TV DESTINO Central Destino de Produção
Cap. 23
14/04/2008
FOGO SOBRE TERRA Novela de
Walter de Azevedo Inspirada no original de
Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo
Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo NARA LUCENA BÁRBARA RITA VINÍCIUS LEONOR FELIPE CELESTE LEILA
PIRILLO CAMILA BRENO LOURDES DIOGO EDUARDA ANDRÉ ANACLETO JULIANO
DONANA BICHO-BRABO ZÉ MARTINS CHICA BRISA PEDRO CHRISTIANE JANE
Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
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CENA 01. FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. TARDE CONTINUAÇÃO. LUCENA ACABA DE FLAGRAR NARA OLHANDO PARA BÁRBARA, QUE ESTÁ NA VARANDA DA CASA E NÃO VÊ O QUE ACONTECE. NARA
— Lucena?
LUCENA
— Tá fazendo o que escondida desse jeito no meio do mato, índia?
NARA
— Num tô escondida!
LUCENA
— Como não? Tá aí atrás do mato, olhando pra fazenda. Tá procurando o quê?
NARA
— Num tô procurando nada.
LUCENA
— Então tá fazeno o que, aqui? Abre logo essa boca, Nara! Fala logo de uma vez o que ocê qué! Nunca vi ocê aqui pelas banda da fazenda de seu Heitor.
NARA
— Eu vim... Eu vim pra falá com Rita.
LUCENA
— Rita?
NARA
— É. Eu preciso conversá com ela.
LUCENA
— E por que num foi lá na cozinha em vez de ficá se esgueirando por aqui?
NARA
— Porque ocê sabe que eu num gosto do mardito do seu patrão e num quero botá os pé na casa dele! Tava aqui vendo se Rita aparecia.
LUCENA
— Num entendo essa sua raiva dele.
NARA
— Num têm nada que entendê! Num gosto dele e pronto!
LUCENA
— Ocê continua a mesma cabeça dura de sempre.
NARA
— Sô memo!
LUCENA
— Eu vô chamá Rita procê. Num devia, mas vô.
NARA
— Lhe agradeço.
LUCENA SAI. NARA VOLTA A OBSERVAR BÁRBARA NA VARANDA E SORRI. A MOÇA CONTINUA SEM PERCEBER A SUA PRESENÇA. CORTA PARA:
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Capítulo 23
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CENA 02. FAZENDA DE HEITOR. COZINHA. INTERIOR. TARDE LUCENA ESTÁ FALANDO COM RITA. RITA
— A Nara qué fala comigo?
LUCENA
— Qué. Tá lá fora lhe esperano.
RITA
— Que estranho. Faz tempo que a gente num conversa.
LUCENA
— Deve de sê arguma coisa importante. Pra ele tê vindo até aqui.
RITA
— E por que ela num entra?
LUCENA
— As mania dela. Ocê vai até lá e vê o que ela qué.
RITA
— Tá certo.
LUCENA
— Ela tá ali perto dos arbusto.
RITA
— Vô lá vê o que ela qué comigo.
RITA SAI E LUCENA APANHA UMA FRUTA PARA COMER. CORTA PARA:
CENA 03 FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. TARDE NARA, SORRINDO, OBSERVA BÁRBARA. DEPOIS DE ALGUM TEMPO, A MOÇA ENTRA EM CASA. NARA SE VIRA PARA IR EMBORA QUANDO RITA CHEGA. RITA
— Oi Nara.
NARA OLHA PARA RITA. NARA
— Oi.
RITA
— Lucena disse que ocê queria falá comigo.
NARA FICA UM TEMPO OLHANDO PRA ELA, SEM SABER O QUE DIZER. NARA
— É. Eu... Eu falei isso pra ele.
RITA
— E o que é que ocê qué me falá?
NARA
— Era um assunto da quermesse. Mas deixa pra lá. Outra hora nóis fala.
RITA
— Outra hora? Mas ocê já tá aqui, mulhé! Fala de uma vez!
NARA
— Agora não. Eu tenho que i embora. Eu vorto a lhe procurá.
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Capítulo 23
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— Mas, Nara...
Sonoplastia: “AI QUEM ME DERA” – CLARA NUNES. ENQUANTO NARA SE AFASTA, RITA FICA OLHANDO SEM ENTENDER NADA. RITA
— E num é que a mulhé tá endoidano de vêz?
NARA SOBE EM SUA CHARRETE E VAI EMBORA. CORTA PARA:
CENA 04. CUIABÁ. EXTERIOR. NOITE TOMADAS MOSTRANDO A CIDADE À NOITE. CORTA PARA:
CENA 05. HOSPITAL. QUARTO DE VINÍCIUS. INTERIOR. NOITE VINÍCIUS ESTÁ NA CAMA, DORMINDO. LEONOR E FELIPE O OBSERVAM. LEONOR
— Eu ainda não consigo acreditar. Parece que é um pesadelo.
FELIPE
— Você precisa ser forte, agora.
LEONOR
— Eu sei. Preciso ser forte por ele. Meu filho não vai agüentar saber que talvez nunca mais possa andar.
FELIPE
— Mas o médico disse que ainda existem chances de ele se recuperar.
LEONOR
— É. Mas são pequenas. (p) Como é que a gente fala pra um menino de dezoito anos, com a vida toda pela frente, que talvez ele fique pra sempre preso à uma cadeira de rodas? Como?
FELIPE
— E o pai dele? O Rodrigo me disse que ele mora no interior.
LEONOR
— Ainda por cima essa. (p) Eu e meu ex-marido não nos damos bem. Ele vai me massacrar por isso. Vai dizer que a culpa é minha.
FELIPE
— Dona Leonor, ninguém é culpado. O Vinícius é um homem. É maior de idade. Sabia o que estava fazendo.
LEONOR
— Sabia. Sabia, mas parece que não pensou nas conseqüências! Eu não devia ter deixado ele ir. Não devia.
FELIPE
— Dona Leonor, eu tenho de ir agora. A senhora está precisando de alguma coisa?
LEONOR
— Não, seu Felipe. Muito obrigado por tudo. Obrigado pelo apoio, por ter socorrido o meu filho. Eu nunca vou poder agradecer a sua ajuda.
