TV DESTINO Central Destino de Produção
Cap. 10
16/01/2009
FOGO SOBRE TERRA Novela de
Walter de Azevedo Inspirada no original de
Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo
Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo MADALENA NILO NARA PEDRO ZULMIRA BALBINA TIANA ZORAIDE HEITOR CELESTE DIOGO
ZÉ MARTINS CHICA BRISA HILDA MUNDICA BRENO CAMILA LOURDES ARTHUR ISABEL VINÍCIUS
LEONOR BRUNO EDUARDA ANDRÉ LUCENA
Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
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CENA 01. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE MADALENA. INTERIOR. NOITE CONTINUAÇÃO. MADALENA, PRÓXIMA À CAMA, OLHA NILO COM MEDO. MADALENA
— Sai daqui Nilo.
NILO
— Isso lá é jeito de ocê trata um amigo, Madalena?
MADALENA
— Você não é meu amigo.
NILO SORRI COM SARCASMO. NILO
— Ô Madalena, não me fala uma coisa dessas. A gente já se conhece há tanto tempo. Eu num mereço isso.
MADALENA
— Você vai sair daqui agora!
MADALENA ANDA NA DIREÇÃO DA PORTA, MAS NILO A SEGURA PELO BRAÇO E JOGA NA CAMA. NILO
— Ninguém me bota pra fora! Muito menos mulhé-dama!
MADALENA
— Nilo, pelo amor de Deus. Você tá bêbado. Não sabe o que tá fazendo.
NILO SE APROXIMA DA CAMA E MADALENA SE ENCOLHE. NILO
— Sei. Sei o que eu tô fazeno, Madalena. Ocê num sabe o quanto eu esperei pra ficá assim sozinho com ocê. Só nós dois.
MADALENA
— Nilo, você só pode tá doido!
NILO
— Tô doido sim. Doido pra lhe dar um beijo.
NILO SE ATIRA NA CAMA, MAS MADALENA CONSEGUE ESCAPAR. A MOÇA TENTA ABRIR A PORTA, MAS O PEÃO A ALCANÇA, PUXANDO-A PELO BRAÇO. NILO — Espera! NILO PUXA MADALENA PARA PERTO DE SI, ABRAÇANDO-A. NILO
— A gente ainda nem começou a conversar.
MADALENA SE DEBATE. MADALENA
— Pára, Nilo! Me solta!
NILO
— Calma! Ocê é uma gata muito arisca.
MADALENA
— Você tá me machucando!
FOGO SOBRE TERRA NILO
Capítulo 10
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— Se ocê ficá quietinha e fizé tudo o que eu mando, eu não te machuco.
NILO COMEÇA A BEIJAR O PESCOÇO DE MADALENA, QUE FICA COM NOJO. NILO
— Ocê é cheirosa demais. Faz é tempo que eu queria tê ocê assim, nos meus braço.
MADALENA
— Você tá louco! Quando Heitor souber, ele vai...
NILO
— Só que ele não vai saber. Se ocê contá alguma coisa, eu acabo com a sua raça.
NILO BEIJA A BOCA DE MADALENA. CORTA PARA:
CENA 02. FAZENDA DE JOÃO. SALA. INTERIOR. NOITE PEDRO ESTÁ SOZINHO, PENSATIVO. NARA ENTRA E OBSERVA O RAPAZ, DEPOIS SE SENTA EM UMA POLTRONA. NARA
— Nem vi Chica indo embora.
PEDRO
— É que a gente teve uma conversa. Acho que ela foi embora e nem lembrou de se despedir.
NARA
— Ocês brigaram?
PEDRO
— Não. A gente só teve uma conversa. Ela me disse umas coisa que tão aqui revirando na minha cabeça.
NARA
— Chica só lhe qué bem. Se falou é porque quer lhe ajudá.
PEDRO
— Eu sei, Nara. Chica é a mulher da minha vida. Tudo o que ela me fala é pensando na minha felicidade. (p) Só que dessa vez ela conseguiu dá um nó na minha cabeça.
NARA
— E têm arguma coisa que eu possa fazê pra lhe ajudá?
PEDRO
— Têm não, Nara.
PEDRO SE LEVANTA. PEDRO
— Isso é coisa que eu tenho que resolvê aqui comigo mesmo. Preciso colocá as minhas idéia no lugar. (p)Eu vô é me deitá. Tô precisando descansar o corpo e a cabeça, Nara.
PEDRO DÁ UM BEIJO NA TESTA DE NARA. PEDRO
— Boa noite.
FOGO SOBRE TERRA NARA
Capítulo 10
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— Boa noite, meu filho. Durma bem.
PEDRO VAI PARA O QUARTO. NARA ESTÁ COM PENA DO RAPAZ. CORTA PARA:
CENA 03. FAZENDA DE JOÃO. QUARTO DE PEDRO. INTERIOR. NOITE COMEÇA A TOCAR A MÚSICA “TOCANDO EM FRENTE” DE MARIA BETHÂNIA. PEDRO ENTRA NO QUARTO E SE SENTA NA CAMA. FICA PENSATIVO POR ALGUNS INSTANTES, DEPOIS OBSERVA UMA FOTO NA MESINHA DE CABEÇEIRA. NELA, ALÉM DELE MESMO AINDA CRIANÇA, ESTÃO DIOGO E SEUS PAIS. ELE APANHA O PORTA RETRATOS, DEITA NA CAMA E FICA OLHANDO A FOTO. PEDRO
— Meu pai, eu não sei o que fazer. Queria tanto que o senhor tivesse por aqui pra me aconselhá. (p) Se tudo aquilo não tivesse acontecido. Se aquele avião...
PEDRO ENXUGA UMA LÁGRIMA QUE ESCORRE DE SEU ROSTO. PEDRO
— Ocê tá ficando um moleirão, Pedro Azulão! (p) Não adianta nada ficar aqui chorando as pitangas. Ocê precisa decidir que rumo vai dar na sua vida.
CORTA PARA:
CENA 04. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE MADALENA. INTERIOR. NOITE NILO AINDA ESTÁ BEIJANDO MADALENA. A MOÇA MORDE A BOCA DELE E O EMPURRA COM FORÇA, FAZENDO COM QUE NILO CAIA, SOBRE A PENTEADEIRA, DERRUBANDO VÁRIAS COISAS E FAZENDO BARULHO. NILO
— Ocê tá louca?!
MADALENA
— Quem tá louco é você!
NILO SORRI MALICIOSAMENTE. NILO
— Mas se ocê pensa que isso vai me pará, tá muito enganada.
