1 Disfunção Miocárdica Em Pacientes Com Choque Séptico.pdf

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE MEDICINA

GABRIEL ALVARES DE AZEVEDO VELLASQUES E VICTOR DA COSTA D’ELIA

PREVALÊNCIA DA DISFUNÇÃO MIOCÁRDICA NO PACIENTE COM CHOQUE SÉPTICO

RIO DE JANEIRO 13/05/2018 I

UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE MEDICINA

GABRIEL ALVARES DE AZEVEDO VELLASQUES E VICTOR DA COSTA D’ELIA

PREVALÊNCIA DA DISFUNÇÃO MIOCÁRDICA NO PACIENTE COM CHOQUE SÉPTICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Unigranrio como requisito para a obtenção do grau de médico

Orientador: Professora Marcelle da Costa Frickmann Fernandes

RIO DE JANEIRO 13/05/2018 II

UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO ESCOLA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE MEDICINA

GABRIEL ALVARES DE AZEVEDO VELLASQUES E VICTOR DA COSTA D’ELIA

PREVALÊNCIA DA DISFUNÇÃO MIOCÁRDICA NO PACIENTE COM CHOQUE SÉPTICO

Aprovado por: Prof.__________________________________ Prof.__________________________________ Em _________ de _________________ de ______

RIO DE JANEIRO 2018 III

RESUMO Sepse e choque séptico possuem alta prevalência nas unidades de terapia intensiva assim como elevadas taxas de mortalidade. Estima-se que 20% a 50% dos pacientes que se apresentam com choque séptico, possam ter concomitantemente disfunção miocárdica, embora sua correlação com a mortalidade seja controversa na literatura. Este estudo objetivou avaliar a prevalência e incidência da disfunção miocárdica assim como sua correlação com a mortalidade. Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, através de revisão de prontuários e dados ecocardiográficos e sua correlação com a literatura medica atual. Para isso, foram admitidos pacientes com choque séptico e que possuíam avaliação ecocardiográfica em até 48 horas da internação, para a avaliação da incidência, além do supracitado, o paciente deveria possuir um ecocardiograma nos últimos 6 meses. Foram analisados 478 indivíduos com idade média de 74 anos, a prevalência global de disfunção miocárdica foi de 25,52%. A incidência de disfunção miocárdica induzida pela sepse foi de 28,57% e a mortalidade 83,33% (RR 5.28 IC 95% 1.28-20.58, p=0.018). Os dados referentes a prevalência obtidos estão em acordo com a epidemiologia global da afecção. O estudo pôde constatar que quando utilizamos dados de incidência para avaliação da mortalidade é possível relacionar a disfunção miocárdica à um pior prognóstico, portanto, seu reconhecimento precoce é de fundamental importância. PALAVRAS-CHAVE: Sepse, choque, séptico, disfunção, miocárdica, prevalência.

IV

ABSTRACT Sepsis and septic shock have high prevalence in intensive care units as well as high mortality rates. It is estimated that 20% to 50% of patients presenting with septic shock may have concomitant myocardial dysfunction, although its correlation with mortality is controversial in the literature. The primary goals are therefore to establish the prevalence of myocardial dysfunction in patients with septic shock. The secondary is to correlate the incidence of new cases or injuries with the mortality rate.It is an observational cross-sectional study, through a review of medical records and echocardiographic data and its correlation with the current medical literature. For this, were admitted patients with septic shock that were hospitalized and had echocardiographic evaluation within 48 hours of hospitalization, in order to evaluate the incidence, in addition to the aforementioned, the patient should have an echocardiogram in the last 6 months. A total of 478 individuals with a mean age of 74 years were analyzed. The overall prevalence of myocardial dysfunction was 25.52%, the incidence of myocardial dysfunction induced by sepsis was 28.57% and mortality 83.33% (RR 5.28 95% CI 1.2820.58, p = 0.018). Data on prevalence obtained, 25.52% are in agreement with the global epidemiology of the condition. The study found that when we use incidence data to assess mortality, it is possible to relate myocardial dysfunction to a worse prognosis, therefore, its early recognition is of fundamental importance. KEY WORDS: Sepsis, shock, septic, dysfunction, myocardial, prevalence.

V

AGRADECIMENTOS As famílias que, sempre estiveram ao nosso lado durante todos os desafios vencidos e principalmente ao longo desses seis anos de formação, sem o suporte e amor concedidos, nada seria possível. A professora Marcelle da Costa Frickmann Fernandes que, mesmo diante do desafio da maternidade sempre se mostrou presente e disposta a ajudar para que a conclusão desse trabalho ocorresse. Gostaríamos de agradecer de todo coração pela vocação em lecionar e dividir parte de sua sabedoria teórica e prática, fundamentais durante a elaboração dessa monografia. A amizade que sempre esteve presente entre os autores desse trabalho desde o início da faculdade, e aos amigos que, de alguma forma, nos auxiliaram e acumularam em nossa memória uma infinidade de bons momentos e companheirismo. A Daniel Teixeira, Bernardo Loureiro e Vinicius D'Elia, pessoas que dispuseram parte de seu tempo para auxilio da confecção desse trabalho, apenas no interesse verdadeiro de ajudar-nos e movidos por um verdadeiro espírito de solidariedade. A Deus, por tudo concedido desde o dom da vida, por sempre se fazer presente através do seu amor, manifestado principalmente pelo sacrifício de seu filho, Jesus Cristo, exemplo máximo de santidade e caridade. A Nossa Senhora, retrato de humildade, que esteve ao nosso lado durante toda essa caminhada com o objetivo único de levar-nos a Deus.

