O Futuro Incerto Da água - E Outros Textos Selecionados Do Instituto Ciência Hoje - Dez 2008

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Vários textos reunidos O futuro incerto da água Ecoturismo põe primatas em risco Risco mensurado O evolucionista voador Novidades dentro da sua cabeça Conquistas do amor Uma descoberta que mudou o mundo Vida é informação O centro de comando Uma questão de escala

10 textos selecionados do Instituto Ciência Hoje ESPECIAIS :: FÓRUM INTERNACIONAL DE ECOSSAÚDE

O futuro incerto da água Especialista brasileiro discute desafios que país enfrentará para garantir acesso ao recurso no futuro

Quando se pensa em promover a saúde humana e o equilíbrio ambiental, um elemento é essencial: a água. Estima-se que o simples acesso a esse recurso nos países em desenvolvimento poderia diminuir em pelo menos 25% os casos de diarréia e outras doenças transmitidas por esse meio. Os desafios na busca de um modelo sustentável para a gestão da água foram o tema de uma mesa-redonda no segundo dia do Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México. Um dos participantes do debate foi o brasileiro Ulisses Confalonieri, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Médico de formação, ele coordenou recentemente na equipe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) o grupo de trabalho que discutiu os impactos da mudança climática na saúde humana. Ao final do debate, Confalonieri – que faz parte da comissão organizadora do fórum – conversou com a CH On-line sobre os desafios que o Brasil tem pela frente para garantir acesso à água à sua população nas próximas décadas. Se considerarmos a perspectiva multidisciplinar proposta neste fórum, que enxerga saúde e meio ambiente de forma integrada, qual é o papel da qualidade da água para garantir a saúde humana e do meio ambiente? A água é absolutamente essencial para tudo, sem ela ninguém consegue viver. A questão com a qual mais lidei no IPCC foram as projeções de mudança na disponibilidade de água devido ao aquecimento global. Veja o caso do Nordeste brasileiro. Há ali aquela chuva sazonal, durante dois meses por ano, e toda a comunidade da agricultura de subsistência depende dela. O ano em que a chuva não vem é

problemático – é o ano da seca. Mas o agricultor sabe que, no ano seguinte, a chuva deve aparecer. Mas os modelos feitos pelo CPTEC [Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos] projetam que a região vai se tornar progressivamente mais árida: este ano não tem, no ano que vem também não vai ter, e aí como é que se faz? Há 23 milhões de pessoas vivendo no semi-árido nordestino, uma das regiões semi-áridas mais populosas do mundo. Se se confirmarem as previsões dos modelos teóricos, haverá um problema de falta de água – a região semi-árida vai virar árida, e não será mais possível viver ali. De pouco adianta então a grande disponibilidade de água doce no Brasil? Esta é uma garantia regional apenas. Tem água na Amazônia, mas no Nordeste tem pouco. E o que vamos fazer? Transpor o Amazonas para o Nordeste? E a projeção de redução da floresta pode afetar muito o ciclo da água na Amazônia, bem como o degelo dos Andes, de onde vem muito do que corre no rio Amazonas. E se não tiver mais gelo para derreter, como é que fica? A situação é preocupante para o mundo inteiro. A nossa água existe agora: a Amazônia tem a maior bacia hidrográfica do mundo, o rio mais longo, mas daqui a 50 anos, não sei como vai estar. O senhor citou em sua fala uma projeção do IPCC que aponta que, em 2080, 3 bilhões de pessoas não terão acesso satisfatório à água. Essa perspectiva é reversível? A projeção do IPCC é uma algo que informa ou deveria informar políticas públicas nacionais e internacionais. Nos próximos anos os modelos vão se aperfeiçoar. Eles têm sempre um grau de incerteza. Mas, à medida que melhores técnicas forem desenvolvidas e mais dados forem acumulados, teremos projeções mais seguras. De qualquer maneira, funciona como um alerta. Quais devem ser as prioridades das políticas públicas para garantir o acesso à água para toda a população brasileira? Se considerarmos a questão do clima, fica complicado, porque se trata de um processo global, e não temos controle sobre isso. Isso teria que ser tratado em âmbito internacional. Quanto ao setor de saúde, acho que ele tem que acompanhar a evolução dessas discussões multissetoriais e participar mais dessas projeções. Isso é o que estamos tentando fazer – desenvolver modelos integrados e multissetoriais, que apontem o que vai acontecer daqui a dez anos com o clima e como aquilo afeta o ambiente natural, o ciclo da água, a agricultura, o transporte, a energia e a saúde. Isso só faz sentido se for trabalhado de maneira integrada. A saúde, dentro desse espectro de questões sócio-ambientais e sanitárias, é o último elo da cadeia: uma coisa causa outra, que provoca uma outra, que afeta a saúde. Por isso dependemos dos produtos de outras disciplinas. Um modelo climático era essencial, e até o ano passado não tínhamos isso. E eles ainda precisam melhorar. O cenário climático está projetado para 2070. Dificilmente quem está envolvido com política pública vai pensar em 2070, que está muito distante no tempo – ele quer saber de 2010, 2015, 2020. É importante fazer esses modelos, mas é preciso fazer projeções para décadas mais próximas, para termos uma idéia de como a política ficou urgente em relação a essa questão.

Bernardo Esteves (*) Ciência Hoje On-line 03/12/2008 (*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência. Confira a cobertura completa do Fórum Internacional de Ecossaúde.

O médico Ulisses Confalonieri, pesquisador da Fiocruz e colaborador do IPCC, fala sobre os desafios do acesso à água no Fórum Internacional de Saúde e Meio Ambiente.

http://cienciahoje.uol.com.br/133866

ESPECIAIS :: FÓRUM INTERNACIONAL DE ECOSSAÚDE

Ecoturismo põe primatas em risco Gorilas contraem bactérias ao entrar em contato com humanos em áreas de conservação na África

As atividades de ecoturismo e mesmo de pesquisa podem favorecer a emergência de novos agentes causadores de doenças em grandes primatas na África, indica um estudo feito em Uganda. A pesquisa mostra que os gorilas que entram em contato com humanos, sejam eles guias de turismo ou cientistas, contraem bactérias patogênicas e manifestam resistência a antibióticos. A situação é preocupante porque os primatas têm tido seu hábitat progressivamente invadido pelos humanos. “As populações nativas de gorilas não tiveram contato com humanos antes e têm a mesma fisiologia que nós, o que as torna vulneráveis a contrair doenças”, disse à CH On-line o veterinário Innocent Rwego, autor do estudo. Rwego, pesquisador da Universidade Makerere, em Kampala, capital da Uganda, apresentou ontem os resultados da pesquisa no Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México. O estudo foi feito na região do Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, no sudoeste desse país da África Central. Para avaliar se o contato crescente entre humanos e grandes primatas estava pondo em risco a saúde desses animais, Rwego trabalhou com três grupos de gorilas-da-montanha (Gorilla beringei beringei), com diferentes graus de interação com humanos: animais que tinham contato regularmente com turistas, aqueles que só lidavam com pesquisadores e os que não tinham qualquer contato com humanos.

Filhote de gorila-da-montanha (Gorilla beringei beringei). O contato com humanos torna esses animais vulneráveis a patógenos transmitidos pelo homem (foto: Kurt Ackermann).

As bactérias Escherichia coli presentes em amostras de fezes desses animais foram comparadas com as encontradas nas populações que vivem no entorno do parque, nos guias turísticos e nos cientistas que lidavam com os primatas. Os resultados acusaram uma grande similaridade genética entre as bactérias presentes em humanos e nos gorilas que tinham contato mais freqüente com eles. O parentesco era progressivamente menor nos animais que só lidavam com cientistas e nos gorilas selvagens. Resistência a antibióticos Rwego avaliou também se as bactérias encontradas nas fezes dos animais manifestavam resistência aos antibióticos comumente usados na região. Cerca de 22% das bactérias E. coli identificadas nos animais expostos ao ecoturismo tinham resistência a pelo menos um dos antibióticos testados – índice próximo aos 26% identificados em humanos. Nos animais em contato com pesquisadores, a taxa foi de 10%, e nos gorilas selvagens, de apenas 2%.

Gorilas-da-montanha fotografados no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, em Uganda. Esses animais ameaçados de extinção estão contraindo bactérias patogênicas humanas devido à prática do ecoturismo nessa reserva, considerada patrimônio mundial pela Unesco (foto: Duncan Wright).

Os resultados deixam claro que os gorilas que entram em contato com humanos estão em risco. Isso significa que deveriam ser adotadas políticas de restrição ao ecoturismo? Rwego acredita que haja outras soluções. “Limitar o ecoturismo, que é uma fonte de renda para as populações locais, teria um grande impacto sobre elas”, pondera. “Se respeitarmos as regras de saúde e vacinação, é provável que consigamos reduzir o problema da transmissão.” Segundo o autor, uma solução para minimizar a transmissão de patógenos entre humanos e primatas seria controlar a população no entorno das áreas protegidas. “Com o ecoturismo, vem a modernização, surgem lojas e mais pessoas são atraídas”, explica. “Deveria haver políticas públicas para reduzir a migração para a região das áreas de conservação, onde o ecoturismo tem florescido.”