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Capítulo 23
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FELIPE
— Não é preciso. Se precisar de qualquer coisa, por favor me telefone.
LEONOR
— Muito obrigado.
FELIPE SAI. LEONOR CAMINHA ATÉ VINÍCIUS E PASSA A MÃO CARINHOSAMENTE PELA CABEÇA DO FILHO. LEONOR
— E agora, meu filho? O que é que a gente faz? Como vai ser a nossa vida?
LEONOR SE DEBRUÇA SOBRE O PEITO DO FILHO, O ABRAÇA E CHORA. CORTA PARA:
CENA 06. SÃO PAULO. EXTERIOR. NOITE Sonoplastia: “MEMÓRIA DA PELE” – JOÃO BOSCO. TOMADA DA NOITE DE SÃO PAULO. MUITAS PESSOAS NA RUA, NOS BARZINHOS E LUGARES DA MODA. CORTA PARA:
CENA 07. RESTAURANTE. INTERIOR. NOITE CELESTE E LEILA ESTÃO JANTANDO. LEILA
— Ainda bem que você aceitou vir jantar comigo.
CELESTE
— Se não viesse, ia ficar mofando em casa.
LEILA
— Celeste, às vezes eu tenho medo de falar as coisas e você pensar que eu estou querendo colocar defeito no seu casamento, querendo virar a sua cabeça.
CELESTE
— Besteira, Leila. A gente se conhece... Desde a escola?
LEILA
— É. Segunda série.
CELESTE
— Você pode falar o que quiser pra mim. Confio na sua amizade.
LEILA
— Que bom. (p) Posso te fazer uma pergunta?
CELESTE
— Claro que pode.
LEILA
— Por que você continua casada com o Heitor?
CELESTE PARECE FICAR SURPRESA. CELESTE
— Como assim?
LEILA
— É. Por que você ainda continua casada com o Heitor?
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CELESTE
— Que pergunta, Leila. Porque eu gosto do Heitor. Eu amo o meu marido.
LEILA
— Mesmo com ele te tratando como trata?
CELESTE
— Do jeito que você fala até parece que o Heitor é um tirano. Que bate em mim, que é rude.
LEILA
— Eu sei que ele não é nada disso. Ele é indiferente.
CELESTE FICA INCOMODADA. CELESTE
— É. Eu acho que o termo é esse. Indiferente.
LEILA
— Celeste, você é uma mulher tão bonita, tão inteligente. Poderia dar um outro rumo pra sua vida. Tentar ser feliz.
CELESTE
— Leila, eu tenho cinqüenta anos.
LEILA
— Não parece.
CELESTE
— Mas tenho. Nunca trabalhei. Vivi a minha vida pra ser a esposa do Heitor. Cuidei da filha dele, do Diogo. Sempre fiz tudo o que esse homem precisou e me pediu. Me dediquei a ele. (p) Se eu... Se eu abrir mão disso, o que é que me sobra? Nada!
LEILA
— Como nada? Te sobra muita coisa! Você vai ter novas oportunidades! Vai conhecer uma vida nova!
CELESTE
— Leila, eu só sei fazer isso. Foi um erro meu? Foi! Mas a verdade é essa. A única coisa que eu sei fazer na vida é ser a senhora Heitor Gonzaga.
LEILA
— Porque você quer.
CELESTE
— Tá bom. Eu largo o Heitor e vou fazer o quê? Pego o jornal e vou procurar emprego de balconista? Porque é só o que eu vou poder fazer! Você esquece que eu não terminei a faculdade?
LEILA COMEÇA A RIR. CELESTE
— Tá rindo do quê, Leila?
LEILA
— Dessa história de você procurar emprego de balconista.
CELESTE
— Mas não é verdade?
LEILA
— Claro que não. O Heitor vai ter que te dar uma pensão. Uma ótima pensão.
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CELESTE
— Sei. E eu continuo dependendo dele do mesmo jeito.
LEILA
— Não é bem depender.
CELESTE
— Claro que é, Leila. E eu também não quero me separar. Já te disse que amo o Heitor. Eu amo o meu marido. (p) Só queria que as coisas voltassem a ser como eram antes. O Heitor nunca foi muito carinhoso, nem muito romântico, mas ele prestava mais atenção em mim. (p) Hoje eu tenho a impressão que ele me olha como se eu fosse o sofá da sala.
LEILA
— Sabe o que tá faltando na sua vida?
CELESTE
— Tenho um medo quando você fala assim. O que tá faltando na minha vida?
LEILA
— Um amante!
CELESTE COMEÇA A RIR. CELESTE
— Tá doida? Acho que você já bebeu champagne demais.
LEILA
— Tô falando sério, Celeste! Um cara mais novo, gostoso. Alguém pra trazer mais emoção pra tua vida! Te garanto que se isso acontecesse, você ia deixar de dar tanta atenção pro Heitor e ele ia perceber. Homem não suporta não ser o centro das atenções. Ainda mais um homem como o Heitor.
CELESTE
— Não vou nem levar a sério isso que você tá me falando. Imagina, nessa altura da vida eu arrumar um amante. Você têm cada idéia, Leila.
LEILA
— Minhas idéias são ótimas. Se você não quer, problema seu.
AS DUAS CONTINUAM JANTANDO E CONVERSANDO. CORTA PARA:
CENA 08. CASA DE JANE. SALA. INTERIOR. TARDE JANE ESTÁ ARRUMADA PARA VIAJAR. O MOTORISTA CARREGA SUAS MALAS. JANE
— Pode levar pro carro que nós já vamos sair.
MOTORISTA
— Sim senhora.
O MOTORISTA SAI. JANE ABRE A BOLSA E CONFERE O PASSAPORTE E A PASSAGEM. JANE
— Passaporte, passagem. Tá tudo aqui.
ELA VOLTA A GUARDÁ-LOS NA BOLSA.
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— Eu preciso ir pro Canadá. Eu sinto que a minha filha está precisando de mim.
