TV DESTINO Central Destino de Produção
Cap. 13
14/04/2008
FOGO SOBRE TERRA Novela de
Walter de Azevedo Inspirada no original de
Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo
Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo ARTHUR LEONOR HEITOR BRUNO DIOGO EDUARDA ANDRÉ BÁRBARA CELESTE BICHO-BRABO MÉDICO SALIN
FRIDA MINERVINA MADALENA TIANA BALBINA ZORAIDE ZULMIRA IVONE CHICA HILDA MUNDICA NARA
DONANA ISABEL ESTRADA DE FERRO BRISA PADRE LUÍS ADALGISA BRENO TALITA LEILA GUSTAVO
Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
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CENA 01. APARTAMENTO DE LEONOR. SALA. INTERIOR. MANHÃ CONTINUAÇÃO. ARTHUR ESTÁ PARADO NA PORTA. LEONOR ESTÁTICA, PARECE TER LEVADO UM TAPA INESPERADO. NÃO SABE O QUE FAZER E NEM COMO REAGIR. ARTHUR
— Pela sua cara acho que eu sou a última pessoa que você esperava ver.
LEONOR
— Eu... Eu não sei o que falar. Vai embora, Arthur.
ARTHUR
— Leonor, a gente precisa conversar.
LEONOR PASSA DA LETARGIA PARA O NERVOSISMO. LEONOR
— Eu não tenho nada pra falar com você! Vai embora!
LEONOR TENTA FECHAR A PORTA, MAS ARTHUR IMPEDE, COLOCANDO O CORPO NO CAMINHO. ARTHUR
— Leonor, por favor, vamos conversar.
LEONOR
— Já falei que não quero! Quero que você vá embora e esqueça que eu existo!
ARTHUR
— Leonor, já passou tanto tempo. Me dá uma chance de falar com você. Eu sei que eu errei, mas isso foi no passado. Eu não vim aqui brigar e nem quero te criar nenhum tipo de problema. Eu só quero conversar. Quero falar sobre o nosso filho, saber como ele está. (p) Por favor, Leonor.
LEONOR PENSA POR ALGUNS INSTANTES E, A CONTRA GOSTO, ABRE A PORTA INTEIRA, PERMITINDO A ENTRADA DE ARTHUR. LEONOR
— Tá bem, Arthur. Entra.
ARTHUR
— Dá licença.
ARTHUR ENTRA E LEONOR FECHA A PORTA. LEONOR
— Você têm cinco minutos pra me falar o que quer. Eu preciso ir trabalhar.
ARTHUR
— Então talvez seja melhor nós almoçarmos juntos. Assim a gente pode conversar com mais tempo.
LEONOR
— De jeito nenhum! Arthur, por mim, nem esses cinco minutos eu ficava mais perto de você. Eu quero distância de você, Arthur Braga!
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Capítulo 13
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ARTHUR
— Tá bom! Já entendi isso. (p) Eu vou ser rápido... Ou pelo menos tentar. (p) Leonor, eu quero... Eu andei pensando e acho que tá mais do que na hora de eu começar a participar mais da vida do Vinícius.
LEONOR
— Como é?
ARTHUR
— É isso mesmo que você ouviu. Eu quero me aproximar do meu filho.
CORTA PARA:
CENA 02. SÃO PAULO. EXTERIOR. MANHÃ TOMADAS DE SÃO PAULO DE MANHÃ AO SOM DA MÚSICA “AMARGO” DE ZECA BALEIRO. DESTAQUE FINAL PARA O PRÉDIO DA CONSTRUTORA. CORTA PARA:
CENA 03. CONSTRUTORA. SALA DE HEITOR. INTERIOR. MANHÃ HEITOR ESTÁ EM SUA MESA, ABRINDO OS E-MAILS, COM BRUNO DE PÉ AO SEU LADO. HEITOR
— Fala logo de uma vez, Bruno! O que foi que essa porcaria de relatório de impacto ambiental disse?
BRUNO
— Você vai ler aí.
HEITOR
— Tá aqui.
HEITOR COMEÇA A LER SILENCIOSAMENTE. BRUNO
— Achei que foi melhor do que nós esperávamos.
HEITOR
— É. Ele aponta alguns problemas, mas também não vai totalmente contra. É um relatório morno.
BRUNO
— Bota morno nisso. Nós dois sabemos que o impacto vai ser muito maior do que esse que tá aparecendo aí.
HEITOR
— Gastei muito dinheiro pra que ele fosse assim.
BRUNO
— Mas valeu a pena.
HEITOR
— Valeu. Tenho certeza de que, com esse relatório, a construção da usina vai ser aprovada bem rápido.
HEITOR SE LEVANTA E VAI ATÉ A JANELA. BRUNO
— E... Você têm mesmo certeza de que nós vamos ser os ganhadores da concorrência? Vai ter muita gente querendo essa boquinha.
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Capítulo 13
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HEITOR
— Certeza absoluta, a gente nunca têm, mas esse é um jogo de cartas marcadas, Bruno. Eu tô jogando pesado pra ganhar. Não vou deixar essa oportunidade fugir das minhas mãos. Vai ser bom pessoalmente e profissionalmente.
BRUNO
— Você têm muitas terras naquela região, não têm?
HEITOR
— Quase tudo ali é meu.
BRUNO
— Mas então...
HEITOR
— Vou supervalorizar, Bruno. Ganhar o dobro com a indenização.
BRUNO SORRI. BRUNO
— E ainda ganha com a construção da barragem.
HEITOR
— Da barragem e da nova Divinéia. Vai ser o maior negócio da minha vida. (p) Você acha mesmo que eu vou deixar outro ganhar essa concorrência no meu lugar?
BRUNO
— Não. Eu tenho certeza de que não.
HEITOR
— É só continuar fazendo tudo certinho, como eu fiz até agora. Daqui há uns seis meses, no máximo, nós vamos estar lá em Divinéia, começando a construção da hidrelétrica.
CORTA PARA:
CENA 04. CONSTRUTORA. SALA DE PROJETOS. INTERIOR. MANHÃ DIOGO, EDUARDA E ANDRÉ CONVERSAM. EXISTE UM CLIME ENTRE DIOGO E A MOÇA, E ANDRÉ PARECE FICAR INCOMODADO. EDUARDA
— Então você é o famoso Diogo?