Bernardo Esteves (*) Ciência Hoje On-line 04/12/2008 (*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência. Confira a cobertura completa do Fórum Internacional de Ecossaúde.

http://cienciahoje.uol.com.br/133940

ESPECIAIS :: FÓRUM INTERNACIONAL DE ECOSSAÚDE

Risco mensurado Grupo propõe indicador para avaliar ameaça de doenças respiratórias ligadas à queima da floresta

A relação entre a queima da floresta amazônica e o aumento de doenças respiratórias da população local já era conhecida pelos pesquisadores. Agora, uma equipe de cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), acaba de propor um novo indicador que permite avaliar o risco à saúde associado às queimadas. O indicador em questão é o índice de material particulado – o conjunto de partículas sólidas em suspensão no ar em decorrência das queimadas – presente na atmosfera. O grupo mostrou que existe uma relação entre o grau de exposição a esse material e a taxa de hospitalização das populações expostas a ele. A equipe trabalhou com o material particulado com 2,5 micrômetros de diâmetro (PM 2,5) que, em função do seu tamanho diminuto, tem grande penetração nos pulmões e é nocivo à saúde. "Este é o primeiro estudo que mostra a associação de doenças respiratórias à exposição do PM 2,5 na Amazônia", explica a bióloga Sandra Hacon, que apresentou os resultados do trabalho no Fórum Internacional de Ecossaúde, realizado em Mérida, no México.

Na estação seca, quando se concentram as queimadas na O grupo de Hacon comparou os índices de Amazônia, a qualidade do ar de pequenas cidades da região material particulado na atmosfera e o número de hospitalizações por doenças respiratórias de chega a ser pior do que a verificada em grandes capitais poluídas do Brasil (foto: United States Forest Service). crianças e idosos, mais vulneráveis à poluição do ar. O trabalho foi feito na região de Alta Floresta, no Mato Grosso, que tinha os piores indicadores de saúde para doenças respiratórias no estado entre 2000 e 2004.

Os resultados mostram que, quando a exposição ao material particulado considerado passou de um determinado patamar, a taxa de hospitalização de idosos aumentou 7%, e a de crianças, 10%. Para as outras faixas etárias, o aumento foi de 5%. Na avaliação de Sandra Hacon, esses resultados devem ser levados em conta na formulação de políticas públicas para combater as queimadas. "O estudo traz informações relevantes para que os tomadores de decisão na Amazônia reforcem as estratégias de prevenção e controle da queima de biomassa", afirma.

Bernardo Esteves (*) Ciência Hoje On-line 08/12/2008 (*) O repórter viajou a Mérida financiado pela Federação Mundial dos Jornalistas de Ciência. Confira a cobertura completa do Fórum Internacional de Ecossaúde.

http://cienciahoje.uol.com.br/134127 NOTÍCIAS :: BIOLOGIA

O evolucionista voador

Artigo revê vida e obra de John

Maynard Smith, um gigante da biologia do século 20

John Maynard Smith (1920-2004) -- Maynard Smith ou simplesmente JMS --, um dos gigantes da biologia evolutiva do século 20, morreu no último dia 19 de abril, em sua casa, na Inglaterra, vítima de complicações decorrentes de um câncer no pulmão. Umas duas décadas antes, ele já havia enfrentado um outro câncer, no cólon. (Talvez por causa disso, ouvi de um colega, às vésperas da Eco-92, a 'notícia' de que Maynard Smith havia morrido por aqueles dias de câncer no estômago. Foi um choque e custei a descobrir que era uma notícia destrambelhada.) JMS deixou viúva, filhos e netos.

JMS escreveu obras que se tornaram referência para pesquisadores das mais diversas áreas (foto: Universidade de Sussex)

Maynard Smith publicou seu primeiro artigo científico em 1952, quando já tinha mais de 30 anos (o estudo, publicado na revista Evolution, avaliava a importância do sistema nervoso na evolução do vôo animal). Pode parecer uma idade tardia, principalmente para quem logo se revelaria tão talentoso e produtivo, mas é preciso mencionar aqui um detalhe biográfico curioso: ele começou sua vida profissional como engenheiro, chegando a trabalhar no desenho de aeronaves para a Força Aérea britânica, durante a Segunda Guerra Mundial (isso talvez explique os temas aeronáuticos dos seus primeiros artigos). Em 1947, voltou para a universidade, trabalhando então sob a orientação de J. B. S. Haldane (1892-1964); curiosamente, porém, nunca concluiu formalmente um doutorado. O legado deixado agora por Maynard Smith inclui dezenas de livros e capítulos de livros, além de inúmeros artigos técnico-científicos e de divulgação. Muitas de suas obras tornaram-se referências-chave para estudantes e outros pesquisadores. Além do legado estritamente científico, porém, Maynard Smith deixa saudades e lições de vida, tanto entre aqueles que aprenderam a admirá-lo à distância como principalmente entre os que o conheceram mais de perto. Um exemplo dessa admiração pode ser visto no texto em memória de JMS publicado na revista Science de 14 de maio por Richard Lewontin, um outro craque da biologia evolutiva. Segundo Lewontin, "John Maynard Smith era um indivíduo humano, jocoso e sensível que não levava as pessoas (inclusive ele próprio) mais a sério do que elas mereciam. Ele tinha uma visão sensivelmente cética da ciência e de suas reivindicações, que é melhor sintetizada no famoso dito de seu professor, J. B. S. Haldane, que disse que uma idéia científica deve ser interessante mesmo se não for verdadeira." Agraciado com diversos prêmios e medalhas ao longo da vida, o reconhecimento ao seu trabalho já estava, no entanto, em outro patamar: ele próprio emprestava o nome a um prêmio, o John Maynard

Smith Prize, oferecido a cada dois anos, desde 1997, pela Sociedade Européia para a Biologia Evolutiva. Em meados da década de 1980, coincidindo com a época de sua aposentadoria (entre 1965 e 1985, ele lecionou na Escola de Ciências Biológicas, da Universidade de Sussex, da qual foi um dos fundadores, em 1962), um grupo de quase 30 colegas, muitos dos quais já eram autores consagrados em suas respectivas disciplinas, colaboraram na elaboração de um livro em sua homenagem, Evolution: essays in honour of John Maynard Smith (1985, Cambridge University Press). O objetivo da obra era fazer um apanhado geral de algumas áreas de pesquisa que tivessem sido influenciadas pelas idéias e pelo trabalho de Maynard Smith. Os 20 capítulos do livro formam um verdadeiro mosaico temático, abordando questões que vão da genética de populações teórica aos rituais de corte entre animais, passando pelo estudo da especiação simpátrica, a dispersão e a germinação de sementes e o cuidado parental. Em um meio tão competitivo como a arena científica, não são muitos os cientistas ativos (depois de aposentado, JMS continuou trabalhando) que recebem de seus pares um tipo de tributo como esse. Felipe A. P. L. Costa Especial para a CH On-line 28/06/04 O autor é biólogo e autor do livro Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) -- clique para ler uma resenha do livro

http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/1810 COLUNAS :: POR DENTRO DAS CÉLULAS

Novidades dentro de sua cabeça Colunista discute estudos recentes que apontam o surgimento de novos neurônios no cérebro adulto

Desde os trabalhos pioneiros sobre a neurologia humana realizados em 1913 por um dos pais da histologia, o cientista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), acreditava-se que os neurônios presentes no cérebro humano adulto eram incapazes de se multiplicar. No entanto, estudos recentes têm mostrado que não é bem assim, e que algumas regiões do cérebro humano ganham novos neurônios ao longo de toda a vida. Vejamos como isso ocorre. Durante a evolução, a formação de novos neurônios, conhecida como neurogênese, diminuiu à medida que aumentava a complexidade do cérebro. A ocorrência de neurogênese em adultos é comum em crustáceos e vertebrados como peixes e anfíbios. Répteis, por exemplo, são capazes de regenerar partes inteiras de seu cérebro. Porém, esse processo era desconhecido em aves e mamíferos até poucas décadas atrás. Essa visão começou a mudar a partir da década de 1960, devido às pesquisas conduzidas pelo neurocientista norte-americano Joseph Altman, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Altman utilizou um precursor radioativo do DNA, conhecido como timidina-H 3 , para mostrar que novas células com morfologia neuronal podiam ser encontradas no bulbo olfatório, no hipocampo e no neocórtex