VI

LISTA DE ABREVIATURAS E\OU SIGLAS AMIB

Associação de medicina intensiva brasileira

ASE

“American Society of Echocardiography”

ATP

Adenosina trifosfato

CID 10

Classificação internacional de doenças

FAC

Variação fracional da área

FEVE

Fração de ejeção do ventrículo esquerdo

IBM SPSS

“Internacional Business Machines Statistical Package for the Social Sciences”

IC

Intervalo de confiança

IL-1beta

Interleucina 1 beta

ILAS

Instituto latino americano de sepse

LDL

Lipoproteína de baixa densidade

PAM

Pressão arterial média

RIMP

índice de performance miocárdica do ventrículo direito

RR

Risco Relativo

SIRS

Systemic Inflammatory Response Syndrome

SOFA

“Sequential Organ Faliure Assessment”

T CD4

Grupamento de diferenciação 4 em células T

TAPSE

Excursão sistólica do plano do anel tricúspide

Th1

Linfócito T helper 1

Th2

Linfócito T helper 2

TNF-alfa

Fator de necrose tumoral alfa

UTI

Unidade de terapia intensiva

VD

Ventrículo direito

VE

Ventrículo esquerdo

VII

LISTA DE QUADROS Quadro 1. Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS).

4

Quadro 2. 'SOFA (Sequential Organ-failure Assessment Score).

5

Quadro 2. 'Quick SOFA score'.

6

Quadro 4. Classificação da função do ventrículo esquerdo *FEVE(Fração de ejeção do Ventrículo esquerdo).

9

VIII

LISTA DE TABELAS Tabela 1. Prevalência de disfunção miocárdica por sexo.

12

Tabela 2. Prevalência de disfunção miocárdica por etiologia infecciosa.

12

Tabela 3. Padrão do acometimento ventricular por etiologia infecciosa. Tabela 4. Resultados regressão logística e teste de Fisher.

13 14

IX

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Incidência de disfunção miocárdica induzida por sepse.

14

Gráfico 2. Internações por etiologia infecciosa.

16

Gráfico 3. Mortalidade comparativa entre a presença e ausência de disfunção 18 miocárdica.

X

SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1 2 - FUNDAMENTOS TEÓRICOS ............................................................................................2 3 – MATERIAL E MÉTODO ..................................................................................................10 3.1 – DESENHO............................................................................................................10 3.2 - METODOLOGIA DE PESQUISA BIBLIOGRÁFICA .......................................10 3.3 - METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS DADOS .................................................11 3.4 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO...............................................................................11 3.5 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO..............................................................................11 4 – RESULTADOS ..................................................................................................................12 5 - DISCUSSÃO .......................................................................................................................14 6 - CONCLUSÕES ...................................................................................................................19 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................20

XI

1 – INTRODUÇÃO Sepse é uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a infecção(1). Choque séptico é uma complicação da sepse, cuja mortalidade ultrapassa 40%, e é definido pela necessidade de vasopressor para manter PAM ≥65 mmHg e lactato sérico >2 mmol/L apesar da ressuscitação volêmica adequada.(2). A disfunção miocárdica no choque séptico se caracteriza por uma depressão na função sistólica e diastólica de ambos os ventrículos, decorrente do estado inflamatório desregulado inerente ao processo infeccioso(3). Dois estudos conduzidos pelo Instituto Latino Americano de Sepse apontaram a alta prevalência de sepse e choque séptico nas unidades de terapia intensiva associadas a elevadas taxas de morbidade e mortalidade, assim como altos custos. Cerca de 25% dos leitos de terapia intensiva no Brasil são ocupados por estes pacientes, gerando um gasto per capta médio de 934 dólares por dia. Esse valor aumenta em pacientes não sobreviventes(4)(5). Atualmente é a maior causa de mortalidade em UTI’s brasileiras, atingindo uma taxa de 49,1% em hospitais públicos e 36,7% em privados. O tempo decorrido do início da disfunção orgânica até seu diagnóstico foi o dobro quando comparamos o segmento público com o suplementar contribuindo com achados de maior gravidade no momento da avaliação e com o atraso na instituição do tratamento adequado(4). A carência de informações e sua heterogeneidade, fazem da sepse e do choque séptico um desafio para qualquer profissional de saúde, sendo necessária uma equipe multidisciplinar para melhor otimização do tratamento(6). Semelhante ao politrauma, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral, a rápida identificação e manejo apropriado precoce melhora a taxa de sobrevida destes doentes(1). O sistema cardiovascular desempenha um importante papel na patogênese da sepse(7). Nos últimos 50 anos, estudos demonstram que disfunção miocárdica é um achado comum em pacientes sépticos, estando presente em cerca de 20-50% dos casos(3). O rápido reconhecimento da disfunção miocárdica é imperativo(8), uma vez que os mediadores inflamatórios relacionados a sua patogênese relacionam-se também a disfunção de múltiplos órgãos(9). O uso rotineiro do ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido e a dosagem de marcadores de necrose miocárdica tem se mostrado de excelente valor na avaliação e identificação do quadro supracitado, visando contribuir para que medidas apropriadas sejam tomadas de forma mais precoce(3). 1

A disfunção miocárdica associada a sepse é um tema controverso na terapia intensiva. Parker et. Al, em 1984, publicou um estudo onde a disfunção de VE mostrou-se ser um bom prognóstico nos pacientes com choque séptico. Porém, estudos mais recentes não conseguiram reproduzir estes achados(10)(11). O objetivo do estudo é determinar a prevalência da disfunção miocárdica nos pacientes com choque séptico que internaram num hospital privado no estado do rio de janeiro no período entre 2011 e 2016. O objetivo secundário é avaliar a incidência da disfunção miocárdica e sua correlação com a mortalidade. Incluiu-se nessa análise os pacientes que comprovadamente apresentavam nova ou piora da disfunção cardíaca.