DIOGO
— Eu sou o Diogo... Mas não sabia que era tão famoso assim.
ANDRÉ
— Eduarda tá exagerando.
EDUARDA
— Não estou não. Seu tio fala o tempo inteiro em você.
DIOGO
— O tio Heitor gosta muito de mim. E eu dele.
EDUARDA
— Ele fala como se você fosse um filho.
DIOGO
— Nossa relação é mais ou menos essa mesmo. Eu fui morar com ele quando era pequeno. Tio Heitor acabou de me criar.
EDUARDA
— Mas... Você não mora no Canadá? Tá de férias?
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Capítulo 13
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DIOGO
— Não. Meu tio me chamou.
ANDRÉ
— Eduarda, você não precisa vistoriar a obra da Paulista?
EDUARDA
— Preciso. (p) Se eu conheço o Doutor Heitor, ele deve ter lhe chamado pro projeto da hidrelétrica, não é?
DIOGO
— Eu... É, foi isso. Vocês já estão sabendo de tudo?
ANDRÉ
— Tudo, tudo, não. Só sabemos que ela deve ser construída na região de Divinéia.
DIOGO
— É. É isso mesmo.
EDUARDA
— Seu tio inclusive já disse que eu e o André vamos participar.
DIOGO
— Verdade?
EDUARDA
— É. Eu ficaria muito feliz de poder trabalhar ao seu lado.
DIOGO
— Eu... Também gostaria.
DIOGO E EDUARDA SE OLHAM POR ALGUNS INSTANTES, ESQUECENDO DA PRESENÇA DE ANDRÉ. ANDRÉ
— Eduarda.
EDUARDA
— O que foi?
ANDRÉ
— A obra da Paulista.
EDUARDA
— É verdade. Eu tenho que ir. (p) Diogo, você não quer vir comigo?
DIOGO
— Agora?
EDUARDA
— É. Eu preciso vistoriar a obra. Você vêm comigo, a gente conversa, almoça junto. Topa?
DIOGO
— Eu ia adorar, mas acho que não vou poder. Meu tio deve ter outros planos.
ANDRÉ
— Pode apostar nisso.
EDUARDA
— Que pena. Bom, então fica pra uma próxima.
DIOGO
— Da próxima vez eu aceito o seu convite.
EDUARDA
— Vou cobrar.
DIOGO
— Pode cobrar.
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Capítulo 13
EDUARDA
— Então... Até outra hora.
DIOGO
— Até.
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EDUARDA SAI. ANDRÉ
— Cuidado, Diogo.
DIOGO
— Cuidado? Cuidado com o quê?
ANDRÉ
— A Eduarda é linda, sedutora e muito inteligente.
DIOGO
— E isso significa?
ANDRÉ
— Significa exatamente o que eu te disse. Cuidado.
DIOGO SORRI, ENTENDENDO O RECADO DO AMIGO. CORTA PARA:
CENA 05. APARTAMENTO DE HEITOR. QUARTO DE BÁRBARA. INT. MANHÃ BÁRBARA ESTÁ TERMINANDO DE SE ARRUMAR. BATEM NA PORTA. BÁRBARA
— Pode entrar.
CELESTE ENTRA. CELESTE
— Bom dia.
BÁRBARA
— É, né.
CELESTE
— Não acreditei quando a Luzia disse que você havia acordado cedo e tomado café.
BÁRBARA
— Tá vendo? Eu não sou tão preguiçosa quanto você pensa. (p) Na verdade eu sou sim. Sou até mais. Acontece que hoje eu tenho um compromisso.
CELESTE
— Compromisso? Tão cedo?
BÁRBARA
— Pra você ver. É o final dos tempos. (p) O que você quer, Celeste? Veio só conferir se a Luzia tinha falado a verdade ou quer me dizer alguma coisa?
CELESTE
— Nada de especial. Só fiquei curiosa mesmo. Achei que você poderia estar... Doente.
BÁRBARA OLHA SÉRIA PARA CELESTE.
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CELESTE
— Você não teve nenhuma recaída durante a viagem, teve?
BÁRBARA
— Não. Não tive. Ficou triste?
CELESTE
— Que horror, Bárbara. Do jeito que você fala até parece que eu quero que a sua doença piore.
BÁRBARA
— Eu não sou doente, Celeste!
CELESTE
— É verdade. Esqueci que você não gosta de tocar no assunto. (p) Vou deixar você terminar de se arrumar.
BÁRBARA DÁ UM SORRISO FALSO E ACENA PARA CELESTE, QUE RETRIBUI. CELESTE SAI E O SORRISO DESAPARECE DO ROSTO DE BÁRBARA. BÁRBARA
— Cobra.
CORTA PARA:
CENA 06. CUIABÁ. EXTERIOR. MANHÃ TOMADAS MOSTRANDO OS PONTOS TURÍSTICOS DE CUIABÁ. CORTA PARA:
CENA 07. APARTAMENTO DE LEONOR. SALA. INTERIOR. MANHÃ ARTHUR, SENTADO, CONVERSA COM LEONOR. ELA ESTÁ DE PÉ. LEONOR
— Arthur, você falou, falou, mas não me disse exatamente o que você quer.
ARTHUR
— Como não, Leonor? Acho que eu fui claro o suficiente. Eu quero ter mais contato com o Vinícius.
LEONOR
— Não.
ARTHUR
— Como não?
LEONOR
— Não. Eu não concordo. Se era só isso, você pode ir embora.
ARTHUR
— Pelo amor de Deus, Leonor! Pára com isso! Vamos conversar direito!
LEONOR
— Eu já disse que não tenho nada pra con...
ARTHUR
— Você não têm! Mas eu não tô aqui pra falar de você! Tô aqui pra falar do nosso filho. Nosso, Leonor. Não seu! Nosso!
LEONOR FICA EM SILÊNCIO.
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ARTHUR
— Eu entendo que você tenha me deixado. Tanto entendo que não fiz nada pra lhe impedir.
LEONOR
— Não fez porque se fizesse eu ia até o delegado.