de ratos e gatos adultos. As moléculas de timidina radioativa, após injetadas nesses animais, foram utilizadas por células nas quais estava acontecendo a síntese de DNA, um evento que ocorre durante o processo de divisão celular. Essas células foram posteriormente rastreadas por microscopia, por meio da radioatividade das células multiplicadas. Contudo, o trabalho desenvolvido pela equipe de Altman teve pouco impacto no meio científico e seus resultados acabaram questionados por outros estudos que não indicaram que esse processo pudesse ocorrer em mamíferos mais evoluídos como macacos, por exemplo. Na década de 1980, o neurocientista Fernando Nottebohm, da Universidade Rockefeller, em Nova Iorque (EUA), e sua equipe publicaram vários estudos mostrando que novos neurônios são produzidos no sistema sonoro de aves adultas. Essas células surgem nos ventrículos e migram através do parênquima até alcançar seu destino final, onde adquirem características morfológicas e estruturais de neurônios. Nesses locais, elas estendem corretamente seus axônios e são capazes de receber informações sinápticas e de serem ativadas por estímulos auditivos. Essas descobertas deram novo fôlego para pesquisas na área. Os estudos passaram a utilizar a bromodeoxiuridina (BrdU), substância que, após injetada em animais adultos, é utilizada como substituto do nucleotídeo timidina pelas células que estejam sintetizando DNA e, portanto, se preparando para a divisão celular. Novos neurônios marcados com BrdU podem ser visualizados com a ajuda de técnicas imunoquímicas. Neurogênese no cérebro humano A primeira evidência de que ocorria multiplicação neuronal no cérebro de humanos adultos foi obtida há exatamente dez anos, em um trabalho realizado pela equipe de Peter Eriksson, do Instituto de Neurologia do Hospital da Universidade de Sahlgrenska, em Gotemburgo, na Suécia. Esses pesquisadores examinaram autópsias de cérebros de pacientes com câncer que haviam recebido BrdU para marcar células que estavam proliferando em suas regiões tumorais. As amostras indicaram a presença de novos neurônios na região do hipocampo e a existência dessas células foi confirmada com o recurso a marcadores específicos para neurônios. Atualmente, acredita-se que poucas regiões do cérebro humano adulto são neurogênicas, isto é, capazes de produzir ou recrutar novos neurônios sob condições normais. A neurogênese foi comprovada em duas regiões do cérebro humano: a zona subgranular do giro dentado do hipocampo e a zona subventricular do bulbo olfatório, região formada por células associadas com a integração de sensações olfativas. Diversos estudiosos do assunto consideram o restante do cérebro uma área não neurogênica. Existem evidências que sugerem a ocorrência desse processo em outras regiões do cérebro adulto, mas elas ainda não estão estabelecidas de forma clara pela ciência. As pesquisas indicam que o bulbo olfatório e o giro dentado do hipocampo recebem neurônios recém-produzidos durante toda a vida adulta. Nessas regiões a adição de novos neurônios é mais uma forma pela qual o cérebro pode modificar seu próprio circuito funcional e alterar sua plasticidade, ao lado de alterações moleculares, sinápticas e morfológicas. Portanto, esse processo de renovação celular não tem apenas a função de substituir neurônios envelhecidos ou mortos, mas

O neurocientista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) trabalha em seu laboratório. Ele foi um dos pioneiros a desvendar a estrutura microscópica do cérebro humano. Por esses estudos, ganhou o Nobel de Medicina de 1906, dividido com o italiano Camilo Golgi (1843-1926). Foto: Instituto de Neurobiología S. Ramón y Cajal (CSIC).

representa também uma resposta adaptativa a modificações promovidas pelo ambiente em que o animal vive ou pelo seu meio interno. Essa plasticidade está associada com a capacidade do cérebro de se modificar morfologicamente ou funcionalmente durante sua maturação, diante do aprendizado, de alguma patologia ou quando confrontado com modificações ambientais. Origem da neurogênese As pesquisas têm mostrado que, em áreas restritas do cérebro de mamíferos, novos neurônios funcionalmente ativos são gerados de forma contínua a partir de grupos de células-tronco neuronais. Nos últimos dez anos, vários estudos têm indicado que a neurogênese no adulto pode ser estimulada por danos cerebrais. Lesões no hipocampo causadas por traumas e isquemia, por exemplo, podem estimular o surgimento de neurônios no giro dentado e no bulbo olfatório. O grau de desenvolvimento da neurogênese em adultos pode depender da relação entre os benefícios gerados pelos neurônios recém criados e os problemas que eles podem ocasionar ao circuito nervoso ao qual se integram. Acredita-se que células associadas com neurônios chamadas astrócitos e localizadas entre o ventrículo lateral e o estriado ativam células-tronco neuronais que se diferenciam e migram para regiões como o bulbo olfatório. Em roedores, estima-se que essa migração envolva cerca de 30 mil células a cada dia. Outras regiões cerebrais consideradas não neurogênicas podem também se tornar neurogênicas após danos cerebrais. Estudos indicam o surgimento desse processo no neocórtex, no estriado, na amígdala e na substância negra de roedores após a ocorrência de lesões neuronais ou isquemia. Contudo, as técnicas de pesquisa usadas atualmente não são precisas o suficiente para visualizar um número relativamente pequeno de novos neurônios e estimar com clareza a ocorrência desse processo em regiões normalmente não neurogênicas. Mas em que extensão a neurogênese do adulto se assemelha ao processo que ocorre em nossa vida embrionária? Aparentemente, ambos são similares quanto aos marcadores moleculares expressos durante a maturação das células e em relação às mudanças morfológicas verificadas. A única diferença observada até o momento é que as células adultas apresentam ciclo celular mais lento que o das formas embrionárias e que as primeiras se localizam mais externamente nos tecidos colonizados. Novas pesquisas futuras são necessárias para confirmar essa similaridade. Estudos indicam que o estado físico e alterações patológicas e psicológicas podem influenciar a neurogênese adulta. A utilização crônica de drogas como morfina e heroína, por exemplo, diminui a neurogênese no hipocampo de ratos adultos. Experiências traumáticas no início da vida, como uma separação maternal, diminuem a proliferação celular e a produção de neurônios no giro dentado em ratos adultos. Por outro lado, a atividade física promove a proliferação celular no giro dentado. Função dos novos neurônios Apesar das descobertas recentes, uma questão permanece: qual o papel desempenhado pelos neurônios recém produzidos? Essas células podem apresentar, ao menos inicialmente, uma maior plasticidade sináptica que os outros neurônios habitantes das regiões por elas colonizadas. Assim, a neurogênese pode promover uma adaptação a estímulos ambientais. Esse processo adaptativo pode estar associado com a aprendizagem e com a memória. Pesquisas indicam que, em aves canoras, uma multiplicação neuronal está associada com o aprendizado do canto. Há também indícios de que essa proliferação

Neurônios piramidais no córtex cerebral humano. A primeira evidência de multiplicação neuronal no cérebro de humanos adultos foi obtida há dez anos (foto: BrainMaps.org).

celular esteja ligada ao desenvolvimento da noção espacial e à discriminação olfativa em roedores. Novas pesquisas são necessárias para que possamos compreender realmente os mistérios do fascinante e intricado cérebro dos mamíferos. Temos muito a aprender para compreender claramente que células estão se multiplicando para que, no futuro, possamos saber lidar melhor com patologias e potencialidades no nosso cérebro.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais Antonio Carlos Borges Doutorando / Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo 07/11/2008 SUGESTÕES PARA LEITURA Abrous, D.N., Koehl, M. e Le Moal, M. (2005). Adult neurogenesis: from precursors to network and physiology. Physiol Rev. 85, 523-569. Aimone, J.B., Wiles,J. e Gage, F.H. (2006). Potential role for adult neurogenesis in the encoding of time in new memories. Nat. Neurosci. 9, 723-727. Brainard, M.S. e Doupe, A.J. (2002). What songbirds teach us about learning. Nature 417, 351-358. Bruel-Jungerman, E., Rampon, C. e Laroche, S. (2007). Adult hippocampal neurogenesis, synaptic plasticity and memory: facts and hypotheses. Rev. Neurosci. 18, 93-114. Chapouton, P., Jagasia, R. e Bally-Cuif, L. (2007). Adult neurogenesis in non-mammalian vertebrates. Bioessays 29, 745-757. Goldman, S.A. (1998). Adult neurogenesis: from canaries to the clinic. J. Neurobiol. 36, 267-286.

Bulbo olfatório e nervo olfatório ilustrados pelo médico belga Andreas Vesalius (15141564) em seu atlas de anatomia De Humani Corporis Fabrica. O bulbo olfatório é uma das regiões em que se confirmou a formação de novos neurônios no cérebro humano adulto.

http://cienciahoje.uol.com.br/132225 COLUNAS :: POR DENTRO DAS CÉLULAS

Conquistas do amor Luta de uma família contra doença genética rara gerou avanços no seu tratamento, mostra colunista