2 - FUNDAMENTOS TEÓRICOS 2.1 – Sepse 2.1.1- Introdução O termo é originário do grego sepsis, que remete a putrefação. É uma patologia conhecida há cerca de 2400 anos, descrita pela primeira vez por hipócrates como 'perigoso, odorífero comprometimento biológico que poderia ocorrer no organismo'(12). Atualmente, Sepse é definida como uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a infecção(1). É umas das patologias mais prevalentes nas unidades de terapia intensiva no mundo, apresentando uma mortalidade de 25% nos países desenvolvidos(2) e 37% no território brasileiro(13). Sepse não é caracterizada como uma doença de notificação compulsória e é representada pelo CID-10 A4(14). Devido a grande prevalência no mundo e uma elevada mortalidade, em 2004 foi publicado o primeiro ‘Surviving Sepsis’, atualizado em 2006, 2012 e mais recentemente em 2016(1). Atualmente, este é considerado o guideline referência para o manejo da sepse. Desde então, o entendimento sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dessa patologia mudou consideravelmente(2). No Brasil a sepse ainda é considerada como uma doença negligenciada, com estudos apontando cerca de 600 mil novos casos por ano, representando um dos principais desafios a saúde pública(13). Apesar da redução na sua mortalidade observada nos países desenvolvidos, essa variável não sofreu modificação em território brasileiro nos últimos anos(15).

2

2.1.2 - Fisiopatologia Todos os mecanismos que levam a sepse tem como início comum a infecção por um microrganismo potencialmente patogênico(1). Nos últimos anos, houve uma mudança no entendimento da fisiopatologia da sepse, compreendendo-se que ela é decorrente não apenas de uma resposta inflamatória sistêmica, mas sim de uma disfunção orgânica, tal descoberta foi a base para a mudança nos critérios diagnósticos apresentados no sepsis 3(2). A imunidade celular desempenha um importante papel na fisiopatologia da sepse(16). No início do processo, Células T CD4 quando ativadas secretam citocinas com caráter inflamatório mediante resposta Th1 (TNF-Alfa, interferon-gama, interleucina-2) e também citocinas anti inflamatórias mediante resposta Th2 (Interleucina-4, interleucina-10)(16), a regulação dessa resposta é desconhecida, mas postula-se que a diferenciação no tipo de resposta T CD4 seja associada ao tipo de patógeno responsável e a localização da infecção(17). Além da produção dos mediadores mencionados, o organismo também produz óxido nítrico, responsável pela vasodilatação arterial e radicais livres que participam da lesão orgânica na septicemia(17). Tanto a via inflamatória quanto antiinflamatória, quando desbalanceadas levam a disfunção orgânica(16). Ainda, na fase aguda do processo, há alterações importantes na microcirculação, com vasodilatação, aumento da permeabilidade capilar, trombose, redução da densidade capilar, contribuindo para hipovolemia relativa e hipotensão, o que gera um processo sistêmico de hipoperfusão, predominância do metabolismo anaeróbio, hiperlactatemia e depressão miocárdica(18). Após o processo agudo, o organismo entra em anergia, ou seja, não consegue mais responder de forma adequada aos agentes infecciosos(16). Dessa forma, há uma diminuição importante da resposta Th1 sem aumento de resposta Th2 e estimulo a apoptose celular(19). Além disso, o processo contínuo de hipoperfusão tecidual, perda da arquitetura vascular da microcirculação e hiperlactatemia levam a disfunção de múltiplos órgãos levando o paciente ao óbito(20). 2.1.3 - Diagnóstico Recentemente os critérios diagnósticos para sepse foram atualizados.Antes, utilizavase como base a presença de um sítio de infecção confirmado associado a dois critérios da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), presente no seguinte quadro(21):

3

Síndrome da resposta inflamatória sistêmica Febre (Tº axilar maior que 38º) ou hipotermia (Tºaxilar menor que 36º) Frequência cardíaca maior que 90 Frequência respiratória maior que 20 Leucocitose (Maior que 12.000/mm³) ou leucopenia (Menor que 4000/mm³) ou mais que 10% de bastões Quadro 1 - Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS)

Porém, após a publicação do Sepsis-3, tais definições foram modificadas, principalmente por duas razões: 1- Muitos pacientes sem sepse possuem SIRS, como pacientes politraumatizados, grandes queimados, sendo esse um critério pouco sensível e específico para sepse. Pelo menos 1 em cada 8 pacientes com sepse não apresentarão SIRS e 47% dos pacientes internados em enfermarias gerais desenvolvem dois ou mais critérios para SIRS durante a internação(22). 2 - SIRS caracteriza resposta inflamatória e não necessariamente disfunção orgânica, que consiste no principal substrato fisiopatológico da sepse(2). Dessa forma, em 23 de fevereiro de 2016 com a publicação do Sepsis-3, o critério para diagnóstico de sepse é feito através do SOFA ('Sepsis related organ-failure assessment score'), que se utiliza de diversos parâmetros clínicos e laboratoriais para avaliar a presença de disfunção orgânica no paciente. Uma variação maior ou igual a dois no SOFA sugere o diagnóstico de Sepse e o risco de mortalidade é proporcional ao aumento da pontuação(2). Um paciente com SOFA dois tem aproximadamente 25% de mortalidade(21). As variáveis analisadas e o 'score', se encontram no quadro a seguir:

4

Sofa Score

0

1

2

3

4

> 400

< 400

< 300

<200

<100

>150

< 150

< 100

<50

<20

Dopamina 5.1-

Dopamina > 15

15 ou epinefrina

ou epinefrina >

< 0.1 ou

0.1 ou

norepinefrina

norepinefrina

<0.1

>0.1

Respiração Pa02 / Fi02 Coagulação Plaquetas 10³mm ³

Dopamina <5 Cardiovascular

PAM >70

PAM < 70

ou qualquer dose de dobutamina

Fígado bilirrubina mg/dl

< 1.2

1.2-.19

2.0-5.9

6.0-11.9

>12.0

15

13-14

10-12

6-9

<6

<1.2

1.2-1.9

2.0-3.4

3.5-4.9

>5

-

-

-

<500

<200

Sistema nervoso central escala de glasgow Renal Creatinina mg/dl Débito urinário ml/d

