Nkyrvos, era o mais completo amontoado de absurdos científicos. Sistema medamítrico de River Sade, acoplado com a espastovitose fluido-quântica. O que vem a ser isso, afinal? Você usou esses termos em sua entrevista. — Quer saber um segredo, Herman? Li esses termos num velho alfarrábio e não faço a menor idéia do que significam... — 100 —

Os dois homens ainda estavam rindo a gargalhadas, quando a porta se abriu e duas pessoas entraram. — Posso tomar parte da risada? — perguntou Mr. Lattuada, sentando-se numa poltrona. Com dificuldade, os dois conseguiram controlar o riso. — Bom, talvez agora eu possa falar — tornou Mr. Lattuada. — Sua filha foi resgatada e encontra-se no hotel, esperando pelo senhor, professor Schulsz. Sabíamos onde ela estava, pois desde que o senhor sumiu a mantínhamos vigiada. Suponho que as autoridades alemãs também. Ela foi libertada e chegou esta manhã a Nova lorque. Está no hotel, esperando por seu pai. Schulsz levantou-se, emocionado, e apertou a mão do chefe do Departamento 77, da CIA. — Obrigado — disse simplesmente, com a voz embargada. — Tudo bem, professor Horace — Mr. Latuada voltarase para o presidente da K.K.K Steel. — A doutora Remick insistiu em vir comigo. Disse que precisava falar em particular com você sobre aquela sua teoria do controle da energia solar e... Kirkpatrik abriu muito os olhos e moveu os lábios para falar. — Bem, tenho que ir. Quer uma carona até o hotel, professor Schulsz? — interrompeu Mr. Lattuada. Pouco depois, Kirkpatrik estava diante de Hellen Remick. — Vou ficar alguns dias em Nova Iorque, antes de regressar para o Texas, onde tenciono continuar meus estudos, professor Kepplleton. Como acabamos não tendo oportunidade para falar sobre suas teorias em Nkyrvos, gostaria de bater um papo com o senhor agora... — 101 —

Kirkpatrik avançou para a jovem cientista e colocou suas mãos nos ombros dele. As duas bocas uniram-se num longo beijo e Hellen apertou o corpo contra o do irresistível playboy. — Quanto a energia, minha querida, posso lhe dar umas lições. Mas não de energia solar. O professor Kepplleton, coitado, morreu em Nkyrvos. Gostaria de testar sua resistência, doutora. Que acha? As mãos do atraente louro percorriam ousadamente o corpo apetitoso de Hellen Remick, como se testassem, na verdade, a energia que se escondia sob aquelas formas opulentas. — Horace — murmurou ela. — Gostava mais de você com a máscara... Kirkpatrik estremeceu e fechou os olhos, enquanto os lábios de Hellen se fechavam sobre os seus e sua língua iniciava uma frenética dança sensual...

FIM

A seguir: A BONECA EXPLOSIVA, aventura em que o agente 77Z se vê envolvido numa complexa rede de espionagem, onde as bonecas são realmente explosivas. Não perca!

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