Fogo Sobre Terra Cap.05

  • June 2020
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  • Words: 7,006
  • Pages: 27
TV DESTINO Central Destino de Produção

Cap. 05

14/04/2008

FOGO SOBRE TERRA Novela de

Walter de Azevedo Inspirada no original de

Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo

Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo DIOGO CHRISTIANE HEITOR BRUNO VIVI PEDRO NARA CHICA

ZÉ MARTINS BRISA HILDA MUNDICA CELESTE LUZIA VERA VINÍCIUS

LEONOR QUEBRA-GALHO ISABEL ARTHUR IVONE

Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 2

CENA 01. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. NOITE CONTINUAÇÃO. CHRISTIANE ESTÁ OLHANDO SURPRESA E CONTRARIADA PARA DIOGO. CHRISTIANE

— Voltar pro Brasil?

DIOGO

— É. É o que tá escrito aqui.

CHRISTIANE

— Ele só pode estar brincando.

DIOGO

— Meu tio não é de brincar. (p) Eu vou ligar pra ele.

DIOGO VAI ATÉ O TELEFONE ENQUANTO CHRISTIANE OBSERVA. CORTA PARA:

CENA 02. CONSTRUTORA. SALA DE DIOGO. INTERIOR. NOITE HEITOR ESTÁ FALANDO AO TELEFONE, COM BRUNO SENTADO NA SUA FRENTE. HEITOR

— Não tô louco não Diogo. Chamei você pra vir pra cá porque vou precisar muito da sua ajuda. (p) A construtora vai começar um projeto importantíssimo. A construção de uma hidrelétrica. (p) É isso mesmo. Uma hidrelétrica. Mas eu prefiro não falar por telefone. Você pode vir? (p) Essa semana ainda. Pode? (p) Então tá combinado. Eu espero você. E a Christiane e a Vivi? (p) Que bom. Fala que eu mandei um beijo pras duas. (p) Um abraço, meu filho.

HEITOR DESLIGA O TELEFONE. BRUNO

— Ele vêm?

HEITOR

— Vêm. Até o final da semana. Eu faço questão que o Diogo encabece esse projeto Bruno. Questão absoluta.

CORTA PARA:

CENA 03. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. NOITE DIOGO E CHRISTIANE CONVERSAM. ELA ESTÁ BRAVA. CHRISTIANE

— Você não pode estar falando sério comigo Diogo!

DIOGO

— Chris, meu tio tá precisando de mim.

CHRISTIANE

— E por causa disso você joga tudo pro alto e sai correndo?!

DIOGO

— Eu só vou até lá conversar com ele.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 3

CHRISTIANE

— Mas você acabou de dizer que ele quer a sua ajuda numa hidrelétrica!

DIOGO

— Disse. Eu vou até lá, converso com ele e vejo exatamente o que ele quer que eu faça. Quem sabe não é uma boa oportunidade pra minha carreira?

CHRISTIANE

— Pelo amor de Deus, Diogo! Que boa oportunidade? Vai largar uma carreira no Canadá, no primeiro mundo, pra se meter em projeto no Brasil?! Tanta gente querendo sair de lá e você vai fazer o inverso?!

VIVI ENTRA VIVI

— O que foi mamãe? Por que a senhora está brava?

CHRISTIANE

— Vai pro seu quarto, Viviane! Isso aqui é conversa de adultos! Vá fazer o seu dever!

A MENINA, MAGOADA, SAI. DIOGO NÃO GOSTA DA FORMA COMO CHRISTIANE FALA COM A FILHA. DIOGO

— Precisava falar assim com a Vivi, Christiane?

CHRISTIANE

— Eu estou nervosa.

DIOGO

— E por causa disso você desconta na menina?

DIOGO SAI, INDO PARA O QUARTO DE VIVI. CHRISTIANE FAZ UMA EXPRESSÃO ARREPENDIDA PELA FORMA QUE FALOU COM A FILHA. CORTA PARA:

CENA 04. APARTAMENTO DE DIOGO. QUARTO DE VIVI. INTERIOR. NOITE VIVI ESTÁ FAZENDO O DEVER DE CASA, MAS COM UMA EXPRESSÃO TRISTE. DIOGO APARECE NA PORTA E FICA OLHANDO A FILHA, DEPOIS SE APROXIMA. DIOGO

— Precisa de ajuda com o dever de casa?

VIVI OLHA PARA O PAI E SORRI, AINDA TRISTE. VIVI

— Não, papai. A mamãe diz que eu tenho que fazer sozinha.

DIOGO SE AJOELHA AO LADO DA FILHA. DIOGO

— Não fica triste porque a mamãe falou daquele jeito. Ela tá um pouco nervosa.

VIVI

— Eu sei. Eu não devia ter ido lá.

FOGO SOBRE TERRA DIOGO

Capítulo 05

Pag.: 4

— Minha filha, é claro que você deveria ter ido. Nós não somos uma família?

VIVI CONCORDA COM UM MOVIMENTO DE CABEÇA. DIOGO

— Então. Tudo que acontece aqui, comigo e com a sua mãe, também interessa a você.

VIVI

— Mas a mamãe fala que criança não pode ficar se metendo em assunto de adulto.

DIOGO

— Tem coisas que não são pra criança. Que só os adultos podem fazer, ou resolver. Mas quando for assim, nós falamos pra você. A mamãe fez isso, mas como ela tá nervosa, foi um pouco dura. Eu não quero que você fique triste. Tenho certeza de que ela já se arrependeu.

VIVI SORRI. VIVI

— Eu não fico não, papai. Tá tudo bem.

DIOGO BEIJA E ABRAÇA A FILHA. CORTA PARA:

CENA 05. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. NOITE CHRISTIANE ESTÁ SENTADA PENSATIVA NO SOFÁ. DIOGO ENTRA. CHRISTIANE

— Como ela tá?

DIOGO

— Tá bem. (p) Você precisa aprender a se controlar, Christiane.

CHRISTIANE

— Eu sei. Eu faço as coisas e só vejo o estrago depois. Você sabe que eu me arrependo.

DIOGO

— Só que ela é uma criança. Não têm cabeça pra entender isso direito.

CHRISTIANE

— Mas você queria que eu reagisse como depois daquilo que você me falou?

DIOGO

— Christiane, eu não te falei nada demais. Só disse que meu tio quer que eu vá até o Brasil pra conversar com ele.

