Jornal De Teatro Edição Nr.15

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24

TÉCNICA

Conheça o trabalho do stage manager, ou diretor de cena, o grande responsável pela sincronia do espetáculo Pág. 10

FESTIVAIS

Em sua 12ª edição, o Festival Recife do Teatro Nacional promete movimentar os teatros e espaços públicos da capital Pág. 17

Divulgação

HISTÓRIA

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E

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Surgida de uma iniciativa do Governo do Estado, a São Paulo Escola de Teatro estreia com a meta de ser a maior instituição de ensino de artes cênicas no País, com 1.200 alunos, entre turmas regulares e de difusão cultural

Divulgação

Reprodução

Uma publicação da Aver Editora - 15 a 30 de Novembro de 2009 - Ano I Nº 15 R$ 5,00

Págs. 12 e 13

Os pouco mais de cinco anos de existência do Dzi Croquettes foram suficientes para deixar a marca de ousadia e renovação Pág. 22

DANÇA

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A Cisne Negro Cia. de Dança mantém sucesso que sugiu a partir da união de um grupo de atletas com bailarinas clássicas

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Pág. 10

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ENTREVISTA

O trabalho de Renato Borghi é destaque nas atuações, nos espetáculos que escreveu e na história de luta e de resistência Págs. 8 e 9

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15 a 30 de Novembro de 2009

Jornal de Teatro

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8 dias/7 noites

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Curaçao

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Divulgação

Jornal de Teatro

Editorial

Rio Grande do Sul

Movimento Teatral

Porto Alegre celebra o Mesa Verde, novo festival de dança que reúne grupos de diferentes estilos Pág 15

Índice TÉCNICA......................................................................6 Stage Manager ou diretor de cena Esse é o profissional que põe ordem no palco e é um dos principais responsáveis pela sincronia do espetáculo

ENTREVISTA...................................................... ..................................8 e 9 Renato Borghi O ator, produtor e diretor revela-se um apaixonado pelo teatro. Não é à toa que possui mais de 50 anos de carreira e facetas

SINDICAIS................................................................11 1º Encontro dos SATEDs do Nordeste Fortaleza sediou, no dia 15 de outubro, a primeira reunião dos Sindicatos dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões

FESTIVAIS.................................................................17 Festival Recife do Teatro Nacional A 12ª edição do evento terá 42 apresentações este ano, sendo que 18 serão encenadas em espaços públicos descentralizados

Para quem é apaixonado pela história do teatro, os movimentos teatrais podem ser comparados com um grande conflito. Inicialmente, há uma tensão que só acaba quando um líder – ou o representante de uma classe – toma uma atitude contra algo ou alguém. Formam-se alianças e os combatentes enfrentam todos que tentam se opor, mesmo que isso cause baixas importantes, mas, no final sempre há um cenário modificado. Essa comparação metafórica quase infantil reflete apenas a importância dos movimentos para que algo novo aconteça, mesmo que surja sob protestos e contradições. Ainda na história do teatro, sempre lamentei não ter acompanhado os movimentos que fizeram do teatro o que conheço agora. Aliás, diferente de outras áreas da cultura como música, cinema, literatura ou artes plásticas, as artes cênicas são as únicas que, por mais que se obtenham registros, a manifestação real da arte não pode ser guardada. Neste ponto até defendo os grandes jornalistas de teatro, que jogam na cara dos focas aventureiros que “mal viram Paulo Autran em cena”. Sim, infelizmente a nova geração de profissionais de teatro perdeu esta importante oportunidade, mas, ao mesmo tempo, o resultado do trabalho destes grandes nomes formou a nova cena do teatro brasileiro, o movimento teatral atual. Percebemos isso facilmente olhando para as páginas da edição 15 do Jornal de Teatro. Renato Borghi é um homem à frente do seu tempo, tanto que um de seus espetáculos acaba de ser adaptado e montado depois de décadas da primeira encenação e ainda causa polêmica no público. Quando criou o Teatro Oficina, ao lado de Zé Celso Martinez Correia, provavelmente não tinha noção de que o trabalho realizado ali poderia ser considerado um movimento teatral. Neste mês completase dez anos da morte de Plínio Marcos, outro exemplo de pessoa que pagou que disse, mas tinha quase como uma obrigação pessoal falar o que via e escrever sobre situações camufladas na sociedade brasileira. Por falar em ousadia, que delícia foi o nosso contato com o Dzi Croquettes. Um trabalho de liberação, criatividade extrema, ou simplesmente liberdade artística. O fato de o grupo ter durado apenas cinco anos isenta a responsabilidade de chamá-los de movimento? O nosso articulista convidado da edição é um coletivo, a Revista Bacante. Alguns torcem o nariz para as críticas e polêmicas levantadas pelo grupo em seu site, outros, como o Jornal de Teatro, acreditam que a simples discussão do tema já é válida, bem-vinda e necessária. Pra quem conhece um pouco mais o grupo, percebe a vontade o trabalho de cada um dos seus integrantes para entender esta loucura que vai além dos espetáculos. Se há um risco de a crítica teatral perder força nas próximas décadas, jornalistas como os da Bacante desenvolvem na internet o seu movimento teatral – de forma livre e democrática, como o meio que utilizam. Talvez todos estes pensamentos tenham sido introdutórios para apresentar a nossa reportagem sobre a SP Escola de Teatro. Por que o surgimento de um novo centro de formação poderia ser enquadrado no editorial sobre movimentos teatrais? Em um mesmo espaço, acontecerão cursos de diferentes especialidades dentro do teatro. Sendo assim, a possibilidade de um cenógrafo acompanhar o processo de um dramaturgo, ou o do iluminador criar um espetáculo com um clown, é muito grande. O mais importante, porém, deste novo centro de formação é que o estudo da arte volta para um patamar democrático, diferente das grande escolas presentes hoje no país com preços altíssimos e pouco retorno a curto prazo. Para essa geração que “mal viu Paulo Autran em cena” é a possibilidade de não só fazer parte de um movimento, mas criá-lo – como provavelmente acontecerá quando as primeiras turmas saírem da escola e se lançarem pelos palcos do país.

POLÍTICA CULTURAL..................................................18

Rodrigoh Bueno

Companhia Brasileira de Ópera

Editor do Jornal de Teatro

Maestro João Neschling, com apoio do MinC, anunciou a criação do projeto, que visa popularizar a música erudita em todo o País

Presidente: Cláudio Magnavita Castro [email protected] Vice-presidentes: Helcio Estrella [email protected] Anderson Espinosa [email protected]

www.avereditora.com.br Publicações da Aver Editora: Jornal de Turismo - Aviação em Revista - JT Magazine Jornal Informe do Empresário - SET - Próxima Viagem

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15 a 30 de Novembro de 2009

Presidente: Cláudio Magnavita Diretor Editorial: José Aparecido Miguel Diretores: Jarbas Homem de Mello e Anderson Espinosa Redação: Rodrigo Figueiredo (editor-chefe), Rodrigoh Bueno (editor) e Fernando Pratti (chefe de reportagem) Rio de Janeiro - Alysson Cardinali Neto, Daniel Pinton Schilklaper, Douglas de Barros e Felipe Sil São Paulo - Guilherme Genestreti, Ive Andrade e Pablo Ribera Barbery Brasília - Dominique Belbenoit, Sérgio Nery e Adair de Oliveira Junior Porto Alegre - Adriana Machado, Leonardo Serafim e Letícia Souza Florianópolis - Adoniran Peres e Liliane Ribeiro Salvador - Paloma Jacobina

Email Redação: [email protected]

Redação Rio de Janeiro: Rua General Padilha, 134 - São Cristóvão - Rio de Janeiro (RJ). CEP: 20920-390 - Fone/Fax: (21) 2509-1675

Arte: Bruno Pacheco, Gabriela de Freitas e Valeska Gomes

Redação Brasília: SCS - Quadra 02 - Bloco D - Edifício Oscar Niemeyer - sala 1101 - BrasíliaDF. CEP: 70316-900 Tel.: (61) 3327-1449

Marketing: Bruno Rangel ([email protected]) Administração: Elisângela Delabilia ([email protected]) Colaboradores: Gerson Esteves, Michel Fernandes, Adriano Fanti, Luciana Chama e Marcio Reiff Correspondência e Assinaturas: Redação São Paulo: Rua da Consolação, 1992 - 10º andar - CEP: 01302-000 - São Paulo (SP) Fone/FAX: (11) 3257.0577 Impressão: F. Câmara Gráfica e Editora

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Redação Porto Alegre: Avenida Borges de Medeiros, 410 - sala 916 - Centro - Porto Alegre (RS). CEP: 90020-023. Tel.: (51) 3231-3745 / 3061 3483 Redação Florianópolis: Rua Dom Jaime Câmara, nº 179 - Sala 506 - Ed. Regency Tower Centro - Florianópolis (SC). CEP: 88015-200 Tel.: (48) 3024-3575 / 3024-3571 Redação Salvador: Rua José Peroba, 275, sala 401 - Ed. Metrópolis, Costa Azul, Salvador / BA. CEP: 41770-235 Tel.: (71) 3017-1938

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15 a 30 de Novembro de 2009

Jornal de Teatro

Bastidores Fotos: Divulgação

Alex Gruli e Edu Reyes

Leilah Moreno

DJ Taiguara e Miro Rizzo

Douglas Simon e Talita Castro

GAMBIARRA – “A” FESTA! O evento preferido da classe artística paulistana já conquistou toda a cidade e chegou arrasando nas edições especiais que aconteceram no Rio de Janeiro. A organização ainda não divulgou o que está programando para as festas de fim de ano, mas promete que as festas vão “lavar o que tem que limpar”, como diz o hino oficial da festa. Enquanto isso, confira uns cliques da noite.

Lucia Verissimo e Tuca Notarnicola

ESQUETES BRAZIL FOUNDATION ABRE EDITAL ANUAL PARA PROGRAMAS CULTURAIS A fundação recebe projetos até o dia 15 de dezembro deste ano. Para participar, o proponente deverá encaminhar seu trabalho, demonstrando que ele se encaixa nos requisitos do edital, isto é, que leve em conta a diversidade cultural e o resgate das tradições locais. Mais informações: (21) 2532-3029. FUNARTE DIVULGA PROJETOS SELECIONADOS PARA OCUPAR SUAS SALAS EM SP Ao todo, são cinco os projetos aprovados para ocupar os espaços da Funarte: “NuConcreto” (Cia. Circo Mínimo) e “Mostra Tatiana Belinky” (Grupo Luz e Ribalta) na Sala Carlos Miranda; “A Mulher Que Ri” (Barracão Cultural) na Sala Renée Gumiel; “Que Amores São Esses” (Núcleo Cênico Projeto Bazar); e “As Aventuras de Pepino” (Cia. Rodamoinho) no Teatro de Arena Eugenio Kusnet. Cada um dos coletivos receberá uma verba entre R$ 32 mil e R$ 54 mil para ocupar os espaços entre os meses de novembro de 2009 a fevereiro de 2010. Os ingressos serão vendidos a R$ 10, com desconto de 50% para a classe artística, estudantes e idosos. BID CONCEDE DOAÇÕES A PROJETOS CULTURAIS Projetos culturais que apoiarem o desenvolvimento social de suas comunidades poderão concorrer a financiamento de até 10 mil dólares. Por trás dessa ajuda está o BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, que receberá as propostas de custeio até o dia 31 de janeiro de 2010. As doações cobrirão projetos que estimulem atividades econômicas e sociais em comunidades de toda América Latina e Caribe. Os interessados devem enviar as propostas para as representações do banco. PROJETO A. TITO FILHO FOMENTA TEATRO NO PIAUÍ Além do teatro, áreas como música, dança, cinema e fotografia, podem ser financiadas pelo Projeto A. Tito Filho, que tem como meta a exibição pública das obras que forem contempladas com o programa. PREFEITURA DE SÃO PAULO RECEBE INSCRIÇÕES PARA ARTE-EDUCADORES Até o dia 27 de novembro estarão abertas inscrições para artistas-orientadores e coordenadores artístico-pedagógicos interessados em servir na Secretaria Municipal de Cultura e nos CEUs nas áreas de teatro, artes visuais, dança e música. As inscrições devem ser feitas no Depto de Expansão Cultural da Secretaria Municipal da Cultura, na Avenida São João, 473, das 14h00 às 18h00. FESTIVAIS: IPITANGA ABRE INSCRIÇÕES PARA O 5º FESTIVAL DE TEATRO A cidade baiana estará com inscrições abertas até o dia 25 de novembro para grupos teatrais interessados em participar do 5º Festival Nacional Ipitanga de Teatro, que ocorrerá entre os dias 14 e 30 de janeiro de 2010. Os grupos que participarem do festival poderão concorrer a prêmios nas categorias de melhor espetáculo adulto; infantil; de rua; além de diretor; ator; atriz; ator coadjuvante; atriz coadjuvante; revelação; categoria especial; e espetáculo júri popular.

FRINGE RECEBE INSCRIÇÕES ATÉ O DIA 30 DE NOVEMBRO Os grupos teatrais que quiserem participar do Fringe 2010, a mostra paralela do Festival de Curitiba, devem inscrever seus projetos até o dia 30 de novembro, acessando o regulamento disponível no site do evento (www.festivaldecuritiba.com.br). Os inscritos serão selecionados por uma banca curadora, que avaliará o trabalho de pesquisa teatral de cada grupo. Nesta edição, o evento contará com uma mudança importante: os coletivos selecionados serão agrupados conforme estéticas parecidas e cada sala teatral da cidade sediará uma determinada linha conceitual. COOPERATIVA PAULISTA PROMOVE MOSTRA CINE-TEATRO Entre os dias 19 e 25 de novembro, o Complexo Cultural Funarte recebe filmes que documentam a construção de espetáculos teatrais, além de cinebiografias de personalidades importantes para o teatro. A adaptação cinematográfica da peça “Barrela”, de Plínio Marcos, e a documentação do processo de montagem de “O Balcão”, por Ruth Escobar e Victor García, são algumas das atrações. Mais informações: www. cineteatrobrasil.com. TUSP ABRE INSCRIÇÕES PARA CIRCUITO DE TEATRO Alunos e professores das escolas públicas de teatro em São Paulo poderão inscrever seus projetos para o Circuito TUSP de Teatro, que tem como objetivo ocupar espaços nos campi da Universidade de São Paulo, tanto na capital quanto no interior. COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO AVALIA PROJETOS PARA O 2º PRÊMIO CPT 2009 Os grupos que tiverem interesse em concorrer ao Prêmio CPT 2009 – 2º semestre deverão enviar um e-mail para [email protected], anexando na mensagem o release, serviço e a cidade de realização do espetáculo. O regulamento pode ser encontrado no site www.cooperativadeteatro.com.br. CURSOS, OFICINAS E LEITURAS DRAMÁTICAS: MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA SEDIA CICLO DE LEITURAS SOBRE HOMOEROTISMO A 3ª edição do Dramática: Ciclo de Leituras Teatrais sobre Homoerotismo e Sexualidade, será apresentada entre os dias 19 e 21 de novembro. Entre os textos selecionados estão “Les”, de Ronaldo Ventura, vencedor do Prêmio GLBT SID, do Ministério da Cultura. Entre os demais selecionados para as leituras estão “Restos de Cerveja em Copo Transparente”, de Sérgio Pires; “Neve”, de Luciano Mazza; e “À Beira do Mar Aberto”, adaptação de Rodolfo Lima a partir da obra de Caio Fernando Abreu. CENTRO CULTURAL RUTH CARDOSO RECEBE OFICINA DE TEATRO RESTAURATIVO Raul Araújo será o responsável pelo curso que pretende usar o teatro como forma de recuperar os vínculos sociais em situações de conflito. A oficina dispõe de 20 vagas e o curso acontecerá nas noites de terças e quintas, de 1º de dezembro até 25 de fevereiro de 2010. O projeto, que faz parte da Marcha Mundial pela Paz, recebe inscrições até 25 de novembro, no Centro Cultural Ruth Cardoso, em São Paulo.

