Marcelo Ana Lídia voltava da casa do namorado, um sorriso largo enfeitando o rosto bronzeado. Era uma garota linda, alta, magra, pernas bem torneadas e seios fartos, olhos verdes e longos cachos dourados descendo às costas. O tipo de garota que fazia alvoroço na peãozada da construção. Mas seu coração já tinha dono, Marcelo. Os dois se conheceram no primeiro dia de faculdade e desde então não se separaram mais. Hoje completavam dois anos e sete meses de namoro, Marcelo lhe jurara amor eterno e a felicidade estampava o rosto da jovem. Desceu a Rua da Consolação, entrou na casa de número 1502, fechou a porta sem fazer barulho, era tarde, não queria acordar os pais. Subiu as escadas a passos finos em direção ao seu quarto. Na passagem, viu a porta do quarto dos pais entreaberta, o casal dormia abraçado. Ana Lídia entrou e puxou o edredom para agasalhar melhor os pombinhos, o amor entre eles era lindo. O verdadeiro sentimento jamais abandonou os corações de Maria Elvira e Raimundo, mesmo depois de trinta e cinco anos de casamento. Ana Lídia dormiu tranqüila, sonhou com Marcelo, os dois de cabelos brancos e abraçados como seus pais. PEM! PEM! PEM! PEM! A loira apertou o botão “Desliga” do despertador ainda de olhos fechados. A noite havia passado tão rápido, lamentou, queria ter vivido um pouco mais daquele sonho bom. Os primeiros raios de sol entravam pelas frestas da janela dando um tom amarelo dourado às paredes brancas. Ana não queria levantar mas sabia que era necessário, do contrário, jamais conseguiria comprar um bom pedaço de filé na feirinha. Faria um almoço especial hoje, era o aniversário de casamento de seus genitores. Sentiu cheiro de café, era o melhor café do mundo o de sua mãe, era o incentivo que precisava para levantar da cama. Depois de um banho rápido, desceu para tomar o café da manhã com seus pais. - Bom dia Dona Elvira. – Disse Ana Lídia, dando um beijo estalado na bochecha da mãe. - Bom dia minha filha. - Bom dia Seu Raimundo. – Disse a jovem, repetindo o gesto. - Oh, minha filha, bom dia. - Vou tomar um golinho desse cafezinho cheiroso e vou sair, quero chegar cedo na feirinha. - Cê sabe que num precisa, né Aninha? - Eu sei, mãe. Mas eu quero, é o mínimo que posso fazer. - Faz sim, filha, adoro aquele seu filé recheado! – Disse seu Raimundo mordendo o lábio inferior. - É, eu sei, pai. Pode deixar que eu vou caprichar! - E o Marcelo, filha, vai com você? - Não, não, nem avisei pra ele que ia sair cedo, não queria que ele se incomodasse, ele vai trabalhar o dia todo hoje. - Hum. - Bom, já vou indo então. Bença mãe. - Deus te abençoe, filha. – Respondeu Maria Elvira enxugando as mãos no avental preso à cintura e beijando a mão da filha. - Bença pai. - Deus te faça feliz. – Abençoou também, seu Raimundo. Ana Lídia pegou o ônibus e foi para a feirinha. Caminhava entre as barraquinhas de lona quando o avistou. Era Marcelo, ele andava uns vinte
metros à sua frente. A garota tentou alcançar o namorado mas a feira estava cheia de gente, um verdadeiro furdunço! Continuou seguindo-o, chegou a chamá-lo mas devido à gritaria dos feirantes, o moreno não a escutou. Marcelo era alto e se destacava na multidão, facilitando a visão de Ana. O jovem seguiu por mais alguns metros até entrar em uma ruela no finzinho da feira. Ana Lídia o acompanhou. Mais ou menos no meio do quarteirão, Marcelo parou em frente a uma casa, tocou a campainha. Ana livrava-se do ultimo grupo de pessoas alvoroçadas na feirinha, sorriu ao ver o namorado parado, finalmente o alcançaria. Ana Lídia já começava a subir a ruela quando a porta da casa se abriu. De dentro saiu uma garota, baixinha, cabelos negros e lisos, pele bronzeada e seios pequenos, lembrava muito uma índia. Marcelo não viu quando Ana Lídia balançou as mãos no ar acenando, abraçou a garota índia erguendo-a em seus braços fortes, em seguida, beijou os lábios grossos da menina que estava com as pernas atracadas à sua cintura. Ana Lídia estacou. O que estava acontecendo? Aquele era seu namorado e ele estava aos beijos com aquela pequena. A loira sentiu o peito esquentar, o ódio crescia ali dentro. Quem ele pensava que era para enganá-la daquele jeito? Lembrou-se das palavras da noite anterior, “vou te amar para sempre”, amar... que tipo de amor era aquele? Ana não conhecia. O ódio cresceu ainda mais. Veio o desespero, não podia ficar ali, vendo aquilo, sem fazer nada. Viu os dois entrando na casa, a garota na frente, Marcelo atrás, cheirando seus cabelos. O coração batia acelerado, as lágrimas começavam a rolar pelo rosto. Voltou para a feira, procurava por alguma coisa, mas o quê? Avistou a barraca onde compraria o filé, em cima da bancada, aquilo que procurava. Não iria embora, não antes de aliviar aquela dor no peito. A dor do ódio, a dor da traição. Subiu cambaleante a ruela no finzinho da feira. Os olhos embaçados pelas lágrimas. Estava decepcionada, transtornada, desesperada! Tocou a campainha. - Atende aí pra mim, amor. – Gritou uma voz feminina de dentro da casa. Marcelo abriu a porta. Estava sem camisa, o peito nu e suado. No pescoço, o cordão de aço dado de presente por Ana no último aniversário do casal. Marcelo arregalou os olhos castanhos ao ver Ana Lídia parada à porta. No interior da casa, Juliana, a garota índia, preparava o almoço. Comemoraria um ano de namoro com Marcelo. Nossa, como amava aquele homem! Noite passada ele havia mandado uma mensagem para seu celular, “ vou te amar para sempre”, Juliana também o amaria. - Mô? Quem é? – gritou Juliana da cozinha. – Se for vendedor diz que eu não quero nada hoje. Mô? Sem resposta. Juliana largou o frango fervendo na panela e foi ver o porquê da demora do namorado. Atravessou o corredor que levava à sala de estar ainda chamando pelo namorado. A índia parou em frente à porta, hipnotizada. Marcelo estava ali, no chão, uma poça de um líquido escarlate formando-se ao redor do corpo do rapaz. No peito, vários rasgos profundos transbordando sangue e uma faca de cozinha enterrada no abdômen. Estava morto.