Sobre Terras E Gentes

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SOBRE TERRAS E GENTES

O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982)

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Reginâmio Bonifácio de Lima

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REGINÂMIO BONIFÁCIO DE LIMA

SOBRE TERRAS E GENTES

O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982)

Idéia João Pessoa 2006

Reginâmio Bonifácio de Lima

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Todos os direitos e responsabilidades do autor.

Editoração Eletrônica/Capa Magno Nicolau

__________________________________________ L732s Lima, Reginâmio Bonifácio de.

Sobre terras e gente: o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco / Reginâmio Bonifácio de Lima. João Pessoa: Idéia, 2006. 157p.: il. 1. História – Desenvolvimento I. Título CDU: 981(813.3) ______________________________________________________________

EDITORA LTDA. (83) 3222-5986 www.ideiaeditora.com.br [email protected]

Foi feito o depósito legal Impresso no Brasil

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Ao Deus Todo-Poderoso que me proporcionou concluir este trabalho. A quatro homens especiais: meu pai, Severino, por me ensinar a amar o local estudado; e meus irmãos Reginaldo, Regineison e Pedro por me auxiliarem na pesquisa e constituição desta obra.

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AGRADECIMENTOS Ao Deus Eterno, que capacitou e permitiu este trabalho, dando ânimo em momentos de angústia, cuidando de seu servo para que pudesse estar bem e concluir esta obra; A meu orientador, professor MsC Bento, por ter dado crédito ao trabalho a ser desenvolvido e auxiliado na constituição do mesmo; A minha família que sempre me apoiou em todo o tempo. Meus pais: Severino e Maria, cuidando de mim, dando amor, afeto; e meus irmãos Reginaldo e Regiglenis que, juntamente com minha cunhada, Ana Íris, e, meus sobrinhos, Stive e Kelven, proporcionaram apoio moral, emocional, contribuíram direta e indiretamente para esta realização; A meus irmãos Regineison, graduando em história, e, Pedro, graduando em geografia, pela dedicação na pesquisa e auxílio na correção desta obra; A minha Musa Inspiradora, Iracilda Bonifácio, pela correção da estrutura e compatibilização dos escritos com a norma padrão vernácula; A meus coletores de dados, Socorro, Maria Alzerina, Samir e Luciana, por me auxiliarem na aplicação dos questionários; Aos professores Gerson Albuquerque e Jones Goettert que muito contribuíram dando “palpites” sobre o modo de ver o lugar e os sujeitos que nele vivem; Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão prestativamente terem gastado seu tempo, auxiliando na pesquisa das referências;

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A Marco Antônio Otsubo e demais funcionários do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura Municipal de Rio Branco; A todos os entrevistados que muito contribuíram com a pesquisa; A todos os funcionários do Setor de Cadastro Municipal; A assessoria jurídica da Câmara Municipal de Rio Branco; Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por tamanha presteza com que me acolheram. Aos colegas da Pós-Graduação por suas idéias e sugestões dadas no decorrer da pesquisa teórica e pratica; A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

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Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais braços dados ou não Nas escolas nas ruas, campos, construções Caminhando e cantando e seguindo a canção (...) Os amores na mente, as flores no chão A certeza na frente, a história na mão Caminhando e cantando e seguindo a canção Aprendendo e ensinando uma nova lição Vem, vamos embora, que esperar não é saber Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. (Pra não dizer que não falei de flores) Geraldo Vandré

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SUMÁRIO

Siglas e Abreviaturas .....................................................................07 INTRODUÇÃO ...............................................................................08 CAPÍTULO I: A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO 1 – As Relações de Poder ...............................................................13 2 – Ocupação recente da Amazônia ..............................................14 3 – Abertura e Definição da Fronteira Acreana ............................16 4 – Sudhevea e Probor....................................................................21 5 – Breve Histórico Riobranquense ...............................................22 6 – Demografia da Capital .............................................................28 CAPÍTULO II: AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA 1 – A Expansão da Fronteira..........................................................31 2 – As Formações e Ampliações da Periferia ................................36 3 – Acerca de Governos e Jornais..................................................40 4 – A Igreja Católica e a Luta pela Terra.......................................46 5 – Conflitos no Campo e a Luta pela Sobrevivência...................48 CAPÍTULO III: O TERCEIRO EIXO OCUPACIONAL DE RIO BRANCO 1 – Aspectos Gerais............................................................................. 2 – Saneamento Básico....................................................................... 2 – Localidades a Serem Consideradas............................................. 2.1 – Salgado Filho ...................................................................... 2.2 – Sobral ................................................................................... 2.3 – Floresta Sul.......................................................................... 3 – De Espaço Fronteiriço a Território Local .................................... 3.1 – Informações gerais .............................................................. 3.2 – Informações técnicas .......................................................... 3.2 – Informações sobre as edificações ....................................... 3.3 – Serviços urbanos .................................................................

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4 – Habitantes e habitat..................................................................... 4.1 – Impressões iniciais ............................................................. 4.2 – Ambiência ocupacional ...................................................... 4.3 – Sujeito-identidade-lugar .................................................... 4.4 – Perspectivas das localidades.............................................. 5 – Memória e História ...................................................................... REFERÊNCIAS..................................................................................

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Siglas e Abreviaturas ARENA – Aliança Renovadora Nacional BASA – Banco da Amazônia S.A. BCI – Boletim de Cadastro Imobiliário CEBs – Comunidades Eclesiais de Base. CEDEPLAR – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CPT – Comissão Pastoral da Terra. DRT – Delegacia Regional do Trabalho FMI – Fundo Monetário Internacional FUMBESA – Fundação do Bem Estar Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. ONG – Organização Não Governamental PECP – Projeto Especial Cidades de Porte Médio PMRB – Prefeitura Municipal de Rio Branco PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PROBOR – Programa de incentivos à produção de borracha natural SANACRE – Companhia de Saneamento do Acre SEPLAM – Secretaria Municipal de Planejamento SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública SUDAM – Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia SUDHEVEA – Superintendência do Desenvolvimento da Borracha UFAC – Universidade Federal do Acre UNICAMP – Universidade de Campinas

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INTRODUÇÃO Este livro é fruto de dois anos de pesquisa na PósGraduação em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC, nele estão contidos os resultados iniciais da pesquisa efetuada na área em que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, próximo à Secretaria Estadual de Educação. Naquele local, hoje em dia estão formados os quinze bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade de Rio Branco. Nessa localidade moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o ultimo censo do IBGE. Muito se ouve falar da Fazenda Sobral, PROBOR II, Aeroporto Guiomard Santos, assassinato de João Eduardo, “quatro bocas”, Palheiral, hospital distrital, mas pouco ou quase nada se tem escrito a respeito. Este livro tem a pretensão de falar de forma geral, sem generalizações, como se deu o processo expansivo da Capital acreana para aquela área, bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional. É certo que nesse primeiro momento nos concentraremos no viés historiográfico social, contudo na continuação dos trabalhos, com a conclusão da segunda parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar maior suporte para as relações de memórias, culturas e interações da/na dinâmica social. Com o apoio da Secretaria de Planejamento Municipal que nos cedeu as fotos; do Setor de Georeferenciamento, que reconheceu a área e demonstrou interesse no setor; do Setor de Cadastro Imobiliário que forneceu os croquis de todas as residências do local, no período de

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estudo cadastrado; da Prefeitura Municipal de Rio Branco que abriu seus arquivos à pesquisa; da Assessoria Jurídica da Câmara de Vereadores que cedeu as leis postas no trabalho “texto”; bem como o auxílio da Procuradoria Geral do Estado, que auxiliou diretamente no aparato político, e aval jurídico concernente à jurisprudência e legalidade dos documentos referentes à possíveis titulações públicas daquela área; conseguimos ampliar as pesquisas e chegar aos resultados que se seguem no decorrer de todo o livro. A ocupação desses locais já foi feita a mais de três décadas, e não seria justo deixar que as histórias das relações sociais lá produzidas, bem como as modificações antrópicas naquela ambiência sejam esquecida como tantas outras, tão importantes quanto esta que se perderam nas fissuras não lineares da geo-história riobranquense. Não se intenta aqui ser “o salvador da pátria”: apenas tornar público os traços e recortes das relações estabelecidas no Terceiro Eixo riobranquense. Relações estas nem sempre harmônicas, nem sempre causais, nem sempre intermitentes, mas sempre válidas, vívidas e bem vividas. São homens e mulheres, gentes como você e eu, em busca de melhores condições de vida, que habitam terras que embora há anos existam leis que lhes garantam o direito de titulação, muitos deles ainda são posseiros e moram numa terra que segundo os governos não é sua, porque a sua... essa foi tirada. Mas isso os governantes não viram. Então, vamos lá. Em nome de uma pretensa integração do Acre ao espaço nacional de desenvolvimento capitalista, durante fins da década de 1960 e início da seguinte, as terras públicas foram vendidas, e, por conseguinte, as populações nelas residentes foram obrigadas a sair – o que resultou

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num intenso fluxo migratório na direção campo-cidade1. Com a emergência dos conflitos pela posse da terra, a realidade urbana surgia como desdobramento da expansão da fronteira agrícola. A trajetória dessa população no contexto regional, tanto quanto os laços de vínculo com os locais de onde migraram, torna clara a aglutinação de famílias na periferia urbana. O “cinturão de pobreza” formado como expansão da periferia já existente não é um fenômeno exclusivo da história recente do Acre, em vários locais do Brasil e América Latina é perceptível a organização – ou falta de – nos bairros periféricos. O ajustamento cultural dos migrantes vai constituir novos contingentes de trabalhadores, mas também expor o sentimento de identificação com a terra como meio de produção e constituição de laços internos de solidariedade e defesa2 – traços característicos ao processo de formação, que em geral esses migrantes levam consigo para as cidades. Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco é preciso ter em vista que “a compreensão do movimento de formação e transformações da cidade, em sincronia com as etapas e contradições da economia mercantil da borracha, torna-se então uma das chaves para desvendar os problemas e conflitos surgidos agora com a aceleração do crescimento urbano”3. Nesse aspecto, identifica-se a formação, ainda que parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que se chama Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse se constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento, atual Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros 1

O Termo aqui é utilizado no sentido de rural-urbano; de colônias, seringais, colocações, chácaras à parte composta de cidade e suas ampliações. 2 OLIVEIRA, Marilda Maia. 1983, p. 86. 3 OLIVEIRA, Luiz Antônio Pinto de. 1982, p. 32.

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formados a partir da expansão da cidade ocorrida na década de 1970 e início de 1980. Quanto à temporalidade, é certo que não tem uma data-marco de formação específica, tampouco uma data final de andanças populacionais. O que se percebe é que a área que compreende o Terceiro Eixo teve o início de sua formação “urbana” aproximadamente em 1971, e o desenvolvimento espacial com uma definição básica próxima ao que é atualmente, por volta de 1982, sendo composto pelos bairros Aeroporto Velho, Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, João Eduardo I e João Eduardo II. Ao mesmo tempo que se observa, nesse mesmo território, uma pluralidade de identidades coletivas, envolvendo diversidades em relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si. As gentes do Terceiro Eixo, provenientes da zona rural e de outros bairros periféricos da capital, tiveram na cidade o mesmo descaso com o qual foram tratados anteriormente. Ao ocuparem terras que não lhes pertenciam, as pessoas corriam o risco de serem expulsas, e assim ocorreu com os moradores de locais como Palheiral, João Eduardo e Bahia, sendo parte dessas terras utilizadas em benefício de especuladores urbanos. O que se pode ver também, diante do contexto histórico, no qual essas pessoas estavam inseridas são as condições de vida, o excesso de mão-de-obra “desprovida de qualificação” para a inserção no mercado de trabalho e as incertezas pairantes rodeadas de miséria e desagregação social. Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”, Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando: Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as

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quais foram inteiramente derrubadas durante a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda prossegue nesse eixo e os novos bairros vão se formando, como o bairro João Eduardo (...) (Oliveira, 1982, p. 39).

A mobilidade é uma regra na atualidade, o movimento sobrepõe-se ao repouso e quando o homem muda, junto com ele mudam também as mercadorias, as imagens e as idéias. Ao estudar a formação do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, envolto na perspectiva da dinâmica das migrações, ou seja, da vida dos migrantes, chega-se à compreensão de que sempre as mudanças fazem parte da vida cotidiana, e essas afetam diretamente o ambiente com transformações sócio-espaciais – enquanto causa ou efeito, e, em grande parte, ambas correlatas – e que os fluxos dessas gentes para o local não são fatos isolados, uma vez que se inserem no contexto das migrações internas, decorrentes da política nacional da Marcha para Oeste, intensificada durante o período da Ditadura Militar. As problemáticas levantadas buscam investigar a forma como se deram as relações entre as gentes que ocuparam as terras dando início à formação e ao crescimento do Terceiro Eixo Ocupacional no período de 1971 a 1982, desejando explicitar o processo de ocupação pelo qual pássaram os referidos bairros, bem como as modificações natropicas efetuadas no ambiente receptor da migração. Desta feita o presente trabalho tem como objetivo investigar e analisar o processo de ocupação e formação do Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco – que compreende os bairros Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, Pista, João Eduardo I e II –, desde 1971 até 1982. Especificamente objetiva perceber o Terceiro Eixo de Ocupação como parte integrante do processo de

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expansão de Rio Branco; compreender o movimento de formação e transformação da cidade, destacando a expansão do Terceiro Eixo Ocupacional e seus conflitos; abordar a luta pela sobrevivência das gentes expropriadas migrantes para a periferia de Rio Branco, enquanto parte de um processo macroeconômico e social; analisar as modificações antrópicas efetuadas nas terras do ambiente receptor das migrações rural e urbana. A pesquisa foi feita dentro de uma perspectiva historiográfica, tendo como apoio metodológico as formulações e a discussão social da propagação da experiência humana, como elemento fundante para construção de um modo de vida comunitário, embasado no pensamento estrutural de Paul Thompson. A vivência dos ex-seringueiros, ex-posseiros rurais e o quadro geral de seus movimentos históricos constituem o foco de interesse do estudo, como matéria de investigação pertinente à compreensão específica das características assumidas; a acentuação urbana, devido à intensificação do êxodo rural, a luta pela terra e a ocupação dos espaços tornados urbanos. A pesquisa não se propôs a estudar a formação da periferia de Rio Branco a partir de um viés economicista, vinculado unicamente à expansão da frente capitalista na Amazônia, mas a caracterizar as complexidades que o processo de urbanização de Rio Branco apresenta no curso da sua história recente. Num primeiro momento foram trabalhadas as bibliografias existentes acerca da formação periférica da cidade de Rio Branco, buscando fazer o enquadramento historiográfico do objeto de pesquisa e dos sujeitos nele atuantes. Segundamente, os referenciais teóricos, conceitos e conjunturas sociais, foram estudados na pesquisa, com a devida contextualização acerca da urbanização da cidade e do processo expansivo. Para tanto, foram consultados autores como Leandro Tocantins, Luiz Antônio Pinto de Oliveira, Carlos Alberto Alves de Souza e Leila Gonçalves da Costa, estudiosos das relações sociais ocorridas no Acre, especial-

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mente em Rio Branco, durante a segunda metade do século XX. Em seguida foi aplicado um questionário sócioeconômico e cultural com os moradores mais antigos dos bairros, que lá habitam desde o período de formação, procurando levantar informações sobre seu local de moradia e suas relações de convivência. Foram aplicados questionários nos oito bairros, tendo como base os seguintes requisitos: os entrevistados precisavam morar, ininterruptamente, no bairro há, pelo menos, 23 anos, ou seja, desde 1982, ou antes dessa data; ser o “chefe” ou um dos “chefes da casa” na atualidade; a necessária cobertura e abrangência de toda a localidade, com aplicação de maior quantidade de questionários nas áreas que, segundo a Prefeitura4 e entrevistas orais com os moradores, eram os locais com maior densidade demográfica no período de formação. É certo que o Terceiro Eixo não se formou a partir de um planejamento territorial urbano, antes pelas migrações e andanças populacionais o espaço foi se transformando em lugar a partir da constituição da base territorial. Assim sendo, percebe-se, ainda que, às vezes, indiretamente, que o poder público opera e coopera no ordenamento territorial, através de ações de políticas públicas, estratégias de mudança social e organização do território ou falta delas. O espaço desconhecido, natural, incomensurável, foi e ainda é modificado, transformado e “reordenado” pela diversidade nas inserções antrópicas que o tornam um território de ordem cultural, conhecido aos que lá se assentaram e mensurável às relações sócio-culturais nele estabelecidas. Essa transformação é ao mesmo tempo um assunto técnico e político, não é o foco deste trabalho engajar-se nos fatores de distanciamentos (por rupturas, fissuras e até 4

BCIs, Cadastro imobiliário, Plantas Oficiais da Cidade de 1979, 1980, 1981, 1982.

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mesmo no termo físico), tampouco de acessibilidades (no viés geodésico). O que se busca é desenvolver a compreensão de como as terras foram modificadas antropicamente pelas gentes que produziram modificações, organizaram e ocuparam o território do Terceiro Eixo desenvolvendo e estruturando esse habitat humano a partir das diferentes atividades e relações sociais estabelecidas.