ARTHUR
— Não seja, ridícula, Leonor! Você acha que foi por isso mesmo? (p) Eu não sou esse monstro que você pensa. Nunca iria fazer nada contra você. É lógico que eu não queria que você me abandonasse, mas era sua a decisão. (p) Na hora da briga a gente fala algumas coisas, mas que são da boca pra fora. (p) Eu jamais usaria a força contra você, Leonor. Jamais.
LEONOR
— Isso não interessa mais, Arthur.
ARTHUR
— Também acho. Isso só diz respeito a nós dois e eu vim aqui pra falar do Vinícius.
LEONOR
— Ele está muito bem longe de você.
ARTHUR
— Isso é o que você acha.
LEONOR
— Não é o que eu acho. É o que eu sei. Durante esse tempo todo eu fiz das tripas, coração pra poder suprir a ausência de um pai. Fiz isso muito bem. O Vinícius cresceu sem a sua presença. É um menino bom, de boa índole, honesto, responsável. Tudo isso eu consegui sem você!
ARTHUR
— Eu não duvido disso. Acontece que ele têm um pai. E ele sabe disso. Por mais que você tenha feito, eu tenho certeza de que o Vinícius me quer por perto. (p) Leonor, isso é natural.
LEONOR
— Natural porque ele não sabe quem você é.
ARTHUR
— Leonor, pára de falar disso! É passado! Acabou! (p) Eu mereço uma chance de me reaproximar do meu filho. Ele também merece isso! Se depois ele se decepcionar comigo, tudo bem. Ele se afasta. Mas é uma opção dele. Não agüento mais falar com o Vinícius uma vez por ano pelo telefone. Isso não é relacionamento que um pai e um filho devem ter.
LEONOR
— Foi você quem cavou isso.
ARTHUR
— Eu sei, mas ele não. (p) Leonor, eu quero estar ao lado do meu filho. Quero ajudar...
LEONOR
— Ele não precisa da sua ajuda! Não falta nada pro meu filho!
ARTHUR
— Não seja cabeça dura! O menino tava sem dinheiro até pra comprar livro pra...
ARTHUR PÁRA, PERCEBENDO QUE FALOU DEMAIS. LEONOR COMPREENDE.
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LEONOR
— Então aqueles livros... Aqueles livros não eram emprestados! Eram dele! Você... Você mandou dinheiro pra ele?
ARTHUR
— Falei demais.
LEONOR
— Então é verdade? Você mandou dinheiro pra ele comprar os livros?
ARTHUR
— Leonor, ele me ligou. Disse que precisava dos livros e que estava sem dinheiro. Você sabe que eu tenho condições. Qual é o problema de eu ajudar meu filho a comprar os livros que ele precisa pra faculdade?
LEONOR
— Eu vou conversar com o Vinícius! Ele não podia ter feito isso! Não podia!
ARTHUR
— Leonor...
LEONOR
— Chega.
LEONOR ABRE A PORTA. LEONOR
— Vai embora, Arthur.
ARTHUR
— Mas a gente ainda não acabou de conversar.
LEONOR
— Já. Nós já acabamos. Por favor.
ARTHUR SE LEVANTA E VAI ATÉ A PORTA. ARTHUR
— Leonor, o Vinícius têm quase dezoito anos. Você não vai poder afastar ele de mim por muito tempo. Logo a opção vai ser dele. Eu só estou tentando fazer isso da melhor forma possível, sem tentar passar por cima da sua autoridade com ele.
LEONOR NÃO FALA NADA. ARTHUR SAI E ELA FECHA A PORTA, DEPOIS SE SENTA NO SOFÁ E COMEÇA A CHORAR. CORTA PARA:
CENA 08. DIVINÉIA. EXTERIOR. TARDE TOMADA MOSTRANDO A PRAÇA PRINCIPAL DE DIVINÉIA, AO SOM DA MÚSICA “DIVINÉIA” DE EUSTÁQUIO SENA. PEDRO CHEGA DE JEEP E ESTACIONA NA PORTA DO HOSPITAL, QUE ESTÁ CHEIO. DESCE DO AUTOMÓVEL E ENTRA. CORTA PARA:
CENA 09. HOSPITAL. QUARTO DE BICHO-BRABO. INTERIOR. TARDE
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BICHO-BRAVO ESTÁ TERMINANDO DE PEGAR AS SUAS COISAS PARA IR EMBORA. O MÉDICO ESTÁ AO SEU LADO. MÉDICO
— Eu estou lhe dando alta, mas você precisa me prometer que não vai fazer nenhum esforço.
BICHO-BRABO — Eu sou peão, Doutor. Como é que num vô fazê esforço? MÉDICO
— O tiro que você tomou poderia ter lhe matado.
BICHO-BRABO — Mas num matô. PEDRO ENTRA. PEDRO
— Tarde.
BICHO-BRABO — Oi, Pedro. MÉDICO
— Boa tarde.
PEDRO
— O hóme já tá pronto pra ir embora?
BICHO-BRABO — Fiquei aqui foi é tempo demais. MÉDICO
— Pedro. Bicho-Brabo não tá levando o que aconteceu a sério. Ele não pode se esforçar. Você sabe que, por mim, ele ainda ficava mais uns dias, mas esse aí parece que vai morrer se continuar no hospital.
PEDRO
— Pode deixar que eu cuido disso, Doutor. O Lucena já tá avisado que ele ainda não pode fazer esforço. Fique tranqüilo quanto a isso.
MÉDICO
— Ótimo. Assim é menos uma coisa que eu tenho com que me preocupar.
PEDRO
— O hospital tá cheio. O que tá acontecendo?
MÉDICO
— Virose. Você sabe como esse povo aqui vive. Não têm saneamento básico, alimentação não é das melhores. Pra ficar doente é um minuto.
PEDRO
— Chica me falou alguma coisa. Mas tanta gente assim?
MÉDICO
— Pois é. Enquanto não houver uma melhora na qualidade de vida, vai continuar assim. Tô acostumado a ver isso, Pedro. Já trabalhei em cidades bem mais pobres e em situação pior do que Divinéia.
PEDRO
— E não tem nada que a gente possa fazer?
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MÉDICO
— Eu não sei. Há um tempo atrás procurei o prefeito, dei algumas idéias, falei sobre a importância do esgoto, do tratamento de água, mas você sabe como ele é. Disse que não tinha verba..