CHRISTIANE VOLTA A FICAR NERVOSA. CHRISTIANE

— Eu conheço muito bem o seu tio, Diogo! Se ele tá falando isso é porque já enfiou na cabeça que quer você lá! Diogo, você vai me prometer que se ele pedir pra nós voltarmos a morar no Brasil, você não vai aceitar!

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 5

DIOGO

— Chris, calma. Eu preciso primeiro saber o que ele têm a me propor. Pode ser uma coisa boa. Deve ser. Uma hidrelétrica!

CHRISTIANE

— Nem que fosse uma cidade!

CHRISTIANE ESTÁ MUITO ALTERADA. DIOGO

— Christiane...

CHRISTIANE SEGURA OS BRAÇOS DE DIOGO COM FORÇA. CHRISTIANE

— Diogo, nós viemos pra Vancouver pra poder começar uma vida! Aqui somos só nós! Nós e a nossa filha! Você não precisa de mais nada! Você não gosta daqui? Não gosta do seu trabalho? Da nossa casa?

DIOGO

— Gosto, mas isso não quer dizer...

CHRISTIANE

— Então pronto! Você não tem nada que ir pra lá! Esquece essa história. A nossa vida é perfeita.

DIOGO

— Christiane, me escuta.

CHRISTIANE

— Você vai ligar agora pro seu tio e falar que não está interessado.

DIOGO

— Chris...

CHRISTIANE

— Imagina, ele querer que você large tudo. Só se fosse louco.

DIOGO

— Christiane!

DIOGO FALA COM FIRMEZA. CHRISTIANE PÁRA E PRESTA ATENÇÃO NO MARIDO. DIOGO

— Pára com isso! (p) Tá parecendo uma louca. (p) Escuta o que eu vou dizer.

DIOGO SE SENTA, NERVOSO. DIOGO

— Eu não posso dizer não pro meu tio, Christiane. Você sabe disso. Eu devo tudo a ele. Meu estudo, minha pós. Ele é como se fosse meu pai. Se ele tá dizendo que precisa de mim, eu tenho a obrigação de ver o que é. Não posso dar as costas.

CHRISTIANE

— E pra sua família? Pra sua família você pode dar as costas?

DIOGO

— Christiane, não faz drama. O que tem a ver uma coisa com a outra?

CHRISTIANE

— Como não, Diogo? Nós aqui temos uma vida boa. Nossa filha tem uma ótima educação, uma escola excelente. A qualidade de vida é maravilhosa.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 6

Você já pensou em tudo de que nós vamos ter de abrir mão caso você aceite esse convite do seu tio? DIOGO

— Em primeiro lugar, você tá colocando o carro na frente dos bois. Eu não falei que nós vamos pra lugar nenhum. Só tô dizendo que vou falar com meu tio. Vou e volto. Em segundo, caso eu me interesse pela proposta, não vejo nada demais em nós voltarmos.

CHRISTIANE

— Diogo...

DIOGO

— Me deixa acabar de falar.

CONTRARIADA, CHRISTIANE FICA QUIETA. DIOGO

— Eu sei que a vida no Brasil é diferente. Sei que a Vivi pode até estranhar no início, mas não é nada demais. Chris, eu e você fomos criados lá. Você é uma mulher culta, inteligente, educada. Nada impede que a nossa filha, crescendo no Brasil, se torne assim. No Brasil ou em qualquer lugar do mundo.

CHRISTIANE

— Parece que você não lembra de como era a nossa vida.

DIOGO FICA OLHANDO PARA CHRISTIANE EM SILÊNCIO. DIOGO

— Chris, você tá melhor.

CHRISTIANE

— Mas é porque nós estamos sozinhos aqui! Você só têm a mim e eu a você.

DIOGO

— E a nossa filha.

CHRISTIANE

— Claro. A Vivi também. O que eu quero dizer é que...

DIOGO

— O que você quer dizer é que aqui não tem ninguém pra eu dividir a minha atenção. Ela é toda sua.

CHRISTIANE OLHA PARA DIOGO. PARECE MAGOADA. CHRISTIANE

— Não fala assim, Diogo.

DIOGO

— Mas não é verdade?

DIOGO SE LEVANTA E ANDA ATÉ A MESA. TORNA A OLHAR PARA CHRISTIANE. DIOGO

— Quando nós morávamos em São Paulo a nossa vida era um inferno porque você fazia ela assim. Eu não podia ter amigos, não podia falar com ninguém. Você me queria o tempo inteiro. (p) Não podia ver uma mulher perto de mim que já partia pra cima.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 7

CHRISTIANE

— Eu fiz análise Diogo. Melhorei. Eu sei que te infernizei. Tenho consciência das besteiras que eu fiz, mas agora eu estou mudada. Nunca mais fiz nada disso.

DIOGO

— Não fez porque nós viemos pra cá. (p) Há tempos que a minha vida se resume ao meu trabalho e à nossa casa. Eu não tenho amigos aqui, Christiane. Será que não é por isso que você melhorou? (p) Será que se nós tivéssemos continuado em São Paulo as coisas não continuariam as mesmas?

CHRISTIANE

— E você quer colocar isso à prova?

DIOGO

— Não. Eu só quero ir falar com o tio Heitor. Só isso.

CHRISTIANE SORRI NERVOSA PARA DIOGO. CHRISTIANE

— Você quer mesmo ir, não é? Tá bem. Então vá! Se você acha que a nossa felicidade não é importante, então vá!

CHRISTIANE, CHORANDO, SAI CORRENDO EM DIREÇÃO AO QUARTO. DIOGO SE SENTA COM UM AR CANSADO. COMEÇA A TOCAR A MÚSICA “NEVER SURRENDER” DE COREY HART, QUE CONTINUA NA CENA SEGUINTE. CORTA PARA:

CENA 06. APARTAMENTO DE DIOGO. QUARTO DO CASAL. INT. NOITE CHRISTIANE ENTRA CORRENDO E SE JOGA NA CAMA. ELA AGARRA O TRAVESSEIRO ENQUANTO CHORA. DEPOIS, COM RAIVA, COMEÇA A BATER NELE E O ATIRA LONGE. A MOÇA SE ENCOLHE EM POSIÇÃO FETAL ENQUANTO AS LÁGRIMAS ESCORREM. CORTA PARA:

CENA 07. SÃO PAULO. EXTERIOR. NOITE AINDA AO SOM DA MÚSICA DAS CENAS ANTERIORES, A TOMADA MOSTRA VÁRIAS CENAS DE SÃO PAULO À NOITE. CORTA PARA:

CENA 08. RESTAURANTE. INTERIOR. NOITE HEITOR E BRUNO ESTÃO CONVERSANDO ENQUANTO JANTAM. HEITOR

— Diogo é o filho que eu não tive. Criei o menino depois da morte do pai dele e acabei me apegando de verdade. Sempre foi responsável, educado, prestativo. Completamente diferente da Bárbara. Essa só me dá dor de cabeça.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 8

BRUNO SORRI. BRUNO

— Ela já voltou de viagem?