JANE SAI. CORTA PARA:
CENA 09. AEROPORTO DE GUARULHOS. SAGUÃO. INTERIOR. NOITE JANE EMPURRA SEU CARRINHO DE BAGAGEM EM DIREÇÃO À UMA FILA. SE COLOCA NO FINAL E AGUARDA. A CAM MOSTRA A TABULETA SOBRE A FILA COM OS DIZERES “DESTINO: CANADÁ”. CORTA PARA:
CENA 10. DIVINÉIA. EXTERIOR. NOITE Sonoplastia: “DIVINÉIA” – EUSTÁQUIO SENA. TOMADAS MOSTRANDO A PRAÇA DA CIDADE. EXISTEM POUCAS PESSOAS CONVERSANDO E PASSANDO. ALGUNS CASAIS NAMORAM NOS BANCOS. CORTA PARA:
CENA 11. HOSPITAL. SALA DE ATENDIMENTO. INTERIOR. NOITE DR. PIRILLO ESTÁ EXAMINANDO CAMILA. BRENO E LOURDES AGUARDAM, ANSIOSOS. BRENO
— E então, Dr.? O que é que a minha filha têm?
PIRILLO
— Aparentemente, o mesmo que todo esse pessoal.
LOURDES
— Então... Então ela está mesmo com esse raio dessa virose?
PIRILLO
— Só posso confirmar depois que sair o resultado doe exame de sangue, mas pelos sintomas, é isso mesmo.
BRENO
— E em quanto tempo saem esses resultados?
PIRILLO
— Uma semana.
BRENO
— Uma semana?! Mas é muito tempo!
PIRILLO
— Também acho. Se o senhor tivesse liberado a construção do laboratório de análises, ia demorar menos. Agora a gente precisa mandar todas as amostras pra cidade vizinha. Nem preciso dizer que eles estão cheios de trabalho.
BRENO
— Eu não podia construir o laboratório. Tinha pouca verba. Usei pra construir a ponte.
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LOURDES
— Que ponte?
BRENO
— A do regato.
LOURDES
— Aquela que caiu?!
BRENO
— Lourdes!
PIRILLO
— A Camila é uma moça forte e vocês vieram logo. Acho que ela não vai ter maiores problemas.
PIRILLO COMEÇA A ESCREVER A RECEITA. PIRILLO
— Eu quero que ela beba muito líquido, mas não os que contenham cafeína. Ela toma algum medicamento?
LOURDES
— Não.
PIRILLO
— Ótimo. Eu vou receitar um aqui.l. Quero que ela tome nos intervalos e nas quantidades que eu estou especificando aqui na receita. É o único tratamento que se pode fazer.
PIRILLO ENTREGA A RECEITA À LOURDES. PIRILLO
— Não deixe de dar o remédio.
LOURDES
— De jeito nenhum.
PIRILLO
— É só isso.
LOURDES AJUDA CAMILA A SE LEVANTAR. LOURDES
— Muito obrigado, Doutor Pirillo. Eu já estou mais aliviada. Vamos Breno.
BRENO
— Vamos. Até logo, Doutor.
PIRILLO
— Até.
BRENO, LOURDES E CAMILA SAEM. PIRILLO
— A coitada da menina não têm culpa, mas o susto é bom pro pilantra do pai aprender.
CORTA PARA:
CENA 12. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE DIOGO, BÁRBARA E EDUARDA ESTÃO SENTADOS CONVERSANDO.
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BÁRBARA
— Menina, não acredito nisso!
EDUARDA
— Mas pode acreditar.
BÁRBARA
— Você tá me dizendo que os nomes dos filhos da criatura são Estrada de Ferro, Rodoviária e Ônibus?
EDUARDA
— Exatamente.
BÁRBARA
— Mas quem foi o gênio que teve essa idéia?
EDUARDA
— O pai. A moça lá, a Ivone, me disse que ele adora meios de transporte.
BÁRBARA
— Não! Pra tudo nessa vida a gente precisa ter coerência. Se uma é Estrada de Ferro, pela lógica o menino deveria ser Trem e a outra, Maria Fumaça! Caboclo burro!
BÁRBARA E EDUARDA RIEM. DIOGO APENAS SORRI. EDUARDA
— Agora falando sério. Essa moça, Ivone, é um encanto de pessoa. Eu fico imaginando a vida que ela deve levar. Mesmo com todas as dificuldades têm aquela alegria. Bonito de ver.
BÁRBARA
— Momento sentimental da Eduarda.
ANDRÉ ENTRA VINDO DO QUARTO. BÁRBARA
— O belo adormecido acordou!
ANDRÉ
— Apaguei. Tava precisando dessas horinhas de sono.
DIOGO
— Eu liguei pro hospital pra perguntar do seu pai. Conversei com a sua avó e ela me disse que ele está bem.
ANDRÉ
— Obrigado, Diogo.
EDUARDA
— Nós já jantamos, mas se você estiver com fome, é só falar com a Rita.
ANDRÉ
— Depois eu como alguma coisa. Eu tava querendo dar um pulo em Divinéia.
DIOGO
— Agora?
ANDRÉ
— É. Você acha que a delegacia está fechada?
EDUARDA
— Delegacia?
ANDRÉ
— É. Eu quero falar com o delegado. Vou prestar queixa. Quero saber quem fez aquilo com o meu pai.
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DIOGO
— Deixa isso pra amanhã, André. Já é tarde.
BÁRBARA
— Mas Diogo, nesses casos, quando mais tempo você deixa passar, pior é.
ANDRÉ
— A Bárbara têm razão. Será que eu posso usar o jeep?
DIOGO
— Claro que pode.
BÁRBARA
— Vou com você.
BÁRBARA SE LEVANTA. DIOGO
— Você vai na delegacia?
BÁRBARA
— Qual é o problema? Já fui no bordel! Por acaso têm alguma coisa mais interessante pra fazer aqui na reserva? Além do mais eu havia prometido pro André que ia com ele.
ANDRÉ
— Então vamos logo. Não quero pegar a delegacia fechada.
BÁRBARA
— Só num fim de mundo desses mesmo pra delegacia fechar.
ANDRÉ E BÁRBARA SAEM. EDUARDA
— E ficamos só nós dois.
DIOGO
— É.
