TV DESTINO Central Destino de Produção
Cap. 24
14/04/2008
FOGO SOBRE TERRA Novela de
Walter de Azevedo Inspirada no original de
Janete Clair Colaboração de Eduardo Secco Direção Claudio Boeckel e Marco Rodrigo Direção Geral Luiz Fernando Carvalho Núcleo
Luiz Fernando Carvalho Personagens deste capítulo JANE CHRISTIANE ANDRÉ RITA BÁRBARA AMARO ANACLETO EDUARDA DIOGO LUCENA
JULIANO DONANA VINÍCIUS LEONOR PEDRO CRIANÇA DIOGO CRIANÇA JOÃO MIRTES NARA HILDA
ZORAIDE BALBINA LOURDES CAMILA VIDIGAL MADALENA GUSTAVO CELESTE PEDRO
Atenção “ Este texto é de propriedade intelectual exclusiva da TV DESTINO LTDA e por conter informações confidenciais, não poderá ser copiado, cedido, vendido ou divulgado de qualquer forma e por qualquer meio, sem o prévio e expresso consentimento da mesma.No caso de violação do sigilo, a parte infratora estará sujeita às penalidades previstas em lei e/ou contrato.”
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 24
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CENA 01. APARTAMENTO DE DIOGO. SALA. INTERIOR. MANHÃ CONTINUAÇÃO. CHRISTIANE, NERVOSA E ANDANDO PELA SALA, CONVERSA COM A MÃE. JANE
— Não fale isso, minha filha.
CHRISTIANE
— Falo, mãe! Eu não tô brincando! Se o Diogo quiser mesmo voltar para o Brasil, eu transformo a vida dele num inferno! A gente demorou muito até conseguir se acertar. Eu sofri muito. Faço o que com isso? Jogo pela janela? Não! (p) Passei por tanta coisa enquanto a gente ainda morava em São Paulo. A senhora lembra disso.
JANE
— Lembro.
CHRISTIANE
— Minha vida tá tão boa aqui no Canadá. Foi só aqui que eu consegui isso. Não quero voltar pro Brasil e passar por tudo aquilo de novo.
JANE
— Christiane, isso é coisa do passado. Você e o seu marido se acertaram. Estão bem. Não têm o menor cabimento você continuar com esse medo de que as coisas voltem a ser como antes.
CHRISTIANE
— A senhora acha que eu estou errada, não é?
JANE
— Eu acho que você têm um medo infundado. Christiane, o Diogo te ama. Você têm alguma dúvida disso?
CHRISTIANE PENSA ANTES DE RESPONDER. PARECE CANSADA. CHRISTIANE
— Não sei. Eu acho que ele me ama, mas às vezes me dá uma incerteza. O Diogo é tão distante. Ele quase não fala o que sente, nem o que pensa. Eu não sei como agir com ele. Queria tanto saber o que ele sente de verdade, o que ele está pensando, mas é como se ele fosse uma parede. Algo que eu não pudesse transpor. (p) Como se fosse a porcaria da barragem de uma hidrelétrica.
JANE
— O Diogo sempre foi assim.
CHRISTIANE
— Eu sei.
JANE
— Isso não quer dizer que ele não lhe ame. É o jeito dele. Ele saiu do Brasil só por sua causa. Pra ficar com você. Pra ter uma vida melhor ao seu lado.
CHRISTIANE
— Às vezes eu penso que ele só está comigo por causa da Vivi.
JANE
— Que besteira, Christiane.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 24
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CHRISTIANE
— Pode ser, mas eu penso.
JANE
— Só que quando vocês vieram pra cá, a Vivi não havia nascido. Aliás, você nem estava grávida.
CHRISTIANE
— É. E eu penso nisso também. Eu ando muito confusa, mãe. Minha cabeça parece que vai explodir de tanta coisa que eu penso. Eu estou tão sozinha. Preciso tanto de alguém pra conversar. (p) Que bom que a senhora tá aqui.
JANE SORRI PARA A FILHA E ABRE OS BRAÇOS. CHRISTIANE A ABRAÇA E AS DUAS FICAM ASSIM. CORTA PARA:
CENA 02. FAZENDA DE HEITOR. EXTERIOR. MANHÃ Sonoplastia: “ACONTECÊNCIAS” – CLÁUDIO NUCCI. TOMADAS MOSTRANDO O GADO NO CAMPO, O RIO JURAPORI E TERMINANDO COM A FACHADA DA CASA DA FAZENDA. CORTA PARA:
CENA 03 FAZENDA DE HEITOR. SALA DE JANTAR. INTERIOR. MANHÃ ANDRÉ ESTÁ TERMINANDO DE TOMAR CAFÉ E CONVERSANDO COM RITA. BÁRBARA ENTRA COM CARA DE SONO. ANDRÉ
— Bom dia!
BÁRBARA SE SENTA. BÁRBARA
— Erros básicos na sua frase. Primeiro: Não é dia, é madrugada. Segundo: Se fosse bom eu ainda estaria dormindo na minha cama, quentinha. Bom-dia, Rita.
ANDRÉ E RITA RIEM. RITA
— Bom-dia, dona Bárbara. Aqui no interior a gente tá acostumado a acordá cedo assim. Faz é tempo que eu tô de pé.
BÁRBARA
— Você é uma batalhadora, meu bem. Uma heroína!
RITA
— Vou trazer mais pão e leite pra senhora. Licença.
RITA SAI. ANDRÉ
— Bárbara, se você não quiser, não precisa me acompanhar até a delegacia. Eu vou sozinho.
FOGO SOBRE TERRA BÁRBARA
Capítulo 24
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— Não. Eu disse que ia e vou, André. E também, não têm mais nada interessante pra fazer por aqui. (p) Quer dizer, têm o Nilo Gato.
ANDRÉ OLHA SURPRESO PARA BÁRBARA E COMEÇA A RIR. ANDRÉ
— Nilo Gato?
BÁRBARA
— Claro! Vamos combinar que ele é gato. Fato! E eu vim aqui pra me divertir. Meu amigo, “Girls Just Want To Have Fun”! Como diria a diva Cyndi Lauper.
ANDRÉ CONTINUA RINDO. ANDRÉ
— Você é uma figura.