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A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA E A CONSTITUIÇÃO DE RIO BRANCO As Relações de Poder O Brasil em seu subdesenvolvimento não galgou espaços como as nações do Norte, chamadas de desenvolvidas. A expansão do mercado no país teve nos mercados financeiros modernos a base asseguradora da viabilidade modelada pelos países desenvolvidos para que se seguisse neste país. A produtividade e assimilação das novas técnicas não conduziram à homogeneização social, antes, a difusão das novas técnicas deu-se em certas áreas, inicialmente quase que exclusivamente pela aquisição de novos produtos via importação. Esse chamado processo produtivo causou uma modernização no Brasil, mas não conduziu à redistribuição dos bens, não houve a elevação do nível de vida da população. Nesse contexto de subdesenvolvimento surgiu a industrialização tardia brasileira, que agiu com grande rapidez para reestruturar o sistema produtivo, ainda embasado no sistema substitutivo. A Amazônia trocava pelas de borracha por dinheiro, que não enriqueceu os seringueiros, mas formou grandes fortunas Brasil a fora. A modernização tardia implementada pela “industrialização substitutiva” levou o Estado a sustentar a sua modernidade com recursos provenientes dos meios ditos atrasados. As transições ocorridas na Amazônia, principalmente a partir dos anos 1960, foram “pelo alto”, onde o governo agia procurando mecanismos explícitos de incentivos empresariais para atrair capital e empreendedores de diversos setores econômicos, enquanto as gentes que migraram em direção a esse local, atraídas pela política de

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colonização, tiveram poucos recursos e o apoio do Estado de forma reduzido. A tentativa de desenvolvimento econômico deixa claro que há uma continuidade na formulação da política, sendo priorizada a dinâmica econômica. Altvater apud Heller (1999, p.138) afirma que “como ocorre com o trabalho na indústria, a natureza também passa a ser ‘realmente subordinada’ ao capital, isto é, subjugada à lógica da acumulação, de uma forma mais eficiente do que nunca na história da humanidade”. Há uma fluência do monetarismo que não respeita fronteiras, antes, a seu interesse constrói nacionalidades e as destrói, desconsiderando as territorialidades postas. O desenvolvimento posto na Amazônia, fruto do predomínio dos países industrializados, não é socialmente justo, nem ecologicamente sustentável. A Amazônia está inserida na lógica de dominação capitalista, onde esta lógica rompe fronteiras, fomentada pelo crédito de incentivos fiscais, que em meados do século XX moldou o processo de desenvolvimento regional; como conseqüência houve os conflitos pela posse da terra, contradições urbanas e rurais e continuação do estabelecimento de desigualdades na apropriação do espaço econômico, político e sócio-ambiental da região. Nesse mesmo período, a questão ambiental estava internacionalizada com fomentos para uma postura de desenvolvimento – ainda não sustentável – onde se buscava construir cenários para a formação da base necessária à atuação dos grupos ligados ao “progresso humano” em detrimento da “barbárie” na região. Contudo, esse desenvolvimento não chegava às classes trabalhadoras, como forma de melhorias sociais, e ainda, “quando ficou óbvio, por volta de 1970, que a corrida pelo desenvolvimento realmente intensificava a pobreza, inventou-se a noção de ‘desenvolvimento eqüitativo’ para reconciliar o irreconciliável: a criação da pobreza com a abolição da pobreza” (SACHS, 2000, p. 121).

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Ocupação Recente da Amazônia As políticas traçadas de expropriação e formação de mercados de reserva se deram tardiamente na Amazônia em relação ao restante do país. Contudo, os efeitos foram vistos alardeadores das disparidades exercidas pela “ditadura do grande capital” e pelas práticas governamentais voltadas aos interesses de uns poucos. As migrações da zona rural para a urbana e dos pequenos centros para as cidades fizeram ocorrer uma grande explosão demográfica em alguns centros amazônicos, aumentando as periferias, levando esses trabalhadores expropriados a viverem à “margem” das cidades. Tudo isso, em grande parte, fruto das políticas públicas e atividades capitalistas implementadas no campo. A política econômica adotada a partir de 1964 favoreceu os Estados da Amazônia com uma participação de forma mais efetiva na formação do capital e conseqüente integração à propaganda produzida pelo governo federal no sentido de “ocupar para desenvolver” a região; a construção de rodovias como Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém, Brasília-Acre; e, pouco depois, no Acre, a especulação fundiária, o crédito fácil e barato, as facilidades para a expansão da pecuária, criaram um desequilíbrio social, afetando diretamente as populações que passaram a ocupar as periferias das cidades, principalmente da capital. A forma de ocupação implementada na região acreana na primeira metade do século XX era extrativista da borracha. Com a transferência das terras dos seringais falidos aos compradores do Centro-Sul, viu-se um acelerado crescimento das pequenas propriedades, embora a posse da terra tenha continuado extremamente concentrada. Já nos últimos anos da década de 1960, é perceptível uma ruptura no padrão de ocupação territorial nas capitais amazônicas. As alterações produzidas dão conta de

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um redimensionamento do quadro urbano com o aumento da migração contínua para as cidades. O principal fluxo migratório se deu mais intensamente para a banda oriental, com predominância de composição rural atingindo principalmente as cidades de Macapá, Porto Velho e Rio Branco. Uma temática a ser abordada concernente a esse período específico da Ditadura Militar e seus projetos para a Amazônia, é a compreensão do caráter transnacional da região amazônica enquanto necessária aos interesses dos países de economia desenvolvida, não apenas com o intuito de uma economia predatória, mas também, pelas riquezas da biodiversidade, descobertas científicas, a água potável para um mundo que já sente a escassez deste produto, e, as alterações climáticas que a destruição da Amazônia poderia causar nesses países. Por isso, o enfoque que deve ser dado, além da visão que tinham os militares durante a ditadura, precisa incorporar temas emergentes e complexos que superem a crise ecológica e ampliem o pensar reformulante que já em fins da década de 1970 estava ocorrendo dentro de uma atuação entre Estado, as forças do mercado e a sociedade civil, numa questão de segurança internacional. Os movimentos políticos e econômicos que começaram a surgir no final da década de 1960 davam margem aos produtos de grupos e ONGs que buscavam “proteger” a natureza para tornar em “meio ambiente” a localidade implementando o “desenvolvimento sustentável”, a natureza onde, por séculos os seus habitantes já viviam. Nesse período, qualquer processo de transformação teria o aparato estatal e o fundo público como pressupostos, além da criação de empresas e agências estatais de desenvolvimento, visando atrair grandes grupos de capitais privados. O poder público dotou, ainda que parcialmente, de infraestrutura adequada, formulou políticas e incentivos fiscais e de crédito.

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Como conseqüência dessa inicial atividade pública, foram implantados grandes projetos agropecuários e dispositivos jurídicos excepcionais, como os mecanismos de regulamentação adotados pelo Estado. Esse período foi o que mais rápido convergiu terras públicas em propriedades privadas. A expansão capitalista na Amazônia resultou, não apenas na desregionalização da propriedade do capital, mas também na predominância dos projetos agropecuários sobre os industriais, nos ganhos especulativos com a terra, na geração de violentos conflitos sociais decorrentes da luta pela terra e na expulsão dos camponeses de sua terra, acelerando o processo de destruição ambiental. Em nome da integração nacional, e mais tarde, de uma integração com o mercado externo, o ambiente social foi modificado. As normatizações produzidas pelo jogo monetário regulado pelo sistema financeiro internacional, FMI e Banco Mundial, transformaram a dinâmica interna das convivências intra-nacionais, regulando-as através do controle estatal com políticas e ações coordenados por invéstimentos setoriais e fomento às “práticas de desenvolvimentos” na região. As poucas regulamentações existentes sobre a terra e sua exploração, que eram tão necessárias em meados do século XX, embora na maioria dos casos não saíssem do papel, tornaram-se carentes de modificações e desregulamentação na década de 1980. As leis executadas e a generosidade do poder público concederam ao grande capital “salvo conduto” para agir na Amazônia. Mesmo com a aprovação da política nacional de meio ambiente, em 1981, o que se viu foram mecanismos que ajudaram aos interesses estrangeiros em detrimento das populações locais.

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Abertura e Definição da Fronteira Acreana As terras do Acre por vários séculos foram tidas como desconhecidas ou “terras não descobertas” e assim permaneceram até meados do século XIX. O Tratado de Madri firmado em 13 de janeiro de 1750, regularizou os limites entre as terras portuguesas e espanholas, mas não delimitou a área especificamente referente ao Acre; outros tratados foram produzidos e, de mesma forma, não estabeleceram, no terreno, a linha fronteiriça que abrange do Rio Madeira ao Javari. A borracha amazônica5 era bem conhecida e utilizada pelos índios, eles faziam artefatos de borracha e brinquedos para os curumins, além de utilizá-la como impermeabilizante. Várias espécies de árvores que fornecem o látex eram há muito utilizadas: como o caucho (castiloa ulei), a balata (chrysophyllum balata), a sorva (couma utilis), a mangaba (harnicornia speciosa) e a seringa (hevea basiliensis). É certo que em 1762, com o uso da terebintina, houve um avanço na qualidade da consistência da borracha e conseqüente avanço na produção. A Europa estava vivenciando o início da Revolução Industrial, enviando pesquisadores ao mundo inteiro em busca de novos produtos. O padre jesuíta João Daniel escreveu que "entre o Rio Madeira e o Javari, por mais de 200 léguas não há povoação nem de branco, nem de tapuias mansos ou

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Desde o descobrimento da América se conhecia a borracha, o próprio Cristóvão Colombo presenciou, em sua segunda viagem à América, o “jogo da bola”, no Haiti. Muitos viajantes anunciaram essa “maravilha da América”, contudo, foi o pésquisador geógrafo e astrônomo francês Charles Marie de Lá Condamine, estudando as selvas do Equador, que comunicou à Academia de Ciências de Paris em 1736, notícia sobre a aplicabilidade da borracha.

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missões”6, isso em 1760, na época em que as missões estavam se estabelecendo na Amazônia. O mundo em industrialização estava querendo usufruir as riquezas da Amazônia, várias foram as tentativas de conquista do território nacional brasileiro. Em 06 de julho de 1801 o Tratado de Badajós anulava o de Santo Idelfonso, ficando definidas as fronteiras da América do Sul. As Frentes de Expansão, muitas delas capitalistas, buscavam demarcar o território brasileiro. Após a descoberta do processo de vulcanização da borracha em 1844, por Thomas Hancock, na Inglaterra, e Charles Goodyear, nos Estados Unidos, foi possível dar outras utilidades à borracha. Esta se tornou indispensável para a civilização. O uso, que antes era restrito, mas que já tinha mercado garantido em Boston, Nova York, Lisboa, Viena, Londres e tantos outros lugares, foi expandido. O preço do látex subiu consideravelmente e iniciou-se a corrida para o Acre. Serafim da Silva Salgado, Manuel Urbano, João Cunha Correa, Willian Chandless e, mais tarde, Euclides da Cunha, desbravaram o território acreano estabelecendo marcos. Nessas áreas foram descobertas várias tribos indígenas, grande quantidade de árvores para a coleta do látex, rica fauna e flora. Abre-se uma Frente pioneira no Rio Acre e pouco depois no Purus, impulsionadas pelos interesses internacionais em adquirir a riqueza proveniente da floresta. Antes, o comércio das drogas do sertão havia impulsionado o adentrar a floresta, agora a borracha fazia subir às cabeceiras dos rios. A introdução de barcos a vapor em 1853, bem como a abertura do Rio Amazonas à navegação internacional, fizeram com que a comercialização da borracha aumentasse em muito, a ponto de ainda no século XVIII superar a de cacau no porto do Pará. 6

Revista Interior: 1978, p. 06.

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A relação entre os seringais e a cidade de Manaus era de compra da produção por parte desta, enquanto subsidiava aqueles. O drama internacional começou a se esboçar em virtude de os brasileiros transporem a fronteira entre seu país e a Bolívia, iniciando um rudimentar processo de “ocupação”. Os limites ainda não haviam sido fixados, nem os marcos colocados, daí a dificuldade; nem a Bolívia sabia que as terras lhe pertenciam. A linha limítrofe leste-oeste só existia nos tratados internacionais. Os brasileiros eram os únicos a explorar a borracha, atendendo uma demanda existente desde 1839, mas que não havia sido suprida até a grande seca do Nordeste em 1877, onde, sem condições de vida, levas de imigrantes chegavam às terras da Amazônia em busca de sobrevivência, formando os seringais do Acre e seus primeiros núcleos populacionais, em busca do ouro negro.

Casa Comercial da Vila Rio Branco, do Sr. Newtel Maia e Cia. Armazéns dos Srs. Apolinário, Floguel e outros.

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Seringal Nova Empreza. Propriedade da firma Alves Braga e Cia. do Pará. Data: 1906 – 1907. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, pg. 99 e 113. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.

A terra desconhecida, paisagem totalmente isolada do que se chama civilização, fora aos poucos sendo ocupada. O ciclo se completara: terras novas, produção e pópulação7; havia um fluxo de relação entre esses três. Então, Brasil e Bolívia resolveram demarcar as fronteiras delimitando a linha Cunha Gomes a 10’ 20” de latitude. Portanto, o Acre pertencia oficialmente à Bolívia, no ano de 1897. Um ano depois, foi dada ordem ao governo amazonense para reconhecer essa linha. Contudo, pelo Tratado de Ayacucho, o artigo segundo reconhecia o “uti possidetis” para fixar a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Durante o período de 1890 a 1905, além do crescimento da demanda de matéria-prima gumífera, o que se vê é uma série de atividades acentuando as relações 7

REBORATTI. Carlos E. (1990, p. 21 e 22).

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envolventes da prática vigente na expansão fronteiriça do Oeste. De um lado, o Brasil busca se afirmar com a instalação do regime republicano, no intento de atingir o equilíbrio de sua economia que, mesmo com a atuação do café, ainda era instável; de outro, a Bolívia liderada por seu representante advindo das frentes liberais, Manuel Pando, procurava afirmar-se como Estado autônomo. Ao desenvolver essa análise, percebe-se que o leite extraído da hevea brasiliensis aparece como possibilidade concreta de ambos os países alcançarem seus objetivos. Com a ascensão de Pando ao poder, a instabilidade política, a deficiência econômica e a falta de unidade territorial na Bolívia vão eclodir a “Questão do Acre”, e, mais tarde, o Bolivian Sindicate. Luiz Galvez, Plácido de Castro e tantos outros “heróis anônimos” acreanos, entre lutas, batalhas, tratados e diplomacia imputaram ao Acre status de pertencer ao Brasil. A fronteira foi definida oficialmente no dia 17 de novembro de 1903, com o Tratado de Petrópolis, anexando as terras do Acre ao Brasil; um pagamento ao Bolivian Sindicate de 110 mil libras esterlinas; e à Bolívia, de dois milhões de libras esterlinas, além da construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Definida a questão do Acre é necessário que se dê continuidade ao estudo da abertura da fronteira: as necessidades de excedente demográfico foram, em grande medida, supridas pela corrente migratória para a Amazônia ocorrida a partir da grande seca do nordeste. De acordo com Lima a intensificação da migração nordestina para o Acre inicialmente se deu no período de 1877 a 1900. Nesses vinte e três anos, cerca de cento e sessenta mil imigrantes se estabeleceram nos seringais situados na bacia dos rios Madeira, Acre, Purus, Chandless e Juruá, sendo possível traçar a concomitância da seca com o início do período mencionado, e o auge da produção gumífera com os últimos anos do século XIX.

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Essa expansão, aparentemente intensiva, não manteve seu fluxo proporcional ao aumento da produção do látex. As novas terras utilizadas mantinham uma estreita relação entre a atitude pioneira de “assentamento” e produção, e o modo de vida existente nas unidades produtivas. Assim, a relação entre a terra da qual se retira a borracha (o seringal), o responsável pelas terras, mantenedor do “modo de vida” implementado em suas propriedades (o seringalista) e o indivíduo diretamente responsável pela extração do leite da seringa e sua transformação em pélas (o seringueiro), se dá ora amistosamente ora em conflito. É válido ressaltar que embora a relação vigente fosse de exploração e que os seringueiros tenham sido expropriados, gradativamente se endividando, era latente o enriquecendo os donos dos seringais que muitos seringueiros viam seus “patrões” como alguém que cuidava deles, não como pesarosos ludibriantes. A relação tida na penetração da fronteira, ainda que com momentos de confusão, implementou marchas e contra-marchas, por conseguinte êxitos e fracassos, não necessariamente ligados às forças de relações locais, mas prementes no âmbito do mercado de produção e na valorização – ou falta dela – do produto gumífero explorado. Os seringueiros ficavam anos sem ter a paga pelo fruto de seu penoso trabalho. As dívidas a eles imputadas iam além do superfaturamento dos produtos; o patrão colocava na nota itens que não chegavam até suas colocações, aumentando ainda mais as dívidas dos seringueiros. Estes, para não verem aumentadas suas dívidas, pediam o estritamente necessário para a sobrevivência, e muitas vezes, pediam menos que isso, ficando vulneráveis a doenças e morrendo de desnutrição. Nessas relações sociais os seringueiros criaram várias formas de resistência, como colocar barro dentro das pelas, plantar grãos, fugir das colocações, não pagar as dívidas por ter consciência de que estavam maiores do que deveriam. Essas eram al-

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gumas das atividades consideradas ilegais, mas que ocorriam como forma de resistência dos seringueiros na luta pela sobrevivência. O seringal sempre foi uma empresa desvinculada da terra, contendo em sua área as árvores necessárias para a retirada do “leite”, colocações, “estradas de seringa” e barracão. O seringalista monopolizava o acesso ao seringal, praticando o “aviamento” dos produtos necessários aos seringueiros. Estes, por sua vez, trabalhavam até catorze horas por dia, moravam em tapiris, tudo o que consumiam era-lhes imputado como débito no barracão e comumente morriam de malária, febre amarela, ataques de índios ou de animais selvagens. As casas aviadoras situadas em Belém e Manaus abasteciam os seringais, recebendo também os rolos de borracha produzidos nestes e vendendo-os ao exterior. Elas financiavam cem por cento da produção, vendendo os víveres aos seringais por preços superfaturados e recebendo as pélas que vendiam ora com lucro, ora com prejuízo, dependendo das estimativas e preços no mercado. O sucesso de Henry Wickham ao embarcar setenta mil sementes da hevea brasiliensis, em 1876, e conseqüente início da produção de borracha na colônia inglesa do Ceilão (no sul da Índia), Malásia e Indonésia, fez com que, por sua seleção, disposição de plantio e facilidade de coleta, a borracha inglesa se tornasse mais barata e de melhor qualidade que as plantações nativas. Com isso, quebrou-se o monopólio da região amazônica. Em 1905, a produção brasileira de borracha era de 35 mil toneladas e a inglesa de apenas 145 toneladas (SOUZA, 2002). No ano de 1913, a produção amazônica da goma elástica respondia por apenas quarenta e cinco por cento da produção mundial, menos de duas décadas depois, por apenas cinco por cento. Era a decadência da borracha amazônica, mas não da Amazônia. O capital estrangeiro foi embora, contudo, viu-se um novo limiar de atividade nas terras

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acreanas. A interação com a sociedade central foi modificada e iniciou-se uma urbanização nas terras acreanas, não na escala das migrações de outras áreas do Brasil para o Acre, e sim, o fluxo interno das populações e a mudança de sua relação com a terra. Sudhevea e Probor Com o aumento do consumo da borracha e o necessário suprimento do mercado interno, a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA) foi fortalecida pelas práticas políticas nacionais que, de acordo com o superintendente da SUDHEVEA, José Cesário Mendes Barros, em 1972, implantou “bases necessárias e irreversíveis para o total auto-abastecimento do país de borracha natural. No mesmo ano deu-se início ao primeiro programa-piloto destinado a implantar, consolidar a lavoura heveícola e modernizar a exploração da borracha nativa”8. Para ele, o objetivo foi atingido a ponto de, em 1977, o Conselho Nacional da Borracha, lançar o segundo Programa de incentivos à produção de borracha natural (PROBOR II), tendo como fim principal a ampliação do primeiro, concessão de crédito rural, operacionalizado pela superintendência da borracha em ação coordenada com os agentes financeiros básicos do Sistema Nacional de Crédito Rural (Banco da Amazônia, no Norte e Centro-Oeste, e Banco do Brasil, no sul da Bahia). Foi aprovado o plantio de seringueiras, num total de 07 mil hectares. Sendo assumido pelo superintendente, que, no caso acreano, a implantação alcançou apenas um terço do planejado. Em 1972 o Acre produziu cerca de seis mil toneladas de borracha, e em 1976 produziu seis mil e oitocentas toneladas. O Acre foi o maior produtor nacional de borra8

Revista Interior: 1978, p. 6.