Imagine uma criança feliz, inteligente, cheia de vida que, de repente, vítima de uma doença terrível, vai pouco a pouco se tornando agressiva e perde a capacidade de andar e de se comunicar. Imagine o desespero dos seus pais, pessoas comuns e pouco ligadas ao mundo científico, e a luta deles para compreender os mecanismos dessa doença e suas opções terapêuticas. Essa história, que provavelmente ocorre com várias famílias, é o enredo do filme O óleo de Lorenzo, dirigido em 1992 por George Miller e estrelado por Nick Nolte e Susan Sarandon. O filme conta a história verídica da família americana Odone e mostra a luta dos pais Augusto e Michaela em busca da cura do mal que afligia seu filho Lorenzo. Lorenzo era vítima da adrenoleucodistrofia (ALD), uma rara doença genética recessiva associada ao cromossomo X e que acomete indivíduos do sexo masculino (um caso em cada 10.000-100.000 garotos). A ocorrência de duas cópias do gene da ALD, única forma de a doença se manifestar nas mulheres, é muito mais rara (um caso em 900 milhões!). Contudo, algumas mulheres portadoras do gene mutado podem manifestar a doença, devido à inativação do cromossomo X com o alelo normal. Essas mulheres podem desenvolver na idade adulta uma forma mais branda da doença conhecida como adrenomielopatia. Devido à sua raridade, a ALD era, até 1984, época em que foi diagnosticada em Lorenzo, muito pouco conhecida pela ciência, apesar de haver sido descrita por Haberfeld e Spieler em 1910. Somente em 1970, sessenta anos após a descoberta da doença, o americano Michael Blaw denominou essa patologia como a conhecemos atualmente: adrenoleucodistrofia (adreno: glândulas adrenais; leuco: branco, referindo-se à substância branca do sistema nervoso; e distrofia: desenvolvimento imperfeito). Graças ao esforço de pessoas como os Odone e vários cientistas, o conhecimento sobre a etiologia da ALD avançou bastante. Sabemos, por exemplo, que essa patologia apresenta manifestações clínicas diversas, que têm níveis de comprometimento diferenciados para os seus portadores. Evolução dos sintomas A forma clássica da doença, que acomete 35% dos pacientes, apresenta sintomas que normalmente iniciam-se entre os 4 e 10 anos. Esses sintomas incluem perda das funções neurológicas existentes, crises convulsivas, ataxia (perda ou irregularidade da coordenação muscular), degeneração da visão e da audição, disfunção das glândulas adrenais (doença de Addison), problemas de aprendizagem e de percepção, falta de concentração, perda da memória a curto e longo prazos, deficiência dos movimentos de marcha e mudanças de personalidade e comportamento. A doença de Addison, por sua vez, pode causar aumento da pigmentação da pele, hipoglicemia, fraqueza e maior susceptibilidade ao estresse. A sobrevida dos pacientes com a forma clássica da ALD é de cerca de 10 anos. A ALD é uma doença genética fatal que não faz distinção de raças ou distribuição geográfica. Essa

patologia é caracterizada pela ocorrência em vários tecidos, principalmente no cérebro e glândulas adrenais, de níveis anormalmente elevados de certos lipídios, compostos por ácidos graxos que apresentam cadeias muito longas e saturadas, com 24 a 30 átomos de carbono de extensão (particularmente uma forma conhecida como hexacosanoato, com 26 átomos de carbono – C26). Parte desses ácidos graxos é obtida por meio da dieta. Contudo, a maior parte provém de processos metabólicos do organismo. O acúmulo desses ácidos graxos em pacientes com ALD está relacionado à incapacidade do organismo de degradar de forma eficiente essas substâncias, prejudicando o equilíbrio entre a síntese e a destruição desses compostos. A síntese de ácidos graxos de cadeias com mais de 16 átomos de carbono ocorre por meio da ação de um sistema enzimático localizado nas mitocôndrias e microssomos. Essas enzimas se encarregam de acrescentar pares de moléculas até que a cadeia de ácidos graxos alcance cerca de 30 átomos de carbono. Esse processo altera as propriedades fisiológicas desses ácidos graxos e os torna insolúveis, afetando a estrutura e a função das membranas celulares. O acúmulo desses ácidos graxos também leva à destruição da bainha de mielina, um envoltório lipídico que circunda os axônios (prolongamentos dos neurônios) e que permite uma maior agilidade na transmissão dos impulsos nervosos – algo essencial para alguns de nossos neurônios. O dano cerebral causado pela destruição da bainha de mielina talvez decorra da incapacidade dos portadores da mutação no gene ALD de reparar lesões nessa bainha, como fazem os indivíduos sadios. Os níveis elevados desses ácidos graxos também afetam as glândulas adrenais, provavelmente devido a uma insuficiência adrenocortical causada por atrofia de células dessa região das glândulas. Esse processo causa, secundariamente, uma elevação dos níveis do hormônio adrenocorticotrófico no plasma sangüíneo e um acúmulo anormal de ésteres de colesterol nas glândulas adrenais. Mutações diversas O principal defeito bioquímico da ALD parece ser a ocorrência de diferentes mutações no gene para a enzima ligase acil-CoA, localizado no braço longo do cromossomo X (Xq28). A proteína sintetizada pelo gene mutado pertence a um grupo de proteínas associadas ao transporte através de membranas. Alterações nessas moléculas também estão relacionadas com outras doenças, como a fibrose cística e a esclerose múltipla.

Micrografia de um axônio envolto por mielina (fonte: Trinity College).

Mas a função dessa enzima não está totalmente compreendida. Acredita-se que ela esteja relacionada com o transporte de ácidos graxos de cadeias longas para o interior dos peroxissomos, organelas abundantes nos prolongamentos neuronais envoltos por bainhas de mielina. Essas organelas estão associadas com a decomposição de peróxido de hidrogênio (H 2 O 2 ), tóxico para os organismos. Além disso, os peroxissomos contêm diversas enzimas associadas à oxidação dos ácidos graxos de cadeias muito longas. Pôster do filme O óleo de

Mutações na ligase acil-CoA podem impedir que os ácidos graxos penetrem nessas organelas e se acumulem no interior das células e no meio extracelular. O acúmulo de concentrações elevadas dessas moléculas leva ao surgimento de uma reação imune que causa, por meio da ação de leucócitos, uma reação inflamatória que leva à destruição da bainha de mielina neuronal.

Lorenzo (1992), baseado na história real de um casal que busca a cura de seu filho, Lorenzo, vítima de adrenoleucodistrofia.

Recentemente, o desenvolvimento de uma terapia baseada na supressão do consumo dos ácidos presentes na dieta, aliada ao combate da síntese endógena desses compostos e à reposição hormonal, tem aumentado a sobrevida dos portadores da ALD. Pacientes com ALD devem receber a administração de mineralocorticóides e de glicocorticóides para compensar a ausência desses hormônios adrenais. Contudo, o comprometimento do sistema nervoso central, o principal problema enfrentado pelos pacientes, é ainda um desafio para os pesquisadores da ALD. A administração de uma dieta baseada no "azeite ou óleo de Lorenzo", uma terapia desenvolvida inicialmente por Augusto e Michaela Odone, parece ser eficiente para reduzir a velocidade da síntese endógena dos ácidos graxos, diminuindo os efeitos nocivos da ALD. Essa terapia utiliza uma combinação de ácido oléico e de ácido erúcico, dois ácidos graxos monoinsaturados que são metabolizados pelos pacientes com ALD. O uso combinado dos ácidos erúcico e oléico visa inibir a síntese dos ácidos graxos saturados de cadeia muito longa, por meio de um processo de competição pelo sítio ativo das ligase acil-CoA. Mas também é importante seguir uma dieta com restrição de ácidos graxos saturados.

Cérebro de paciente com adrenoleucodistrofia visto por meio da técnica de ressonância magnética nuclear. Observe a perda da bainha de mielina na região parieto-occipital, indicada pela área clara na parte inferior da figura (imagem: Hugo W. Moser).

Apesar da batalha de Augusto e Michaela Odone pela saúde de seu filho ter se encerrado no início de 2008, após o falecimento de Lorenzo devido a uma pneumonia aspirativa um dia após seu trigésimo aniversário, o esforço e o carinho dessa família foram recompensados: Lorenzo permaneceu entre seus familiares por 20 anos a mais do que havia sido previsto pela medicina. Além disso, a sua luta tem dado uma vida mais longa e digna a milhares de portadores da ALD no mundo inteiro.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais 09/12/2008 SUGESTÕES PARA LEITURA DiGregorio,V.Y. e Schroeder,D.J. (1995). Lorenzo's oil therapy of adrenoleukodystrophy. Ann. Pharmacother. 29, 312-313. Gould,S.J. e Valle,D. (2000). Peroxisome biogenesis disorders: genetics and cell biology. Trends Genet. 16, 340-345. Kemp,S. e Wanders,R.J. (2007). X-linked adrenoleukodystrophy: very long-chain fatty acid metabolism, ABC half-transporters and the complicated route to treatment. Mol. Genet. Metab 90, 268-276. Moser,H., Dubey,P. e Fatemi,A. (2004). Progress in X-linked adrenoleukodystrophy. Curr. Opin. Neurol. 17, 263-269. Moser,H.W., Moser,A.B., Hollandsworth,K., Brereton,N.H. e Raymond,G.V. (2007). "Lorenzo's oil" therapy for X-linked adrenoleukodystrophy: rationale and current assessment of efficacy. J. Mol. Neurosci. 33 , 105-113. Moser,H.W., Mahmood,A. e Raymond,G.V. (2007). X-linked adrenoleukodystrophy. Nat. Clin. Pract. Neurol. 3, 140-151. Simon,E. (1994). Efficacy of Lorenzo oil in adrenomyeloneuropathy. Ann. Neurol. 36, 116-117.

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Uma descoberta que mudou o mundo Colunista avalia impacto social e ambiental da reação de síntese de amônia, desenvolvida há cem anos

Se alguém lhe pedir para citar as dez ou mesmo as cem descobertas científicas mais importantes do século 20, você provavelmente não se lembrará do processo de síntese da amônia. Essa descoberta, contudo, é de enorme importância e foi determinante para configurar a situação econômica e ambiental existente atualmente em nosso planeta. Embora o nitrogênio seja um componente majoritário da atmosfera terrestre – responde por cerca de 78% de sua composição –, ele está presente apenas na forma gasosa (N 2 ), incapaz de ser aproveitada diretamente pela imensa maioria dos seres vivos. Por isso, estes se tornam dependentes da atividade de organismos como algumas espécies de bactérias capazes de captar o N 2 atmosférico e fixá-lo em compostos químicos utilizáveis pelos seres vivos.