PEDRO
— É sempre a mesma história. Pra fazer estrada pra fazenda de Coronel têm dinheiro, mas pra cuidar da saúde do povo não tem. A gente não pode deixá a coisa corrê solta desse jeito. Nós precisamos fazer alguma coisa.
MÉDICO
— Mas o quê?
PEDRO
— Não sei, mas eu vou pensá em alguma coisa. Amanhã eu procuro o senhor. O que nós não podemos é ficar de braços cruzados.
CORTA PARA:
CENA 10. VENDA DE SALIN. INTERIOR. TARDE FRIDA ESTÁ NO BALCÃO ESPERANDO SALIN EMBRULHAR SUAS COMPRAS. MINERVINA, ESCOLHENDO O QUE LEVAR, ESTÁ POR PERTO. FRIDA OLHA O MOVIMENTO NA PORTA DO HOSPITAL. FRIDA
— Isso tudo é um grande Schrecken.
SALIN
— É o que?
FRIDA
— Um horror. Isso tudo é um grande horror. Todas essas pessoas doentes. Isso não está certo.
SALIN
— Não está mesmo, mas o que se há de fazer? Aqui em Divinéia sempre foi assim. Essa população mais pobre ta sempre ficando doente. Já morreu muita gente assim, do nada. Um dia tava bom e no outro...pimba! Foi conhecer o criador.
FRIDA
— É um descaso. Um descaso com a saúde dos outros. Com a vida dos outros!. Com essas coisas nós não podemos spielen.
SALIN OLHA PARA FRIDA COM CARA DE QUEM NÃO ENTENDEU. FRIDA
— Brincar. Nós não podemos brincar.
SALIN
— Entendi. (p) Dona Frida, tá aqui o seu pacote.
FRIDA
—Verpflichtet. Muito obrigada. O senhor anota na caderneta?
SALIN
— Claro.
FRIDA
— Então eu vou indo. Até depois.
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SALIN
— Até.
FRIDA
— Até logo, dona Minervina.
MINERVINA
— Até.
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SALIN FICA OBSERVANDO FRIDA IR EMBORA COM CARA DE BOBO. MINERVINA SÓ FICA DE OLHO NO CUNHADO. SALIN
— Que mulher maravilhosa é essa dona Frida.
MINERVINA
— Toda vez que ela vêm aqui você fala isso.
SALIN
— Falo porque é verdade.
MINERVINA
— Salin, essa mulher já mora aqui em Divinéia pra mais de trinta anos. Há trinta anos que eu vejo você suspirando toda vez que ela passa. Por que você não fala logo com ela?
SALIN FICA SEM GRAÇA E DISFARÇA. SALIN
— Falar? Mas falar o quê?
MINERVINA
— Que você gosta dela! Fica aí parecendo um bobo toda vez que a mulher passa.
SALIN
— O que é isso, Minervina? Não é nada do que você tá pensando. Eu tenho muito respeito pela dona Frida.
MINERVINA
— E eu por acaso tô mandando você desrespeitar a alemã? Só tô dizendo pra você convidar ela pra sair. Quem sabe ir na quermesse juntos? Tá mais do que na hora de você desencalhar, Salin.
SALIN
— Me deixa, Minervina! Me deixa!
MINERVINA
— Você é quem sabe. Só que se você ficar aí só olhando, daqui a pouco Zé Martins passa a sua frente.
SALIN
— Zé Martins? Como assim, Zé Martins? O que têm ele?
MINERVINA
— Têm que tá todo mundo comentando que ele tá arrastando asa pra alemã. E você sabe que ele não é de perder tempo.
SALIN FICA PENSATIVO. SALIN
— O Zé Martins.
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MINERVINA
— Ele mesmo. Bom, eu vou pra casa que seu irmão tá me esperando. Você marque aí na caderneta a farinha que eu tô levando aqui. Depois passa lá em casa pra jantar.
SALIN
— Tá certo.
MINERVINA SAI. SALIN
— O Zé Martins. Então quer dizer que ele tá interessado na dona Frida? (p) Mas isso não pode ser. Como é que eu fico nessa história?
CORTA PARA:
CENA 11. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. TARDE MADALENA, TIANA E ZORAIDE ESTÃO ARRUMANDO O SALÃO ENQUANTO BALBINA LIMPA O BAR. ZULMIRA ENTRA. ESTÁ DE CAMISOLA. MADALENA
— Madrinha! O que a senhora tá fazendo de pé?
MADALENA, ZORAIDE E TIANA SE APROXIMAM DE ZULMIRA. ZULMIRA
— Vim andar um pouco. Não agüento mais ficar deitada.
MADALENA
— Mas o médico falou...
ZULMIRA
— Eu sei muito bem o que o médico falou. Não foi nada demais. Eu só bati com as costas. E também não quero ninguém aqui me paparicando. Todo mundo de volta pro serviço que logo mais a noite têm função.
MADALENA, TIANA E ZORAIDE VOLTAM AOS SEUS AFAZERES. ZULMIRA SE APOIA NO BAR. BALBINA
— Ocê tá melhor mesmo, ou só tá se fazeno de forte?
ZULMIRA
— Um pouco dos dois.
BALBINA
— Lhe conheço como a parma da minha mão.
ZULMIRA
— Acho que nunca dormi tanto na minha vida. Deve ser aquela porcaria daquele remédio. Ainda tô me sentindo meio fora de prumo.
BALBINA
— Daqui a pouco ocê melhora.
ZULMIRA
— Eu sei. (p) Como foi a função, ontem?
BALBINA
— Foi normal.
ZULMIRA
— Aquele pilantra do Nilo Gato não apareceu por aqui, apareceu?
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BALBINA
— Claro que não. Nem passou perto.
ZULMIRA
— Ele que me apareça . Tô com ódio daquele safado!
BALBINA
— Não é pra menos. Depois do que ele fez.
ZULMIRA
— Mas pode deixar que o que é dele tá guardado.
BALBINA
— Ocê... Tá pensando em fazê arguma coisa contra ele?
ZULMIRA
— Não. Por enquanto, não. Até porque eu prometi pra Madalena. Mas eu não vou deixar isso ficar assim não. Pra começar ele nunca mais coloca os pés aqui dentro.