NILO COMEÇA A ANDAR NA DIREÇÃO DE MADALENA, QUE APANHA UM ABAJUR E JOGA SOBRE ELE. NILO SE DESVIA E O OBJETO BATE NA PAREDE, FICANDO EM PEDAÇOS. CORTA PARA:
CENA 05. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE ZULMIRA. INTERIOR. NOITE
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
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ZULMIRA SE SENTA NA CAMA AO OUVIR O BARULHO DO ABAJUR BATENDO CONTRA A PAREDE. ZULMIRA
— Ué. Que barulho é esse?
MADALENA (OFF) — Sai daqui, Nilo! Você tá bêbado! NILO (OFF)
— Só saio depois que ficá com ocê!
ZULMIRA SE ESPANTA AO PERCEBER O QUE ESTÁ ACONTECENDO. ZULMIRA
— Meu Deus do Céu! A Madalena!
ZULMIRA SE LEVANTA APRESSADAMENTE, VESTE SEU PEIGNOIR E SAI. CORTA PARA:
CENA 06. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE MADALENA. INTERIOR. NOITE MADALENA ESTÁ ACUADA EM UM CANTO DO QUARTO. NILO SE APROXIMA DELA. A MOÇA ESTÁ CHORANDO. MADALENA
— Nilo, escuta o que eu estou falando!
NILO
— Eu não quero escutá nada. Fica quietinha, Madalena. Garanto que ocê vai gostá de mim.
MADALENA
— Nilo, se você fizer alguma coisa contra mim, o Heitor vai acabar sabendo. Ela vai acabar com você! Será que você não pensa nisso?
NILO
— Madalena, ocê não tá me entendendo. Depois que a gente ficá junto, ocê num vai falá nada pra ele. Sabe por quê? Porquê ocê vai gostá. Ocê vai querê repeti.
NILO VOLTA A AGARRAR MADALENA, BEIJANDO-A. A MOÇA TENTA LUTAR CONTRA ELE, MAS NÃO CONSEGUE. ZULMIRA ENTRA E VÊ A CENA. ZULMIRA
— Mas o que... Mas o que é que está acontecendo aqui?!
MADALENA
— Madrinha! Madrinha, pelo amor de Deus, me ajuda!
NILO
— Sai daqui, Zulmira! Ocê não têm nada que ver com isso!
ZULMIRA
— Nilo, você enlouqueceu? Solte a Madalena agora!
NILO CONTINUA AGARRANDO MADALENA. ZULMIRA SE APROXIMA DOS DOIS E AGARRA O BRAÇO DO RAPAZ. ZULMIRA
— Eu mandei você soltar a Madalena!
FOGO SOBRE TERRA NILO
Capítulo 10
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— Me larga, Zulmira!
ZULMIRA FICA PUXANDO NILO. ELE A EMPURRA COM FORÇA, FAZENDO COM QUE A CAFETINA BATA COM AS COSTAS NA PENTEADEIRA E CAIA NO CHÃO. MADALENA
— Madrinha!
NILO OLHA PARA ZULMIRA E PARECE FICAR UM POUCO SURPRESO AO VER QUE ELA ESTÁ FERIDA. O RAPAZ SE APROXIMA DELA. NESSE ESPAÇO DE TEMPO, MADALENA APANHA A ESTÁTUA DA SANTA QUE TÊM AO LADO DA CAMA E BATE COM ELA NA CABEÇA DE NILO. O RAPAZ FICA ATORDOADO E ELA APROVEITA PARA JOGÁ-LO CONTRA A PAREDE. NILO BATE COM A CABEÇA E DESMAIA. MADALENA SE AJOELHA AO LADO DE ZULMIRA. MADALENA
— Madrinha, pelo amor de Deus, fala comigo!
ZULMIRA
— Me ajuda, Madalena. As minhas costas...
MADALELA
— Calma. Eu... Eu vou pedir ajuda.
MADALENA CORRE ATÉ A PORTA. MADALENA
— Alguém me ajuda aqui! Balbina!
MADALENA VOLTA PARA PERTO DE ZULMIRA. MADALENA
— Calma Madrinha. Vai ficar tudo bem.
ZULMIRA
— E Nilo? Cadê Nilo?
MADALENA
— Eu botei ele pra dormir.
BALBINA, TIANA E ZORAIDE ENTRAM, ACOMPANHADAS DE VÁRIOS HOMENS. BALBINA
— Minha Nossa Senhora! O que foi que aconteceu?
MADALENA
— Madrinha caiu e se machucou. A gente precisa levar ela pro hospital.
BALBINA
— Vocês aí. Ajudem a levantar ela.
TRÊS DOS HOMENS PEGAM ZULMIRA E A LEVANTAM. BALBINA
— Ocês levem ela pro hospital.
ZULMIRA
— Cuidado com as minhas costas.
MADALENA
— Balbina, você fica aqui tomando conta da casa que eu vou pro hospital com ela.
ZORAIDE VÊ NILO DESMAIADO NO CHÃO.
FOGO SOBRE TERRA ZORAIDE
Capítulo 10
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— Nilo!
ZORAIDE SE AJOELHA AO LADO DE NILO. ZORAIDE
— Ele tá desmaiado! Tá machucado!
BALBINA
— Vamo indo.
OS HOMENS LEVAM ZULMIRA PARA FORA. BALBINA E TIANA SAEM COM ELES. MADALENA VAI APANHAR SUA BOLSA, MAS ZORAIDE, COM RAIVA, A SEGURA PELO BRAÇO. ZORAIDE
— O que o meu Nilo tava fazendo aqui no seu quarto?
MADALENA PUXA O BRAÇO COM FORÇA, SE SOLTANDO DE ZORAIDE. MADALENA
— O “seu” Nilo tentou me agarrar. A Madrinha foi me defender e ele jogou ela longe. Madrinha tá assim por causa dele.
ZORAIDE
— Até parece que Nilo ia lhe agarrar. Ocê deve de tê provocado ele! Se ocê acha que me engana...
MADALENA
— Chega Zoraide! Eu não vou ficar aqui batendo boca com você! Vou no hospital ficar ao lado da Madrinha. Se você quiser cuidar desse traste aí, fique à vontade.
MADALENA SAI. ZORAIDE
— Vagabunda! Dissimulada!
ZORAIDE SE AJOELHA AO LADO DE NILO PARA AJUDÁ-LO. ZORAIDE
— Acorda, Nilo.