Quadro 2 - SOFA (Sequential Organ-failure Assessment Score)

Devido a necessidade de diversos parâmetros laboratoriais para sua utilização, tais como: contagem de plaquetas, dosagem de creatinina e bilirrubina total, o 'Quick' SOFA ou qSOFA possui a vantagem de fazer a análise rápida dos pacientes que possuem maior risco de mortalidade(2). Suas variáveis estão apresentadas no quadro a seguir:

5

Quick SOFA Confusão mental Pressão arterial sistólica menor ou igual a 100 mmHg Frequência respiratória maior ou igual a 22 irpm Quadro 3 - Quick SOFA score

Dessa forma, essa ferramenta não é considerada como método diagnóstico para sepse, apenas sugere pacientes com maior gravidade, de modo que um qSOFA negativo não exclui o seu diagnóstico(2). Atualmente, encontra-se em debate a validade dos 'scores' apresentados devido a sua reduzida sensibilidade para o diagnóstico de sepse, principalmente em ambientes com recursos limitados, selecionando apenas uma determinada população com doença mais grave(23). Dessa forma, no território brasileiro onde a doença já possui elevada mortalidade, a aplicação dessas ferramentas diagnósticas mais específicas e menos sensíveis pode retardar ainda mais o reconhecimento e a intervenção precoce nos pacientes com sepse, contribuindo ainda mais para aumentar sua mortalidade e morbidade(24).

2.2 - Choque Séptico Choque séptico é definido, segundo o Sepsis-3, como uma sepse cuja disfunção orgânica é grave o suficiente a ponto de aumentar substancialmente a mortalidade. Podendo ser reconhecido a partir de um quadro no qual além do diagnóstico clínico de sepse, há a presença de hipotensão persistente necessitando de vasopressores para manter a PAM ≥65 mmHg, assim como valores séricos de lactato >2mmol/L a despeito da adequada ressuscitação volêmica. Esse panorama aumenta a mortalidade, podendo exceder os 40%(2).

2.3 - Disfunção miocárdica induzida pela sepse 2.3.1 - Definição O sistema cardiovascular desempenha um importante papel na patogenese da sepse. Nos últimos 50 anos, um grande número de estudos demonstraram que disfunção miocárdica é um achado comum em pacientes sépticos, chegando a estar presente em até 50% desses. Entretanto, o seu prognóstico é incerto. O coração é responsável por apenas parte da função do sistema circulatório respondendo a todo momento à alterações hemodinâmicas periféricas, sendo difícil, portanto, distinguir suas mais diversas respostas durante a sepse(3). 6

Apesar de numerosos estudos demonstrarem evidências de prejuízo cardiovascular em pacientes com sepse e choque séptico, ainda não há uma definição universalmente aceita para a disfunção miocárdica induzida pela sepse. Sendo, hoje, a mais aceita como sendo uma disfunção miocárdica intrínseca, tanto sistólica como diastólica de ambos os ventrículos, induzida pela sepse(2,25). 2.3.3 - Fisiopatologia A fisiopatologia da disfunção miocárdica induzida pela sepse ainda é controversa. A primeira hipótese aceita era de que uma isquemia miocárdica global, proveniente de um fluxo sanguíneo reduzido, frente a um choque distributivo, seria a responsável. Entretanto, estudos demonstraram que o fluxo coronariano durante um quadro séptico estava normal ou por vezes aumentado, contestando a hipótese acima(3). Posteriormente, sugeriu-se que há uma má distribuição coronária que contribuiria para dano endotelial, depósito intravascular de fibrina e infiltração neutrofílica o que poderia provocar isquemias focais e decréscimo da função cardíaca e que juntamente com um aumento na permeabilidade dos cardiomiócitos seria responsável pelo aumento da troponina plasmática. As evidências atuais apontam para um processo que seria resultado da interação de muitos fatores, incluindo inflamação, metabolismo e neuroimunomodulação(3,26)(7). Os fatores circulantes depressores do miocárdio são fundamentais apesar de desempenharem papel apenas inicial na disfunção. O principal deles seria a atenuação da resposta adrenérgica à nível dos cardiomiócitos devido a uma ‘down-regulation’ de receptores beta-adrenérgicos e depressão das vias de sinalização intracelular, esse mecanismo parece ser desempenhado sobretudo por citocinas como TNF-alfa, IL-1beta e óxido nítrico, outra vias de depressão na sepse é a injúria ou morte cardiomiocitária que pode ser induzida por toxinas e complemento(7). A disfunção metabólica desempenha um papel crítico. A oxigenação do miocárdio não parecer estar alterada na sepse, entretanto, há um acúmulo de evidências que indicam que a produção energética encontra-se prejudicada. Sob condições normais, aproximadamente 70% do ATP nos cardiomiócitos é produzido via oxidação de gordura e o restante é produzido a partir de glicose. Durante a sepse, a IL-1beta pode reduzir a expressão do receptor para LDL nos cardiomiócitos reduzindo assim, a captação de lipídios e a produção energética(27). Desregulação autonômica possui, também, caráter de destaque. Dados sugerem que a sepse induz: apoptose neuronal e glial nos centros autonômicos do coração, níveis plasmáticos

7

elevados de catecolaminas, variabilidade da frequência reduzida e redução da resposta a catecolaminas intrínsecas(26). Estudos recentes sugeriram que a disfunção cardíaca está associada a um aumento na mortalidade de pacientes sépticos(3,28)(29). Portanto, entender completamente a patogênese da disfunção miocárdica induzida pela sepse e buscar terapias específicas, representarão benefícios no prognóstico de pacientes sépticos(3). 2.3.2 - Diagnóstico Alterações hemodinâmicas na sepse e choque séptico vêm sendo investigadas por 60 anos. Durante esse período, o ecocardiograma foi o método mais utilizado para a avaliação cardíaca por ser de fácil acesso, não invasivo e realizável à beira do leito, visando avaliar a função, diversos parâmetros foram desenvolvidos como por exemplo índice cardíaco e fração de ejeção(29,30). Entretanto, estudos recentes demonstraram que métodos ecocardiográficos mais modernos como 'speckle tracking' e 'tissue Doppler' são mais sensíveis nesta abordagem, sendo capazes de detectar alterações ventriculares segmentares de forma mais precoce(29– 31).