BALBINA
— E como é que ocê vai impedi isso?
ZULMIRA
— A bala... Se for preciso.
BALBINA OLHA SURPRESA PARA ZULMIRA. CORTA PARA:
CENA 12. CASA DE QUEBRA-GALHO. SALA. INTERIOR. TARDE IVONE PREPARA UMA TROUXA DE ROUPA ENQUANTO CONVERSA COM CHICA. CHICA
— Mas ela tá fraquinha assim?
IVONE
— Tá Chica. Nunca vi Rodoviária amuada desse jeito. Dá uma dó.
CHICA
— Mas o médico disse... Disse que ela tá melhorano, num disse?
IVONE
— Disse. Falou que Rodoviária é forte e que graças a Deus, essa virose deu fraquinha nela. (p) Mas ocê precisa de vê as outras pessoas, Chica. Têm gente lá que tá ruim de verdade.
CHICA
— Eu ouvi dizê.
IVONE
— Num vejo a hora de Rodoviária ficá boa.
CHICA
— E cadê Estrada de Ferro?
IVONE
— Fico no hospital com a irmã enquanto eu vinha aqui pegá essas coisa.
CHICA
— E a Rainha lá num achô ruim de ocê num i pro serviço?
IVONE
— Dona Isabel? Fez lá uma cara de quem comeu e num gostô, mas num tô nem aí pra ela. Minha filha tá em primeiro lugar.
CHICA
— Tá certa.
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IVONE
— Pronto. Acho que já peguei tudo.
CHICA
— Ocê já vai vortá pro hospital?
IVONE
— Vô.
CHICA
— Então eu vô com ocê. Eles pode de tá precisano de arguma ajuda por lá com aquele bando de gente. Num me custa i até lá e vê se posso fazê arguma coisa.
IVONE
— Então vamo.
AS DUAS SAEM. CORTA PARA:
CENA 13. HOSPITAL. INTERIOR. TARDE UM BANDO DE GENTE ESTÁ QUERENDO SER ATENDIDA E O MÉDICO E AS ENFERMEIRAS NÃO DÃO CONTA. CHICA E IVONE CHEGAM. CHICA
— Mas isso aqui tá uma confusão dos diabo. Tá pior do que eu pensava.
IVONE
— Num lhe falei?
CHICA
— Péra aí que eu já dou um jeito nisso mas é num minuto!
CHICA PEGA UMA CADEIRA, SOBE EM CIMA DELA E COMEÇA A BATER PALMAS E ASSOBIAR. CHICA
— Vamo pará com essa bagunça aqui, ô cambada! Ôu!
AS PESSOAS PARAM DE FALAR E PRESTAM ATENÇÃO EM CHICA. CHICA
— Se ocês continuarem nessa bagunça as coisa só vai sê pior. Ocês fique aí sentado que o doutor já vai atende. Eu sei que ocês tão tudo desesperado, mas num adianta ficá assim. Eles tão em pôco aqui no hospital, então vamo todo mundo colaborá.
AS PESSOAS PARECEM SE ACALMAR. CHICA DESCE DA CADEIRA E O MÉDICO SE APROXIMA DELA. MÉDICO
— Muito obrigado, Chica. Eu já não sabia mais o que fazer pra acalmar esse povo.
CHICA
— Num precisa agradecê. Eu vim aqui foi pra ajudá mesmo. O que é que eu posso fazê?
MÉDICO
— Você pode... Pode me ajudar fazendo a triagem do pessoal.
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Capítulo 13
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CHICA
— Quê que é isso?
MÉDICO
— Me ajudar a separar as pessoas, organizar.
CHICA
— Isso o senhor pode deixar comigo. E vou pedir pra Brisa vim ajudá.
CHICA SE VIRA PARA AS PESSOAS. CHICA
— Povo, vâmo fazê uma fila aqui pra organizá.
CENA 13. CASA DE HILDA. SALA. INTERIOR. TARDE HILDA ESTÁ SENTADA, OUVINDO MUNDICA FALAR. MUNDICA
— E todo mundo tá falando que o hospital tá um pandemônio só. Tá cheio de gente doente. E pode inté te morte. Uma coisa horrível.
HILDA
— Sei. E você está me contando isso tudo com o objetivo de...
MUNDICA FICA OLHANDO PRA HILDA SEM ENTENDER. HILDA
— Não entendeu, não é?
MUNDICA
— Não senhora.
HILDA
— Era de se esperar. Eu quero saber pra que você tá me contando tudo isso. Por acaso você acha que eu vou ficar mortificada com o sofrimento desse bando de pobres, vou levantar da minha poltrona inglesa e ir até o hospital pra fazer alguma coisa por eles? Pode retirar o seu pequeno corcel da intempérie.
MUNDICA
— Retirar...
HILDA
— Pode tirar o cavalinho da chuva!
MUNDICA
— Agora eu entendi.
HILDA
— Volte pra cozinha que eu tenho mais o que fazer. Vai! Vai!
MUNDICA
— Sim senhora.
MUNDICA SAI. HILDA
— Era só o que me faltava. Daqui a pouco vão começar a fazer uma fila na porta pedindo roupa, leite em pó. Pobre adora pedir leite em pó!
CORTA PARA:
CENA 14. FAZENDA DE JOÃO. COZINHA. INTERIOR. TARDE
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PEDRO ESTÁ DE PÉ, TOMANDO UMA XÍCARA DE CAFÉ. NARA ENTRA. NARA
— Pronto. A gente já pode ir.
PEDRO
— Chica num perde tempo. Quando eu tava começando a pensá em dá uma ajuda pro doutor, ela já foi lá, arregaçou as manga e tá chamando todo mundo pro trabalho.
NARA
— Bom que ocê tá aqui e pode me levá. De charrete eu ia demorá demais.
PEDRO
— Mas eu não posso demorá. Ainda tô em horário de trabalho.
NARA
— Dá pra passá na casa de Donana?
PEDRO
— Dá sim. Vâmo lá.
CORTA PARA:
CENA 15. CASA DE DONANA. EXTERIOR. TARDE O JEEP DE TRAZENDO PEDRO E NARA PÁRA NA PORTA DA CASA. NARA
— Ocê espere aí que nóis já vorta.