CORTA PARA:
CENA 07. SÃO PAULO. EXTERIOR. NOITE VÁRIAS TOMADAS MOSTRANDO SÃO PAULO AO SOM DA MÚSICA “AMARGO” DE ZECA BALEIRO. CORTA PARA
CENA 08. APARTAMENTO DE HEITOR. QUARTO DO CASAL. INT. NOITE HEITOR ESTÁ DEITADO NA CAMA LENDO UM LIVRO. CELESTE ENTRA, VINDA DO BANHEIRO. ESTÁ PASSANDO UM CREME NOS BRAÇOS. CELESTE
— Foi impressão minha ou havia um certo clima tenso no jantar?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
HEITOR
— Não foi nada.
CELESTE
— Tá. Vou fingir que acredito.
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CELESTE SE DEITA AO LADO DE HEITOR. HEITOR
— Você... Reparou alguma coisa estranha?
HEITOR FECHA O LIVRO E O COLOCA NA MESINHA DE CABEÇEIRA. CELESTE
— Claro. O Diogo não estava nem um pouco à vontade. Parecia preocupado. E você também.
HEITOR
— É.
CELESTE
— Vocês ficaram assim depois daquela conversa no escritório. O que aconteceu? Vocês brigaram?
HEITOR
— Não. Claro que não.
CELESTE
— Mas que aconteceu alguma coisa, aconteceu. Isso é óbvio.
HEITOR
— Eu falei com ele sobre a construção da hidrelétrica. Expliquei o projeto.
CELESTE
— E o que ele disse?
HEITOR
— Pra minha surpresa, ficou reticente.
CELESTE
— Reticente? Reticente, como?
HEITOR
— Reticente. (p) Achei que ele fosse ficar empolgado, animado. Só que não foi isso o que aconteceu.
CELESTE
— Mas por quê?
HEITOR
— Ele se pegou na história de que... Na história de que, caso essa hidrelétrica seja feita, Divinéia vai ser inundada.
CELESTE OLHA SURPRESA PARA HEITOR. CELESTE
— Inundada?
HEITOR
— É.
CELESTE
— Você tá querendo me dizer que, quando essa barragem ficar pronta, Divinéia vai ficar debaixo d’água?
HEITOR
— Vai.
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Capítulo 10
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CELESTE
— Meu Deus. Heitor, agora você conseguiu me surpreender.
HEITOR
— Por quê? Você também tá achando que eu quero a destruição da cidade?
CELESTE
— Ah! Então foi isso que aconteceu. O Diogo ficou contra o projeto porque a cidade vai ser inundada.
HEITOR
— Eu não disse que ele ficou contra. Disse que ficou reticente.
CELESTE
— E você esperava o quê, Heitor? Que ele soltasse fogos? É a cidade onde ele nasceu.
HEITOR
— E daí? Eu também nasci lá.
CELESTE
— Mas é diferente. Vocês são diferentes. É muito compreensível que ele fique assim. Não é todo mundo que aceita a destruição da sua cidade.
HEITOR
— Odeio quando usam essa palavra! Destruição!
CELESTE
— Tá bem. Eu posso até mudar a palavra, mas o resultado vai ser o mesmo.
HEITOR
— Você também vai ficar contra mim?
CELESTE
— Pelo amor de Deus, Heitor. Até parece. Por mim aquela cidade pode ser inundada quatrocentas vezes. Lugarzinho sem-graça. Fim de mundo. Eu só tô falando que é aceitável a reação do Diogo. Você não se esqueça de que aquele irmão dele ainda vive lá.
HEITOR
— Eu confesso que não esperava essa reação dele. O Diogo sempre teve a cabeça aberta. Um rapaz dinâmico, antenado. (p) Ele sabe que a hidrelétrica é a chance que a região têm pra progredir, e mesmo assim...
CELESTE
— Mesmo assim ficou em dúvida se fica ao seu lado ou não.
HEITOR
— É. É isso mesmo. (p) Eu estava contando com ele pra encabeçar essa obra. É a única pessoa em quem eu tenho plena confiança de entregar um projeto que é tão importante pra construtora. Agora... Eu não sei mais o que pensar.
CELESTE
— Mas Heitor, o que foi exatamente que ele lhe disse?
HEITOR
— Que precisava pensar. Foi isso o que ele me disse.
CELESTE
— Então dá esse tempo pra ele. Como você mesmo disse, o Diogo é um homem de cabeça aberta. Tenho certeza de que ele vai ponderar sobre tudo o que você disse.
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HEITOR
— É. Não têm outro jeito mesmo. Só posso esperar.
CELESTE
— É melhor você dormir e tirar isso um pouco da cabeça. Você anda muito tenso por causa dessa hidrelétrica.
HEITOR
— Você têm razão. Até amanhã.
CELESTE
— Até amanhã.
HEITOR E CELESTE SE BEIJAM. CORTA PARA:
CENA 09. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. NOITE DIOGO ENTRA NA SALA. ESTÁ DE CALÇA DE PIJAMA E APARENTEMENTE NÃO CONSEGUE DORMIR. SE SENTA NO SOFÁ PENSATIVO. ENTRA O FLASHBACK. INSERT DE TRECHOS DA CENA 02 DO CAPÍTULO 09. HEITOR E DIOGO CONVERSANDO. HEITOR
— Não acredito que você está me fazendo uma pergunta dessas. Diogo, vai ser ótimo pra toda aquela região.
DIOGO
— Como, tio? A cidade vai ser destruída. Como pode ser bom?
HEITOR
— Porque aquele lugar tá morrendo, Diogo. A sêca tá acabando com a região. O gado tá morrendo. As plantações não vingam. Com essa hidrelétrica a coisa vai mudar. Vai ter água pra todo mundo. Além do mais, todas as pessoas que vivem em Divinéia vão receber uma indenização. Uma boa indenização. Ninguém vai sair perdendo.
DIOGO SE LEVANTA E ANDA PELO ESCRITÓRIO, PENSATIVO. DIOGO
— Eu não sei, tio Heitor. Essa história de desapropriação, de tirar as pessoas das suas casas. Isso geralmente dá problema. Sempre tem alguém contra. Sem contar que é muito impopular. Será que o senhor quer mesmo ver o nome da construtora envolvido num projeto tão polêmico assim?
HEITOR
— Diogo, senta. Você assim em pé me deixa nervoso.