Sonoplastia: “JADE” – JOÃO BOSCO. EDUARDA SORRI PARA DIOGO E ELE RETRIBUI. CORTA PARA:
CENA 14. DELEGACIA. INTERIOR. NOITE CABO ANACLETO ESTÁ DORMINDO SENTADO NA CADEIRA DO DELEGADO. BÁRBARA E ANDRÉ ENTRAM. BÁRBARA
— Vai me dizer que o bicho preguiça ali é o único contingente da delegacia?
ANDRÉ
— Esse aí é o cabo Anacleto.
BÁRBARA
— Anacleto? Meus Deus! Vocês não dão nomes normais pras pessoas nessa cidade? Rodoviária, Ônibus, Lucena, Anacleto! Eu não sei como você conseguiu se chamar André no meio de tanta coisa exótica.
ANDRÉ SE APROXIMA DE ANACLETO E CUTUCA O GUARDA. ANDRÉ
— Anacleto. Acorda, Anacleto.
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O CABO CONTINUA DORMINDO. BÁRBARA
— O bichinho têm o sono pesado. Cutuca ele de novo.
ANDRÉ CUTUCA ANACLETO COM MAIS FORÇA E ELE ACORDA ASSUSTADO, QUASE CAINDO DA CADEIRA. SE LEVANTA RAPIDAMENTE. ANACLETO
— Pois não? O que é que ocês qué?
ANDRÉ
— Tá lembrado de mim, Anacleto?
ANACLETO FICA OLHANDO PARA ANDRÉ SEM RECONHECER. ANACLETO
— Ocê num me é estranho.
ANDRÉ
— André. Filho do Juliano.
ANACLETO O RECONHECE. ANACLETO
— André! Mas é isso memo! Sabia que já tinha lhe visto em argum lugar. Já faz uns ano que ocê num aparece aqui por Divinéia.
ANDRÉ
— É verdade.
ANACLETO
— Mas o que ocê veio fazê aqui na delegacia?
BÁRBARA
— Comprar carne. Me vê meio quilo de patinho moído.
ANACLETO FICA OLHANDO PRA BÁRBARA SEM ENTENDER. ANDRÉ
— Ela tá brincando. Anacleto, eu vim prestar uma queixa.
ANACLETO
— Queixa?
ANDRÉ
— É. Deram uma surra no meu pai. O coitado foi parar no hospital.
ANACLETO
— Surra? Ocê tá... Ocê tá me dizendo que deram uma surra no beato?
ANDRÉ
— É.
ANACLETO
— Que coisa horrível. Mas quem foi que fez uma barbaridade dessa?
BÁRBARA
— Amor, é pra isso que a gente tá aqui. Nós queremos que você descubra.
ANACLETO
— Eu?
ANDRÉ
— Cadê o delegado?
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Pag.: 13
ANACLETO
— Delegado tá não. Foi pra uma reunião na cidadezinha aqui do lado. Só vorta amanhã.
ANDRÉ
— Amanhã?
BÁRBARA
— André, é melhor deixar pra quando esse tal delegado voltar. Já percebi que hoje nós não vamos conseguir nada.
ANDRÉ
— Acho que você tá certa. Amanhã ele está de volta?
ANACLETO
— Tá sim.
ANDRÉ
— Então eu volto amanhã.
ANACLETO
— E eu já aviso ele que ocê tá querendo faze uma queixa.
ANDRÉ
— Tá bem. Obrigado, Anacleto. Até amanhã.
ANACLETO
— Até.
BÁRBARA E ANDRÉ SAEM. CORTA PARA:
CENA 15. DELEGACIA. EXTERIOR. NOITE ANDRÉ E BÁRBARA SAEM DA DELEGACIA. BÁRBARA
— Nunca pensei que eu fosse ver uma coisa dessas na minha vida. Ter de voltar no outro dia pra poder prestar queixa.
ANDRÉ
— Divinéia.
BÁRBARA
— Se eu conto isso pra alguém, não vão acreditar.
ANDRÉ E BÁRBARA SOBEM NO JEEP. CORTA PARA:
CENA 16. HOSPITAL. ENFERMARIA. INTERIOR. NOITE TODOS OS LEITOS ESTÃO OCUPADOS. JULIANO ESTÁ EM UM DELES. DONANA, SENTADA AO SEU LADO, REZA UM TERÇO. O BEATO ACORDA E VÊ A MÃE. JULIANO
— Mãe?
DONANA
— Juliano! Juliano, meu filho, que bom que ocê acordô! Eu tava aqui rezano procê abri esses olho.
JULIANO OLHA EM VOLTA.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
JULIANO
— Onde é que eu tô?
DONANA
— Tá no hospitar.
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JULIANO TENTA SE LEVANTAR, MAS NÃO CONSEGUE POR CAUSA DAS DORES. DONANA
— Assussegue aí que ocê tá muito machucado!
JULIANO
— Eu quero i pra casa. Num tenho nada que fazê aqui.
DONANA
— Tá doido, Juliano? Num dá procê i pra casa desse jeito. Tá todo machucado. Deu sorte de num tê morrido.
JULIANO
— Num exagera, mãe.
DONANA
— Tô exagerano não. O médico disse que podia de tê machucado arguma coisa aí por dentro de ocê!
JULIANO
— Mas num machucou.
DONANA
— Ocê precisa descansá. Precisa de cuidado. Lá naquela cabana num vai tê isso.
JULIANO
— Deus cuida de mim.
DONANA
— Que nem cuidô quando lhe deram essa surra?
JULIANO
— Mãe, num fale uma coisa dessa. É pecado.
DONANA
— Tá. Tá bão. Ocê me descurpa. Falei bestêra memo.
DONANA OLHA PARA CIMA E SE BENZE. DONANA
— Se Deus num tivesse olhando por ocê, a coisa poderia tê sido pior.
OS DOIS FICAM EM SILÊNCIO POR ALGUNS SEGUNDOS. DONANA
— O que foi que aconteceu, Juliano? Quem fez essa barbaridade com ocê?
JULIANO
— Ninguém.
DONANA
— Ninguém? Juliano, ocê precisá falá quem fez essa mardade. Esse infeliz precisa pagá por isso.
JULIANO
— Isso é coisa minha. Quem têm que resorvê sou eu.
