Sv-2

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ROTEIRO PARA DESCOBERTA

UMA

VISITA

E

DO CONCELHO DE S.VICENTE

O NORTE. ONTEM E HOJE.

O concelho de S. Vicente engloba no seu perímetro as freguesias de S. Vicente, Ponta Delgada e Boaventura. Esta situação é resultado das mudanças operadas no século XIX na estrutura municipal da ilha. Em 1744, com a criação da nova vila e sede do concelho em S. Vicente os lugares do Porto Moniz, Seixal, Ponta Delgada, Arco e S. Jorge estiveram sob a sua alçada. A reestruturação levada a cabo em 1835 conduziu ao aparecimento de dois novos municípios no norte da ilha (Santana e Porto Moniz), por isso, S. Vicente ficou reduzido à actual área. Mas isto durou pouco. Com os decretos de 10 de Dezembro de 1867 e 18 Novembro de 1895 o concelho regressou à extensão inicial. Depois, a partir de 1898, com o reestabelecimento dos municípios extintos, ele retornou à actual área. As dificuldades de acesso por mar e terra a esta vertente norte, os parcos recursos para a afirmação plena da economia açucareira e viti-vinícola, definiram o seu secular abandono. Esta região quase que nunca passou de uma coutada dos senhores de Machico, donde retiravam o gado, as necessárias madeiras e lenha que nos séculos XV a XVII alimentaram os engenhos do sul.

A DESCOBERTA DO NORTE.

Não se sabe ao certo quando começou o povoamento da encosta norte da ilha. As dificuldades de penetração, por via marítima e terrestre, terão sido factor de ponderação para os possíveis interessados e actuaram, de certeza, como entrave à sua humanização. É provável que, desde meados do século XV, tenham afluído a esta encosta norte alguns povoadores que traçaram os novos povoados nas clareiras abertas. S. Vicente foi, sem dúvida, o primeiro logo seguido de Ponta Delgada. Boaventura deverá ser lugar de assentamento muito mais recente e nunca assumiu a importância das anteriores.

Não obstante surgirem referências à fixação de colonos nesta área a partir da segunda metade do século XV, sómente na centúria seguinte os primeiros núcleos populacionais adquiriram alguma importância, como se poderá verificar com o aparecimento das primeiras freguesias - S. Jorge (1517), P. Delgada (1552), Seixal (1552) -. A de São Vicente é mais antiga, pois a tradição apresenta o ano de 1440 como o da sua fundação. S. Vicente foi, desde o século XV, o principal e mais importante núcleo de povoamento do norte da Madeira, que acompanhou o lento progresso desta vertente norte. Sómente em 1745 com o exercício pleno do município de S. Vicente, o norte tem direito ao registo documental das suas preocupações e realidade quotidiana, quando trazidas à tribuna do senado da camara. Apenas, a incúria de alguns e a fúria dos revoltosos em 1868 fizeram com que o inicial registo da nossa memória colectiva se apagasse. As gentes do concelho reuniram-se na vila e em forma de protesto pelos novos impostos queimaram toda a documentação do arquivo municipal. A criação de uma vila na vertente norte era uma necessidade cada vez mais premente em face do desenvolvimento económico e social que vinha adquirindo com o surto da economia viti-vinicola. A sua dependência em termos administrativos da sede da capitania em Machico prejudicava em muito os direitos destas gentes que tinham necessidade de aí se deslocarem para resolver as mais diversas questões. O acesso por terra ou por mar era difícil quando não impossível, ficando assim as populações desta área à mercê dos caprichos dos senhores de Machico. Deste modo a reivindicação do estatuto de vila para o lugar de S. Vicente ia ao encontro das cada vez mais incessantes solicitações das gentes da encosta norte e do seu incontrolável progresso social e económico. Não se sabe ao certo onde começou a primeira edificação da Vila, resultante da determinação do alvará de 1744. É muito provável que tenha sido traçada na margem esquerda da Ribeira onde desde o século XV se assentara a nova igreja. Todavia, o local não oferecia grande segurança pela braveza da ribeira na época invernal, no que se pensou por diversas vezes na possibilidade de mudança para outro local. Já em 1684 o vigário referia essa situação de temor, que terá afugentado os moradores que passaram a residir na Vargem. A propósito, refere-se que as cheias de 1682 haviam posto em perigo a igreja.