Fotos: Divulgação

ESQUETES CIA TRIPTAL PROMOVE OFICINA DE CRIAÇÃO COM TEXTO DE PLÍNIO MARCOS Completando em 2009 uma década da morte do dramaturgo Plínio Marcos, a Companhia Triptal promove oficina sobre técnicas de construção cênica. Os interessados no curso poderão acompanhar técnicas de aquecimento e preparação teatral por meio da encenação de “Dois Perdidos Numa Noite Suja”. Depois da apresentação, haverá debates com os membros da companhia. As inscrições vão até o dia 25 de novembro e o curso será ministrado no dia 1º de dezembro, no Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso. CAMPANHAS DE INCENTIVO: “VÁ AO TEATRO” CHEGA AO FIM EM DEZEMBRO O incentivo governamental, que confere entradas para peças de teatro a preços populares, vale até o dia 13 de dezembro. Os ingressos, vendidos na forma de vouchers, precisam ser solicitados com uma antecedência mínima de um dia das apresentações e trocados por ingressos nas bilheterias até 30 minutos antes do início do espetáculo. FUNARTE PROMOVE NESSE ANO A 7ª CAMPANHA “TEATRO PARA TODOS” NO RIO Entre os dias 19 de novembro e 20 de dezembro, a Funarte vai disponibilizar mais de 100 mil ingressos a preços populares para os cariocas. Ao todo, são 69 as peças contempladas com o benefício. Os interessados podem adquirir os ingressos em vários pontos de venda da cidade: no quiosque da Cinelândia; nas filiais das Lojas Americanas Express; postos BR; nos sites Infresso.com e Americanas.com; e nos quiosques móveis que estarão distribuídos em vários bairros do Rio de Janeiro.

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Peça se apropria dos vários significados do corpo

PROGRAMA TEATRAL PARA AS SEXTAS À MEIA NOITE! Foi da dissecação à  reconstrução do corpo feminino que os dramaturgos Adriana Azenha e Gerson Steves — também diretor do espetáculo — criaram o texto de “A Bomba Anatômica”.  Dividido em partes (como se divide o corpo humano: cabeça, tronco e membros), a peça apropria-se dos vários significados que o corpo e suas partes podem ter para reconstruir novas ideias e pensamentos e, com isso, falar para além do corpo da mulher, tocar o pensamento e até mesmo a alma.  Trata-se de um exercício de atrizes (Tatiana Alves e Valéria Espinhara) que dividem a cena o tempo todo, brincando entre si e com o público. Por meio de um jogo permanente, desfilam uma enorme variedade de pequenos personagens que podem durar o tempo de uma fala, uma palavra ou uma imagem.  Ou mais: como é o caso das três histórias centrais da peça. Em “Cabeçuda, Fazedora e Uma Mulher de Peito”, o público se depara com mulheres vividas ciclotimicamente pelas atrizes que, ao narrarem suas trajetórias, percalços e pequenos dramas, arrancam da platéia pequenos sorrisos e lágrimas. O espetáculo fica em cartaz no Teatro do Ator (Praça Roosevelt, 172 – SP) até 11 de dezembro.

FESTIVAL NO MATO GROSSO COM APRESENTAÇÕES PARA TODOS OS GOSTOS Com uma programação variada, o 17º Festival Mato-grossense de Teatro chega à cidade de Rondonópolis com apresentações de grupos de todo Estado. O palco da Escola Estadual Daniel Martins de Moura recebe 13 companhias diferentes que se revezam entre encenações infantis e adultas. Entre as apresentações destinadas às crianças, esta edição do evento conta com a encenação de clássicos como “Os Saltimbancos”, do Grupo Revelação; e “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, do Grupo Raio de Luz. Para o público adulto, a programação fica por conta de companhias como o Grupo Téspis, com a peça “Tudo Parece um Sonho”. Além das peças que serão apresentadas entre 18 e 21 de novembro, a cidade irá sediar, no último dia do festival, as eleições para a nova diretoria da Federação Mato-grossense de Teatro e a premiação das peças vencedoras.

“MARIA DELLA COSTA: UMA EMPRESA E SEUS SEGREDOS” Foi lançado pela editora Perspectiva o livro “Maria Della Costa: uma empresa e seus segredos”, da historiadora Tânia Brandão. O texto eleva a atriz ao posto de principal influência na criação do teatro moderno brasileiro e pode ser adquirido nas principais livrarias do país.

Bastidores Zeca Souza

Jornal de Teatro

Alfredo Tambeiro e Kleber Góes

ESPETÁCULO APONTOTCHEKHOV LEVA PARA O PALCO A VIDA DO ESCRITOR E DRAMATURGO RUSSO, ANTON TCHEKHOV  Encenado pelos atores Alfredo Tambeiro e Kleber Góes, a montagem tem direção de Fernando Neves e reinaugura o Teatro Cacilda Becker, em São Paulo  No espetáculo, os atores interpretam o Anton Techekhov e exploram os seus conflitos profissionais, suas relações com a família, a medicina e a literatura, além de seu poder transformador na consciência coletiva e na realidade russa da época. Após a estréia no Cacilda Becker, o espetáculo segue com temporada no Teatro Sesc Vila Mariana.

DAS COISAS QUE VIVEMOS “Depois de nove meses no Núcleo de Pesquisa “A cena como invenção” do Grupo XIX de Teatro, um grupo de atores tem um entardecer para cumprir uma urgente tarefa: celebrar a vida ativa, potente, numa única cena! Para essa missão encontraram um lugar perdido, uma casa em ruínas onde a vida cria a si mesma em cada ramo brotado das paredes.” Com essas palavras, o elenco composto pelos integrantes do núcleo convida o público para o espetáculo que acontece nos sábados e domingos, às 18h, até o dia 20 de dezembro. O local é a Vila Maria Zélia. Para saber como chegar acesse: http://grupoxixdeteatro.ato.br/ Atriz é elevada à grande influência

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Jornal de Teatro

Técnica Divulgação

João Caldas / Divulgação

O espetáculo Miss-Saigon é um exemplo da criatividade necessária a um stage manager competente. Tuto Gonçalves, há seis anos na área, prevê o crescimento da profissão no Brasil

Colocando ordem no palco O stage manager, ou diretor de cena, é considerado o principal responsável pela sincronia do espetáculo em todas as suas áreas Por Pablo Ribera Um espetáculo teatral precisa ser perfeito aos olhos do público. Não basta ter bons atores e atrizes, um grande diretor e uma história fascinante. Deve ser bem organizado, as luzes precisam estar bem direcionadas, o som tem que ser de qualidade e, no palco, é necessária uma sincronia, seja na atuação, no entra-e-sai de atores ou nos objetos que serão utilizados. E para que tudo seja realizado da forma certa, entra em cena o stage manager, profissional também chamado de diretor de palco ou diretor de cena. Tais definições, porém, não são as mais adequadas. “Na verdade, a denominação não é bem diretor, e sim stage manager”, explica Leslie Pierce, stage manager mexicana radicada no Brasil e com grande experiência na profissão. “Este profissional é importante para coordenar todos os componentes da peça, sejam os atores e atrizes ou os diretores técnicos e artísticos” Segundo Leslie, o stage manager deve saber de tudo um pouco. “A pessoa deve conhecer a parte técnica, deve saber da peça, da história que ela conta e saber lidar com os possíveis problemas que podem acontecer. Ele deve participar de tudo, desde o primeiro ensaio, e saber o que cada profissional faz, seja técnico de luz, técnico de áudio ou camareira”, explica ela, que vai além: “Tem que conhecer até mesmo os adereços que o ator usa para

saber do que vai precisar”. Tuto Gonçalves, stage manager há seis anos, acredita que o profissional é um elemento importante para os espetáculos. “Ele organiza o palco, verifica a quantidade de pessoas que participam e quem deve entrar ou sair, entre outras funções. É um membro essencial”. O stage manager deve ser um profissional que saiba lidar com a organização de uma peça. Ele é necessário para que a sincronia do espetáculo não seja comprometida, tanto no palco quanto atrás dele, nos bastidores. “Deve deixar tudo no lugar certo e com a pessoa certa. É praticamente um relações públicas da peça, já que faz toda a parte de comunicação entre os profissionais”, diz Leslie. O stage manager, como disse Leslie, deve entender um pouco de tudo. E ela cita exemplos: “Se a peruca que um ator precisa usar para a peça não encaixar em sua cabeça, o stage manager é chamado para arranjar uma solução. Também pode acontecer que a parte artística e a parte técnica do espetáculo não se entendam, não falem a mesma língua. O stage manager surge, então, como articulador. Ou seja, ele acaba por ser o cérebro da companhia, tem que ter todas as informações, saber lidar com as emoções e com todo o tipo de coisa”. Para Tuto, até mesmo sobre montagem de palco o stage manager deve entender. “Pelo menos um pouco ele deve saber. Ele tem um papel importante,

já que sabe de tudo com relação a estrutura, cenário, luzes, etc.” Durante a peça, este profissional também é importante para o andamento do espetáculo. Segundo Leslie, ele muitas vezes é essencial e até mesmo o herói da apresentação. “O stage manager resolve qualquer

tipo de situação que acontece no palco, no camarim e até mesmo na cabine de luz. Sabe quando cada ator deve entrar ou sair. Sabe onde está sua equipe. Se acontece, por exemplo, de alguma coisa deixar de funcionar, o stage manager soluciona esse problema. Ele

ARTE DOS MÍNIMOS DETALHES Um dos destaques do circuito teatral do ano, a peça “Rainha(s) – Duas Atrizes Em Busca de Um Coração”, da Companhia Livre de Teatro, foi muito bem recebida em todas as cidades por onde passou. Além das interpretações de Georgette Fadel e Isabel Teixeira, e da direção de Cibele Forjaz, o espetáculo contou com uma ótima direção de palco. Por trás desse trabalho está Elisete Jeremias, que opera há mais de dez anos na área. A seguir, a diretora de palco revela ao Jornal de Teatro alguns detalhes do seu trabalho: Jornal de Teatro - Em que parte da construção da peça “Rainha(s)” que começou o seu trabalho de direção de palco? Você esteve presente logo no começo, nas primeiras leituras, ou entrou depois? Elisete Jeremias – Eu estive presente desde o primeiro dia dos ensaios. Eu li o texto junto com as atrizes e presenciei as improvisações das cenas. A construção das personagens foi feita pelas próprias intérpretes, orientadas pela direção, mas eu ajudei nas soluções de cena e na busca por efeitos no palco, como o sangue cênico que escorre nas apresentações, por exemplo. JT - Como começou o seu trabalho com a direção de palco?

deve ser rápido, para que ninguém se dê conta que houve um erro”, explica Leslie. “Ele é necessário para que tudo funcione bem, com 100% de qualidade. É muito importante para quando se precisa esconder um erro. Para que tudo seja lindo e flua”. Welligton Carvalho

Elisete Jeremias: “Na arena, os atores devem estar atentos a tudo”

EJ – Eu comecei nessa área com a peça “Cacilda I”, no Teatro Oficina. Isso foi no ano de 1998, mas dois anos antes eu já trabalhava como atriz naquele grupo. A partir de 2004, passei a trabalhar com Cibele Forjaz, na montagem de “Um Bonde Chamado Desejo” e, desde então, tenho trabalhado com a Companhia Livre de Teatro. JT - Construir essa proposta de direção de palco em arena é mais difícil do que em palco italiano? EJ – Eu estou acostumada a trabalhar em palco de arena, porque já comecei fazendo essa direção no Teatro Oficina, onde não há coxias, por exemplo. Os dois tipos de palco têm dinâmicas muito diferentes. Na arena, os atores precisam superar a timidez de estarem expostos a todo o momen-

to e devem estar atentos a tudo: à iluminação, à música... JT - Existem bons profissionais para trabalhar nessa área no Brasil? Qual a formação deles? EJ – Existem ótimos diretores de palco no Brasil. Conheci bons profissionais dessa área em companhias como o Teatro da Vertigem e a Companhia de Atores. Cada um deles tem uma formação diferente e acaba aprendendo a técnica da direção de palco no dia-a-dia. No fundo, o teatro é uma atividade coletiva e todos os envolvidos na produção acabam tendo que ser um pouco de tudo, inclusive diretores de palco: não temos mais a figura do contraregra que fica atrás das coxias, esperando o momento de agir.