2.4 - Análise da função ventricular pelo ecocardiograma transtorácico 2.4.1 - Introdução O ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido é o método mais utilizado atualmente nas unidades de terapia intensiva para avaliação da função ventricular(32). Apesar de métodos mais complexos como o 'strain', 'strain rate' ou 'tissue tracking' identificarem de forma mais precoce a presença de disfunção miocárdica, sua pouca disponibilidade e alta complexidade dificultam a implementação desses métodos nos serviços hospitalares, dessa forma o ecocardiograma permanece como o método não invasivo de escolha para análise(33). 2.4.2 - Análise da função ventricular esquerda Os métodos usuais para a avaliação da função ventricular esquerda pela ecocardiografia baseiam-se fundamentalmente nas técnicas do modos M, modo bidimensional e Doppler(34) . Para avaliação da função global ventricular esquerda a sociedade americana de ecocardiografia recomenda a utilização de imagem bidimensional utilizando a técnica de Simpson, sendo esse superior ao método de Teichholz e Quinones por não depender de variáveis obtidas através de dimensões lineares(35). 8

A fração de ejeção é calculada mediante a diferença entre o volume diastólico final e o volume sistólico final, divididos pelo volume diastólico final. O parâmetro volumétrico é obtido através da realização de um corte apical 4 câmaras com a valva mitral aberta e fechada com posterior mensuração do tamanho do ventrículo esquerdo nas duas situações apresentadas, repetindo a técnica com um corte apical 2 câmaras(35). Volume diastólico final é definido como o cálculo realizado sobre a imagem obtida após o fechamento da valva mitral ou a imagem obtida no momento em que o tamanho do ventrículo esquerdo é o maior durante o ciclo cardíaco(35). Volume sistólico final é definido como o cálculo realizado sobre a imagem obtida após o fechamento da válvula aórtica ou a imagem obtida no momento em que o tamanho do ventrículo esquerdo é o menor durante um ciclo cardíaco. Após obtenção desses parâmetros é possível classificar a função ventricular esquerda em normal, disfunção leve, moderada ou grave de acordo com os resultados apresentados no quadro a seguir(35). Homem

Normal

Leve

Moderada

Grave

FEVE

52-72

41-51

30-40

<30

Mulher

Normal

Leve

Moderada

Grave

FEVE

54-74

41-53

30-40

<30

Quadro 4 - Classificação da função de ventrículo esquerdo *FEVE (Fração de ejeção do ventrículo esquerdo)

2.4.3 - Análise da função ventricular direita A avaliação do ventrículo direito foi negligenciada por muitos anos, sendo incluída como parte das recomendações da ASE apenas em 2005(36). Sua estrutura anatômica dificulta a mensuração da função tanto sistólica quanto diastólica, de modo que muitos ecocardiografistas baseiam-se na estimativa visual para avaliação do tamanho e função do ventrículo direito(35). O modo mais utilizado atualmente para estimar a função global do ventrículo direito é o índice de performance miocárdica do VD (RIMP). O RIMP apresenta uma estimativa da função tanto sistólica quanto diastólica do ventrículo direito, sendo calculado a partir da relação entre o trabalho desenvolvido na ejeção e não ejeção do coração. Sua fórmula é definida pela soma entre o tempo de contração isovolumétrico e o tempo de relaxamento

9

isovolumétrico divididos pelo tempo de ejeção ou pela diferença entre o tempo de abertura e fechamento da valva tricúspide e o tempo de ejeção divididos pelo tempo de ejeção(35). Esse método possui como vantagens a correlação com prognóstico de doentes com hipertensão pulmonar e é a medida menos alterada pela freqüência cardíaca, porém para sua mensuração é necessário que o paciente apresente um ritmo cardíaco regular, além disso ele é carga depende e não confiável quando a pressão do átrio direito está aumentada. É recomendado que ele não seja utilizado como método isolado para avaliação da função ventricular e não deve ser usado em pacientes com ritmo cardíaco irregular(36). Ainda, outros métodos volumétricos e não volumétricos podem ser utilizados em conjunto para se obter mais dados sobre a função ventricular direita, tais como: grau de aumento da pressão dos ventrículos, excursão sistólica do plano do anel tricúspide (TAPSE), variação fracional da área (FAC), etc(35).

3 – MATERIAL E MÉTODO 3.1 – DESENHO Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal através da revisão de prontuários utilizando o sistema LAUDHOS e LAUDHOS.HISTORICA. Foram selecionados 478 pacientes internados em um hospital da rede privada da cidade do Rio de Janeiro entre julho de 2011 e julho de 2016 com diagnóstico de choque séptico e que realizaram ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nas primeiras quarenta e oito horas da internação a fim de estabelecer o diagnóstico de disfunção miocárdica. A partir desse grupo, foi realizado o estudo de prevalência de disfunção miocárdica e correlacionado com a idade, sexo e etiologia do processo infeccioso. Como objetivo secundário, foram selecionados através de uma análise longitudinal retrospectiva, 63 pacientes que além dos critérios já citados para análise da prevalência, também realizaram ecocardiograma transtorácico nos seis meses anteriores à internação hospitalar. A partir desse grupo, foram avaliados dados referentes a incidência e mortalidade.

