COMPLEXOS PORTUARIOS INSULARES IBÉRICOS
Alberto Vieira 1. A HISTORIOGRAFIA E O TEMA Num breve relance sobre a historiografia insular somos levados a concluir que é nos Açores e Canárias que a mesma mais se desenvolveu, atingindo uma maior diversidade de domínios temáticos e âmbitos cronológicos. Ao invés no caso da Madeira manteve-se uma dominante incidência em certos temas e época que, por vezes, parece ser doentia. Só nos últimos anos se tem apostado numa abertura, todavia os séculos XVII, XVIII, XIX e XX continuam a ser um domínio quase alheio ao investigador. Em Cabo Verde é incipiente a produção historiografica, merecendo a nossa atenção o texto de Christiano José de Senna Barcelos em seis partes (1899), os estudos do grupo de trabalho sobre a História de Cabo Verde de que saiu um volume (1991). Nas Canárias e nos Açores a existência de institutos e universidades, que servem de sustentáculo a uma pesquisa histórica, propiciou um avanço qualitativo do estudo e conhecimento do passado histórico, definido por uma diferenciada aposta em termos temáticos e cronológicos. Nos Açores a publicação do Arquivo dos Açores (15 volumes) por Ernesto do Canto foi completada na década de 40 do presente século com a criação de institutos culturais que apostaram forte na História, a que se juntou recentemente - em 1976 - a Universidade dos Açores. Os trabalhos de Maria Olímpia da Rocha Gil privilegiam o séc. XVII, tendo uma incidência privilegiada na rede de negócios. Para o século XVIII temos o recente trabalho de Avelino de Freitas de Menezes. A centúria seguinte teve melhor cobertura com estudos de J. G. Reis Leite, João Afonso, Maria Isabel João e Fátima Sequeira Dias. Para o tema que nos interessa merecem atenção os estudos de
Maria Olímpia de Rocha Gil sobre o movimento do porto de Ponta Delgada (1620-1699). Depois, o interesse por este domínio volta de novo com os trabalhos de Fátima Sequeira Dias, com incidência nos anos 1800 a 1875, complementado por Maria Isabel João, Fernando A. de Medeiros de Sousa e Nestor de Sousa. Deste modo é possível fazer uma ideia do comércio externo açoriano e, fundamentalmente, do movimento do porto de Ponta Delgada. Algo semelhante existe para a Madeira com o exaustivo estudo de João José Abreu de Sousa que cobre o período de 1727 a 1810. De tudo o que foi dito e daquilo que a documentação disponível nos antevê parece-nos haver uma lacuna insuplantável: as seriações estatísticas que permitam fidelizar esse movimento no contexto interno e externo. Todavia é de salientar que, quanto mais nos aproximamos da presente centúria, maiores são as possibilidades de reconstituição dessas seriações. Nos Açores o século XIX, tal como o demonstram os estudos referenciados, permite a elaboração de um quadro quase completo. A Madeira aguarda por alguém que alargue o âmbito cronológico do estudo de João José de Sousa, que se ficou em 1810. A questão das conexões inter-insulares é nova. Só nos últimos anos, com o incremento de encontros entre os historiadores dos vários arquipélagos, esta temática tem merecido algum desenvolvimento. Assim, se para os séculos XV a XVII o tema tem já o tratamento adequado, o mesmo não poderá ser dito para as centúrias seguintes onde se depara um campo em aberto, que aguarda a atenção dos historiadores. No que concerne à incidência da temática do comércio inter-insular são poucos os estudos. Nos nossos trabalhos tivemos oportunidade de privilegiar a vertente interinsular do comércio das ilhas, sistematizando as linhas mestras para o século XVI. A estes poderão juntar-se outros de Manuel Lobo Cabrera, Maria Olímpia da Rocha Gil e Fátima Sequeira Dias. Esta última dando atenção às relações entre Ponta Delgada e a Madeira no período de 1800 a 1831. Para além desta sistematização das conexões externas inter-insulares e inter-continentais é necessário ter em conta a posição que as ilhas assumem no processo histórico do Atlântico, em particular, e de mundo
colonial europeu, no geral. Note-se que é este protagonismo que está na origem de todo o processo sócioeconómico insular. Tal posicionamento das ilhas contribuiu, em simultâneo, como factor de aproximação e afastamento das sociedades. Por um lado, as ilhas, que se assumem como escalas para a navegação, onde o refresco de água, alimento ou abastecimento de carvão são fundamentais, a que se junta a oferta vantajosa de produtos com procura no mercado colonial, como o vinho, parecem deter um protagonismo apenas no mundo externo às ilhas. Todavia, esta dependência conduziu a uma aposta em determinados produtos de exportação levando ao incremento das relações inter-insulares como forma de suprir as carências alimentares. É de salientar que o tráfico inter-insular, dentro e fora dos arquipélagos, assenta nesta vertente de assegurar a subsistência dos insulares ou na redistribuição das manufacturas europeias a partir dos principais portos do tráfico internacional. O mundo inter-insular, tal como já o demonstramos é único e não depende das políticas definidas pelos monarcas peninsulares. Ele emerge como uma realidade própria que se alheia disso para apostar numa dinâmica de complementaridade imposta pela coroa ou naturalmente pelas possibilidades de conexão e diversidade das condições do meio. Para os séculos XV a XVII esta realidade está bem expressa nos estudos já publicados. Quanto aos séculos XVIII e XIX parece não terem surgido novas conjunturas que apontem isso, sendo de esperar que os estudos a serem feitos neste domínio o comprovam. Certamente que uma das mais destacadas evidências deste último período é o apontamento entre os três arquipélagos, resultado da concorrência de produtos de exportação - no caso do vinho - ou de políticas económicas, como sucedeu com a questão dos portos francos, a partir de finais do século XIX. Na vertente do turismo terapêutico, com particular incidência na Madeira e nas Canárias, isso não se faz sentir tanto, talvez pela complementaridade evidente dos circuitos turisticos criados pelos ingleses. É de salientar, ainda, o acompanhamento dos progressos técnicos na navegação atlântica que provocaram algumas necessidades e inovações nas infraestruturas portuárias. Todavia estas tardaram algum tempo em concretizarem-se,
por falta de meios técnicos e financeiros, ou por inépcia das autoridades1. 2.AS ESCALAS DO OCEANO 2.1. NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO A importância das ilhas no contexto da navegação atlântica, a partir do século XV, parece-nos por demais evidente, que não necessita de uma nova abordagem, Todavia, ao longo deste demorado processo, até aos alvores do século XX, sucederam-se algumas cambiantes de acordo com a conjuntura interna de cada ilha, mas, acima de tudo, por consequência das alterações conjunturais do mundo atlântico do velho continente e suas colónias. No século XV foi a plena afirmação da Madeira como escala para as primeiras navegações atlânticas.Posição que, aos poucos, foi cedendo às Canárias e Cabo Verde2. O Atlântico surge, a partir do século XV, como o principal espaço de circulaçäo dos veleiros, pelo que se definiu um intrincado liame de rotas de navegaçäo e comércio que ligavam o velho continente às costas africana e americana e as ilhas. Esta múltiplicidade de rotas resultou da complementaridade económica das áreas insulares e continentais e surge como consequência das formas de aproveitamento económico aí adoptadas. Mas a isso deveräo juntar-se as condiçöes geofísicas do oceano, derivadas das correntes e ventos que delinearam o traçado das rotas e os rumos das viagens. Neste contexto a mais importante e duradoura de todas as rotas foi sem dúvida aquela que ligava as Indias (ocidentais e orientais) ao velho continente. Ela galvanizou o empenho dos monarcas, populaçöes ribeirinhas e acima de tudo os piratas e corsários, sendo expressa por múltiplas escalas apoiadas nas ilhas que polvilhavam ambas as orlas costeiras do mar: primeiro as Canárias e a 1.
A. T. Matos. Transportes e Comunicações (...), Ponta Delgada, 1980, 360-470. 2.
Alberto Vieira, A Madeira no rota dos descobrimentos e expansão atlântica, Lisboa, 1988, Separata n1 217.
Madeira, depois Cabo Verde, Santa Helena e os Açores. Nos três arquipélagos, definidos como Mediterrâneo Atlântico, a intervenção nas grandes rotas faz-se a partir de algumas ilhas, sendo de referir a Madeira, Gran Canária, La Palma, La Gomera, Tenerife, Lanzarote e Hierro, Santiago, Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para cada arquipélago firmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar como o principal eixo de actividade. No mundo insular português, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa, as ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos. As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um traçado diferente. Enquanto as primeiras divergiam de Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha com destino às Antilhas, tendo como pontos importantes do seu raio de acção os arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os centros de apoio apresentavam-se sob soberania distinta: o primeiro era castelhano desde o século XV, enquanto o segundo português, o que näo facilitou muito o imprescindível apoio. Mas por um lapso tempo (1585-1642) o território entrou na esfera de domínio castelhano, sem que isso tivesse significado maior segurança para as armadas. Mas neste período intensificaram-se as operações de represália de franceses, ingleses e holandeses. As expedições (tivemos em 1581 as de D.Pedro Valdés e D. Lope de Figueroa e depois as do Marquês de Santa Cruz, em 1582 e 1583) organizadas pela coroa espanhola na década de oitenta com destino à Terceira tinham uma dupla missão: defender e comboiar as armadas das Índias até porto seguro, em Lisboa ou Sevilha, e ocupar a ilha afim de aí instalar uma base de apoio e defesa das rotas oceânicas. A escala açoriana justificava-se mais por necessidade de protecção das armadas do que por necessidade de reabastecimento ou reparo das embarcações. Era à entrada dos mares açorianos, junto da ilha das Flores, que se reuniam os navios das armadas e se procedia ao comboiamento até porto seguro na península, furtando-os à cobiça dos corsários, que infestavam os mares. A necessidade de garantir com eficácia tal apoio e defesa das armadas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior a 1527, a Provedoria das Armadas, com sede na cidade de Angra3. 3.