Representação esquemática da molécula de amônia, formada por três átomos de hidrogênio (branco) e um de nitrogênio

(azul). Arte: Ben Mills. Dentre esses compostos, destaca-se a amônia, formada por um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio. Essa molécula pode ser transformada em nitritos e nitratos, essenciais para a produção tanto dos fertilizantes nitrogenados quanto de explosivos e armamentos.

Há cem anos, em 13 de outubro de 1908, o químico alemão Fritz Haber (1868-1934) deu um grande passo para solucionar o problema da fixação do N 2 atmosférico em amônia sem precisar da ação de outros organismos. Em grandes linhas, Haber criou uma forma de reagir o N 2 com hidrogênio na presença de ferro em temperaturas e pressões elevadas. O alemão acreditava que o processo por ele desenvolvido poderia trazer uma importante contribuição para o desenvolvimento agrícola do planeta, substituindo a necessidade de utilização de nitrogênio reativo retirado a partir de reservas naturais, como o guano peruano, o salitre chileno e o sal amoníaco extraído do carvão. Ele esperava ainda que esse método pudesse ser empregado com fins militares, de forma a garantir a segurança de seu país. Posteriormente, outro químico alemão, chamado Carl Bosch (1874-1940), continuou o trabalho de Haber e conseguiu implementar o uso da síntese de amônia em escala industrial. Por esses feitos, Haber recebeu o Nobel de Química em 1918, e Bosch, em 1931. A forma como essa reação marcou a história do século 20 foi tema de um artigo publicado esta semana na revista Nature Geoscience pelo grupo de Jan Willem Erisman, do Centro de Pesquisa Energética da Holanda. Explosivos e alimentos O processo desenvolvido por Haber-Bosch forneceu à Alemanha um grande suprimento de amônia suficiente para que o país se tornasse independente de seus fornecedores habituais. Com isso, esse composto e seus derivados, como o ácido nítrico, poderiam ser empregados para produzir explosivos como a nitroglicerina e o trinitrotolueno (TNT).

Acredita-se que isso tenha impedido uma vitória mais rápida das Forças Aliadas na Primeira Guerra Mundial, ampliando os efeitos devastadores desse conflito. Estimativas indicam que entre 100-150 milhões de mortes em conflitos armados durante o século passado possam estar diretamente relacionadas com uso do processo desenvolvido por Haber-Bosch. Por outro lado, a síntese de amônia desenvolvida por Haber-Bosch proporcionou a produção em escala mundial de fertilizantes nitrogenados, aumentando a produtividade da agricultura em grande parte do planeta. Atribui-se à síntese da amônia um aumento de 30 a 50% da produção agrícola. Com isso, os fertilizantes nitrogenados garantiram a sobrevivência de mais de um quarto da população mundial durante o século 20. A importância desses fertilizantes nitrogenados tem se ampliado nos últimos anos. Estima-se que, atualmente, cerca de metade da humanidade tenha a sua subsistência alimentar associada com o processo de fixação de nitrogênio desenvolvido por Haber- Bosch. Impacto ambiental Os benefícios dessa reação, no entanto, têm como contrapartida uma série de efeitos nocivos ao meio ambiente. Em 2005 cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio foram utilizadas globalmente na agricultura, mas apenas 17% desse volume foram consumidos pela humanidade na forma de alimentos, incluindo carne e laticínios. Essa eficiência extremamente baixa do uso de nitrogênio na agricultura representa um importante fator de risco para o meio ambiente. Cerca de 40% do nitrogênio usado em fertilizantes e desperdiçado por práticas agrícolas incorretas retorna à sua forma atmosférica não reativa. Apesar disso, a maior parte desse elemento químico acaba por contaminar os ambientes terrestres e aquáticos e a atmosfera, o que contribui para diminuir a biodiversidade. O nitrogênio perdido altera ainda o balanço dos gases do efeito-estufa, influencia o ozônio atmosférico, acidifica o solo e estimula a formação de material particulado na atmosfera.

Ataque francês à infantaria alemã na região de Champagne em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Estima-se que a descoberta da síntese da amônia tenha retardado a derrota das forças alemãs nesse conflito (foto: arquivo NARA/EUA).

A reação de síntese da amônia foi desenvolvida pelos alemães Fritz Haber (esq.) e Carl Bosch (dir.), Nobel de Química de 1918

e 1931 (fotos: Fundação Nobel). Esses impactos ambientais podem e devem ser minimizados com intervenções para aumentar a eficiência do uso de fertilizantes e para aumentar sua conversão ao N 2 atmosférico. Além disso, devem ser desenvolvidos métodos que permitam um tratamento mais eficiente dos resíduos nitrogenados produzidos pelos seres humanos e animais por eles criados.

O futuro dos fertilizantes Projeções realizadas pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) indicam que o uso de fertilizantes nitrogenados aumentará de duas a três vezes até a segunda metade deste século. Esse acréscimo do consumo está associado com o aumento da população global que, estima-se, chegará a 15 bilhões de pessoas em 2100. Por outro lado, avaliações otimistas apontam um aumento da produtividade agrícola por hectare, o que minimizaria a necessidade de aumento proporcional da área agrícola. Além disso, o desenvolvimento da

eficiência do uso de fertilizantes pode contribuir para diminuir os riscos ambientais associados com uso desmedido desses compostos. Deve ser ressaltado, contudo, que as projeções da FAO em relação a uma distribuição mais equitativa dos alimentos em nosso planeta são bem mais pessimistas e acredita-se que o total de 850 milhões de indivíduos subnutridos será ampliado nas próximas décadas. Apesar de criado há um século, o processo de fixação de nitrogênio por Haber-Bosch ainda não foi capaz de estender seus benefícios a uma parte significativa da humanidade, que permanece faminta e distante das condições mínimas para seu desenvolvimento. Contudo, os impactos ambientais negativos desse procedimento há algum tempo se distribuem de forma igualitária para todos os habitantes do planeta.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais Denise Aparecida Hipólito Graduanda do Curso de Engenharia Ambiental Universidade do Estado de Minas Gerais - campus de Passos 03/10/2008

Graças à síntese da amônia, o advento dos fertilizantes nitrogenados levou a um aumento de 30 a 50% da produção agrícola, o que garantiu a sobrevivência de 27% da população mundial durante o século 20 (foto:Victor Szalvay).

SUGESTÕES PARA LEITURA Anderson, N., Strader,R., Davidson, C. (2003). Airborne reduced nitrogen: ammonia emissions from agriculture and other sources. Environ. Int. 29, 277-286. Erisman, J.W. et al. (2007). Reduced nitrogen in ecology and the environment. Environ. Pollut. 150, 140149. Erisman, J.W. et al. (2008). How a century of ammonia synthesis changed the world. Nature Geoscience. 1, 636-639. Goulding, K., Jarvis, S., Whitmore, A. (2008). Optimizing nutrient management for farm systems. Philos. Trans. R. Soc. Lond B Biol. Sci. 363, 667-680. Rotz, C.A. (2004). Management to reduce nitrogen losses in animal production. J. Anim Sci. 82 E-Suppl, E119-E137. Shah, S.B., Westerman, P.W., e Arogo, J. (2006). Measuring ammonia concentrations and emissions from agricultural land and liquid surfaces: a review. J. Air Waste Manag. Assoc. 56, 945-960. Smil, V. (2002). Nitrogen and food production: proteins for human diets. Ambio. 31, 126-131.

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COLUNAS :: POR DENTRO DAS CÉLULAS

Vida é informação Colunista explica o código que rege a transferência da informação genética do DNA para as proteínas