DIOGO SE SENTA. HEITOR
— Esse meu amigo deputado garantiu que uma boa parte de terra vai ser cedida pelo governo. Pra que o projeto fosse aprovado isso precisava constar. É uma espécie de garantia. Nessa terra vai ser construída uma nova cidade. Uma nova Divinéia. (p) A população não vai ser despejada, Diogo! Você acha que, caso isso fosse acontecer, eu iria concordar com uma coisa dessas? Eu sou filho de Divinéia! Me preocupo com o povo de
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lá. (p) Diogo, a cidade não vai acabar. Ela vai apenas... Mudar de lugar. É isso. Vai mudar de lugar. DIOGO
— Uma nova cidade?
HEITOR
— É. Uma nova cidade. Uma nova Divinéia. Moderna, cheia de oportunidades. Imagine só como seria bom pra toda aquela região ali. Você tá morando no exterior. Não faz nem mais idéia de como aquele povo lá vive. É uma miséria desgraçada, Diogo. Com essa obra, o número de empregos vai crescer. A cidade vai receber um monte de gente de fora. Operários, técnicos. Você sabe que quando isso acontece, todo mundo sai ganhando. O comércio. O mercado de trabalho.
DIOGO
— Isso é verdade.
HEITOR
— Eu sei que, olhando assim de fora, numa primeira impressão, parece que nós vamos destruir uma cidade, mas não é nada disso. (p) Diogo, a construção dessa hidrelétrica é tudo o que Divinéia está precisando. (p) Você sempre foi um menino de cabeça aberta. Alguém que sempre quis estudar, progredir. (p) Diogo, é o progresso. É o progresso chegando à Divinéia. Será que nós temos o direito de negar isso praquela gente? De deixar que eles continuem vivendo como um bando de caboclos semialfabetizados, naquelas condições tão precárias? Essa é a oportunidade que aquele fim de mundo estava esperando pra ser alguma coisa, Diogo. (p) É a oportunidade que eles têm de ter uma vida melhor.
FIM DO FLASHBACK. DIOGO PARECE ESTAR CONFUSO. DIOGO
— Uma nova Divinéia. É, quem sabe?
A CAM SE AFASTA, MOSTRANDO DIOGO PENSATIVO. CORTA PARA:
CENA 10. CAMPO. EXTERIOR. MANHÃ AO SOM DA MÚSICA “ACONTECÊNCIAS” DE CLÁUDIO NUCCI SÃO MOSTRADAS TOMADAS DO GADO NO PASTO, SENDO TOCADO PELOS PEÕES. CORTA PARA:
CENA 11. SÍTIO DE ZÉ MARTINS. SALA. INTERIOR. MANHÃ ZÉ E CHICA ESTÃO SENTADOS À MESA ENQUANTO BRISA TERMINA DE SERVIR O CAFÉ. BRISA
— Ocês tomem aí o café de ocês que eu já tô ino embora.
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Capítulo 10
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ZÉ MARTINS
— Ocê num vai tomá café?
BRISA
— Tô sem tempo pai. Fiquei de tá na Igreja logo cedinho. Vô ajudá o Padre com os preparativo da quermesse.
ZÉ MARTINS
— E aproveita pra visitá Bicho-Brabo, num é?
BRISA
— Eu vô mesmo dá uma passada lá. Mas num é por esse motivo que o senhor tá ai pensano.
ZÉ MARTINS
— Num falei nada.
BRISA
— Num precisa. Depois ocês tira a mesa. Inté.
BRISA SAI. ZÉ MARTINS PERCEBE QUE CHICA QUASE NÃO TOCOU NO CAFÉ. ESTÁ PENSATIVA E ALHEIA AO QUE ACONTECE À SUA VOLTA. ZÉ MARTINS
— E ocê, Chica?
CHICA
— O que têm eu?
ZÉ MARTINS
— Tá com essa cara por quê?
CHICA
— Porque é a que o senhor mais mãe me deram.
ZÉ MARTINS SORRI. ZÉ MARTINS
— Conheço ocê como a parma da minha mão, Chica. Sei que têm arguma coisa lhe desacorçoando. Tá assim desde que chegou da casa do seu noivo. O que aconteceu? Ocê e Pedro brigaram?
CHICA
— Não. Não brigamo. (p) Eu falei umas coisa pra ele e... E eu acho que ele pode de tê ficado magoado. Pode num tê intendido o que eu quis dizê.
ZÉ MARTINS
— Acho difícil. Pedro sabe que ocê gosta dele. Que só fala pensando na felicidade dele.
CHICA
— É. Ele sabe. Mas é que eu fui muito dura, pai. Disse que ele num tinha construído nada nessa vida. Que tudo o que ele tinha foi o que o pai deixou. E o que Heitor Gonzaga permitiu que ele tivesse.
ZÉ MARTINS PENSA POR ALGUNS SEGUNDOS. ZÉ MARTINS
— Essas coisa a gente num diz pra um hóme, filha. Ainda mais pra um orgulhoso que nem Pedro Azulão.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
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CHICA
— Eu sei, pai. Mas o senhor me conhece. Primeiro eu falo, depois eu penso. Quando vi já tinha dispejado tudo isso em cima do pobre. Além do quê, é verdade memo.
ZÉ MARTINS
— Mas por quê que ocê foi falá tudo isso?
CHICA
— Porque eu queria convencê ele a deixa Divinéia.
ZÉ MARTINS FICA OLHANDO SURPRESO PARA A FILHA. CORTA PARA:
CENA 12. CASA DE HILDA. SALA. INTERIOR. MANHÃ HILDA ESTÁ APANHANDO SUA BOLSA PARA SAIR. MUNDICA ENTRA. MUNDICA
— Vai sai, dona Hilda?
HILDA
— Não. Me arrumei assim porque eu sou boba. É claro que eu vou sair, estaferma! (P) Quero que você faça uma coisa pra mim.
MUNDICA
— Sim senhora.
HILDA
— Você sabe onde estão as caixas com os bordados pra quermesse, não sabe?
MUNDICA
— Sei, sim senhora.
HILDA
— Eu quero que você separe todos eles por cor e depois volte a embalar tudo nas caixas. Não esqueça de escrever nelas quais são as cores.
MUNDICA
— Todos eles?
HILDA
— É claro que são todos eles. Mundica, hoje você está mais lenta do que o normal. Eu vou à Igreja. Hoje nós vamos ter uma reunião pra acertar os últimos detalhes da quermesse.
MUNDICA
— Uai. Mas a senhora nunca participa dessas reuniões.
HILDA
— Não participava. Agora eu vou participar. Imagina que eu vou deixar aquela madre Teresa de Calcutá dos pobres tomar à frente de tudo. Não na minha cidade!