HEITOR

— Voltou nada. Nem sei onde ela está. A última vez que eu falei com ela, estava em Istambul.

BRUNO

— Istambul? Foi fazer o que lá?

HEITOR

— E eu é que vou saber? Mas ela sempre faz isso. Sai daqui dizendo que vai pra um lugar e acaba indo depois pra outro. Só sabe ligar pedindo mais dinheiro.

BRUNO

— E você manda.

HEITOR SORRI. HEITOR

— Reclamo, mas acabo mandando. A Bárbara é a minha única filha. Filha de sangue mesmo. E pra dizer a verdade, eu gosto desse jeito dela. Esse nariz em pé. Essa coisa que ela tem de correr atrás do que quer.

BRUNO

— A verdade é que você faz tudo o que ela quer.

HEITOR

— Faço. Ela sempre foi o furacão da casa. O Diogo era quieto.

BRUNO

— Ele têm um irmão, não têm?

HEITOR FICA SÉRIO. HEITOR

— Têm. O Pedro. Aquele ali é topetudo. Nunca se conformou com a minha ajuda.

BRUNO

— Por quê?

HEITOR FICA PENSATIVO. HEITOR

— Não sei. (p) Desde pequeno foi assim. Não quis ir pra Cuiabá comigo. Preferiu ficar lá em Divinéia mesmo. Eu queria que ele morasse na casa da minha mãe, mas o moleque sempre dava um jeito de voltar pra fazenda. O pedaço de terra que era do pai deles e que eu deixei pros dois. Com o tempo acabei deixando ele ficar por lá mesmo.

BRUNO

— E ele morava com quem lá?

HEITOR

— Com a Nara. (p) É uma índia que trabalhava pros pais deles. (p) Depois que cresceu, eu contratei pra trabalhar pra mim. É capataz lá na fazenda.

BRUNO

— Um engenheiro e o outro peão.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 9

HEITOR

— Pois é. Eu queria que ele estudasse também, mas ele não quis.

BRUNO

— E esse Pedro continua topetudo?

HEITOR

— Continua. (p) Aquele ali é orgulhoso. Só trabalha pra mim por necessidade. Se pudesse, me via pelas costas.

HEITOR FICA COM UM OLHAR PERDIDO. COMO SE PEDRO O INCOMODASSE. CORTA PARA:

CENA 09. FAZENDA DE JOÃO. EXTERIOR. NOITE TOMADA EXTERNA MOSTRANDO A CASA DA FAZENDA. AO SOM DA MÚSICA “TOCANDO EM FRENTE” DE MARIA BETHÂNIA. CORTA PARA:

CENA 10. FAZENDA DE JOÃO. SALA. INTERIOR. NOITE PEDRO ESTÁ SENTADO, EXAMINANDO PAPÉIS NA MESA DE JANTAR E FAZENDO CONTAS EM UMA PEQUENA CALCULADORA. NARA SE APROXIMA E SE SENTA AO LADO DELE. NARA

— O que ocê tanto faz conta?

PEDRO

— Tô vendo se consigo fazê o dinheiro esticar. Tá ficando cada vez mais difícil de tocá essas terra aqui, Nara.

NARA

— Mas ocê num tá conseguino negociá o gado?

PEDRO

— Tô, mas é pouco, Nara. Eu precisava de mais terra pra aumentá a produção. Tê mais boi.

NARA

— Se aquele mardito num tivesse tomado as terra de ocês.

PEDRO

— Pela papelada que eu vi, meu pai devia dinheiro pra ele, Nara.

NARA

— E ocê acredita nisso? No papel nóis pode colocá quarqué coisa. Seu João nunca que ia dexá ocês numa situação assim, Pedrinho.

PEDRO

— Eu também acho que não, mas não tenho como prová. A lei tá do lado dele.

NARA

— Num sei que diaxo de lei é essa que fica do lado de quem num presta. E o que mais me dói é vê ocê tê de trabáia pra ele.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 10

PEDRO

— Se não fosse assim a gente ia perdê as terra, Nara. E eu ia tê que ir embora daqui. É com o salário que ele me pega que eu ainda tô agüentando as pontas.

NARA

— Desaforo isso. Se eu pudesse, acabava com a raça daquele mardito.

PEDRO

— Ocê num gosta dele desde que eu era pequeno. Lembro disso. Por que?

NARA PARECE FICAR SEM SABER O QUE DIZER, E DEPOIS DISFARÇA. NARA

— Esse hóme num presta, Pedrinho. Isso já é motivo mais que suficiente.

PEDRO

— Eu sei, mas quando você fala, parece que têm uma mágoa. Uma raiva que não é gratuita. (p) Seu Heitor já fez alguma coisa procê, Nara?

NARA

— Não. Ele não fez nada.

PEDRO FICA OLHANDO PARA NARA, COMO SE NÃO ACREDITASSE. NARA

— Tá me olhano assim por que? Se eu tô falano que ele não fez nada é porque não fez.

PEDRO

— Nara, se eu algum dia souber que ele lhe fez alguma coisa, eu acabo com a raça dele.

NARA

— Pedrinho, ocê confia em mim, não confia?

PEDRO

— Confio.

NARA

— Então acredite quando eu lhe digo que o Heitor Gonzaga nunca se meteu comigo. Que nunca me fez mal nenhum.

PEDRO PENSA POR ALGUNS INSTANTES. NARA

— Por que ocê num vai vê a sua namorada? Num fico de i lá?

PEDRO

— É. É melhor eu ir mesmo. Chega de ficá aqui esquentando a cabeça com conta.

PEDRO SE LEVANTA. PEDRO

— Tô doido pra vê Chica.

NARA SORRI. NARA

— Ocê namora a melhor moça de Divinéia. Meio maluquinha, é verdade. Sem juízo, às vêz, mas uma boa moça.

PEDRO

— E ocê acha que eu não sei disso?