NARA DESCE DO JEEP E ANDA ATÉ A CASA. CORTA PARA:
CENA 16. CASA DE DONANA. SALA. INTERIOR. TARDE DONANA ESTÁ COLOCANDO UM BOLO ENVOLTO EM UM PANO DE PRATO DENTRO DE UMA SACOLA QUE PARECE ESTAR CHEIA COM OUTRAS COISAS. NARA
— Mas não póde ir por que, Donana? Lá no hospital tá cheio de gente doente. Tão precisano de ajuda.
DONANA
— Eu sei. Eu sei disso. Também num tô falano que num vô. Eu vô, mas dispois.
NARA
— É algum parto?
DONANA
— Não. Num é parto.
DONANA SUSPIRA, COMO SE JUNTANDO FORÇAS PARA CONTAR O QUE VAI FAZER. DONANA
— Eu vô visitá Juliano.
NARA
— Juliano?
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DONANA
— É. Juliano. Meu filho Juliano. Já que ele num aparece aqui pra vê a mãe, então eu vô inté onde ele tá.
NARA
— A senhora abilolou de vez!
DONANA
— Por quê? Qual é o poblema?
NARA
— O pobrema é que é muito difícil chegá na casa dele. A senhora num vai consegui. Não sozinha.
DONANA
— Isso é o que ocê pensa. Póde ficá tranqüila que eu chego. E depois ainda vô lá pro hospital ajudá.
NARA
— Então é melhor eu ir com a senhora.
DONANA
— De jeito nenhum! Ocê vai pro hospital. Eles tão precisano de ajuda. Num se preocupa comigo, Nara. Eu sei me cuidá.
NARA
— Eu vô dá uns puxão de orelha em Juliano! Onde já se viu fazê a mãe se metê nesses mato pra vê ele!
DONANA
— Os puxão de orelha ocê dêxa que eu mesma dô.
CORTA PARA:
CENA 17. CASA DE JULIANO. EXTERIOR. TARDE DONANA VÊM ANDANDO PELA BEIRA DO RIO. PARECE ESTAR CANSADA E COM DIFUCULDADES PRA SEGUIR. ELA CARREGA A SACOLA CHEIA DE COISAS PARA JULIANO. ENQUANTO ACONTECE A CENA, TOCA A MÚSICA “AI QUEM ME DERA” DE CLARA NUNES. DONANA CHEGA NA PORTA DA CABANA, COLOCA A SACOLA NO CHÃO E BATE PALMAS. NINGUÉM APARECE. DONANA
— Juliano! Juliano, sou eu, sua mãe!
NINGUÉM RESPONDE. DONANA APANHA A SACOLA, SOBE A ESCADA RÚSTICA QUE LEVA ATÉ A CABANA E ENTRA NA CASA. CORTA PARA:
CENA 18. CASA DE JULIANO. INTERIOR. TARDE A PORTA SE ABRE E DONANA COLOCA A CABEÇA PARA DENTRO. DONANA
— Juliano?
ELA NOTA QUE A CASA ESTÁ VAZIA. ENTRA E COLOCA A SACOLA EM CIMA DE UMA MESINHA, DEPOIS OBSERVA TODO O LUGAR. PARECE UM POUCO SURPRESA COM O ESTADO POBRE DA CASA.
FOGO SOBRE TERRA DONANA
Capítulo 13
Pag.: 19
— Foi pra isso aqui que ocê largô tudo, Juliano?
DONANA COMEÇA A TIRAR AS COISAS DE DENTRO DA SACOLA. CORTA PARA:
CENA 19. FAZENDA DE ARTHUR. SALA. INTERIOR. TARDE ARTHUR ACABOU DE ENTRAR E ENTREGA SUA MALA E SEU CHAPÉU PARA ISABEL. ARTHUR
— Porcaria de avião que não pára de tremer! Se é pra anda assim eu vou de ônibus!
ISABEL
— Pensei que o senhor fosse demorar mais.
ARTHUR
— Eu também.
ARTHUR SEGUE ANDANDO ATÉ O ESCRITÓRIO E ISABEL O ACOMPANHA. A CENA PASSA DE UM AMBIENTE PARA O OUTRO. NO ESCRITÓRIO, ARTHUR SE SERVE DE UMA BEBIDA. ARTHUR
— Gastei tempo à toa indo até lá. Minha mulher... Minha ex-mulher continua a mesma cabeça dura de sempre.
ISABEL
— O senhor não conseguiu ver seu filho?
ARTHUR
— Consegui nada. Quando cheguei lá ele já tinha ido pra faculdade. Leonor me boto pra corrê com dois quente e três fervendo. Mas isso não acabou aqui não.
ISABEL
— E o que o senhor pretende fazer agora?
ARTHUR
— Esperar. Duvido que o Vinícius fique obedecendo ela por muito mais tempo. Tenho certeza que mais dia, menos dia ele vai vir me procurar pra valer. Não só pra pedir dinheiro pra livro. Vai vir pra ficar.
ISABEL
— Mas... Como é que o senhor pode ter certeza disso?
ARTHUR SE SENTA, BEBENDO SEU DRINQUE. ARTHUR
— Porque ele já procurou. Isabel, meu filho tá naquela idade que gosta de aparecer. De se mostrar pros amigos. Você acha mesmo que ele vai ficar quietinho lá, contando os caraminguás quando têm um pai fazendeiro que pode dar tudo o que ele quer? Vai nada. Essa história dos livros foi só o começo. Logo o meu filho vai se reaproximar de mim e não vai ter nada que a Leonor possa fazer pra me impedir.
ISABEL
— Tomara que o senhor esteja certo. (p) Eu vou guardar suas coisas.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
Pag.: 20
ARTHUR
— Só mais uma coisa. Como ficou aquela história lá da filha da Ivone?
ISABEL
— Ela ainda está no hospital, mas parece que melhorou.
ARTHUR
— Que bom.
ISABEL
— Está havendo uma epidemia, uma virose na cidade. Dizem que o hospital está lotado.
ARTHUR
— Não me diga.
ISABEL
— É o que os peões estão comentando. Disseram até que a tal da Chica Martins está reunindo as pessoas da cidade pra ajudar.