Confronte-se o nosso estudo sobre O Comércio inter-insular
Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes preocupações para a navegação atlântica, pelo que ambas as coroas peninsulares delinearam, em separado, o seu plano de defesa e apoio aos navios. Em Portugal tivemos, primeiro, o regimento para as naus da India nos Açores, promulgado em 1520, em que foram estabelecidas normas para impedir que as mercadorias caíssem nas mãos da cobiça do contrabando e corso. Cedo foi reconhecida a insuficiência destas iniciativas, optando-se por uma estrutura institucional, com sede em Angra, capaz de coordenar todas as tarefas. A nomeação em 1527 de Pero Anes do Canto para provedor das armadas da India, Brasil e Guiné, marca o início da viragem. Ao provedor competia a superintendência de toda a defesa, abastecimento e apoio às embarcações em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso estava sob as suas ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as Flores até Lisboa, todas aquelas provenientes do Brasil, India e Mina. No período de 1536 a 1556 há notícia do envio de pelo menos doze armadas com esta missão. Depois procurou-se garantir nos portos costeiros do arquipélago um ancoradouro seguro, construindose as fortificações necessárias.
nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987, 17-24.
O activo protagonismo do arquipélago açoriano e, em especial, da ilha Terceira é referenciado com certa frequência por roteiristas e marinheiros que nos deram conta das viagens ou os literatos açorianos que presenciaram a realidade. Todos falam da importância do porto de Angra que, no dizer de Gaspar Frutuoso, era "a escala do mar poente". Entretanto Pompeo Arditi havia já reafirmado em 1567 a importância da terra terceirense para a navegaçäo parecendo-lhe "que Deus pöe milagrosamente a ilha no meio de tão grande oceano para salvação dos míseros navegantes, que muitas vezes lá chegam sem mastros nem velas, ou sem mantimentos e aí se fornecem de tudo"4. O Pe Luís Maldonado valoriza a importância desta função do porto de Angra na vida da população terceirense "Estava a ilha Terceira the este tempo a terra mais prospera em riquezas, e abundancias que encarecer se pode; porque como todos os annos fosse demandada de flotas das Indias de Castella, e naos do Oriente, e outrosi de todos os navios que vinhão das conquistas do Brazil, e Guiné, na qual se vinhão todos reforcejar, e nella achavão abundancias de que dentro em vinte e coatro horas tomavão tudo o de que necessitavão, nadava verdadeiramente a ilha em rios de prata e ouro. Apenas que chegava qualquer destas frotas, ou armadas quando imidiatamente concorrião á Ribeira do porto dAngra as gentes de toda a ilha, hus com as casas, outros com as aves, outros com as frutas, outros com os gados, outros com panos de linho..."5.
4.
"Viagem...", in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, VI, Angra do Heroismo, 1968, 179. 5.
Fenix Angrense, vol. I, Angra, 1989, 267.
Os Açores adquirem aqui uma posição singular, não havendo outros pontos concorrentes aos seus na rota de regresso6. Angra foi, no dizer de Gaspar Frutuoso, "a universal escala do mar poente". Mais nos diz o autor sobre o real protagonismo dos portos açorianos:"E estas ilhas dos Açores(...)se alevantavam, como sobre a face da terra se alevantavam casas, para amparo, tradição dos moradores delas,(...). E ainda que para isto não prestassem, prestam neste grande mar postas, como vendas ou pontes, poços e ribeiras em compridos e despovoados caminhos nalgum deserto, para escala e aguardas dos cansados mareantes e enfadados passageiros dos inoportunos mares e das compridas viagens de longas terras, ou para hospitais dos pobres doentes, que nas compridas viagens adoecem..."7 Este evidente protagonismo do arquipélago açoriano fez com que o seu mar envolvente adquiri-se uma importância fundamental e se transformasse, por isso mesmo, num dos principais centros de pirataria e corso. Esta é uma realidade do século XVI mas prolonga-se nas centúrias seguintes. É também de acordo com isto que alguns dos acontecimentos mais significativos que opõem as potências coloniais em conflito têm por palco estes mares. Sucedeu assim em finais do século XVI entre castelhanos franceses e ingleses e repetiu-se no século dezanove com os norteamericanos e beligerantes do sul contra a metrópoles dominadoras. A participação do arquipélago madeirense nas grandes rotas oceânicas foi esporádica, justificando-se a ausência pelo seu posicionamento marginal no seu traçado ideal. Mas a ilha não ficou alheia ao roteiro atlântico, evidenciando-se em alguns momentos como uma escala importante para as viagens portuguesas com destino ao Brasil, Golfo da Guiné e India. Inúmeras vezes a escala madeirense foi justificada mais pela necessidade de abastecer as embarcações de vinho para consumo a bordo do que pela falta de água ou víveres frescos. Não se esqueça que o vinho era um elemento fundamental da dieta de bor6.
São numerosos os estudos sobre esta temática. Veja-se Avelino de Freitas de Menezes, Estudos de História dos Açores, vol. I, Ponta Delgada, 1994, pp.102-106,243-285. 7.
301.
Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1966,
do, sendo referenciado pelas suas qualidades na luta contra o escorbuto. Acresce ainda que este vinho tinha a garantia de não se deteriorar com o calor dos trópicos, antes pelo contrário ganhava propriedades gustativas. Motivo idêntico conduziu à assídua presença dos ingleses, a partir de finais do século dezasseis. A proximidade da Madeira em relação aos portos do litoral peninsular associada às condições dos ventos e correntes marítimas foram os principais obstáculos à valorização da ilha no contexto das navegações atlânticas. As Canárias, porque melhor posicionadas e distribuidas por sete ilhas em latitudes diferentes, estavam em condições de oferecer o adequado serviço de apoio. Todavia a situação conturbada que aí se viveu, resultado da disputa pela sua posse pelas duas coroas peninsulares e a demorada pacificação da população indígena, fizeram com que a Madeira surgisse no século XV como um dos principais eixos do domínio e navegação portuguêsa no Atlântico. Tal como nos refere Zurara a ilha foi desde 1445 o principal porto de escala para as navegações ao longo da costa africana. Mas o maior conhecimento dos mares, os avanços tecnológicos e náuticos retiraram ao Funchal esta posição charneira nas navegações atlânticas, sendo substituído pelos portos das Canárias ou Cabo Verde. Assim, a partir de princípios do século XVI, a Madeira surgirá apenas como um ponto de referência para a navegação atlântica, uma escala ocasional para reparo e aprovisionamento de vinho. Apenas o surto económico da ilha conseguirá atrair as atenções das armadas, navegantes e aventureiros. Deste modo poder-se-á concluir que as ilhas situadas às portas de entrada e saída protoganizaram um papel importante nas rotas atlânticas. Mas para sulcar longas distância rumo ao Brasil, à costa africana ou ao Indico, era necessário dispor de mais portos de escala, pois a viagem era longa e difícil. As áreas comerciais da costa da Guiné e, depois, com a ultrapassagem do cabo da Boa Esperança, as índicas tornaram indispensável a existência de escalas intermédias. Primeiro Arguim, que serviu de feitoria e escala para a zona da Costa da Guiné, depois, com a revelaçäo de Cabo Verde, foi a ilha de Santiago que se afirmou como a
principal escala da rota de ida para os portugueses e podia muito bem substituir as Canárias ou a Madeira, o que realmente aconteceu. Outras mais ilhas foram reveladas e tiveram uma lugar proeminente no traçado das rotas. É o caso de S. Tomé para a área de navegação do golfo da Guiné e de Santa Helena para as caravelas da rota do Cabo. Também a forte projecção dos arquipélagos de S. Tomé e Cabo Verde sobre os espaços vizinhas da costa africana levou a coroa a criar duas feitorias(Santiago e S. Tomé) como objectivo de controlar, a partir daí, todas as transacções comerciais da costa africana. Desta forma no Atlântico sul as principais escalas das rotas do índico assentavam nos portos das ilhas de Santiago, Santa Helena e Ascensão. Aí as armadas reabasteciam-se de água, lenha, mantimentos ou procediam a ligeiras reparações. A par disso releva-se, ainda, a de Santa Helena como escala de reagrupamento das frotas vindas da India depois de ultrapassado o cabo: missão idêntica à dos Açores no final da travessia oceânica. Para Santiago são referenciados alguns testemunhos sobre a importância do porto da Ribeira Grande como escala do oceano, sendo disso testemunho uma carta dos oficiais da câmara em 15128: "É grande escala para as naus e navios de Sua Alteza e assi para os navios de São Tomé e ilha de Príncipe e para os navios que vão do Brasil e da Mina e todas partes de Guiné, que quando aqui chegam perdidos e sem mantimento e gente aqui são remediados de todo o que lhe faz mester". As escalas de Afonso Albuquerque e Álvaro Barreto, no regresso da India, e no sentido inverso, a do Padre António Vieira em 1652 de volta ao Brasil, que aí passou o Natal, são disso prova. Entretanto Gaspar Frutuoso havia referido isso, dizendo que por aí "vão as naus de Espanha para as Indias de Castela e as de Portugal pera Angola, pera Guiné e pera o Congo, como também à tornada, vêm deferir à ilha Ter8.
ANTT, Corpo Cronológico, I/12/23, 25 de Outubro, in História Geral de Cabo Verde. corpo documental, I, Lisboa, 1988, n1 71, 213-214.
ceira"9. Tenha-se em conta que a rota das Indias de Castela havia sido traçada em 1498 por Cristovão Colombo, que fez escala em Santiago e Boavista com a finalidade de tomar gado vacuum para a colónia de Hispaniola. Esta função da ilha de Santiago com escala do mar oceano foi efémera. A partir da década de trinta do século XVI são menos assíduas as escalas. O mar era já conhecido e as embarcações de maior calado permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os naufragos dos temporais aí aparecem à procura de refugio.