DONANA
— Eu... Eu num sei o que é que eu faço com ocê! Tenho vontade é de lhe dá uns tapa! Mais do que esses que ocê levô!
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Capítulo 23
Pag.: 15
JULIANO
— Mãe, num se preocupa comigo. Lhe garanto que num vai mais acontecê isso. Quem fez o que fez já tá satisfeito.
DONANA
— Como é que ocê pode de tê tanta certeza?
JULIANO
— Eu tenho. (p) Mãe, quando eu tava caído na minha casa, num sei se foi coisa da minha cabeça. Me pareceu que André tava lá.
DONANA
— Num foi coisa de sua cabeça não. Era André. Era o seu filho.
JULIANO
— E... O que é que ele tá fazeno aqui em Divinéia?
DONANA
— O que ocê acha? Veio lhe vê. Vê a família.
JULIANO
— E desde quando André foi de se preocupá com isso?
DONANA
— Num fale uma coisa dessas, Juliano. André sempre foi um menino bão, carinhoso. Pelo menos comigo e com Nara ele sempre foi assim. Até com Pedro. E óia que ele tinha motivo pra num gostá de Pedro.
JULIANO
— Que motivo? Pedro sempre foi um bom rapaz. Um menino decente. Por que André havéra de num gostá dele?
DONANA
— Porque ocê nunca presto atenção em André. O menino vivia mendigando a sua atenção e ocê só se importava com Pedro. Parecia inté que ele é que era o seu filho e não André.
JULIANO
— Num fale bestêra, mãe. Dava atenção pra Pedro porque o menino tinha perdido tudo. Os pai... Os pai dele tinha morrido, o irmão ido embora. Ele precisava de nóis.
DONANA
— E André também. Eu e Nara demo carinho e atenção pros dois, mas ocê não. Sempre deixo seu filho apartado.
JULIANO
— Mãe, eu tô no hospital, tô todo dolorido. Já que num posso i pra minha casa, quero pelo menos ficá sussegado aqui no meu canto.
DONANA
— Tá certo. Ocê tá certo. Num vô mais lhe amolá. Vô fica quieta aqui e num abro mais a minha boca. (p) Mas que é verdade, é.
JULIANO FAZ CARA DE IMPACIENTE. CORTA PARA:
CENA 17. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. EXTERIOR. NOITE Sonoplastia: “IMPOSSÍVEL ACREDITAR QUE PERDI VOCÊ” – SYMONY. ZÉ MARTINS ESTÁ SENTADO NA VARANDA TOCANDO VIOLÃO AO LADO DE CHICA. BICHOBRABO CHEGA DE CAVALO, DESCE E SE APROXIMA DELES.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
BICHO
— Noite.
ZÉ MARTINS
— Noite, Bicho-Brabo. Se achegue, home!
BICHO
— Dá licença.
Pag.: 16
BICHO SOBE ATÉ A VARANDA. BICHO
— Boa noite, Chica.
CHICA
— Boa noite, Bicho.
ZÉ MARTINS
— Senta aí. Tô aqui lembrando meus tempo de comitiva. Tocando umas moda de viola.
BICHO SE SENTA. CHICA
— Ocê já tá bão pra ficá por aí montado no lombo de um cavalo?
BICHO
— O médico queria que eu ficasse mais tempo sem fazê nada, mas num consigo não. Essa história de ficá parado é pra árvore.
ZÉ MARTINS
— Eu sempre fui assim também. Minha falecida mulher dizia que eu tinha nascido com o bicho carpinteiro.
OS TRÊS RIEM. BICHO
— E... Cadê Brisa?
CHICA
— Tava demorando pra perguntá.
BICHO
— Ocê sabe o aprêço que eu tenho pela sua irmã.
CHICA
— Aprêço? Ocê arrasta é um bonde por ela, isso sim.
ZÉ MARTINS
— Brisa tá lá na cozinha. Tá arrumando umas coisa velha. Se ocê quisé, pode i até lá falá com ela.
BICHO
— Se o senhor permite, eu quero sim.
BICHO-BRABO SE LEVANTA. CHICA
— Mas já vô lhe avisando que ela tá com um humor do cão! Quem passá muito perto toma chute.
BICHO
— Num faz mal. Eu vô lá dá boa noite pra ela. Dá licença.
BICHO-BRABO ENTRA NA CASA. ZÉ MARTINS
— Esse aí num desiste.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
Pag.: 17
CHICA
— Eu vô lhe dizê uma coisa. Enquanto Bicho-Brabo corrê atrás de Brisa desse jeito, ele num vai consegui é nada.
ZÉ MARTINS
— Já disse isso pra ele.
CHICA
— Mulhé num gosta de home pegajoso. Eu, no lugar dela, fazia a mesma coisa.
ZÉ MARTINS
— Acho que esse pobre aí tá dando murro em ponta de faca.
CHICA
— Ainda mais agora que André tá de vorta. Só quero vê quando ele e Brisa se encontrarem. Aí que ela num vai nem memo ouvi o nome de Bicho-Brabo.
CORTA PARA:
CENA 18. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. COZINHA. INTERIOR. NOITE Sonoplastia: “IMPOSSÍVEL ACREDITAR QUE PERDI VOCÊ” – SYMONY. BRISA ESTÁ SENTADA, OLHANDO COISAS DENTRO DE UMA CAIXA DE PAPELÃO. SÃO FOTOS DELA COM ANDRÉ QUANDO ERAM MAIS NOVOS E ALGUMAS CARTAS. BRISA ESTÁ TRISTE, QUASE CHORANDO. BICHO-BRABO ENTRA SEM QUE ELA PERCEBA E SE COLOCA ATRÁS DELA. BICHO
— Tá vendo fotografia?
BRISA SE ASSUSTA E DEIXA A CAIXA CAIR NO CHÃO, ESPALHANDO AS COISAS. BRISA
— Que susto, Bicho-Brabo!
BICHO
— Ocê me descurpa. Eu num queria.
BRISA SE ABAIXA PARA PEGAR AS COISAS. BICHO
— Eu lhe ajudo.
BRISA
— Num precisa! Num quero! Ocê já fez foi é demais por hoje! Fica aí no seu canto!