O processo de transferência da informação presente nas moléculas de DNA para as proteínas é essencial para nossas células. As proteínas – moléculas envolvidas em todos os processos importantes da biologia da célula – são sintetizadas a partir de tijolos fundamentais conhecidos como aminoácidos. E a ordem em que eles são 'montados' depende da seqüência em que estão dispostas na molécula de DNA as diferentes bases nitrogenadas ou nucleotídeos – representados pelas letras A, C, T e G. Essa transferência de informação é regida pelo código genético, um conjunto de instruções que define a relação entre os aminoácidos adicionados e as seqüências de nucleotídeos. A cada grupo de três nucleotídeos – que chamamos de códon ou triplete – corresponde um aminoácido. Por isso, entender as regras que definem o código genético foi um dos marcos da ciência moderna. A saga da decifração do código genético começou em 1954, quando o físico russo George Gamow (19041968) postulou que ele deveria empregar combinações de três nucleotídeos, pois esses agrupamentos seriam suficientes para codificar todos os vinte tipos de aminoácidos utilizados na síntese protéica. A proposta de Gamow foi demonstrada por um experimento conduzido por dois biólogos – o inglês Francis Crick (1916-2004) e o sul-africano Sydney Benner (1927-). O trabalho da dupla consistiu em realizar mutações pontuais no gene rIIB do vírus bacteriófago T4. Nesse experimento, Crick e Brenner mostraram que a retirada ou inserção de um ou dois nucleotídeos causava mutações não funcionais, mas que a retirada ou introdução de três deles restabelecia a funcionalidade do gene. Posteriormente, em 1961, o geneticista norte-americano Marshall Nirenberg (1927-) e o bioquímico alemão Heinrich Matthaei (1929-) realizaram um experimento em que demonstraram, com o uso de marcação radioativa, a correspondência da maioria dos códons existentes com os aminoácidos conhecidos. Em seguida, o biólogo molecular americano de origem indiana Har Gobind Khorana (1928-) identificou o resto do código. Ainda no inicio da década de 1960, o bioquímico norte-americano Robert Holley (1922-1993) determinou a estrutura do RNA de transferência – as moléculas que transportam os aminoácidos utilizados na síntese protéica. Em 1968, Khorana, Holley e Nirenberg levaram o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por suas descobertas. Evolução do código O código genético ainda é envolto em mistérios, embora tenha sido decifrado há mais de trinta anos, logo após a descrição da estrutura em dupla hélice da molécula de DNA por Crick, pelo norte-americano James Watson (1928-) e pelos britânicos Maurice Wilkins (1916-2004) e Rosalind Franklin (1920-1958). Apesar de conhecermos a relação entre os diferentes códons e os aminoácidos por eles codificados e mesmo como essas instruções variam entre grupos taxonômicos, ainda não sabemos por que um triplete específico assumiu sua forma atual. A resposta mais simples para esse mistério é que a definição desses códons deveu-se a processos acidentais surgidos antes da evolução do RNA e do DNA como moléculas responsáveis pelo armazenamento da informação genética. Essa padronização, uma vez estabelecida, perdurou praticamente sem sofrer alterações até os dias atuais, como se fosse, segundo palavras de Francis Crick,

“um acidente congelado”. Contudo, essa teoria não indica que motivos levaram ao estabelecimento do padrão atual do código genético. A solução para esse dilema talvez esteja nas mutações. Uma vez que elas causam, em sua imensa maioria, efeitos deletérios sobre as proteínas, o código genético deve ter sido selecionado evolutivamente de forma a minimizar o impacto desses erros. Acredita-se que o processo de acumulação de códons para os diversos aminoácidos deu-se gradualmente ao longo do tempo. Nesse caso, o padrão atual do código genético apenas refletiria esse incremento surgido por meio de um processo coevolutivo entre os códons e os aminoácidos por eles transportados. Outra possibilidade sugerida é que o padrão atual do código genético foi influenciado por interações químicas favoráveis entre aminoácidos e seqüências curtas de ácidos nucléicos. Além disso, como as pesquisas de Khorana, Holley e Nirenberg indicaram, o código genético apresenta redundância, mas não ambigüidade. Existem mais de um códon para alguns aminoácidos, mas um mesmo códon não codifica dois aminoácidos diferentes. Dessa forma, substituições em uma das três posições nos códons podem gerar um mesmo aminoácido. Por isso, o código genético é dito degenerado.

Alguns códons permitem que sejam realizadas quatro mudanças em suas terceiras bases (por exemplo, os códons GGA, GGG, GGC e GGU para o aminoácido glicina). Outros permitem três ou apenas duas trocas de nucleotídeos. O padrão dos códons, portanto, poderia ser uma adaptação que reduziria os erros causados por mutações pontuais ou por erros de tradução. Portanto, uma conseqüência dessa redundância é que alguns erros no código genético podem causar apenas mutações silenciosas, sem afetar a estrutura e a função da proteína sintetizada. Como a vasta maioria das proteínas segue o mesmo padrão estabelecido pelo código genético, acreditouse que ele seria universal. Contudo, a partir de 1979, passaram a ser descobertas variantes de alguns códons em diversos genomas mitocondriais (inclusive no homem) e nos núcleos de algumas bactérias (Mycoplasma), fungos (Candida), algas verdes (Acetabularia) e de diversos protozoários ciliados. Essas variações conhecidas parecem ter derivado do código genético padrão, mas os motivos que levaram esses seres a adotar versões alternativas ainda é um mistério. O melhor dos códigos O código genético não representa uma correlação casual entre códons e aminoácidos. Por exemplo, aminoácidos que estão associados com a mesma via biossintética tendem a apresentar a primeira base similar em seus códons e aminoácidos com as mesmas propriedades físicas têm códons similares. Análises de todas as alternativas possíveis para a configuração do código genético indicam que a sua conformação atual está muito próxima de um nível ótimo para a minimização de erros. Portanto, o código genético é talvez o melhor entre todos os possíveis. Isso sugere que o código atual reflete um arranjo adaptativo complexo e intrincado. As observações realizadas até hoje indicam que o estabelecimento do código genético atual não foi um artefato, mas um processo definido pela seleção natural. Há evidências consistentes de que sua estrutura padrão foi fortemente influenciada pela seleção para evitar possíveis erros e que seu surgimento foi altamente significativo durante a definição da aptidão das primeiras formas vivas. O código genético é, portanto, uma das maravilhas da evolução, Com um copo de champanhe na mão, o geneticista norte-americano Marshall Nirenberg comemora a notícia de que recebera o Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1968. O prêmio, dividido com Robert Holley e Har Gobind Khorana,

do código genético e sua função na síntese protéica (foto: NIH).

uma prova viva do incessante trabalho da seleção natural sobre os seres vivos desde antes do surgimento da primeira célula em nosso planeta.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais 12/09/2008 SUGESTÕES PARA LEITURA Caporaso, J.G., Yarus, M., e Knight,R. (2005). Error minimization and coding triplet/binding site associations are independent features of the canonical genetic code. J. Mol. Evol. 61, 597-607. Yarus,M., Caporaso,J.G., e Knight,R. (2005). Origins of the genetic code: the escaped triplet theory. Annu. Rev. Biochem. 74, 179-198. Knight, R.D., Freeland, S.J., e Landweber, L.F. (2001). Rewiring the keyboard: evolvability of the genetic code. Nat. Rev. Genet. 2, 49-58. Knight,R.D. e Landweber, L.F. (2000). The early evolution of the genetic code. Cell 101, 569-572. Freeland, S.J., Knight, R.D., e Landweber, L.F. (2000). Measuring adaptation within the genetic code. Trends Biochem. Sci. 25, 44-45. Knight, R.D. e Landweber,L.F. (1999). Is the genetic code really a frozen accident? New evidence from in vitro selection. Ann. N. Y. Acad. Sci. 870, 408-410. Knight, R.D., Freeland, S.J., e Landweber, L.F. (1999). Selection, history and chemistry: the three faces of the genetic code. Trends Biochem. Sci. 24, 241-247.

A transferência da informação do DNA para a proteína se dá em duas etapas. Na primeira delas, o DNA, que é uma molécula de dupla fita, é transcrito em RNA mensageiro (RNAm), que é uma molécula de fita simples. Em seguida, cada códon – ou grupo de três nucleotídeos – do RNAm é traduzido em um aminoácido. A seqüência de aminoácidos é que forma a proteína. A ilustração acima representa o início da síntese da hemoglobina (arte: Madeleine Price Ball).

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O centro de comando Colunista apresenta estruturas do núcleo das células das quais você provavelmente nunca ouviu falar

Nossos professores comumente afirmam que a composição do núcleo da célula é simples e que ele possui apenas uma matriz aquosa, denominada nucleoplasma, na qual estão imersos os cromossomos e alguns nucléolos, responsáveis pelo armazenamento de moléculas de RNA ribossômico. Contudo, essa definição simplista está longe de descrever toda a dinâmica e complexidade da região nuclear, responsável pelo comando das células. Por que há, então, essa enorme diferença entre o que a ciência sabe sobre o núcleo celular e o que é ensinado em nossas escolas? O núcleo foi a primeira organela a ser descrita. Observações dessa região celular foram feitas em 1682 pelo “pai da microbiologia”, o holandês Antonie van Leeuwenhoek (1632-1723), e posteriormente, em 1802, pelo botânico austríaco Franz Andreas Bauer (1758-1840). Contudo, a descoberta do núcleo celular é freqüentemente atribuída a outro botânico: o escocês Robert Brown (1773-1858), que descreveu essa região celular 29 anos depois (1839), a partir do exame de células de orquídeas. Robert Brown (1773-1858), botânico

Contudo, nenhum dos três arriscou-se a indicar uma função para essa estrutura recém-descrita. O primeiro a sugerir um papel para o núcleo celular foi o alemão Matthias Schleiden (1804-1881), botânico considerado um dos fundadores da teoria celular, que apresenta as células como a unidade funcional básica dos seres vivos. Um ano antes da descrição de Brown, Schleiden propôs que o núcleo seria o local responsável pela geração de novas células.

escocês que descreveu o núcleo celular em 1839, retratado pelo pintor inglês Henry William Pickersgill (17821875).

As afirmações de Schleiden foram duramente criticadas e somente em 1876 as pesquisas do zoólogo alemão Oscar Hertwig (1849-1922) com embriologia de ouriços marinhos, anfíbios e moluscos indicaram que o núcleo celular tinha participação no processo de formação de novas células e, posteriormente, de novos seres vivos. A participação dessa organela nos processos hereditários tornou-se clara apenas algumas décadas depois, no início do século 20. Origem do núcleo Ao longo do último século, diversas teorias têm sido propostas para descrever a origem evolutiva do núcleo celular. Essas especulações incluem a possibilidade de que essa organela tenha se estabelecido nas células como resultado de uma relação endossimbiótica análoga à que estaria por trás da origem dos cloroplastos e mitocôndrias, segundo a teoria proposta por Lynn Margulis (1938), professora da Universidade de Massachusetts Amherst (EUA).