9.
Ob. cit., livro primeiro, 183.
Nos finais do século XVI a estratégia de dominio do Atlântico passava pelo controle dos Açores e em especial do porto de Angra. No século dezanove idêntica solução é seguida pelos ingleses, para salvaguarda dos seus interesses face aos franceses, com a ocupação da Madeira em 1801-1802 1807 a 1814. Situação que parece ser também desejada pelos micaelenses, conforme expressa o seu governador10. Note-se, ainda, que tal opção era desejável pela comunidade britânica, a fazer fé em T. Ashe11, que defendia para os Açores uma situação de protectorado inglês, pela importância que detinham no império de Sua Magestade.
10. 11.
Arquivo dos Açores, XI, 359-360, 373-375.
history of the Azores or western islands, London, 1813.Cf. J. Guilherme Reis Leite, "Uma polémica sobre política atlântica no séc. XIX- Os Açores e o império britânico( com um inédito do Dr. João Cabral de Melo)", in 11 Simpósio interdisciplinar de Estudos Portugueses, Actas, vol. II, Lisboa, 1985, pp.289-317.
A partir de meados do século XVII processaram-se alterações significativas no mercado colonial que tiveram reflexos evidentes nos Açores. Assim as colónias americanas12, por um lado, e o Brasil, do outro, configuram uma nova orientação para o mercado colonial das ilhas. Estas, que até então viviam de costas para esse mercado, são alvo de um volta-face. O mercado colonial passa a comandar o processo, havendo necessidade de ajustar a política agrícola interna a isso. Aqui, é evidente o protagonimso assumido pelo vinho na definição das novas rotas. Como corolário disso temos a designação de "ilhas do vinho", que surge na documentação oficial norte-americana para definir os arquipélagos atlânticos provedores de vinho: Açores, Madeira e Canárias 13. Note-se que esta nova realidade projectou o porto da Horta para uma posição relevante, afirmando-se, a partir de então, como uma das mais destacadas escalas e de comércio do arquipélago açoriano, retirando protagonismo aos portos de Ponta Delgada e Angra14. À sua volta fervilhava um amplo hinterland provedor de vinho e aguardente. A par disso juntou-se o apoio à navegação e à baleação de portugueses e americanos15 Para o século dezanove estava reservada uma total mudança no sistema de rotas do Atlântico. Os progressos no desenvolvimento da máquina a vapor fizeram com que se elaborasse um novo plano de portos de escala, capazes de 12.
Tenha-se em conta a presença de um consul americano na Horta, nomeadamente John B. Dabney. Confronte-se João Afonso, Açores em novos papeis velhos, Angra do Heroismo, 1980, pp. 235249. Aí refere-se a importância dos Anais da Família Dabney no Faial(1806-1871), para a História dos Açores. Mary Theresa Silva Vermette, "Early america's relationship with the Azores. a consular view", BIHIT, vol. XLV, t. II, 1988, pp. 1301-1314. 13.
E não Cabo Verde como refere erradamente Kenneth Morgan, Bristol & the Atlantic trade in the eighteenth century, N. Y, 1993, p. XIX. 14.
Cf. Francis M. Rogers, Atlantic islanders of the Azores and Madeiras, Massachusetts, 1979, pp. 145-190; Avelino de Freitas de Menezes, Estudos de História dos Açores, vol. II, Ponta Delgada, 1995, pp.43-88. 15.
João Afonso, "Baleação pelos Açores na dinâmica atlântica desde o século XVIII", BIHIT, XLV, t. II, 1988, 1275-1299.
servirem de apoio à navegação como fornecedores dos produtos em troca e do carvão para a laboração das máquinas. Nos Açores o porto de Angra cedeu o lugar aos da Horta e Ponta Delgada, enquanto em Cabo Verde a ilha de Santiago foi substituída pela de S. Vicente, lugar que disputava com as Canárias. Entretanto o Funchal viu reforçada pela dupla oferta como porto carvoeiro e do vinho da ilha, o que fez atrair inúmeras embarcações inglesas e americanas. A par disso a posição privilegiada que os ingleses gozavam na ilha levou a que eles se servissem do porto do Funchal como base para as actividades de corso contra os franceses e castelhanos. Foi, aliàs, com o protagonismo do vinho que se pôs termo ao harmonico desenvolvimento económico das ilhas. Quebrou-se a complementaridade e em seu lugar surgiu um afrontamento agudo que leva ao paulatino afastamento e perda desse mercado inter-insular, que foi uma realidade nos séculos XV e XVI. A Madeira funcionava para os ingleses como uma colónia que jogou um papel fundamental entre a metrópole e as possessões norte-americanas das Indias ocidentais e orientais, assumindo uma dupla função: porto de apoio para as incursões no oceano e abastecedor de vinho às embarcações e colónias. A presença de armadas inglesas no Funchal era constante e o relacionamento com as autoridades locais amistoso, sendo recebidos pelo governador com toda a hospitalidade16. Destas relevam-se as de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de 108 e 112 embarcações17. Para além disto era assídua a presença de uma esquadra inglesa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de 1780 comandada por Jonhstone18. Considerável foi ainda o aparecimento de um novo produto que desde finais do século XVIII rejuvenesceu a economia Public Record Office, FO 63/7, sabe-se que por ordem de 14 de Junho de 1722 as embarcações com destino às colónias permaneciam alguns dias no Funchal. A 20 de Janeiro de 1786 são 20 barcos em tal situação, cujo apoio é coordenado pelo consul. 16
AHU, Madeira e Porto Santo, n1.1125, 1620, 22 de Outubro de 1799 e 7 de Outubro de 1805 17
18
Ibidem, n1.545, 22 de Janeiro de 1780.
açoriana e a realinhou perante uma tradicional rota, traçada pelo pastel. A laranja é o simbolo de opulência e de um forte relacionamento com a Europa do Norte, nomeadamente com a Inglaterra19. Deste modo Joseph e Henry Bullar20 diz que a ilha de São Miguel se identifica com as laranjas sumarentas e doces enquanto na Madeira é o vinho e a tuberculose, que lhe dão nome e fama.
Sequeira Dias, "A importância da +economia da laranja+ no arquipélago dos Açores durante o sécuulo XIX", in Arquipélago, vol. II, n1. 2, 1995, pp. 189-240. 19.Fatima
20.
Um inverno nos Açores e um verão no vale das Furnas, Ponta Delgada, 1949.
A tuberculose foi, desde meados do século XVIII, uma via importante para a definição de uma nova realidade que abarca a Madeira e as Canárias- o turismo terapêutico. A função de hospital para a cura da tísica pulmonar ou de quarentena na passagem do calor tórrido das colónias para os dias frios e nebulosos da vetusta cidade de Londres é uma evidente prova do seu novo protagonismo. O debate das potencialidades terapêuticas da climatologia propiciou um numeroso grupo de estudos e criou uma escala de estudiosos, dentro e fora da ilha21. Intermináveis filas de aristocratas, escritores, cientistas desembarca no calhau e vão encosta fora à procura do ar benfazejo da ilha. Vem daqui muito do espólio de gravuras e textos de viagem, hoje disponíveis na Casa Museu Frederico de Freitas e Biblioteca Municipal22. A par dissso é de notar que as ilhas assumem, na centúria oitocentista, uma nova função para os Europeus. De primeiras terras descobertas passam a campos de experimentação e a escalas retemperadoras da navegação na rota de ida e regresso. No século XVIII desvendou-se esta nova vocação: as ilhas como campo de ensaio das técnicas de experimentação e observação directa, que comandam a ciência das "luzes", e escala das constantes expedições científicas dos europeus. O enciclopedismo, as classificações de Linneo(1735) têm nas ilhas um bom campo de experimentação. O homem do século dezoito perdeu o medo ao mundo circundante e passou a olhá-lo com maior curiosidade, deste modo como dono da criação estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os seus segredos. É esse impulso que justifica todo o afã cientifico desta centúria. A insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses aqueles que entre nós marcaram um forte presença, sendo menor a de franceses e alemãs. 21.
Cf. os catálogos de exposições no Funchal: Viagens na Madeira romântica, Funchal, 1988; Forasteiros na Madeira oitocentistas- uma estação de turismo terapêutico, Funchal, 1990; A Madeira e o Turismo. pequeno esboço histórico, Funchal, 1985. 22.
Estampas, aguarelas e desenhos da Madeira romântica, Funchal, 1988.
Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira. Isto resulta da função das mesmas como escala à navegação e comércio no Atlântico e para fora deste. Foi também aqui que a Inglaterra estabeleceu a sua base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio, as expedições militares cá tinham escala obrigatória, mais razões assistem às científicas para essa paragem obrigatória. As ilhas pelo seu endemismo, própria história geo-botânica, levavam obrigatoriamente a esse primeiro ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também as ilhas foram um meio revelador da incessante busca do conhecimento da geologia e botânica. Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens, chegam a enviar especialistas a proceder à recolha das espécies. Importantes estudos no domínio da geologia, botânica e flora são resultado deste presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. Estamos perante uma moda que, no decurso do século XVIII, levou a que algumas instituições científicas europeias ficassem depositárias de importantes Colecções: o Museu Britânico, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural de Paris. E, por cá, passaram destacados especialistas da época, sendo de destacar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-se, entre 1751 e 1900, quase uma centena de cientista. Está aqui uma riqueza historial que ainda não foi devidamente explorada. James Cook aportou a Madeira por duas vezes(1768 e 1772), numa réplica da viagem de circum-navegação, mas desta feita apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a sua classificação e depois revelação à comunidade científica. É esta quase esquecida dimensão das ilhas como motivo despertador da ciência e cultura europeia desde o século XVIII que importa realçar. Elas partiram de campo experimental dos descobrimentos a sua afirmação, com a filosofia das luzes, como novo campo experimental de nova ciência que desabrocha, mercê da sua nova função de escala das expedições científicas. Mais uma vez fica demonstrado o seu activo protagonismo no devir histórico ocidental. A sua acção não se resume apenas aos planos
político-económico e social, pois alarga-se ao científico, como acabamos de constatar. Outro facto que atesta de novo a importância das ilhas no contexto das comunicações entre ambos os litorais do oceano é a concretização das ligações telegráficas via cabo submarino. Primeiro a Madera e depos o Faial jogaram um importante papel, que perdura até aos tempos de hoje e evidenciou, mas uma vez a importância destes portos oceânicos23. 3.AS CONJUNTURAS A presença de corsários nos mares insulares deve ser articulada, por um lado, de acordo com a importância que estas ilhas assumiram na navegação atlântica e, por outro, pelas suas riquezas também despertadoras da cobiça destes extranhos. Mas se estas condições definem a incidência dos assaltos, os conflitos politicos entre as 23.Francis
M. Rogers, Atlantic islanders of the Azores and Madeiras, Massachusets, 1979, pp.175-230; António José Tello, Os Açores e o controlo do Atlântico, Porto, 1993, pp.165-212; D. de Cogan, "Brtish empire cable communications(1851-1930): the Azores connection", in Arquipélago, n1 especial, 1988, pp.165-193.
coroas europeias justificam-nos à luz do direito da época. Deste modo na segunda metade do século XVI o afrontamento entre as coroas peninsulares definiu a presença dos castelhanos na Madeira ou em Cabo Verde, enquanto os conflitos entre as famílias régias europeias atribuiam a legitimidade necessária a estas iniciativas, fazendo-as passar de mero roubo a acção de represália: primeiro foi, desde 1517, o conflito entre Carlos V de Espanha e Francisco I de França, depois os problemas decorrentes da união ibérica a partir de 1580. Esta última situação é uma dado mais no afrontamento entre as coroas castelhana e inglesa despoletado a partir de 1557. Cedo os franceses começaram a infestar os mares circumvizinhos da Madeira (1550, 1566), Açores (1543, 1552-53, 1572) e Cabo Verde, e depois seguiram-lhe o encalço os ingleses e holandeses. Os primeiros fizeram incidir preferencialmente a sua acçäo nos arquipélagos da Madeira e Açores, patente na primeira metade do século XVI, pois em Cabo Verde apenas se conhecem alguns assaltos em 15371538 e 1542. Os navegantes do norte escolhiam os mares ocidentais ou a área do Golfo e costa da Guiné, tendo os mares das ilhas de Santiago e S.Tomé como o principal centro de operaçöes. A partir da uniäo peninsular sucederam-se inúmeros assaltos franceses à Madeira, no que tiveram a pronta resposta de Tristäo Vaz da Veiga. Nos arquipélagos de Cabo Verde e S.Tomé, ao perigo inicial dos castelhanos e franceses, vieram juntar-se os ingleses e, fundamentalmente, os holandeses. Na década de sessenta o corso inglês era aí exercido por John Hawkins e John Lovell. É de salientar que os ingleses näo macularam a Madeira, pois aí tinham uma importante comunidade residente e empenhada no seu comércio. a sua acçäo incidiu, preferencialmente, nos Açores (1538, 1561, 1565, 1572) e Cabo Verde. O período que decorre nas duas décadas finais do século XVI é marcado por inúmeros esforços da diplomacia europeia no sentido de conseguir a solução para as presas do corso. Para isso Portugal e França haviam acordado em 1548 a criação de dois tribunais de arbitragem, cuja função era anular as autorizações de represália e cartas de corso. Mas a sua existência não teve reflexos evidentes na acção dos corsários. Note-se que é precisamente em 1566 que temos notícia do mais importante
assalto francês a um espaço português. Em Outubro de 1566 Bertrand de Montluc ao comando de uma armada composta de três embarcações perpetrava um dos mais terríveis assaltos à vila Baleira e à cidade do Funchal. Acontecimento idêntico só o dos argelinos em 1616 no Porto Santo e Santa Maria, ou dos holandeses em S. Tomé. O corso a partir da década de oitenta tomou outro rumo, sendo as diversas iniciativas uma forma de represália à união das duas coroas peninsulares. Ele ficou expresso na intervençäo de diversas armadas: Francis Drake (1581-85), Conde de Cumberland (1589), John Hawkins, Martin Forbisher, Thomas Howard, Richard Greenville e o Conde Essex (1597). Elas não se limitavam apenas ao assalto às embarcações peninsulares que regressavam à Europa carregadas de ouro, prata, açúcar e especiarias, pois a sua acção foi também extensiva à terra firme onde intervinham à procura de um abastecimento de víveres e água ou do volumoso saque, como sucedeu em 1585 em Santiago e em 1587 na ilha das Flores. A presença dos holandeses nesta disputa rege-se por condições específicas. Eles porque detinham importantes interesses na cultura açucareira americana, procuravam assegurar o domínio de S.Tomé, Santiago e demais feitorias do comércio de escravos. A isso juntava-se o empenho na manutenção das rotas do tráfico e o objectivo de destruir os interesses açucareiros da área. Em 1598 foi o ataque a Santiago e no ano imediato a S.Tomé. Na última destruíram todos os engenhos em actividade. Mais tarde, com a ocupação da Baía e Pernambuco, os holandeses voltaram-se de novo para a Guiné com o objectivo de dominarem as rotas do comercio dos escravos. Daqui resultou a passagem em 1624 e 1625 de duas armadas para a Baía, com o objectivo de aí tomar posição, retornando depois em 1628 para conquistar Santiago e em 1641 para ocupar S.Tomé e Angola. Nas duas últimas áreas mantiveram-se até 1648, momento em que foram expulsos pelos portugueses. No século dezassete os mecanismos comerciais estavam em mudança, afirmando-se, cada vez mais, uma tendência para o proteccionismo económico, definida pelas companhias comerciais e de legislaçäo restritiva: os holandeses criaram em 1629 a companhia das Indias Ocidentais, os portugueses em 1649 a Companhia Geral do Comércio para o
Brasil e os ingleses em 1660 a Royal Adventuress in to Africa e, depois, em 1672, a Royal Campany of England. A política monopolista e proteccionismo dos ingleses iniciou-se em 1651 com o Acto de Navegaçäo e teve continuidade nos actos posteriores de 1661 a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o mote para a nova realidade político comercial. O mar que séculos atrás fora apenas um privilégio dos peninsulares era agora património dos diversos empórios marítimos europeus. A anterior divisão política deixou de ser uma realidade e deu lugar à era dos imperativos económicos. As mudanças no domínio político e económico operadas ao longo dos séculos dezoito e dezanove não retiraram às ilhas a função primordial de escala e espaço de disputa do mar oceano. A frequência de embarcações manteve-se enquanto o corso ficou marcado por uma forte escalada, entre finais da primeira centúria e princípios da seguinte. Aos tradicionais corsários de França, Inglaterra, Holanda vieram juntar-se os americanos do norte e sul. Nestas circunstâncias as ilhas foram de novo confrontadas com uma conjuntura de instabilidade, idêntica à de um século antes. Ela foi má para o comércio e segurança das populações insulares. Entre 1763 a 1831 as ilhas da Madeira e Açores foram confrontadas com as ameaças e intervenção do corso europeu (franceses, ingleses e espanhóis) e americano, salientando-se nos últimos a represália dos insurgentes argentinos. Ambos os arquipélagos evidenciaram-se como a encruzilhada de intercepçäo do fogo resultante da guerra de represália americana e europeia. Por isso os interesses económicos insulares foram molestados, nos períodos de maior incidência. Múltiplas e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmasse no século XVIII como um centro chave das transformações sócio-políticas então operadas, de ambos os lados do oceano. A par disso também as demais ilhas foram protagonistas desse processo, concorrendo para isso vários factores. Aqui deverá, sinalizar-se a forte presença da comunidade inglesa e o facto desta as ter tranformado num importante centro para a sua afirmação
colonial e marítima24. Esta vinculação ao império britânico é bastante evidente no quotidiano e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX25. Neste fogo cruzado as ilhas, porque protagonistas activas do relacionamento entre os dois mundos e pela forte presença da comunidade inglesa, não podiam alhear-se das mudanças políticas geradas pela difusão de novas ideias e repercussão das suas consequências. E, na segunda metade do século XVIII, foi evidente esta aportação26. Para isso contribuiu o protagonismo do Funchal e da Horta, através do comércio do vinho, no relacionamento comercial com os portos norte-americanos, mas também com as metrópoles. Deste modo para situar a problemática em debate é necessário ter em atenção, não só as actividades de corso, mas também, o activo relacionamento e interdependência com esses mercados, que em termos políticos estiveram, desde o último quartel do século XVIII,em permanente ebulição.
24.
Em 14 de Julho de 1722(Public Record Office, Foreign office, n1. 63/7) determinava-se que as embarcações inglesas permanecessem alguns dias no Funchal. 25.
Confronte-se Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988. 26.
António LOJA, A luta do poder contra a Maçonaria, Lisboa, 1985, p.247.
No decurso do século XVIII as ilhas firmaram a sua vocação atlântica, contribuindo para isso o facto de os ingleses não dispensarem os seus portos e vinho na sua estratégia colonial. As diversas actas de navegação(1660,1665), corroboradas pelos tratados de amizade, de que merece relevo especial o de Methuen (1703)27, foram os meios que abriram o caminho para que as ilhas entrassem na órbita de influência inglesa28.Aos poucos, esta comunidade ganhou uma posição de respeito na sociedade madeirense que, por vezes, se tornava incomodativa29.A presença e importância da feitoria inglesa, no decurso do século XVIII, é uma realidade insofismável30.