BÁRBARA PISCA PARA ANDRÉ E SORRI. CORTA PARA:
CENA 04. DIVINÉIA. PRAÇA. EXTERIOR. MANHÃ Sonoplastia: “DIVINÉIA” – EUSTÁQUIO SENA. TOMADA DO MOVIMENTO NA PRAÇA DA CIDADE. ANDRÉ E BÁRBARA CHEGAM DE JEEP. O CARRO PARA NA PORTA DA PREFEITURA, OS DOIS DESCEM E ENTRAM. CORTA PARA:
CENA 05. DELEGACIA. INTERIOR. MANHÃ ANDRÉ E BÁRBARA ESTÃO SENTADOS CONVERSANDO COM O DELEGADO AMARO. CABO ANACLETO ESTÁ DO LADO, OUVINDO. AMARO
— O Cabo Anacleto me disse que vocês estiveram aqui me procurando.
ANDRÉ
— Estivemos sim.
BÁRBARA
— E o senhor não estava.
AMARO
— Eu estava fora. Coisa de trabalho. Mas em que eu posso lhes ajudar?
ANDRÉ
— Eu quero prestar uma queixa.
AMARO
— Uma queixa?
ANDRÉ
— É.
AMARO E ANACLETO SE OLHAM, COMO SE ISSO FOSSE ALGO ESTRANHO. BÁRBARA
— Algum problema?
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AMARO
— Não. Nenhum. É que isso não é muito comum aqui em Divinéia. Nós não costumamos ter muitas... Ocorrências.
BÁRBARA
— Pois é, delegado. Como o senhor pode ver, até a tartaruga anda. Devagar, mas anda.
ANDRÉ
— Delegado, o meu pai foi surrado.
AMARO
— Seu pai?! O... O beato?!
ANDRÉ
— É.
AMARO
— Mas quem faria uma coisa dessas com ele?
BÁRBARA
— Entendeu agora porque a gente tá aqui?
ANDRÉ
— Eu quero saber quem fez isso. Meu pai tá no hospital, muito machucado. Poderia ter morrido. Quero que o responsável por isso seja punido.
AMARO
— Claro! É lógico! Por acaso ele disse quem fez isso com ele?
ANDRÉ
— Meu pai ainda não falou nada.
AMARO
— Bem, eu vou precisar do depoimento dele.
ANDRÉ
— Ele está no hospital. Se o senhor quiser, nós podemos ir até lá.
AMARO
— Vamos sim.
O DELEGADO, ANDRÉ E BÁRBARA SE LEVANTAM. AMARO
— Anacleto, eu vou até o hospital falar com o beato. Tome conta de tudo.
ANACLETO
— Pode deixar, doutor!
OS TRÊS SAEM. ANACLETO APROVEITA PARA SENTAR NA CADEIRA DO DELEGADO E SE PREPARAR PARA UM COCHILO. CORTA PARA:
CENA 06. FAZENDE DE HEITOR. SALA. INTERIOR. MANHÃ DIOGO ESTÁ SE DIRIGINDO À PORTA PARA SAIR. EDUARDA ENTRA, VINDA DO QUARTO. EDUARDA
— Diogo?
DIOGO
— Oi, Eduarda. Bom-dia.
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EDUARDA
— Bom-dia. Você vai sair?
DIOGO
— Vou sim. Vou na casa do meu irmão.
EDUARDA
— Do seu irmão? Mas você me disse que ele estava viajando.
DIOGO
— Eu vou ver a Nara. Foi ela quem criou o Pedro. Quando nós éramos pequenos ela ajudava a minha mãe a cuidar da gente.
EDUARDA
— Posso ir junto? Eu ia adorar conhecer a... Nara.
DIOGO
— Eduarda... Talvez seja melhor num outro dia. Faz tempo que eu e ela não conversamos. Nos vimos rapidamente no hospital e só. Se você não se importar, eu gostaria de ir sozinho.
EDUARDA
— Claro que não. Eu entendo.
DIOGO
— Obrigado.
EDUARDA
— Mas depois que você voltar, poderia me acompanhar? Eu tenho que dar uma olhada no rio. Trabalhar um pouco. Aliás, a gente deveria ter feito isso ontem e não fez.
DIOGO
— Claro que posso. Acho que antes do almoço eu estou de volta.
EDUARDA
— Eu te espero.
DIOGO
— Tchau.
EDUARDA
— Tchau,
DIOGO SAI E O SORRISO DE EDUARDA DESAPARECE. EDUARDA
— Isso não é bom. Essa mulher vai dizer pra ele que o irmão é um santo e complicar a minha vida! Pensa, Eduarda! Pensa.
EDUARDA PENSA POR ALGUNS SEGUNDOS E DEPOIS VAI EM DIREÇÃO AO ESCRITÓRIO. CORTA PARA:
CENA 07. FAZENDA DE HEITOR. ESCRITÓRIO. INTERIOR. MANHÃ LUCENA ESTÁ FALANDO AO TELEFONE. LUCENA
— Sei. Então quer dizer que já tá tudo resolvido?
EDUARDA BATE NA PORTA E ENTRA. LUCENA FAZ UM GESTO PARA QUE ELA SE APROXIME. EDUARDA FECHA A PORTA E SE SENTA.
FOGO SOBRE TERRA LUCENA
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— Ele disse que volta pra Divinéia ainda hoje. (p) Tá bom. Eu vou pensar aqui e depois ligo pra você. Obrigado.
LUCENA DESLIGA O TELEFONE. LUCENA
— Tava falandodo com a fazenda em Araguaiana.
EDUARDA
— Não é onde está o irmão do Diogo?
LUCENA
— É. Por pouco tempo. Ele já fez tudo o que precisava por lá. Volta ainda hoje.
EDUARDA
— Hoje? Não! De jeito nenhum! Isso não pode acontecer, Lucena! O Diogo tá indo agora pra casa do Pedro. Quer falar com a tal da Nara.
LUCENA
— Nara vai dizer que Pedro é um santo.
EDUARDA
— Eu sei. Mas a gente não pode deixar o Diogo pensar isso do irmão. Ele têm que ficar, ao menos, com um dúvida sobre ele.
LUCENA
— É, mas vai ser duro segurar o Pedro lá.
EDUARDA PENSA POR ALGUNS INSTANTES E DEPOIS PARECE TER UMA IDÉIA. EDUARDA
— Já sei. Já sei o que a gente pode fazer.
LUCENA
— O quê?
EDUARDA
— Vou precisar da sua ajuda.
LUCENA
— É só falá.
EDUARDA
— Você me disse que o Pedro e o Nilo brigaram, não é?
LUCENA
— Foi.
EDUARDA
— O Diogo vai pensar que você mandou o Pedro nessa viagem exatamente pra afastar ele do Nilo. Porque ele cria confusão.
LUCENA
— Pode ser.