MUNDICA
— Num conheço essa dona Teresa, não. Ela é nova na cidade?
HILDA FICA OLHANDO PARA MUNDICA. HILDA
— Senhor, dai-me paciência pra agüentar essa criatura ignorante logo pela manhã.
FOGO SOBRE TERRA
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HILDA SAI. MUNDICA
— Que foi que eu falei de errado? Só porque eu não conheço essa dona Teresa?
CORTA PARA:
CENA 13. CASA DE BRENO. SALA DE JANTAR. INTERIOR. MANHÃ BRENO E CAMILA ESTÃO TOMANDO CAFÉ. BRENO
— Sua mãe ainda não tomou café?
CAMILA
— Eu acho que não.
BRENO
— Eu não posso ficar esperando por ela. Tenho muita coisa pra fazer na prefeitura. Tchau, minha filha.
CAMILA
— Tchau, pai.
BRENO DÁ UM BEIJO NA TESTA DA FILHA E SAI. DEPOIS DE UM TEMPO, LOURDES ENTRA. LOURDES
— Cadê o seu pai?
CAMILA
— Bom dia pra senhora também, mamãe.
LOURDES
— Bom dia, Camila. Cadê o seu pai?
CAMILA
— Já foi pra prefeitura.
LOURDES
— Eu não acredito que ele fez isso comigo!
CAMILA
— Isso o que?
LOURDES SE SENTA. LOURDES
— Isso. Me abandonar assim, jogada aos leões!
CAMILA
— Que leões? Do que a senhora tá falando?
LOURDES
— Leões não. Leão. É um só. (p) Tô falando do Padre Luís. Hoje vão começar os preparativos pra quermesse. Eu queria que seu pai, na condição de prefeito, fosse comigo até a Igreja. Pra impor respeito. Pra dar um certo ar de autoridade.
CAMILA
— Pra que isso?
LOURDES
— Pro Padre não me botar de lá pra fora!
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CAMILA
— Até parece que o Padre Luís vai fazer isso, mãe!
LOURDES
— Você acha que não?
CAMILA
— Claro que não.
LOURDES
— Eu não sei. Já pensou que situação mais desagradável eu, a primeira dama, ser expulsa da Igreja?
CAMILA
— Até parece que ele vai fazer isso. O Padre Luís é um amor de pessoa.
LOURDES
— Um amor. Sei. Do jeito que você fala parece que ele é um santo.
CAMILA
— Um santo eu não sei, mas é quase isso.
LOURDES
— É. Fica do lado do Padre. Eu já deveria saber que tanto você quanto o seu pai iriam ficar contra mim.
CAMILA
— Contra a senhora?
LOURDES
— É. Eu nunca posso contar com o apoio de vocês. É mais fácil um estranho me estender a mão do que a minha própria família.
CAMILA
— Mãe, a senhora tá pirando.
LOURDES
— Isso. Além de tudo me chama de louca. Vai querer me interditar também? Me jogar num sanatório amarrada numa camisa de força?
CAMILA
— Quer saber? Eu vou pra escola que ganho mais. Tchau mãe.
CAMILA SAI. LOURDES
— Vai embora. Larga a mãe à própria sorte. É Lourdes. Essa batalha você vai ter que enfrentar sozinha!
LOURDES SE LEVANTA E APANHA A BOLSA. LOURDES
— Padre Luís, se o senhor acha que está livre de Lourdes Piragibe, pode tirar o seu cavalinho da chuva! À guerra!
LOURDES SAI. CORTA PARA:
CENA 14. FAZENDA DE ARTHUR. ESCRITÓRIO. INTERIOR. MANHÃ ARTHUR ESTÁ FALANDO AO TELEFONE ENQUANTO ISABEL ESPERA. ARTHUR
— Ramira, não fica choramingando. Eu já entendi o que aconteceu. (p) Não. Não se preocupa que não vai acontecer nada. Você manda Amadeu
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arrumar as coisas dele e vir pra cá hoje mesmo. (p) Isso você deixa que eu mesmo arranjo tudo. Vou ligar pro delegado daí e ter uma conversinha com ele. (p) Tá certo. Mas manda ele vir hoje. ARTHUR DESLIGA O TELEFONE. ISABEL
— Coronel, o senhor me desculpe. Eu mesma queria atender a Ramira, mas ela estava muito nervosa. Disse que precisava falar pessoalmente com o senhor.
ARTHUR
— Você fez certo de me passar o telefone. É coisa que só eu mesmo posso resolver.
ISABEL
— Alguma coisa séria?
ARTHUR
— É. Você tá lembrada do Amadeu, o filho da Ramira?
ISABEL
— Lembro sim.
ARTHUR
— Pois é. Parece que um sujeito lá se engraçou com a mulher dele e o Amadeu perdeu a cabeça. Deu cabo do homem.
ISABEL
— Que horror.
ARTHUR
— É, mas pelo que falaram o falecido era um sem vergonha. Mereceu o que teve. Acontece que Ramira tá com medo de que o filho seja preso.
ISABEL
— E o senhor mandou ele vir pra cá?
ARTHUR
— É. Ele mais a mulher. Depois você fale com Bicho Brabo que eu acho que têm umas casas de colonos que tão desocupadas. Peça pra Ivone dar um jeito numa delas. Deixar tudo direitinho pra receber esses dois.
ISABEL
— Pode deixar que eu falo com ela.
ARTHUR SE LEVANTA. ARTHUR
— Bom, agora eu tenho que dar um pulo na cidade.
ISABEL
— Coronel, eu estava me esquecendo. O seu filho telefonou.
ARTHUR
— O Vinícius?
ISABEL
— É. O senhor estava no banho.
ARTHUR
— Que estranho. Ele nunca me liga. (p) Será que aconteceu alguma coisa?
ISABEL
— Pelo telefone parecia estar tudo bem. Ele estava tranqüilo.
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ARTHUR
— Vou ligar pra ele. (p) Queria ter mais contato com esse menino, afinal de contas, é meu único filho. Acontece que aquela mãe dele faz marcação cerrada. Não deixa eu me aproximar dele de jeito nenhum.
ISABEL
— Logo ele vai ficar maior de idade, Coronel. Ela não vai poder mais manter o rapaz longe do senhor.
ARTHUR
— É. Você têm razão. (p) Vou telefonar pra ele.