BICHO-BRABO, SEM GRAÇA, FICA SEM SABER O QUE FAZER. BRISA
— Onde já se viu! Entrá assim desse jeito e me assustá!
BICHO
— Mas minha intenção num era essa.
BRISA
— Eu sei quais são as suas intenção e tô farta delas!
BRISA RECOLHE TUDO, PEGA A CAIXA E SE LEVANTA. BICHO
— Eu... Eu num sei nem o que lhe falá.
FOGO SOBRE TERRA BRISA
Capítulo 23
Pag.: 18
— Então num fala nada!
CHICA E ZÉ MARTINS ENTRAM, ATRAÍDOS PELOS GRITOS DE BRISA. CHICA
— Mas que diabo que tá aconteceno aqui?! Que gritaria é essa?
BICHO
— Ela se assustou quando eu entrei...
BRISA
— Eu já tô cheia disso! Cheia das pessoa ficá entrando aqui em casa! Cheia de todo mundo se metê na minha vida! Cheia de olhá pra sua cara, Bicho-Brabo!
ZÉ MARTINS
— Brisa! Eu não admito que ocê fale assim com Bicho-Brabo! Ele é nosso amigo!
BRISA
— Então o senhor fica com o seu amigo que eu vô durmi!
BRISA SAI, NERVOSA. ZÉ MARTINS
— Brisa! Brisa, vorta aqui! Eu tô mandano!
CHICA
— Pára, pai. Deixa ela.
ZÉ MARTINS
— Deixá? Não! Chica, ela destratou Bicho-Brabo! Ele é nosso amigo! Isso num tá certo.
BICHO
— Deixa isso pra lá, seu Zé Martins. Eu num me importo.
CHICA
— Brisa num é assim. Ela deve de tá com argum pobrema. Eu vô lá falá com ela.
CHICA SAI. ZÉ MARTINS
— Bicho-Brabo, eu num tenho nem como me descurpá com ocê. Tô cheio de vergonha pelo comportamento da minha filha.
BICHO
— Num precisa se preocupá com isso, seu Zé. (p) Bão, eu... Eu vô embora. O senhor tenha uma boa noite.
BICHO-BRABO VAI EMBORA TRISTE E ZÉ MARTINS, TAMBÉM CHATEADO, SE SENTA. CORTA PARA:
CENA 19. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. QUARTO DAS MOÇAS. INT. NOITE Sonoplastia: “IMPOSSÍVEL ACREDITAR QUE PERDI VOCÊ” – SYMONY. BRISA CHORA, DEITADA NA CAMA E ABRAÇADA AO TRAVESSEIRO. CHICA ABRE A PORTA DEVAGAR E ENTRA.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
CHICA
— Brisa?
BRISA
— Me deixa, Chica. Por favor, me deixa.
Pag.: 19
CHICA SE SENTA NA CAMA AO LADO DE BRISA E PASSA A MÃO PELOS CABELOS DA IRMÃ. CHICA
— O que é que tá aconteceno?
BRISA
— Num é nada.
CHICA
— Claro que é. Lhe conheço. Ocê num costuma ficá braba desse jeito. Pra tá assim é porque têm alguma coisa lhe apertano o coração. Me conta o que é.
BRISA NÃO FALA NADA. CONTINUA CHORANDO EM SILÊNCIO. CHICA
— Ocê num confia mais aqui na sua irmã?
BRISA
— Num é isso, Chica.
CHICA
— Então o que é? Por que ocê tratô o pobre do Bicho-Brabo daquele jeito?
BRISA
— Eu num devia de tê feito aquilo. O pobre num tem curpa de nada.
CHICA
— Isso ocê resorve. Bicho gosta demais de ocê. Ele vai entendê. (p) Ocê já tá sabeno que André tá de vorta, num tá?
BRISA CONFIRMA COM UM MOVIMENTO DE CABEÇA E COMEÇA A CHORAR MAIS FORTE. CHICA
— Então é isso. Ocê tá assim porque ele chegou e ainda num veio lhe procurá. Brisa, o pai dele tá no hospital. Deixa as coisa ficá mais tranqüila que ele...
BRISA
— Eu encontrei com o André na praça.
CHICA
— Encontrou?
BRISA CONCORDA COM UM MOVIMENTO DE CABEÇA E SE SENTA NA CAMA. BRISA
— Encontrei. Eu tava entrando no hospital e esbarrei com ele.
CHICA
— E como foi? O que é que ele disse?
BRISA
— Ah, Chica. Ele me olhou como se eu fosse... Como se eu fosse uma pessoa sem a menor importância.
CHICA
— Ele lhe destrato?!
FOGO SOBRE TERRA BRISA
Capítulo 23
Pag.: 20
— Não, Chica. Me tratô bem. (p) Me tratô como trata o pai, dona Frida, o Padre. Me trato como se eu fosse qualqué uma dessas pessoa que ele conhece mas que num significa nada pra ele. Me tratô como uma amiga dos tempo de criança que ele num vê faz tempo. Foi assim. Foi assim que ele me tratô, Chica. Eu num sô nada pra ele. Nada.
BRISA VOLTA A CHORAR MAIS FORTE. CHICA
— Ô, minha irmã.
CHICA ABRAÇA BRISA E A CONSOLA ENQUANTO A MENINA CHORA. CORTA PARA:
CENA 20. FAZENDA EM ARAGUAIANA. QUARTO DE PEDRO. INT. NOITE PEDRO ENTRA NO QUARTO. ACABOU DE ESCOVAR OS DENTES E SE PREPARA PARA DORMIR. ESTÁ DE CUECA E SEM CAMISA. O RAPAZ SE DEITA E FICA OLHANDO PARA O TETO, PENSATIVO. DEPOIS RETIRA DA CARTEIRA, QUE ESTÁ NO CRIADO MUDO, UMA FOTO DE CHICA. FICA OLHANDO PARA ELA POR ALGUNS SEGUNDOS. INSERT FLASHBACK – CENA 01/CAP.19. PEDRO OUVINDO ZÉ MARTINS E CHICA CONVERSANDO. CHICA
— Inté parece que o que eu tô quereno é errado. Que eu sô uma peste de pensa assim. (p) O mundo é tão grande pai. Têm tanta coisa pra gente vê, pra gente aprendê. E parece que... Parece que têm uma coisa dentro de mim, que eu num sei direito o que é, mas que precisa saí! Parece que é um bicho que tá preso e que precisa de liberdade. Que nem aqueles passarinho que a gente pega na arapuca e depois coloca na gaiola. Eles ficá lá, batendo as asa, louco pra ganhá o mundo de novo. E quando... E quando eles num consegue, os pobrezinho vão ficando amuado, vão perdendo a alegria. (p) É assim que eu tô me sentindo pai. Que nem um passarinho desse.