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cha no período, seguido do Amazonas e do Pará. A produção brasileira de borracha natural, em 1978, representava apenas um terço da demanda nacional, sendo que em 1974 a produção foi de dezoito mil e seiscentas toneladas, sendo o país responsável por apenas 0,6% da produção mundial. No mesmo período, a borracha natural brasileira representava apenas 10% do consumo nacional. A produção não estava atendendo à demanda, o não atendimento da necessidade de tempo e cuidado necessários para a seringueira começar a produzir, a falta de incentivos continuados e desacerto na política de implemento dos seringais, foram alguns dos fatores que contribuíram para que os seringais cultivados não alcançassem o pleno desenvolvimento.

Pelas de Borracha – hevea basiliensis. FONTE: Acervo digital – IBGE.

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Breve Histórico Riobranquense O local onde mais tarde seria a cidade de Rio Branco era habitado por tribos Aquiris, Canamaris e Maneteris, pertencentes à família dos Aruaques, que dominavam a bacia do Purus. De acordo com Silva “os solos riobranquinos foram pisados por civilizados, pela primeira vez, em 1861, quando uma expedição de caráter exploratório, chefiada por Manoel Urbano, sob os auspícios da Província do Rio Negro, por ali passara...”9. Em 1882, aportou às margens do Rio Acre, nas proximidades da gameleira, o cearense Newtel Newton Maia, dando início ao estabelecimento do seringal Empresa. Rio Branco está localizada no Nordeste do Estado do Acre, possui características geológicas e geomorfológicas com singularidade predominantemente horizontais no relevo, com grandes áreas de depósitos aluviais resultantes da erosibilidade das águas sobre as margens dos rios que a banham: rio Acre, rio Iquiri, rio São Francisco, rio Antimari, rio Xipamamu e riozinho do Rôla, durante as enchentes cíclicas anuais. A cidade de Rio Branco está localizada às margens do rio Acre, sendo que o Rio São Francisco também faz parte do ambiente urbano desta. O clima riobranquense é classificado como equatorial, com uma estação chuvosa do mês de junho a maio, e uma de estio de junho a setembro. De acordo com o INMET/UFAC, a temperatura média anual é de 25,5° C e a umidade relativa tem valores médios que ficam em torno de 85%.

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1981, p. 96.

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Propriedade da firma comercial do Pará, Lopes de Brito e Cia, à margem esquerda do rio Acre. Data: 1906 – 1907. Este barracão serviu de hospital de sangue durante o período revolucionário. Fonte: FALCÃO, Emílio. “Álbum do Rio Acre”, p.103. Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.

A partir do povoamento desse seringal surgiu o que em 1904 seria elevada à categoria de Vila. Através do Decreto nº. 5.188, de 07 de abril de 1904, o Território acreano foi dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, tornando-se Rio Branco sede do Departamento do Alto Acre. Em 1908, várias mudanças significativas foram implementadas pelo então prefeito, Gabino Bezouro; como a transferência da sede do Departamento do Alto Acre para a margem esquerda do Rio Acre, a instalação de policiamento, justiça e fiscalização tributária, estruturação da Vila Penápolis, realização de construções públicas e

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criação da Secretaria Geral do Departamento para fiscalização da limpeza pública. Rio Branco teve sua constituição legal em 13 de junho de 1909, como sede da prefeitura do Departamento do Alto Acre, na época era chamada de Penápolis. No ano de 1912 recebeu o nome que possui até os dias atuais, em homenagem ao Barão do Rio Branco. Em 1909, a cidade de Empresa recebeu o nome de Penápolis, em homenagem ao presidente do Brasil Afonso Pena (...) em 1912 os lados direito e esquerdo do antigo seringal Empresa foram chamados de cidade de Rio Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco, tornando-se capital do Acre em 1920 (SOUZA, 1999, p. 36).

Seguindo a prática de outras cidades amazônicas, Rio Branco desenvolveu-se às margens do rio, com casas de madeira e ruas de traçado irregulares10. Inicialmente, era a sede do Departamento do Alto Acre, sua formação se deu para atuar como entreposto comercial avançado da economia mercantil da borracha. Ainda em 1909 planejouse e executou-se a construção de duas vias estruturais importantes: a Avenida Ceará, na direção oeste-leste, e a Avenida que mais tarde viria a ser chamada Getúlio Vargas, na direção sudeste-noroeste. O fato de Rio Branco se encontrar na Bacia Hidrográfica do rio Acre, estando esta inserida na Bacia Sedimentar do rio Amazonas, em função de sua topografia, percebe-se a origem do rio Acre decorrente da precipitação pluviométrica e do encontro das águas fluviais e pluviais com o tenro relevo litológico, resultante da erosão natural que esculpiu os rios da região e seus afluentes, bem como o chamado “regime das águas”, onde há enchentes que ocorrem em correlação estreitamente ligada à intensidade das chuvas e à vazante no período de estio. 10

Todas as ruas do “centro” do Primeiro Distrito foram planejadas, mas nem por isso têm seu traçado com paralelas e perpendiculares, antes, muitas delas seguem o delinear do curso do Rio Acre.

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Durante as cheias, alguns locais são alagados e proporcionam verdadeira calamidade às populações ribeirinhas que vivem nas margens próximas aos rios da região. Milhares de famílias são desabrigadas nesse período, principalmente as que vivem nos bairros Taquari, Seis de Agosto, Baixa da Cadeia Velha e Airton Sena. Em contrapartida, no período de estio, o lençol freático é rebaixado pela ausência de precipitação pluviométrica, que ocorre em proporção 80% menor que no período chuvoso. O município conta atualmente com uma área territorial de aproximadamente 883.143 hectares, e, de acordo com o censo do ano dois mil, sua população é de 253.059. Limita-se ao sul com os municípios de Capixaba, Xapuri e Brasiléia; a leste com o município de Senador Guiomard; a oeste com o município de Sena Madureira; e ao norte com os municípios de Sena Madureira, Bujari e Porto Acre.

Cidade de Rio Branco em 2005. Com o Terceiro Eixo de Ocupação em Destaque. Fonte: Setor de Georeferenciamento. Secretaria de Planejamento/PMRB.

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Apenas na década de 1920 foram erguidas as primeiras construções em alvenaria e abertas ruas paralelas às margens do rio Acre. Na margem direita, em Empreza, foi aberta a rua Primeiro de Maio; na margem esquerda, em Penápolis, foram abertas as ruas paralelas Epaminondas Jácome e Benjamim Constant; e perpendiculares àquelas, Marechal Deodoro e Getúlio Vargas. Craveiro Costa (1998), ao estudar a formação territorial do Acre, afirma que Rio Branco no início era formada por duas zonas distintas, separadas pelo rio Acre: Empreza, à margem direita, onde se situavam os principais hotéis, as diversões e os negócios de beneficiamento e transporte de produtos extrativos; e Penápolis, à margem esquerda, onde se situavam as repartições públicas. Com o passar dos anos, Penápolis teve melhor constituição de ruas, praças, infra-estrutura em geral, não somente pela função de ser sede da administração pública, mas também pelo fato de as pessoas mais abastadas financeiramente se mudarem para lá, afastando-se da agitação de Empreza. Em 1920, Rio Branco havia suplantado as outras cidades. Com a extinção e unificação dos três Departamentos existentes, através do Decreto nº. 14.383, de 01 de outubro de 1920, Rio Branco foi elevada à categoria de capital do Território Federal do Acre, nessa época tiveram as primeiras construções em alvenaria, além de planejamento e abertura das ruas. Com a crise do sistema da borracha em 1920, ocasionada pela queda do preço no mercado internacional e diminuição da produção da borracha acreana, várias foram as mudanças ocorridas na economia local. Houve um redimensionamento da composição social urbana (Oliveira, 1983, p. 82), com a queda do preço da borracha parte do grande contingente populacional ligado a essas atividades abandonou o Território acreano. A população que ficou, estabeleceu-se em função da administração pública, do

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comercio e, parte, em atividades de produção extrativa e de beneficiamento. As andanças das populações pelo território acreano vão se configurar como fruto dessa “liberação”. O trabalhador começa a arcar com o próprio provimento de víveres e custo de produção, através do cultivo de produtos agrícolas em redor de seu tapiri. As forças de trabalho não mais eram represadas e direcionadas para a produção da borracha. Dentre as alterações ocorridas nos seringais, destacam-se a diversificação da produção e o ritmo implementado. O tempo de trabalho e sua liberdade de movimento refletiram diretamente na migração para fora dos seringais, um sinal de excedente populacional e mudança das relações de força de trabalho entre os que ficaram no seringal e os seringalistas. Não há grandes alterações na economia acreana até a década de 1940, quando as atividades orientada pelo capital mercantil, em um novo esforço de produção extrativa, retomaram a extração da borracha. Nesse período, Rio Branco contava com cerca de onze mil e noventa e três habitantes, ou seja, metade do contingente populacional que havia nela na década de 1920. A estrutura que antes era implementada de forma social rural “coletora”, representada pelos coletores de látex e castanha, no início do século XX, foi modificada com o acréscimo da agricultura de subsistência, que não conseguia suprir sequer um terço do mercado interno. A partir de 1940, com a crescente urbanização, várias foram as modificações ocasionadas pelas novas conjunturas político-econômicas que eclodiram no Acre. Os problemas do êxodo rural, a deficiência na assistência sanitária e social, a falta de crédito para o desenvolvimento das atividades extrativistas da borracha e da castanha foram fatores importantes que influíram na modificação do ambiente acreano e seus sistemas de fomento, o que refletiu diretamente na Capital.

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Balsa de pélas de borracha da Casa Aviadora “A Limitada”. Década de 1950. Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.

A luta pelo progresso levou o Brasil na década de 1960 a, teoricamente, caminhar para a reforma agrária na Amazônia, onde pudesse haver um desenvolvimento das relações e resolução das tensões suscitadas pela mudança das estruturas industriais brasileiras e pelos equilíbrios sociais decorrentes do desenvolvimento – o que não ocorreu. O crescimento de Rio Branco, que já vinha alimentando-se do deslocamento populacional desde a década de 1960, foi nutrido tanto pelas populações expropriadas dos seringais quanto pelas populações que, em face às condições difíceis vividas nos seringais, precisavam se deslocar de lá para sobreviver. Rio Branco tornou-se o centro receptor dos contingentes populacionais recentes do Acre, das gentes retirantes da zona rural que também foram obrigadas a sair por circunstâncias como a interrupção do aviamento, a desistência dos responsáveis pelos

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seringais, as pressões dos credores, a queda do preço da borracha, dentre outros. A reforma agrária teria um peso decisivo no modo de atuação do governo e das relações com o mercado, contudo, a política aplicada persistiu numa via de modernização mais conservadora, com a persistência do latifúndio e a configuração de um sistema político mais autoritário. As políticas propostas para o projeto de desenvolvimento foram principalmente para exportação. O mercado e o Estado buscaram compensar suas falhas pela intervenção mútua, sendo que as intervenções públicas do Estado foram no setor de comunicações, e rodovias, aparatos básicos para a atuação do mercado gerador de lucros e dividendos. No caso acreano da reforma agrária, Nascimento afirma que ela se deu ao contrário. Na década de 1980 havia maior quantidade de propriedades latifundiárias de grande porte que nas décadas proximamente anteriores – o que leva a pensar a estruturação do governo para a expansão do capital. Não foi diferente no restante da Amazônia, o que houve foi uma subdivisão dos minifúndios em relação às décadas anteriores. Demografia da Capital A população riobranquense atualmente representa cerca de 46% da população total do Estado, sendo que, desse contingente, 89,4% concentra-se na cidade. De acordo com o Censo Demográfico de 2000, a população total do município é de 253.059 habitantes, o que representa um crescimento populacional de 3,40% ao ano, no período de 1991 a 2000. Esse índice é muito elevado se comparado à taxa de crescimento demográfico brasileira, que ficou em torno de 1,3% ao ano no mesmo período; mas também é representativo, quando comparado ao crescimento ocorrido

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na Capital durante a década de 1980, que era de 4,35% ao ano. Na década de 1970, 42,3% da população riobranquense residia na área urbana; na década de 1980, esse percentual passou para 79,38%; e, da década de 1990, até os dias atuais, as estimativas dão conta de que a população urbana seja 89,4%. As justificativas apresentadas para esse incremento populacional são as de que houve a incorporação na zona urbana de áreas que em censos anteriores eram consideradas rurais; há um êxodo quase constante em direção à cidade; e o próprio crescimento vegetativo nas áreas urbanas de Rio Branco. Populações de Rio Branco e do Acre – Censos de 1940 a 2000. Ano

1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000

Rio Branco

Acre

Urbano

Rural

Total

Urbano

Rural

Total

4.945 9.371 17.104 35.578 87.646 167.882 201.347 226.298

11.093 18.875 30.333 48.399 29.467 19.287 27.510 26.761

16.038 28.246 47.437 83.977 117.113 187.169 228.857 253.059

14.138 * 17.620 59.307 132.174 258.520 351.271 370.672

65.630 * 63.753 155.992 169.432 159.198 168.322 187.259

79.768 114.755 158.852 215.299 301.605 417.718 438.593 557.931

Participação de Rio Branco em relação à população total (%) 20,09 24,61 29,86 39,00 38,82 44,81 47,33 45,36

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. * Não foram encontrados dados precisos, então se optou pela omissão.

Na década de 1970, a população riobranquense era predominantemente jovem, seguindo a característica brasileira da época, com altos índices de fecundidade. As crianças e adolescentes (de 0 a 14 anos) representavam 44,82% da população do município; a população jovem e adulta (de 15 anos acima) representava 55,18%.

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De acordo com o último Censo do IBGE, a população de crianças e adolescentes era de 34,7%, enquanto a de jovens e adultos representava 65,13%, o que representou um aumento na parcela de jovens e adultos. A estabilização e a diminuição de fecundidade levaram a um amadurecimento na população riobranquense. Outro dado que não pode passar despercebido é a relação por grupo de idade e sexo entre 1970 e 1991, o fato do envelhecimento populacional estar intimamente ligado ao fato de as mulheres também estarem vivendo mais. Com exceção da faixa entre 60 anos ou mais, em todas as outras, a quantidade de mulheres tornou-se maior em relação a número de homens, na década de 1990; quadro invertido se analisado e comparado em relação aos apresentados nas décadas de 1970 e 1980 onde os homens eram a maioria em todas as categorias. População por grupo de idade e sexo – 1970/1991. Grupo 1970 de Idade Homem Mulher 0-19 26.018 23.551 20-59 16.456 14.586 60 e + 1.381 1.087 Total 43.855 39.224

1980 Total Homem Mulher 49.569 32.337 32.247 31.042 23.823 23.495 2.468 2.663 2.305 83.079 58.954 58.149

1991 Total 65.584 47.318 4.968 117.713

Homem 47.379 40.052 4.860 92.291

Mulher 48.480 41.896 4.502 94.878

Total 95.859 81.948 9.362 187.169

Fonte: IBGE.

Durante todo o trabalho se falará em bairro e em bairros, mas é certo que não existem bairros em Rio Branco, ao menos de acordo com a conjuntura para constituição legal dos mesmos, com necessidades de delimitação formal, decreto de criação e formalização. Todavia, para que não seja preciso “inventar” um nome ou outra designação que não seja corriqueira ou acertada para a realidade vigente, se falará de onde há habitações, convivências, sociabilidades e, enfim, a transformação do espaço em local como sendo o “bairro”, com a consciência de que, nas palavras de Marco Antônio Otsubo:

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Rio Branco tem hoje uma particularidade, que não existem bairros na sua forma legal. Um bairro sob o ponto de vista legal, tem que ter delimitações físicas, preferencialmente, e que essas delimitações estejam embasadas em algum documento. No caso de Rio Branco, a gente não tem bairros definidos com seus limites físicos. O que existe hoje dentro da cidade como um todo, são as definições populares convencionadas e criadas pelos próprios moradores. A partir de uma criação de um loteamento, seja ele oficial ou não, regular ou irregular. O morador tende a tratar aquilo como seu bairro. Então, às vezes, um loteamento que faria parte de um bairro, que é um contexto maior, uma região que tem característica semelhante em torno, ele passa a ser considerado um bairro. Dessa forma, Rio Branco tem esse número de bairros, considerado absurdo para muitas capitais11.