ARTHUR VOLTA A SE SENTAR PRA FALAR AO TELEFONE. CORTA PARA:
CENA 15. CUIABÁ. EXTERIOR. MANHÃ TOMADAS MOSTRANDO CENAS DE CUIABÁ. CORTA PARA:
CENA 16. APARTAMENTO DE LEONOR. SALA. INTERIOR. MANHÃ O TELEFONE TOCA. VINÍCIUS ENTRA CORRENDO PARA ATENDER. VINÍCIUS
— Deixa que eu atendo, mãe!
VINÍCIUS ATENDE AO TELEFONE. VINÍCIUS
— Alô.
A PARTIR DAQUI A CENA COMEÇA A INTERCALAR COM ARTHUR FALANDO NO ESCRITÓRIO DA FAZENDA. ARTHUR
— Vinícius?
VINÍCIUS
— Pai?
ARTHUR
— Sou eu, meu filho.
VINÍCIUS SORRI. ARTHUR
— Tá tudo bem com você?
VINÍCIUS
— Tá sim. E com o senhor?
ARTHUR
— A gente vai tocando. Fiquei preocupado quando a Isabel disse que você tinha ligado. Aconteceu alguma coisa?
VINÍCIUS
— Não. Não aconteceu nada, pai. Tá tudo bem por aqui.
ARTHUR
— Sua mãe também?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
VINÍCIUS
— Também. Não é nada... Sério.
ARTHUR
— Então... Você deve estar precisando de alguma coisa.
Pag.: 18
VINÍCIUS PARECE FICAR SEM GRAÇA. VINÍCIUS
— É pai. Tô precisando sim.
ARTHUR
— E o que é?
VINÍCIUS
— Não queria que o senhor ficasse pensando que eu só ligo pra pedir coisa.
ARTHUR
— Deixa disso, Vinícius. Eu sei que a sua mãe não deixa você me telefonar. Não se preocupa com isso.
VINÍCIUS
— Pai, eu... Eu tô precisando de uns livros pra faculdade, mas... Mas eu não tenho dinheiro pra comprar.
ARTHUR
— Livro pra faculdade? Mas por que é que você não me ligou antes?
VINÍCIUS
— Porque a mãe não deixou.
ARTHUR
— A sua mãe é uma cabeça dura.
VINÍCIUS
— E o senhor vem falar isso pra mim?
ARTHUR
— A sua mãe precisa acabar com essa história de não deixar você chegar perto de mim. Eu vou conversar com ela.
VINÍCIUS
— Se ela souber que eu liguei pro senhor, ela me mata.
ARTHUR
— Mata nada. Sua mãe fala, fala, mas no fundo não faz nada. Meu filho, eu vou ter que dar um pulo na cidade agora. Aproveito pra passar no banco e depositar um dinheiro na sua conta. Você ainda têm aquela conta... Aquela conta pra menor de idade, não têm?
VINÍCIUS
— Tenho sim.
LEONOR ENTRA NA SALA E FICA OLHANDO PARA O FILHO ENQUANTO ELE FALA AO TELEFONE. VINÍCIUS PERCEBE E COMEÇA DISFARÇAR. VINÍCIUS
— Tá certo. Depois eu vejo lá.
ARTHUR
— Eu quero ver se dou um pulo aí em Cuiabá no mês que vêm pra resolver umas coisas e vou aproveitar pra falar com a sua mãe. Essa história dela não deixar você me ver precisa acabar. Você é o meu único filho.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
Pag.: 19
VINÍCIUS
— Tá. Tá certo.
ARTHUR
— O que foi? Ela tá aí na sala?
VINÍCIUS
— Isso.
LEONOR
— Anda logo, filho. A gente já tá atrasado.
VINÍCIUS
— Olha, eu... Eu vou ter que desligar. Depois a gente se fala.
ARTHUR
— Tá certo. Então depois você passa no banco pra pegar o dinheiro. Tenha juízo aí, meu filho. Um abraço pra você.
VINÍCIUS
— Outro.
VINÍCIUS DESLIGA O TELEFONE. LEONOR
— Filho, isso lá é hora de ficar batendo papo no telefone?Você precisa ir pra faculdade.
VINÍCIUS
— Eu sei, mãe. Já tô indo.
LEONOR
— Quem era?
VINÍCIUS
— Quem era?
LEONOR
— É, Vinícius. Quem era no telefone? Ninguém liga pra cá tão cedo.
VINÍCIUS
— Ah! Era... Era um amigo meu da faculdade. Ligou pra me lembrar de levar o trabalho.
LEONOR
— Tá bem. Então vamos.
VINÍCIUS E LEONOR SAEM. CORTA PARA:
CENA 17. SÃO PAULO. EXTERIOR. MANHÃ VÁRIAS TOMADAS DE SÃO PAULO AO SOM DA MÚSICA “AMARGO” DE ZECA BALEIRO. TERMINA COM A FACHADA DO PRÉDIO DA CONSTRUTORA. CORTA PARA:
CENA 18. CONSTRUTORA. SALA DE HEITOR. INTERIOR. MANHÃ HEITOR E BRUNO ESTÃO CONVERSANDO. HEITOR
— Quando eu saí de casa ele ainda estava dormindo.
BRUNO
— Então você ainda não sabe o que o Diogo decidiu?
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
Pag.: 20
HEITOR
— Não.
BRUNO
— Ainda têm tempo, Heitor. O relatório de impacto ambiental ainda nem saiu. Eu tenho certeza de que você vai conseguir convencer o Diogo a assumir a obra.
HEITOR
— Tomara que você esteja certo mesmo. (p) Falando no relatório, quero que você ligue pro Lincoln e tente descobrir à quantas anda isso.
BRUNO
— Agora?
HEITOR
— Já.
BRUNO SE LEVANTA. BRUNO
— Vou ligar lá da minha sala.
HEITOR
— Bruno, quando você sair, por favor peça pra Vera chamar a Eduarda. Eu quero falar com ela.
BRUNO
— Eu peço.
BRUNO SAI. HEITOR
— Não posso ficar dependendo do Diogo, infelizmente.
CORTA PARA:
CENA 19. CONSTRUTORA. SALA DE PROJETOS. INTERIOR. MANHÃ EDUARDA ESTÁ FALANDO AO TELEFONE, ENQUANTO ANDRÉ, DE SUA MESA, OBSERVA. EDUARDA
— Agora? (p) Tá certo, Vera. Tô indo. Obrigado.
EDUARDA DESLIGA O TELEFONE COM UM AR PREOCUPADO. ANDRÉ
— O que foi?
EDUARDA
— Poderoso Chefão mandou me chamar. (p) Não tô gostando disso.
ANDRÉ
— Você acha que...