EDUARDA
— Pode ser, não. Vai ser. Eu cuido de convencer o Diogo disso. Tudo o que a gente precisa agora é de uma outra confusão. O Pedro precisa brigar de novo. O Diogo têm que acreditar que o irmão é um arruaceiro, um cara que vive se metendo em encrenca.
LUCENA
— Entendi.
EDUARDA
— Lucena, eu preciso que você arranje uns homens pra brigar com o Pedro. De preferência num lugar público.
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LUCENA
— Uma jagunço pra puxar briga com ele.
EDUARDA
— É. Só que eu quero testemunhas. E de preferência, testemunhas que falem o que a gente quer.
LUCENA
— Isso eu posso arranjá.
EDUARDA
— Então faça isso agora.
LUCENA SORRI PARA EDUARDA E APANHA O TELEFONE. EDUARDA
— Olha lá, Lucena. É só pra puxar briga. Uns socos e pronto. Não quero que aconteça nada com o Pedro.
LUCENA
— Pode ficá tranqüila, dona Eduarda. Ele não vai se machucar. Mas a senhora sabe que a coisa não vai ser simples assim, num sabe. Pedro tem uma imagem que a cidade inteira respeita. Num vai sê uma briga que vai acaba com isso.
EDUARDA
— Uma coisa de cada vez, Lucena. Aos poucos.
CORTA PARA:
CENA 08. HOSPITAL. ENFERMARIA. INTERIOR. MANHÃ A ENFERMARIA ESTÁ CHEIA. JULIANO ESTÁ DEITADO EM UM DOS LEITOS, COM DONANA SENTADA AO SEU LADO. ANDRÉ, BÁRBARA E O DELEGADO AMARO ENTRAM E VÃO ATÉ ELES. ANDRÉ
— Oi vó.
ANDRÉ OLHA PARA O PAI, QUE PARECE CONSTRANGIDO COM A PRESENÇA DO FILHO. ANDRÉ
— Pai.
JULIANO
— Meu filho. Bom... Bom que ocê tá aqui.
DONANA
— Eu contei pro seu pai que foi ocê que tirô ele lá da cabana.
JULIANO
— Obrigado, André.
ANDRÉ
— Pai... Eu trouxe o delegado.
JULIANO
— O delegado?
ANDRÉ
— É.
AMARO
— Bom dia, beato. Donana.
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JULIANO
— Mas pra quê que ocê trouxe ele até aqui?
ANDRÉ
— Pai, o delegado Amaro quer fazer umas perguntas pro senhor. Eu prestei queixa na delegacia e agora ele vai investigar quem fez isso com o senhor.
JULIANO
— Queixa?
AMARO
— É, beato. Eu preciso que o senhor me conte quem foi que bateu no senhor. Quem foi que lhe deu essa surra?
JULIANO FICA SEM SABER O QUE DIZER. CORTA PARA:
CENA 09. CUIABÁ. EXTERIOR. MANHÃ TOMADAS MOSTRANDO A CIDADE E TERMINANDO COM A FACHADA DO HOSPITAL. CORTA PARA:
CENA 10. HOSPITAL. QUARTO DE VINÍCIUS. INTERIOR. MANHÃ VINÍCIUS ESTÁ DORMINDO ENQUANTO LEONOR COCHILA, SENTADA EM UMA CADEIRA. O RAPAZ COMEÇA A SE MEXER. LEONOR ACORDA E VAI ATÉ O LADO DA CAMA. LEONOR
— Vinícius? (p) Filho, você está me ouvindo?
VINÍCIUS ABRE OS OLHOS E OLHA PARA A MÃE. VINÍCIUS
— Mãe?
VINÍCIUS OLHA PARA OS LADOS, TENTANDO ENTENDER ONDE ESTÁ. VINÍCIUS
— Onde eu tô?
LEONOR
— No hospital, meu bem.
LEONOR PASSA A MÃO CARINHOSAMENTE PELO ROSTO DO FILHO. VINÍCIUS
— Por quê? (p) Já lembrei. Eu até conversei com o médico quando cheguei. A cachoeira. Eu caí, não é?
LEONOR
— É.
VINÍCIUS
— Eu tava subindo e escorreguei.
LEONOR
— O Rodrigo me contou.
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VINÍCIUS TENTA SE ARRUMAR NA CAMA E NÃO CONSEGUE. VAI FICANDO COM UMA EXPRESSÃO ASSUSTADA. VINÍCIUS
— O que é isso?! Por que eu não tô conseguindo me mexer?!
LEONOR
— Calma, meu filho.
VINÍCIUS
— Mãe, eu não consigo me mexer! Eu não tô mexendo as pernas!
LEONOR
— Vinícius, meu amor, você precisa ficar calmo.
VINÍCIUS
— Eu não tô sentido as minhas pernas! Não tô sentindo!
LEONOR
— Filho.
LEONOR SEGURA AS MÃOS DE VINÍCIUS, QUE COMEÇA A SE DESESPERAR. LEONOR
— Filho, olha pra mim. Escuta o que eu vou falar. (p) Você vai precisar ser forte.
VINÍCIUS
— O que aconteceu comigo, mãe?
LEONOR
— Vinícius, quando... Quando você caiu, bateu com as costas no chão. O médico disse que você teve um... Um traumatismo vértebro medular.
VINÍCIUS FICA OLHANDO PARA A MÃE, SEM REAÇÃO. VINÍCIUS
— Isso aí... Isso aí é o que eu tô pensando? (p) Mãe, eu não posso mais andar?
AS LÁGRIMAS ESCORREM DO ROSTO DE LEONOR. VINÍCIUS ENCOSTA A CABEÇA NO TRAVESSEIRO, FECHA OS OLHOS E TAMBÉM COMEÇA A CHORAR. LEONOR
— Meu amor, o médico disse que você tem chance de se recuperar. Vai precisar fazer fisioterapia e...
VINÍCIUS
— Chance?! Eu tenho chance de voltar a andar?! Eu não quero chance nenhuma! Eu quero andar!
LEONOR
— Calma Vinícius.
VINÍCIUS
— Eu não quero ficar aleijado, mãe! Eu não quero! (p) Eu quero sair daqui!
VINÍCIUS TENTA SAIR DA CAMA E LEONOR PROCURA FAZER COM QUE ELE SE ACALME. LEONOR
— Vinícius, você não pode fazer isso!
VINÍCIUS
— Eu quero sair daqui! Eu quero!
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LEONOR ABRAÇA O FILHO E ELE, VENCIDO, CHORA NO OMBRO DA MÃE. VINÍCIUS
— Me ajuda, mãe. Por favor, me ajuda.
