Aquela Pequena Escova De Limpeza

  • Uploaded by: Luisa Lopes
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  • July 2020
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  • Words: 522
  • Pages: 2
Para a senhora cujo nome desconheço, que limpa as salas e os corredores da FCT Aquela pequena escova de limpeza, com franjas brancas, deslizava suavemente no chão vítreo por onde escorriam também imagens várias dos reflexos de duas mulheres que se cruzaram silenciosamente… podiam até ser da mesma idade… viviam no mesmo espaço dilatado mas sonhavam noutros espaços, noutros tempos, debaixo de outras lágrimas… presença semanal… encontro semanal das circunstâncias de vidas várias… sempre uma presença silenciosa deixando escorrer lentamente o cabo que empurra a escova de limpeza de franjas brancas… ar fechado mas não rígido… um pouco mais e seria capaz de sorrir… e talvez até falar… Quer que saia daqui, perguntei suavemente – e ela rasgou o olhar, ergueu-o do chão reluzente e perguntou se queria que me abrisse a porta. Não valeria a pena, não iria entrar para já… eu abro, retorquiu… e retirou do bolso um molho de chaves… escolheu a apropriada e com um sorriso disse-me que ficaria aberta para o caso de querer entrar… conversa puxa conversa e lá estávamos a falar da empresa de limpezas a que orgulhosamente pertence… com emblema bordado na bata… Atlântida… em letras bordadas que me levam a outros mares… outros mistérios… mas fico também a saber o nº de horas que esta senhora repete os mesmos gestos, quanto ganha, há quantos anos aqui trabalha… tem um ar de trabalho constante, de vida dura, de maus tratos vários… mas também de resistente… de mulher que quase não dorme porque chega tarde e sai cedo…. Depois de deixar roupas lavadas e passadas, comida feita… e as mágoas permanentemente guardadas no bolso de um qualquer casaco que comprou em nova mas que ainda guarda porque o dinheiro não dá para mais… Tal como se deu este cruzamento de imagens se deu o fecho, o desfocar porque o meu olhar procurava o compromisso assumido doutra vida que comigo se cruza… desci a escada disposta a comprar uma garrafa de água… para tomar um qualquer minúsculo pedaço químico que me retirasse todos os nós da garganta… esqueci pelo meio a tarefa… quando voltei a subir a escada a escova de franjas percorrera já cerca de 50 metros… não se repetiria este momento íntimo de partilha de dois mundos… a circunstância mudara… e de novo veio o fechamento do rosto, da postura do corpo… a porta voltou a ficar fechada à chave, a sua abertura realizara uma função… a do mundo aberto pela senhora que varre o chão, sempre à mesma hora, sem conversa… para muitos é uma personagem invisível… no entanto desliza quotidianamente pelo piso reluzente… e assim fui cruzando mundos pelo resto da noite… agora, finalmente em casa, sentada neste desassossego da minha vida partilho este momento com o desabafo de um ecrã vazio apenas para reviver esse momento…. Como se tudo isto pudesse dar força, ânimo e felicidade a alguém que me fez sentir tão mal comigo própria e com os meus desesperos de vida! Não sei como se chama esta incrível senhora que

assim limpa desesperadamente e maquinalmente… terei que lho perguntar certamente… as pessoas quando se conhecem costumam apresentar-se! Luísa Lopes

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