27.
Veja-se Public Record Office, FO, 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805. Confronte-se J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O Comércio anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29. 28
29.
Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e Porto Santo, n1.48-49). 30.
De acordo com Albert Silbert("Un Carrefour de l'Atlantique. Madère. 1640-1820", in Economia e Finanças, XXII, Lisboa, 1954, p.432) "Atlantique que étant devenu plus que jamais anglais, Madère avait failli le devenir aussi".
A comunidade inglesa passou a usufruir na Madeira de um estatuto diferenciado que lhe dava a possibilidadede de possuir um cemitério próprio, desde 1761. Também os mesmos tiveram direito a igreja própria, emfermaria, conservatória31 e juiz privativo. Sabemos, ainda, que estavam isentos do pagamento de qualquer direito na alfândega, cobrando, por iniciativa própria, um tributo sobre os barcos ingleses para as despesas da feitoria. A situação, segundo o governador João António de Sá Pereira32, era antiga e contava com o hábito de "obsequiar os governadores para os ter sempre propícios afim de melhor continuar nos grandes interesses que tira d'esta ilha...". É de acordo com este quadro que deve ser enquadrada a ocupação da ilha, por duas vezes, por tropas inglesas: 1801-1802 e 1807 a 181433. Mesmo assim os ingleses tiveram de se bater com a reacção madeirense à sua influência na vida económica madeirense. Uma destas está patente nas palavras do juiz do povo, que em 1770 os responsabilizava pela situação de crise do comércio do vinho resultado da impunidade com que actuavam na ilha34. A procura do vinho madeirense resulta também da feliz circunstância de ser o único que não se deteriorava com 31.
Public Record Office, FO , 811/1, fls.278, 31 de Janeiro
de 1724. 32.
Veja-se AHU, Madeira e Porto Santo, n1 317, 30 de Abril de 1768. Sobre os ingleses na ilha veja-se Fernando Augusto da SILVA, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal 1984, entradas "ingleses", Estrangeiros, conservados dos ingleses, Cemitério Britânico, igrejas inglesas; A.A. SARMENTO, "A Feitoria Inglesa", in Fasquias da Madeira, Funchal, 1951, pp. 99-103; Walter MINCHINTON, "British Residents and their problems in Madeira before 1815", in Actas do II C.I.H.M., Funchal, 1990, pp. 477-492; Desmond GREGORY, ob. cit.; Graham BLANDY (ed.) Copy of Record of the establishement of the chaplaincy and notes on the old factory at Madeira, Funchal, 1959. 33.
Veja-se Pe. Fernando Augusto da SILVA, ob. cit., vol. III, "Ocupação da Madeira por tropas inglesas", pp. 5-6; A. A. SARMENTO, Ensaios Históricos, vol. III, Funchal, 1952, pp. 146237; idem, Madeira 1801 a 1802, 1807 a 1814. Notas e Documentos, Funchal, 1930. 34.
A.R.M., C.M.F., n1 167, fls. 53-57v1, 17 de Março 1770.
as constantes mudanças de clima, antes pelo contrário, adquiria propriedades, mercê do balanço resultante da ondulação do mar e do calor tórrido a que estava sujeito nos porões.O que não sucedia com todo o vinho açoriano, daí a aposta na aguardente. Esta constatação surge muito cedo, pois desde princípios do século XVIII temos referências a isso que veio a dar origem ao vinho da roda. Quem o confirma é o consul francês no Funchal, que justifica a preferência dos ingleses pelo vinho Madeira em detrimento do de Bordéus35. Daqui resultou a sua afirmação no mercado colonial europeu, com especial relevo para o britânico. Neste contexto releva-se a posição do mercado americano, dominado pelas colónias das Indias Ocidentais e portos norte-americanos.
35.
Cartas de 25 Fevereiro de 1741 e 27 de Maio 1771 referenciadas por Albert SILBERT, "Un Carrefour de l'Atlantique: Madère (1640-1820)", in Economia e Finanças, vol. XXII, 1954, pp. 413-414.
O último destino sedimentou-se, a partir da segunda metade do século XVII, mercê de um activo relacionamento. Desde então o vinho das ilhas foi uma presença assídua nos portos atlânticos - Boston, Charleston, N. York e Filadélfia, Baltimore, Virginia - onde, no caso da Madeira, era trocado por farinhas36. Esta contrapartida reforçou o relacionamento comercial e actuou como circunstancia favorecedora do progresso da economia vitivinícola. Assim, se nos séculos XV e XVI a afirmação da cultura dos canaviais foi conseguida com o suprimento frumentário dos Açores e Canárias, a partir de finais do século XVII, é na América do Norte que se situa o celeiro madeirense. Cedo, a Madeira entrou na esfera dos interesses norte-americanos, sendo o vinho o cartão de visita. Note-se que as ilhas atlânticas são conhecidas na documentação oficial norteamericana como as ilhas do vinho37. A partir da década de 70 do século dezoito e até aos princípios do século seguinte os conflitos que têm como palco os continentes europeu e americano alargam-se ao Atlântico. Aliás, neste momento o oceano é um activo protagonista das disputas entre os três principais beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Por isso Mario Hernandez Sánchez-Barba38 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio, existindo entre elas uma perfeita sintonia. A tudo isto junta-se a permanente preocupação com a organização militar e a defesa da costa, porque o perigo espreitava no mar a qualquer momento. É dentro desta ambiência que deverá considerar-se a presença dos corsários. Para isso poderão assinalar-se dois momentos: o período que decorre entre 1744 a 1736 36.
Cf. Jorge Martins RIBEIRO, "Alguns aspectos do comércio da Madeira com a América na segunda metade XVIII", in Actas III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp.389-401. 37.
Veja-se A. Açores e Canarias) Una aproximacón a 1990, pp. 900-934, 420-428. 38.
GUIMERA RAVINA, "Las islas del vino (Madeira, y la América inglesa durante el siglo XVIII. su estudio", in II C.I.H.M. Actas, Funchal, confronte-se Albert SILBERT, art. cit., pp.
El mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.
definido pelo afrontamento de Inglaterra com a França e Espanha; a época das grandes transformações do século, com a proclamação da independência das colónias inglesas da América do Norte (e a consequente guerra de independência até 1783), a Revolução Francesa (1779) e as convulsões que lhe seguiram até 1815. Neste último intervalo de tempo sucederam-se novas alterações no continente americano com a luta pela independência das colónias de Espanha, que veio a gerar um novo interlocutor para a guerra de corso. A dimensão assumida por esta guerra de represália está bem patente nos números das presas. No período de 1793 a 1798 os franceses apresaram alguns milhares de embarcações dos ingleses e aliados: em 1795 só o porto de Brest tinha 700 presas inglesas e em 1798 contavam-se 3199 navios comerciais apresados39. Perante a investida francesa não será de estranhar a ocupação inglesa da Madeira, entendida como forma de preservar os interesses dos súbditos de Sua Magestade, mas também de estabelecer uma barreira ao avanço francês além oceano40. Na segunda metade deste século mantém-se a posição privilegiada da força naval inglesa e o apertado bloqueio às Canárias, sem que da parte da França ou Espanha haja uma reacção em força,apenas manifestações esporádicas de represália em 1768 e 179941 com o apresamento pelo corsário Santa Bárbara de um navio inglês. O corso europeu incidia preferencialmente sobre as embarcações espanholas e francesas e motivava uma resposta violenta das partes molestadas, como sucederá com a investida francesa contra os ingleses em 1793, 1797, 1814. Mas os últimos foram de todos aqueles que actuaram com maior segurança, pois haviam montado um 39.
Confronte-se A. C. BAPTISTA, O Ressurgimento da Marinha Portuguesa no Último Quartel do Século XVIII, Lisboa, 1957 (tese de licenciatura na Faculdade de Letras). 40.
Cf. Alberto Vieira, "Funchal no contexto das mudanças político-ideológicas do século XVII. o corso e a guerra de represália como arma", in As sociedades insulares no contexto das interinfluências culturais do século XVIII, Funchal, 1994, pp.93113. 41.
AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 22 de Julho, Maço 5.
plano de domínio do Atlântico, servindo-se do Funchal como principal porto de apoio para as suas incursões. O mar açoriano era o alvo preferencial dos corsários americanos pelo que a maioria dos seus assaltos têm aí lugar. As principais vítimas do corso americano foram os portugueses e espanhóis. A presença dos corsários americanos surge como consequência da Guerra da Independência dos Estados Unidos da América do Norte (1770-1790) a que se aliaram, a partir de 1816, os insurgentes das colónias castelhanas. Enquanto na Madeira a actividade do insurgente é mais evidente na década de oitenta do século XVIII, nos Açores demarca-se no período de 1814 a 1816, ficando célebre a batalha naval da Horta em 1814. Os insurgentes actuaram a partir de 1816, sendo as suas investidas "consequência da parte que Portugal tinha tomado na guerra actualmente existente trazia ordens de cativar todos os meios que encontrasse pertencentes aquela nação e igualmente espanhóis"42.Os mares dos Açores mantiveram-se como principal palco de acção. Em Cabo Verde sucedia algo diferente, sendo a presença corsária derivada da represália francesa, de que são notórias as duas invasões da cidade da Praia (1712 e 1781) e uma de Santo Antão (1712) e Brava (1798). Os Açores, no decurso do século XIX, perdem essa função de escala. As inovações técnicas assim o definiram: "Todas estas ilhas dos Açores, por quasi dois séculos depois do seu desenvolvimento forão consideradas como huma colonia importantíssima, não só pelo seu clima e terreno, porém mais que tudo, pelo seu local. A navegação estava ainda tão atrazado, que fazia parecer que a providencia tinha destinado estes terrões no meio do mar Atlântico para socorrer, e facilitar a communicação dos mundos velho, e novo.(...)