LEONOR, ABRAÇADA À VINÍCIUS, TAMBÉM CHORA. CORTA PARA:
CENA 11. FAZENDA DE PEDRO. EXTERIOR. MANHÃ Sonoplastia: “SAUDADE DA MINHA TERRA” – SÉRGIO REIS. DIOGO CHEGA DE JEEP NA FAZENDA. PÁRA O CARRO, DESCE E, SORRIDENTE, OBSERVA TUDO. OLHA PARA UMA ÁRVORE COM UM VELHO BALANÇO EM UM DE SEUS GALHOS. A IMAGEM DE DOIS MENINOS VAI SURGINDO NO LUGAR. SÃO PEDRO E DIOGO PEQUENOS, BRINCANDO. DEPOIS DE ALGUM TEMPO, AS CRIANÇAS DESAPARECEM. DIOGO OLHA PARA A VARANDA DA CASA E VÊ SEUS PAIS, JOÃO E MIRTES SAINDO PELA PORTA, ACOMPANHADOS DE PEDRO E DIOGO QUANDO PEQUENOS. JOÃO SE DESPEDE DA MULHER E DOS FILHOS E SAI PARA O TRABALHO. MIRTES, PEDRO E DIOGO FICAM NA VARANDA ACENANDO. AS IMAGENS DESAPARECEM. DIOGO ENXUGA UMA LÁGRIMA, RESPIRA FUNDO E ANDA NA DIREÇÃO DA CASA. CORTA PARA:
CENA 12. FAZENDA DE PEDRO. SALA. INTERIOR. MANHÃ DIOGO ENTRA. MAIS UMA VEZ OBSERVA TUDO. DIOGO
— Nara! (p) Nara!
NARA ENTRA, VINDA DA COZINHA E SORRI AO VER DIOGO. NARA
— Diogo, meu filho.
OS DOIS SE ABRAÇAM TERNAMENTE. NARA PASSA A MÃO PELO ROSTO DO RAPAZ. NARA
— Nem acredito que ocê tá aqui de novo, na sua casa.
CORTA PARA;
CENA 13 HOSPITAL. ENFERMARIA. INTERIOR. MANHÃ CONTINUAÇÃO DA CENA 8. AMARO QUER SABER DE JULIANO QUEM O AGREDIU. ANDRÉ, DONANA E BÁRBARA EM CENA, AO LADO DA CAMA. O BEATO ESTÁ EM SILÊNCIO, ENQUANTO OS OUTROS AGUARDAM A SUA RESPOSTA. ANDRÉ
— E então, pai? O delegado tá esperando a sua resposta. Quem fez isso com o senhor?
AMARO
— É só o senhor me dizer que eu já saio agora mesmo atrás do infeliz.
FOGO SOBRE TERRA JULIANO
Capítulo 24
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— Eu num tenho nada pra falá.
TODOS FICAM SURPRESOS. ANDRÉ
— Como, não têm nada pra falar?
JULIANO
— Ocês me deixa quieto aqui no meu canto. Se disse que num tenho nada pra falá, é porque num tenho.
AMARO
— Beato, o senhor está querendo dizer que não sabe quem fez isso? Não reconheceu a pessoa?
JULIANO
— Eu tô querendo dizê é que num fui na polícia e nem lhe chamei aqui. Agradeço a sua preocupação, mas das minha coisa, cuido eu.
ANDRÉ
— Eu não acredito!
BÁRBARA
— Calma, André.
ANDRÉ
— Pai, o senhor precisa falar pro delegado quem fez isso. Essa pessoa pode tentar de novo!
JULIANO PERMANECE CALADO. AMARO
— Beato, ouça o seu filho. O que ele está falando é verdade. Caso haja uma próxima vez, o senhor pode não ter tanta sorte. Poderiam ter lhe matado.
JULIANO
— Delegado, se Deus num conseguir me proteger, num é o senhor que vai. Eu tô nas mão Dele. O que tivé que acontecê comigo, vai acontecê.
ANDRÉ
— É demais pra minha cabeça isso!
DONANA
— André, ocê num fique nervoso. Deixa seu pai. Ele ainda num tá bão. Tá precisando descansá. Dispois ocês cunversa dessas coisa.
BÁRBARA
— Sua avó têm razão, André. Deixa pra depois.
ANDRÉ HESITA UM POUCO ANTES DE RESPONDER. ANDRÉ
— E têm outro jeito? Do jeito que meu pai é empacado, eu sei que não vai mesmo falar nada.
JULIANO
— Olha como ocê fala do seu pai.
ANDRÉ
— Tô falando a verdade! É empacado mesmo!
AMARO
— Bom, sem a colaboração do beato, eu não posso fazer muita coisa. Se ele resolver falar, vocês podem me procurar de novo.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 24
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ANDRÉ
— Obrigado, delegado. Obrigado e me desculpe pelo incômodo.
AMARO
— Não foi incômodo nenhum.É o meu trabalho. Se precisarem, eu estou na delegacia. Tenham um bom dia.
AMARO VAI EMBORA. ANDRÉ
— Eu não entendo, pai! É impossível que o senhor não queira que a pessoa que lhe deu essa surra, pague pelo que fez!
JULIANO
— Cada um sabe o tamanho da cruz que têm que carregá.
ANDRÉ
— Eu pensei que o senhor tinha mudado um pouco nesses anos que eu passei fora, mas pelo que eu tô vendo, tava enganado. Continua igual.
BÁRBARA
— André, não adianta ficar nervoso assim. Se o seu pai não quer falar, paciência. O que não pode é você ficar aqui brigando com ele. Seu pai está machucado, no hospital. Espera ele sair daqui, voltar pra casa e depois vocês conversam direito.
JULIANO
— A moça aí tá certa. Mas André sempre foi assim. As coisa sempre tinha de sê como ele queria.
DONANA
— Juliano.
JULIANO
— Mas é isso memo, mãe! André nunca soube esperá. Nunca se importô com a opinião dos outro. Ou era do jeito e na hora que ele queria, ou não era.
ANDRÉ
— Eu não devia ter voltado pra Divinéia.
DONANA
— Num fala uma coisa dessa, André.
ANDRÉ
— Falo sim, vó! Devia ter ficado em São Paulo, tocado a minha vida e esquecido de vez esse lugar. (p) Devia ter esquecido que tenho pai!
BÁRBARA
— André!
JULIANO
— Devia memo! Um filho que trata o pai desse jeito devia de esquecê que ele existe!
DONANA
— Juliano, ocê pára de falá barbaridade pro menino!