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 11

NARA

— Eu lembro de tanto que ocê sofreu daquela vêz que ocês terminaram o namoro. E também quando ela foi... Quando ela foi embora com aquele ôtro lá.

PEDRO

— Nara, não vamo fala disso. Ocê sabe que eu não gosto. Isso é coisa do passado. Quando Chica voltou, a gente conversou e...

NARA

— Tá certo. Eu sei. Ocê me descurpa. (p) Vai vê Chica. Ela deve de tá lhe esperano.

PEDRO

— Vou antes que fique tarde.

NARA

— Manda lembrança minha pra eles.

PEDRO

— Mando sim.

PEDRO BEIJA A TESTA DE NARA E SAI. ELA FICA PREOCUPADA. NARA

— Pedrinho nunca que pode sabê o que o mardito do Heitor Gonzaga me fez. Ele pode de fazê uma desgraça.

CORTA PARA:

CENA 11. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. SALA. INTERIOR. NOITE ZÉ MARTINS ESTÁ SENTADO EM UMA POLTRONA E CHICA E PEDRO NO SOFÁ, DE MÃOS DADAS. ZÉ MARTINS

— Tá sendo difícil convencê sua namorada a num i lá na casa de dona Hilda.

PEDRO

— Deixa isso pra lá, Chica. Vai arranja confusão por causa de coisa pouca?

CHICA

— Coisa pouca? Como é que ocê chama de coisa pouca a barraca da quermesse? Pedro, a igreja precisa daquele dinhêro! Se a rainha do sertão lá qué ajudá mesmo, por que não monto uma barraca vendendo outra tranquêra quarqué?

ZÉ MARTINS

— Tô até estranhando a Chica. Ela nunca que gostou de participá dessa quermesse. Dizia que era coisa de caipira. Todo ano ela reclama de ficá naquela barraca.

CHICA

— E num é coisa de caipira? Claro que é! E eu reclamo memo! Mas eu também sei que é importante. Por isso que eu vô. Reclamo, mas vô. Eu dava um braço pra saber por que essa véia gostá tanto de me provocá!

PEDRO

— Porque dona Hilda é assim mesmo. Até parece que ocê não conhece. O que ela pudé fazê pra atazaná a vida de alguém, ela vai fazê. Ainda mais se

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 12

for ocê, que não é nenhuma santa. Ocê também não perde a oportunidade de provocá ela. CHICA

— Claro que eu provoco. Ela merece. Véia gaitêra.

ZÉ MARTINS

— Chica enfrentava dona Hilda desde pequena. As duas nunca se bicaram.

CHICA

— Não mêmo. E qué sabê de uma coisa? Vamo muda de assunto que eu não quero ficá aqui falano nessa bandida.

CHICA SE LEVANTA CHICA

— Vamo dá uma vorta, Pedro.

PEDRO SE LEVANTA. PEDRO

— Dá licença, seu Zé.

ZÉ MARTINS

— Têm toda, Pedro.

PEDRO E CHICA VÃO SAIR, QUANDO BRISA ENTRA, VINDA DA COZINHA. BRISA

— Pedro!

PEDRO

— O que foi?

BRISA

— Eu queria sabê...Queria sabê como é que tá o Bicho-Brabo.

ZÉ MARTINS E CHICA SE OLHAM E RIEM. BRISA FICA BRAVA. BRISA

— Ocês dois pára de gracejo!

CHICA

— Nóis num tá falano nada.

BRISA

— E nem precisa!

ZÉ MARTINS

— É que nóis penso que ocê num gostasse do Bicho-Brabo.

BRISA

— E num gosto. Só que eu me preocupo com o pobre. Ele saiu daqui triste. Eu quero sabê como é que ele tá.

PEDRO

— Ele tá bem. Um pouco chateado, mas tá bem.

BRISA

— Pedro, conversa com ele. Ocês são amigo. Diz pra ele me tirá da cabeça.

PEDRO

— Ocê acha que eu já não tentei isso, Brisa? Ainda hoje falei. Não sei se adiantou muito, não.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 13

BRISA

— Num quero que ele fique sofreno por minha causa, Pedro.

ZÉ MARTINS

— Minha filha, nessas coisas de coração a gente num manda. Ocê acha que é só chegá e pedir pra pará de gostá? Essas coisa leva tempo. Ocê dêxa o Bicho-Brabo que uma hora ele tira ocê da cabeça.

CHICA

— Pai tá certo, Brisa. Quanto mais ocê quisé fazê, pior há de sê. Dêxa ele quéto no canto dele.

BRISA PENSA UM POUCO E CONCORDA COM UM MOVIMENTO DE CABEÇA. CHICA

— Vamo Pedro.

PEDRO E CHICA SAEM. BRISA SE SENTA. BRISA

— Num queria fazê ninguém sofrê, pai. Inda mais o Bicho.

ZÉ MARTINS SORRI PARA A FILHA. ZÉ MARTINS

— Eu sei disso, minha filha. Mas ocê num tem culpa. Nem de ele tê gostado de ocê e nem de ocê num gostá dele. A vida é assim mêmo. Uma hora ele lhe esquece.

BRISA

— Tomara, pai.

CORTA PARA:

CENA 11. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. EXTERIOR. NOITE PEDRO E CHICA ESTÃO NA VARANDA SE BEIJANDO. O RAPAZ A SEGURA FORTE. CHICA

— Ocê tá muito animadinho hoje.

PEDRO

— Tô com saudade de ocê, Chica.

CHEIO DE PAIXÃO, PEDRO CONTINUA BEIJANDO CHICA. CHICA

— Mas é bom ocê se acarmá que senão vô precisá lhe joga um barde d’água.

PEDRO COMEÇA A BEIJAR O PESCOÇO DE CHICA, QUE COMEÇA A FICAR ZONZA. CHICA

— Pára, Pedro. Meu pai póde aparecê.

PADRE

— Não vai. Ele tá lá dentro.

CHICA SORRI E DEIXA PEDRO CONTINUAR. DEPOIS FAZ UMA CARA COMO SE VOLTASSE Á RAZÃO E SE SOLTA DO NAMORADO, FINGINDO ESTAR BRAVA.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 14

CHICA

— Pedro, ocê tirá essas mão de cima de mim! Que coisa! Parece um daqueles musquito cheio de pata.

PEDRO

— Solta por quê, Chica?

CHICA

— Ocê me respeita, Pedro. Eu sô uma moça direita!

PEDRO

— Eu sei disso. Mas acontece que nós dois já...Ocê sabe!