CHICA PARA DE OLHAR PARA A JANELA E SE VIRA PARA O PAI. CHICA
— Pedro é o melhor hóme do mundo, mas a vida que ele qué pra nóis vai sê que nem essa gaiola. E eu vô me senti que nem esse passarinho. Doido pra abri as asas e voá, mas sem podê, e eu num vô agüentá isso. Eu me acabo se me prenderem pai. Eu me acabo
FIM DO FLASHBACK. Sonoplastia: “TOCANDO EM FRENTE” – MARIA BETHÂNIA. PEDRO
— Chica, se ocê soubesse o tanto que eu gosto de você. O tanto que eu quero lhe fazê feliz. Eu num sei viver sem o seu amor, Chica Martins. Não sei. E se ocê num me quisé mais, quem vai se acabá sou eu.
PEDRO, PENSATIVO E MELANCÓLICO, FICA OBSERVANDO A FOTO DE CHICA.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
Pag.: 21
CORTA PARA:
CENA 21. FAZENDA DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE DIOGO ESTÁ SOZINHO, OLHANDO PELA JANELA. EDUARDA ENTRA, VINDA DO QUARTO. EDUARDA
— Diogo?
DIOGO
— Oi.
EDUARDA
— Não tá conseguindo dormir?
DIOGO
— Pois é.
EDUARDA
— Eu também não. Acho que tô estranhando o silêncio. Tô acostumada com São Paulo. E você? Não tá conseguindo dormir por quê?
EDUARDA SE SENTA. DIOGO
— Tô aqui pensando.
EDUARDA
— No quê?
DIOGO
— Num monte de coisa. Em tudo o que eu tô vendo aqui em Divinéia.
EDUARDA
— Senta aqui do meu lado. Vamos conversar um pouco.
DIOGO SE SENTA AO LADO DE EDUARDA. DIOGO
— Eu voltei pra cá pra rever o meu irmão. Pra retomar esse meu laço familiar, mas também pra fazer um favor pro meu tio, a quem eu devo tanta coisa.
EDUARDA
— Tá em dúvida se aceita ou não encabeçar o projeto da hidrelétrica?
DIOGO
— É. Eu não consegui formar uma opinião de o que vai ser realmente bom pra esse povo. Se a construção da barragem e uma vida nova, numa cidade nova, com casas novas, ou se é essa vidinha aqui que eles vivem.
EDUARDA
— Você acha que eles gostam dessa vida?
DIOGO
— Não sei. É a vida que eles conhecem. Acho que dentro dessa visão de mundo deles, tá ótimo. É aquela história de que, quando você não conhece nada melhor, aquilo que você têm pode lhe fazer feliz.
EDUARDA
— Eu vou ser sincera com você. Acho esse, um pensamento muito cruel.
DIOGO
— Cruel?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
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EDUARDA
— É. É como se você tivesse negando a possibilidade de alguém ter uma vida melhor só porque ela não têm o conhecimento do que pode progredir, do que pode conquistar. Eu ficaria muito brava se descobrisse que fizeram isso comigo.
DIOGO
— Você então é à favor da criação da barragem?
EDUARDA
— Claro. Ainda mais depois do que eu vi por aqui. Uma população praticamente abandonada, sem nada. Lógico que aqui na fazenda é tudo muito bonito. Na fazenda do Arthur também, mas esses lugares são como um oásis. Essa aqui não é a realidade da região. A população de Divinéia não vive desse jeito. Você tá sabendo do epidemia na cidade.
DIOGO
— Mas isso também têm em cidade grande.
EDUARDA
— Eu sei, mas as condições que você têm de tratamento, de combate, numa cidade são muito maiores. Esse povo tá esquecido aqui, Diogo. Ninguém sabe que eles existem. Você acha mesmo que algum político vai olhar pra cá, pra uma cidade pequena como essa, que rende tão poucos votos e vai realmente querer fazer alguma coisa?
DIOGO
— Acho que não.
EDUARDA
— A construção dessa hidrelétrica é a oportunidade deles. É a chance que eles têm de uma vida melhor, de progredir. (p) Sabe aquela história de que a sorte só bate na nossa porta uma vez? É o que tá acontecendo. A sorte tá batendo na porta de Divinéia. Se eles deixarem essa oportunidade passar, não vai ter outra.
DIOGO
— Tá. Eu até concordo. A minha dúvida é se eu devo participar disso. Eu conheço todos os benefícios. Sei que todo mundo, ou pelo menos a maior parte da população, vai sair ganhando, mas de certa forma é a destruição de uma cidade. Da minha cidade.
EDUARDA
— Você não acha que talvez por isso você esteja aqui? Você é filho dessa terra, Diogo. Tá nas suas mãos começar uma nova Divinéia. Um lugar melhor do que esse. Você tá vendo isso como destruição, mas não é. É recomeço. Ninguém melhor do que um cidadão de Divinéia pra ser o responsável por esse começo. Você saiu daqui, estudou, se formou, e agora têm a oportunidade de voltar e ajudar toda essa gente. Você vai virar as costas pra eles?
DIOGO FICA EM SILÊNCIO POR ALGUNS MOMENTOS. DIOGO
— Eu penso no meu pai. Penso no que ele ia achar. De que lado ia ficar. Meu pai era um homem incrível. Um exemplo pra mim, pro meu irmão. Até pra essa cidade. (p) Eu sei que pode parecer uma besteira enorme,
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
Pag.: 23
mas eu tenho muito medo de fazer alguma coisa que fizesse ele se envergonhar de mim. EDUARDA COLOCA A MÃO NO ROSTO DE DIOGO E FAZ COM QUE ELE OLHE PARA ELA. EDUARDA
— Isso nunca vai acontecer. Eu tenho certeza de que o seu pai ia se encher de orgulho de lhe ver. De ver aonde você conseguiu chegar. (p) Você é um homem admirável, Diogo.
