Teoria Pura Do Direito.docx

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VI Direito e estado 1 Forma do direito e forma do estado

Segundo Kelsen (1999) há a teoria da construção escalonada da ordem jurídica apreende o direito no seu movimento, diz que está sempre se renovando, ou seja, é uma teoria dinâmica do Direito. E a teoria estática do Direito que procura conceber este apenas como ordem já criada. Kelsen, então, passa a demonstrar o dualismo tradicional entre Estado e Direito, bem como a sua função ideológica. Nesse sentido, Kelsen explica: “( ) O Estado deve ser representado como uma pessoa diferente do Direito para que o Direito possa justificar o Estado – que cria este Direito e se lhe submete. E o Direito só pode justificar o Estado quando é pressuposto como uma ordem essencialmente diferente do Estado, oposta à sua originária natureza, o poder, e, por isso mesmo, reta ou justa em qualquer sentido. Assim o Estado é transformado, de um simples fato de poder, em Estado de Direito que se justifica pelo fato de fazer direito( )”.

3 O caráter ideológico do dualismo de Direito público e do Direito privado Se concebermos a distinção de dois métodos de criação do Direito, se reconhecermos nos chamados atos públicos do Estado àqueles mesmos atos jurídicos que nos aparecem nos negócios jurídicos privados, sobretudo se nos dermos conta de que os atos que formam o fato produtor do Direito apenas são, em ambos os casos, o prolongamento do processo da chamada formação da vontade estadual, e de que, precisamente como no comando da autoridade, também no negócio jurídico privado apenas se realiza a individualização de uma norma geral - acolá, de uma lei administrativa, aqui, do código civil -’ então não se nos afigurará de forma alguma paradoxal que a Teoria Pura do Direito, do seu ponto de vista, universalista - sempre dirigido ao todo da ordem jurídica como sendo a chamada vontade do Estado - veja também no negócio jurídico privado, tal como no comando da autoridade, um ato do Estado, quer dizer, um fato de produção jurídica atribuível à unidade da ordem, jurídica. Por esta

forma, a Teoria Pura do Direito relativiza a oposição, tornada absoluta pela ciência jurídica tradicional, entre Direito privado e público, transforma-a de uma oposição extra-sistemática, quer dizer, de uma distinção entre Direito e não Direito, entre Direito e Estado, numa distinção intra-sistemática; e precisamente porque, desse modo, também decompõe e destrói a ideologia que está ligada à absolutização da oposição em causa, comprova o seu caráter de ciência. Representando-nos, na verdade, a oposição entre Direito público e privado como a oposição absoluta entre poder e Direito ou, pelo menos, entre poder do Estado e Direito, cria-se a idéia de que no domínio do Direito público, especialmente no do Direito constitucional e administrativo - que têm especial importância política -’ o princípio da legalidade não vale com o mesmo sentido e com a mesma intensidade que no domínio do Direito privado, que se considera, por assim dizer, o domínio propriamente jurídico. 5. A função ideológica do dualismo de Estado e Direito

A doutrina tradicional do Estado e do Direito não pode renunciar a esta teoria, não pode passar sem o dualismo de Estado e Direito que nela se manifesta. Na verdade, este desempenha uma função ideológica de importância extraordinária que não pode ser superestimada. O Estado deve ser representado como uma pessoa diferente do Direito para que o Direito possa justificar o Estado - que cria este Direito e se lhe submete. E o Direito só pode justificar o Estado quando é pressuposto como uma ordem essencialmente diferente do Estado, oposta à sua originaria natureza, o poder, e, por isso mesmo, reta ou justa em qualquer sentido. Assim o Estado é transformado, de um simples fato de poder, em Estado de Direito que se justifica pelo fato de fazer o Direito. Do mesmo passo que uma legitimação metafísico-religiosa do Estado se torna ineficaz, impõe-se a necessidade de esta teoria do Estado de Direito se transformar na única possível justificação do Estado. Esta “teoria” torna o Estado objeto do conhecimento jurídico, a saber, da teoria do Estado, na medida em que o afirma como pessoa jurídica, e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, acentua com todo vigor que o Estado, porque e enquanto poder e, portanto, algo de essencialmente diverso do Direito, não pode ser concebido juridicamente. Esta contradição, porém, não lhe faz a menor

mossa. Aliás as contradições em que necessariamente as teorias ideológicas se enredam não significam para elas qualquer obstáculo sério. Com efeito, as ideologias não visam propriamente o aprofundamento do conhecimento, mas a determinação da vontade. Aqui não se trata tanto de apreender a essência do Estado como antes de fortalecer a sua autoridade.