CHICA

— Sei! Sei muito bem! Só que tudo tem sua hora e seu lugar. Ocê num que ficá de sem-vergonhice aqui na varanda da casa com o pai aí do lado?

PEDRO DÁ UM SUSPIRO. PEDRO

— Tá bom, Chica. Eu vô me comportá.

CHICA

— Acho bom.

PEDRO SE SENTA NO DEGRAU DA VARANDA E CHICA SE SENTA AO SEU LADO, DANDO O BRAÇO PARA ELE. CHICA

— Quando ocê chegou, eu achei que ocê tava triste, preocupado.

PEDRO

— É. Tô com uns problema.

CHICA

— Que poblema? Fala pra mim.

PEDRO

— Não é nada. Não quero que ocê se preocupe.

CHICA PASSA A MÃO PELO ROSTO DE PEDRO, FAZENDO COM QUE ELE OLHE PARA ELA. CHICA

— Pedro, nóis vai casá. Se tem arguma coisa preocupano ocê, fala pra mim. Eu quero que ocê divida as coisa comigo. Eu num vô sê sua mulhé?

PEDRO SORRI PARA A NAMORADA. PEDRO

— Ocê tem razão Chica. É que eu não quero...

CHICA

— Ocê num qué trazê poblema pra mim. Eu sei disso. Mas a vida é cheia de poblema. E se nóis têm arguém pra enfretá eles junto com nóis, fica mais fácir. E ocê sabe que eu num sô mulhé de fugi da briga. (p) O que é que tá aconteceno?

PEDRO

— É lá na fazenda.

CHICA

— Do seu Heitor?

PEDRO

— Não na minha.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 15

CHICA

— O que têm a fazenda?

PEDRO

— A coisa tá difícil, Chica. Se continuá assim eu não sei se vou consegui mantê as minhas terra.

CHICA

— Tá assim a coisa?

PEDRO CONFIRMA COM UM MOVIMENTO DE CABEÇA. PEDRO

— Eu trabalho de sol a sol e não consigo tocá a fazenda. (p) Se fosse o meu pai, as coisa iam sê diferentes.

CHICA

— Também num é assim, Pedro. Na época do seu pai as coisa eram diferente. Eram mais fácil. (p) Sem contá essa sêca que tá acabando com Divinéia. Até o seu pai ia tê esses pobrema se tivesse vivo. Mas ia fazê do mesmo jeito que ocê tá fazeno. Ia dá com a cabeça na parede pra num abri mão daquelas terra. Ocê sabe o que eu penso disso.

PEDRO

— Sei. Ocê qué ganha o mundo. Qué que eu jogo tudo pro alto e vá com você. (p) Às vez eu tenho vontade de desistir. De larga isso tudo aqui e caça uma vida nova.

CHICA

— Até parece que ocê consegue ficá longe de Divinéia. Era bom. (p) Pudia de tê um tudo, que nem seu irmão têm, e preferiu ficá aqui, nessa porcaria dessa cidade, só pra num se afasta das terra que foram do seu pai.

PEDRO

— Eu e o Diogo sempre fomos diferentes. Ele sempre pensou mais que eu.

CHICA

— Ele sempre teve foi é mais juízo do que ocê. Foi atrás de uma vida melhor. (p) Mas numa coisa ele errou. Eu acho que Diogo abandonou ocê e Nara. Num manda nem uma notícia!

PEDRO

— Também não é assim, Chica.

CHICA

— Claro que é! O infeliz foi se embora, vortô aqui umas duas vez quando era pequeno e dispois nunca mais. Ele deve de lembra que aquelas terra que ocê cuida também são dele! Devia pelo menos de escreve uma carta perguntando se ocê num tá precisando de nada. Mas sabe por que ele num faz isso? Porque sabe que vai tê uma parte boa das terra do Heitor Gonzaga. É como se fosse filho do hóme!

PEDRO

— Diogo não é assim não, Chica. Ele têm lá os defeito dele, mas não pensa desse jeito não.

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Pag.: 16

CHICA

— Tenho cá minhas dúvida. Num tô dizendo que ele tá errado de aproveita as oportunidade que a vida deu pra ele. Quisera eu tê as chance que ele teve. Só acho que Diogo podia te ajudado ocê e Nara.

PEDRO

— Vâmo falá de outra coisa. Não quero ficá pensando em mais problema.

CHICA

— Ocê veio aqui pra se distraí e eu aqui lhe arreliando.

PEDRO ABRAÇA CHICA. PEDRO

— Ocê nunca me arrelia, Chica. As melhores horas do meu dia eu passo com você.

CHICA SORRI. CHICA

— E num pudia de se diferente.

COMEÇA A TOCAR A MÚSICA “SINÔNIMOS” DE CHITÃOZINHO & XORORÓ E ZÉ RAMALHO enquanto os dois se beijam. CORTA PARA:

CENA 12. DIVINÉIA. EXTERIOR. NOITE TOMADA MOSTRANDO A FACHADA DA CASA DE DONA HILA MARIA AINDA AO SOM DA MÚSICA DA CENA ANTERIOR. CORTA PARA:

CENA 13. CASA DE HILDA. ESCRITÓRIO. INTERIOR. NOITE HILDA ESTÁ SENTADA TOMANDO CHÁ QUANDO MUNDICA ENTRA. MUNDICA

— Dá licença, dona Hilda?

HILDA

— O que você quer?

MUNDICA

— É que acabaro di entrega umas caixa.

HILDA

— Caixas?

MUNDICA

— É pra senhora. Disséro que veio da capitar.

HILDA

— Os bordados!

HILDA SE LEVANTA E SAI DO ESCRITÓRIO, ACOMPANHADA POR MUNDICA. CORTA PARA:

CENA 14. CASA DE HILDA. SALA. INTERIOR. NOITE

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Capítulo 05

Pag.: 17

A SALA ESTÁ CHEIA DE CAIXAS. HILDA AS ABRE E TIRA PACOTES DE BORDADOS ENQUANTO MUNDICA OBSERVA. HILDA

— Perfeito! Absolutamente perfeito! Um mais bonito do que o outro.

MUNDICA

— A senhora me adescurpa pergunta, mas o que a senhora vai fazê com tanto bordado?

HILDA

— Costurar na boca de empregada curiosa e atrevida.

MUNDICA COLOCA A MÃO NA BOCA, ASSUSTADA. HILDA

— Eu encomendei esses bordados todos pra minha barraca na quermesse. Barraca essa na qual você vai trabalhar.