Jornal de Teatro

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Marketing Cultural

Comunicação aliada à cultura Divulgação

Grupo RBS garante apoio a eventos culturais e genuinamente gaúchos Por Letícia Souza, redação Porto Alegre

A peça “Homens de Perto” consolidou-se como um dos espetáculos mais apreciados pelos gaúchos

atores ou equipe de produção). Um dos espetáculos mais assistidos no Rio Grande do Sul, e que contou com apoio institucional do Grupo RBS, é o “Homens de Perto”. Inicialmente com a proposta de quebrar o paradigma de que apresentações teatrais tratam apenas dos problemas femininos, a peça, com direção de

Por Marcio Reif f www.marcioreif f.com.br

Empresa de comunicação multimídia, o Grupo RBS sempre foi sinônimo de tradição e pioneirismo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Porém, há algum tempo, a afiliada mais antiga da Rede Globo tem se destacado em uma área inovadora: a de apoio a projetos culturais. Só em 2009, cerca de 55 espetáculos de teatro e de dança contaram com o incentivo do Grupo RBS. O apoio institucional, quando solicitado, destina-se exclusivamente a peças teatrais com temporada de, no mínimo, duas semanas e é concedido, apenas, para duas temporadas ao ano, independentemente do número de semanas. Assim, propicia não só uma grande diversidade de espetáculos, mas que novos talentos sejam descobertos. A divulgação das apresentações aparece por meio de chamadas de apoio, com duração de 15 segundos, veiculadas na RBSTV e na TVCom (este material de divulgação é elaborado pelos

Nestor Monastério, e encenação de Zé Victor Castiel, Rogério Beretta e Oscar Simch, tem como objetivo levar aos palcos, de forma irreverente, as aflições masculinas para entender as mulheres e os problemas do cotidiano. Atualmente em turnê pelo Brasil, é sucesso de público e crítica. Com uma produção cultu-

ral bem diversificada, aliada a um público exigente e apegado à espetáculos locais, o Rio Grande do Sul orgulha-se de ver muitos atores, descobertos nos palcos gaúchos, atuando em peças e emissoras pelo Brasil. “O objetivo é a formação de plateia e reconhecimento de talentos locais. Se trabalharmos com estes atores e técni-

cos do Estado, valorizamos a cadeia produtiva e a economia da cultura”, ressalta Alice Urbim, participante do Comitê de Cultura do Grupo RBS e responsável pelo apoio cultural dos espetáculos. Seus mais de cinco mil colaboradores também são beneficiados com estas iniciativas. O projeto “Vá ao Teatro” distribui ingressos de espetáculos apoiados pelo Grupo aos seus funcionários, a fim de agregar conhecimento e cultura às suas vidas. Aqueles que tiverem interesse em assistir determinada peça de teatro, devem procurar o setor responsável para receberem, sem nenhum custo, o acesso livre aos eventos. Apesar de serem maioria no rol de atividades apoiadas pelo Grupo RBS, o teatro e a dança não são os únicos a contarem com o incentivo. O Salão Jovem Artista, realizado de dois em dois anos, organiza exposições em áreas de Porto Alegre, como o Margs e a Usina do Gasômetro, e de peças produzidas por novos talentos na área de artes plásticas. Outro projeto é conhecido como “Histórias Curtas”, que incentiva a produção audiovisual e teledramaturgia gaúcha, movimentando o mercado profissional de artistas.

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Jornal de Teatro

Entrevista

RENATO BORGHI: A S V Á R I A S FA C E S D E U M A PA I XO N A D O P E LO T E AT R O Por Liliane Ribeiro, redação Florianópolis Consagrado no teatro brasileiro, Renato Borghi possui mais de 50 anos de carreira como ator – mas esta é apenas uma de suas facetas artísticas. Além de produtor e diretor, seu trabalho como autor é encenado e adaptado todos os anos, como acontece em São Paulo com a montagem “A Loba de Ray-ban”. Apaixonado pelo teatro desde criança, Borghi foi um dos responsáveis pela diversificação da cena teatral no Brasil e é um dos nomes presentes no início do Teatro Oficina, na década de 1960. Nos anos de chumbo da ditadura militar, enfrentou a censura com suas “peças metafóricas”. João Caldas

“Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.” Jornal de Teatro – Você se formou em Direito e, logo depois, estreou profissionalmente como ator. Chegou a exercer a profissão? Quando começou essa paixão pelo teatro? Renato Borghi – Não exerci. A paixão começou desde criança. Eu fiz Direito assim como quem espera uma oportunidade para fazer alguma atividade artística. Eu prometi à família que me formava, mas não cheguei a exercer. Quando surgiu a primeira oportunidade para fazer teatro eu aceitei. Terminei a faculdade, me formei, mas comecei a minha carreira artística muito cedo, com 20 anos. JT – É verdade que você quis seguir a carreira de cantor an-

Borghi em ação: atuação em várias áreas do teatro (como ator, produtor, diretor e dramaturgo) em mais de 50 anos de uma carreira vitoriosa

tes da de ator? RB – Bem, isso foi uma coisa meio por acaso. Eu cantava no teatro e a minha vizinha de cima ficava comovida. Um dia, ela me convidou para tomar chá na casa dela (ela estava com visitas) e eu fui lá cantar, porque nunca tive muita vergonha na cara mesmo (risos). Quando terminei de cantar, tinha um homem lá que eu não conhecia. Um homem importantíssimo, João Campo de Magalhães, que foi o homem que lançou o Agnaldo Rayol e outros cantores. Ele falou: você está contratado, amanhã esteja na boate Cave. Você vai ensaiar com a minha orquestra durante quatro meses e depois vai gravar um disco na Phillips. Aí comecei a ensaiar com a

orquestra, mas, enquanto eu ensaiava, estudava a voz com a mãe da Nydia Lícia, que era esposa do Sérgio Cardoso. Eles tinham uma companhia muito importante, que ocupava o teatro da Bela Vista, e estavam fazendo uma peça que era um grande sucesso. Minha professora, que era a mãe da Nydia, falou: ‘Renato, porque a gente não vai se apresentar para a orquestra para tentar o papel principal da peça “Chá de Simpatia”, para o Rio de Janeiro, porque o ator que faz em São Paulo vai deixar o papel e abrir uma firma de contabilidade.’ JT – E você foi? RB – Fui e ganhei o teste entre uns 50 candidatos.

JT – Foi a sua estreia como profissional? RB – Foi a minha estreia no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro. Tinha 20 anos. Aí voltei para São Paulo para terminar a faculdade e foi nessa volta que, já no terceiro ano do curso de Direito, conheci o Zé Celso (Martinez Correa). Começamos a firmar uma afinidade muito grande. Falávamos de teatro, discutíamos teatro, tínhamos reuniões sobre teatro, etc. Até que ele escreveu uma peça para o grupo amador Oficina. Escreveu a primeira, logo depois a segunda e nós fomos fazendo teatro amador até terminar a faculdade. Quando terminamos, fizemos um juramento de nos profissionalizarmos. Conseguimos até construir uma sede e até hoje

o Oficina está lá. Conseguimos então, fazer nosso primeiro teatro profissional, que começou em 1961. JT – Você considera importante que um artista passe por outras funções dentro de um espetáculo? De alguma forma, trabalhar como autor te fez um dramaturgo melhor ou viceversa? RB – Não sei. Eu escrevo seguindo a inspiração. Escrevi umas cinco peças mais ou menos. Duas delas são muito premiadas: “O Lobo de Ray-ban”, na versão masculina (agora está estreando a Loba) e “Deciframe ou devoro-te”, que também foi bastante premiada. Eu passo cerca de dez anos sem escrever nada. Só escrevo

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Entrevista

No início da carreira (esq.) e com o elenco de “O Jardim das Cerejeiras”, ao lado de Beth Goulart, Tonia Carrero e Ana Kutner, um dos vários sucessos de Borghi nos palcos

quando vem inspiração. JT – Falando em premiação, que importância você dá para os prêmios que ganhou? RB – Na época em que eu os ganhei, eles eram muito importantes, pois ganhei o prêmio máximo da época, que era o Moliére, e já havia ganhado dois antes, como ator. Então, já eram três prêmios Moliére: dois como ator e um como autor. JT – Uma vez você falou que as pessoas costumam pensar que todas as suas obras se referem à sua vida pessoal, ou seja, que você se inspira em sua vida para compor. Que tipo de semelhança as pessoas veem? Por que pensam isso? RB – Mania. É porque eu escrevo sobre os bastidores de teatro, sobre a vida das pessoas de teatro. Escrevo muito sobre

a vida interior do teatro. Acho que é por isso que as pessoas pensam que eu estou escrevendo sobre a minha pessoa. JT – Você contracenou com sua sobrinha na peça “Cadela de Vison”, ano passado. Essa “veia teatral” existe em mais alguém da família? Foi a primeira vez que contracenaram juntos? RB – Não. Eu acho que só eu e ela. Foi a primeira peça que fizemos juntos. JT – Nesses 51 anos de carreira, qual o momento você considera o mais marcante? RB – Foi quando fiz o “Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, com direção do Zé Celso Martinez Correa. Acho que é o ponto que eu realmente me tornei um ator completo. JT – A parceria com Miriam

Mehler parece bastante sólida. Como é a relação de vocês? RB – Nós trabalhamos muito. A Miriam foi contratada do grupo Oficina durante muito tempo, então nós fizemos várias peças juntos como “Os Pequenos Burgueses”, “Quatro num Quarto” e, finalmente, um casal que fez um sucesso no teatro em “Andorra”, na qual interpretávamos um casal romântico. JT – Recentemente ela concedeu uma entrevista ao Jornal de Teatro e revelou que a censura interrompeu um momento importante que acontecia no Teatro Brasileiro. Alguma peça sua foi censurada? RB – Várias, claro! Nós tivemos uma grande luta com a censura. O desafio era encontrar uma peça que fosse uma metáfora, que estivesse falando

do Brasil daquele momento, com a plateia, mas, ao mesmo tempo, tinha que ser alguma coisa que eles não pudessem proibir. Foi uma grande luta de criatividade que tivemos naquele tempo da ditadura.

RB – Eu tive a impressão de que o público aceita maravilhosamente bem. Mais do que a homossexualidade masculina, talvez porque a homossexualidade feminina seja uma coisa mais plástica, uma coisa mais bonita para o público.

JT – Você vê com otimismo a nova geração teatral, que já nasceu sem censura do Estado e com apoio de determinadas leis que não haviam no início de sua carreira?

JT – Mas a diferença é basicamente a inversão dos sexos? RB – A diferença é a seguinte: eu fiz uma versão masculina e li para uma grande amiga na época, a Dina Sfat. Ela gostou da peça. Falou para mim que adoraria fazer o papel do homem e perguntou se eu não poderia escrever uma versão feminina. Pediu para que eu esquecesse a masculina e montasse a feminina. Logo depois que terminei de escrever o lobo homem, comecei a escrever a loba mulher, porque a Dina queria muito fazer, mas ela já estava com câncer e, quando terminei o trabalho, ela já não pôde mais fazer. A peça ficou esses anos todos na gaveta.

RB – Eu vejo sim. Acho que o teatro é imortal e continuará sendo. Enxergo-o com otimismo, com esperança. JT – Está em cartaz, em São Paulo, “A Loba de Ray-ban”, adaptação de um texto seu. Qual a diferença histórica desta para a primeira montagem? O público aceita com mais facilidade as relações propostas na peça?

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Dança

Além dos corpos torneados Cisne Negro Cia. De Dança: a companhia que surgiu de um grupo de atletas e bailarinas clássicas Espaetáculo “Abacadà” da Cisne Negro Cia. de Dança

Por Ive Andrade, redação São Paulo Corpos torneados. Essas eram as únicas coisas em comum entre os alunos de educação de física da Universidade de São Paulo e as bailarinas clássicas do Estúdio de Ballet Cisne Negro quando começaram a trabalhar juntos, em 1977. Na época, a criadora da escola não tinha nenhuma intenção de atuar com homens, muito menos com atletas que nada sabiam sobre a arte. Ainda assim, depois de algum tempo de resistência, o desafio motivou Hulda Bittencourt, que criou, há mais de três décadas, a Cisne Negro Companhia de Dança. “Eu nunca tinha trabalhado com rapazes. Foi difícil, ainda mais porque cada um veio de uma modalidade de esporte, sem nenhuma experiência. Apesar da minha resistência, eles permaneceram e, trabalhando com eles, percebi que o estilo não poderia ser clássico. Eles tinham corpos belíssimos, cheios de saúde, mas não sabiam nada de dança”, explica a fundadora da companhia, ao falar sobre o estilo do grupo. “Através de experimentações, movimentos naturais, percebi que o estilo moderno se encaixava melhor”. Há 32 anos, quando começaram os trabalhos da companhia, esses 12 atletas foram os primeiros homens do grupo. A filosofia não mudou muito desde então. Atualmente, o elenco oficial é composto por 14 bailarinos, que chegaram à companhia das mais diversas formas: por seleções (que são feitas anualmente), indicações ou por serem ex-alunas do Estúdio de Ballet, no caso das mulheres. “É claro que as meninas que são da escola têm a oportunidade de fazer parte da companhia. Mas temos gente do Brasil inteiro, o que me deixa muito orgulhosa”, afirma Bittencourt, que, hoje, cuida da direção artística da companhia. “A companhia até hoje é formada por gente muito bem trabalhada, de dentro e de fora do país. Fazemos um trabalho diferente, graças à teimosia dos atletas que começaram tudo isso e da minha ousadia.”

VOCAÇÃO EDUCACIONAL Apesar de o Estúdio de Ballet Cisne Negro, criado há quase meio século, não ter relação direta com a companhia de dança homônima, o grupo também carrega a intenção educacional por onde leva seus espetáculos. “Viajamos muito desde o começo da companhia. E sempre que viajamos procuramos escolas nesses locais e damos aulas e workshops para pessoas que, geralmente, não têm de onde tirar essas informações. É um sucesso. As crianças adoram”, comemora Bittencourt. “Queremos sempre deixar algo na cidade que visitamos”. A ideia não é somente ensinar, mas despertar o interesse por dança em novos públicos. “Queremos atrair mais público para a dança. Além de artistas, somos educadores também”, afirma. SUCESSO CONTEMPORÂNEO E CLÁSSICO Desde o início da companhia, as viagens para dentro e para fora do Brasil são constantes, assim como as participações de coreógrafos renomados como Victor Navarro, Rui Moreira, Denise Namura e Patrick Delcroix. “De repente, começamos a receber diversos convites para dançar pelo Brasil e no exterior e a companhia cresceu muito”, conta. “Nosso repertório é bem diversificado”, revela a fundadora do grupo, que preza pela variedade de artistas trabalhando nos espetáculos e rejeita a ideia de ter um coreógrafo residente. “As primeiras coreografias foram feitas por mim, mas mesmo nessa época eu já convidei outros coreógrafos. Nós não temos interesse em ter coreógrafos residentes. Para os bailarinos, trabalhar com pessoas diferentes é enriquecedor”, justifica. Já no primeiro ano do Cisne Negro, o grupo fez três espetáculos, um deles coreografado por uma das precursoras da dança contemporânea brasileira, Penha de Souza.

Beleza de movimentos e sincronismo são as marcas registradas da companhia, que privilegia o físico ideal

Hoje, a Cisne Negro Cia. de Dança tem em seu repertório 73 espetáculos, incluindo seu último trabalho, “Abacadà”, coreografado por Dany Bittencourt, com música de André Mehmari, que estreou no último dia 20, em São Paulo. “Fazemos cerca de 70 a 90 apresentações por ano. Dançamos em qualquer lugar, da Alemanha ao interior dos estados brasileiros”, conta, com orgulho, Bittencourt, ao falar sobre uma de suas obras premiadas, “O Quebra-Nozes”. “Fiz a coreografia de ‘O Quebra-Nozes’ para um dos aniversários da companhia. Foi uma surpresa muito grande quando ganhei o APCA. Levei um susto quando me ligaram para avisar”. O espetáculo, que está em cartaz há 26 anos, tem música de Tchaikovsky e será apresentado em São Paulo, em dezembro. A seleção de bailarinos aconteceu em meados deste ano e, desde então, os artistas têm trabalhado exclusivamente neste projeto. “É um clássico com elementos do contemporâneo, sempre fazemos essa mistura de estilos. O público gosta tanto do ‘O Quebra Nozes’ porque ele quer sonhar”, acredita Bittencourt. “E dança é justamente isso, dança é beleza”, conclui.