6. A identidade do Estado e do Direito

Um conhecimento do Estado isenta de elementos ideológicos, e, portanto, liberto de toda metafísica e de toda mística, não pode apreender a sua essência de outro modo que não seja concebendo esta figura social - tal como já se tem feito nas indagações precedentes-como uma ordem de conduta humana. É usual caracterizar-se o Estado como uma organização política. Com isto, porém, apenas se exprime que o Estado é uma ordem de coação. Com efeito, o elemento “político” específico desta organização consiste na coação exercida de indivíduo a indivíduo e regulada por essa ordem, nos atos de coação que essa ordem estatui. São-no precisamente aqueles atos de coação que a ordem jurídica liga aos pressupostos por ela definidos. Como organização política, o Estado é uma ordem jurídica. Mas nem toda ordem jurídica é um Estado. Nem a ordem jurídica pré-estadual da sociedade primitiva, nem a ordem jurídica internacional supra-estadual (ou interestadual) representam um Estado. Para ser um Estado, a ordem jurídica necessita de ter o caráter de uma organização no sentido estrito da palavra, quer dizer, tem de instituir, órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho para criação e aplicação das normas que a formam; tem de apresentar um certo grau de centralização. O Estado é uma ordem jurídica relativamente centralizada. A ordem jurídica da sociedade primitiva, bem como a ordem jurídica internacional geral, são ordens coercivas completamente descentralizadas e, precisamente por isso, não são Estados. O poder do Estado somente se pode manifestar nos meios de poder específicos que se encontram à disposição do governo: nas fortalezas e nas prisões, nos canhões e nas forças, nos indivíduos uniformizados como polícias

e soldados. Mas estas fortalezas e prisões, estes canhões e forças são objetos inanimados; eles apenas se tornam instrumentos do poder estadual na medida em que sejam utilizados pelos indivíduos de acordo com as ordens que lhes são dadas pelo governo, na medida em que os polícias e soldados observem as normas que regulam a sua conduta. O poder do Estado não é uma força ou instância mística que esteja escondida detrás do Estado ou do seu Direito. Ele não é senão a eficácia da ordem jurídica. Desta forma, o Estado, cujos elementos essenciais são a população, o território e o poder, definem-se como uma ordem jurídica relativamente centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de vigência, soberana ou imediata relativamente ao Direito internacional que é, globalmente ou de um modo geral, eficaz. Se se pressupõe um tal conceito, e especialmente o conceito aqui aceito, segundo o qual existe um dever jurídico de observar uma determinada conduta quando a ordem jurídica legal conduta oposta um ato coercivo a título de sanção, então não existe normalmente qualquer dever jurídico atribuível ao Estado, mas apenas um dever éticopolítico.Não é o Estado que se subordina ao Direito por ele criado, mas é o Direito que, regulando a conduta dos indivíduos e, especialmente, a sua conduta dirigida à criação do Direito, submete a si esses indivíduos.Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, esta expressão representa um pleonasmo. Porém, ela é efetivamente utilizada para designar um tipo especial de Estado, a saber, aquele que satisfaz aos requisitos da democracia e da segurança jurídica. “Estado de Direito” neste sentido específico é uma ordem jurídica relativamente centralizada segundo a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis - isto é, às normas gerais que são estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, com ou sem a intervenção de um chefe de Estado que se encontra à testado governo os membros do governo são responsáveis pelos seus atos, os

tribunais

são

independentes

e

certas

liberdades

dos

cidadãos,

particularmente a liberdade de crença e de consciência e a liberdade da expressão do pensamento, são garantidas.

CAPÍTULO

7



O

ESTADO

E

O

DIREITO

INTERNACIONAL

1. A essência do Direito internacional

a)

A

natureza

jurídica

do

Direito

internacional

Aqui importa, antes de mais responder à questão de saber se o complexo de normas que tem a designação de Direito internacional é - tal como se pressupõe nas páginas precedentes sem qualquer exame - Direito no mesmo sentido que o Direito estadual e, por conseqüência, pode ser objeto de uma ciência jurídica. Segundo a determinação do conceito de Direito que aqui propusemos, o chamado Direito internacional é Direito se é uma ordem coercitiva da conduta humana, pressuposta como soberana; se liga aos fatos por ele definidos como pressupostos atos de coerção por ele determinados como conseqüências e, portanto,

pode

ser

descrito

em

proposições

jurídicas,

da mesma forma que o Direito estadual. Mais tarde se mostrará que o Direito internacional, na medida em que regula a conduta de Estados, também norma uma conduta humana. O que aqui está em questão é saber se ele regula tal conduta por forma a reagir contra uma determinada conduta, que considera como ilícita, com uma sanção, como conseqüência do ilícito. A questão decisiva é, portanto, o Direito internacional estatui atos coercivos como sanções?