MUNDICA

— Eu?

HILDA

— Mas é claro. Você por acaso acha que eu vou ficar o dia inteiro de pé naquela praça, cercada por um bando de silvículas e vendendo paninho?

HILDA SORRI OLHANDO OS BORDADOS. HILDA

— Mesmo que eles sejam lindos desse jeito. Importados. (p) Se bem que isso vai ser jogar pérolas aos porcos. Bom, pelo menos eu vou estar ajudando a igreja. Tenho certeza de que a minha barraca vai ser a de maior faturamento. A Chica Martins e aqueles paninhos de prato de última categoria dela vão ser completamente ignorados.

MUNDICA

— Mas dona Hilda, a barraca da Chica sempre é uma das que mais vende.

HILDA

— Era! Era a que mais vendia. Agora vai ser a minha. Imagina que eu vou perder praquela roceira desaforada.

MUNDICA PEGA ALGUNS BORDADOS PARA OLHAR. MUNDICA

— Mas esses bordado são bunito por demais.

HILDA DÁ UM TAPA NA MÃO DE MUNDICA, QUE LARGA. HILDA

— Quer fazer o favor de ir tirando as patinhas daí? (p) Claro que são bonitos. Eu tenho bom gosto. Por acaso você acha que eu ia mandar vir alguma porcaria pra cá? (p) Dessa vez eu tenho que dar a mão à palmatória. A inútil da minha nora serviu pra alguma coisa. Eu posso falar o que quiser dela, menos que a infeliz não tem bom gosto.

CORTA PARA:

CENA 15. SÃO PAULO. EXTERIOR. NOITE

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 18

VÁRIAS TOMADAS DE SÃO PAULO AO SOM DA MÚSICA “MEMÓRIA DA PELE” DE JOÃO BOSCO. CORTA PARA:

CENA 16. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE A MÚSICA DA CENA ANTERIOR CONTINUA DURANTE ESSA. CELESTE ESTÁ NA JANELA COM UMA EXPRESSÃO TRISTE. OLHA NO RELÓGIO PARA CONFIRMAR O HORÁRIO, DEPOIS ANDA PELA SALA, ATRAVESSANDO-A EM DIREÇÃO AO SOFÁ. A EMPREGADA ENTRA. LUZIA

— Dona Celeste?

CELESTE

— O que foi, Luzia?

LUZIA

— Eu já posso servir o jantar?

CELESTE

— Não. (p) Eu não vou jantar.

LUZIA

— Sim senhora.

EM VEZ DE SE SENTAR, CELESTE VAI ATÉ A SALA DE JANTAR. CORTA PARA:

CENA 17. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA JANTAR. INTERIOR. NOITE A MESA PARA O JANTAR ESTÁ POSTA. CELESTE ENTRA E A OBSERVA COM TRISTEZA. CELESTE

— Mais uma vez sozinha.

CELESTE OUVE O BARULHO DA PORTA DA SALA SE ABRINDO. ELA SORRI E VAI ATÉ LÁ. CORTA PARA:

CENA 18. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE HEITOR ENTRA NA SALA VINDO DA RUA. CELESTE VEM DA SALA DE JANTAR. CELESTE

— Oi meu amor.

HEITOR

— Oi.

CELESTE BEIJA HEITOR. ELE CORRESPONDE, MAS SEM MUITO ENTUSIASMO. CELESTE

— Você demorou. Fiquei te esperando.

HEITOR

— Muito trabalho.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 19

OS DOIS SE SENTAM NO SOFÁ. CELESTE

— Quer que eu prepare alguma coisa pra você beber?

HEITOR

— Não. Não quero.

CELESTE

— Eu vou mandar a Luzia servir o jantar.

HEITOR

— Não precisa Celeste. Eu já jantei.

CELESTE FAZ UMA EXPRESSÃO DECEPCIONADA, MAS QUE HEITOR NÃO PERCEBE. CELESTE

— Já?

HEITOR

— Eu precisava acertar umas coisas com o Bruno. Nós acabamos saindo e comendo alguma coisa.

CELESTE

— Você... Você podia ter me avisado. Eu fiquei lhe esperando.

HEITOR

— Desculpe, meu amor. Esqueci completamente.

HEITOR SE LEVANTA E DÁ UM BEIJO NA TESTA DA MULHER. HEITOR

— Tudo o que eu quero agora é tomar um banho e dormir.

HEITOR VAI ANDANDO EM DIREÇÃO AO CORREDOR, MAS VOLTA. HEITOR

— Já estava me esquecendo. O Diogo vai passar uns dias aqui.

CELESTE

— O Diogo?

HEITOR

— É. Eu pedi que ele viesse. Quero falar com ele sobre a construção da hidrelétrica.

CELESTE

— Quando ele chega?

HEITOR

— Até o final da semana.

CELESTE

— A Christiane e a Vivi vem com ele?

HEITOR

— Não sei. Depois eu vejo tudo isso e lhe falo. Boa-noite, meu amor.

CELESTE

— Boa-noite.

HEITOR SAI, DEIXANDO CELESTE TRISTE PELA POUCA ATENÇÃO QUE O MARIDO LHE DÁ. CORTA PARA:

CENA 19. SÃO PAULO. EXTERIOR. MANHÃ

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 20

AO SOM DA MÚSICA “JADE” DE PEDRO MARIANO, SURGEM CENAS DE VÁRIOS PONTOS DE SÃO PAULO, QUE CULMINAM COM O PRÉDIO DA CONSTRUTORA GONZAGA. CORTA PARA:

CENA 20. CONSTRUTORA. SALA DE PROJETOS. INTERIOR. MANHÃ EDUARDA E ANDRÉ ESTÃO CONVERSANDO. EDUARDA

— O poderoso chefão te disse isso?

ANDRÉ

— Com todas as letras. Falou que conta comigo pro novo projeto da construtora. Projeto grande e importante.

EDUARDA

— Tá na cara que é a hidrelétrica.

ANDRÉ

— Lógico.

EDUARDA

— Então você já tá com o pé lá. (p) André, eu não posso ficar fora dessa. Eu tenho que dar um jeito de conseguir entrar nesse projeto.

ANDRÉ

— Se eu for mesmo trabalhar nele, vou dar um jeito de te puxar. (p) Tenho que sair agora. Visitar uma obra. Depois a gente se fala.

EDUARDA

— Tá bom.