A coreografia de “Quebra-Nozes” deu um prêmio a Dany Bittencourt

SERVIÇO: O premiado espetáculo, com coreografia original de Hulda Bittencourt, hoje responsável pela direção artística, entra em cartaz no dia 10 de dezembro e segue até o dia 20. Este ano, o destaque fica para a ex-bailarina da Cisne Negro Companhia de Dança, Cintia Beranek, que volta depois de oito anos como integrante do Cirque Du Soleil. Onde: Teatro Alfa, São Paulo Quanto: de R$ 50 a R$ 90 Mais informações: www.teatroalfa.com.br ou  (11) 5693-4000  (11) 5693-4000  

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Sindicais

Integrantes dos SATEDs de todo o Nordeste se reuniram na capital cearense para debater o setor, trocar experiências, unificar e padronizar o órgão em todas as cidades da região

Fortaleza

Questões de direito e maior fiscalização norteiam as principais pautas do debate. Próxima reunião acontece em janeiro de 2010

sedia primeiro encontro de SATEDs do Nordeste Por Dominique Belbenoit, redação Brasília A capital cearense recebeu a primeira edição oficial do Encontro dos SATEDs do Nordeste (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões), no dia 15 de outubro. O objetivo do encontro foi discutir, trocar experiências, unificar os SATEDs do Nordeste e padronizar questões relativas ao setor. Após sua criação, em julho deste ano, em Alagoas, foi decidida a realização de um Fórum Permanente dos SATEDs do Nordeste, num período quadrimestral, a ser realizado em cada estado, consecutivamente. A cada edição, o sindicato local recepcionará os demais com toda a infra-estrutura necessária, ficando a cargo de cada órgão as despesas relativas ao deslocamento. O próximo encontro já está agendado para os dias 19 e 20 de janeiro de 2010, em São Luís, no Maranhão. Nesta edição, participaram representantes de cinco sindicatos. Quatro do Nordeste e um de Minas Gerais. São eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Minas Gerais. Segundo José Carlos N´gão, Secretário Geral do SATED-BA (Bahia), um dos pontos culminantes das discussões nesse encontro foi a questão do descaso das medidas de fiscalização, que atualmente são ineficientes. “Aqui na Bahia a garantia dos direitos dos artistas e técnicos fica a critério das delegacias de trabalho. Elas alegam não ter

contingente suficiente para fiscalizar as produtoras culturais que não contratam devidamente os artistas. Em outras palavras, a lei n°6533/78, que prevê maior fiscalização dos espetáculos que circulam pelo Nordeste, não é respeitada na maioria dos casos”, denuncia José Carlos. O caso parece não se restringir somente ao Estado da Bahia. Ivonete Melo, presidente do SATED-PE, enfrenta o mesmo descaso por parte do governo. De acordo com ela, os sindicatos não têm poder para fiscalizar, mas o Ministério do Trabalho também não cumpre com sua parte. “Por conta dessa falta de interesse por parte dos órgãos competentes, estamos discutindo a possibilidade de levar o caso ao Ministério Público”, conta a presidente. Outro problema enfrentado pelos SATEDs Nordeste é a dificuldade de enquadrar algumas atividades técnicas no processo de regulamentação. Com o surgimento de novas profissões, ficou difícil definir e, principalmente, garantir certos direitos. Por isso, foi elaborada uma lista das novas funções profissionais, surgidas a partir das novas mídias, principalmente na área de áudio visual, com as suas respectivas descrições, para a construção de uma proposta de Atualização do Quadro Anexo de Funções do Decreto nº 82.385, da Lei nº6.533/ 78. As atualizações, no entanto, vão além do quadro de funções. Um acordo sala-

rial (convenção coletiva) está previsto a todos os SATEDs do Nordeste. Ele será firmado com a FENAC (Federação Nacional de Cultura). “Precisamos atualizar os salários, que variam muito de Estado para Estado”, conta José Carlos N´gão. Para o organizador deste primeiro encontro e presidente do SATED-CE, Oscar Rôney, já houve várias tentativas de reunir SATEDs com demais entidades culturais do Nordeste, mas os resultados não foram satisfatórios por causa do grande número de envolvidos. “Foi melhor começar com um grupo pequeno, ou seja, apenas com sindicatos. Vamos, futuramente, inserir outros grupos, outras entidades nesses encontros, mas cada coisa ao seu tempo”, diz. Para ele, o fato de os sindicatos se comprometerem a participar dos encontros é de grande valia, pois cada troca de experiência pode gerar caminhos para novas soluções. “Criamos grupos de trabalho e cada um deles ficou responsável por tratar de determinado assunto. O nosso sindicato ficou responsável por estudar meios de uniformizar o sistema administrativo, incluindo taxas e serviços. Outros ficaram de estudar os problemas relativos ao direito autoral, que é um problema bastante freqüente em todos os Estados. No próximo encontro vamos levar algumas propostas para solucionar e dar continuidade aos nossos projetos”, esclarece.

Divulgação

A satisfação esteve no rosto de todos os participantes do encontro

O espetáculo continua aqui!

Rua Martinho Prado, 212 (esquina com a Augusta) Fone: 11 3256-5330

Rua Martinho Prado, 187 Fone: 11 3258-6673

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Reportagem Jarbas Homem de Mello

teatro do Brasil

nicas, responsável pelo aprimoramento de 1200 alunos Fotos: divulgação

Ivam: “Uma ideia inovadora e irá contribuir para pesquisas em teatro”

O ator Ivam Cabral é o fundador, junto de Rodolfo García Vázquez, da Companhia Os Satyros, estabelecida há quase uma década na praça Roosevelt, no centro de São Paulo. Ambos desenvolveram um trabalho teatral focado no diálogo constante com o espaço urbano e atraíram uma legião de seguidores que vinham atrás das experimentações do grupo. Hoje consagrado, Ivam embarca em uma nova fase de seu trabalho: dirigir uma escola técnica custeada pelo Estado e que pretende trazer novos parâmetros para o ensino das artes cênicas no Brasil.

tyros permitirá levar os ensinamentos da arte para todas as classes sociais

Jornal de Teatro – De onde surgiu a ideia para essa escola? Como o governo procurou apoiá-la? Ivam Cabral – Os Satyros já mantinham um projeto social no Jardim Pantanal, na periferia de São Paulo, com oficinas de atuação e formação de técnicos (iluminadores, operadores de som etc.). Em 2005, quando o então prefeito José Serra visitou o Espaço dos Satyros, na praça Roosevelt, tomou conhecimento desse projeto social e sugeriu que aproveitássemos um prédio desocupado da praça para montar uma escola de formação. JT – O que faz da proposta da SP Escola de Teatro algo tão inovador? IC – A filosofia da escola é a de formar profissionais do teatro que tenham uma visão global e abrangente de toda a construção do espetáculo. A formação na SP Escola de Teatro é holística: os alunos deverão se formar com uma visão apurada de tudo o que envolve a concepção de uma peça e como cada especialidade técnica (atuação, direção, iluminação...) pode interagir com as demais. É o que chamamos de artista-criador.

Cursos serão gratuitos, mas haverá a distribuição de bolsas de estudo

JT – Como adequar essa proposta de artista-criador a um curso de dramaturgia, que é uma atividade, em princípio, solitária? IC – Uma das novas frentes da dramaturgia é justamente

a criação colaborativa: o dramaturgo também tem que trabalhar com atores, diretores e com todas as demais pessoas envolvidas no processo de construção. O curso deverá prepará-lo para isso. Outro passo importante que será dado pela escola é o de batalhar pela regulamentação profissional do dramaturgo, algo que pode abrir o campo para inúmeros profissionais que atuam nessa área. JT – Essa formação de profissionais técnicos pode fomentar a produção teatral no País? IC – Sim. Esse é um dos propósitos da escola: preparar pessoas habilitadas a operar em uma área que exige profissionais com esses conhecimentos. O teatro é uma área bastante promissora e oferece muitas vagas para essas pessoas. JT – Como serão os cursos regulares na escola? IC – Serão estruturados em quatro módulos semestrais: vermelho, azul, amarelo e verde, sendo que cada um deles é autônomo e abrange uma modalidade específica de construção teatral: no módulo verde haverá predomínio das técnicas realistas, com os conceitos de Stanislavski, por exemplo. No módulo azul, o aluno tem contato com a performance e assim por diante. O módulo amarelo compreenderá técnicas relacionadas ao teatro épico-narrativo e o módulo vermelho será composto de projetos feitos pelos próprios alunos. Cada módulo é autônomo e o aluno receberá o diploma quando tiver passado por todos os quatro. JT – Como foi a escolha dos coordenadores de cada curso? IC – Nos pautamos por profissionais que já desenvolvessem algum trabalho importante em suas respectivas áreas. J.C.Serroni, por exemplo, mantinha oficinas de cenografia e figurino em seu espaço. Marici Salomão também desponta como importante dramaturga na cena paulistana. Além deles, profissionais que já tinham ampla experiência em seus grupos teatrais foram chamados para coordenar cada uma das áreas: Hugo Possolo e Raul Barretto, ambos do

Ivam Cabral:

O desafio de criar criadores Grupo Parlapatões, Guilherme Bonfanti, do Teatro da Vertigem, e Raul Teixeira, do CPT- Macunaíma. JT – Quando começa o curso? IC – As inscrições para todos os interessados serão abertas a partir do dia 26 de novembro e o curso terá início no dia 20 de fevereiro de 2010. JT – O que seria o Departamento de Ideias? IC – Esse departamento é uma das grandes novidades da escola: é o responsável pelo planejamento de ações culturais, tais como a criação dos cursos de difusão e a sondagem de atividades que podem levar o teatro para outras comunidades, participando ativamente das grandes discussões sociais. Além disso, é por meio dele que será lançado o Programa Kairós, de distribuição de bolsas. Um projeto como esse, que vai conceder auxílio aos alunos que precisarem trabalhar durante o curso, fará com que a formação de artistas deixe de ser elitizada e atraia talentos de todas as classes sociais. JT – Quais as outras novidades que a escola pretende trazer? IC – Além de montar o maior acervo digital de obras teatrais do País, nós iremos organizar uma enciclopédia virtual de teatro, que será fundada no sistema wiki, o que possibilitará aos usuários gerar e alterar o seu conteúdo. É uma ideia inovadora, que promete contribuir bastante para as pesquisas em teatro no Brasil. JT – Com a chegada da escola à praça Roosevelt, esse lugar superará de vez o estigma de lugar degradado? IC – Sim, e o teatro é um grande responsável por provocar essas mudanças no cenário urbano. As mudanças pelas quais passaram a praça, que vão ser ainda maiores com a chegada da escola, são o legado que nós, artistas, deixamos para a cidade. É algo que vai durar além das nossas vidas.

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Evento

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A ‘Cidade do Teatro’

“O Túnel”, texto inédito de Dias Gomes, foi uma das estreias nacionais durante o Festival Internacional de Teatro de Angra dos Reis. Foram 62 espetáculos em 24 dias de festival

Fita 2009: 6ª Festa Internacional de Teatro de Angra dos Reis atrai 80 mil pessoas durante um mês

Por Douglas de Barros, redação Rio de Janeiro Conhecida por suas praias, ilhas e, principalmente, mansões milionárias, a cidade de Angra do Reis, na Costa Verde do Rio de Janeiro, viveu dias de arte e agitação cultural. Tudo porque, desde o dia 30 de outubro e até o último 22 de novembro, aconteceu o Fita 2009 (Festa Internacional de Teatro de Angra). Na sexta edição do festival foi montada a “Cidade do Teatro”, com duas grandes tendas na praia do Anil. O Palco Sesc (com capacidade para 1.500 expectadores) e o Palco Transpetro (com 500 lugares) abrigaram grandes espetáculos e estreias nacionais. Em 24 dias de festival a mostra reuniu 62 espetáculos. Em cartaz, sucessos da temporada do Rio de Janeiro e de São Paulo, peças internacionais, cursos, debates, teatro nas escolas e a segunda edição da Festa Nacional

de Animadores de Bonecos. Entre as estreias, sete no total, a peça “Usufruto” foi escrita e protagonizada por Lúcia Veríssimo. O espetáculo é o primeiro trabalho de Lúcia como autora e foi a apresentada no dia 20 de novembro. Já no dia 22 a festa contou com a estreia de “A Marca do Zorro”, dirigida por Pedro Vasconcellos e com Thierry Figueira, Priscila Fantim e Thadeu Mello nos papéis principais. Outra estreia nacional foi “O Túnel”, um texto inédito de Dias Gomes. Angra também conferiu “Cochambranças de Quaderna”, com Inez Vianna; de “Garotos”, com Rafael Almeida, Marco Antônio Gimenez, Ivan Mendes, Caio Bucker e Ícaro Silva; “Como me tornei estúpido” (peça que teve estreia apenas em Portugal) com Gonçalo Diniz, Shirley Valentine e Betty Faria; e “Dois pra lá, dois pra cá”, com Rita Elmôr e Thelmo Fernandes (as duas últimas inéditas no Rio de Janeiro)..

SEIS ANOS DE ARTE NO LITORAL FLUMINENSE O primeiro Festival de Angra aconteceu em 2004. Desde então, já passaram pela Fita a diva Bibi Ferreira, o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, Osmar Prado, Susana Vieira, Jonas Bloch, Maria Padilha, Adriana Esteves, Marcos Palmeira, Roberto Bomtempo, Gutti Fraga, Marcelo Faria, Drica Moraes, Débora Falabella e tantos outros que consagraram Angra dos Reis como a cidade do teatro. O idealizador da festa, o jornalista João Carlos Rabello, afirma que a festa teve um início modesto, tanto que o evento recebeu 12 mil pessoas em sua primeira edição. “Na verdade, a Fita começou de uma forma amadora e com espaços menores. Então, nós percebemos que existia uma demanda reprimida, de um público grande que queria ver teatro. Foi quando, em 2006, aconteceu a Flip (Festa Internacional Literária), em Paraty, e foi um sucesso. Com

isso, descobriram o óbvio, que a cultura tem prestígio e traz turistas. Então, o prefeito de Angra na época me pediu para fazer um grande festival. Eu falei para ele que já tinha um projeto grande e mostrei para ele no dia seguinte”. Para o jornalista, o grande objetivo da Fita é levar teatro de qualidade e formar público que aprecie a arte. “Procuramos fazer um festival do ponto de vista da plateia com todos os tipos de teatro, dos mais populares aos mais ‘cabeça’, mas sempre um teatro de interesse do público. Ou seja, qualidade com interesse popular feito para formar público para o teatro”, revela Rabello, que acredita que o trabalho tem sido recompensado por causa do prestígio que a mostra tem recebido a cada ano. “Os artistas ficam apaixonados pelo carinho do público e estrutura de som e luz que a gente monta. Todos se mostram surpresos e encantados com o público de iniciados e que estão acostumados a assistir

teatro. Tanto que todos pagam para ver o teatro e não o artista da TV”, explica. Para este ano, além das tendas principais, espaços alternativos como o Teatro Municipal (com capacidade para 240 pessoas), ginásios e pátios de escolas públicas receberam peças infantis e uma uma tenda/boate reuniu, nos fins de noite, pelo menos quatro mil jovens. Os ingressos mais baratos custaram R$ 2,50, mas também foram disponibilizadas entradas de R$ 5, R$ 10 e até R$50. A organização da festa ainda distribui onze mil ingressos para crianças das escolas públicas da cidade. “Recentemente trouxemos 550 crianças de Ilha Grande para assistir a um espetáculo de teatro infantil. Elas nunca tinham ido ao teatro e algumas nunca tinham saído da ilha. Ao ver que as crianças choravam de alegria com o espetáculo, todos nós choramos juntos e foi um grande momento”, relembra Rabello.

