+ Marcelo Gleiser
Uma pista cósmica? Caso a matéria escura exista e seja de fato diferente, uma nova janela se abre na física A comunidade dos físicos e astrônomos anda bastante empolgada por estes dias. Na primeira semana de novembro, membros da colaboração internacional Pamela, um satélite europeu desenhado para buscar por antimatéria no espaço, finalmente anunciaram oficialmente que seus detectores acusavam um excesso de pósitrons, a antipartícula do elétron. Esse excesso, segundo eles, podia ser devido à presença da misteriosa matéria escura, um tipo de matéria que é seis vezes mais abundante do que a matéria comum, mas cuja detecção direta ainda não foi feita. A composição da matéria escura, cuja existência no momento é inferida apenas através de sua ação gravitacional sobre a matéria comum, é um dos grandes enigmas da física moderna. Caso a matéria escura exista e seja de fato um tipo de matéria diferente dos elétrons e prótons dos quais somos feitos (a matéria bariônica), uma nova janela se abre na física de partículas e na astrofísica. O entusiasmo da comunidade é plenamente justificável. Em 1928, o físico inglês Paul Dirac obteve uma equação unindo a teoria da relatividade especial de Einstein e a mecânica quântica, que descreve os átomos e os seus constituintes. Para a sua surpresa, e com a ajuda de J. Robert Oppenheimer, a equação previa que cada partícula de matéria – elétrons, nêutrons, prótons – tinha uma parceira de antimatéria com a mesma massa. A diferença mais importante entre matéria e antimatéria é a carga elétrica oposta: se o elétron é negativo, o pósitron é positivo. O antipróton é negativo. Já o antinêutron também tem carga zero, mas outras propriedades suas são invertidas. É como se a realidade tivesse duas faces, cada uma de um lado de um espelho. Quando essas duas realidades se encontram, isto é, quando uma partícula de matéria encontra sua parceira de
antimatéria, o resultado é dramático: as duas se desintegram em raios gama, a radiação eletromagnética mais energética que existe. Dan Brown, em seu best seller "Anjos e Demônios", usou essa desintegração como um novo tipo de bomba a ser usado por um grupo terrorista. O objetivo? Destruir o Vaticano, o papa e os seus cardeais. A antimatéria é muito rara. Na Terra, ela é gerada artificialmente em aceleradores de partículas, máquinas que colidem partículas de matéria a velocidades próximas à da luz. Sua origem é conseqüência da famosa fórmula E=mc2, que afirma que existe energia na massa das partículas, ou seja, que energia pode virar massa e massa, energia. Na prática, essas transformações ocorrem de várias formas. Numa delas, um fóton, a partícula da luz e das outras formas de radiação eletromagnética, pode se desintegrar em um elétron e um pósitron. E vice-versa: um elétron e um pósitron, ao colidirem, podem se transformar em fótons de raios gama. No espaço, raios cósmicos, em geral prótons vindos do Sol, ao se chocarem com as moléculas de nitrogênio e oxigênio da atmosfera, geram verdadeiros chuveiros de partículas, incluindo pósitrons. A surpresa do Pamela foi um excesso de pósitrons a energias muito altas. No momento, existem duas explicações. Uma mais empolgante, a outra mais mundana. A mais empolgante é que os pósitrons são gerados quando partículas de matéria escura, tal qual núcleos radioativos, desintegram-se espontaneamente ou quando colidem com outras partículas de matéria escura. A mais mundana é que os pósitrons vêm de um pulsar, uma estrela de nêutrons que gira rapidamente. Apenas mais dados poderão decidir. No meiotempo, os físicos tecem seus modelos, tentando decifrar mais esse enigma. MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0712200803.htm ----------------------------------