42.
Arquivo Histórico Ultramarino, Açores, maço 69.
Depois, porém, pelo natural censo das cousas, pelo adiantamento d'outras nações, que até alli jazião quasi em trevas, e muito principalmente pelo adiantamento da arte da navegação, foi cessando a consideração em que as ilhas erão tidas. Chegou a construcção de navios a huma tal perfeição, que se atravessou este grande mar sem dependência alguma das ilhas dos Açores. Perderão aquella alta consideração do seu local, e ha hum século, ou mais, que ellas são avaliadas pelo seu intrinseco somente"43. No último quartel do século XIX, a concorrência dos diversos portos insulares como escalas de apoio à navegação atlântica, levou à criação de incentivos de preferência. São eles: a construção de portos com condições para apoiar esse tráfico e a definição da política de portos francos. A concorrência acentua-se e por isso a busca destes incentivos faz-se a contra relógio44. Também neste momento é saliente uma mudança das áreas de influência das potências europeias. A América cede lugar à Africa e Ásia45. Mesmo assim a Madeira continuará a manter esse vinculo através da rota dos célebres vapores do Cabo.
5.OS PRODUTOS DO TRATO INSULAR 43.
Arquivo dos Açores, V, pp. 320-321.
44.
Vide para os Açores: Isabel João, Os Açores no século XIX, pp. 134 e segs; para a Madeira: João Sauvayre da Câmara e Vascocnelos, Representação da Câmara Municipal da Cidade do Funchal ao governo de S. M. sobre diversas medidas tendentes a conservar e arruinar a navegação de passagem neste porto, dos paquetes transatlânticos, Funchal, 1884; Visconde Valle Paraizo, Propostas apresentadas pela commissão nomeada em assembleia da Associação Commercial do Funchal 1 14 de Novembro de 1894 para estudar as causas do desvio da navegação do nosso porto e do afastamento de forasteiros, Funchal, 1895; João Augusto d'Ornellas, A Madeira e as Canárias, Funchal, 1884. 45.
Cf. J. R. Mcneill, "The world of the gold Atlantic world: Americas, Africa, Europe 1770-1888", in Alan K. Karras e J. R. Mcneill, Atlantic american societies, London/N. York, 1992, p.265.
As conexões insulares resultam mais de factores estranhos à progressão do trato comercial que às suas exigências e possibilidades de troca. O facto de as ilhas apostarem na mesma forma de agricultura orientada para as suas necessidades internas ou do mercado colonial não deixou grandes possibilidades a um estreitamento dos seus contactos comerciais. Os produtos de subsistência nem sempre são suficientes para suprir as suas carências e no caso da exportação prefere-se outros mercados mais vantajosos, pois as ilhas ou arquipélagos vizinhos não ofereciam idênticas vantajens de lucro. Por outro lado os produtos de exportação, seja para o mercado europeu, seja o colonial, acabam por levar ao afrontamento destes limitados mercados. O caso mais evidente é o comércio do vinho, que atinge nos três arquipélagos, no decurso dos séculos XVIII e XIX, idêntico protagonismo nas rotas externas, o que provoca por vezes algum afrontamento. Perante isto as possibilidades de troca interna no mercado insular incidem quase só nos produtos de subsistência - primeiro o trigo e, depois, o milho - e nalgumas manufacturas de reexportação. Estas últimas resultam da forma como se estruturaram as rotas oceânicas que levam ao protagonismo de certas ilhas como portos de apoio, em detrimento de outras. Todavia, no decurso do século XVIII, e mais no seguinte, todas as ilhas fazem parte do roteiro das embarcações. Suplantadas as dificuldades técnicas as rotas de navegação ajustam-se às exigências e interesses do mercado e mercadores. E desta feita o circuito das ilhas torna-se numa importante e complementar rota de navegação no Atlântico. Fala-se de um circuito fechado, que compreende a metrópole, Madeira, Açores, ou do Mediterrâneo, Madeira, Canárias-Berberia. A questão do trigo é uma das dominantes da História da metrópole e das ilhas. Aliàs do decurso do século XIX foi uma das importantes questões do debate político46. A luta pelo pão parece ter sido uma constante da História insular, mas de modo particular da Madeira. A 46.
João Rocha Ribeiro, "Collecção de avisos regios, officios e mais papeis relativos a exportação do grão das ilhas dos Açores..."(Lisboa, 1821), in Archivo dos Açores, V, pp.281-358. A. H. de Oliveira Marques,Introdução à História da Agricultura em Portugal( questão cerealífera durante a idade média), 20 ed., Lisboa, 1968.
desarticulação entre o movimento demográfico e a economia de aproveitamento do solo levou a isso. Aqui, há uma aposta preferencial nos produtos de exportação, com grande solicitação no mercado do novo e do velho mundo, o que afasta as culturas de subsistência das áreas pobres de cultivo e próximas dos grandes centros de exportação. Daqui resultam um vasto hinterland em torno desses portos cimeiros de relacionamento com o exterior, dominando pela interior da própria ilha ou de outros que lhe estão próximas e dela dependem. Esta vinculação de ilhas a um porto de tráfico internacional é uma realidade apenas nas Canárias e Açores. Todavia é esta incessante luta pelo pão que ateou em todo o processo histórico o relacionamento entre estas ilhas. O tráfico inter-insular assenta fundamentalmente nesta redistribuição dos meios de subsistência. Daqui resulta alguma complementariedade, mais evidente nos primórdios da criação das sociedades insulares que nos momentos posteriores. Foi esse sentido que militou a acção das autoridades quanto à Madeira e aos Açores. É nesta lógica de complementaridade que se definem os circuitos inter-insulares e que ganha forma, à escala das ilhas, um novo mercado que enlaça o chamado Mediterrâneo Atlântico. Açores, Canárias e Madeira unem-se quando os interesses e conjunturas não são adversas. O abastecimento de cereais foi um dos principais incentivos à manutenção das relações inter-insulares, que são uma constante no período em causa. Todavia, em qualquer dos momentos o Mediterrâneo Atlântico não é autosuficiente carecendo-se da sua importação do mercado europeu ou americano. Esta última origem tornou-se uma realidade no decurso dos séculos XVIII e XIX, funcionando para a Madeira como contrapartida ao seu vinho. Para o período que decorre de 1727 a 1810 entraram no porto do Funchal 4297 embarcações com cereal ou farinha, sendo 2053(48%) da América do Norte, 799(19%) de Inglaterra e 687 dos Açores(16%)47. Disto decorre que a Madeira fazia 47.
João José Abreu de Sousa, O movimento do porto do Funchal e a conjuntura da Madeira de 1727 a 1810. Alguns aspectos, Funchal, 1989, 105-160. É fundamental o estudo dos livros de registo de entrada de navios com trigo,milho e outros grãos (A.R.M., C.M.F., n1s 1284-1295, anos de 1754 a 1847), para fazer-se uma ideia dos principais mercados fornecedores de grão à Madeira,
depender a sua subsistência dos tradicionais mercados consumidores do seu vinho. A América e Europa do Norte que totalizavam mais de dois terços desse negócio.
no decurso dos séculos XVIII e XIX.
PORTO DO FUNCHAL - ENTRADA DE NAVIOS COM CEREAL DE FARINHA ANO
AÇORES
METROPOLE
A. NORTE
cereais
cereais
outro s
outro s
CANARIAS cereais
MEDITERRANEO
NORTE DA EUROPA
outros
cereai s
cereai s
15
3
1
cereais
outro s
cereais
1727-30
36
6
5
19
132
56
1731-40
75
40
20
112
394
102
3
43
7
5
1741-50
77
16
34
142
376
78
8
46
6
17
1751-60
33
9
42
120
235
65
4
18
11
8
1761-70
21
5
5
107
204
53
3
10
1771-80
56
7
20
191
210
94
13
21
11
32
1781-90
73
24
32
184
266
95
18
47
4
62
17911800
109
19
13
32
471
124
55
39
3
25
1801-10
207
52
20
34
553
276
10
46
50
7
201
719
2053
95
348
687
outros
Inglaterra
114
outro s
17
4297
outro s
Na Madeira a dependência em relação ao mercado, no assegurar a subsistência das populações, é uma constante da sua História que perdura até a actualidade. Desde finais do século XV que a aposta dominante num produto de exportação, associado ao elevado crescimento demográfico conduziram a ilha para essa situação crónica de dependência do mercado externo. Esta situação é descrita de forma exemplar por Giulio Landi em 1530: "a ilha produziria em maior quantidade se semeasse. Mas a ambição das riquezas faz com que os habitantes descuindando-se de semear trigo, se dediquem apenas ao fabrico de açúcar, pois deste tiram maiores proveitos, o que explica não se colher na ilha trigo para mais de seis meses. Por isso há uma carestia de trigo, pois em grande abundância é importado das ilhas vizinhas48. A situação da ilha era de total dependência das searas dos outros. Assim em 1625 a produção local dava apenas para 4 meses, aumentando em 1662 e 1696 para os seis meses. Todavia no decurso do século dezoito esta porção reduz drásticamente para 3 meses em 1777, o que veio a agravar a dependência em relação ao exterior. Aqui estava assegurado um novo mercado abastecedor delineado pelas rotas do comércio do vinho. O Norte da Europa, a América do Norte são os principais mercados, onde é possível accionar um sistema de trocas, mercê da disponibilidade do vinho. As ilhas, dos Açores e das Canárias, afirmam-se como celeiro de provimento da Madeira. Desde 1516 que a coroa se vê na necessidade de regulamentar este negócio dos Açores, forçando os agricultores ao abastecimento do mercado madeirense. Todavia, estes sempre se mostraram renitentes, quer em momentos de penúria quer de abundância, pois o comércio com outras áreas parecia-lhes mais vantajoso. Daqui resulta a insistência da Coroa na permanência desta via de suprimento das carências alimentares dos madeirenses49. 48.