Vista aérea da área central de Rio Branco – 1980. Fonte: Acervo digital IBGE. 11

Otsubo, Marco Antônio. Engenheiro Civil. Técnico da Divisão de Georeferenciamento da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Rio Branco. Entrevista concedida dia 17/03/2005.

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AS POPULAÇÕES RURAIS EXPROPRIADAS E A PERIFERIA ESTENDIDA A Expansão da Fronteira12 A localidade está contida em um lugar maior e esse passa por conjecturas políticas, econômicas, interesses mercantis e projeções de analogias com fins, ora especulativos, ora cognitivos, em grande parte, oscilando conforme os grupos que estão no controle. Deve-se ressaltar que qualquer atividade conflituosa ou ainda, que conduza a um êxodo, impelindo a uma migração afeta não apenas o local de saída, mas também, o curso, o motivo, as circunstâncias e o local de chegada. As migrações constituem-se em marcos na vida dos indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que provocam rupturas e conflitos. Ao mesmo tempo, apontam para a perspectiva de novos horizontes. É preciso estar atento para o fato de que a mudança espacial implica outras mudanças na vida das gentes migrantes, rela12

No sentido dado por Carlos E. Reboratti: Fronteira é “a área de transição entre o território utilizado e povoado por uma sociedade e outro que, em um momento particular do desenvolver dessa sociedade e de seu ponto de vista, não tenha sido ocupado de forma estável, ainda que já tenha sido utilizado” (REBORATTI, 1990, p. 04) e sua expansão se dá quando a terra, já quase totalmente ocupada, transforma-se de um simples elemento de produção em mercadoria, e como uma das conseqüência aparece uma imigração que não apenas ocupa os espaços vazios, como também “obriga” os pioneiros dessa área a migrar (1990, p. 22).

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cionadas a novas dinâmicas sociais, diferenças culturais e alteração de hábitos no cotidiano, mudanças que também ocorrem na esfera das relações interpessoais, além das rupturas, distanciamentos e traumas decorrentes de situações desse tipo. Ao ter em comum situações de mudanças em suas trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e resistência aos novos espaços e culturas, modificando no próprio processo de mudança espacial, impregnado de rupturas, a reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-se gradativamente uma memória social13. Todo este processo envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivências, não mais da mesma forma que dantes, mas em um outro espaço, em um outro tempo, em uma outra perspectiva, circunstanciados no desenvolver de afinidades e divergências do que se faz no constituir do local. Para os migrantes, a relação entre o passado e o presente remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O passado – que muitas vezes está associado em parte a dificuldades, limitações, escassez e estagnação, considerando o quadro cristalizado em seus locais de origem – também representa aspectos positivos, envolvendo laços familiares, hábitos e práticas do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local. Há uma imensidão de postulações representativas nas vozes desses homens e mulheres. De acordo com Bakhtin, os discursos interagem entre si, ora por intertextualidades, ora por interdiscursividade. E a tentativa de fazer algum tipo de análise, por si só já leva o historiador a mudar a si e ao conteúdo que se propõe a estudar porque, segundo Paul Thompson:

13

FENTRESS, James & WICKHAM, Chris (1992).

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A natureza da memória coloca muitas armadilhas para os incautos [...] oferece[m] também recompensas inesperadas para um historiador que esteja preparado para apreciar a complexidade com que a realidade e o mito, o "objetivo" e o "subjetivo", se mesclam inextricavelmente em todas as percepções que o ser humano tem do mundo, individual e coletivamente (THOMPSON, 1992, p. 179).

A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada ao aumento populacional e aos problemas por ele produzidos; o nascente mercado de terras aos poucos foi se estruturando. Essa expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada pelos governantes para produção que tenha maior rendimento, uma vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das terras. Assim, não apenas os “espaços vazios” são retomados e preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros que os obriga a migrar. Com a presença do médio e grande capital agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, ou que abandonava as terras ocupadas, procurava oportunidades de emprego e negócios, indo para a periferia das cidades. Para se ter em conta, segundo o Anuário Estatístico Estadual de 1977, a renda produzida pela pecuária superava a da borracha. Mesmo os seringais mais produtivos sofriam as constantes pressões para serem transformados em fazendas de criação de gado. Nas décadas que se seguiram ao pós-guerra são vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econômicos do Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre especificamente. O sistema de comunicações foi melhorado, as rodovias abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em Estado, no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria política de colonização oficial, na década de 1970, produziu impacto decisivo sobre o isolamento em que o Acre ainda se encontrava, dando

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continuidade a uma política de integração, para beneficiar o capital que estava se estabelecendo no Acre. Grileiros, “paulistas14” e especuladores compraram terras a um preço extremamente baixo. A expansão territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do Juruá e Purus. Enquanto neste as BR’s 364 e 317 favoreciam a intensificação do contato com frentes demográficas externas; naquele pairou o isolamento, falta de estradas, e a inacessibilidade para imigrantes. Isso fez com que o aumento populacional e a concentração de novas fontes de produção permanecessem estreitamente aglutinadas no leste acreano. O propagandeado futuro fator de desenvolvimento do Acre, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conseguiram enriquecer o Acre com o progresso e o desenvolvimento. Antes, a concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente derrubada das florestas para transformar em pastos, a venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural, são mais visíveis como conseqüência da política implementada e do capital especulativo, que do alardeado progresso acreano. Por conseguinte, as gentes foram migrando na direção campo-cidade, e assim vão se firmando os “bolsões” populacionais ao redor das cidades e às margens das rodovias. Nas cidades, os comércios e as indústrias tiveram a mão-de-obra necessária para produzir, embora não “quali14

O termo “paulistas” é utilizado nesta obra para designar os migrantes do Centro-Sul do país que adquiriram grande parte das terras acreanas para transformá-las em fazendas de criação de gado. Quando das primeiras expulsões em algumas áreas, ao perguntar aos entrevistados quem os retirara das terras, estes respondiam que havia sido os paulistas. Com o passar do tempo o termo “paulistas” passou a ser utilizado para designar os migrantes envolvidos em conflitos nos seringais acreanos durante a segunda metade do século XX.

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ficada”. É certo que durante a década de 1970 e início da de 1980, houve um aumento substancial da quantidade de indústrias e casas de comércio acreanas, além de o Estado tornar-se o principal empregador. Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Xapuri e outras cidades, na década de 1920 experimentaram uma urbanização por causa da borracha, tiveram ao fim dos anos 1950 um aumento considerável em suas populações e nos anos 1980, viram o inchamento de suas periferias pelos que foram expulsos de suas terras. Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970, percebe-se que a população quase que dobrou se comparada ao número de habitantes. Na década de 1960 eram 47. 437 habitantes, na década de 1970 a população riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e 35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes. Nesse período de andanças das populações amazônicas, com cerca de 77% da população migrando, ocorreu também um fluxo populacional para a capital acreana. De acordo com estudos realizados pela SUDAM15, a migração interna de Rio Branco nas décadas de 60/70 foi marcada pela procedência regional e local, com cerca de 60% da população migrante; e os outros 40% provenientes de outras localidades do país, com predominância nordestina – 14% provenientes do estado do Ceará.

15

SUDAM appud OLIVEIRA, 1983.

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MIGRAÇÕES EM RIO BRANCO 1960/1970

34,37%

40,20%

Intra regional Intra estadual

25,43%

Interregional

Fonte: SUDAM

A população que foi atingida pela penetração do capital sulista nos anos de 1970, já residia há várias décadas nas terras acreanas. Os dados obtidos em uma pesquisa efetuada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) no ano de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família que migraram para Rio Branco chegaram há menos de 10 anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa em concomitância com as políticas públicas de acumulação de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR16 vincula a migração dos chefes de família e as andanças populacionais às políticas públicas implementadas no período. De acordo com dados levantados pela SUCAM, a relação entre a quantidade de bairros e número de moradores fora do núcleo central nos anos de 1975 e 1979, demonstra a expansão fronteiriça ocorrida em Rio Branco; em 1975 existiam apenas 19 bairros fora do núcleo central, e, quatro anos depois, em 1979, já se contabilizavaM 26 bairros. Quanto à população desses locais, o número era de 18.176 pessoas em 1975, e, em 1979, passou para 53.935, o 16

CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1983, P. 91.

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que totalizava um acréscimo de 296,7% em apenas quatro anos. Cidade de Rio Branco – Bairros e Número de Moradores Bairros (fora do Núcleo Central) Aeroporto Abraão Alab Aprendizado (Palheiral) Bahia Baixa da COHAB Castelo Branco Cadeia Velha I Cidade Nova Estação Experimental Guiomard Santos Iniciação II Vila Ivonete Jardim Tropical Jardim São Francisco Mascarenha de Moraes Nemmaia Olaria João Vila Quinze Quarto Batalhão Especial de Fronteira Redenção Santa Terezinha Seis de Agosto Santa Quitéria São Francisco Triângulo Oito Placas

Número de Moradores 1975 1979 455 2.219 603 1.438 476 3.935 1.240 3.059 473 1.093 1.882 547 2.055 5.245 435 1.227 2.033 3.304 460 1.073 448 698 766 385 511 1.551 427 1.122 3.020 1.707 4.055 220 1.089 1.407 1.393 1.806 861 471 -

2.471 4.043 4.926 723 2.358 1.387 1.017

Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, apud OLIVEIRA, 1983, p.90.

Em 1976, ao analisar o contingente e as condições de existência da população urbana em Rio Branco, Fernando Garcia de Oliveira, em 1978, registrou a existência de oito bairros pobres, “que diferem dos demais bairros da

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cidade”. Para ele, o fluxo migratório contribuiu para o crescimento da cidade. Afirma ainda que o incremento desse fluxo foi grande se comparadas as proporções com que se deu e os níveis populacionais amazônicos em específico, uma vez que se a população riobranquense no período fosse de quinhentos mil habitantes não se teria sentido de forma tão incisiva o fluxo migratório. Dentre os bairros pobres citados encontram-se os loteamentos não totalmente normalizados: Vila Redenção, Papouco, São Francisco e Aeroporto Velho, além de quatro outros resultantes da intervenção direta das populações chegantes à capital, que são: Cadeia Velha, Cidade Nova, Bahia e Palheiral. A cidade se distribuiu espacialmente nas diversas direções e os bairros periféricos são parte desse processo de alargamento do perímetro urbano. As Colônias Agrícolas do Aviário e São Francisco formaram-se a partir de bolsões pobres. Como eles, os bairros mais antigos como Base e Papouco (Dom Giocondo) tiveram um crescimento acelerado no número de seus habitantes, bem como, o surgimento do bairro Cidade Nova, na outra margem do rio, em terras pertencentes à Marinha. Também, como uma espécie de continuação do tradicional bairro Quinze, apareceram os bairros Triângulo Velho e Triângulo Novo, junto com o Cidade Nova e bairros adjacentes. O que na década de 1970 era um alagado da Marinha, foi povoado e dado o nome de Cidade Nova, este tornou-se o bairro mais populoso da cidade. É provável que seu excepcional crescimento deva-se, em parte, a sua localização próxima às rodovias que dão acesso a Brasiléia, Xapuri, Porto Velho, localidades onde a expulsão dos trabalhadores rurais foi crítica e incisiva. As Formações e Ampliações da Periferia O inchamento da cidade de Rio Branco se deu como resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações dos bairros periféricos e os problemas sociais

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na área urbana. Como conseqüência do acelerado crescimento, os problemas sociais se acumularam, já que Rio Branco não teve suporte para absorver o contingente populacional que se deslocava da zona rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, dentre outros, foram constatados como desdobramentos tão palpáveis quanto dramaticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças sensíveis e características advindas a partir da penetração capitalista. Quando da desmobilização dos soldados da borracha – nordestinos que atenderam ao chamamento do Governo Federal precisando “escolher” entre ir à Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial ou vir para a Amazônia, principalmente para os seringais do Acre, como soldados extratores de látex. Os que para cá se deslocaram cumpriam o propósito de extrair látex para os países aliados, principalmente para os EUA; esses brasileiros agiam como soldados da borracha no meio da selva amazônica – não havia necessidade da produção que se tornava “excedente” em relação às necessidades mercantis urbanas. As áreas agrícolas não se expandiram; mais pareciam um processo de assentamento da população mais pobre que não tinha posse da terra onde permanecia. As áreas agrícolas mais próximas do núcleo urbano, e pouco a pouco, as pessoas nelas residentes, foram afastando-se do vínculo de trabalho diretamente na terra. Rio Branco que havia mantido certa “estabilidade populacional” até meados da década de 1940, quando do fim da Segunda Guerra Mundial, e criação dos núcleos coloniais com o intuito de abastecimento das cidades e fixação dos chamados “soldados da borracha”, na década de 1950 contava com uma população urbana de 9.371 habitantes, dos 28.246 habitantes do município. Passou, pouco depois, pelo que Antônio Teixeira Guerra chamou de “zona ampliada”, para designar as novas áreas urbanas implementadas no território riobranquense, com predomínio de reassentamento na parte norte de Penápolis. A

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essa área Oliveira, ainda em 1982, vai chamar de Primeiro Eixo de ampliação espacial. Os habitantes desse eixo, em meados do século XX, eram utilizados pela administração pública como mão-deobra auxiliar, intervindo a administração pública na organização espacial urbana, construindo obras em alvenaria, numa progressiva expansão da fronteira urbana da capital. A classe média, formada por comerciantes e funcionários públicos, aos poucos teve modificações na edificação estrutural de suas casas, que foram deixando de ser construídas de madeira para serem feitas de alvenaria. Ao mesmo tempo, os moradores pobres residiam na parte externa do núcleo central: a periferia. Guerra descreve que as casas periféricas da primeira zona ampliada ou Primeiro Eixo Ocupacional eram de madeira, cobertas de “palmeira de ouricuri, zinco ou cavacas”. De certa forma, os habitantes desse eixo ocupacional estavam inseridos nas atividades de trabalho, sejam ocasionais ou normais, e até o fim da década de 1960 esse anel periférico se manteve em grande medida delineado, uma vez que a estrutura interna da cidade havia se consolidado no perímetro antigo de Penápolis, contendo o centro comercial e administrativo. O que se pode observar à primeira vista é a constituição esférica nuclear de Rio Branco e o início do sobressalto de Penápolis em detrimento a Empreza. É válido ressaltar que, embora a população urbana estivesse crescendo em projeção geométrica, uma vez que em 1960 era de 17.104, e, em 1970, era de 35.578, o número de bairros das classes médias e bairros pobres ao redor do “centro” eram pequenos, com um incremento contínuo. A construção do espaço urbano de Rio Branco foi produzida a partir das modificações internas e transformação do espaço ocupado nas diversas direções. As zonas ampliadas, a formação e ampliação de alguns bairros em antigas áreas de colônias formaram o Primeiro Eixo Ocupacional.

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Planta Funcional da Cidade de Rio Branco em 195317. Georeferenciamento. SEPLAM/PMRB. 17

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Fonte:

A planta está dividida em 05 áreas distintas, de “A” até “E”, com algumas áreas sem demarcação. A área intitulada “A”

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O Segundo Eixo Ocupacional se deu principalmente a partir dos bairros pobres que já havia certo tempo ocupavam a margem esquerda do rio Acre, na parte próxima ao centro administrativo pertencente à Penápolis. Esses bairros que ficam em Penápolis como Papouco, Base, Preventório, Estação Experimental, Aviário, Cerâmica, tiveram um considerável aumento no número de seus moradores. Também em áreas pertencentes à Empreza, alargaram-se bairros que mais pareciam a continuação – sem infraestrutura – do bairro Quinze, como é o caso dos bairros Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II. A partir do momento que o Acre foi envolvido no processo de expansão econômica, seguindo o modelo do governo federal, suas terras ficaram a disposição do capital oriundo do Centro-Sul, conseguiu-se apartar as terras dos que nela habitavam, pela dificuldade de se adquirir documentação da terra; os posseiros, ocupantes, seringueiros, moradores que nelas residiam, não tiveram acesso à legalização do local onde habitavam; também não era de interesse dos compradores das terras explorá-las produtivamente naquele momento. Como se pode constatar no mapa, a área comercialadministrativa torna-se focal, rodeada pelos bairros de classes médias e famílias mais tradicionais que usufruíam de uma linha de proximidade e ligação direta com o “centro”, sendo, em terceiro plano, percebidos os bairros mais pobres, onde residiam as classes trabalhadoras de moradores pobres. Dada a falência dos seringais, as dificuldades permeantes nos locais onde as populações rurais residiam, a falta de estímulo, a desativação das colônias agrícolas e a refere-se a “Zona ampliada”, descrita por Antônio Guerra; os Espaços que rodeiam as áreas “A”, “B” e “E”, referem-se ao Segundo Eixo, descrito por Luiz Oliveira; a parte Sudoeste do mapa, onde está a pista de aviação, refere-se ao Terceiro Eixo, descrito por Reginâmio Lima.