CAPÍTULO 8 A INTERPRETAÇÃO

Desta forma há duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas claramente uma da outra: a interpretação do Direito pelo órgão que

o aplica, e a interpretação do Direito que não é realizada por um órgão jurídico, mas por uma pessoa privada e, especialmente, pela ciência jurídica. Aqui começaremos por tomar em consideração apenas a interpretação realizada pelo órgão aplicador do Direito. O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível. Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a

fixação

da

moldura

que

representa

o

Direito

a

interpretar

e,

conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que, na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar, têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito, no ato do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei representa, não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral. A jurisprudência tradicional crê, no entanto, ser lícito esperar da interpretação não só a determinação da moldura para o ato jurídico a pôr, mas ainda o preenchimento de outra e mais ampla função - e tem tendência para ver precisamente nesta outra função a sua principal tarefa. A interpretação deveria

desenvolver

um

método

que

tornasse

possível

preencher

ajustadamente a moldura prefixada. A teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer, em todas as hipóteses, apenas uma única solução correta (ajustada), e que a “justeza” (correção) jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei. Configura o processo desta interpretação como se tratasse tão somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como se o órgão aplicador do

Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento (razão), mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam uma escolha que correspondesse ao Direito positivo, uma escolha correta (justa) no sentido do Direito positivo. Só que, de um ponto de vista orientado para o Direito positivo, não há qualquer critério com base no qual uma das possibilidades inscritas na moldura do Direito a aplicar possa ser preferida à outra. Não há absolutamente qualquer método – capaz de ser classificado como de Direito positivo - segundo o qual, das várias significações verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como correta, desde que, naturalmente, se trate de várias significações possíveis: possíveis no confronto de todas as outras normas da lei ou da ordem jurídica. A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a “correta”, não é sequer segundo o próprio pressuposto de que se parte uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. Justamente por isso, a obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida em que nesse processo seja preenchida a moldura

da

norma

geral,

uma

função

voluntária.

Na medida em que, na aplicação da lei, para além da necessária fixação da moldura dentro da qual se tem de manter o ato a pôr, possa ter ainda lugar uma atividade cognoscitiva do órgão aplicador do Direito, não se tratará de um conhecimento do Direito positivo, mas de outras normas que, aqui, no processo da

criação

jurídica,

podem

ter

a

sua

incidência:

normas de Moral, normas de Justiça, juízos de valor sociais que costumamos designar por expressões correntes como bem comuns, interesse do Estado, progresso, etc.do ponto de vista do Direito positivo, nada se pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade. Deste ponto de vista, todas as determinações desta espécie apenas podem ser caracterizadas determinações

que

não

resultam

do

próprio

negativamente: são Direito

positivo.

Relativamente a este, a produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicada é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato. Só assim não seria se o próprio Direito positivo delegasse em certas normas metajurídicas como a Moral, a Justiça, etc. Mas, neste caso, estas se transformariam em normas de Direito positivo. A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa. De resto, uma interpretação estritamente científica de uma lei estadual ou de um tratado de Direito internacional que, baseada na análise crítica, revele todas as significações possíveis, mesmo aquelas que são politicamente indesejáveis e que, porventura, não foram de forma alguma pretendidas pelo legislador ou pelas partes que celebraram o tratado, mas que estão compreendidas na fórmula verbal por eles escolhida, pode ter um efeito prático que supere de longe a vantagem política da ficção do sentido único: E que tal interpretação científica pode mostrar à autoridade legisladora quão longe está a sua obra de satisfazer à exigência técnico-jurídica de uma formulação de normas jurídicas o mais possível inequívocas ou, pelo menos, de uma formulação feita por maneira tal que a inevitável pluralidade de significações seja reduzida a um mínimo e, assim, se obtenha o maior grau possível de segurança jurídica.

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