Hoje, o concelho de S. Vicente apresenta-se dividido em 3 freguesias que correspondem a 7 paróquias. As novas paróquias que se seguiram são o testemunho do progresso do concelho. Primeiro foi a Fajã do Penedo (em 1919) e, depois, as do Rosário, Feiteiras e Lameiros na década de sessenta da presente centúria.

AS

GENTES

DO

NORTE.

Vários foram os troncos genealógicos que aqui deitaram raízes. Gerações de lavradores, morgados, artesãos, militares, antigos povoadores deram ao concelho trabalho, honradez e nobreza de que hoje os seus descendentes se orgulham. Em Nobiliários da ilha ficaram tombados os pergaminhos heráldico-genealógicos de muitos e importantes apelidos: Sanhas, Carvalhal, Esmeraldo, Quintais, Andrade-Barbeito, Banhos, Brazões, Pestana - Garcês, Brancos.

Ponta Delgada ficou conhecida como a "Corte do Norte". Isto deve-se ao facto de aí ter-se fixado um grupo significativo de famílias importantes, com muitos interesses fundiários. O importante núcleo de casas solarengas é o testemunho mais evidente disto. O mesmo se poderá dizer sobre a freguesia de S. Vicente onde surge também um núcleo relevante dessas casas. De entre todos os troncos familiares do norte destaca-se a família Carvalhal da Ponta Delgada. António Carvalhal, moço fidalgo, é referenciado por Gaspar Frutuoso como “homem tão cavaleiro como esforçado por sua pessoa, nobre e magnífico por sua condição e grande virtude”. A sua valentia ficou demonstrada por diversas vezes nos embates contra os corsários franceses, nomeadamente em 1566, com o assalto ao Funchal, ao reunir na encosta norte quinhentos homens para o embate. O mesmo, aquando da ocupação filipina, recrutou no norte 300 homens e colocou-os ao serviço do rei Católico entre Maio e Setembro de 1582. Um descendente, António Carvalhal Esmeraldo, conhecido como Aonio, foi um dos mais importantes poetas do século XVIII, deixando inéditos os seus poemas.

GALERIA DE ILUSTRADOS.As

gentes do Norte não se ficaram pela labuta dentro do concelho, pois foram também obreiras fora de portas, destacando-se na ilha ou fora dela, como cientistas, médicos,

advogados, políticos, militares, jornalistas, escritores, actores e cineastas. São inúmeros os nortenhos que até hoje se têm evidenciado nos diversos campos, mas de entre estes relevam-se alguns pela projecção da sua obra no plano regional, nacional e, por vezes, internacional. No campo das letras temos: - José Júlio de Paulo e Vasconcelos, de Boaventura (17761855), que escreveu um nobiliário madeirense. A par da sabedoria e pertinácia de muitos destes nossos antepassados é de assinalar o engenho, arte e ciência de alguns:

PATRIMÓNIO CULTURAL.

Uma viagem pelo concelho de São Vicente revela-nos que o seu Património Cultural, deixado por todos quantos ajudaram a engrandecer as três freguesias que o compõem, é, na sua diversidade, rico abrangendo testemunhos de carácter arquitectónico, etnográfico e artístico, com particular realce para o natural, de reconhecida beleza, e o científico que tem cativado a atenção de investigadores nacionais e estrangeiros. Modestas capelas, de alvas frontarias enobrecidas com portal de cantaria talhada, encimado por cruzeiro, iam surgindo amiúde nas fazendas e quintas. Muitas delas com o tempo, aumentadas, passaram a sede de paróquia, lugares de devoção, com dia instituído para celebrar o padroeiro, a que se juntou arraial de grande adesão popular em toda a ilha. Capela de São Cristóvão, Boaventura, demolida em 1748, e cuja fundação se atribui a Pedro Gomes de Galdo ou a um seu descendente, possuidor de muitas terras de sesmaria em Boaventura e S. Jorge; Capela de Santana, Fajã do Penedo, Boaventura, edificada em 1768, por Francisco de Caires.