ANDRÉ
— Deixa, vó. Eu já tô acostumado. Foi assim a vida inteira.
ANDRÉ VAI EMBORA. BÁRBARA
— Eu vou atrás dele.
FOGO SOBRE TERRA DONANA
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— Vai minha filha. Faz ele se acarmá.
BÁRBARA SAI. DONANA
— Juliano! Isso lá é jeito de tratá o seu filho que ocê num vê há tanto tempo?!
JULIANO
— André é muito cheio das vontade. Precisa entendê que a vida num é como ele qué.
DONANA
— Menino tava preocupado com ocê, Juliano. Precisava de tê visto a aflição do pobre.
JULIANO
— Mãe, já que eu num posso vortá pra minha casa, então ocês pelo menos me deixa sossegado aqui.
CORTA PARA:
CENA 14. DIVINÉIA. HOSPITAL. EXTERIOR. MANHÃ ANDRÉ ESTÁ PARADO AO LADO DO JEEP. BÁRBARA SAI DO HOSPITAL E O ALCANÇA. BÁRBARA
— André.
ANDRÉ
— Não têm jeito mesmo, Bárbara. Eu e o meu pai não nos entendemos.
BÁRBARA
— Ele tá nervoso. Tomou uma surra, agora tá no hospital. Dá um desconto pra ele.
ANDRÉ
— Se não tivesse acontecido tudo isso, as coisas seriam do mesmo jeito. Beato Juliano não vai mudar nunca.
BÁRBARA
— Então, se você já sabe disso, nem adianta se aborrecer.
ANDRÉ
— Eu não entendo porque ele não fala de uma vez quem fez isso. O que ele ganha escondendo o nome desse safado?
BÁRBARA
— Ele pode estar com medo, André. Medo de que voltem e façam de novo.
ANDRÉ
— Mas será que ele não percebe que ele corre esse risco se não disser quem é?!
BÁRBARA
— Seu pai é um homem antigo, com uma visão particular da vida. Não vai adiantar nada você ficar batendo de frente como ele. Faça como o beato quer. Se você quiser eu falo com o Lucena. Peço pra eles colocarem um homem protegendo seu pai.
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ANDRÉ
— O beato Juliano não vai aceitar isso.
BÁRBARA
— Ele não precisa saber.
ANDRÉ
— Me passou uma coisa pela cabeça. (p) E se ele estiver protegendo alguém?
BÁRBARA
— Protegendo?
ANDRÉ
— É.
BÁRBARA
— Mas pra que ele ia proteger alguém que fez aquilo com ele?
ANDRÉ
— É isso que eu não sei. (p) O meu pai pode não querer que o delegado se meta nessa história, mas ele não vai me impedir de investigar por conta própria.
CORTA PARA:
CENA 15. FAZENDA DE PEDRO. COZINHA. INTERIOR. MANHÃ NARA E DIOGO ESTÃO SENTADOS. ELE COME BOLO E TOMA CAFÉ. NARA
— Tá bão o bolo?
DIOGO
— Maravilhoso. Igualzinho quando eu era pequeno.
NARA
— Era seu bolo preferido. Eu fiz porque achei que ocê ia memo aparecê por aqui uma hora dessa.
DIOGO
— Não vim antes por causa da confusão com o beato.
NARA
— Eu sei.
OS DOIS FICAM EM SILÊNCIO POR UM TEMPO. NARA
— E... Que mar lhe pergunte, por quê ocê vortô aqui pra Divinéia depois de tanto tempo longe?
DIOGO
— Pra ver o meu irmão.
NARA
— E por que ocê só se lembrô dele agora?
DIOGO OLHA PARA NARA POR ALGUM TEMPO. DIOGO
— Eu sempre achei que você e ele haviam ficado com raiva de mim por eu ter ido embora pra Cuiabá.
NARA
— Ninguém têm raiva de ocê, Diogo. Num fale uma bestêra dessa. Foi a vida que ocê escolheu e nóis temo que respeitá.
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DIOGO
— Mesmo assim. Eu sei reconhecer os meus erros, Nara. (p) Eu vim pra Divinéia pra... Aparar essas arestas na minha vida.
NARA
— Ocê agiu seguindo o seu coração. Ninguém póde lhe condená por isso. (p) É claro que teve dia que eu ficava me perguntando porque ocê tinha escolhido esse caminho. Que tentava entendê o porquê de ocê tê escolhido vivê longe do seu irmão. Isso num entrava na minha cabeça. Mas com o tempo, eu fui aceitando. Num vô lhe dizê que acho certo ocê tê passado tanto tempo longe de Pedro, sem nem ao menos tê dado um telefonema, ou mandado uma carta.
DIOGO
— Nara. A vida acaba levando a gente pra...
NARA COLOCA A MÃO CARINHOSAMENTE SOBRE A MÃO DE DIOGO. NARA
— A vida leva a gente pra onde nóis deixa ela levá. Ocê errou, Diogo. Pedro num fala nada, mas eu sei que ele sente a sua farta.
DIOGO
— Ele deve ter raiva de mim.
NARA
— Raiva? Seu irmão lhe adora, Diogo. Ai do pobre que abra a boca pra fala arguma coisa de ocê. Vai ganhá um inimigo pro resto da vida.
DIOGO
— Verdade?
NARA
— É. Seu irmão lhe adora. Deve de tê as mágoa lá no coração dele, mas isso num muda o que ele sente por você.
DIOGO
— Eu quero falar com ele, Nara. Quero me explicar. Foi pra isso que eu voltei. (p) Tenho pensado muito nos meus pais. Eles não iam querer que eu e o Pedro vivêssemos tão afastados assim.
NARA
— Num iam mesmo.
DIOGO
— Eu não vou voltar a morar em Divinéia. Não vou me tornar um... Fazendeiro. Nunca foi o que eu quis. Mas eu prometo que não vou me perder de novo do meu irmão. Quero participar da vida do Pedro e quero que ele participe da minha. (p) Eu quero o meu irmão de novo na minha vida, Nara.
NARA SORRI PARA DIOGO. NARA
— Ocês só se afastaram. Nunca que iam se perdê. Ocês têm uma ligação muito forte. Ocês têm amor um pelo ôtro. Isso num acaba, Diogo. Eu tenho certeza que, quando Pedro entrá por aquela porta e soubé que ocê vortô, vai sê o dia mais feliz da vida dele.
DIOGO
— Tomara que você esteja certa, Nara. Tomara.
FOGO SOBRE TERRA NARA
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— Eu tô sim.
