Texto I – “Canção do exílio” – Gonçalves Dias Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que eu desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Em cismar – sozinho – à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Texto II – “I-Juca Pirama” (canto VIII) – Gonçalves Dias "Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerreiros, Implorando cruéis forasteiros, Seres presa de vis Aimorés.
"Que a teus passos a relva se torre; Murchem prados, a flor desfaleça, E o regato que límpido corre, Mais te acenda o vesano furor; Suas águas depressa se tornem, Ao contacto dos lábios sedentos, Lago impuro de vermes nojentos, Donde fujas com asco e terror!
"Possas tu, isolado na terra, Sem arrimo e sem pátria vagando, Rejeitado da morte na guerra, Rejeitado dos homens na paz, Ser das gentes o espectro execrado; Não encontres amor nas mulheres, Teus amigos, se amigos tiveres, Tenham alma inconstante e falaz!
"Sempre o céu, como um teto incendido, Creste e punja teus membros malditos E oceano de pó denegrido Seja a terra ao ignavo tupi! Miserável, faminto, sedento, Manitôs lhe não falem nos sonhos, E do horror os espectros medonhos Traga sempre o cobarde após si.
"Não encontres doçura no dia, Nem as cores da aurora te ameiguem, E entre as larvas da noite sombria Nunca possas descanso gozar: Não encontres um tronco, uma pedra, Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos, Padecendo os maiores tormentos, Onde possas a fronte pousar.
"Um amigo não tenhas piedoso Que o teu corpo na terra embalsame, Pondo em vaso d'argila cuidoso Arco e frecha e tacape a teus pés! Sê maldito, e sozinho na terra; Pois que a tanta vileza chegaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és."
Texto III – “O poeta moribundo” – Álvares de Azevedo Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!... Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa!
Que ruínas! que amor petrificado! Tão antidiluviano e gigantesco! Ora, façam ideia que ternuras Terá essa lagarta posta ao fresco!
Cantem esse verão que me alentava... O aroma dos currais, o bezerrinho, As aves que na sombra suspiravam, E os sapos que cantavam no caminho!
Antes mil vezes que dormir com ela. Que dessa fúria o gozo, amor eterno Se ali não há também amor de velha, Deem-me as caldeiras do terceiro inferno!
Coração, por que tremes? Se esta lira Nas minhas mãos sem força desafina, Enquanto ao cemitério não te levam, Casa no marimbau a alma divina!
No inferno estão suavíssimas belezas, Cleópatras, Helenas, Eleonoras; Lá se namora em boa companhia, Não pode haver inferno com Senhoras!
Eu morro qual nas mãos da cozinheira O marreco piando na agonia... Como o cisne de outrora... que gemendo Entre os hinos de amor se enternecia.
Se é verdade que os homens gozadores, Amigos de no vinho ter consolos, Foram com Satanás fazer colônia, Antes lá que no Céu sofrer os tolos!
Coração, por que tremes? Vejo a morte, Ali vem lazarenta e desdentada... Que noiva!... E devo então dormir com ela? Se ela ao menos dormisse mascarada!
Ora! e forcem um'alma qual a minha, Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça, A cantar ladainha eternamente E por mil anos ajudar a Missa!
Texto IV – “Amor e medo” – Casimiro de Abreu I Quando eu te vejo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca, oh! bela, Contigo dizes, suspirando amores: — "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"
II Ai! se te visse no calor da sesta, A mão tremente no calor das tuas, Amarrotado o teu vestido branco, Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Como te enganas! meu amor é chama Que se alimenta no voraz segredo, E se te fujo é que te adoro louco... És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Ai! se eu te visse, Madalena pura, Sobre o veludo reclinada a meio, Olhos cerrados na volúpia doce, Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo, Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes. Das folhas secas, do chorar das fontes, Das horas longas a correr velozes.
Ai! se eu te visse em languidez sublime, Na face as rosas virginais do pejo, Trêmula a fala, a protestar baixinho... Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
O véu da noite me atormenta em dores, A luz da aurora me enternece os seios,
Diz: — que seria da pureza de anjo, Das vestes alvas, do candor das asas?
E ao vento fresco do cair das tardes, Eu me estremeço de cruéis receios.
Tu te queimaras, a pisar descalça, Criança louca — sobre um chão de brasas!
É que esse vento que na várzea — ao longe, Do colmo o fumo caprichoso ondeia, Soprando um dia tornaria incêndio A chama viva que teu riso ateia!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro! Ébrio e sedento na fugaz vertigem, Vil, machucara com meu dedo impuro As pobres flores da grinalda virgem!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro, Cedendo ao raio que a tormenta envia: Diz: — que seria da plantinha humilde, Que à sombra dela tão feliz crescia?
Vampiro infame, eu sorveria em beijos Toda a inocência que teu lábio encerra, E tu serias no lascivo abraço, Anjo enlodado nos pauis da terra.
A labareda que se enrosca ao tronco Torrara a planta qual queimara o galho E a pobre nunca reviver pudera. Chovesse embora paternal orvalho!
Depois... desperta no febril delírio, — Olhos pisados — como um vão lamento, Tu perguntaras: que é da minha coroa?... Eu te diria: desfolhou-a o vento!... – Oh! não me chames coração de gelo! Bem vês: traí-me no fatal segredo. Se de ti fujo é que te adoro e muito! És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...