ARTHUR
— Típico da Chica isso. Bom, ocê manda o nosso pessoal procura direitinho por aqui. Vê se tem mais alguém doente. Depois ocê dê um pulo lá na cidade e veja se eles precisam de alguma coisa. Dinheiro ou mão de obra. Se precisa ocê mesma fica lá pra ajudá.
ISABEL
— Sim senhor, Coronel.
ARTHUR
— Ah! Mais uma coisa. (p) Aquela filha de Quebra-Galho... Não a que tá doente, a outra.
ISABEL
— Estrada de Ferro?
ARTHUR
— Essa mesma. Ela... Voltou a aparecer por aqui?
ISABEL
— Não senhor. Por quê?
ARTHUR
— Nada. Só curiosidade. Ocê pode ir.
ISABEL
— Com licença.
ISABEL SAI. ARTHUR
— Estrada de Ferro. A gente precisa se conhecer melhor.
CORTA PARA:
CENA 20. HOSPITAL. SAGUÃO. INTERIOR. TARDE O HOSPITAL AINDA ESTÁ CHEIO, MAS AS PESSOAS ESTÃO MAIS CALMAS E ORGANIZADAS. ESTRADA DE FERRO, BRISA, NARA, FRIDA, CHICA E O PADRE LUÍS ESTÃO CONVERSANDO COM OS PACIENTES QUE ESPERAM ATENDIMENTO. PEDRO CHEGA E CHICA VAI ATÉ ELE. OS DOIS SE BEIJAM RAPIDAMENTE. PEDRO
— Como é que tão as coisas?
CHICA
— Agora tá mais calmo. As pessoa tão esperano o doutor podê atendê.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
PEDRO
— Têm algum caso mais grave?
CHICA
— Têm sim.
Pag.: 21
CHICA PUXA PEDRO PARA UM CANTO, IMPEDINDO OS OUTROS DE OUVIREM A CONVERSA. CHICA
— Ocê conhece dona Consolação?
PEDRO
— Claro.
CHICA
— O menino dela num tá nada bem. O Doutor tá com medo que ele num agüente muito tempo.
PEDRO
— Jesus Cristo! Então a coisa tá mais séria do que a gente pensava.
CHICA
— Tá sim. E não é só ele. Têm uns cinco muito ruizinho. O seu Cajarana tá fraquinho que só veno.
PEDRO
— Eu vô falá com o prefeito.
CHICA
— Falá o quê?
PEDRO
— Alguém precisa fazê alguma coisa pra ajudá essa gente.
PEDRO SAI E CHICA VOLTA A ATENDER AS PESSOAS. CORTA PARA:
CENA 21. PREFEITURA. ANTE-SALA. INTERIOR. TARDE PEDRO ESTÁ PARADO NA FRENTE DA MESA DA SECRETÁRIA, DONA ADALGISA. PEDRO
— Mas eu preciso muito falar com o prefeito. É urgente.
ADALGISA
— Eu entendo, mas veja bem... Muitas pessoas querem falar com ele.
PEDRO OLHA EM VOLTA. PEDRO
— Mas eu não tô vendo ninguém aqui.
ADALGISA
— Eu não quis dizer agora. O senhor precisa compreender que não pode entrar assim na prefeitura e pedir pra ser atendido pelo prefeito.
PEDRO
— Por que não?
ADALGISA
— Porque... Porque não. O senhor precisa marcar uma hora.
PEDRO
— Só que não dá tempo. Eu preciso falar é agora.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
ADALGISA
— Agora é impossível.
PEDRO
— Por que? O que ele tá fazendo?
ADALGISA
— Ele... Está em reunião.
PEDRO
— Sei.
Pag.: 22
PEDRO PASSA PELA MESA DE ADALGISA E ENTRA NA SALA DO PREFEITO. A SECRETÁRIA, APAVORADA, CORRE ATRÁS DELE. CORTA PARA:
CENA 22. PREFEITURA. SALA DE BRENO. INTERIOR. TARDE BRENO ESTÁ CONCENTRADO, MONTANDO UM CASTELO DE CARTAS. FALTAM APENAS DUAS PARA COMPLETAR. BRENO
— Eu vou conseguir. Eu vou conseguir.
PEDRO ENTRA INTEMPESTIVAMENTE, SEGUIDO DE ADALGISA. PEDRO
— Prefeito, eu preciso conversar com o senhor!
BRENO SE ASSUSTA, ESBARRA NO CASTELO E DERRUBA AS CARTAS. BRENO
— Não! Não! Depois de tanto trabalho.
ADALGISA
— Prefeito, eu tentei impedir a entrada dele!
PEDRO
— Então era essa a reunião importante?
BRENO FICA SEM GRAÇA. FAZ UM SINAL PARA QUE ADALGISA SAIA. ELA OBEDECE E FECHA A PORTA. PEDRO
— O senhor não têm vergonha não, Prefeito?
BRENO
— Vergonha... Mas vergonha de quê?
PEDRO
— De ficar aqui brincando com as cartas com tanta coisa acontecendo na cidade?
BRENO
— E... E quem disse que eu estava brincando? Isso que você viu foi... Foi... Foi uma experiência!
PEDRO
— Uma experiência?
BRENO
— Isso. Eu estou simulando a construção de uma ponte. Uma ponte que eu quero construir sobre o rio Jurapori. (p) O que tá acontecendo na cidade?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
PEDRO
— O senhor não sabe?
BRENO
— Depende.
PEDRO
— Tô falando da virose.
BRENO
— Virose?!
PEDRO
— É. Virose. O senhor não sabia?
BRENO
— Não. Quer dizer, sim!
Pag.: 23
DISCRETAMENTE, BRENO DÁ UMA OLHADA NOS PAPÉIS EM CIMA DA MESA TENTANDO ENCONTRAR ALGUMA INFORMAÇÃO.. BRENO
— É claro que sei. Eu inclusive já tomei todas as providências cabíveis.
PEDRO
— Que foram?
BRENO
— Que foram... Que foram as necessárias.
PEDRO
— Prefeito, eu não vou ficar aqui perdendo o meu tempo com o senhor querendo me enrolar. O hospital tá cheio e nós estamos fazendo um mutirão pra ajudar as pessoas. O senhor, por favor, ligue pro governador, pro presidente, ligue pro papa, mas arranje mais médico pra vir ajudar aqui.