OS DOIS FICAM SE OLHANDO POR ALGUNS SEGUNDOS. Sonoplastia: “JADE” – PEDRO MARIANO. EDUARDA VAI SE APROXIMANDO DE DIOGO E O BEIJA. O BEIJO DEVE SER SUAVE. O RAPAZ NO INÍCIO FICA SEM REAÇÃO, EDUARDA CONTINUA E ELE SE ENTREGA. OS DOIS SE ABRAÇAM EM UM LONGO BEIJO. DEPOIS DE ALGUM TEMPO, DIOGO SE AFASTA E LEVANTA DO SOFÁ. DIOGO
— Não. Isso não pode acontecer, Eduarda.
EDUARDA
— Por quê? Você não gosta de mim? Não me acha bonita?
DIOGO
— Lógico que acho. Você é uma mulher incrível, mas... Você sabe que eu sou casado. Tenho uma filha.
EDUARDA
— Sei.
DIOGO
— Você pode achar antiquado, mas eu não quero trair a minha mulher.
EDUARDA
— Eu entendo.
DIOGO
— Me desculpe.
EDUARDA
— Não precisa se desculpar. Eu não poderia esperar outra coisa de você. (p) A sua mulher têm muita sorte, Diogo. Eu gostaria muito de estar no lugar dela.
DIOGO
— É... É melhor eu ir me deitar. Boa noite.
EDUARDA
— Boa noite.
DIOGO VAI PARA O QUARTO. EDUARDA SORRI. EDUARDA
— Vai ser mais interessante do que eu pensei. Um pouco mais difícil, mas muito mais interessante.
CORTA PARA:
CENA 22. VANCOUVER. CANADÁ. EXTERIOR. MANHÃ VÁRIAS TOMADAS MOSTRANDO A CIDADE DE VANCOUVER.
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CORTA PARA:
CENA 22. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. MANHÃ A SALA ESTÁ VAZIA E A CAMPAINHA COMEÇA A TOCAR. CHRISTIANE (OFF) — Wait a minute! CHRISTIANE SAI DO QUARTO E ANDA EM DIREÇÃO À PORTA DO APARTEMENTO. CHRISTIANE
— Quem será? Tomara que não seja a chata da vizinha.
CHRISTIANE ABRE A PORTA E DÁ DE CARA COM A MÃE, JANE. CHRISTIANE
— Mãe?
JANE
— Oi, minha filha!
JANE SORRI PARA CHRISTIANE, QUE PARECE PERPLEXA. CORTA PARA:
CENA 22. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. MANHÃ CHRISTIANE E JANE ESTÃO SENTADAS À MESA TOMANDO CAFÉ. CHRISTIANE
— A senhora é louca de sair do Brasil e aparecer por aqui desse jeito.
JANE
— Louca por quê? Só porque me deu vontade de ver a minha filha e a minha neta?
CHRISTIANE
— Sei. E a senhora quer mesmo que eu acredite que bateu uma saudade imensa e a senhora se desembestou lá de São Paulo e apareceu aqui sem avisar, por isso?
JANE
— É.
CHRISTIANE SORRI. CHRISTIANE
— Ficou preocupada comigo, não é?
JANE
— Fiquei.
CHRISTIANE
— Não precisava, mamãe.
JANE
— Claro que precisava. Christiane, você é a minha única filha. Se eu sei que você tá sofrendo, preciso fazer alguma coisa. Não posso ficar de braços cruzados.
CHRISTIANE SEGURA CARINHOSAMENTE A MÃO DA MÃE.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
Pag.: 25
CHRISTIANE
— Só que não têm nada que a senhora possa fazer.
JANE
— Têm certeza?
CHRISTIANE
— Tenho. (p) A senhora conseguiu falar com o Diogo?
JANE
— Não. Ele foi lá pra cidadezinha dele. Parece que foi reencontrar o irmão.
CHRISTIANE
— Um irmão que nem lembra que ele existe. E deixa a mulher e a filha largadas aqui em Vancouver pra isso.
JANE
— Minha filha, eu vou lhe dar um conselho. Não brigue com o Diogo. Não crie nenhum tipo de atrito com ele. Isso só vai piorar a situação entre vocês.
CHRISTIANE
— Mais do que já está? Mãe, ele me largou aqui e foi embora pro Brasil!
JANE
— Não é assim, Christiane. Ele foi fazer um favor pro tio. Não lhe largou aqui.
CHRISTIANE
— O Heitor é outro. Não perde por esperar. Tá armando direitinho pra convencer o tonto do Diogo a voltar pro Brasil.
JANE
— Eu conversei com o Heitor sobre isso.
CHRISTIANE
— Conversou? E o que foi que ele disse?
JANE
— Nada. Me enrolou. Disse que o Diogo é um homem, que toma as próprias decisões, esse tipo de coisa.
CHRISTIANE
— Tô falando, mãe! Eu conheço o Heitor! Conheço o Heitor e conheço o Diogo! Boto a minha mão no fogo como ele vai chegar aqui de cabeça feita!
CHRISTIANE LEVANTA E COMEÇA A ANDAR NERVOSA PELO APARTAMENTO. JANE
— Calma, Christiane. Não fica assim.
CHRISTIANE
— Mas se ele pensa que eu vou aceitar isso sem fazer nada, ele está muito enganado! Mãe, se o Diogo resolver voltar pro Brasil, eu juro pra senhora que vou transformar a vida dele num inferno! Num inferno!
A CAM FOCALIZA O ROSTO PREOCUPADO DE JANE E DEPOIS FECHA NA EXPRESSÃO NEURÓRICA DE CHRISTIANE. A IMAGEM CONGELA E UMA BARRAGEM DE HIDRELÉTRICA SE FECHA SOBRE ELA. A BARRAGEM SE ROMPE E UMA INUNDAÇÃO TOMA CONTA DA TELA.
FIM DO CAPÍTULO
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 23
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