Essa teoria, conhecida como “modelo sintrófico”, afirma que um antigo representante de um grupo de microrganismos conhecidos como Archaea metanogênicas invadiu ou foi fagocitado por bactérias primitivas aparentadas com as atuais mixobactérias. Por algum motivo desconhecido, esse organismo não foi digerido pelas bactérias e, após algum tempo, a convivência passou a apresentar benefícios para ambas as células que, assim, passaram a viver juntas. A similaridade entre algumas proteínas nucleares presentes nas células eucarióticas e nas Archaea, como as histonas, e a semelhança entre algumas proteínas citoplasmáticas dos eucariótas e das mixobactérias (como as quinases e proteínas G, por exemplo) são citadas pelos defensores dessa teoria como provas dessa relação endossimbiótica. Uma segunda teoria propõe que as células eucarióticas evoluíram a partir de formas primitivas aparentadas com as atuais bactérias planctomicetes, um grupo que possui um citoplasma subdividido por membranas e inclusive uma estrutura nuclear. Outra hipótese, mais controversa, afirma que a região nuclear surgiu após a invasão de células primitivas por vírus (provavelmente poxvírus). Esse modelo se baseia na similaridade entre células eucarióticas e vírus em relação as suas moléculas de DNA, as enzimas conhecidas como DNA polimerases e algumas proteínas. Outro modelo alternativo, mais recente, denominado hipótese da exomembrana, sugere que o núcleo surgiu após a produção de uma nova membrana externa em torno do envoltório celular original. Essa nova cobertura seria a atual membrana plasmática e a membrana celular original se tornou a atual membrana nuclear ou carioteca. O núcleo tradicional O núcleo celular é a maior organela das células eucarióticas, ocupando nos mamíferos, em média, cerca de 10% do volume celular. Apesar de seu tamanho avantajado, ele ainda é envolto em mistério. Os livros didáticos afirmam que o núcleo celular é delimitado pela carioteca, um envoltório formado por uma membrana interna e outra externa contínua com o retículo endoplasmático rugoso. A carioteca também possui uma série de poros nucleares aquosos associados com a permeabilidade seletiva entre o núcleo e citoplasma, que impede, por exemplo, que o material genético “escape” para fora do núcleo. Internamente, o núcleo é composto por uma matriz aquosa, denominada nucleoplasma. Ali estão imersas uma rede de proteínas filamentosas do citoesqueleto celular responsáveis por dar sustentação a carioteca e por manter cromossomos e outros componentes nucleares em regiões específicas.

O núcleo celular representado em desenho do botânico alemão Walther Flemming (1843-1905) publicado em 1882, poucos anos depois que se confirmou que essa estrutura estava envolvida na reprodução celular.

O material genético celular está reunido em um grupo de longas moléculas de DNA denominadas cromossomos que, na maior parte do ciclo celular, estão associadas com proteínas (principalmente histonas), formando um arranjo denominado cromatina. Os nucléolos são outro componente evidente do núcleo e estão relacionados com a síntese e edição de moléculas de RNA ribossômico (RNAr). Componentes menos conhecidos Além das estruturas acima citadas, existe uma série de outros componentes nucleares que você provavelmente não conhece e que não estão na maioria dos livros didáticos. Entre eles, estão as estruturas conhecidas como corpos de Cajal, que são possivelmente locais associados com a maquinaria de transcrição celular através do processamento de diversos tipos de RNA.

O núcleo contém ainda os chamados domínios PIKA (sigla em inglês para associações cariossomais polimórficas da interfase). Essas estruturas foram descobertas apenas em 1991 e, apesar de suas funções ainda não serem claras, acredita-se que elas estejam associadas com a produção de fatores relacionados com a transcrição de alguns tipos de RNAs. Outros componentes pouco conhecidos são os corpos PML (“leucemia promielóctica”, na sigla em inglês), dispersos pelo nucleoplasma e relacionados provavelmente com a regulação da transcrição de outras regiões nucleares. Surpreso? Pois a lista ainda não acabou! Os domínios SC35 ou speckles (assim chamados devido ao seu aspecto disperso e amorfo observado nas células de mamiferos) são regiões móveis envolvidas no prcessamento de RNA, na regulação transcricional e na apoptose. Por fim, temos os paraspeckles, descobertos em 2002. Presentes no espaço intercromatínico, essas estruturas dinâmicas se alteram em resposta a mudanças na atividade metabólica celular. Apesar de ainda conhecermos pouco sobre a biologia desses compartimentos nucleares, descobertas recentes indicam que o núcleo celular é muito mais complexo do que se pode pensar após um exame superficial. Embora essa organela não apresente uma distinção morfológica entre as suas regiões, sua especialização territorial fisiológica e sua plasticidade funcional tornam o ambiente nuclear muito dinâmico e capacitam-no para desempenhar um sem-número de tarefas metabólicas necessárias para a preservação da biologia celular. Resta agora esperar para ver isso em nossos livros e em nossas aulas.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais 04/07/2008 SUGESTÕES PARA LEITURA Handwerger, K.E. e Gall,J.G. (2006). Subnuclear organelles: new insights into form and function. Trends Cell Biol. 16, 19-26. Lopez-Garcia, P. e Moreira, D. (2006). Selective forces for the origin of the eukaryotic nucleus. Bioessays 28, 525-533. Martin, W. (2005). Archaebacteria (Archaea) and the origin of the eukaryotic nucleus. Curr. Opin. Microbiol. 8, 630-637. Pederson, T. (2004). The spatial organization of the genome in mammalian cells. Curr. Opin. Genet. Dev. 14, 203-209. Rippe, K. (2007). Dynamic organization of the cell nucleus. Curr. Opin. Genet. Dev. 17, 373-380. Rowat, A.C. et al. (2008). Towards an integrated understanding of the structure and mechanics of the cell nucleus. Bioessays 30, 226-236.

Células humanas cultivadas em laboratório com o núcleo destacado por um corante azul (foto: Wikimedia Commons).

http://cienciahoje.uol.com.br/122998 COLUNAS :: POR DENTRO DAS CÉLULAS

Uma questão de escala Se a história do universo tivesse durado três dias, humanos teriam surgido há apenas dois segundos

Atualmente é impossível se discutir qualquer tema biológico sem que pensemos em seus aspectos evolutivos. Contudo, muitos de nós, acostumados a viver e a pensar em uma escala temporal reduzida, temos dificuldades para compreender processos graduais que se estendem por milhões ou bilhões de anos. Uma das melhores formas para se facilitar o entendimento de acontecimentos como os que levaram ao surgimento da vida em nosso planeta é fazer uma analogia com uma escala temporal mais familiar a todos. Podemos, por exemplo, estipular que nossa história se estenderá por três dias, iniciando-se em uma segunda-feira, com a formação do universo, até alcançar os dias atuais, ao final da quarta-feira. Nessa comparação, cada segundo representa cerca de 53 mil anos, e cada bilhão de anos passará em pouco mais de cinco horas. Vejamos quando acontecem os principais eventos para o surgimento da vida conforme essa escala. Segunda-feira, 00:00 (cerca de 13,7 bilhões de anos atrás) Nosso relógio é acionado após o Big Bang – a grande explosão que deu origem ao universo. Terça-feira, entre 23:30 e 23:45 (4,567 bilhões de anos atrás) Nasce o Sistema Solar após a explosão de uma supernova. Com isso, formaram-se o Sol e, na sua periferia, os planetas. Quarta-feira, 00:45h (4,533 bilhões de anos atrás) A colisão entre a Terra e um planeta primitivo com tamanho e massa similares aos de Marte leva à formação da Lua e provoca modificações no eixo de nosso planeta, causando o início da sua rotação e do processo de tectônica de placas. Quarta-feira, 00:45 (4,4 bilhões de anos atrás) Solidificação da crosta terrestre, que se estende por cerca de 150 mil anos (ou 3 minutos). Quarta-feira, entre 03:00 e 04:00 (4,3 bilhões de anos atrás) Bombardeio constante da superfície terrestre com asteróides e presença de grande número de vulcões ativos. Esses eventos liberam dióxido de carbono e metano, gases formadores da atmosfera secundária do planeta, que também tem vapor d’água, algum nitrogênio e até 40% de hidrogênio. Não há oxigênio. O efeito estufa decorrente aquece o planeta para cerca de 70ºC até 2,7 bilhões de anos atrás. A superfície terrestre é bombardeada com grande quantidade de raios ultravioleta, pois não há camada de ozônio. Quarta-feira, entre 01:50 e 04:00 (4,2-3,8 bilhões de anos atrás) Surgimento dos oceanos, após 750 milhões de anos de chuvas torrenciais. Contudo, alguns estudos indicam que os mares podem ter se formado antes do que se pensava, há cerca de 4,2 bilhões de anos. Quarta-feira, 03:00 (4 bilhões de anos atrás) Surgimento da vida, após uma molécula de natureza desconhecida conseguir fazer cópias de si mesma.