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incorporação de áreas antes rurais à zona urbana, muitas das famílias foram expulsas das terras em que residiam há décadas. O êxodo rural foi iminente. Os nordestinos recrutados para trabalhar na coleta extrativa eram homens e mulheres outrora oprimidos pelo patrão, mas conseguiram vencer várias etapas, modificar a interação com o trabalho, produzir na agricultura familiar e sobreviver na floresta. Contudo, a expansão capitalista obrigou a eles e a seus descendentes saírem das terras em que habitavam, e esses vieram para a cidade. Muitos se aglomeraram em áreas baixas e alagadiças, como Taquari e Cidade Nova, ou adensaram ainda mais os bairros da Base, Papouco, Quinze ou formaram novos bairros, como Oito Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete, alargando as fronteiras periféricas dos bairros pobres. Não só de bairros pobres foi formado o Segundo Eixo Ocupacional, bairros como Jardim Tropical, Habitasa, Floresta, COHAB do Bosque, Castelo Branco, Bela Vista, dentre outros, configuram-se reduto da classe média emergente, fruto do capital industrial, das relações com o poder público ou de famílias tradicionais riobranquenses. A estrutura urbana não apenas aumentou, mas também valorizou altamente o solo, sendo mais valorizado o próximo ao Hotel Chuí, atual Prefeitura de Rio Branco – no núcleo central e desvalorizando-se à medida que distava deste. O núcleo central da cidade já estava cheio de construções e com o solo valorizado. Havendo a demanda por habitação para a nova classe média que surgia, o embrionário capital imobiliário utilizava as áreas vazias próximas ao centro ou expulsava a população de baixa renda desses locais ocupados para erguer casas mais “sofisticadas”. Frutos da “modernização” de algumas funções urbanas no Estado e das formas de ligação com o Centro-Sul, surgiram os redutos de classe média. Os chamados novos segmentos de classe média, recrutados entre negociantes, técnicos e especialistas vindos do Centro-Sul e Nordeste; e

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elementos locais associados a velhas formas de dominação, vão influir sobre o chamado mercado imobiliário. Acerca de Governos e Jornais Desde 1964, com a reorganização econômica proporcionada pelo Governo, após o Golpe Militar, houve uma visível política de transferência de seringais para empresários do Centro-Sul. Procópio afirma que várias transações aquisitivas de terras foram feitas, inclusive transações fraudulentas de terras no país, a ponto de se instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, no ano de 1968, para apurar as denúncias, tendo como resultado a verificação de mais de 150.000 Km² de área de terra negociados para grupos estrangeiros. O deputado Haroldo Veloso, da Aliança Renovadora Nacional – ARENA – apresentou tais resultados em seu relatório. O projeto de transformação da economia acreana passou por um processo que contou com o apoio do governo do Acre, quando o então governador Jorge Kalume apoiou a “Operação Amazônia”, assinando junto com outros governadores, políticos, intelectuais e empresários a “Declaração da Amazônia”, de 11 de dezembro de 1966. Essa declaração era fruto da reunião denominada “Investidores da Amazônia”, ocorrida a bordo do navio Rosa da Fonseca, no Rio Amazonas, em dezembro de 1966. Em um dos itens da declaração acima citada lê-se: “que os índices de evolução da economia regional, nos anos recentes, demonstram uma tendência espontânea à gradativa substituição do extrativismo, como setor principal por atividade economicamente mais produtiva e socialmente mais evoluída”. Juntando-se a isso, no ano de 1971, o BASA suspendeu as linhas de financiamento aos seringalistas endividados, por considerá-los incapazes de saldar seus compro-

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missos, decorrentes de empréstimos feitos ao banco. No mesmo ano, o novo governador acreano, professor Wanderley Dantas, indicado pelo presidente Garrastazu Medici, acreditou nessa política de modernização autoritária do Governo Federal e facilitou a aquisição de terras por empresários de outros lugares. Como vários estados pobres, que dependiam de recursos federais para se manter, o Acre fez o que era parazível à política do “Brasil Grande Potência” e seu governador propagandeava as virtudes do solo e do clima acreano por todo o Brasil, principalmente pelo Centro-Sul, com slogans do tipo: “um nordeste sem secas”, “um Paraná sem geadas”; “Acre, uma nova Canaã”; “Invista no Acre e exporte pelo Pacífico”. Esse tipo de atitude foi visto e produzido por vários Estados, ministérios e intendências. No início dos anos 70, a reocupação das terras acreanas, proveniente da corrida pela incorporação de áreas de fronteira, fomentada pelo Governo Federal, se deu pela inserção de grandes grupos econômicos, principalmente empresários paulistas. Três militares estiveram no mais alto posto de comando da nação durante o período de formação do Terceiro Eixo, indicaram diretamente os governadores do Acre e agiram na dinâmica – ainda que parcial – da escolha dos prefeitos. Esses generais-presidentes governaram o país durante um longo tempo e traçaram sua política para a nação, sendo os generais: Emílio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974; Ernesto Geisel, de 1974 a 1979; e João Baptista Figueiredo, de 1979 a 1985. Com a aprovação do primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento – PND –, em 1971, com abrangência de 1972 a 1974, durante o governo Médici, foi produzida uma série de investimentos nos setores siderúrgico, petroquímico, transportes e energia, foi criado o Mobral, iniciaramse grandes obras como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica; era um tempo de entusiasmo e euforia no

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chamado período do “milagre brasileiro”. Houve o aumento da produção industrial, crescimento das exportações e acentuada utilização de capitais externos. Mas nem tudo foi bonança, com a crise do petróleo de 1973, a conjuntura favorável desapareceu, a inflação cresceu e também a dívida externa. O governo montou um amplo esquema de controle autoritário da sociedade e adotou uma rígida política de arrocho salarial. Geisel enfatizou a necessidade de crescimento e expansão das indústrias, e pôs em vigor o segundo PND. Figueiredo também pôs em prática o terceiro PND, de 1980 a 1985, onde exprimia o pensamento de desenvolver a sociedade de forma livre, equilibrada e estável; assumindo o compromisso histórico de promover o aumento da “abertura política”, visando a democratização do Brasil. Nesse período o que se viu foi o agravamento da crise econômica influindo diretamente na dívida externa, inflação e no desemprego. Os diversos segmentos da sociedade se organizaram e resistiram ao autoritarismo político, e aos poucos, foram conquistando espaços através da diminuição progressiva da censura, anistia a diversos condenados políticos, volta do pluripartidarismo e das eleições diretas para governadores de estado. Nesse período houve a “abertura consentida”, a deflagração da campanha das “diretas”, que culminou com a retirada de cena dos militares e o governo voltou a ser exercido por civis. Quanto aos governos acreanos no período em questão, pode-se dizer que o de Wanderley Dantas foi o que abriu as fronteiras para o grande capital e aos empresários do Centro-Sul, procurando não intervir nas questões de conflitos de terra, e omitindo as políticas públicas de proteção aos trabalhadores que eram expulsos de suas terras. O governo Geraldo Mesquita tinha uma perspectiva liberal do Estado, com ênfase no Estado de direito, em seu governo houve uma abertura, ainda que pequena, da

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imprensa e dos órgãos oficiais às causas trabalhadoras. O governo Joaquim Falcão Macedo mostrou-se omisso no que tange às espúrias relações estabelecidas entre as forças de segurança pública e os interesses privados, o que fez com que os “donos da terra” retomassem a ofensiva, procurando cessar a força e combatividade atingida pela organização dos trabalhadores. O governo Wanderley Dantas estabeleceu como diretriz-marco de sua política a incorporação do Acre ao mercado nacional. Com o objetivo de desenvolver o Acre e “integrá-lo” ao Brasil, numa ocupação de “espaços vazios”, ele apenas fazia a vontade do Poder Central, uma vez que, a dinâmica utilizada foi o reflexo do “Projeto Oeste”, enfatizado por uma pretensa necessidade de segurança nacional. Para atrair os empresários do Centro-Sul e garantir sua instalação nas terras acreanas, conversou com diretores do Banco da Amazônia sobre a necessidade de equacionar os problemas de créditos concedidos aos produtores de borracha, abriu estradas pioneiras, conservou e melhorou outras, interligou cidades. Na visão de economia competitiva, dinâmica e moderna, adotada pelo governo brasileiro para o Acre, a vocação pecuária e de extração de madeira é que lhe foi assentada, sempre na idéia de uma ligação direta com o pacífico, para a exportação desses e outros produtos. O governo Geraldo Mesquita tinha consciência das riquezas que ainda poderiam ser produzidas com o bom aproveitamento do solo e dos recursos que se fazem presentes na região. O seu plano de governo convocava os acreanos para a construção de um Estado pujante, rico e forte, onde só com a ação integrada entre povo e Governo se poderia ser “germinada a semente que plantaremos”. Há a reafirmação do modelo de desenvolvimento proposto pelo Governo Federal, onde o Acre, por sua localização geográfica próxima ao Pacífico, funcionaria como um “corredor” natural em sentido de mão dupla, colocando

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junto aos grandes mercados, as mercadorias brasileiras de exportação e recebendo as necessárias ao consumo nacional. O governo buscou valorizar as potencialidades naturais da região e do homem da zona rural, frente à crise pela qual passava a produção da borracha. No plano político apresentado, o Governo tinha o objetivo de realizar a “ocupação econômica” da parte central do Estado, na tentativa de colonizar e integrar os dois principais vales que dividem o Acre, bem como a implantação de um pólo regional de desenvolvimento em Assis Brasil e projetos agroindustriais. O governo Joaquim Macedo tinha consciência da formação de “bolsões” populacionais na periferia e da necessidade de uma política de terras voltada para a resolução dos problemas rurais, contudo, não observou a forma desorganizada em que estava a estrutura fundiária acreana, tampouco abriu o acesso à terra para a maioria dos trabalhadores do campo. Pelas políticas adotadas – ou falta delas – o fluxo populacional, que havia diminuído no governo de seu antecessor, voltou a crescer, impelindo as populações, pela necessidade de sobrevivência, à periferia dos centros urbanos, em grande medida, à periferia de Rio Branco. No âmbito municipal do período em questão, Rio Branco passou por uma Intervenção Federal através do Decreto Legislativo nº. 05/64 que durou até junho de 1977, quando foi suspensa a Intervenção Federal do Município, através do Decreto 79.890. Os prefeitos nomeados no período foram os seguintes: Adauto Brito da Frota, de 1966 a 1971; Durval Wanderley Dantas, de 1971 a 1975. E os interventores foram: Adauto Brito da Frota (que já houvera sido nomeado), de 1975 a 1977; Fernando Inácio dos Santos, de 1977 a 1983 (PMRB, 1983). Os conflitos no campo se desencadeavam desde 1971, mas somente em 1976, as notícias que já corriam a

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boca pequena começaram a aparecer aos poucos no jornal “O Rio Branco”. As matérias se sucederam com os seguintes títulos: ‘Polícia Prende 4 posseiros’; ‘Colonos dizem porque invadiram o Seringal Catuaba’; ‘Posseiros de tocaia matam capataz da fazenda’; ‘Família de seringueiro viveu noite de terror’; ‘Posseiros atacaram peões na defesa de suas terras’; ‘Polícia de Boca do Acre continua buscando posseiros de tocaia’; ‘SUDAM: situação fundiária no estado do Acre é problemática’ (COSTA SOBRINHO, 2000, 77).

Pelo que se pode ver, as notícias dão idéia de um conflito no campo, mas a aparência que se tem é a de os posseiros estarem ilegitimamente no lugar. É como se eles buscassem algo que não era seu de direito, como se o lugar estivesse lá há décadas e só naquele momento os posseiros tentassem entrar, o que não é verdade. Os posseiros é que residiam no local há décadas, seus pais morreram e foram enterrados lá, aquelas terras eram deles por usucapião, mas não tinham o Título Definitivo, que foi dado aos compradores do Centro-Sul e grandes empresas capitalistas. Domingues ao fazer sua monografia de conclusão de curso sobre “Os 30 anos da História Oral do Jornal ‘O Rio Branco’”, reflete em sua escrita o que mais parece uma Ode ao jornal o Rio Branco, aparentemente demonstrando que as idéias contidas neste acerca das “populações em conflito por um lugar para morar” mais parecerem com as suas próprias. O que deveria ser uma análise ou pelo menos um estudo acerca do assunto, denota a forma como alguns estudiosos vêem as gentes que se dirigiram para a Capital durante as décadas de 1970 e 1980: percebem-nas com “ar de inferioridade”. Domingues (2002, p. 17) afirma que “a partir de 1972 de forma mais sistemática, iniciou-se a explosão migratória populacional do campo para as periferias de Rio Branco” e que esse “era o marco divisório entre o cresci-

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mento ordenado, lento e organizado de décadas anteriores substituído pelo êxodo rural, causando o desordenado inchaço das periferias da cidade...”. É sabido que não foi assim que ocorreu. Rio Branco não passou por uma sistemática explosão migratória, e sim, que esta se deu por causa de fatores anteriores e alheios à vontade das gentes tornadas migrantes. De mesma forma, não é certo dizer que o início da década de 1970 foi o “marco divisório do crescimento ordenado”, uma vez que Rio Branco não teve uma ordenação estrutural em seu espaço, senão no início de Penápolis e em alguns pontos isolados para o que se chama de “conjuntos habitacionais”; tendo em vista os poucos Planos Diretores efetuados nunca terem saído do papel. Assim, não se deve imputar culpa às gentes que vieram para a Capital inferindo a elas o “desordenado inchaço das periferias da cidade”. Em trabalhos como o supracitado está latente a visão preconceituosa sobre o modo de vida nas periferias riobranquenses, ao generalizar as formas de vida e necessidade de sobrevivência dos “excluídos”. Mesmo que cerca de um terço de seu trabalho seja formado por transcrições de relatos orais, não há a aparência de compreensão do que eles significam em seu contexto, há uma generalização e “coisificação” das populações migrantes, não apenas tratando os homens e mulheres adultos como relegados ao caos e à “escória social”, mas também taxando seus filhos, todos eles, com o selo de “prostitutas” e “assaltantes”, ao afirmar literalmente que: (...) Restou ao humilde seringueiro ser peão dos atuais patrões ou perambular pelas ruas como picolozeiros (sic), varredores, vendedores de “biriboute”, braçais, pedreiros, camelôs e proprietários de barraquinhas onde se vende doces e cigarros. Como parte do legado seus filhos hoje são os novos assaltantes, assassinos e freqüentadores de bares e donos de boca-de-fumo da cidade que abastecem de

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drogas os filhos dos fazendeiros; suas filhas são as prostitutas, a maioria jovens adolescentes, que também servem aos filhos dos fazendeiros, políticos e abastados comerciantes nas noites quentes de Rio Branco (2002: 15 – grifo nosso).

Enquanto a imprensa local mantinha seu silêncio e aos poucos foi abrindo espaço para constatar de forma tímida o que era óbvio e latente, a situação já era vista e denunciada através de jornais alternativos como “Varadouro”, “O Berração”, de boletins como “Terra” e “Nós Irmãos”, de programas de rádio como “Somos Todos Irmãos”, da Igreja Católica. No Sul do país a imprensa já noticiava o assunto em jornais como “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Estado de São Paulo”, este último tinha inclusive um correspondente local, o jornalista Élson Martins da Silveira, que mesmo cobrindo tais fatos para enviar ao Sul do país, não encontrava espaço para publicá-los nos jornais locais.

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Jornal O Berração. Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.

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Jornal Varadouro, agosto de 1977 (à direita). Fonte: Acervo Digital: Memorial dos Autonomistas.

A Igreja Católica e a Luta pela Terra A terra estava ganhando ares de mercadoria. O novo modelo de ocupação produzido pela pecuária retirava os trabalhadores da floresta e lhes negava mínimas condições de sobrevivência. As decisões da justiça estavam comprometidas com o modelo de desenvolvimento, a própria imprensa e os meios de comunicação eram extensões do

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poder, omitindo-se acerca das questões agrárias e fazendo absoluto silêncio sobre as contradições no meio rural. A Igreja Católica que já não tinha o conservadorismo como marca dominante em suas hostes, encontrava base de evidência na realidade econômica em curso, como ocorreu em Medellín18. A prelazia acreana-puruense percebeu esse problema e começou a agir, intervindo nas questões por meio de informativos, integração e unificação dos trabalhos das Comunidades Eclesiais de Base, uma vez que o Estado, ávido pela “modernização”, deixava clara sua ausência de neutralidade. Em maio de 1971, mais precisamente entre os dias 1 e 14, foi realizada a Assembléia Geral da Prelazia no Paço Episcopal, sob iniciativa do prelado Dom Giocondo. Nessa que contou com 39 agentes da pastoral, padres, religiosos e alguns voluntários, decidiu-se por uma “nova experiência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e a formação espiritual e pastoral de líderes leigos” (Diocese da Ordem das Servas de Maria, 1986: 3). Com a seqüência dos fatos, a chegada de novos padres, a morte de Dom Giocondo, a instituição do boletim, a reorganização das CEBs e o treinamento dos monitores, a Igreja se fez mais atuante, valendo-se de sua legalidade-legitimidade espitirual, cultural e institucional, idealizando concepções opostas as do poder do capital. Em dezembro de 1971, foi lançado o primeiro boletim informativo intitulado “Nós Irmãos”, que divulgava a ação religiosa e orientava as CEBs sobre as formas de trabalho e as notícias de várias comunidades, como o exposto seguinte:

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A Igreja Católica reunida em Melellín em 1968, definiu algumas linhas pastorais a serem seguidas, onde primava pela promoção humana e uma Igreja crítica embasada na realidade.

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Alô, gente. Aqui estamos fazendo de Nós Irmãos, a voz de toda a prelazia. Num momento como este em que a prelazia está embalada pastoralmente, este boletim vem a ser um elo de união entre todas as comunidades. Notícias das comunidades de Brasiléia, Sena, Quinari, Boca do Acre, Leprosário, Xapuri, Experimental etc. serão conhecidas em todos os cantos. Deixaremos de viver ilhados (...) Momentos de dor como o desaparecimento do nosso saudoso D. Giocondo, e momentos de alegria como o das novas caminhadas pastorais (Boletim “Nós irmãos”, 1971, ano I, nº. I).