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Mesa Verde: o novo festival de dança dos gaúchos Porto Alegre celebra evento que conta com espetáculos internacionais e nacionais de renome entre os mais variados estilos de dança Fotos: divulgação

Por Leonardo Serafim, redação Porto Alegre Após receber a 55ª Feira do Livro e estar sediando a 7ª Bienal do Mercosul, a capital gaúcha abre suas portas para o 1º Festival Internacional de Dança Mesa Verde, que acontece até o dia 22 de novembro. Em sua primeira edição, o evento recebe 13 grupos dos mais variados estilos de dança. Com uma proposta de apresentar diferentes culturas para os portoalegrenses, a mostra conta com companhias nacionais e internacionais. Escolas europeias, argentinas, cubanas e, é claro, brasileiras, desfilam seus talentos nos teatros da cidade. “Muitas vezes, a dança contemporânea visita os festivais de teatro, e, devido ao crescimento dessa arte, torna-se indispensável haver um espaço de troca de experiências sobre ela, valorizando sua disseminação pelo Estado e aproximando as pessoas”, avalia Decio Antunes, idealizador do programa, que adotou o nome

A companhia Retazos é um dos 13 grupos que agitam a cena teatral em Porto Alegre com o Mesa Verde

Mesa Verde para homenagear a criação do coreógrafo Kurt Jooss, maior expressionista alemão de todos os tempos. A abertura do Festival ficou por conta do grupo madrilenho Provizional Danza, com o show “Calle 4”, no dia 15, na Usina do Gasômetro. Mesmo com muita chuva e fortes ven-

tos, a companhia não desapontou e levou dezenas de pessoas ao parque. Três bombeiros fizeram parte da apresentação, manuseando os equipamentos para garantir a coreografia dos seis bailarinos espanhóis, que inclui a utilização de mangueiras de água. O grupo gaúcho “Meme”

também foi uma surpresa positiva no Mesa Verde, ao mostrar seu trabalho no dia 19. Utilizando literatura, música, vídeos e artes plásticas na performance, a escola expôs a obra “Acessos”, que nasceu de uma oficina-montagem, ministrada por Paulo Guimarães no projeto Movimentos

Incessantes, em 2004, promovido pela Secretaria Municipal da Cultura/Prefeitura de Porto Alegre. A montagem integrou o circuito internacional Ciudades que Danzan, com sede em Barcelona, e que propõe o diálogo da dança com a arquitetura. Porém, a apresentação mais aguardada pela crítica foi da companhia alemã Sussane Linke, responsável pelo fechamento do evento. Sussane foi considerada uma das melhores bailarinas do mundo nas décadas de 1970 e 1980, dirigindo o famoso Folkwang Studio de Dança. Em sua visita a Porto Alegre, a coreógrafa apresentou o espetáculo “Solo Evening with Solos”. O Festival, que tem a intenção de tornar-se um encontro bienal, também ofereceu palestras e workshops para os participantes do evento. Aqueles que ainda quiserem conferir o evento contaram com uma programação gratuita (exceto os espetáculos que acontecem no Theatro São Pedro e no CIEE).

Festival de Teatro de Rua garante sua segunda edição para 2010 Dez grupos devem atrair olhares de mais de 50 mil gaúchos durante a festa. Ao todo, entre 12 a 20 de abril, serão 30 apresentações Por Leonardo Serafim, redação Porto Alegre Evento que arrancou aplausos e sorrisos da população gaúcha no começo deste ano, o Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre anunciou que promoverá sua segunda edição em abril de 2010. Com uma proposta ousada, que visa abordar distintas estéticas teatrais, a mostra resgatou as apresentações de artes cênicas em espaço aberto da cidade, fato costumeiro na década de 1990, mas que fora esquecido nos dias atuais. E com essa nova retomada, o principal beneficiado é o povo. Na sua edição de estreia, o Festival de Rua cortejou os porto-alegrenses nos principais pontos do município. Com grupos e temas dos mais variados, o evento reuniu multidões por onde passou. Era só começar a cena, para as pessoas diminuírem seus passos apressados e acompanhar os espetáculos, formando rodas e aglomeração. Em 2010, a ideia é atravessar barreiras e expandir as atividades. O 2º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre, uma

realização da Associação Falos & Stercus, do Sesc/RS e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, acontecerá de 12 a 20 de abril e pretende reunir oito companhias de teatro de rua do Rio Grande do Sul e dois convidados das demais regiões do Brasil. Serão 30 apresentações para um público estimado de 50 mil espectadores. Para a formação dos artistas e técnicos, serão realizadas oficinas, seminários e um ciclo de debates. Um dos grupos presentes será o Falos & Stercus, um dos idealizadores do movimento e grande atração da primeira edição do evento. Considerada um dos principais nomes do teatro contemporâneo do sul do País, a companhia já está na estrada há mais de 16 anos. Com números inovadores e que buscam sua própria linguagem de expressão, o Falos & Stercus virou referência nacional e recebeu elogios de todas as partes, inclusive de fora do Brasil. “A Inglaterra nunca tinha visto algo como eles. Para uma gélida e úmida Londres, o grupo trouxe fogo e excitação, que acenderam a comunidade teatral”, afirmou o diretor in-

Festival quer novamente levar o teatro para a população carente, repetindo a ética da última edição

glês Luke Dixon na última passagem do Falos & Stercus pela Europa. Além dos parques e centros culturais, os organizadores do festival querem novamente levar o teatro para a população carente, ato que também aconteceu na edição passada. Descentralizando suas apresentações, o evento percorrerá dois bairros pobres da cidade, visando dar oportunidade dos menos afortunados de acom-

panhar os espetáculos. “É de suma importância esse acontecimento de teatro de rua em Porto Alegre, pois colocará, novamente, o povo a par do que é feito fora dos palcos. Ele é uma chance de poder ampliar nossos horizontes, como na questão de trazer grupos de fora, grupos de outras cidades do País para haver esse compartilhamento, essa troca de experiência que, certamente, impulsionará o teatro de rua do

nosso estado”, garante Paulo Flores, da companhia gaúcha Oí Nóis Aqui Travez. O 2º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre está com inscrições abertas até o dia 4 de dezembro, no Centro Municipal de Cultura (Av. Érico Veríssimo, 307). Aqueles que quiserem participar devem enviar fotos, release, rider técnico, um DVD com o espetáculo na íntegra e clipagem de artigos e notícias publicadas.

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Jornal de Teatro

Especial

Por Nilton Guedes

volta em 2010 com “sonhado repertório”

Momento do espetáculo “A Selva das Cidades” onde Liz Reis e Rene Ramos interpretam Marie Garga e Shlink. Retorno programado para 2010

Por Michel Fernandes*, especial para o Jornal de Teatro Ao encerrar o terceiro mês de uma pródiga temporada em 2009, o espetáculo “Na Selva das Cidades”, do Teatro do Incêndio, já tem retorno programado para meados de fevereiro de 2010, no Teatro Aliança Francesa (onde cumpriu sua segunda temporada este ano – a primeira, sempre com platéia lotada, estreou no emblemático 11 de setembro, no Teatro da Funarte). E não voltará sozinho, mas, segundo Marcelo Marcus Fonseca, diretor-fundador da companhia, o espetáculo, escrito pelo alemão Bertold Brecht, ancorará um “sonhado repertório do grupo” que, também, trará “outros dois autores em peças nunca traduzidas para o português”, além de um ciclo de leituras de obras transgressoras, “o que faz parte da história do Teatro do Incêndio”. Escrita na juventude de Bertold Brecht, em 1922, “Na Selva das Cidades”, embora anti-capitalista, nada tem do didatismo marxista que o autor alemão empregaria em suas peças da maturidade, mas, mesmo assim, trata do capital de maneira franca e crua. “‘Na

Selva das Cidades’ traz assuntos correlatos ao cotidiano do espectador que observa, assustado, a fraqueza moral em suas calçadas”, diz Fonseca, também integrante do elenco do Teatro do Incêndio. Uma característica relevante, apontada por Marcelo Marcus Fonseca, durante esses três meses de temporada da peça, devese à “multiplicidade de compreensões das plateias. Mesmo tendo feito outras peças de Brecht (“Baal – O Mito da Carne” e “A Boa Alma de Setsuani”, essa última um pouco sisuda em relação à excelente versão protagonizada por Denise Fraga e dirigida por Marco Antonio Braz, em temporada popular no TUCA com o nome de “A Alma Boa de Setsuan”), o ponto de comunicação preciso pela poesia do autor nunca tinha se revelado de forma tão concreta, clara, apaixonada e acordada (de razão) nos espectadores para mim”. Para estabelecer a proximidade do texto ao momento atual em que valores, ideários e ideologias parecem ceder, cada vez mais, ao caos e ao paroxismo, Marcelo recorreu, no processo de montagem da peça, ao interlocutor Mário Vítor Santos como “um debatedor presente na sala de ensaios com o objetivo de saber o que

falávamos ou não de nós, hoje. Levantamos questões relevantes com o elenco sobre isso. Por exemplo, por que colocar uma peça em cartaz e para quê? Acho pertinente se falar em ‘pensa’, porém, mais importante é estar. Quem está, pensa. Por isso a arte tem que ser superior ao social. Ela fica, o discurso passa.” “Na Selva das Cidades” pode ser da metade do século passado, o século XX que, como afirma o historiador Eric Hobsbawm, em seu livro “Era dos Extremos” (em que relata fatos marcantes ocorridos no período), tratou-se de cem anos extremamente ricos em evolução, disputas pelo poder etc., e, mesmo assim, o conteúdo do texto brechtiano continua com assombrosa atualidade, já que coloca em evidência a inabilidade humana em discernir o que é não render-se ao chamado das sereias, ou seja, aos apelos do dinheiro que compra tudo: poder, ética, sucesso, ideias e ideais, ou pelo menos assim pensam seus detentores. “Na medida em que o espetáculo amadureceu, o jogo da vida urbana em forma de arte, diversão, parece ‘aliviar’ o ouvinte, confirmando que ele não está louco, mas, sim, as relações de vício de vitória, des-

truição do caráter, mania de perseguição e abalos psíquicos dessa sociedade tarada e enfurecida que encarcerou Artaud, enriqueceu o maduro Rimbaud levando dele uma perna e já havia exilado Eurípedes, é que corrompem esfriando rostos e falas”. O Teatro do Incêndio completa 15 anos em 2010 e tem em seu currículo montagens de autores como Antonin Artaud, Marquês de Sade, Zeno Wilde, do próprio Marcelo Marcus Fonseca, entre outros autores, mas, diz o diretor, o ponto comum a todas montagens é entender o homem. “É isso que me interessa: o homem, por que o homem vive e como vive”. Para o diretor, “Na Selva das Cidades” permitiu, ao Teatro do Incêndio “a consolidação de núcleos de figurinos, cenografia, interpretação, música e produção que caminha para uma auto-suficiência nessas áreas, dispensando serviços terceirizados. Mas falta muito, muito ainda.” UM ESPETÁCULO QUE FAZ ECO NA HISTÓRIA DO TEATRO BRASILEIRO Quando o diretor Ron Daniels, ou, se preferir, Ronaldo Daniel, brasileiro radicado na

Pya Lima / Divulgação

Teatro do Incêndio

Inglaterra e, agora vivendo em Nova Iorque, esteve por aqui para dirigir o ator Raul Cortez em “Rei Lear”, de Shakespeare, em 2000, disse-me, em entrevista realizada naquela ocasião, que ao voltar da Europa, no final de 1960, deparou-se com um deslumbrante Teatro Oficina que, em 1969, marcou a História do Teatro Brasileiro com a montagem desse texto, no mesmo ano. Daniels, um dos fundadores do Teatro Oficina, apesar do “encantamento diante de Na Selva das Cidades” sentiu que o espetáculo marcava a entrada do grupo numa fase diferente da que, como integrante do grupo, ele vivenciou. Talvez a aproximação com a dramaturgia de Brecht encaminhou o Teatro Oficina ao que a crítica Mariangela Alves de Lima identifica como “Teatro Social”, ou seja, aquele que se distingue pela preocupação com a ordem social, com o coletivo, do que com o indivíduo em si. E, nesses 40 anos da primeira e antológica encenação, Marcelo Marcus Fonseca conta com a participação de Zé Celso, diretor da referida primeira montagem, em voz-off. DIVERSÃO BRECHTIANA Segundo Marcelo Marcus Fonseca, o que caracteriza o Teatro do Incêndio é que “uma peça não pode ser chata. Teatro é diversão, como disse o Brecht. E ensinamento. Pela diversão. Quem vai ao teatro quer ser tentado. Pelo que? Pela arte. Não pela chatice”. “Peças com a complexidade da Na Selva... permitem assuntos variados, idéias sobrepostas, escolha de conversas”, diz. Fonseca afirma seguir na direção contrária do encenador Gerald Thomas (quem, aliás, declarou ter “abandonado o teatro brasileiro”) no que respeita ao tratamento “mau-humorado, desiludido e depressivo”. “Minha fé no teatro encontra-se aqui inabalável: ele pode e é o equilíbrio possível na busca pela humanidade, que é obrigada a ficar na defensiva. Nós dançamos a crueldade implacável do teatro de Brecht, do ‘teatro do Herói Surrado’, como disse Walter Benjamim do (livro) Teatro Épico. Nosso teatro transborda o amor pelo que fazemos. Nós damos em gozo nosso sangue, a nossa luta. Nossa parte não é reclamar, é interessar, é trocar. O teatro é a arte do querer. De quem faz e quem vê”, afirma. O resultado atingiu as expectativas de Marcelo Marcus Fonseca: “O mais prazeroso tem sido o interesse, a grande presença de público jovem que não tem hábito de ir ao teatro, assistindo com energia uma peça de 2h10, sem achar longa”, completa.