OS DOIS SORRIEM. CORTA PARA:
CENA 16. DIVINÉIA. PRAÇA. EXTERIOR. MANHÃ HILDA VÊM ANDANDO PELA PRAÇA E VÊ BÁRBARA DO OUTRO LADO DA RUA. HILDA
— A desmiolada. Espero que ela não me crie nenhum problema.
BÁRBARA CAMINHA EM DIREÇÃO À RUA DO CLUBE RECREATIVO. HILDA FICA INTRIGADA. HILDA
— Mas o que ela está indo fazer praqueles lados? A única coisa que têm ali é...
HILDA SE ESPANTA. HILDA
— Eu não acredito nisso!
HILDA COMEÇA A SEGUIR BÁRBARA SEM QUE ELA PERCEBA E VÊ QUANDO A MOÇA ENTRA NO CLUBE RECREATIVO. HILDA
— Que vergonha! Eu... Eu não posso admitir uma coisa dessas! Uma Gonzaga, entrando nesse antro! Ah Bárbara, você não imagina o problema que arrumou!
CENA 17. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. MANHÃ O SALÃO ESTÁ VAZIO. BÁRBARA ENTRA. BÁRBARA
— Oi. (p) Têm alguém em casa?
COMO NINGUÉM RESPONDE, BÁRBARA VAI ANDANDO PELO SALÃO OLHANDO TUDO, VENDO AS COISAS EM SEUS DETALHES. ESTÁ FASCINADA. ZORAIDE ENTRA SEM QUE BÁRBARA PERCEBA E FICA A OBSERVANDO COM INVEJA. ZORAIDE
— A moça qué arguma coisa?
BÁRBARA
— Que susto! Não tinha visto você aí.
ZORAIDE
— A moça qué arguma coisa?
BÁRBARA
— Quero. Quero falar com a dona Zulmira. Com ela ou com a Madalena. Você poderia chamar uma delas pra mim?
ZORAIDE
— Madrinha tá dormindo e Madalena saiu.
FOGO SOBRE TERRA BALBINA
Capítulo 24
Pag.: 18
— Quem foi que lhe falô isso?
ZORAIDE SE SURPREENDE AO VER BALBINA PARADA NA PORTA DO CORREDOR. ZORAIDE
— Eu pensei que...
BALBINA
— Pensô errado. Póde ir lá pra dentro que eu falo com a moça.
ZORAIDE OLHA BALBINA COM RAIVA. ZORAIDE
— Licença.
ZORAIDE SAI E BALBINA SORRI PARA BÁRBARA. BALBINA
— Num liga pra ela não. Zoraide é amarga que nem o fel. Ela lhe destratô?
BÁRBARA
— Não. Só perguntou o que eu queria.
BALBINA
— Ocê qué falá com Zulmira num é?
BÁRBARA
— Quero. Mas se ela estiver dormindo, eu posso voltar outra hora.
BALBINA
— Ela tá acordada. Vô avisá que ocê tá aqui. Seu nome é... Bárbara, num é?
BÁRBARA
— Isso.
BALBINA
— Só um minuto.
BALBINA SAI. CORTA PARA:
CENA 18. CLUBE RECREATIVO. QUARTO DE ZULMIRA. INTERIOR. MANHÃ ZULMIRA ESTÁ TERMINANDO DE SE ARRUMAR ENQUANTO CONVERSA COM BALBINA. ZULMIRA
— Você está me dizendo que a Bárbara está aí de novo?
BALBINA
— Lá no salão. Disse que queria falá com ocê ou com Madalena.
ZULMIRA
— Mas não é que essa menina é mais maluca do que eu pensava? Imagina se alguém vê ela entrar aqui?
BALBINA
— Pelo jeito ela num se importa muito.
ZULMIRA
— É. Você têm razão.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 24
Pag.: 19
BALBINA
— Falo o que pra ela?
ZULMIRA
— Diga que eu já vou. Termino de me arrumar num minuto e já vou conversar com ela.
BALBINA
— Vô avisa.
ZULMIRA
— Obrigada, Balbina.
BALBINA SAI E ZULMIRA SORRI. ZULMIRA
— Menina corajosa, essa Bárbara.
CORTA PARA:
CENA 19. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. MANHÃ ZULMIRA E BÁRBARA ESTÃO SENTADAS CONVERSANDO. BALBINA ARRUMA O BAR. ZULMIRA
— Quando a Balbina disse que você estava aqui me esperando, eu custei a acreditar. Você é muito maluquinha, menina!
BÁRBARA RI. BÁRBARA
— Eu sei. Muita gente já me falou isso.
ZULMIRA
— Se a sua avó descobre que você veio até aqui, ela têm um ataque!
BÁRBARA
— Ela têm ataque por qualquer coisa. Se eu fosse me preocupar com isso, não faria mais nada na minha vida. (p) Vim pra saber se a senhora está melhor.
ZULMIRA PARECE COMOVIDAMENTE SURPRESA. ZULMIRA
— Pra ver se... Se eu estou melhor?
BÁRBARA
— É. Aquele dia eu fiquei bem assustada quando cheguei aqui com a Madalena e vi a senhora caída no chão.
ZULMIRA
— É muita gentileza, minha querida. Você é um amor de moça.
BÁRBARA
— Nem tanto. Como diz dona Hilda Maria, eu tenho cabelinho nas ventas.
ZULMIRA
— Disso eu não duvido.
BALBINA
— Moça nenhuma entra aqui, Bárbara. Se a pobre passa aí pela porta e olha pra cá, já corre o risco de ficá falada.
FOGO SOBRE TERRA
Capítulo 24
Pag.: 20
BÁRBARA
— Que absurdo. Mas pode deixar que as coisas vão mudar aqui em Divinéia.
ZULMIRA
— Mudar? Como assim?
BÁRBARA
— Isso aqui é um clube recreativo, não é? Pelo menos é o que tá escrito na placa lá fora.
ZULMIRA
— É sim.
BÁRBARA
— Então, pelo menos oficialmente, é um estabelecimento aberto para qualquer pessoa.
ZULMIRA
— É.
BÁRBARA
— Então a senhora pode se preparar porque eu e meus amigos vamos aparecer por aqui uma noite dessas.
BALBINA
— Aparecê? Mas como assim?
BÁRBARA
— Aparecer. Vamos vir aqui, beber, dançar.
BALBINA
— Jesus Cristo! Mas a cidade inteira vai falá de ocê, menina!
BÁRBARA
— Podem falar! Adoro quando isso acontece.
ZULMIRA
— Você não está falando sério, está?