A Igreja acreana tinha inserido em seu boletim pastoral temas relacionados com os grupos e movimentos sociais, e mesmo as temáticas religiosas eram tratadas numa linha “progressista libertadora”. Mais tarde, no período de 1973 a 1976, a Igreja instituiu o programa radiofônico “Somos Todos Irmãos”, veiculado pela Rádio Difusora Acreana, aos sábados às 6 horas e às 18 horas, no mesmo molde de orientação do boletim “Nós Irmãos”. Na época o rádio era uma das poucas fontes de informação do seringueiro e servia de ligação deste com o exterior de onde morava. A Igreja fortaleceu os laços com os seus membros, foi visto também uma abertura nos trabalhos e conseqüente expansão como se vê em dois boletins informativos que, ao serem comparados, dão notícia de um crescimento intenso e ampliação da cobertura pastoral. De acordo com os Boletins “Nós Irmãos” de dezembro de 1972 e de agosto/ setembro de 1981, houve um aumento considerável no número de monitores e CEBs. Em 1972 eram 215 monitores e 06 CEBs na prelazia Acre-purús da Igreja Católica; em 1981, eram 1.200 monitores, 1.000 grupos de evangelização, e mais de 1.000 CEBs, pondo em prática sua ação pastoral. Com as constantes expulsões de seringueiros e venda indiscriminada de terras, mais de 600 famílias xapu-

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rienses foram obrigadas a migrar para a Bolívia; Brasiléia, Tarauacá e Feijó, tiveram grandes áreas vendidas a empresários sulistas; foram muitas as ameaças de morte e os conflitos no campo. Tudo isso fez com que a igreja tomasse uma decisão. Entre os dias 17 e 21 de junho de 1974, foi realizado o primeiro encontro do vicariato do Acre, em Xapuri, onde as linhas pastorais da igreja do Acre e Purus foram delineadas. Além de denunciar a violência contra colonos e seringueiros, conclamando os agentes pastorais a defender os trabalhadores rurais, esse documento ficou conhecido como “Documento de Xapuri”, e dava orientação sobre o problema da terra. Esse documento foi assinado por Dom Moacyr Grechi com outros doze padres e foi veiculado em jornais, boletins e emissoras de rádio; embora tenha sido desconsiderado pelos investidores que aqui se instalaram, aos poucos os trabalhadores foram se conscientizando de seus direitos. Em 1975 houve um encontro em Goiânia, onde cristãos, entre bispos, padres, religiosos e leigos se reuniram entre os dias 16 e 22 de junho, discutiram as necessidades e os problemas da terra que afligiam a Amazônia Legal e o restante do país. No desfecho desse encontro, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) instalou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e o bispo acreanopuruense que participara do encontro, Dom Moacyr Grechi, foi eleito seu primeiro presidente. A igreja auxiliou na formação dos sindicatos rurais, deu apoio logístico, mobilizou as comunidades e atuou diretamente na formação e transformação dos espaços sociais e ambientes urbanizados, auxiliando as lideranças e lutando por uma condição melhor de vida aos homens e mulheres expulsos da zona rural que vieram para as cidades em busca de melhores condições de vida.

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Conflitos no Campo e a Luta pela Sobrevivência Com os seringais falidos e o capital mercantil sujeitando com menor rigidez os trabalhadores, houve uma cultura de produção de subsistência nas colocações, uma pequena, mas existente, migração de volta ao Nordeste, além do fluxo de andanças que se estabeleceu. Os seringueiros já haviam constituído família e o conseqüente aumento populacional em tempo de crise foi um dos motivos para a modificação das formas de relações no ambiente estabelecido. As poucas estradas atendiam parcialmente o Vale do Acre-Purus, enquanto o Juruá somente era atendido por via fluvial ou os mantimentos eram trazidos no lombo de animais. A relação de aviamento para os que ficavam nas colocações foi sendo proporcionada pelos regatões, enquanto a agricultura familiar proporcionava parte dos viveres necessários para o mantimento. Muitos dos homens e mulheres que habitavam as regiões de Tarauacá e Feijó foram obrigados a se retirar das terras em que viviam. É sabido que os migrantes do Centro-Sul também instalaram-se em Tarauacá e Feijó, principalmente próximo às BRs, nos casos em questão, da BR-364. Assim, quanto à transformação de seringais em fazendas, Sandra Basílio escreveu: (...) os seringais foram pouco a pouco transformados em grandes fazendas, chegando algumas delas a ter a extensão de 1 milhão de hectares. Na região do Vale do Rio Juruá. No município de Feijó, com uma área aproximada de 1 milhão e 900 mil hectares, dois grandes grupos declaravam-se possuidores de 1 milhão e 100 mil hectares. Tarauacá, também na região do Vale do Juruá, com uma área aproximada de 2 milhões e 400 mil hectares, um grande proprietário de seringais jactava-se de só ele ter vendido 2 milhões e 200 mil hectares a fazendeiros do sul do país (BASÍLIO, 2001, p. 77).

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Nos casos dos municípios do Vale do Acre e do Purus, a ocupação foi mais extensa e predatória. A derrubada de árvores e queimadas mataram muitos animais, portanto, a sobrevivência do homem da zona rural ficou cada vez mais difícil com o cerceamento de víveres para a coleta, a escassez da caça, as pressões dos grileiros e a derrocada da “economia gumífera”. Anos 1975 1978 1980 1975-1980

Km² 1.165,5 2.464,5 4.626,8 8.256,8

% do Estado 0,8 1,6 3,0 5,4

Desmatamentos no Acre entre 1975 e 1980. FONTE: Banco Mundial apud BASÍLIO, 2001. p. 83.

Os desmatamentos foram tamanhos que, de acordo com o Banco Mundial, entre 1975 e 1980, cerca de 5,4% das terras acreanas foram desmatadas. Seguindo sempre o traçado das BRs 364 e 317 e da AC-40, a atividade de compra das terras se deu mais atuante nos municípios de Plácido de Castro, Senador Guiomard, Boca do Acre, Rio Branco, Sena Madureira, Assis Brasil, Brasiléia e Xapuri. Os seringueiros e os posseiros não faziam parte dos planos dos compradores dos seringais, antes, eram vistos como ameaça à propriedade da terra. Assim foram expulsos índios, seringueiros e posseiros numa denominada “limpeza da área”, que contava com fazendeiros acompanhados de jagunços, advogados, pistoleiros, indo até a colaboração de policiais, oficiais de justiça, promotores e juízes, na defesa desses ditos “cidadãos honrados”, que tantas vezes, por suas atitudes, se confundiam com especuladores e grileiros.

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A ocupação do espaço enquanto território local é configurada como disseminação da propriedade privada da terra. Contudo, ao mesmo tempo é um movimento de privação dos direitos costumeiros daqueles que imaginam tê-los. Toda essa violência pela qual passaram os trabalhadores rurais fez com que se deslocassem das terras ocupadas, em troca de uma ínfima indenização, migrando para a área de fronteira na Bolívia ou inchando os centros urbanos, principalmente de Rio Branco, onde estendiam a fronteira da periferia, formando uma paisagem de miséria e ambiência urbano-rural, como no caso da parte norte do bairro Aeroporto Velho que foi formado por migrantes expulsos do seringal Riozinho, na área do Riozinho do Rolla, município de Rio Branco. Quanto a essa violência motivada pela luta em busca da posse da terra o Bispo Dom Moacyr Grechi, da Prelazia do Acre-purus, no ano de 1977, na CPI da terra afirmou: Sendo que a terra é geralmente ocupada por famílias de seringueiros e agricultores, um dos primeiros objetivos dos fazendeiros é o de ‘limpar a área’, isto é, tirar das terras moradores que nelas trabalham há 5, 10, 20 ou 40 anos, sem o menor respeito pelos direitos dessa gente. Aproveitando-se do fato de os seringueiros e colonos não conhecerem as leis agrárias e os direitos que elas lhe garantem, ou por não ter como fazê-los respeitar é comum a prática de expulsar posseiros através de metodos como: a) Não fornecimento de mercadorias para os seringueiros, obstrução dos varadouros, proibição de desmatar e fazer roçados; b) Compra de posses e benfeitorias por preços irrisórios ou quando muito, em troca de uma área bem inferior ao módulo, que não permitirá ao posseiro trabalhar ou progredir; c) Atuação de pistoleiros que amedrontam os posseiros numa guerra psicológica através de ameaças ou mesmo com espancamento e outras violências;

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d) Ameaças feitas por policiais a serviço de proprietários, prisões de posseiros por questões de terra sem ordem judicial ou por ordem judicial sem que se tenha movido ação competente (Diário do Congresso Nacional – 28/09/1979: 310).

Ao analisarmos jornais do período de 1971 a 1982, foram pouco mais de meia dúzia as inserções escritas que falavam dos posseiros enquanto vítimas dos conflitos pela terra nas áreas de ocupações. O que se vê nos jornais oficiais é que essas populações estavam invadindo ou ocupando uma área que não lhes pertencia – o que não é verdade. Os seringueiros, posseiros e índios estavam lá há muito tempo, estes desde há vários séculos, e aqueles, desde a abertura e expansão da fronteira acreana. Um estudo já citado do CEDEPLAR revelou que, de modo geral, as práticas criminosas contra pequenos ocupantes eram acobertadas pelas autoridades locais que conscientemente omitiam-se de tomar atitudes contra os agressores. Também se pode dizer da Delegacia Regional do Trabalho, instalada no Acre em 1969, somente em 1972 funcionou com regularidade, mesmo que em condições precárias de instalação. A Justiça do Trabalho, criada em 1970, somente foi instalada três anos depois. A partir da resistência dos posseiros e dos confrontos armados, o clima de tensão ficou perturbador, os trabalhadores começaram a resistir à brutalidade dos “paulistas”, dos jagunços e peões em Catuaba, Califórnia, Nova Empreza, Guanabara, São Francisco, dentre outros locais. Somente em 1974 a representação do INCRA no Estado passou a ser uma Coordenadoria Regional da Amazônia Ocidental, com jurisdição e autonomia no Acre e Rondônia, para intervir na questão fundiária. A ação do INCRA objetivava, a priori, evitar e/ou conter a violência nos conflitos originados da luta pela terra e reconheceu que os pequenos ocupantes de terras acreanas tinham

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direitos adquiridos pela ocupação das mesmas, embora não tenha agido com essa propriedade por muito tempo. Em 1975 foi instalada no Acre a Delegacia da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), que interferiu e orientou as ações de produtores rurais, posseiros e seringueiros contra o intento dos “novos donos da terra” de expulsá-los. Os conflitos pela posse da terra estavam em vários lugares, embora a maior concentração se desse em Xapuri. De acordo com Costa Sobrinho, a CONTAG estabeleceu três linhas de ação baseada no Estatuto da Terra e no Código Civil de 1917: A primeira linha orientava que o trabalhador permanecesse na terra, resistindo a todas as pressões e não aceitando indenizações, pois contavam com a Lei 4.504 do Estatuto da Terra, que assegurava a posse, após a permanência na terra, por mais de um ano e um dia. Recomendava também o plantio de bem de raiz, e até de pastagem, se não tinha benfeitorias, pois no caso do seringueiro a madeira já estava presente naturalmente na floresta, podendo descaracterizar a posse, se não houvesse documento comprobatório. A segunda linha orientava o seringueiro a não pagar a renda, pois esse pagamento implicava no reconhecimento do dono da terra, portanto podia negar a posse e revelar a condição de arrendatário, criando assim dificuldades na justiça, quando da defesa dos direitos, de acordo com a Lei avocada. A terceira linha orientava o seringueiro a comprar mercadoria a quem melhor lhe conviesse e vender a borracha pelo melhor preço oferecido. A liberdade de comprar e vender dava um golpe fatal no barracão. A segunda e a terceira linhas de orientação decretava a morte do seringalista e do arrendatário dos seringais (COSTA SOBRINHO, Op. Cit, p. 171).

Em Sena Madureira, no dia 20 de setembro de 1975, no Colégio Santa Juliana, com 557 trabalhadores presentes foi fundado o primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais

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do Acre (pós-golpe de 1964). Sendo eleito para presidi-lo Adelí Bento da Silva. No dia 21 de dezembro do mesmo ano foi fundado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, onde se reuniram 890 trabalhadores em assembléia, sendo eleito Elias Rosendo de Oliveira para presidente. Em ambos os sindicatos a maioria dos associados eram seringueiros, e em Brasiléia, fizeram-se nomes de destaque nacional e internacional, como Wilson de Souza Pinheiro e Francisco Alves Mendes (Chico Mendes). Desses sindicatos formados, pode-se dizer a princípio, que o presidente do Sindicato de Sena morreu misteriosamente afogado; Wilson Pinheiro e Chico Mendes foram assassinados. Contudo, a luta não cessou, das várias formas de luta gestadas ali, o “empate” tornou-se símbolo da resistência, da nova fase de luta dos seringueiros. Os “empates” eram mutirões feitos para evitar os desmatamentos em áreas ameaçadas pelos fazendeiros. Quanto a essa forma de luta Elder de Paula escreveu: Há todo um processo de preparação dessas mobilizações, que vai desde a denúncia da entrada dos peões numa determinada área para iniciar os preparativos para o desmatamento, até a convocação pela direção sindical, dos seringueiros da zona atingida, com a finalidade de tomar uma posição sobre o problema. Nessas reuniões via de regra, os representantes sindicais passam as informações mais detalhadas sobre o desmatamento, tais como dimensões da área, finalidade, proprietário mandante, etc... Depois avalia-se o número de colocações que seriam atingidas direta ou indiretamente. A seguir, discutese a posição que os seringueiros devem tomar. A decisão é sempre a de “empatar” o desmatamento, e então os detalhes são combinados que irá participar, as estratégias a serem adotadas, o horário de saída para o local do acampamento dos peões, os líderes do grupo procuram o responsável pela “empreita”, comunicam a decisão de empatar o desmatamento, aconselhando-os a se retirar da área. O clima é sempre demarcado por muita tensão (PAULA, 1991, p. 45 e 46).

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Também Xapuri e Rio Branco tiveram seus Sindicatos de Trabalhadores Rurais, este formado em 23 de maio de 1976, com 1.352 participantes em assembléia inicial; e aquele em 09 de abril de 1977, com 302 trabalhadores em sua assembléia inicial. Todos esses sindicatos associados conseguiram o objetivo intentado de “empatar” as derrubadas. No início, eram apenas homens a fazer parte dos “empates”. Os fazendeiros para “proteger” os peões, chamavam a polícia que efetuava várias prisões. Por outro lado, os sindicatos acionavam os advogados para soltar os seringueiros, alegando falta de provas aos delitos de que foram acusados. Os empates aumentaram sua proporção, a ponto de mulheres e crianças participarem para inibir a violência policial.

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O TERCEIRO EIXO OCUPACIONAL DE RIO BRANCO Aspectos Gerais O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco se deu na área que sai do núcleo central da cidade, que até o fim da década de 1960 era habitado de forma intensiva somente até a Secretaria de Estado de Educação – antigo Centro de Treinamento – indo em direção ao Aeroporto Velho. Os bairros pobres dessa área foram formados a partir de três perspectivas: loteamentos, ainda que não totalmente estruturados, invasões e ocupações. Quanto ao Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, Oliveira escreveu: Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande superfície de áreas verdes naturais, as quais foram inteiramente derrubadas durante a década passada. Uma das primeiras ocupações nesse eixo foi aquela anteriormente descrita, que acabou sendo expulsa em 1973, vindo a formar mais adiante o bairro do Palheiral. Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a ocupação de áreas ainda prossegue nesse eixo e os novos bairros vão se formando, como o bairro João Eduardo (...) (Oliveira, 1982, p. 39).

O Terceiro Eixo limita-se ao norte com os bairros Novo Horizonte, Castelo Branco e Volta Seca; a leste e a

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sul com o Rio Acre; a oeste e a sudoeste com a Estrada da Floresta. A Secretaria Municipal de Planejamento produziu um mapa no ano de 1979, onde fazia o reconhecimento viário de Rio Branco, com suas respectivas áreas consideradas urbanas. A partir desse mapa, fazendo-se um recorte de área, pode-se ter uma visão de como a Prefeitura concebia o local onde estava se formando o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. A área em formação que se dava nessa parte da cidade não tinha um único registro efetuado pela prefeitura. No ano de 1979, a Secretaria Municipal de Planejamento e o Cadastro Imobiliário, produziram dois mapas distintos sobre o mesmo local.

Recorte de Rio Branco/SEPLAM – 1979. FONTE: Setor de Planejamento/PMRB – 1979 (Recortes do Autor).

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Recorte de Rio Branco/Cadastro Imobiliário – 1979. FONTE: Setor de Cadastro Imobiliário/PMRB – 1979 (Recortes do Autor)

Comparando-se os mapas acima, ficam demonstradas duas idéias: a primeira é de como o setor de planejamento da Prefeitura Municipal de Rio Branco via a área no ano de 1979, uma vez que este foi recortado respeitando fielmente o mapa da cidade de 1979, existente na Secretaria de Planejamento Municipal; a segunda é que não havia uma constituição única de mapa ou convenção, uma vez que o Setor de Cadastro Imobiliário apresenta no mesmo ano e mesmo setor um outro mapa, em grande medida, diferente do primeiro, não reconhecendo a existência para cadastramento de imóveis nos bairros João Eduardo I

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e II19, mas já cadastrando as ocupações existentes nos Bairros da Glória, Pista e Bahia Nova. No que tange ao espaço analisado, pode-se afirmar que a população total da área que se costuma chamar “Baixada da Bahia” ou “Baixada da Sobral”, já em 1975, era formada por pelo menos quatro bairros: Glória (formada a partir da ocupação da área próxima à pista de pouso, em frente ao bairro Aeroporto Velho), Aeroporto (Velho), Aprendizado (Palheiral) e Bahia, com um total de aproximadamente 2.171 habitantes, segundo a SUCAM. Oliveira, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”, fala de um bairro chamado Terminal, cujas terras foram anexadas ao Aeroporto Velho. Contudo, não há relatos, nem mesmo dentre os moradores antigos do local, da existência de um bairro chamado Terminal naquela área. O que existiu foi um terminal de combustível da Petrobrás na área próxima à IBRAL e os moradores que se instalaram na região próxima chamaram a rua, que fica à margem do rio, nas terras do Colégio Aprendizado, de rua do Terminal, se aglomerando nesta e nas ruelas concorrentes, todas fazendo parte do bairro Aeroporto Velho. O bairro Aeroporto Velho foi formado na área correspondente ao campo de pouso e decolagem de aviões de pequeno e médio porte Francisco Salgado Filho. Nesse local, em 1939 fora inaugurada a primeira pista para pouso e decolagem de aviões de pequeno porte, com o primeiro vôo partindo de Rio Branco para Xapuri. Em 1950, o então governador do Território do Acre, senhor Guiomard dos Santos reformou e ampliou a pista que tinha início nas terras da atual escola Serafim da Silva Salgado, traçando 19

O Setor de Cadastro Imobiliário reconhece a existência de imóveis na área oeste do que se configura o Salgado Filho (João Eduardo I e parte do João Eduardo II), mas não tipifica em seu mapa cadastral tendo em vista os referidos bairros se encontrarem em área de litígio.