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Festivais

Teatro em todos os cantos de Recife A 12ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional terá 42 apresentações este ano. Dessas, 24 subirão aos palcos e outras 18 serão encenadas em espaços públicos descentralizados da capital pernambucana Fotos: divulgação

Por Adoniran Peres, redação Florianópolis Dando sequência a uma trajetória que visa descentralizar a arte, os espetáculos da 12ª edição do FRTN (Festival Recife do Teatro Nacional), que acontece entre os dias 19 e 30 de novembro, promete, mais uma vez, ultrapassar as fronteiras da cultura e movimentar os teatros e espaços públicos da capital pernambucana. Há três anos, o festival leva peças teatrais para 18 micro-regiões de Recife. Por falar em descentralizar, destaque para o teatro de rua, que, este ano, virá com força total – abrirá o festival com a peça “Till: a saga de um herói torto”, do grupo mineiro Galpão. “Descentralizar tem tudo a ver com o tema do festival deste ano: o teatro e a cidade. Moradores de bairros de difícil acesso não precisarão se deslocar para os grandes teatros para ter acesso à cultura e isso é fantástico”, diz Lúcia Machado, coordenadora do FRTN. Outra atração mineira que também promete atrair o público nas ruas é a peça “Baby Dolls – uma exposição de bonecas”, do grupo Obscena. Já o Teatro que Roda, de Goiânia, traz sua versão de “Quixote”, de Cervantes, uma montagem que convida o público a rever a paisagem urbana por um outro ângulo, cheio de fantasia. Ao todo, 42 apre-

As peças “Encantrago” e “Réquiem” possuem temáticas sociais próximas das comunidades, uma forma de aproximá-las do contato com a arte

sentações fazem parte da edição de 2009, que reúne importantes companhias da cena contemporânea nacional. Dessas, 24 apresentações subirão aos palcos do Teatro Barreto Junior, Teatro do Parque, Teatro Apolo, Teatro de Santa Isabel e Teatro Hermilo Borba Filho, além das outras 18 récitas que serão encenadas em regiões descentralizadas, como Jordão Alto e Barro. Durante os 11 dias, a cultura teatral de Recife será reforçada com grupos de Pernambuco, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Goiás, do Rio Grande do Sul, do Rio Grande do Norte e do Ceará. “O público do Recife vai respirar teatro, com

acesso a espetáculos de altíssimo nível a preços populares”, explica o secretário de cultura Renato Lins. As peças têm preço máximo de R$ 5. Em 2008, aproximadamente 16 mil pessoas se deliciaram com os espetáculos do FRTN e, para 2009, estimase que esse número seja ainda maior, pois mais peças de rua farão parte da grade, o que garante mais espectadores. “São, pelo menos, dois espetáculos de rua que requisitaram espaços maiores e, consequetemente, pela grande estrutura montada e qualidade das peças, deve atrair um número grande de pessoas”, avalia Lúcia Machado, coordenadora do FRTN. Se-

gundo ela, o festival visa fazer do teatro um instrumento de transformação do homem, com provocação do senso crítico, de forma que esteja junto com o povo e que interaja com ele. “As peças envolvem temáticas sociais próximas das comunidades. Entendemos que quanto mais próxima da comunidade melhor”, frisa. SEMINÁRIO E OFICINAS Dentro da programação do festival serão realizados seminários e oficinas com temáticas relacionadas, principalmente, às áreas técnicas do teatro. De 21 a 24 de novembro, o Teatro Apolo receberá o seminário

PROGRAMAÇÃO NOS TEATROS

PROGRAMAÇÃO DESCENTRALIZADA ESPETÁCULO

LOCAL

DATA

HORA

DATA

LOCAL

HORA

ESPETÁCULO

TILL, A SAGA

Praça do Arsenal

19.11  20.11

19h 20h

20 e 21/11

Teatro Barreto Júnior

19h e 19h

Encruzilhada Hamlet (PE)

MISERIA

Morro da Conceição

22.11

16h

21 e 22/11

Teatro do Parque

16h30

QUIXOTE

Academia da Cidade - Joana Bezerra

22.11

16h

Outra vez, era uma vez... (PE)

MISERIA

Praça Nossa Senhora de Fátima - San Martin

23.11

16h

21 e 22/11

Teatro Apolo

21h

In On It (RJ)

22 e 23/11

19h

Carícias (PE)

QUIXOTE

Praça Coronel Othon - Macaxeira

23.11

16h

Teatro Hermilo Borba Filho

23/11

Teatro de Santa Isabel

21h

BABY DOLLS

Rua da Imperatriz - Boa Vista

24.11

16h

Vozes Dissonantes (SP)

MISERIA

Praça Tertuliano Feitosa - Hipódromo

24.11

16h

24/11

Teatro de Santa Isabel

21h

Mary Stuart (RJ)

QUIXOTE

Em frente ao CSU Afrânio Godoy - Alto Santa Terezinha

24.11

16h

24 e 25/11

Teatro Hermilo Borba Filho

19h

Playdog (PE)

BABY DOLLS

Pátio da Feira de Casa Amarela

25.11

16h

25 e 26/11

Teatro Barreto Júnior

19h

A Mar Aberto (RN)

QUIXOTE

Praça Presidente Kennedy - Jordão Alto

25.11

16h

26 e 2711

Teatro Apolo

21h

Réquiem (SP)

MISERIA

Praça Arnaldo Assunção Engenho do Meio

25.11

16h

BABY DOLLS

Praça Pinto Damásio - Várzea

26.11

16h

27, 28 e 29/11

Teatro Hermilo Borba Filho

21h

QUIXOTE

Praça Barreto Campelo - Torre

26.11

16h

Buraco da Gata - Três Carneiros

26.11

16h

Rainhas – Duas atrizes em busca de um coração (SP)

BABY DOLLS

Terminal Integrado de Passageiros / Estação do Metrô - Barro

27.11

16h

27 e 28/11

Teatro Barreto Júnior

19h

Meire Love (CE)

MISERIA

Praça das Lavadeiras - Areias

27.11

16h

28 e 29/11

Teatro do Parque

BABY DOLLS

Praça Nossa Senhora da Boa Viagem

28.11

16h

19h, 19h e 21h30

Encantrago – Ver de rosa um ser tão (CE)

MISERIA

“Cenografias para um Teatro em Trânsito”, com participação de José Carlos Serroni (SP), João Denys Araújo Leite (RN/PE), Marcondes Lima (PE) e Cláudio Lira (PE). De 18 a 21, José Carlos Serroni (SP) ministra oficina no Oi Kabum! com o tema “Reflexões sobre Cenografia e o Espaço Cênico”. O especialista vai falar sobre a evolução do espaço cênico da Grécia até os dias de hoje, além da relação do figurino e da iluminação com a cenografia. Lições de cenotécnica serão apresentadas por Helvécio Alves Izabel, em oficina de Cenotécnia, no Teatro Apolo, dias 17 e 18 de novembro, com elementos básicos de carpintaria, serralharia, traquitanas e mecanismos. Os participantes poderão estudar as dimensões do palco e caracterizar o espaço de acordo com as necessidades do espetáculo, além de construir objetos de auxílio técnico. Roberto Gill Camargo (SP) ministra oficina de Sonoplastia, de 25 a 27 de novembro, na Sala de Dança do Teatro de Santa Isabel, com detalhes da função estética do som e o processo de criação sonora. Já a Cia. Obscena (Agrupamento Independente de Pesquisa Cênica-MG) propõe a produção de textualidades cênicas diversas por meio do desenvolvimento de relações com objetos, espaços, corpos e narrativas, além de procedimentos de corpo instalação, na oficina “Como se fabrica uma mulher?”, de 25 a 27, no Espaço Compassos. O XII Festival Recife do Teatro Nacional tem investimento total de R$ 755 mil e conta com patrocínio da Eletrobrás, Chesf, Coopergas e BNB, além do apoio institucional do Minc-Funarte, Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) e Oi Kabum!.  

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Jornal de Teatro

Política Cultural

Ópera legitimamente brasileira Brasil ganha companhia para difundir a atividade e popularizar a música erudita em todo o território nacional Nanan Catalão, Comunicação Social/MinC

Por Nanan Catalão, Comunicação Social/MinC O ministro da Cultura, Juca Ferreira, e o maestro John Neschling anunciaram, dia 12 de novembro, em São Paulo, a criação da primeira Companhia Brasileira de Ópera. Uma iniciativa do maestro com o apoio do Ministério da Cultura, integralmente financiada com recursos do incentivo fiscal. Orçada em R$ 14 milhões, a companhia levará a todas as regiões do Brasil espetáculos de nível internacional, com elevado apuro técnico, a preços populares, além de cursos de formação para atores e músicos. “Temos 100 anos de tradição de ópera e um grupo enorme de cantores no Brasil desprivilegiados. Então, a minha ideia foi criar uma companhia bem estruturada, que atinja grandes públicos que nunca tiveram acesso à ópera e, também, que ofereça aos profissionais hoje desempregados uma possibilidade digna de sobreviverem com sua arte, um trabalho fixo. Falo não só dos cantores, mas dos técnicos, maquiadores, iluminadores e outros profissionais envolvidos”, explicou o maestro. O ministro da Cultura disse que o projeto se soma ao esforço do governo de democratizar a Cultura no País. “Traz o esforço de democratização integrado com o acesso à excelência artística, tanto no sentido de acesso da população, quanto no sentido de que artistas possam produzir e acessar o financiamento públi-

Ministro da Cultura, Juca Ferreira, e o maestro João Neschling acreditam na inovação trazida pela primeira Companhia Brasileira de Ópera

co”, afirmou Ferreira. Segundo ele, mesmo sendo uma instituição privada, a Companhia Brasileira de Ópera foi concebida em uma lógica pública. “Compreendemos a grandeza da iniciativa. Se fosse apenas um projeto de montagem, já seria importante, mas a companhia traz uma complexidade, com uma proposta clara de democratização a partir de um conceito inovador, que integra acesso, formação e recuperação de acervos”, explicou. Também presente na coletiva, o secretário de Políticas Culturais do MinC, José Herencia, afirmou que o projeto procura inverter a tradicional equação exclusora da ópera,

que, em suas palavras, “sempre foi conhecida por ter um custo muito alto para um público restrito, enquanto este projeto traz a proposta inédita de uma instituição de ópera com espetáculos a custo baixo para públicos amplos”. Em sua primeira etapa, a Companhia Brasileira de Ópera pretende realizar mais de 100 apresentações da ópera “O Barbeiro de Sevilha”, do compositor italiano Gioachino Rossini, em 20 cidades, para mais de 140 mil espectadores. “A ideia é estrear em abril de 2010, no Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília, como parte das comemorações dos 50 anos da cidade, com

apresentações também voltadas para a população da periferia da capital federal, para que ela possa, também, se sentir parte integrante das comemorações”, informou o ministro. Segundo Neschiling, a peça foi escolhida por ser uma ópera de câmara, fácil de viajar. Será criada uma orquestra – a ser comandada por Neschling e maestros convidados como Abel Rocha, Vitor Hugo Toro e Ira Levin – e três elencos serão formados. “Esses artistas vão se dividindo ao longo da temporada. É importante dizer que não hierarquiza o elenco, pois o barítono que um dia faz o Fígaro, no dia seguinte

canta Fiorello e por aí vai.” A concepção cênica da ópera, assinada pelo diretor italiano Pier Francesco Maestrini, faz uso de um desenho animado de duas horas e meia em que é narrada a história da ópera. A Companhia Brasileira de Ópera criará um mercado permanente de trabalho para técnicos e artistas, além de funcionar como um centro de formação para estes profissionais. Estima-se que cada espetáculo envolverá, pelo menos, 200 pessoas em todo o Brasil, entre maestros, músicos, cantores, técnicos e montadores. Além disso, durante a turnê, serão realizadas master class para técnicos, atores e músicos locais.

Sociedade brasileira quer consumir cultura, diz coordenadora A coordenadora executiva do Programa Mais Cultura, Silvana Meireles, afirmou, dia 10 de novembro, que a população brasileira quer consumir cultura. Segundo ela, os gastos da população com esse item estão na sexta posição, acima das despesas com educação. “Apesar de termos dados revelando que há grande parcela da população, principalmente das classes C, D, e E, que ainda é desassistida por políticas públicas na área da cultura, os gastos da família brasileira

com cultura ficam na sexta posição, acima dos investimentos com educação. Ou seja, existe um anseio da sociedade civil e dessa população por consumo de cultura”, disse Silvana durante seminário para discutir a construção de espaços culturais em áreas de intervenção do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ela ressaltou que cerca de 60% dos municípios brasileiros têm ações do Programa Mais Cultura e que a criação dos Espaços Culturais ampliará esse

número. “Qualquer Estado e qualquer município brasileiro podem aderir ao programa, basta manifestar essa intenção. Existe uma vasta gama de produção cultural espalhada pelo território brasileiro. Em contraponto, há uma falta de acesso a essa produção cultural. Então, o ministério tem trabalhado com os Estados brasileiros, e, mais recentemente, com municípios, no sentido de fazer alianças para o desenvolvimento e ampliação desse projeto”, frisou.