BÁRBARA
— Claro que estou! Inclusive já conversei com uma amiga minha e ela achou a idéia ótima. Ficou morrendo de vontade de conhecer o clube. Sabe que eu até já pensei em comemorar o meu aniversário aqui?
ZULMIRA COMEÇA A RIR. ZULMIRA
— Bárbara, desse jeito você vai virar Divinéia de cabeça pra baixo!
BÁRBARA
— Se não virasse, não seria eu.
ZULMIRA E BÁRBARA RIEM ENQUANTO BALBINA OLHA, PARECENDO NÃO ACREDITAR. CORTA PARA:
CENA 20. CASA DE BRENO. QUARTO DE CAMILA. INTERIOR. TARDE LOURDES MEDE A FEBRE DE CAMILA, QUE ESTÁ DEITADA. LOURDES
— Graças a Deus a febre cedeu.
CAMILA
— Mas eu ainda tô com dor no corpo.
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Pag.: 21
LOURDES
— Mas logo vai passar. Que susto você me deu, minha filha.
CAMILA
— Eu fiquei com medo, mãe. Tanta gente doente. Soube que até morte já teve.
LOURDES
— É. Infelizmente teve mesmo. E pelas notícias que eu andei recebendo do hospital, vão haver mais.
LOURDES ABRAÇA CAMILA. LOURDES
— Mas eu não quero que você se preocupe com isso, meu bem. Você não corre risco nenhum. (p) Acho que eu não agüentaria se... Se acontecesse alguma coisa com você.
CAMILA
— Não vamos falar dessas coisas, mãe. Eu não quero.
LOURDES
— Você tá certa. Eu andei pensando aqui numa coisa.
CAMILA
— O quê?
LOURDES
— O que você acha de nós passarmos uma temporada em Cuiabá?
CAMILA
— Cuiabá?
LOURDES
— É. Pelo menos até passar essa epidemia.
CAMILA
— Não sei. Eu tenho escola. A senhora não acha que é um pouco de exagero?
LOURDES
— Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal à ninguém. Eu vou conversar com o seu pai e ver o que ele acha.
LOURDES DÁ UM BEIJO NA FILHA E SE LEVANTA. LOURDES
— Descanse um pouco pra ficar boa logo.
CAMILA
— Não agüento mais ficar deitada.
LOURDES
— Aguenta sim.
AS DUAS SORRIEM E LOURDES SAI DO QUARTO. CORTA PARA:
CENA 21. CASA DE BRENO. SALA. INTERIOR. TARDE LOURDES ENTRA NA SALA E VAI ANDANDO EM DIREÇÃO AO ESCRITÓRIO. A PORTA ESTÁ ENTREABERTA E ELA OUVE BRENO E VIDIGAL CONVERSANDO.
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VIDIGAL (OFF) — Eu acho que não há mais dúvida nenhuma. Se o Heitor Gonzaga mandou o Diogo, o André e mais essa moça, que pelo que eu fiquei sabendo, também é engenheira, então tá claro que o projeto vai sair. BRENO (OFF)
— Vidigal, eu ando cada vez mais preocupado com essa história. Você já imaginou quando esse povo descobrir o que vai acontecer com a cidade?
LOURDES SE INTERESSA PELA CONVERSA E FICA OUVINDO ATRÁS DA PORTA. CORTA PARA:
CENA 22. CASA DE BRENO. ESCRITÓRIO. INTERIOR. TARDE CONTINUAÇÃO DA CENA ANTERIOR. BRENO E VIDIGAL CONVERSAM ENQUANTO LOURDES OUVE POR UMA FRESTA DA PORTA. VIDIGAL
— Não quero nem pensar nisso, prefeito. Sabe que eu já tive até pesadelo?
BRENO
— Não me diga!
VIDIGAL
— Digo. Sonhei que todo o povo de Divinéia perseguia a gente, com umas tochas nas mãos, uma foices.
BRENO
— Foices?!
VIDIGAL
— É.
BRENO
— Deus me livre.
BRENO SE BENZE. BRENO
— É, mas eu tenho medo de que a coisa acabe mesmo assim. Por mais que o Heitor Gonzaga fale, eu não acredito que a população vai aceitar isso com tanta facilidade.
VIDIGAL
— Mas é lógico que não. Imagina se as pessoas vão aceitar perder tudo o que têm.
BRENO
— Mas eles também não vão perder. Vão ganhar outras.
VIDIGAL
— Mesmo assim. Têm gente que não vai aceitar de jeito nenhum. Pedro Azulão é um. Duvido que ele concorde com isso.
BRENO
— Será? Mas se é o irmão dele que tá metido nisso.
VIDIGAL
— Um irmão que ele não vê há mais de vinte anos? Prefeito, o senhor ouça o que eu tô falando. Pedro Azulão vai ser contra. E têm mais! Vai
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Capítulo 24
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fazer o possível e o impossível pra impedir! O senhor conhece o homem. Sabe que ele é tinhoso. BRENO
— O meu medo é que aconteça uma guerra nessa cidade. E cada vez mais eu penso que é exatamente o que vai acontecer!
VIDIGAL
— Ninguém vai aceitar a destruição de Divinéia.
LOURDES FICA SURPRESA OUVINDO A CONVERSA. BRENO
— Quer saber de uma coisa, Vidigal? Eu não quero mais falar nesse assunto. Pelo menos não por enquanto. Deixa o Heitor voltar pra Divinéia, confirmar mesmo essa história e aí a gente pensa no que fazer!
VIDIGAL
— O amigo tá certo. Quem morre na véspera é peru.
BRENO
— Além do quê, nós temos outros assuntos pra tratar.
VIDIGAL
— Se for a história da medida provisória, nem adianta gastar seu latim!
BRENO
— Mas Vidigal, assim você me prejudica.
CORTA PARA:
CENA 23. CASA DE BRENO. SALA. INTERIOR. TARDE LOURDES SE AFASTA DA PORTA DO ESCRITÓRIO E SENTA NO SOFÁ. ESTÁ PENSATIVA E PERPLEXA. LOURDES
— Destruição de Divinéia? (p) Mas do que é que esses dois estão falando? Ah, o Breno vai ter que me explicar essa história direitinho.
CORTA PARA:
CENA 24. CLUBE RECREATIVO. SALÃO. INTERIOR. TARDE BÁRBARA E ZULMIRA ENTRAM DE BRAÇOS DADOS. ESTÃO VINDO DA COZINHA. BÁRBARA
— O almoço estava uma delícia, dona Zulmira.
ZULMIRA
— Imagina. Você deve estar acostumada com comidas finas, restaurantes caros.