António Aragão, A Funchal, 1981, 84. 49.
Madeira
vista
por
estrangeiros,
Cf. Alberto Vieira, "O comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII" in B.I.H.I.T., vol. XLI(1983), pp. 651.654; Maria Bendita Araújo,"Considerações em torno da economia da Madeira e dos Açores(séculos XV-XVIII" in Portuguliae Histórica, 20 série, vol. I, Lisboa, 1991, p. 279.
Esta intenção açoriana é também uma constante. Sucedeu no século XVI e continua nas centúrias seguintes. Em meados do século XVIII, com o reflexo da guerra dos sete anos, tardavam em aparecer os navios americanos com cereal e farinha pelo que foi mecessário o recurso a outros mercados como os Açores; que se manifestou contrário. O recurso foi, mais uma vez, Cádiz e Canárias50. No período de 1784 a 178651 temos uma relação entre os valores da importação de bens alimentares e de saída de vinhos, que é favorável à Madeira, mas eram os ingleses quem arrecadavam todos os lucros mercê da política de adiantamentos. ANO
EXPORTAÇÃO
IMPORTAÇÃO PRODUTOS
TRIGO MOIOS
FARINHABARRIS
1784
370
2800
1785
2310
8413
1786
2371
7657
PEIXEBARRIS
460
VALOR EM LIBRAS CARNEBARRIS
MATEIGA BARRIS
PIPAS DE VINHO
VALOR EM LIBRAS
400
61.921 ,
3361
84.125,
1460
140
86.426 ,
4634
115.850,
330
475
78.325 ,
4619
115.475,
TOTAL
Perante estas constantes incursões corsárias nesta importante área de passagem dominada pela Madeira e os Açores, a parte portuguesa era muito afectada, não só pelas presas que sofreu, mas igualmente dos constantes bloqueios das rotas viu o comércio das ilhas e do Brasil bastante afectado e onerado. A Madeira, por exemplo, com uma economia dependente do mercado externo, viveu algumas vezes momentos aflitivos em face desses bloqueios, pois impedia de sai com o vinho não tinha qualquer possibilidade de se reabastecer de comestíveis e manufacturas.
50.
CF. AHV, Madeira e Porto Santo, n1 112-113, 141.
51.
BNL, Reservados, ms. 219, n1 29.
Esta realidade surgiu no culminar da viagem da economia insular, no decurso da segunda metade do século XVII. A aposta no vinho como meio activador das trocas externas a definição do seu mercado nas colónias ou Europa do norte provocaram esse desvio, vantajoso para os seus intervenientes. Os Açores, que no decurso do século XVI, em aliança com as Canárias, detinham essa missão de suprimento das necessidades fumentárias da ilha, vão perdendo inexoravelmente essa função em favor do novo mercado, conquistado com o comércio do vinho. Note-se que no período de 1510 a 1640 as ilhas acudiram com 69% do cereal consumido no Funchal. Aqui com evidente protagonismo para os Açores com 55% - enquanto a Europa se quedou uma posição muito inferior - 28%52. Esta situação irá mudar no decurso do século XIX com a evidente revolução dos hábitos alimentares das gentes das ilhas. O milho assumirá já um protagonismo associando-se agora a batata53. Note-se que a crise de fome na ilha da Madeira em 1847 é provocada pela falta deste tubérculo, atacado pela doença54. Um dos factores fundamentais do processo sócioeconómico madeirense, a partir de finais do século XV, prende-se com as crises de subsistência55, resultantes da desarticulação entre o sector produtivo e o movimento demográfico. Esta eterna conjuntura foi gerada no seio da sociedade colonial, que estabelece mecanismos de dependência entre a metrópole e as colónias e destas entre si. A adequação do processo económico do Mediterrâneo Atlântico a esta realidade comandou todo o seu processo interno e externo e levou, mesmo as ilhas ou arquipélagos autosuficientes, para essa situação de dependência. É o caso dos Açores e das Canárias onde uma inicial política de equilibrio da economia agrária favoreceu a autosuficiência, que paulatinamente se esfumou.
52.
CF. Alberto Vieira, artigos citados na bibliografia.
53.
Margarida Vaz do Rego Machado, "O milho nos finais de setecentos na ilha de S. Miguel", in Arquipélago-História, vol. II, n1.2, 1995, pp.175-188. 54.
Cf. Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1987, pp. 189 e segs. 55.
Tenha-se em conta o livro de Rui Nepomuceno, As crises de subsistência na História da Madeira, Funchal, 1994.
Por outro a acelaração deste processo conduziu ao esvaziamento de uma realidade própria do Mediterrâneo Atlântico. A complementaridade, que no decurso dos séculos XV e XVI se havia afirmado como um mecanismo de auto defesa da economia insular, converte-se em apontamento desmedido, evidente no comércio do vinho ou no porto franquismo. 6. O COMÉRCIO DAS ILHAS O comércio inter-insular dentro e inter-arquipélagos é uma característica da História económica das ilhas nos séculos XV e XVII e resulta fundamentalmente, da complementaridade. A isto acresce um conjunto diversificado de factores que evidenciam essa aproximação tornando-a imprescindível para a marcha do processo económico56. Também não terá menos importância o movimento migratório inter-arquipélagos, uma vez que este comércio é mantido quase sempre pelos próprios insulares deslocados que actuam como procuradores. Esta situação torna-se mais evidente e apenas pode ser considerada para os arquipélagos de Açores, Canárias e Madeira, uma vez que Cabo Verde, não obstante a existência de uma comunidade de insulares e de algumas relações comerciais não será lógico de definir esse tipo de relacionamento e complementaridade do Mediterrâneo Atlântico. Também nestas ilhas é de notar que a Madeira, pela sua posição geográfica e seu processo económico entre todas aquelas que mais usufrui desta realidade.
56.
Refere M. O. R. Gil("Madeira e Canarias no movimento portuario de Ponta Delgada. Problemas de importação e exportação em finais do déculo XVII", in I C.I. H. M , p. 887) : Ao mesm tempo que fazem circular, produzem e diversificam( em tempos de depressão), as ilhas adoptam e sabem adaptar-se às novas estratégias do tráfico marítimo na complexidade da existência dos arquipélagos do nosso Atlântico".
As trocas insulares incidem na necessidade de abastecimento de cereais, mecanismo indispensável para o equilibrado desenvolvimento económico. Note-se que o arquipélago da Madeira dispõe apenas de duas ilhas e a segunda adquire pouca importância económica. Daqui resulta que o processo económico, como muito bem o entendeu a coroa, só foi possível graças a esse vínculo de complementaridade com outros arquipélagos.É nos Açores que a coroa encontra a solução mas foi nas Canárias que os madeirenses melhor conseguiram levar por diante essa política. Note-se que desde muito cedo os madeirenses se relacionaram com as Canárias, actuando com agentes do Infante D. Henrique para a sua conquista57. Este relacionamento comercial pode ser considerado unidireccional uma vez que quase só tem como objectivo suprir a Madeira de cereais. É aliás o cereal o principal motor destes contactos, mesmo entre os Açores e as Canárias. Neste último caso apenas tem em momentos de penúria. Para o período de 1510 a 1640 contabilizamos a entrada no Funchal de 196.087,5 fanegas de trigo, sendo 135.777,5 das ilhas, correspondendo aos Açores 10.800 e às Canárias 27.777,558. Para os séculos XVIII e XIX, continua a manter-se o relacionamento da Madeira com os arquipélagos vizinhos mas é na América e Europa do Norte que a ilha encontra o seu abastecimento de cereais59. Este recurso a novos mercados abastecedores é-lhe mais vantajoso no sentido de que permite a troca pelo vinho, o que raramente sucedia nas Canárias e Açores. Todavia, tal como refere U.Martin Hernandez, na segunda metade do século dezanove, os contactos inter-insulares são ocasionais60. 57.
Alberto Vieira, " O Infante D. Henrique e o senhorio de Lanzarote - implicações políticas, sociais e económicas", in II Jornadas de História de Lanzarote y Fuerteventura, T. I, Santo Rosário, 1990. 58.
Cf. Nossos estudos sobre o comércio de cereais das ilhas na bibliografia. 59.
João José Abreu de Sousa, O movimento do porto do Funchal..., pp. 119-160. 60.
"los archipiélagos atlanticos de Canarias, Madeira, Cabo Verde y Azores entre 1880-1910. Una aproxinación al estudio de sus relaciones a traves de los informes consulares britânicos", in VIII CHCA, 1988, t. II, pp.99-122.
No decurso da primeira metade do século XIX temos dados que elucidam este movimento. Assim, os produtos alimentares - cereais (milho e trigo), carne, laranja e manteiga - continuam a dominar a oferta açoriana, sendo a parca contrapartida madeirense de fazendas, ferro, vinho, vinagre61. É de salientar aqui a importância assumida pelo milho açoriano, prova evidente de uma mudança dos hábitos alimentares dos insulares. Todavia esta rota açoriana representa pouco valor para ambas as partes, não representando grande valor para o tráfico dos portos açorianos. Assim, entre 1800 a 1831 o tráfico madeirense representa apenas 7% do total do movimento do porto de Ponta Delgada. Note-se, ainda, que a maioria destes navios (51%) provenientes do Funchal vêem a Castro, apenas com a intenção de carregar trigo ou milho. Note-se que esta falta de permuta,pela rejeição do vinho, levou os madeirenses ao abandono deste circuito62. No decurso do século XVI o arquipélago açoriano definese por dois importantes infraestruturas portuárias: Ponta Delgada e Angra. O primeiro surge pela importância económica da ilha, nomeadamente pela produção cerealífera e de pastel que cativam o mercado interno e externo. Angra, usufrui da sua posição no grupo de ilhas oriental e central e da segurança que atribui às embarcações oriundas do novo mundo. Por tudo isto ambos os portos cativaram todos os interesses comerciais com o exterior o que conduziu ao estabelecimento de uma rede interna de redistribuição dos produtos63. O escoamento das produções agrícolas de S. Jorge, Graciosa, e mesmo das demais, fazia-se a partir do porto de Angra ou era canalizado para o abastecimento das armadas que por aí passavam. 61.