O presidente da organização não governamental Instituto Arte no Dique, José Virgílio, se mostrou ansioso com a implementação dos Espaços Culturais em sua em sua cidade, Santos (SP). “Com a inauguração da Escola Popular de Arte e Cultura Plínio Marcos e do Espaço Cibernético Gilberto Gil, em 2010, vamos criar a possibilidade de gerar empregos modernos e capacitação profissional. Em uma área onde os jovens não têm perspectiva, é importante

abrir possibilidades de profissionalização para colocá-los no mercado de trabalho. Esse programa transformará a vida daquelas pessoas”, destacou. De acordo com a coordenadora do Programa Mais Cultura, a iniciativa atingirá 19 estados brasileiros, com cerca de 20 ações. No total, 1,2 mil projetos devem receber apoio do Ministério da Cultura, entre eles, 200 cines cultura, 410 bibliotecas modernizadas, além de pontos de leitura e pontos de cultura. Agência Brasil

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Artigo

Grupos puderam trocar experiências e discutir questões polêmicas

O encontro atraiu o interesse de quem faz da arte um estilo de vida Reprodução

“Porra, será que o Próximo Ato cabe num jornal?” Foi a dúvida de que partimos para escrever esse artigo. Nós, da Bacante, acompanhamos o encontro internacional de 2009 do programa Próximo Ato, promovido pelo Itaú Cultural, que aconteceu de 3 a 7 de novembro de 2009. Essa experiência passou longe de ser uma cobertura jornalística: queríamos estar lá como participantes, com a mesma intenção e expectativa que os grupos tinham de vivenciar um ambiente de trocas de experiências e discussão de questões polêmicas entre coletivos. E estávamos muito abertos a essa troca, já que, cada vez mais, assumimos a Revista Bacante como um coletivo de reflexão sobre o teatro, permanentemente aberto e disposto, sobretudo, a aproveitar o potencial da internet para ampliar as possibilidades e a diversidade da discussão. Esta foi a sétima edição do encontro e a quarta abordando especialmente as experiências do teatro de grupo no Brasil. Dos cinco dias de cobertura, resultaram, além de inúmeras conversas de bar, alguns posts no Blog da Bacante, um balanço geral dos organizadores e ainda um especial contendo entrevistas curtas com os grupos – o projeto era questionar todos os grupos (ou quantos conseguíssemos importunar) a respeito de três temas que estão sempre em destaque na Bacante – seja nas críticas, seja nos comentários: 1. Financiamento: como o grupo financia seus trabalhos?; 2. Diálogo com o entorno: como as questões da sua região estão presentes na obra do grupo e, por outro lado, como o grupo está presente nas questões de sua região?; 3. Fator agregador: qual o fator agregador/definidor/de união do grupo? A partir daí, construímos um panorama – cheio de buracos, mas muito diverso e sem edições – de como pensam os grupos de teatro no Brasil. Para este relato breve do que foram esses dias de encontro, talvez seja menos importante dizer da passagem dos palestrantes Hans Thies Leh Lehmann, Nicolas Bourriad e Óscar Cornago. Não, não estamos desconsiderando a importância dos convidados internacionais, justamente no sentido de ampliar horizontes de reflexão e provocar, incentivar, ou mesmo bagunçar pensamentos – inclusive publicaremos assim que possível uma entrevista “exclusiva” (chique, não?) em

Mauricio Alcantara

Por Revista Bacante* 

Fotos: Cia da Foto

Encontro de coletivos pela visão de um coletivo

Paulo Arantes e Lehmann conversam com a plateia de forma descontraída

alemão (ok, essa parte é mentira) com o teórico do teatro pós-dramático. O que estamos dizendo é que, ainda mais potente do que ouvir Lehmann sobre o teatro contemporâneo, foi ouvir quem faz o teatro contemporâneo brasileiro em todo e qualquer canto do país. Como alertou a gerente do núcleo Cênicas do Itaú Cultural, Sônia Sobral, não devemos nos iludir acreditando que estava ali “todo o teatro brasileiro”. Não estava. Mas estavam pelo menos dois representantes de grupos de cada um dos 26 Estados do país e do Distrito Federal, o que, de alguma forma, já nos deixa mais próximos da diversidade de sotaques, posturas, demandas. Nos primeiros dias, os representantes participaram de uma experiência com a performer Eleoora Fabião, em que foi possível trocar a experiência não só do discurso, mas a da prática e buscar uma interação que independia das palavras. Na noite de quinta-feira, como celebração do encontro, os grupos fizeram uma performance no vão livre do MASP, à meia-noite. Claro, para si mesmos, já que não havia pedestres

para desfrutar o momento junto aos artistas naquele horário, ainda mais com o azar de uma chuva repentina. A experiência performática voltada ao próprio umbigo, ou seja, sem reverberar nem interferir na cidade que a abrigou, sugere o significado desses primeiros dias de encontro: o contato e conhecimento entre os grupos e restrito a eles. Além disso, mostra uma dificuldade deste movimento que ainda engatinha: com tamanha diversidade de pensamento e de demandas, como estabelecer uma pauta, uma bandeira, uma demanda, uma força comum que dê sentido a essa união, a esse e aos próximos encontros? Sobre este e outros assuntos, as discussões entre os grupos concentraram-se nos últimos dias, por meio de duas estruturas: os Espaços Abertos e a Plenária. Falou mais alto entre as muitas demandas a bandeira defendida com veemência pelos representantes do norte do País: a discussão e inclusão como demanda nacional e não unicamente regional do chamado “custo amazônico” - ou seja, os custos elevados de produção e circulação nos

Home page da revista Bacante. Exploração do potencial da internet

municípios amazônidas, em função dos inúmeros obstáculos como voos poucos e caros, estradas ruins ou inexistentes, locais em que só se pode chegar de barco etc. Dos Espaços Abertos saíram relatos que serão publicados no blog do Próximo Ato; da Plenária, resultou um documento que está sendo finalizado para ser levado a público e compartilhado com as Conferências de Cultura. E, para além disso, ambos tiveram como resultado impalpável a possibilidade de vislumbrar nos grupos o amadurecimento político e de reflexão sobre o fazer artístico. Tal evolução aponta para caminhos realmente conectados com a coletividade e em direção à participação efetiva na construção de políticas públicas e no cenário artístico do país. Então, quem sabe um dia possamos nos dar a liberdade de discutir estética ou mesmo a base dos nossos conceitos de cultura e arte. Por enquanto, nesse momento histórico, ainda estávamos discutindo sobrevivência. E fica claro que sobreviver em movimento e em grupo parece bem mais possível.

A resposta para a pergunta que inicia esse texto é não. O Próximo Ato não cabe no jornal, como também não coube na Bacante, como também não coube no projeto do Itaú Cultural. No Itaú, ele vai virar o programa Rumos Teatro, que apoiará, via edital, projetos de interação estética entre coletivos. Na Bacante, vai virar memória, estatística e piada. No Brasil, espera-se, vai virar um movimento autônomo, desvinculado do que os investidores pensam ser importante para o teatro brasileiro, mas às demandas e aos esforços dos próprios coletivos. Alguns links que julgamos importantes e servirão para atingir mais camadas nesse artigo (porque, afinal, nós pensamos em hipertexto, não tem jeito) A Bacante é um coletivo aberto de crítica teatral que pode ser encontrado somente na internet. Se quiser conhecer mais, acesse:

www.bacante.com.br.

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Jornal de Teatro

Vida e Obra

Dez anos sem o gênio maldito Plínio Marcos Fotos: Divulgação

Quando surgiu no universo teatral, o dramaturgo trouxe mais que uma nova construção de linguagem, foi um dos primeiros a levantar a voz dos marginalizados Por Adair de Oliveira, redação Brasília “Nos conhecemos no início da carreira. Nossas mães eram amigas de trocar confidências sobre os filhos. Em uma dessas conversas, elas falaram a respeito da dificuldade da carreira escolhida pelos rebentos – teatro –, por ser uma profissão mais trabalhosa. Durante esse papo, a mãe do Plínio diz: “Pior é meu filho, que foi para o circo”. Este é um dos muitos causos que recheiam o universo do gênio Plínio Marcos, contado pelo amigo, ator e atual presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes), Sérgio Mamberti. No dia 19 de novembro, completam-se dez anos da morte de um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, um dos poucos que soube retratar e trazer para o palco a vulnerabilidade da condição humana e as fraquezas de uma sociedade. A trajetória começa com seu nascimento, na cidade de Santos (SP), no dia 29 de setembro de 1935. Os primeiros passos aconteceram no circo, como palhaço Frajola, mas Plínio ainda teve outras profissões – funileiro, vendedor de livros em uma banca espírita e tarólogo. Além de estivador no cais do porto de Santos e cjogador de futebol no time juvenil da Portuguesa Santista, no Jabaquara. Todos diziam que era um excelente jogador. Mas, em compensação, na escola – como ele mesmo dizia – “quando pe-

“Para essa gente, os gurus do sistema, passado é um exemplo, futuro é uma esperança e presente é um pé no saco”

queno, era tido como débil mental. Não conseguia aprender. Meu poder de concentração era nenhum”. Isso, segundo Plínio, era devido aos métodos escolares da época. Em 1958, o segundo ato da vida do escritor e dramaturgo entrou em cena. “Houve um caso, em Santos, que me chocou profundamente: um garoto foi preso por uma besteira e, na cadeia, currado. Dois dias depois de sair de lá, matou quatro dos caras que estavam com ele na cela”, relatou o autor, na época do

ocorrido. Deste acontecimento nasceu “Barrela”, escrita por Plínio aos 22 anos de idade. A peça foi mostrada para Pagu (Patrícia Galvão), que achou os diálogos tão poderosos quanto o texto de Nelson Rodrigues. Em seguida, Pagu levou o texto para Pascoal Carlos Magno – responsável pelo setor cultural e universitário da Presidência da República no governo de Juscelino Kubitschek –, que realizava o Festival Nacional de Teatro de Estudante, em Santos, e, como relembrou

Plínio em relatos publicados, “ele fez um puta escarcéu, descobriu um gênio.” Os ensaios começaram no início de 1959 e logo o espetáculo foi encaminhado para a censura federal, que proibiu a apresentação. Então, Pagu entrou em contato com Pascoal, que faz a polícia reconsiderar a proibição da peça. “Barrela” foi apresentada no dia 1º de novembro de 1959, no palco do Centro Português de Santos. Mesmo com tamanho sucesso, a peça foi censurada na apresen-

tação e permaneceu proibida por mais 21 anos. Plínio, então, escreveu seu segundo trabalho: “Os Fantoches ou Chapéu sobre Paralelepípedo para Alguém Chutar” – reescrita depois como “Jornada de um Imbecil até o Entendimento”. Pagu, na época, escrevia crítica teatral para o jornal “A Tribuna de Santos” e colocou uma foto de Plínio com gravata borboleta e a seguinte manchete: “Esse analfabeto esperava outro milagre de circo”. O trabalho tinha sido um fiasco. NOVOS CAMINHOS A vinda para São Paulo aconteceu em 1960. Para garantir o sustento, Plínio era uma espécie de faz tudo. Trabalhou como camelô, ator e técnico da extinta TV Tupi, quando estourou nacionalmente, em 1966, com “Dois Perdidos Numa Noite Suja” – censurada logo ao chegar no departamento. Com “Navalha na Carne” (1967) ocorreu o mesmo e a única saída encontrada pelo grupo foram as apresentações na casa de Cacilda Becker, que cedeu o espaço para o espetáculo. A liberação do texto virou causa nacional e contou com o apoio dos principais nomes do meio artístico e cultural. No Rio de Janeiro, “Navalha na Carne” foi apresentada, às portas fechadas, no Teatro Opinião. O exército cercou o teatro e proibiu a apresentação. A atriz Tônia Carrero comprou a briga e levou o espetáculo para uma casa vazia, no morro de Santa Tereza. Para despistar, Plínio deu entrevistas aos jornalistas, enquanto o povo recebia senhas com o endereço da casa da Tônia, que ficou lotada e tinha público para outro espetáculo. “O Abajur Lilás” (1969) foi outro texto proibido. Tinha Paulo Goulart na produção e Nicete Bruno e Walderez de Barros no elenco. Após uma consulta informal à censura, veio a resposta negativa. Os ensaios foram interrompidos. O texto estaria liberado para montagem somente em 1975, o que não

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“Eu, como repórter de um tempo mau, fiz a terra tremer várias vezes”. Outra de suas frases marcantes

aconteceu. O advogado Iberê Bandeira de Melo entrou com recurso contra a proibição. O próprio Ministro da Justiça, Armando Falcão – governo Geisel – reiterou a proibição da peça, sob a alegação de que ela atentava contra a moral e os bons costumes. A luta deu-se de instância em instância, até chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília. A peça teve um único voto favorável do então juiz Dr. Jarbas Nobre. Em 1979, um grupo de atores juntou-se clandestinamente e formou um grupo chamado O Bando para montar “Barrela”, que completava aniversário de 20 anos de censura. A peça estreou em dezembro, no porão do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Os ingressos eram vendidos pelo próprio elenco que, nas ruas, os ofereciam para as pessoas. Todas as sessões ficaram lotadas e o espetáculo era realizado às sextas-feiras, à meia-noite. As peças “Barrela” e “O Abajur Lilás”, em 1980, foram liberadas pela Censura Federal. O Bando transfere-se para o Teatro Taib e as peças “Dois Perdidos Numa Noite Suja”,

“Oração para um Pé-de-Chinelo” e “Jesus-Homem” são montadas. A CRÔNICA E O SAMBA Além de dramaturgo e escritor, Plínio Marcos construiu uma carreira sólida no jornalismo e passou por importantes redações de jornais e revistas do país. A carreira como cronista aconteceu por volta de 1968, no extinto jornal Última Hora, com uma coluna que circulava aos domingos. Umas das marcas ou peculiaridades da crônica de Plínio era o caráter memorialista de sua narrativa. Mesmo escrevendo em jornais e revistas de circulação nacional, ele nunca deixou de contar as histórias da sua gente. Outro elemento percebido no texto do cronista era uso da gíria e a temática marginal. No livro “A Crônica dos que não Têm Voz”, os autores Fred Maia, Javier Contreras e Vinícius Pinheiro explicam que o cronista Plínio Marcos conseguiu desenvolver uma literatura carregada de conceitos, elementos e signos que estão na cultura popular, que é dinâmica e diversa no

Brasil. O que os mantêm costurados como uma colcha de retalhos é a língua, o idioma, que é o mesmo do Oiapoque ao Chuí. Os autores fazem referência às possibilidades da língua portuguesa que remete a vários “Brasis”. Plínio vai se debruçar sobre a linguagem de sua gente, principalmente a gente do cais do porto de Santos e do mundo que o cerca. O elenco de personagens é riquíssimo, como são riquíssimas suas falas e expressões. Segundo Fred Maia, as crônicas de Plínio Marcos apontavam não necessariamente para um embate contra o governo vigente no País na época, mas ele apresentava uma realidade brasileira que era desagradável para os generais. “O Plínio, quando falava dessas mazelas, desagradava, porque pintavam um Brasil lindo e maravilhoso, quando, na verdade, nós tínhamos todos os tipos de desagregação – um êxodo rural violento e uma ocupação do campo desordenada que deu no que deu”, conta. Outra paixão do dramaturgo foi o samba. Plínio foi um dos fundadores da pioneira Banda Badalha (1972),

a primeira da cidade de São Paulo – que contou com as atrizes Walderez de Barros e Etty Fraser na função de porta-bandeiras e o ator Tony Ramos como mestre sala em uma apresentação. Após algumas divergências, o grupo acabou. Em seguida, foi formada a Banda Redonda, que existe até hoje. Segundo entrevista concedida no livro “A Crônica dos que não Têm Voz”, o jornalista e incentivador cultural Carlo Pinta destaca que o samba de São Paulo começou a evoluir no Bar Redondo, com Plínio e Geraldo Filme. Ali, começou a se estruturar o samba de São Paulo. Plínio não tem importância apenas como autor. Ele é mais completo. Sua importância é como homem da cultura popular brasileira. Em 1970, Plínio escreveu e dirigiu “Balbina de Iansã”. Foram gravadas músicas de compositores tradicionais do samba paulista como Talismã, Sílvio Modesto e Jangada. Em 1974, lançou o disco “Plínio Marcos em Prosa e Samba, Nas Quebradas do Mundaréu”, com participação dos sambistas Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro. O disco foi resultado de um show realizado com tais músicos. Neste mesmo período, havia programas em rádios e na TV Tupi nos quais se divulgava o trabalho dos sambistas paulistas. Durante vários anos, Plínio fez a cobertura do desfile das Escolas de Samba de São Paulo para jornal, rádio e televisão. CAUSOS E IMPORTÂNCIA Segundo Oswaldo Mendes, ator e autor da biografia “Bendito Maldito – Uma Biografia de Plínio Marcos”, o surgimento dele foi fundamental para o teatro brasileiro não somente na construção de um tipo de linguagem, mas na colocação das personagens

que, até então, não tinham direito de estar no palco. “Isso provocou um espanto porque, até então, os ‘atores’ que eram representados eram os trabalhadores politizados de Guarnieri e Vianinha”, explica. De acordo com Sergio Mamberti, Plínio era um homem desprendido. “Um ator de ‘Navalha na Carne’ teve um acidente grave. O Plínio, mesmo com os problemas financeiros que passava, simplesmente doou todo o dinheiro da bilheteria da peça para o tratamento desse ator,” relembra. Mamberti ressalta que no espetáculo o autor apresenta ao público, em uma hora e quinze minutos, um clima trágico de um épico da tragédia grega. “Além de ter sido um grande dramaturgo, ele inovou no tempo, nas formas de diálogos e no estilo”, afirma. Outro caso lembrado por Oswaldo Mendes foi a visita feita pelo político Mário Covas. A visita ocorreu em 1999, quando Plínio estava internado: “Oi, Covas, você pretende se candidatar para presidente. (Covas) ‘Acho que não, tenho que fazer uma cirurgia’. (Plínio) ‘Porra, então morre logo.” Esse diálogo ilustra bastante o que o Plínio era. Se você não tem objetivo na vida porque viver. Você tem que ter motivos para viver. Para o coordenador do curso de artes cênicas da Faculdade Dulcina de Moraes, Francis Wilker, a obra do Plínio Marcos mostra como nos relacionamos uns com os outros (há sempre uma relação de poder, de exploração). “A obra dele é uma declaração de amor ao ser humano porque ele é capaz de pegar aquelas pessoas que a sociedade finge não ver e chamar atenção àquilo como, independentemente do cargo ou da cor, somos seres humanos, somos feitos da mesma matéria”, diz.