EDUARDA
— Eu não acho nada. Prefiro não achar. Só que ele anda meio de pé atrás comigo.
EDUARDA SE LEVANTA. EDUARDA
— Bom, só têm um jeito de saber. Enfrentando a fera. Vou lá ver o que ele quer comigo.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10
ANDRÉ
— Boa sorte.
EDUARDA
— Acho que eu vou precisar mesmo.
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EDUARDA SAI, DEIXANDO ANDRÉ PREOCUPADO. CORTA PARA:
CENA 20. APARTAMENTO DE HEITOR. SALA. INTERIOR. MANHÃ. CELESTE ESTÁ SENTADA NA SALA LENDO UMA REVISTA. DIOGO ENTRA. DIOGO
— Bom dia, tia.
CELESTE
— Bom dia. Mas sem o tia, pelo amor de Deus! Eu não sou tia de um homem da sua idade.
DIOGO RI. DIOGO
— Tá certo. Bom dia, Celeste.
CELESTE
— Muito melhor. Bom dia, meu querido. Dormiu bem?
DIOGO SE SENTA. DIOGO
— Mais ou menos.
CELESTE
— Eu escutei você andando pela sala.
DIOGO
— Pois é. O tio Heitor me deu um monte de coisa pra pensar.
CELESTE
— Ele me disse. (p) Chegou a alguma conclusão?
DIOGO
— Pra dizer a verdade, não. Não quero tomar nenhuma decisão precipitada.
CELESTE
— Você sempre foi assim. Sempre analisou tudo.
DIOGO
— É que quando eu tomo alguma decisão, gosto de ter certeza de que é a certa. De que é o melhor.
CELESTE
— Eu entendo. Mas Diogo, nem tudo na vida é assim. Você nunca vai poder ter certeza de que todas as coisas que você faz são completamente certas. Algumas vezes é preciso arriscar. Nesse caso da hidrelétrica por exemplo. Eu sei que a primeira impressão que a gente têm é de que a cidade vai ser destruída, de que as pessoas vão perder as suas casas. Só que, se a gente olhar mais adiante, vai ver que as coisas podem não ser assim. (p) Diogo, às vezes, dependendo da forma como nós conduzimos as coisas, elas mudam pra um lado ou pro outro. Eu sei que essa obra vai
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Capítulo 10
Pag.: 22
criar transtornos, mas também pode resultar muita coisa boa daí. Não vou ficar aqui enumerando o que é porque tenho certeza de que o seu tio já fez isso. (p) Pensa bem. A hidrelétrica pode trazer tanta coisa boa pra Divinéia, Diogo. E se isso acontecer, e eu tenho certeza de que vai, você, um filho da terra é quem vai ter feito. Você saiu de lá pequeno, estudou, virou um homem e agora volta pra lá pra ajudar aquele povo. Pra fazer com que eles tenham uma vida melhor. (p) Você não acha que vale a pena? DIOGO FICA OLHANDO PENSATIVO PARA CELESTE. CORTA PARA:
CENA 21. CONSTRUTORA. SALA DE HEITOR. INTERIOR. MANHÃ HEITOR ESTÁ EM SUA MESA. EDUARDA ENTRA. EDUARDA
— Com licença, doutor Heitor.
HEITOR
— Oi Eduarda.
EDUARDA
— A Vera me disse que o senhor queria falar comigo.
HEITOR
— Quero sim.
HEITOR SE LEVANTA E VAI ATÉ O SOFÁ. HEITOR
— Senta, por favor.
EDUARDA
— Com licença.
OS DOIS SE SENTAM. EDUARDA
— Doutor Heitor, antes de qualquer coisa, eu queria me desculpar por aquele dia. Eu fui muito infeliz na forma com que eu o abordei.
HEITOR
— Vamos esquecer isso. Também não foi nada importante. Não chamei você aqui pra nós falarmos disso. O assunto é muito mais importante. (p) Eu sei que você anda muito interessada em participar do projeto da hidrelétrica.
EDUARDA
— Muito, doutor Heitor. A minha vida inteira eu esperei por uma oportunidade dessas. O senhor pode ter certeza de que, caso me dê essa chance, eu não vou decepcioná-lo. Vou me atirar de cabeça no trabalho.
HEITOR
— Ótimo. Eu conheço a sua dedicação, a sua competência. Você é uma das melhores profissionais que eu tenho aqui. Não tenho medo de elogiar funcionário. Acho que se ele faz por merecer, deve ser reconhecido. (p)
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Capítulo 10
Pag.: 23
Eduarda, eu tenho certeza de que você é capaz de desenvolver esse trabalho, mas eu tenho uma dúvida. EDUARDA
— Que dúvida?
HEITOR
— A construção dessa barragem vai exigir muito de todos nós e principalmente de quem estiver no trabalho de campo. Eu sei que você não conhece Divinéia. É um lugar... Atrasado, com poucos recursos. Nem mesmo um hotel têm lá. Só uma pensão.
EDUARDA
— Eu não me importo, doutor Heitor.
HEITOR
— Você diz isso agora, mas pra uma moça como você...
EDUARDA
— Doutor Heitor, o senhor me desculpe. Se o senhor me disser que não me quer no projeto porque eu sou incompetente, porque não gosta do meu trabalho, eu posso até aceitar. Não concordo, mas aceito. Mas por eu ser mulher? Eu lhe garanto que sou tão ou mais competente do que muitos homens que trabalham com o senhor. Não tenho medo de trabalho. Não tenho medo de dormir em barraca. O senhor pode me mandar pro meio da Amazônia que eu não me importo. A minha profissão é a coisa mais importante da minha vida, doutor Heitor. Eu faço qualquer sacrifício por ela.
HEITOR FICA UM TEMPO OLHANDO PARA EDUARDA. HEITOR
— Eu queria que todos os meus funcionários tivessem essa sua garra. (p) Eduarda, eu estou tendo um... Um probleminha. Eu havia escolhido uma pessoa pra ser responsável pela construção da hidrelétrica, mas... Mas eu não sei se ela vai poder assumir esse cargo. Eu preciso pensar em outro nome pra essa função. Estou pensando em você.
EDUARDA SORRI ENTUSIASMADA. HEITOR
— Eu não estou dizendo que você é a escolhida. Seu nome é um dos que eu estou pensando pra esse cargo. Têm o André também, o próprio Bruno. Sem contar é claro, a pessoa que eu tinha em mente e que eu estou esperando que me dê uma resposta.