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uma reta até próximo à beira do rio, fazendo um paralelo com a atual estrada da Sobral e perpendicular com a atual rua Ari Rodrigues. Com a construção do Aeroporto Internacional Presidente Médice, no Segundo Distrito de Rio Branco, o primeiro campo de pouso de aviões foi desativado. Os bairros Bahia, Glória e Aprendizado (Palheiral) tiveram suas áreas habitadas por populações em movimento, sendo estes formados por moradores que em 1973 foram expulsos da área que ocupavam no limite da Rua Rio Grande do Sul, para que fosse construído um dos primeiros conjuntos habitacionais da cidade, o Castelo Branco; anteriormente, parte dessa população havia sido expulsa do bairro Cadeia Velha, para que fosse erguido o Conjunto Habitasa. O bairro Bahia ocupa área que antes era uma colônia, sendo que sua área foi subdividida – o que antes era tão somente Bahia, atualmente comporta os bairros Bahia, parte do Bahia Nova, Pista, parte do João Eduardo I e II – tendo o autor ciência da expansão posterior. Do outro lado da Rua Rio Grande do Sul, em frete ao bairro Aeroporto, surgiu um bairro no mesmo período da formação do Bahia, que atualmente se chama Glória. A área conhecida como Salgado Filho, que em 1980 aparece nos documentos oficiais como sendo um bairro, na verdade é um misto de terras públicas e particulares, pertencentes prioritariamente ao Estado, mas tendo outros donos. O Projeto Especial Cidades de Porte Médio (PECP), da Prefeitura de Rio Branco, que trata do perfil da cidade, no ano de 1983, citou o bairro João Eduardo como fazendo parte do bairro Salgado Filho, e demonstrou o descaso do poder público na elaboração de políticas que deveriam beneficiar milhares de pessoas que habitavam e ainda habitam aquele local. Está descrito no PECP:

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A área denominada João Eduardo faz parte do bairro [Salgado Filho] e está sem rede de água, energia elétrica, esgoto, e o tráfego nos dias de chuvas, é difícil até para pedestres. (...) Pelo Programa de Erradicação de Favelas – PROMORAR, existe um projeto para atender a 1.436 famílias, na área denominada ‘João Eduardo’, situada no bairro Salgado Filho. A execução do projeto teve início em 1981, com obras de terraplenagem, mas sem um trabalho social, o que teve um impacto negativo na comunidade. O projeto, para ser viabilizado, havia necessidade de redução na testado (sic) dos lotes, já ocupados pela invasão, de 10 metros para 7 metros. Os moradores não aceitaram a alteração, e após várias reuniões, sem sucesso, entre técnicos da COHAB, BNH e líderes do bairro, o projeto foi paralisado; uma observação, que se faz necessário: o projeto foi elaborado na cidade de Manaus. (PECP: 1983, p. 281 e 192 – grifo do autor).

As primeiras habitações na localidade se deram por volta de 1941, nas terras do Instituto Agronômico do Norte – Colégio Aprendizado. No período da formação dos bairros do local, por volta dos anos setentas, na área do aeroporto, surgiram povoações com casas próximas umas das outras, e que dividiam o local com o aeroporto, que estava em pleno funcionamento na época. Aos poucos a parte norte do bairro foi ocupada até o IMPA, contudo, a densidade demográfica era muito pequena ainda. Somente a partir do ano de 1977, pouco após a desativação do aeroporto, é que houve uma “explosão demográfica” naquela região.

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Recorte de Rio Branco/Secretaria de Planejamento Municipal – 1982. FONTE: Setor de Planejamento/PMRB – 1982 (Recortes do Autor).

Dos cerca de 15 bairros que atualmente formam essa área, o Aeroporto foi o único a receber intervenção direta do Governo em sua formação, enquanto outros 14 são resultado de subdivisão, expansão ou formação após o período estudado. Vale ressaltar que no fim do ano de 1980 e parte de 1981, a Prefeitura fez a “abertura” parcial e alargamento das ruas dos bairros Bahia, João Eduardo I e II, já definidas pela comissão demarcadora dos lotes – que havia sido constituída com a finalidade de organizar a distribuição dos terrenos dos bairros João Eduardo, após obtida a autorização do Gabinete do Governador, Joaquim Falcão Macedo e apoio da Igreja Católica.

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Essas ocupações obedecem ao sentimento amazônico de posse natural da terra. Ao falar das ocupações, Oliveira escreve: A estratégia da construção de casas e barracos segue a prática de aproveitamento dos bens naturais (madeira, paxiúba, etc.) e a localização dos sítios prevê a proximidade de cursos de água (rios, ribeirões, etc.). A demarcação dos lotes é geralmente feita observando regras para acordo e, com o passar do tempo, esses sentimentos de decisão e ação solidária ganha ímpeto, através de aberturas de ruas e construções de casas em conjunto, de redivisão de lotes para permitir a construção de novas casas para chegantes (caso típico nos bairros Cidade Nova e Palheiral), da vinculação às comunidades de base, da valorização de entidades locais (igreja, escola, postos de serviço, locais para reuniões e festas, teatro e formas de representação popular) e da multiplicação de formas de associação comunitárias visando à conquista de direitos sociais e serviços públicos (OLIVEIRA, 1982: 4).

Entre as grandes ocupações que houve aos arredores da cidade de Rio Branco, uma imensa área sem ocupação entre os bairros Bahia, Palheiral e Floresta passou a ser habitada por famílias desprovidas de moradia e sem possibilidades econômicas para adquirir, frente ao seu estado de pobreza. A formação dos Bairros João Eduardo I e II deu-se por volta de 1971 a 1982, sendo que já existiam fazendas e colônias habitadas naquele local antes do período estudado, contudo, pode-se dizer que o grande fluxo ocupacional do João Eduardo I se deu entre 1974 a 1979, enquanto no João Eduardo II, esse fluxo se deu entre 1979 a 1982. A faixa de terra compreendida entre as ruas “A” e Campo Grande é onde se localiza o bairro João Eduardo I, e, corresponde justamente a área ocupada nas terras da

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Amélia Araripe, onde houve conflitos e prélios judiciais pela posse da terra. Na faixa que se inicia a partir da rua Campo Grande (lado direito), corresponde ao João Eduardo II, e, originou-se de uma ocupação nas terras do governo que se destinava à construção de um estádio de futebol. Os bairros João Eduardo I e II localizam-se entre os bairros Floresta, Novo Horizonte, Castelo Branco, Palheiral, Pista, Bahia e Floresta Sul. Seu nome é uma homenagem ao líder comunitário João Eduardo do Nascimento, que foi assassinado, num conflito durante o processo de demarcação e distribuição de lotes de terras. Alguns pontos são perceptíveis quanto àquele local: a migração da zona rural para a urbana, as andanças populacionais para o local, a especulação urbana e os conflitos pela terra, muitos deles armados, dentre os quais um deles veio acarretar a morte de João Eduardo, no dia 18 de fevereiro de 1981, ocasionado por um projétil de espingarda calibre 20, desferido pelo lavrador Francisco Nogueira Leite, conhecido por “Ventinha”. No dia 06 de junho de 1983 a Associação de Moradores do Bairro João Eduardo escreveu um documento sobre a situação do Bairro em termos gerais de saúde, educação, transporte, urbanização, posse da terra, e um breve histórico sobre o bairro João Eduardo II: Este bairro foi construído a partir de uma tomada de posição dos moradores da Bahia, quando no final de 1979 acontecia a terceira vítima de violento assassinato em um matagal que separava aquele bairro da cidade, sendo desta vez a estudante Osana (sic) Cordeiro. Preocupados com o problema os moradores decidiram botar o mato abaixo, e, foi neste mutirão que surgiu a idéia de se fazer casa para os que não tinham onde morar. Desencadeiou-se (sic) aí uma verdadeira correria, de pessoas de diversos bairros que viviam no aluguel. Era uma ‘loucura’ centenas de pessoas procuravam a comis-

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são, construindo barracos de palha, de papelão, de ‘sarrafos’ e de madeira. Em resumo em cinco meses aproximadamente estava ocupada uma área de aproximadamente 2.000 lotes de terra. Daí para a frente começou a luta pela legalização das terras, por serviços de urbanização, de infra-estrutura etc.20

A população dos bairros João Eduardo I e II modificou-se muito desde o início de sua formação. Menos de 10% dos moradores que fundaram o bairro permanecem no local21. Muitas famílias se mudaram de lá e outras permanecem através dos descendentes. É sabido, no entanto, que o fluxo migratório em direção à cidade dura até os dias atuais, tendo seu andamento sido atenuado com descontinuidades por mais alguns anos, atingindo, inclusive os bairros em questão. Ainda hoje esses homens e mulheres que arduamente lutaram em busca de um lugar onde morar, encontram dificuldades, mesmo quando têm direitos adquiridos. Há uma premissa do direito que diz: “A lei não socorre aos que dormem”, mas será que de fato esses moradores estão dormindo?! Porque não se luta sem estar acordado, e um sonho coletivo de mais de vinte anos sem execução, seria uma utopia. É fato que eles estão lá, homens, mulheres, idosos e crianças, sociabilizando-se e “tocando a vida”, contudo, em todo esse tempo de estadia no local, muitos moradores não têm sequer o título definitivo de sua terra, 20

Associação de Moradores do Bairro João Eduardo. 06/06/1983. (Vale lembrar que essa associação agia de forma extra-oficial, tendo em vista sua fundação ser efetuada no dia 22/07/1984 e oficializada no dia 17/09/1984 – conforme a Serventia de Registro de Títulos e Documentos e Civis das pessoas jurídicas da Comarca de Rio Branco, nº 460, fls 177v/178). 21 A afirmativa é válida considerando-se o período de 1971 a 1982.

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mesmo que já exista lei concedendo-lhes isso (Lei Municipal nº 1.424 de 04 de julho de 2001) que “Autoriza o Poder Executivo Municipal a doar títulos definitivos para ocupantes de imóveis pertencentes ao patrimônio municipal localizados nos bairros Conquista, Geraldo Fleming, Tancredo Neves, Raimundo Hermínio de Melo, João Eduardo e Vila Acre e dá outras providências”. Ao fazer uma comparação de Rio Branco em fins da década de 1970, com a área que faz parte do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco no mesmo período, chegamos a algumas deferências após análise dos dados fornecidos pela Prefeitura Municipal e estudos produzidos durante a pesquisa. Assim sendo, deve-se mencionar que quanto ao Boletim de Cadastro Imobiliário de Rio Branco – BCI, produzido no segundo semestre do ano de 1979, que faz referência aos bairros do Terceiro Eixo, precisam ser feitas algumas considerações: a primeira é que essa foi a primeira vez que os bairros daquela localidade foram cadastrados; a segunda, que consta no registro do Setor de Cadastro da Prefeitura, já no ano de 1979, a existência e o conhecimento das ocupações do Aeroporto, Bahia, Bahia Nova, Glória, Palheiral, Pista, João Eduardo I e João Eduardo II; terceira, não há referência a um bairro chamado Terminal, nessa localidade conforme houvera sido descrito por Oliveira em 1982; quarta, algumas pastas com dados acerca de quadras dos bairros Aeroporto, Bahia e Glória não puderam ser encontradas, bem como a maior parte absoluta dos dados estatísticos cadastrais acerca dos bairros Bahia Nova, Pista, João Eduardo I e II, logo, não puderam ser feitas as devidas análises – nesse sentido acerca dos quatro últimos bairros mencionados. A cidade de Rio Branco possui atualmente 154 localidades cadastradas pela Prefeitura – ainda que se fale extra-oficialmente de 187 – que os moradores chamam de bairros, embora haja a estimativa que o número dos mesmos seja maior, visto as recentes áreas de ocupação em

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situação “irregular”. O IBGE ao fazer o mapa da malha setorial riobranquense, dividiu a cidade em 83 setores censitários para o recenseamento de 2000, sendo que as invasões e ocupações de bairros novos foram contadas na área dos já existentes em 1996, bem como, bairros próximos com o mesmo perfil foram contados como em um mesmo grupo. A exemplo dos Conjuntos Universitários que, em sendo três conjuntos, permaneceram num único setor. Vários outros bairros e conjuntos tiveram o mesmo tratamento ao serem correlacionados na malha censitária riobranquense. Os bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco permaneceram agrupados em alguns setores. Sabe-se que os bairros que atualmente formam a área da “Baixada da Bahia” são frutos da expansão do Terceiro Eixo que antes tinha apenas oito bairros, sendo eles: Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista, Aeroporto Velho, João Eduardo I e João Eduardo II. Segundo o Setor de Georeferenciamento da PMRB, atualmente essa região tem em sua área a quantidade de quinze bairros, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha, Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João Eduardo II, Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista e Floresta Sul.

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Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco – 2005.

Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco – Foto aérea. A área destacada em azul corresponde ao Terceiro Eixo em 1982, e a área em vermelho corresponde ao Terceiro Eixo na atualidade (Destaque do autor). Fonte: Setor de Georeferenciamento. Secretaria de Planejamento/PMRB.

De acordo com o IBGE, a área referente ao Terceiro Eixo Expandido22 foi dividida em 09 setores censitários, 22

Nome dado a ampliação do local onde estão contidos os bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco e outros 07 bairros que foram dispostos logo após a formação do Terceiro Eixo. A saber: Aeroporto Velho, Palheiral, Bahia

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sendo eles: João Eduardo, Palheiral, Bahia, Pista, Glória, Aeroporto Velho, Ayrton Sena, Sobral e Plácido de Castro. Na pesquisa foi constatada a quantidade de 33.908 pessoas vivendo nesses locais, residindo e convivendo em 14.109 domicílios. Portanto, é certo dizer que o Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco representa na atualidade 14,98% da população urbana riobranquense, e comporta em sua área 17,14% dos domicílios riobranquenses. Assim sendo, é clara a super-povoação do local em comparação com o restante da cidade. Uma área que representa menos de 10% da extensão total urbana da cidade de Rio Branco comporta quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população. Estimativa da população dos bairros de acordo com os setores censitários - IBGE/2000. Bairros João Eduardo Palheiral Bahia Pista Glória Aeroporto Velho Ayrton Sena Sobral Plácido de Castro Total Rio Branco Representação do Terceiro Eixo em termos percentuais

População 2.942

Domicílios 861

2.244 4.031 2.989 3.048 4.934 3.103 8.320 2.297 33.908 253.059 14,98%

763 4.297 907 1.135 1.702 965 2.738 741 14.109 82.307 17,14%

Fonte: IBGE/2000 apud Manual de Informações Socioeconômicas PMRB/2003. Velha, Bahia Nova, Glória, Pista, João Eduardo I, João Eduardo II; e Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista e Floresta Sul.

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Ao perceber essa associação direta com a Amazônia e seus Estados, vê-se que no caso riobranquense, reflexo do acreano, grande parte das pessoas que moravam na zona rural e adjacências, com a política traçada pelos militares no governo federal e pelos governadores Wanderley Dantas, Geraldo Mesquita e Joaquim Macedo, no período de 1971 a 1982, foram obrigadas a abandonar as terras onde viviam e imigrar para a zona urbana em busca de melhores condições de vida. Como conseqüência de tudo que foi posto, está o aumento populacional nos centros urbanos, inchaço nas periferias da cidade. As populações rurais expropriadas acabaram por não ter outra opção que não a de migrar, e muitos desses migrantes chegaram à capital acreana. De acordo com dados do IBGE, as periferias urbanas cresceram de 37% em 1970, para 68% em 2000. O que ocasionou a precarização das relações de trabalho e o aumento do drama sócio-ambiental na região, com escassez de trabalho, falta de água, luz, esgoto e moradia. Saneamento Básico É perceptível, à luz do “Mapa do Setor de Cadastro Imobiliário Municipal -1979”, a existência de ruas longas em cujas margens se assentaram os ocupantes e abriram trilhas, ruelas, ruas e becos, mesmo que estes não constem no mapa oficial do Setor de Planejamento da Prefeitura. Na foto aérea e nos mapas dos bairros em anos posteriores, estes apareceram com maior propriedade. Também, no que diz respeito ao abastecimento de água potável, esgoto, coleta de lixo e fossas sépticas, esses se deram em maior quantidade nas ruas principais desses bairros. Sendo no caso do Aeroporto Velho, a rua Rio Grande do Sul, com infra-estrutura projetada para o aeroporto internacional, Bonal e Terminal Petroquímico, além da inicial urbaniza-

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ção do bairro; no caso do Glória, percebe-se que está margeado pela Estrada da Sobral, local onde passa a principal adutora de água da cidade, e passa pela também pela rua Rio Grande do Sul, que faz limite com o bairro, além da rua Rádio Farol que auxiliava no antigo aeroporto; quanto ao Palheiral, a Estrada da Sobral, a rua Rio Grande do Sul e a São Salvador são as principais vias que tornam acessível o atendimento de suas necessidades; o bairro Bahia é atendido basicamente pelas ruas São Salvador e Mem de Sá. Em 1979 os bairros Bahia Nova, Pista, João Eduardo I e II, tinham apenas algumas ruas. Somente no ano seguinte é que os antigos logradouros e outros novos foram abertos, em sua maioria a mando da Prefeitura que enviou máquinas para providenciar ruas, quando foi implementado em parceria com o Governo do Estado, o projeto de limpeza e desobstrução urbana. Somente por volta de 1982, os terrenos, as ruas, os becos e os locais como se conhece atualmente foram definidos. De acordo com o Anuário Estatístico do Acre, em 1979, o volume de captação de água dos mananciais em Rio Branco era de 20.700 m³ dia com adutora estendida por 9.650 metros, tendo a rede total a extensão de 152.600 metros e a capacidade de reservação de 3.125 m³. Nisto, dos 18.900 domicílios existentes, 7.792, ou seja, 41,22% do total eram atendidos pelo abastecimento de água. Menos da metade dos domicílios de Rio Branco contavam com água encanada. Fazendo uma relação desses dados com os coletados pela Prefeitura em seu primeiro cadastramento domiciliar, vê-se que nos bairros Aeroporto Velho, Bahia, Glória e Palheiral o abastecimento de água potável não alcançava essa proporção mesmo que a tubulação da principal adutora da cidade passasse na Estrada da Sobral. Os referidos domicílios estavam principalmente na área próxima à referida estrada, que margeava quatro desses bairros.