Plínio: “Minhas peças são atuais porque o País não evoluiu”

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História

A farsa do macho e a graça da fêmea O Dzi Croquettes nasceu irreverente e alinhado à contracultura, à criação coletiva e ao teatro vivencial Fotos: Divulgação

Por Paloma Jacobina, redação Salvador A história dos Dzi Croquettes poderia ser descrita como uma sucessão de momentos de sorte, irreverência, perdas e redescobertas. Um coletivo de 13 jovens atores reunidos em torno da proposta de tratar a homossexualidade como uma bandeira de afirmação de direitos, o grupo carioca alcançou sucesso internacional graças à Ditadura Militar – que os obrigou a deixar o Brasil para trabalhar na França, em 1973 –, ao apadrinhamento da atriz Liza Minneli – que conseguiu furar o bloqueio da imprensa local, que não recebera bem ao espetáculo – e ao talento individual de cada um dos seus integrantes. Os pouco mais de cinco anos de existência do grupo foram suficientes para marcar muitas gerações. Com figurinos ousados, maquiagem pesada e o contraste dos corpos masculinos em trajes femininos, eles imprimiram ao espetáculo tons de grotesco, de deboche e espírito felino. Características que transformaram os Dzi Croquettes em inspiração para nomes como Ney Matogrosso, Miguel Falabella e Claudia Raia, padrinhos das Dzi Croquettas – que depois viraram As Frenéticas – e até influenciaram a linguagem ao surgir com termos como “tietagem”. Mesmo depois de separados, os Dzi Croquettes influenciaram a criação do Grupo de Teatro Vivencial, do Recife, e diversos grupos gays na Bahia, entre as décadas de 1980 e 1990. Histórias que estão sendo recontadas através do documentário homônimo de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, recém-lançado no Brasil, e já premiado no FestRio e na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No documentário, o grupo carioca, que surgiu com o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”, originado de um show de boate, tem sua história contada através de imagens de arquivo e de depoimentos de personalidades, como o diretor da Rede Globo Jorge Fernando, o cantor Gilberto Gil, o jornalista e produtor musical Nelson Motta e a atriz Elke Maravilha, entre outros. Em “Gente Computada”, o grupo apresentava números cantados, dublados e dançados, entremeados por monólogos que equacionam as experiências de vida dos integrantes. Os textos de interligação, de autoria de Wagner Ribeiro, abusavam da ironia de duplo sentido e tom farsesco para tratar de temas que não podiam

Lennie Dale, Ciro Barcelos e Rogério de Poli em plena apresentação do Ballet dos Andróginos

Dzi Croquettes: o nada tradicional grupo de bailarinos fez uma pequena revolução particular

ser falados na sociedade reprimida pelo período da ditadura. Mas ser revolucionário em uma época onde formas de expressões artísticas eram tidas como subversivas não foi fácil. “Passamos por apertos com a censura. Precisávamos maquiar algumas cenas, ficávamos morrendo de medo de não passar. Tivemos um prejuízo imenso, pegamos nossas coisas e fomos para a Europa. Ficamos por lá quase dois anos, e passamos por Milão, Paris e Lisboa até retornamos ao Brasil”, recorda o ex-Dzi Croquette, Cláudio Tovar, que também era responsável pela estética do grupo e hoje atua como

ator na televisão brasileira. Os trabalhos do grupo não contam com muitos registros, devido às dificuldades tecnológicas da época, mas que parecem ser redimensionados diante da telona a cada depoimento mostrado no filme. “Foi incrível ver a vida passando na minha frente. Fiquei tão emocionado, que não consegui assistir o documentário da primeira vez. Chorei, fiquei nervoso, de coração apertado, mas também feliz em ver aquela história sendo relembrada e reconhecida pelo público. Confesso que precisei me recompor para sentar e assisti-lo por completo”, revelou Tovar. Da equipe criadora dos espe-

táculos do grupo, também surgiram nomes como o do coreógrafo Lennie Dale, o autor Wagner Ribeiro de Souza, e os bailarinos Cláudio Gaya, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado e Eloy Simões. Profissionais que levavam aos palcos uma proposta de vanguarda, liberação, afronta aos costumes, nostalgia e saudade. Montagens que reciclavam práticas da antiga revista musical, do show de cabaré e da tradição norte-americana do entertainment. Um árduo trabalho de interpretação e de dança do bailarino Lennie Dale, maior

responsável por transformar o grupo numa trupe artística elogiada pela crítica. “Eles eram simplesmente fantásticos e, por isso mesmo, serviram de inspiração para todos nós que circulávamos no meio artístico. Nós, das Frenéticas, tivemos grande influência no modo de vestir, falar e trabalhar deles”, revela Lídia Lagys, que começou a carreira artística nas Dzi Croquettas ou Fadas do Apocalipse, versão feminina dos Dzi, e que depois viraram As Frenéticas, já sob produção do Nelson Motta. Segundo Claudio Tovar, o segredo do sucesso do grupo estava no talento individual de cada um dos seus integrantes. “Eu fazia o cenário e cada um bolava seu próprio figurino. Tudo era muito novo e ousado. Em muitos momentos, as coisas aconteciam por acaso. Pessoas começavam a ver mensagens subliminares em cenários e objetos que estavam ali por acaso e que passavam a ter uma identidade”, revela o ator, que entrou no grupo no verão de 1972, quando ele já existia, depois de assistir a um dos espetáculos. Dessa mesma forma despretensiosa, afirma Tovar, foram criados os personagens que subiam ao palco vestidos de mulher, mas mantendo as pernas cabeludas e a cara cheia de pelos. “Era esse o nosso figurino. Nada parecido com as drag queens às quais queriam nos associar. Era humor inteligente. Era vanguardista e acredito que continuaria sendo até hoje, caso o grupo ainda existisse”, conclui. E foi com essa estética de corpos nus e figurinos inusitados que os Dzi Croquettes ganharam o coração do público, da crítica e da classe artística. Ainda mais famosos, mas com o lado artístico complicado pelo uso de drogas que circulava no mundo de glamour e sucesso, eles voltaram ao Brasil para estrear duas montagens antes da dissolução: “Em Busca do Sucesso” e “Romance”. Foi na época em que estavam com “Romance”, no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, que o produtor cultural e musical Antônio Carlos Pereira, o God, trabalhou com o grupo. “Eu era fã de carteirinha. Fazia parte daquele grupo de cerca de 300 pessoas que assistiam aos espetáculos quando propus que eles fossem fazer uma sessão noturna na casa Hullaballo, da qual eu era proprietário. Eles se apresentavam no Escobar em horário comercial e conosco depois da meia noite. Era um sucesso”, lembra God, que hoje mora na Bahia.

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Internacional

Depois de um período agitado com audições na Europa, Adriano Fanti arrumou um tempo para apresentar aos leitores do Jornal de Teatro as novidades do mundo dos musicais na Inglaterra. Acompanhe!

A Man of No Importance Estreia no Union Theatre, em Londres, o fabuloso musical “A Man of No Importance”, de Lynn Ahren (letras) e Stephen Flaherty (Livreto). Baseado em um filme independente feito em 1994, estrelado por Albert Finney, este musical aborda tanto os clichês do teatro musical quanto a cultura irlandesa e ainda assim consegue ser extremamente charmoso. O filme é uma joia escondida e pertence a uma era em que os “blockbusters” estavam sendo convertidos em peças musicais. Este espetáculo se sobressai em sua integridade de conteúdo como um grande exemplo de que adaptações musicais podem ser muito mais do que a simples reunião de canções batidas e manjadas (jukebox), apresentadas a todo volume. Terrence McNally delicadamente teceu a história por meio de reviravoltas tragicômicas, complementadas pelas letras de substância compostas por Lynn Ahrens. O livreto de Stephen Flaherty, confortável ao invés de cerebral, dá o toque de simplicidade necessária para a peça. A história retrata um motorista de ônibus (Alfie), irlandês de meia idade, que tem verdadeira paixão por teatro amador, poesia e, acima de tudo, pelas obras de Oscar Wilde (com quem conversa em sua imaginação como se o escritor fosse uma espécie de mentor). A controvérsia tem lugar quando Alfie tenta encenar a peça “Salomé” de Wilde em meio à fervorosamente católica Dublin dos anos 60. Alfie Byrne é uma figura local querida por todos, um solteirão (não do tipo atraente) que encanta seus passageiros

Fotos: divulgação

Stephen Flaherty e Lynn Ahren se basearam em filme independente

recitando dramaticamente os poemas de Oscar Wilde. Um dia, ele conhece uma passageira nova chamada Adelle, que o inspira a tentar montar Salomé tendo ela como protagonista. Mas a peça causa ira entre os membros mais conservadores da comunidade (incluindo o açougueiro Carney, que corteja sua irmã Lily), todos eles tentando boicotar Alfie. Mas, ao invés de desistir, ele decide ir adiante e quebrar tabus, uma decisão que o força a encarar o seu eu interior, particularmente em relação aos seus reais

sentimentos por um atraente colega de trabalho, Robbie Fay. O diretor Ben De Wynter juntou um “ensemble” forte que traz vida a seus personagens com total convicção. Paul Clarckson está adorável como Alfie, lidando com estilo e dignidade com todas as complexidades da personagem e sua jornada de autodescobrimento. Paul Monagham resiste à tentação de interpretar a personagem de Carney de forma caricata, conseguindo capturá-la na medida certa. Patrick Kelliher como Robbie; e Roisin Sullivan

Terrence McNally tece história por meio de reviravoltas tragicômicas

como Adelle; caíram como luvas em seu papeis: o livreto musical lhes dá a oportunidade de cantarem ótimas canções, que emocionam e também empolgam o público. É irônico, no entanto, que os musicais que buscam maior conteúdo acabam sendo sempre os de orçamento mais precário e cuja falta de público os impede de suportar longas temporadas. Os musicais mais caros, com cenários mirabolantes que chegam até a roubar o foco do enredo, não parecem sofrer desse problema.

Se há uma deficiência na montagem, isso se dá porque a equipe de criação não parece ter pensado muito na concepção do espetáculo. Restrições de orçamento não são desculpa para falta de imaginação (isso nós brasileiros tiramos de letra e esta produção foi negligente neste sentido, permitindo falhas do tipo de cortinas que não se fecham, objetos cênicos nada funcionais e figurinos que caem aos pedaços durante os núme números de dança. É, faltou mesmo o famoso jeitinho brasileiro para ter resolvido tudo isso.

NOTAS MUSICAL INSPIRADO NO HOMEM-ARANHA TEM ROCKSTAR COMO PROTAGONISTA

DENZEL WASHINGTON TEM PLANOS DE VOLTAR AOS PALCOS

WILL SMITH E JAY-Z PRODUZIRÃO MUSICAL INSPIRADO EM MÚSICO NIGERIANO

A peça “Spider-Man Turn Off The Dark”, que será encenada em breve na Broadway, já encontrou o intérprete para a personagem-título: Reeve Carney, vocalista da banda de rock Carney. Além do cantor, Evan Rachel Wood encarnará, nos palcos, a namorada do herói, Mary Jane; e Alan Cumming será o Duende Verde, o eterno arqui-inimigo. Com estreia prevista para 2010, o musical contará as origens do super-herói aracnídeo e terá Bono Vox e The Edge (ambos da banda irlandesa U2) como compositores das músicas. Embora o projeto conte com uma equipe estrelada, a montagem enfrentou sérias dificuldades para conseguir financiamento. Mas, segundo seus produtores, a peça já encontrou quem banque os mais os mais de US$ 40 milhões previstos para custear a encenação.

A montagem do texto “Fences”, de August Wilson, promete garantir o retorno de Denzel Washington para o teatro. Os produtores Carole Shorenstein Hays e Scott Rudin ainda não acertaram o espaço que sediará a peça na Broadway e nem o restante da equipe, mas prometem que terão no elenco o ator hollywoodiano, que se mantém afastado dos palcos desde 2005, quando encenou “Júlio César”. A última apresentação de “Fences”, que contou com James Earl Jones no papel que será de Washington, conseguiu vencer tanto o prêmio Tony, por melhor peça, quanto o Pulitzer, por melhor drama em 1987. Agora, quem assume a direção do espetáculo é Kenny Leon, que já chegou a dirigir outras duas peças de August Wilson, “Radio Golf” e “Gem of the Ocean”.

“Fela”, musical que leva aos palcos da Broadway a vida de um dos pioneiros do afrobeat, Fela Anikulapo-Kuti, já tem produtores garantidos: os atores Will Smith e Jada Pinkett Smith e o rapper Jay-Z. A participação deles no financiamento da peça, a uma semana de sua estreia, pode garantir o sucesso da história do músico que influenciou gente no mundo inteiro, de Paul McCartney a Gilberto Gil. A montagem reproduz o clube em que Kuti tocou por muitos anos, na cidade de Lagos, na Nigéria. No papel do músico está o ator Sahr Ngaujah, premiado por sua atuação nesse papel na temporada Off-Broadway da peça. Mesmo estreando no circuito principal da cidade, os produtores prometem que não suavizarão os aspectos polêmicos da história de Kuti: seu casamento com 27 mulheres e o engajamento político contra o governo nigeriano estarão todos na trama.

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