Confronte-se A. Teodoro de Matos, "Achegas à História económica e social da ilha de São Miguel no ano de 1813" in Arquipélago, I, 1979; Isabel Cid, "O porto de Ponta Delgada em 1801 - subsídios para o seu estudo" in B.I.H.I.T., XXXVII, 1979; Fátima Sequeira Dias, "As relações comerciais entre a Madeira e S. Miguel 1800 a 1831" in I C.I.H.M., T. II, 1990. 62.
Fátima Sequeira Dias, "O Porto de Ponta Delgada de 1821 a 1825 - um exemplo de navegação no Atlântico", in B.I.H.I.T., XLV, T. II, 1987, pp. 235-236. 63.
Confronte-se Gaspar Frutuoso, Livro sexto das Saudades da Terra, p. 59.
A partir de meados do século XVII as mudanças operadas no mundo colonial, aliadas aos avanços técnicos conduzirão inexoravelmente a grandes mudanças. O Porto de Ponta Delgada manterá o seu protagonismo, mercê da aposta, a partir do século XVIII, na cultura da laranja, o mesmo não sucedendo com Angra que cede o seu lugar de escala oceânica ao porto da Horta. Este porto passa num ápice de escala inter insular para intercontinental64. À sua volta cria-se um vasto hinterland - Pico, Graciosa e São Jorge - que disponibiliza vinho e aguardente, produtos com grande slicitação no mercado americano e brasileiro. Mercê deste novo foco de atracção do comércio açoriano traçam-se novas rotas internas de abastecimento ou de escoamento dos produtos açorianos. Cria-se uma nova teia tendo por centro o porto de Horta. Aí fixara morada o consul norte americano, seguindo o exemplo do inglês(1750). Aqui amarrará também em 1893 o primeiro cabo submarino, lançando a Horta num novo protagonismo das ligações entre os dois lados do Atlântico65. Também será daqui que partiram os baleeiros ou os americanos terão o seu apoio na arte da baleação66. Esta foi uma actividade com particular importância neste arquipélago e em Cabo Verde67
64.
T. B. Duncan, ob. cit., pp. 107, 111, 140; A. Freitas de Menezes, Estudos de História dos Açores, II, Ponta Delgada, 1995, 43-64. Em meados do século XVIII reclama-se porto seguro para o Faial, vide Arquivo dos Açores, VII, pp.298-299. 65.
D. de Cogan, "British empire cable communications (18511930) The Azores connextion" in Arquipelago, n1 especial,. 1988, pp. 165-193. 66.
Vide João Afonso "Baleação pelos Açores na dinâmica Atlântica desde o século XVIII" in B.I.H.I.T., vol. XLV, T. II, 1275-1300. 67.
Cf. António Carreira, "Navegação de longo curso e o comércio nas ilhas de Cabo Verde no século XIX", in Revista de História Económica e Social, n1. 4, 1979.
É evidente, no decurso do século XIX, a posição cimeira adquirida pelo porto de Ponta Delgada, mercê da economia agrícola-laranja, cereais e leguminosas. Notese que para o período de 1833 o porto de Ponta Delgada quase monopoliza o movimento dos portos açorianos com 82% desse movimento. Todavia, não se evidencia qualquer polarização desse movimento interno de cabotagem, surgindo Ponta Delgada com 19% e Angra com 16%68. Esta situação deverá resultar da progressiva diminuição de complementaridade e das transformação decorrentes na economia das ilhas no decurso do século XIX69.
7.OS MERCADOS ATLÂNTICOS 7.1. O BRASIL Uma das rotas privilegiadas do comércio das ilhas, a partir do século XVII, era o Brasil. Todavia este mercado, mercê da política monopolista do estado, manteve-se fechado até 1765, altura em que se acabou com o sistema exclusivo das frotas, criado em 1649. A constituição da companhia do comércio do Brasil veio retirar às ilhas a possibilidade de comércio com esse mercado. Daí a reclamação dos insulares a quem foi atribuído em 1652 a possibilidade de envio de 3 embarcações dos Açores e duas da Madeira. No decurso do século XVIII sucederam-se novas regulamentações deste comércio, alargando-se o número de embarcações ou das caixas, como foi o caso de 1749 em que os Açores tiveram direito a 4 embarcações, sendo 2 da Terceira e 2 de Ponta Delgada e Horta. Passados dez anos subiu o número para 10 embarcações. Este último porto só começou a ser contemplado em 173970. Todavia este porto açoriano viu o seu comércio limitado com a proibição em 1766 de entrada de aguardente, uma das principais actividades desse tráfico nos portos brasileiros. 68.
Maria Isabel João, Os Açores no século XIX, Lisboa, 1991, pp. 101-164. 69.
Fátima sequeira Dias, "Afirmação e decadência de uma elite comercial..." in Actas III C.I.H.M., Funchal, 1993, p. 700. 70.
Confronte-se Avelino de Freitas Menezes, Estudos de História dos Açores, II, Ponta Delgada, 1995, 187-220.
Maior empenho teve a Madeira neste comércio com o Brasil, já no decurso do século XVI, pela necessidade do seu açúcar para manter em momentos de dificuldade da produção do da ilha o fabrico de conservas e casquinha. Deste modo no decurso dos séculos XVI e XVII manteve-se o apontamento entre os produtores locais e os moradores do açúcar brasileiro. Todavia, a partir de meados do século XVII, o açúcar madeirense foi, paulatinamente definhado, rendendo-se a industria do doce no açúcar do Brasil. Ao açúcar juntou-se os couros, madeiras, escravos. Neste contexto releva-se a figura de Diogo Fernandes Branco que conseguiu estabelecer uma trama de negócios, a partir do Funchal, tendo Lisboa, Angola e Brasil com vértice desse triângulo71. Note-se que no caso da Madeira em 1776 foi proibida a entrada do vinho, aguardente e vinagre nas regiões do sul o que vem reforçar a tradicional relação com os portos do Nordeste brasileiro. A esta limitação antecederam-se outras que insistiam na proibição de reexportação de produtos estrangeiros, o que leva à reclamação das autoridades pelo pouco interesse em mantê-la. Deste modo em 1748 fez-se aumentar o número de quatro embarcações e o campo de manobra dá mais garantia ao investimento nesta rota72. Esta política de monopólio manteve-se também nas relações das ilhas de Cabo Verde. Em 1664 surgiu a companhia da Costa da Guiné, seguida em 1676 da companhia do Cacheu, rios e comércio de Guiné que deu lugar em 1755 à Companhia do Estanco de Maranhão e Pará73. Na verdade o comércio em Cabo Verde e na costa africana vizinha, desde o século XV que esteve sujeito a um apertado controle, beneficiando apenas os moradores do arquipélago ou os grandes assentistas que conseguem privilégios vantajosos74.
71.
Cf. Alberto Vieira, "O açúcar na Madeira. Séculos XVII e XVIII" in Actas do III C.I.H.M., Funchal, 1993, 325-344. 72.
Confronte-se João José de Sousa, O movimento do porto do Funchal..., pp. 161-172. 73. 74.
António Correia, As companhias pombalinas, Lisboa, 1983.
Cf. bibliografia trabalhos de António Correia; Alberto Vieira, Portugal y las islas, Madrid, 1992; História Geral de Cabo Verde, Vol. I, Lisboa.
7.2. DA EUROPA À AMÉRICA DO NORTE Nos primórdios da ocupação das ilhas foi a Europa quem definiu as principais rotas do comércio. Todavia, com o evoluir do processo a vinculação europeia perde importância, acabando por ceder lugar o Novo Mundo, que para as ilhas significa mais a costa africana e a América (sul, central e do norte). O oriente é apenas uma miragem com alguns reflexos na economia açoriana mercê da função de escala e apoio à navegação estabelecida na ilha Terceira. A Europa manteve-se sempre presente no mercado insular catapultando aspectos dominantes do seu relacionamento externo. As primeiras culturas lançadas nas ilhas são para corresponder às necessidades do mercado europeu. Primeiro os cereais, depois, a cana de açúcar e o pastel, eis os produtos que marcam essa situação de dependência. Os cereais juntamente com o pastel são a marca dos Açores e delimitam rotas de escoamento com destino ao reino, Europa do Norte e Norte de África. O pastel, que adquiriu no mercado açoriano grande pujança nos séculos XVI e XVII, foi o produto que projectou os Açores, nomeadamente S. Miguel nas rotas do tráfico europeu internacional e começou por estabelecer o vínculo ao Reino Unido que iria sair reforçado mais tarde, no século XIX, com a laranja. Ambos os produtos - pastel e laranja - definem um mercado e uma opção sócio-económica com reflexos evidentes no devir açoriano75. Por seu turno, na Madeira e nas Canárias, foi o açúcar que delineou esse forte vínculo europeu. Mais uma vez a Europa do Norte adquire uma posição cimeira, seguido do Mediterrâneo mas desta feita é a Flandres o principal reino.
75.
Para a ilha de S. Miguel foi marcante a influência inglesa, fruto do negócio da laranja. Vide Ferando Aires de MEdeiros de Sousa, José do Canto. Subsídios para a História micaelense. 1820-1898, Ponta Delgada, 1982, p. 101-102.
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