ANDRÉ SAI, DEIXANDO EDUARDA PENSATIVA. EDUARDA

— Não vou ficar esperando não. Sempre corri atrás do que eu quis e não vai ser diferente agora.

EDUARDA SAI. CORTA PRA:

CENA 21. CONSTRUTORA. ANTE-SALA. INTERIOR. MANHÃ A SALA ESTÁ MOVIMENTADA. EDUARDA SAI DA SALA DE PROJETOS E VAI ATÉ A SECRETÁRIA, VERA. EDUARDA

— Oi Verinha.

VERA

— Oi Duda.

EDUARDA

— Me diz uma coisa. O Bruno tá na sala dele?

VERA

— Tá.

EDUARDA

— Tá sozinho ou acompanhado?

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

VERA

— Sozinho.

EDUARDA

— Vou lá falar com ele então.

VERA

— Quer que eu avise?

EDUARDA

— Não.

Pag.: 21

EDUARDA SORRI E PISCA PARA VERA, QUE SORRI DE VOLTA. CORTA PARA:

CENA 21. CONSTRUTORA. SALA DE BRUNO. INTERIOR. MANHÃ BRUNO ESTÁ EM SUA MESA TRABALHANDO. EDUARDA BATE À PORTA E ENTRA. EDUARDA

— Muito ocupado?

BRUNO SORRI. BRUNO

— Tô, mas pra você eu arranjo um tempo.

EDUARDA SE SENTA EM UMA CADEIRA NA FRENTE DA MESA DE BRUNO. EDUARDA

— Bom saber que eu tenho um certo prestígio.

BRUNO

— Você sabe que comigo, tem o que quiser.

EDUARDA

— Cantada barata, Bruno. Eu mereço coisa melhor.

OS DOIS SORRIEM. BRUNO

— Quer falar comigo?

EDUARDA

— Quero e é sobre um assunto que nós já falamos. A hidrelétrica.

BRUNO

— O que tem ela?

EDUARDA

— Têm que você tá sabendo o quanto eu quero trabalhar nessa obra.

BRUNO

— Sei. Assim que começarem a formar a equipe eu vou falar de você. Aliás, já falei pro Heitor.

EDUARDA

— E o que ele disse?

BRUNO

— Que gosta muito do seu trabalho e que você está nos planos dele.

EDUARDA

— Tá falando sério, Bruno?

BRUNO

— Seríssimo. Pode ficar tranqüila que você vai entrar no projeto.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 22

EDUARDA

— Poderoso já falou com o André.

BRUNO

— Eu não tava sabendo disso.

EDUARDA

— O próprio André quem me disse. Não vá contar que ele me falou.

BRUNO

— Claro que não.

EDUARDA SE LEVANTA. EDUARDA

— Já que você me garante que eu tenho o meu lugarzinho, vou voltar pro meu trabalho que eu tenho muito o que fazer. Beijinho.

EDUARDA SE LEVANTA PARA SAIR. BRUNO

— Eduarda. O que você acha de nós dois...sairmos pra jantar hoje à noite?

EDUARDA

— Hoje?

BRUNO

— É. Você tem algum outro compromisso?

EDUARDA

— Não. Não tenho.

BRUNO

— Então... Fica combinado?

EDUARDA

— Te espero às nove horas. Você passa lá em casa e a gente sai.

EDUARDA SORRI E SAI DA SALA, DEIXANDO BRUNO SATISFEITO. CORTA PARA:

CENA 22. CUIABÁ. EXTERIOR. MANHÃ TOMADA AÉREA MOSTRANDO CENAS DE CUIABÁ ENTRA A LEGENDA: “CUIABÁ”. CORTA PARA:

CENA 23. APARTAMENTO DE LEONOR. INTERIOR. MANHÃ VINÍCIUS ENTRA EM CASA, VINDO DA FACULDADE. VINÍCIUS

— Cheguei, mãe!

VINÍCIUS JOGA A MOCHILA NO CHÃO E SE DEITA NO SOFÁ. LEONOR ENTRA. LEONOR

— Oi meu filho.

LEONOR DÁ UM BEIJO EM VINCÍCIUS.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 23

LEONOR

— Deixei comida pra você no forno. Tô super atrasada. A supervisora pediu pra eu chegar antes das onze e meia hoje e olha só que horas são.

VINÍCIUS

— Eu preciso falar com a senhora.

LEONOR

— Precisa ser agora? Se eu perder o ônibus...

VINÍCIUS

— É rapidinho. Vou precisar comprar uns livros pra faculdade.

LEONOR

— Comprar, filho? Não dá pra você copiar?

VINÍCIUS

— Não. É muita coisa. Vou usar o curso todo.

LEONOR

— São muito caros?

VINÍCIUS

— Devem ser.

LEONOR

— A gente tá numa situação tão difícil. Ainda não paguei o condomínio do mês passado.

VINÍCIUS

— E como é que a gente faz?

LEONOR

— Não sei. (p) Mas eu vou dar um jeito. Sempre dou.

VINÍCIUS

— Se a senhora falasse com o meu pai...

LEONOR

— Essa história de novo, Vinícius? Já cansei de falar que não quero nada dele!

VINÍCIUS

— Mas não vai ser pra senhora. Vai ser pra mim.

LEONOR

— Vinícius, eu já disse que não. (p) Eu sei que ele é seu pai, mas quando eu saí daquela fazenda jurei que nunca ia precisar dele. Nem pra mim e nem pra você. Até hoje eu consegui isso. Não é agora que vai mudar.

VINÍCIUS

— Tá bom, dona Leonor. Mas que a nossa vida podia se muito mais tranqüila, isso podia.

LEONOR

— Podia, mas não é.

LEONOR FAZ UM CARINHO NA CABEÇA DO FILHO. LEONOR

— De noite a gente se fala.

VINÍCIUS

— Tá.

LEONOR SAI. VINÍCIUS

— Mas que podia, podia.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 24

CORTA PARA:

CENA 24. PRÉDIO DE LEONOR. EXTERIOR. MANHÃ LEONOR SAI DO PRÉDIO E PÁRA NA CALÇADA. ESTÁ PENSATIVA. LEONOR

— Será que eu nunca vou ter sossego? Será que esse Arthur Braga vai estar sempre metido na minha vida?