Como blocos de construção, ela pode ter usado moléculas mais simples presentes no meio (como metano ou amônia) e, como fonte de energia, vulcões, raios ultravioleta ou reações químicas inorgânicas. Quarta-feira, 05:30 (3,5 bilhões de anos atrás) Surge Luca, acrônimo em inglês para "último ancestral universal comum" – a "célula" que deu origem a todos os outros tipos celulares conhecidos atualmente. Luca já é envolta por uma membrana lipídica e provavelmente se assemelha a um procariota heterótrofo atual. Acredita-se que ela também possuía a capacidade de estocar as informações para seu funcionamento em uma molécula precursora do DNA atual. Moléculas similares ao RNA e enzimas estavam presentes provavelmente. Quarta-feira, 08:00 (3 bilhões de anos atrás) A fotossíntese torna possível a utilização da energia solar para a produção de compostos orgânicos. O oxigênio, subproduto desse processo, se associa inicialmente a minerais e passa posteriormente a ser liberado na atmosfera. Parte desse gás transforma-se em ozônio na estratosfera, formando um envoltório protetor contra raios ultravioleta, mutagênicos para as formas vivas. O forte poder oxidante do oxigênio liberado elimina grande parte das formas vivas presentes nesse período, selecionando apenas os seres que podiam lidar com essa ameaça. Quarta-feira, 10:17 (2,6 bilhões de anos atrás) Os procariotas colonizam a superfície terrestre e permanecem como as únicas formas vivas nesse ambiente por um longo período de tempo. Quarta-feira, entre 14:00 e 18:00 (2-1 bilhões de anos atrás) Surgem as células eucarióticas a partir de ancestrais de procariotas conhecidos como Neomura. Esses seres também originam um grupo primitivo de bactérias conhecidas como Archaea. Acredita-se que, durante esse período, surge também o processo de endossimbiose entre um ancestral das atuais Rickettsias e um procariota maior que, mais tarde, originou as atuais mitocôndrias. Posteriormente, se estabelece outro processo endossimbiótico envolvendo os ancestrais das cianobactérias e células hospedeiras heterótrofas que acaba gerando os atuais cloroplastos. Quarta-feira, 18:15 (935 milhões de anos atrás) Surgem os primeiros representantes do reino Fungi. As formas de vida ainda eram unicelulares. Em 15 milhões de anos (ou 25 minutos) os fungos colonizam a Terra. Quarta-feira, entre 19:00 e 19:15 (750 milhões de anos atrás) Surgem os primeiros representantes do reino Protista (provavelmente, algas verdes) e, posteriormente, os primeiros animais multicelulares, similares às esponjas atuais. Inicialmente, as células eram totipotentes e não existia divisão de trabalho nesses organismos. Quarta-feira, 21:10 (530 milhões de anos atrás) Aparecem os primeiros vertebrados – os peixes. Quarta-feira, 21:25 (488 milhões de anos atrás) Evento de extinção em massa (entre os períodos Cambriano e Ordoviciano) em que desaparece um grande número de espécies de braquiópodos, trilobitas e conodontes, provavelmente por diminuição dos níveis de oxigênio nos oceanos ou por glaciação.

"Mapa do universo" há 13,7 bilhões de anos elaborado a partir de dados colhidos pela sonda WMAP, que ajudaram a determinar quando as primeiras estrelas se formaram e forneceram novas evidências sobre eventos que teriam

Quarta-feira, entre 21:28 e 21:34 (480-460 milhões de anos atrás) Surgem as primeiras plantas terrestres,

ocorrido no primeiro trilionésimo de segundo de vida do universo (imagem: Nasa / WMAP Science Team).

aparentadas com as atuais briófitas (selaginelas e musgos). Porém, evidências moleculares indicam que esse evento pode ter ocorrido antes disso (700 milhões de anos atrás, ou às 20:20). Quarta-feira, 21:40 (450 milhões de anos atrás) Indícios da presença de artrópodes. As plantas terrestres proporcionam um vasto número de nichos para serem ocupados por esses seres. Algumas evidências, contudo, indicam que os artrópodes apareceram anteriormente (530 milhões de anos atrás, ou às 21:12). Quarta-feira, 22:00 (380-375 milhões de anos atrás) Indícios do aparecimento dos primeiros tetrápodes, evoluídos a partir de peixes. O desenvolvimento dos membros permitirá que esses seres ocupem os mais diversos ambientes no planeta. Surgem os anfíbios, os primeiros tetrápodes que podem passar grande parte de sua existência fora da água, dependendo desta apenas para a reprodução. Quarta-feira, 22:06 (360 milhões de anos atrás) Aparecem as primeiras plantas com sementes (fanerógamas), adaptação que permite aos vegetais se libertarem do meio líquido para se reproduzir. Quarta-feira, 22:12 (340 milhões de anos atrás) Evolução do ovo amniótico, que permite que seus portadores não dependam mais da água para a reprodução. Surgem, com isso, os amniotas (répteis, aves e mamíferos). Quarta-feira, 22:25 (300 milhões de anos atrás) Formação do supercontinente Pangea. Quarta-feira, 22:40 (250 milhões de anos atrás) Principal evento de extinção em massa entre os períodos Permiano e Triássico dizima cerca de 95% das espécies vivas. Hipóteses defendem que esse processo se deveu à erupções de vulcões siberianos ou pela queda de um meteoro na Antártica. Quarta-feira, 22:47 (230 milhões de anos atrás) Começa domínio dos dinossauros na Terra. A extinção de grande parte desses animais (65 milhões de anos atrás, às 23:30) deveu-se, provavelmente, às conseqüências do impacto de um meteoro de 10 km de extensão na península de Yucatán, no México. Quarta-feira, 23:03 (180 milhões de anos atrás) O supercontinente Pangea se divide em dois – Laurásia e Gondwana. Quarta-feira, 23:18 (132 milhões de anos atrás) Surgem as angiospermas, as primeiras plantas com flores. Quarta-feira, 23:40 (63 milhões de anos atrás) Vive o último ancestral comum a todos os primatas atuais. Quarta-feira, 23:58 (6 milhões de anos atrás)

Seqüência dos vertebrados envolvidos na conquista da terra, da esquerda para a direita: Eusthenopteron, Panderichthys, Tiktaalik, Acanthostega e Ichthyostega. Clique na imagem para ler mais sobre esse capítulo da evolução da vida no planeta (arte: Maurílio Oliveira).

O ancestral comum de homens e grande símios vive nas planícies africanas. Quarta-feira, 23:59:22 (2 milhões de anos atrás) Surgem os primeiros hominídeos (gênero Homo) nas planícies africanas. A capacidade de controlar o fogo emerge em um antepassado do homem moderno conhecido como Homo erectus ou Homo ergaster entre 1,5 milhões e 790 mil anos atrás (23:59:40-45). Os primeiros homens modernos (Homo sapiens) surgem na África 160 mil anos atrás, ou há cerca de dois segundos (23:59:58). A agricultura se inicia provavelmente na Mesopotâmia, entre 0,2 e 0,17 segundo atrás (entre os anos 8.500 e 7.000 a.C.). O primeiro núcleo civilizatório humano descoberto na Suméria se forma entre os anos 4.000 e 3.000 a.C. (cerca de 0,1 segundo atrás). A Renascença tem início na Itália há 0,012 segundo e, 0,00096 segundo atrás, começa a Revolução Industrial na Inglaterra. As duas grandes Guerras Mundiais ocorrem, respectivamente, entre 0,0017 e 0,0012 segundo atrás apenas. Portanto, pense em todas as coisas que hoje fazem parte de nossa vida – automóveis, Milho arqueológico cultivado no Brasil entre 560 e 960 anos televisão, celulares e computadores, assim atrás. A agricultura surgiu há cerca de 10 mil anos. como a pobreza, a destruição de florestas, as extinções e a poluição que colocam em risco a vida do planeta – e você verá que tudo isso ocorreu em uma escala temporal difícil de ser compreendida, de tão pequena. Contudo, talvez essa comparação seja útil para que compreendamos a grandiosidade e a fragilidade do único lugar no universo onde comprovadamente existe vida.

Jerry Carvalho Borges Universidade do Estado de Minas Gerais 01/08/2008

O impacto de um meteoro no México foi a provável causa da extinção da maior parte dos dinossauros que reinaram sobre o planeta durante milhões de anos (arte: Nasa).

SUGESTÕES PARA LEITURA Corsaro, D. et al. (1999). Intracellular life. Crit Rev. Microbiol. 25, 39-79. Eriksson,K.E. and Robert,K.H. (1991). From the Big Bang to sustainable societies. Acta Oncol. 30, 5-14. Gould, S.B., Waller, R.F., e McFadden, G.I. (2008). Plastid evolution. Annu. Rev. Plant Biol. 59, 491-517. Poole, A.M. e Penny, D. (2007). Evaluating hypotheses for the origin of eukaryotes. Bioessays 29, 74-84. Reyes-Prieto, A., Weber, A.P., e Bhattacharya, D. (2007). The origin and establishment of the plastid in algae and plants. Annu. Rev. Genet. 41, 147-168. Samuilov, V.D. (2005). Energy problems in life evolution. Biochemistry (Mosc.) 70, 246-250.

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