3.2 - METODOLOGIA DE PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Para a pesquisa bibliográfica foram utilizados artigos obtidos através da pesquisa dos termos 'Sepsis';'Septic shock' e 'Sepsis Induced myocardial dysfunction' em bibliotecas virtuais como o Pubmed e Scielo, leitura de artigos publicados em revistas de alto impacto 10

como 'New England Journal of medicine', 'Jornal of the american medical association' e 'Critical Care' e utilização dos principais guidlines internacionais sobre os temas abordados, tais como: 'Surviving Sepsis Campaign', Sepsis-3 e o último consenso de ecocardiografia da 'American Society of Echocardiograpy'. Para estudo da sepse em território brasileiro foram utilizados artigos publicas pela ILAS e AMIB. Dessa forma foram selecionados 44 artigos publicados entre os anos de 2000 e 2018 escritos em língua inglesa ou portuguesa.

3.3 - METODOLOGIA DE ANÁLISE DOS DADOS Os dados obtidos e organizados em tabelas confeccionadas no ‘software Microsoft Excel 2016®’ foram avaliados utilizando o programa IBM SPSS 23®. As variáveis relativas e absolutas foram analisadas de forma a determinar prevalência e incidência da disfunção miocárdica. A correlação entre a incidência e mortalidade foi estabelecida através da utilização do teste de Fisher e posterior regressão logística visando estabelecer o risco relativo de morte em pacientes com disfunção miocárdica por choque séptico, considerando um intervalo de confiança de 95%.

3.4 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO Pacientes admitidos em unidade intensiva hospitalar de tratamento intensivo ou semiintensivo, diagnosticados com sepse no momento da internação e que usaram aminas vasoativas por pelo menos uma hora com intuito de manter a pressão arterial média maior que 65 mmHg. Para o estudo de prevalência, além do critério acima exposto, os pacientes avaliados também teriam que ter realizado um ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nas primeiras 48 horas de internação. Para avaliação de incidência e mortalidade, além dos critérios já mencionados, também deveria constar um ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nos seis meses anteriores à internação, no intuito de caracterizar a disfunção miocárdica presente como nova.

3.5 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO Pacientes admitidos em unidade de cuidados intensivos com diagnóstico de entrada diferente de sepse, ou pacientes admitidos na unidade com diagnóstico de sepse que não utilizaram aminas vasoativas por pelo menos uma hora no intuito de manter a pressão arterial média maior que 65mmHg. Para análise de prevalência foram excluídos pacientes que não 11

realizaram ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nas primeiras 48 horas de internação. Para análise de incidência e mortalidade foram excluídos pacientes que além dos critérios acima citados, não realizaram ecocardiograma transtorácico uni e bidimensional com Doppler colorido nos seis meses anteriores à internação atual.

4 – RESULTADOS 4.1 - Prevalência Foram avaliados 478 pacientes, dos quais 232 eram homens e 246 mulheres, correspondendo respectivamente a 48.5% e 51.5% da amostra. A média geral de idade foi 74 anos (98 máximo e 17 mínimo) sendo a média de idade nos homens 74 (98 máximo e 24 mínimo) e nas mulheres 74 (98 máximo e 17 mínimo). Esses doentes foram organizados de forma a correlacionar a prevalência geral de disfunção miocárdica, disfunção de ventrículo esquerdo, direito e biventricular de acordo com sexo. Os dados estão expostos na tabela 1.

Total

Com

Sem

Disfunção Disfunção

Disfunção Disfunção

VE

VD

Disfunção

Prevalência

biventricular

de disfunção

Homem

232

66

166

55

2

9

28,40%

Mulher

246

55

191

37

7

11

22,35%

Geral

478

121

357

92

9

20

25,52%

Tabela 1. Disfunção miocárdica por sexo

Tabela 1 Prevalência de disfunção miocárdica por sexo.

Dividiu-se também a prevalência de acordo com a etiologia do processo infeccioso que motivou a internação, presente na tabela 2.

Com disfunção Sem disfunção Prevalência Total

Pneumonia

ITU

Cutânea

Abdominal

Endocardite

59

16

2

6

2

Foco indeterminado 36

187

52

6

28

7

77

23.98% 246

23.52% 68

25% 8

17.64% 34

22.22% 9

31.85% 113

Tabela 2 – Prevalência de disfunção miocárdica por etiologia infecciosa

12

Além disso, foi avaliado o padrão do acometimento ventricular em relação ao foco etiológico da sepse, presenta na tabela 3.

Disfunção de VE Disfunção de VD Biventricular

Pneumonia

ITU

Cutânea

Abdominal

Endocardite

45

12

2

5

2

Foco indeterminado 27

3

1

0

1

0

4

11

3

0

0

0

5

Tabela 3–Padrão do acometimento ventricular por etiologia infecciosa

4.2 - Incidência e mortalidade Foram avaliados 63 pacientes para a análise de incidência e mortalidade. O gráfico 1 representa a incidência de disfunção miocárdica no grupo estudado. As análises estatísticas realizadas através do teste de Fisher e regressão logística, assim como o valor absoluto de mortalidade comparativa entre os grupos com disfunção nova e sem disfunção estão representadas na tabela 4. A idade média entre os grupos foi 77.5 (máxima 96 e mínima 39) no grupo sem disfunção e 80.2 (máxima 95 e mínima 39) no grupo com disfunção miocárdica.

13

Incidência de Disfunção Miocárdica Induzida por Sepse Disfunção Induzida por Sepse

Ausência de Disfunção

29%

71%

Gráfico 1 - Incidência de disfunção miocárdica induzida por sepse

4.2.1- Resultados testes estatísticos Os resultados decorrentes dos testes de fisher e da regressão logística para correlação entre incidência de disfunção miocárdica e mortalidade estão presentes na tabela 4.