CORTA PARA:

CENA 25. FAZENDA DE ARTHUR. EXTERIOR. TARDE QUEBRA-GALHO E MAIS DOIS PEÕES ESTÃO CONVERSANDO NA FRENTE DA CASA. UM HOMEM POBRE VEM SE APROXIMANDO, AO LADO DE SUA FILHA, UMA MENINA DE APROXIMADAMENTE TREZE ANOS. OS RAPAZES PARAM DE CONVERSAR QUANDO ELE CHEGA. HOMEM

— Aqui é a fazenda do coroné Arthur Braga, num é?

QUEBRA

— É sim sinhô.

ISABEL APARECE NA VARANDA. ELA É ALTIVA E TÊM UMA POSTURA DURA E FRIA. HOMEM

— Será que... Eu podia falá com ele?

QUEBRA

— Eu num sei. O sinhô precisa...

ISABEL

— O que foi, Quebra-Galho?

TODOS OLHAM PARA ISABEL, QUE ESTÁ NO TOPO DA ESCADARIA DA FAZENDA. QUEBRA-GALHO, O HOMEM E SUA FILHA, ANDAM ATÉ LÁ. QUEBRA

— Dona Isabel, esse moço aqui tá quereno falá com o coroné Arthur.

ISABEL

— Qual é o assunto?

HOMEM

— É que eu fiquei sabeno que o coroné... Que ele ajuda as menina que precisa.

ISABEL OLHA A MENINA DE CIMA A BAIXO. ISABEL

— Pode ir, Quebra-Galho. Deixa que eu cuido desse assunto.

QUEBRA

— Sim senhora. Dá licença.

QUEBRA-GALHO SE AFASTA E VAI SE JUNTAR AOS OUTROS PEÕES. ISABEL

— O senhor aguarda um pouco. Eu vou falar com o coronel.

FOGO SOBRE TERRA HOMEM

Capítulo 05

Pag.: 25

— Eu aguardo.

ISABEL ENTRA NA CASA. O HOMEM E A FILHA FICAM LÁ, OBSERVADOS POR QUEBRA-GALHO E OS PEÕES, QUE CONVERSAM ENTRE SI. CORTA PARA:

CENA 26. FAZENDA DE ARTHUR. SALA. INTERIOR. TARDE ISABEL ENTRA NA SALA VINDA DE FORA E ANDA ATÉ O ESCRITÓRIO. A TOMADA MOSTRA A AMPLA SALA DA FAZENDA. CORTA PARA:

CENA 27. FAZENDA DE ARTHUR. ESCRITÓRIO. INTERIOR. TARDE ISABEL BATE NA PORTA E ENTRA. A TOMADA É MOSTRADA DO PONTO DE VISTA DE ARTHUR, PORTANTO, ELE NÃO É MOSTRADO DURANTE TODA A CENA. ISABEL

— Coronel?

ARTHUR

— O que foi?

ISABEL

— Tem um colono querendo falar com o senhor.

ARTHUR

— Colono? O que ele quer?

ISABEL

— Ele... Trouxe a filha dele. (p) Disse que ficou sabendo que o senhor costuma ajudar as meninas.

ARTHUR

— E quantos anos ela têm?

ISABEL

— Aparenta ter uns treze, quatorze, mas essa gente nós nunca podemos ter certeza. (p) O que eu faço? Dispenso ou...

ARTHUR

— Eu vou lá falar com ele.

A CAM MOSTRA AS BOTAS DE ARTHUR QUANDO ELE SE LEVANTA E ANDA EM DIREÇÃO À PORTA. CORTA PARA:

CENA 28. FAZENDA DE ARTHUR. COZINHA. INTERIOR. TARDE IVONE ESTÁ LAVANDO A LOUÇA. QUEBRA-GALHO ENTRA. PARECE DESANIMADO. A ESPOSA DELE PERCEBE. IVONE

— Tá com essa cara por que, Quebra-Galho? Aconteceu arguma coisa?

QUEBRA

— Têm um hóme aí na porta.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 26

IVONE

— Hóme? Que hóme?

QUEBRA

— Um disinfeliz quarqué. (p) Trouxe a filha pra vê se o coroné pode de... Ajudá.

IVONE

— Mais uma?

QUEBRA

— Mais uma. E do jeito que esse povo por aqui véve na miséria, inda vai aparecê um bando delas.

IVONE

— Eu num entendo é como é que um hóme desse pode fazê essas coisa.

QUEBRA

— Eu tenho muito medo, Ivone. Tenho medo pela nossa filha.

IVONE

— Ele que num se meta a besta! Que nem óie pra ela. Eu sô capaz de fazê uma bestêra!

QUEBRA

— Eu também. Por isso é bom nóis mantê ela bem longe aqui da casa dele. Bem longe.

OS DOIS SE OLHAM. ISABEL ENTRA NA COZINHA. ISABEL

— Tá fazendo o que aqui na cozinha, Quebra-Galho?

QUEBRA

— Nada não, dona Isabel. Vim só trocá um dedo de prosa mais minha mulhé.

ISABEL

— Vocês dois estão em horário de trabalho. Conversem na casa de vocês. Agora volte pro seu serviço.

QUEBRA

— Sim senhora. Dá licença.

QUEBRA-GALHO SAI. ISABEL

— Ivone, sobrou almoço, não foi?

IVONE

— Sobrô bastante, sim senhora.

ISABEL

— Você então prepara dois pratos. Tem um homem aí fora pedindo ajuda. Um prato pra ele e outro pra filha.

IVONE

— Sim senhora.

ISABEL

— Quando for pra levar os pratos eu lhe chamo.

ISABEL SAI. IVONE CORTA PARA:

— Peste! Ruim que nem o patrão.

FOGO SOBRE TERRA

Capítulo 05

Pag.: 27

CENA 29. FAZENDA DE ARTHUR. EXTERIOR. TARDE A TOMADA MOSTRA DO ALTO A FRENTE DA CASA E O HOMEM E A FILHA PARADOS AOS PÉS DA ESCADA, ESPERANDO. A GRUA VAI DESCENDO ENQUANTO OS PÉS DE HEITOR VÃO APARECENDO NA ESCADARIA. ELE CAMINHA ATÉ METADE DA ESCADARIA E A CAM ENTÃO MOSTRA O CORONEL POR INTEIRO. ELE TÊM UM OLHAR DURO. ARTHUR

— Quem quer falar comigo?

A CAM DÁ UM CLOSE NO ROSTO DE ARTHUR. A IMAGEM CONGELA E UM EFEITO DE ONDA INVADE A TELA. A ÁGUA SE TRANSFORMA EM FOGO.

FIM DO CAPÍTULO

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