Capela do Coração Imaculado de Maria, na Fajã do Penedo, Boaventura, benzida em 23 de Agosto de 1919, e mandada fazer, pela devoção de D. Maria Margarida dos Anjos Ribeiro. Na Igreja de Santa Quitéria, Boaventura, saliente-se o pórtico principal em rica cantaria lavrada, do século XVIII. O tecto foi pintado em 1929, por José Zeferino Nunes (Cirilho), o mesmo artesão que decorou os tectos das matrizes da Camacha, Porto da Cruz e Santa Cruz. Nossa Senhora dos Bons Caminhos, pedra inaugurada em 31 de Outubro de 1965 na Boaventura. De entre as mais interessantes casas grandes da costa norte registe-se, em Boaventura, o solar dos Banhos, dos finais do séc. XVIII, recuperado para pousada, em 1992, pelo Senhor Silvano Jesus Teixeira, e o Solar da Silveira. Este último construído em aprazível vale, rodeado de luxuriante vegetação e campos de cultivo, encerra longa e penosa existência a par de interessantes episódios guardados na memória popular. Casa opulenta, segundo alguns nunca concluída, com várias dependências e grande lagar no rés-do-chão, tem a data de 1783 gravada na porta de entrada e em cujas paredes se vislumbram belos desenhos esgrafitados. A uns oito palmos do chão, chumbadas na parede, estavam as argolas em ferro para prender os cavalos das visitas à casa ou de passagem para refresco. Foi dos morgados Lício de Lagos, que ali possuíam terras vinculadas. A tradição refere que Antero de Quental visitou sua tia no Solar da Silveira.

A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e fazia-se através dos caminhos que ligavam o local ao sul da ilha, por via de Boaventura ou de S.Vicente. Deste modo na última semana de Agosto era desusado o número de peregrinos que calcorreavam a pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas de ligação entre S.Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o movimento tranferiu-se para a estrada. Na freguesia de São Vicente a principal romaria foi e continua a ser a de Nossa Senhora do Rosário. O culto é antigo mas não se sabe desde quando se tornou no centro das atenções dos romeiros de toda a ilha. Desde 1643 temos conhecimento de alguns legados de missas a Nossa Senhora do Rosário com a presença de romeiros. A festividade ganhou fama em toda a Madeira e o culto à

Nossa Senhora do Rosário fazia atrair ao lugar, no primeiro domingo de Outubro, muitos romeiros. Os testemunhos disso estão nos diversos legados de missa com a obrigação da presença de romeiros. A visita pascal é uma tradição que teima em manter-se no concelho, sendo um forte elo de união das famílias nortenhas, no período que decorre após o domingo de Páscoa.

OS

RECURSOS

SILVÍCOLAS

E

AGRÍCOLAS.

A orografia desta vertente norte e em especial da área circunscrita ao concelho de S. Vicente não configura grandes possibilidades agrícolas. A preparação do solo para o cultivo é uma tarefa árdua. Por isso, no início da ocupação da ilha esta área ficou abandonada a si própria e só ganhou importância no segundo momento pela necessidade das madeiras e pressão do movimento demográfico. Neste contexto, foi a riqueza das suas madeiras e a sua crescente necessidade na construção civil, naval e industria açucareira que perpetuaram a importância deste núcleo.

A transformação dos troncos em taboado era feita pelas serras de água. Este era um engenho mecânico movido a água, com vantagens sobre o sistema manual no sentido de que era muito mais rápido e necessitava apenas de um só homem. As serras de água surgiram junto dos cursos de água e das áreas onde existia madeiras suficientes para a sua laboração ou então eram de fácil acesso. A toponímia testemunha ainda hoje o local onde funcionaram algumas.Em Boaventura temos o Lombo da Serra de Água.