BÁRBARA
— Isso é verdade. Acontece que em nenhum desses lugares eu comi um arroz de carreteiro. Tava maravilhoso!
ZULMIRA
— Que bom que você gostou. (p) Só que agora, eu acho melhor você ir embora. Eu sei que você não liga pra isso, mas não fica bem pra você ser
FOGO SOBRE TERRA
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vista aqui. As pessoas dessa cidade falam demais. É só alguém ver e pronto! Você já está na língua do povo. BÁRBARA
— Não ligo mesmo. (p) Mas eu prometi ao meu pai que não iria criar confusão e que também não provocaria a minha santa avó.
AS DUAS RIEM. BÁRBARA
— Muito obrigada por ter me convidado para o almoço.
ZULMIRA
— Muito obrigada por ter vindo saber de mim. Por ter se preocupado com a minha saúde. Pra gente como eu e as meninas, que somos vistas como... Você sabe. Pra gente como nós, esse tipo de carinho e preocupação que você demonstrou é muito importante.
BÁRBARA ABRAÇA ZULMIRA. BÁRBARA
— A senhora merece todo o meu respeito. É uma mulher incrível. Uma mulher admirável.
ZULMIRA
— Assim você vai fazer essa velha chorar.
BÁRBARA
— Outro dia eu passo aqui pra gente conversar de novo. E quando disse que ia trazer meus amigos pra cá, estava falando sério. Sua casa é o lugar mais interessante desse fim de mundo. Tchauzinho.
BÁRBARA SAI. LOGO DEPOIS MADALENA ENTRA E ABRAÇA ZULMIRA, QUE ESTAVA OLHANDO PARA A PORTA POR ONDE BÁRBARA SAIU. MADALENA
— Bárbara é uma moça de ouro.
ZULMIRA
— É sim. Nem parece que é filha de... Desculpe. Eu esqueci que você gosta dele.
MADALENA
— Madrinha, eu sei que Heitor às vezes é meio duro, mas ele é um bom homem. Têm um bom coração.
ZULMIRA
— Eu vou reformular a minha frase. Ela nem parece neta de quem é.
MADALENA
— Agora sim.
ZULMIRA
— Se Hilda Maria descobre que essa menina anda freqüentando a minha casa, acho que o mundo acaba.
CORTA PARA:
CENA 25. CLUBE RECREATIVO. EXTERIOR. TARDE
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BÁRBARA SAI DO CLUBE E VAI ANDANDO PELA RUA. HILDA SAI DE TRÁS DE UMA ÁRVORE. HILDA
— Bárbara!
BÁRBARA OLHA PARA TRÁS E VÊ A AVÓ. BÁRBARA
— Vó?
HILDA OLHA PARA BÁRBARA, DEPOIS PARA O BORDEL E RETORNA PARA A NETA. HILDA
— Se alguém me contasse isso, eu não ia acreditar! A minha neta metida num antro desses!
BÁRBARA
— Dona Hilda, não é nada do que a senhora está pensando.
HILDA
— Eu não estou pensando nada! Eu estou vendo! Preferia não ver, mas estou vendo! Você vai comigo pra casa. Nós precisamos ter uma conversa muito séria!
BÁRBARA
— Vó...
HILDA
— Eu estou mandando você ir pra minha casa, agora!
BÁRBARA
— Saco!
BÁRBARA E HILDA SEGUEM ANDANDO PELA RUA. CORTA PARA:
CENA 26. SÃO PAULO. EXTERIOR. TARDE Sonoplastia: “VIESTE” – LENINE. TOMADAS MOSTRANDO O MOVIMENTO DE SÃO PAULO À TARDE. OS CARROS NAS GRANDES AVENIDAS, PESSOAS ANDANDO PELAS RUAS. CORTA PARA:
CENA 26. MASP. INTERIOR. TARDE CONTINUA A MÚSICA DA CENA ANTERIOR. GUSTAVO OBSERVA AS TELAS EM EXPOSIÇÃO. PELO VIDRO DE UM DOS ESTANDES, VÊ-SE QUE CELESTE CHEGA, VÊ O RAPAZ E VAI ATÉ ELE. CELESTE
— Gustavo.
GUSTAVO VÊ CELESTE E SORRI PARA ELA. GUSTAVO
— Oi Celeste.
FOGO SOBRE TERRA
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Pag.: 26
OS DOIS SE CUMPRIMENTAM. CELESTE
— Que bom que você aceitou o meu convite. Tenho certeza de que você vai gostar do que eu vim lhe propor.
GUSTAVO OLHA CELESTE SEM ENTENDER DIREITO. CORTA PARA:
CENA 27. BAR NA ESTRADA PARA ARAGUAIANA. EXTERIOR. TARDE PEDRO CHEGA DIRIGINDO UMA CAMINHONETE, ESTACIONA E ENTRA NO BAR. LOGO DEPOIS CHEGA OUTRA CAMINHONETE, COM TRÊS HOMENS. ELES FAZEM O MESMO. CORTA PARA:
CENA 28. BAR NA ESTRADA PARA ARAGUIAIANA. INTERIOR. TARDE PEDRO ESTÁ NO BALCÃO TOMANDO UM POUCO DE PINGA ENQUANTO ESPERA O ALMOÇO. OS HOMENS ENTRAM.PERCEBE-SE, PELA TROCA DE OLHARES, QUE ELES ESTÃO ALI POR CAUSA DE PEDRO. SENTAM-SE E FICAM CONVERSANDO ENTRE ELES. UM DOS HOMENS LEVANTA E, PROPOSITALMENTE, ESBARRA EM PEDRO, FAZENDO COM QUE ELE DERRUBE A PINGA. PEDRO SE LEVANTA, BRAVO. PEDRO
— Você tá cego, meu amigo? Não me viu aqui?
HOMEM
— Esbarrei em você. Vai querer bancar o valentão por causa disso?
PEDRO
— Quem tá querendo bancar o valentão aqui é você. Mas eu não tenho medo de cara feia. A gente pode resolver esse problema rapidinho.
HOMEM
— Então vamo resolvê.
OS OUTROS DOIS HOMENS SE LEVANTAM E OS TRÊS CERCAM PEDRO. QUE FICA SURPRESO. HOMEM
— O que foi? Perdeu a sua valentia?
PEDRO FICA OLHANDO PARA O HOMEM, SEM SABER O QUE FAZER. A IMAGEM CONGELA E UM EFEITO DE ONDA INVADE A TELA. A ÁGUA SE TRANSFORMA EM FOGO.
FIM DO CAPÍTULO