BRENO
— Foi exatamente o que eu fiz!
PEDRO
— Ótimo. Tô indo pro hospital e vô contá pra eles que o senhor disse que vai arranjá os médico. (p) E é bom arranjá mesmo porque as eleições tão aí. Passar bem.
PEDRO SAI E BRENO SE SENTA. BRENO
— Virose? Que raio de virose é essa?... Na minha administração?
CORTA PARA:
CENA 23. SÃO PAULO. EXTERIOR. TARDE TOMADAS DE VÁRIOS PONTOS AO SOM DA MÚSICA “SÓ PRA VARIAR” DO BARÃO VERMELHO. CORTA PARA:
CENA 24. PRÉDIO DE TALITA. EXTERIOR. TARDE BÁRBARA ESTACIONA O CARRO PRÓXIMO AO PRÉDIO DE TALITA E ENTRA. A CENA ACONTECE AO SOM DA MÚSICA CENA ANTERIOR.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
Pag.: 24
CORTA PARA
CENA 25. APARTEMENTO DE TALITA. SALA. INTERIOR. TARDE TALITA ESTÁ SENTADA EM UMA POLTRONA, CONVERSANDO COM BÁRBARA, JOGADA NO SOFÁ. TALITA
— Você quer que eu acredite que você passou o dia inteiro no hospital?
BÁRBARA
— Desde de manhã. Precisava ir, Talita. Não posso ficar fingindo que não tá acontecendo nada.
TALITA
— Mas você mesma me disse que têm esses lapsos de visão desde pequena.
BÁRBARA
— Tenho, mas antes não eram tão fortes. A vista ficava embaçada, eu não conseguia ler de longe, essas coisas, mas o que aconteceu comigo em Istambul foi forte demais. Eu vi tudo ficar preto na minha frente. Pensei que ia ficar cega.
TALITA
— Deus me livre!
BÁRBARA
— Fiz todos os exames possíveis e imagináveis. Se eu tiver alguma coisa, dessa vez aparece.
TALITA
— Você nunca procurou um médico?
BÁRBARA
— Já. Um monte de vezes. Nunca descobriram nada. Dizem que meus olhos são perfeitos. Fiz eletro pra ver se tinha algum problema no cérebro que pudesse estar afetando a minha visão. Nada.
TALITA
— Que estranho.
BÁRBARA
— Pois é. O último médico que eu fui disse que era pra eu procurar um psiquiatra. Nem preciso dizer pra onde eu mandei o cara.
TALITA
— Mas Bárbara, se eles não acham nada físico, quem sabe não seja...
BÁRBARA
— Você quer que eu te mande pro mesmo lugar? Tá querendo dizer que eu sou louca?
TALITA
— Claro que não. Mas se não aparece nada físico.
O INTERFONE TOCA. BÁRBARA
— Tá esperando alguém?
TALITA
— Não.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
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TALITA SE LEVANTA E VAI ATENDER AO INTERFONE. TALITA
— Alô. (p) Pode falar, seu Sebastião. (p) Quem? Gustavo?
BÁRBARA
— O Gustavo? Tá aí em baixo?
TALITA FAZ QUE SIM COM A CABEÇA. BÁRBARA
— Pelo amor de Deus, não deixa ele subir!
TALITA
— Pode subir sim, seu Sebastião.
BÁRBARA FAZ UMA CARA FEIA PARA TALITA, QUE DESLIGA O CELULAR. BÁRBARA
— Qual foi a parte do “Não deixa ele subir” que você não entendeu?
TALITA
— Não podia falar pra ele não subir. Ele sabe que eu tô aqui. Será que ele viu teu carro lá embaixo?
BÁRBARA
— Era só o que me faltava. Passar o dia todo no hospital e ainda ter de agüentar esse mala. Eu grudei chiclete na cruz.
BÁRBARA LEVANTA E APANHA SUA BOLSA. BÁRBARA
— Eu vou me esconder lá no seu quarto. Você dá um jeito de espantar o bofe.
TALITA
— Tá bom. Vai lá.
BÁRBARA VAI PARA O QUARTO. CORTA PARA:
CENA 26. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. TARDE CELESTE E LEILA ESTÃO SENTADAS TOMANDO CHÁ. LEILA
— Então a Bárbara está de volta. Acabou o seu sossego.
CELESTE
— Pois é. E voltou a mesma. Continua com aquele nariz em pé e me afrontando.
LEILA
— Eu não sei como você agüenta isso.
CELESTE
— Agüento pelo Heitor. É filha dele. (p) Mas eu acho que tá acontecendo alguma coisa.
LEILA
— O quê?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 13
Pag.: 26
CELESTE
— Geralmente, quando volta de viagem, a Bárbara quer dar uma festa enorme, avisar todo mundo que chegou. Até agora ela não falou nada disso. (p) Você acredita que ela acordou cedo hoje?
LEILA
— A Bárbara?
CELESTE
— Pois é. Não é estranho? Levantou, se arrumou e saiu. Disse que tinha uma coisa importante pra fazer.
LEILA
— Vai ver foi no shopping.
CELESTE
— Pode ser, mas acho que não é isso. Bárbara tá estranha. Apesar de ela querer aparentar que está tudo bem, eu percebi que ela tá preocupada. Não sei com o que, mas tá.
LEILA
— E você vai tentar descobrir o que tá preocupando ela?
CELESTE
— Claro. E eu sei exatamente quem vai me ajudar nisso.
CORTA PARA:
CENA 27. APARTAMENTO DE TALITA. SALA. INTERIOR. TARDE A CAMPAINHA TOCA E TALITA ABRE A PORTA. É GUSTAVO. TALITA
— Oi Gustavo.
GUSTAVO
— Oi. (p) Posso entrar.
A TOMADA MOSTRA BÁRBARA ESPIONANDO PELA FRESTA DA PORTA DO QUARTO E DEPOIS RETORNA PARA O ROSTO DE GUSTAVO. A IMAGEM CONGELA E UM EFEITO DE ONDA INVADE A TELA. A ÁGUA SE TRANSFORMA EM FOGO.
FIM DO CAPÍTULO