Sem disfunção Com disfunção nova

Mortos 22 15

Vivos 23 3

Total 45 18

RR(IC 95%)

P valor

5.2(1.32-20.58)

P= 0.011

Tabela 4 - resultados regressão logística e teste de fisher

5 - DISCUSSÃO 5.1 - Prevalência 5.1.1 - Achados gerais A população estudada é composta de 478 indivíduos, sendo 232 homens e 246 mulheres, o que corresponde respectivamente a 48.5% e 51.5% da amostra. A idade média apresentada foi de 74 anos (Máxima 98 e mínima de 17). Apesar da predominância do sexo masculino ser uma constante em todos os estudos em terapia intensiva(13), neste o percentual referente ao sexo feminino foi maior. Tal achado pode ser explicado pelo estudo ter sido conduzido não somente em ambiente de terapia intensiva, mas também em unidade semi-intensiva. Além disso, o estudo

14

admitiu somente pacientes com diagnóstico de infecção, excluindo-se causas de internação que são mais comuns no sexo masculino, como doença cerebrovascular e causas externas(37). Foi observado que 121 pacientes apresentavam disfunção miocárdica, o que corresponde a 25.52% da população estudada. Esses dados concordam com a literatura médica atual, que define que essa complicação está presente em cerca de 20% dos pacientes com choque séptico em unidades de terapia intensiva(3). Dentre os homens 28.40% apresentaram disfunção, enquanto que no grupo representado pelas mulheres, esse achado foi observado em 22.35%, correspondendo a um valor absoluto de 66 homens e 55 mulheres (tabela 2). Apesar da relativa semelhança entre os grupos, a diferença encontrada pode ser explicada por mulheres apresentarem mais frequentemente sepse de foco urinário(38), a qual possui evolução mais favorável quando comparado a outros focos infecciosos(39). Justifica-se assim a menor disfunção orgânica e consequentemente miocárdica. Nessa amostra, 39 mulheres foram diagnosticadas com sepse urinária 'versus’' 29 homens. Além disso, é possível que haja maior prevalência de disfunção miocárdica prévia na população masculina, devido a maior prevalência de doenças cardiovasculares nesse grupo(40). Dentre os pacientes com disfunção miocárdica, 76.03% apresentaram disfunção de ventrículo esquerdo, 7.43% disfunção de ventrículo direito e 16.54% de ambos os ventrículos (tabela 2). A epidemiologia da distribuição do acometimento ventricular no choque séptico não é amplamente definida pela literatura atual. A disfunção de ventrículo esquerdo é mais prevalente na população geral, o que influencia diretamente nos dados encontrados(40). Dentre os 66 homens com disfunção cardíaca, 83.33% apresentaram disfunção de ventrículo esquerdo, 3.03% de ventrículo direito e 13.63% biventricular. Dentre as 55 mulheres, o acometimento de ventrículo esquerdo foi de 67.27%, 12.73% de ventrículo direito e 20% biventricular como explicitado na tabela 2. No subgrupo feminino, o ventrículo direito foi mais acometido. A disfunção do ventrículo direito é mais prevalente na população idosa e quando presente na sepse tem pior prognóstico(41). O tratamento dos pacientes com choque séptico e disfunção miocárdica apresenta particularidades em relação aos pacientes sem disfunção. Devido a alta prevalência dessa complicação demonstrada nesse estudo, a realização de um ecocardiograma transtorácico precoce no paciente com choque séptico é importante, pois a presença de alterações na função cardíaca é comum e necessita de terapêutica específica. Em geral, utiliza-se mais inotrópicos como a dobutamina e a hidratação volêmica costuma ser mais restritiva, devido a maior chance de congestão pulmonar(1). 15

5.1.2 - Prevalência por etiologia O foco do processo infeccioso é fator prognóstico na evolução da disfunção orgânica provocada pela sepse(39). Devido à sua importância como um fator de risco, o presente estudo subdividiu os dados relativos à prevalência com base em grandes grupos da terapia intensiva, como pode ser observado na tabela 3. Nos pacientes avaliados, o maior número de internações foi atribuído à pneumonia (246 casos), seguido de sepse por foco indeterminado (113 casos), infecção do trato urinário (68 casos) e sepse abdominal (34 casos).

Gráfico 2 Internações por etiologia infecciosa

Segundo o estudo Sepse Brasil, a maior causa infecciosa de internações em terapia intensiva é pneumonia, seguida de sepse abdominal e infecção do trato urinário(13). Nessa amostra, dos pacientes com foco definido, a segunda maior causa foi infecção do trato urinário, ultrapassando sepse abdominal. Esse achado pode ter relação com o maior número de mulheres presentes no estudo em relação a homens, pois a infecção do trato urinário é mais comum nessa população(38). Embora pneumonia tenha sido a maior causa de internações e consequentemente de pacientes com disfunção miocárdica, o maior percentual relativo está atribuído a sepse de foco indeterminado, 23,98% 'versus' 31,85%, respectivamente. Nesse grupo, estão alocados os pacientes com infecções sabidamente letais como a bacteremia por staphylococcus aureus, 16