EDUARDA
— Claro. Só de o senhor lembrar do meu nome, de pensar em mim pra um cargo de tanta confiança, eu...
HEITOR
— Só queria saber se você está mesmo disposta a se enfiar num fim de mundo como Divinéia pra trabalhar na construção da barragem.
EDUARDA
— Claro que eu estou.
HEITOR
— Ótimo. Então eu sei que posso contar com você.
FOGO SOBRE TERRA EDUARDA
Capítulo 10
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— Doutor Heitor, mesmo que o senhor escolha outra pessoa, eu sei que têm muita coisa que posso fazer pra ajudar. Eu quero muito estar nesse projeto.
HEITOR OLHA PARA EDUARDA POR ALGUNS SEGUNDOS E DEPOIS SORRI. HEITOR
— Você vai estar. Pode ficar tranqüila que você vai estar.
EDUARDA SORRI PARA HEITOR. CORTA PARA:
CENA 22. CONSTRUTORA. SALA DE PROJETOS. INTERIOR. MANHÃ EDUARDA E ANDRÉ ESTÃO CONVERSANDO. A MOÇA ESTÁ EUFÓRICA. EDUARDA
— Eu tô dentro! Nem acredito! Eu tô dentro do projeto da hidrelétrica!
ANDRÉ
— Era o que você tava querendo.
EDUARDA
— Era tudo o que eu queria. E você também tá. Vacilou um de nós fica de chefão da obra.
ANDRÉ
— É isso que eu tô achando estranho.
EDUARDA
— Estranho por quê?
ANDRÉ
— Porque eu sempre achei que ele ia colocar o Diogo à frente do projeto.
EDUARDA
— Vai ver o cara não quis.
ANDRÉ
— Será?
EDUARDA
— Ele me disse que tá esperando a resposta de uma pessoa, deve ser ele.
ANDRÉ
— É. Deve ser.
EDUARDA
— Mas isso não me interessa. Claro que se eu chegar lá de gerente da obra, vai ser a glória, mas mesmo que não seja. Ele já garantiu que eu vou pra lá. É tudo o que a minha carreira precisa pra crescer. André, esse tipo de oportunidade só aparece na vida de uma pessoa uma única vez. Às vezes nem isso. Eu não vou deixar ela passar. Vou agarrar com unhas e dentes!
EDUARDA SORRI TRIUNFANTE. CORTA PARA:
CENA 23. PASTO. EXTERIOR. MANHÃ
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TOMADAS DO PASTO, DO GADO E DO RIO JURAPORI AO SOM DA MÚSICA “ACONTECÊNCIAS” DE CLÁUDIO NUCCI. CORTA PARA:
CENA 24. FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. MANHÃ TOMADA DA SEDE DA FAZENDA DE HEITOR, AINDA AO SOM DA MÚSICA DA CENA ANTERIOR. CORTA PARA:
CENA 25. FAZENDA DE HEITOR. ESCRITÓRIO. INTERIOR. MANHÃ LUCENA E NILO ESTÃO CONVERSANDO. O PEÃO TÊM UM CURATIVO NA CABEÇA. LUCENA
— Ocê endoidou de vez, hóme? Agarrar a mulher do patrão!
NILO
— Eu tava bêbado.
LUCENA
— E por acaso ocê acha que ele vai aceita isso como descurpa? Ocê tá é perdido, Nilo. Ele vai acabá com a sua raça!
NILO
— Ocê também num precisa ficá me rogando praga!
LUCENA
— Num tô lhe rogando praga nenhuma. Tô só falando a verdade. (p) Ocê já sabe o que vai fazê?
NILO
— Não. Pensei em ir até lá e falá com Madalena. Me desculpá e pedi pra ela num falá nada.
LUCENA
— E ocê acha que isso adianta?
NILO
— Acho que não. Ela deve de tá querendo que eu me estrepe. Ainda acabei machucando Zulmira.
LUCENA
— Ocê num têm juízo.
NILO
— Eu agora preciso encontra uma forma de num deixá essa história chegá nos ouvidos do seu Heitor.
LUCENA
— Vai sê difícil. Muito difícil.
NILO FICA OLHANDO DESANIMADO PARA LUCENA. CORTA PARA:
CENA 26. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE ZULMIRA. INTERIOR. MANHÃ
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Capítulo 10
Pag.: 26
BALBINA E MADALENA AJUDAM ZULMIRA A SE DEITAR ENQUANTO TIANA E ZORAIDE OBSERVAM. ZULMIRA ESTÁ ENFAIXADA POR CAUSA DO MACHUCADO NAS COSTAS. MADALENA
— Tá bom assim, Madrinha?
ZULMIRA
— Tá ótimo. É só eu encontrar o jeito certo. A posição certa. (p) Pronto.
BALBINA
— Ocê precisa de arguma coisa?
ZULMIRA
— Não. Só quero dormir um pouco. Aquele monte de analgésicos que eu tomei está me dando sono.
MADALENA
— Então é melhor a gente sair pra senhora descansar.
BALBINA
— Madalena tá certa. Vamo indo.
BALBINA, ZORAIDE, TIANA E MADALENA COMEÇAM A SAIR. ZULMIRA
— Madalena, você fica. Eu quero falar com você.
TODAS SAEM, FICANDO APENAS MADALENA JUNTO COM ZULMIRA. MADALENA
— O que foi, Madrinha?
ZULMIRA
— Senta aqui.
MADALENA SE SENTA AO LADO DE ZULMIRA. ZULMIRA
— Isso tudo que aconteceu não pode ficar assim, sem nenhuma conseqüência pro Nilo.
MADALENA
— Madrinha... Eu pensei sobre isso enquanto tava lá no hospital com a senhora. Acho melhor a gente não fazer nada.
ZULMIRA SE SURPREENDE. ZULMIRA
— Não fazer nada?! Mas Madalena...
MADALENA
— Madrinha, se isso cai no ouvido do Heitor, eu tenho até medo do que ele possa fazer com o Nilo. É melhor a gente esquecer e...
ZULMIRA
— De jeito nenhum, Madalena. Esse homem entrou na minha casa, tentou violentar você e ainda por cima me agrediu. Ele não vai sair dessa com a cara lavada. Se você não contar pro Heitor, eu conto!
MADALENA FICA OLHANDO PARA ZULMIRA. A IMAGEM SE CONGELA, UMA PAREDE DE LABAREDAS TOMA CONTA DA TELA E SE TRANSFORMA EM UM GRANDE MURO DE TERRA SÊCA.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 10 FIM DO CAPÍTULO
Pag.: 27