Maior interesse despertava o gado vacum pela sua dupla utilidade: estrume para fertilizar a terra e o leite para consumo doméstico ou venda. Neste último caso foi um importante suplemento da economia familiar. Isso é testemunhado nas inúmeras doações e legados onde é frequente a sua presença. OS CAMINHOS E DESTINOS DO SUL. A orografia da vertente norte da ilha associada às difíceis condições de aproximação da costa não facilitaram a circulação de homens e dos produtos arrancados à terra. Este factor condicionou de forma evidente a evolução das freguesias e concelhos deste espaço. Em 1774 um dos grandes argumentos usados pelos moradores do norte para reivindicarem o novo

município era a grande dificuldade de comunicação, por terra e por mar, com Machico. Por terra traçaram-se veredas que, através do Curral das Freiras ou o Paúl da Serra, estabeleciam o contacto com a vertente norte. Somente em 1914 tivemos a primeira estrada de ligação ao Funchal pela Ribeira Brava que em 1928 foi alvo de um alargamento para se ajustar à circulação de viaturas. Hoje o sistema viário em progresso tende a esbater essa distância As veredas eram de difícil circulação para as mercadorias. E, por isso o recurso mais usual, até ao aparecimento da primeira viatura motorizada, foi o mar. Através dele traçou-se uma rede de comunicações entre as várias localidades. Os ditos "barcos de carreira" eram o elo de comunicação entre os diferentes portos costeiros. Esta deveria ter sido a irreversível opção dos primeiros colonos que se fixaram na costa norte.

RETRATOS DO NORTE.

Até ao actual estabelecimento da rede viária, que cada vez mais avança para o progresso no encurtar das distâncias, passou-se um sinuoso percurso na aproximação da vetente norte ao sul. O aparecimento do automóvel e a definição da rede viária são uma conquista do nosso século. Até que isso sucedesse a costa norte manteve-se como um local de perdição, quase inacessível aos mortais. Atingir estas faldas montanhosas só a pé, a cavalo ou em rede, pois o barco era e continua a ser um meio pouco eficaz. Além disso, os caminhos eram sinuosos e de grande insegurança para os visitantes e insulares. Daqui resulta o quase total esquecimento da encosta norte, até que a primeira estrada em 1914 a ligou ao Funchal.

Mesmo assim a descoberta da encosta norte começou a partir da centúria oitocentista. Foi nesta época que o norte se abriu aos estrangeiros, que o devassaram em intermináveis passeios calcorreando veredas e levadas. O testemunho abonatório desta descoberta está materializado em algumas gravuras e textos apelativos ao deleite de novos aventureiros e descobridores desta virginal natureza. É precisamente a partir da década de cinquenta que temos um número avultado de visitantes e testemunhos reveladores da descoberta do norte. Em 1851 Edward Harcourt(A sketch of Madeira) diz que não podia sair da ilha sem ter este encontro com o cenário deslumbrante do norte, o que concretizou num passeio feito pelo Curral e regressando por Boaventura. Por parte dos nacionais é

também neste último momento que temos os primeiros testemunhos, celebrados em romance, como é o caso de António Ferreira (Maria Luiza, 1921) e Ferreira de Castro, (Eternidade, 1932-33) ou breves apontamentos de viagem de Carlos Faria(Recordações da ilha da Madeira no tempo da minha mocidade. De 1890 a 1897) e Marquez de Jacome Correia (A ilha da Madeira,1927). Estes são secundados, a partir da década de trinta, com o famoso escritor Horácio Bento de Gouveia, o verdadeiro retratista do ruralismo e da paisagem vicentina.

Em S. Vicente e Boaventura louva-se a beleza agreste da paisagem, indescritível na voz do escritor e poeta. S. Peacock(A treatise of the climate and meteorology of Madeira.1850) define Boaventura como um vale romântico. Para E. Wortley(A visit to Portugal and Madeira. 1854) "é o mais belo cenário que alguma vez viu".

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