septicemia por gram negativos e meningite meningocócica, justificando a maior presença de disfunção orgânica. Dos grupos apresentados, o que menos se relacionou a disfunção miocárdica foi a sepse abdominal, presente em 17.64% dos pacientes. A principal etiologia presente nos pacientes com sepse abdominal foi colecistite, que é uma infecção de bom prognóstico. Caracteristicamente, infecção do trato urinário gera menos disfunção orgânica(38), porém nessa população a sepse abdominal foi a menos relevante. A etiologia com maior causa de disfunção de ventrículo esquerdo, direito e biventricular foi pneumonia, devido ao maior número absoluto de casos. Todas as etiologias infecciosas estudadas apresentaram algum grau de comprometimento miocárdico, o que sugere que essa complicação pode estar presente em qualquer foco infeccioso. Todavia, a disfunção de ventrículo direito só foi observada em pacientes com pneumonia, infecção do trato urinário e abdominal. Essa relação é explicada pois são os grupos com maiores números de casos absolutos, não sendo a disfunção de ventrículo direito uma particularidade de nenhum processo infeccioso. 5.1.3 - Incidência e mortalidade A maioria dos estudos que avaliam mortalidade relacionada a disfunção miocárdica baseiam-se na prevalência(38,41)(42)(29,43,44). Entretanto, esta forma de análise está sujeita ao viés de confusão, visto que sua metodologia não permite distinguir a disfunção miocárdica ocasionada pela sepse daquela cuja causa pode ser originária de patologias como infarto agudo do miocárdio prévio e hipertensão arterial sistêmica crônica. Dessa forma, este estudo utilizou como base para a correlação entre disfunção miocárdica e mortalidade apenas a incidência. Foram selecionados 63 pacientes, dos quais 18 apresentaram disfunção miocárdica nova, correspondendo a uma incidência de 28.57%. Comparando-se o grupo e o subgrupo avaliado nesse estudo, a incidência foi maior que a prevalência (28.57% 'versus' 25.52%, respectivamente). Esse resultado pode ser explicado pois os doentes utilizados para o cálculo de incidência são potencialmente mais graves, porque já haviam internado e realizado ecocardiograma durante a hospitalização prévia, sugerindo uma segunda internação recente ou eventos infecciosos prévios. Dentre os 18 pacientes com disfunção miocárdica induzida por sepse, a mortalidade foi de 83.33% correspondendo a 15 indivíduos, no grupo sem disfunção a mortalidade foi de 48.88% correspondendo a 22 indivíduos. A idade média entre os grupos foi de 77.5 (máxima 17

96 e mínima de 39) no grupo sem disfunção e 80.2 (máxima 95 e mínima 39) no grupo com disfunção miocárdica.

Gráfico de Mortalidade 100% 80% 60% 83%

40% 20% 0%

51%

17% Com Disfunção

49%

Sem Disfunção Não Morte

Morte

Gráfico 3 - Mortalidade comparativa entre a presença e ausência de disfunção miocárdica A disfunção miocárdica se associou a um risco maior de morte (RR 5.28 IC 95% 1.2820.58, p = 0.018). Dessa forma, a mortalidade estimada a partir da incidência, diferentemente do que se apresenta na literatura, está relacionada à maior mortalidade. Conclui-se, portanto, que a existência de disfunção prévia é fator de confundimento na análise estatística, pois superestima pacientes com disfunção miocárdica induzida por sepse, de forma a diminuir sua relevância como fator de risco para mortalidade. Caso seja possível avaliar um ecocardiograma transtorácico prévio de forma a caracterizar a disfunção miocárdica como induzida por sepse, é possível estabelecer um pior prognóstico no doente avaliado. 5.1.4 Limitações do estudo e pontos positivos Apesar dos doentes inclusos no estudo terem diagnóstico de infecção e uso de aminas, não foi utilizado o critério diagnóstico preconizado atualmente, através do SOFA(2). Portanto, é possível que indivíduos da amostra não estejam verdadeiramente preenchendo critérios para choque séptico. Mesmo com a utilização do ecocardiograma transtorácico, esse método é operador dependente, portanto pacientes caracterizados com piora da função miocárdica podem representar avaliações distintas entre examinadores. A amostra utilizada para correlação entre mortalidade e disfunção miocárdica não foi avaliada quanto a presença de demais disfunções orgânicas, titulação de aminas, patologias 18

de base prévia e complicações como tromboembolismo pulmonar e arritmias, que seriam variáveis passíveis de implicar na mortalidade. Apesar disso, esse estudo propôs uma nova forma de correlacionar a disfunção miocárdica com a mortalidade, com base na utilização da incidência, tendo como resultado um achado diferente da literatura, que usa como base a prevalência, eliminando, portanto, um viés de confusão. Além disso, o estudo determinou que disfunção miocárdica é muito prevalente em unidades hospitalares associado ao choque séptico, embasando a recomendação do 'Surviving Sepsis' de avaliar a função miocárdica após a ressuscitação volêmica(1).

6 - CONCLUSÕES A disfunção miocárdica é um achado comum em pacientes com choque séptico, correspondendo a 25.52% da amostra avaliada. Dentre os grupos infecciosos observados, a pneumonia foi o grupo com maior número absoluto de casos e a sepse de foco indeterminado o grupo com maior prevalência. Mulheres se associaram menos a disfunção miocárdica do que homens provavelmente por ser a sepse urinária a maior causa de internação, a qual costuma ser mais branda. Porém, estiveram mais associadas a disfunção de ventrículo direito. Após esse estudo é possível sugerir que pacientes que internam em unidade de terapia intensiva com diagnóstico de choque séptico realizem ecocardiograma transtóracico uni e bidimensional com Doppler colorido precocemente, de forma a estimar a função cardíaca. Essa recomendação já se encontrava presente no 'Surviving Sepsis Campaign', porém com grau de recomendação insuficiente. Caso seja possível, a caracterização da disfunção como nova deve ser realizado, pois nesse estudo esteve associada à maior mortalidade. A incidência de disfunção miocárdica também foi elevada, estando presente em 28.57% do subgrupo avaliado. A presença de disfunção miocárdica nova induzida por sepse se associou a um maior risco de mortalidade (RR 5,28 IC 95% 1.28-20.58 p= 0.018), dessa forma infere-se que a presença de casos de disfunção miocárdica prévia é fator de confundimento para a correlação com mortalidade. A partir desse estudo é possível inferir que a presença dessa complicação se correlaciona a um pior prognóstico do doente com choque séptico. Recomenda-se, portanto, que estudos posteriores utilizem a incidência de disfunção miocárdica para correlacionar com mortalidade. Tal qual eliminem outros viéses de confusão, como a presença de outras disfunções orgânicas e patologias de base prévias.

19

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