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Nesse ano, 1979, a parte supracitada do Terceiro Eixo tinha 56% de seus logradouros, ou seja, as ruas principais, com água e, cerca de 40% de seus domicílios atendidos. O bairro Aeroporto Velho recebeu uma urbanização inicial, o que elevou os índices da pesquisa. Contudo, ao fazer referência a todo o Terceiro Eixo, é certo dizer que não havia atendimento com água, esgoto e/ou coleta de lixo nos bairros Bahia Nova, João Eduardo I e João Eduardo II; sendo o bairro Pista atendido por esses serviços apenas na área margeada pela Estrada da Sobral. Assim, a proporção de atendimento público aumentava ou diminuía na relação bairro a bairro. Abastecimento de Água Potável – 1979 LOCAL Rio Branco* Glória Palheiral Terceiro Eixo**

DISTRIBUIÇÃO LOGRADOURO % 33,08 03 85 56

DOMICÍLIOS EXISTENTES 18.900 376 405 1778

DOMICÍLIOS ABASTECIDOS % 41,22 03 64 40

FONTE: *Anuário Estatístico do Acre - 1979 ** Setor de Cadastro – PMRB/ Valor parcial. Não inclui os bairros do Terceiro Eixo não mencionados.

Ao se falar de água potável e sua distribuição pela SANACRE, verificou-se que, já em 1980, de acordo com Nunes, “cerca de 59,41% dos domicílios na cidade de Rio Branco não são beneficiados pelos serviços [havendo comprovadamente] 58,97% dos domicílios se abastecendo de água de poço”. Quanto à origem da água consumida pela população riobranquense, vê-se que a provisão era de 33,08% de água da SANACRE e 58,97% de água de poço. O Terceiro Eixo dispunha de água potável distribuída pela rede, esporadicamente, caminhões pipa, água de poços

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particulares e água de poço do vizinho. Sendo de maior utilização a água da SANACRE e de poços, conforme a seguinte tabela: Utilização de água Potável – 1979 LOCAL Rio Branco* Aeroporto Bahia Glória Palheiral Terceiro Eixo**

SANACRE % 33,08 58 35 03 64 40

POÇO % 58,97 24 24 55 34 36

FONTE: *UNICAMP/SP – 1977 apud Nunes, 1981. ** Setor de Cadastro – PMRB/ Valor parcial. Não inclui os bairros do Terceiro Eixo não mencionados.

Quanto aos esgotos, pode-se dizer que mesmo a situação em Rio Branco sendo grave, no Terceiro Eixo era muito pior. Vale lembrar que os quatro bairros escolhidos para análise tinham aproximadamente sete anos de existência, enquanto área de ocupação urbana fruto da dinâmica populacional23, havendo suas populações se instalado no local ainda em fins da década de 1960, tendo, contudo, a intensificação do avanço populacional sido propiciada a partir de 1971. Dito isto, percebe-se que o Terceiro Eixo tinha 01% de seus logradouros atendidos por rede de esgoto, e 02% dos domicílios ligados a essa rede. Numa comparação direta com Rio Branco, a partir da pesquisa de 23

“Do ponto de vista da dinâmica populacional, um núcleo precocemente urbanizado seria aquele que, devido à fragilidade e singeleza de sua economia, conseguiria selecionar e reter, basicamente, os grupos de pessoas menos capacitadas, sem condições de competir a empregos mais ambiciosos em mercados de trabalho de economias mais complexas” (SILVA, 1981, p. 95).

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orçamento familiar produzida pela Unicamp, percebe-se que em 1977, cerca de 8,70% dos esgotos de Rio Branco passavam por uma rede coletora, e 30,15% eram depositados em fossas sépticas.

DESPEJOS DOMÉSTICOS DE RIO BRANCO - 1977 Rede de Esgoto

2,64 5,73 7,25 1,28

8,7

Fossa Séptica

30,15

44,25

Fossa Negra Fossa Séptica e negra Córregos

FONTE: UNICAMP/SP 1977 apud Nunes, 1981.

Em se tratando de esgoto e fossa séptica na relação Rio Branco, Terceiro Eixo e bairros, a perspectiva é de que 02% dos domicílios pesquisados do Terceiro Eixo eram atendidos pela rede de esgoto e 06% utilizavam fossa séptica. A maior parte dos domicílios utilizava-se de instalação sanitária externa, sendo comum mais de uma família e/ou residência utilizar a mesma “privada”, que geralmente ficava no “fundo do quintal”.

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102 Esgoto e Fossa Séptica Domiciliar LOCAL Rio Branco* Aeroporto Bahia Glória Palheiral Terceiro Eixo**

Esgoto Domiciliar % 8,70 04 00 00 03 02

Fossa Séptica % 30,15 04 19 03 03 06

FONTE: *UNICAMP – 1977 apud Nunes 1981. ** Setor de Cadastro – PMRB/ Valor parcial. Não inclui os bairros do Terceiro Eixo não mencionados.

Quanto à coleta do lixo, ao comparar os dados da Secretaria de Serviços Municipais da Prefeitura de Rio Branco com os obtidos a partir das fichas de cadastro imobiliário, de parte do Terceiro Eixo, é possível afirmar que a quantidade de lixo coletada na área do referido eixo era muito menor que a coletada no restante da cidade. A coleta não era regular e intensa como é na atualidade, posto que atualmente ocorrem três visitas de coleta por semana na maior parte da cidade; e, diariamente no centro e adjacências. Em 1979, a maior parte da coleta era semanal, embora não ocorresse regularmente, com 87% da população riobranquense atendida, ou seja, 81,50% das 45 toneladas de lixo produzidas diariamente eram coletadas24. Comparado ao Terceiro Eixo Ocupacional percebe-se que neste, apenas 11% dos domicílios eram atendidos pela coleta de lixo.

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Dados da Secretaria de Serviços Municipais da PMRB – 1979.

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Resíduos sólidos de Rio Branco – 1979 LOCAL Rio Branco* Aeroporto Bahia Glória Palheiral Terceiro Eixo**

Domicílios Atendidos com a Coleta % 81,50 10 15 00 18 11

FONTE: *UNICAMP – 1977 apud Nunes 1981. ** Setor de Cadastro – PMRB/ Valor parcial. Não inclui os bairros do Terceiro Eixo não mencionados.

Em 1982, o Terceiro Eixo contava com a ação das Comunidades Eclesiais de Base, que atuaram diretamente na luta pela terra em alguns bairros; essas comunidades tinham seus representantes nas áreas dos bairros Palheiral, Bahia, Pista e Aeroporto Velho. As comunidades desses locais agiram diretamente na formação de outros três bairros: João Eduardo I, João Eduardo II e Bahia Nova. Há na Prefeitura o registro das atuações de grupos organizados e semi-organizados em torno de uma associação de moradores de bairro. A primeira associação a ter sua atuação reconhecida foi a do bairro Abraão Alab, fundada em 24 de abril de 1980; em seguida a do conjunto Tangará, em 13 de março de 1983; a associação dos moradores do bairro João Eduardo só foi organizada em 22 de julho de 1984, contudo, teve sua atuação reconhecida pela Prefeitura desde 1980, onde reivindicava desde a desapropriação da área para a construção da escola João Paulo I, até o pedido para a demarcação oficial dos lotes, já no referido ano.

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Localidades a Serem Observadas Três localidades que fazem parte da área expandida do Terceiro Eixo foram destacadas por suas peculiaridades e constituições, sendo apresentadas aqui, a saber: Salgado Filho, Sobral e Floresta Sul. O primeiro por não se configurar um bairro atualmente, embora o Governo e a Prefeitura tenham em seus documentos oficiais o nome dessa área como sendo um bairro, em fins da década de 1970 e início da seguinte; os bairros Sobral e Floresta Sul fazem parte da expansão do Terceiro Eixo, embora durante o período estudado de formação já existissem colônias e chácaras nessas localidades. Salgado Filho Esse foi o nome dado pelos governantes de Rio Branco à área onde se localizam os bairros Palheiral, Pista, parte do João Eduardo, parte do Bahia, parte do Aeroporto Velho. “Em pesquisa realizada ‘in loco’ em alguns bairros pobres como: Cidade Nova, Preventório e Salgado Filho (Bahia, João Eduardo e Palheiral) constatou-se que em algumas localidades nesses bairros a densidade bruta atinge 540, 193 e 170 habitantes/hectare, respectivamente... este bairro [Salgado Filho] está situado ao longo da margem esquerda do Rio Acre a oeste da cidade, com uma população estimada em 11.551 habitantes e uma área de aproximadamente 233,13 hectares. É composto por várias áreas residenciais, tais como, Bahia, Palheiral, João Eduardo, Pista, Aeroporto Velho, etc.” (PMRB, 1983: 32 e 281).

Pelo que se pode observar, o Projeto Especial Cidades de Porte Médio já nomeava áreas dentro do Salgado

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Filho, e cita todos os locais onde hoje são denominados os oito bairros do Terceiro Eixo, não fazendo menção de nomenclatura apenas ao bairro Bahia Nova, por estar contido no Bahia e ao bairro da Glória, que estava em parte contido no Aeroporto Velho e em parte no Bahia.

Vista do Aeroporto Santos Dumont. Ano 1948. Duas décadas mais tarde, com a desativação do aeroporto, a área denominada Salgado Filho, foi ocupada por gentes que formaram o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Fonte: Acervo digital – IBGE.

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Segundo a Prefeitura, em 198225, ao medir o grau de ocupação em emprego e renda, constatou-se que apenas 31,1% dos moradores tinham um trabalho para o sustento da família, taxa bem abaixo da média municipal no período, 47,4%. Ao estudar esses 31,1% de trabalhadores, percebe-se que 2% tira o sustento trabalhando na agropecuária; 1% na indústria; 3% na construção civil; 9% no comércio; 35% prestando serviços; 38% na administração pública; e 12% no setor informal. Quanto à moradia, de acordo com a Prefeitura de Rio Branco, o déficit habitacional riobranquense era de “apenas” 9.508 domicílios em 1982. Esse número apresentado não condizia com a realidade, uma vez que as ocupações de áreas como Cidade Nova, Triângulo, Triângulo Novo, Preventório, Abraão Alab, Cadeia Velha, dentre vários outros bairros, como os do Terceiro Eixo, comprovam um grande aumento populacional na cidade de Rio Branco e conseqüente necessidade de moradia – somente as populações dessas áreas de ocupações residiam em número maior de “domicílios improvisados” que a quantia expressa pela Prefeitura, referente a toda a Capital. Nesse período de acordo com a CEAG/AC26, Rio Branco tinha cerca de 22.036 domicílios, sendo que destes 55% eram rústicos, 1% improvisado e apenas 44% considerados duráveis. A madeira era o material mais utilizado na construção de habitações, totalizando 56% dos domicílios riobranquenses, contra 38% de alvenaria e 5% mista, sendo 1% construídos com algum outro tipo de material. Quanto à propriedade dos domicílios, em Rio Branco 82% dos domicílios eram próprios, enquanto no bairro Salgado Filho, apenas 73% dos domicílios eram próprios. Embora houvesse um número elevado de construções, 25

Tabela 2.9 – Densidade e Ocupação por bairros. Rio Branco/ Projeto Especial Cidade de Porte Médio – 1983, p. 35. 26 PMRB, 1983, p. 189.

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aproximadamente 4/5 desses domicílios eram de madeira, no assoalho e paredes, cobertas de alumínio, palha ou cavaco. Essas construções tinham em média 34,9m² de área, distribuídos em seis metros de comprimento por cinco metros e oitenta centímetros de largura, com cobertura de duas águas, sem divisórias internas, sendo construídas de acordo com os costumes e tradições locais. População e Habitat de Rio Branco e Salgado Filho – 1982. Local

Área Residencial em m²

Rio Branco Salgado Filho

1.230.574 991.128

População

104.547 11.551

Nº. de Famílias

Nº. de Domicílios

24.130 2.267

22.036 1.938

Área Média Construí da por Família 55.8 34.9

Habitante s por Domicílio 4.74 5.96

FONTE: CEAG/AC apud PMRB – 1983.

A população constituinte do bairro Salgado Filho era essencialmente pobre. Não só em relação à de outros centros urbanos, mas também em relação à da própria cidade de Rio Branco. De acordo com o resumo produzido pela CPM/BIRD, para o projeto Especial Cidades de Porte Médio, a análise feita acerca do bairro Salgado Filho é de que a maioria de sua população era formada por crianças; sendo a população total formada por 49% dos habitantes do sexo masculino; na área, 2.267 famílias conviviam com 38% de seus familiares trabalhando com renda, e, uma média de proventos onde cerca de 70,5% dos trabalhadores recebiam abaixo de 3 salários mínimos. No mesmo período, 57% das residências eram ligadas à rede de água, embora isso não signifique atendimento satisfatório, já que 43% das residências tinham poço; 87% não tinham nenhum tipo de esgoto; a coleta de lixo atendia a 81% dos domicílios, mas era irregular. Havia um hospital para pessoas com distúrbios mentais e um posto de saúde no local.

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Quanto à educação, em 1982 o Terceiro Eixo contava com 04 escolas, sendo elas: Áurea Pires, Serafim da Silva Salgado e Flaviano Flávio Batista, no Aeroporto Velho; e, Frei Thiago Maria Mattioli, no Bahia. De acordo com dados oficiais disponibilizados pela Prefeitura, através do PECP, os habitantes do bairro Salgado Filho representavam mais de 11% da população riobranquense, entretanto, contava com apenas um dos nove hospitais da capital, o Hospital Distrital, que fica na Estrada da Sobral. No mesmo período, 1982, a rede de saúde da capital contava com 09 hospitais – 04 públicos e 05 privados –, 01 consultório médico, instalado na FUMBESA, e, 07 Centros de Saúde. Sobral A partir das ocupações da antiga Fazenda Sobral, no ano de 1983, iniciou-se o processo de urbanização da mesma, sendo que, já existiam algumas dezenas de famílias lá residentes na área rural. E com o fluxo migratório proveniente principalmente das proximidades do Colégio Agrícola e rodovia Transacreana, algumas famílias se fixaram no local próximo à estação de tratamento de água, adutora de Rio Branco, o que mais tarde viria a se chamar bairro Sobral. Surgido a partir das colônias e áreas de terras rurais que aos poucos foram se tornando urbanas, ora pela desativação dos seringais de plantio situados na área do Terceiro Eixo Expandido, ora, pelas populações rurais expropriadas, que em sua migração tomaram posse de áreas de terra próximas a Rua da Sanacre e Estrada da Sobral, o nome do referido bairro foi escolhido para se chamar Sobral, de acordo com moradores do local, por causa da área em que se situa, administrada por um nordestino nascido na cidade de Sobral, Ceará, que cuidava de uma fazenda na região supracitada. Uma outra versão é a de

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que a área foi nomeada por causa da Fazenda Sobral, pertencente ao Governo do Estado. Não foram encontrados indícios necessários para a inclusão do bairro Sobral no Terceiro Eixo riobranquense, embora não seja descartada a hipótese, mediante comprovação. Há no local a Escola João Paulo II, que funciona desde o período em que o referido Eixo foi formado, contudo, isso não é indício suficiente para uma inclusão do local; havia também várias residências próximas, nas colônias e colocações adjacentes; havia, sem dúvida alguma, uma população no local, mas não se comprovou uma forma de “vida urbana”, com terrenos próximos, ruas demarcadas – ainda que se configurassem em estreitos caminhos – e convivência no mesmo estilo, ou ao menos parecido que nos outros locais próximos. Mapas da Prefeitura de Rio Branco, do Cadastro Imobiliário, registros censitários do IBGE e jornais configuram aquela área como pertencente à Zona Rural, não cabendo aqui, conceituar urbanidade ou falta dela, apenas destacar o fato de a expansão da área seguir o mesmo “perfil” das do Terceiro Eixo apenas algum tempo após o ano de 1982.

Sede da Fazenda Sobral

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Edificações na Fazenda Sobral Fazenda Sobral – 1953. Propriedade do Governo Estadual, onde se criava gado, suínos, aves; Sede da Fazenda (foto anterior) e edificações diversas (foto acima). Fonte: Acervo digital – IBGE.

O local onde atualmente se intitula bairro Sobral é uma ocupação recente, por volta de 1984; a Fazenda Sobral, de que tratam os jornais e documentos oficiais das décadas anteriores a 1980, é a localidade que está contida entre a rua Francisco José de Oliveira, que segue até a Estação de Tratamento de Água de Rio Branco e adjacências, até o encontro da Estrada da Sobral. A essa localidade acresceram-se ruas até a margem do rio Acre e do outro lado da Estrada da Sobral, uma extensão de terra entre os bairros João Paulo II e Boa União. Contudo, em alguns jornais é possível ver o nome Bairro Sobral nos noticiários de 1982 e 1983. No entanto, grande parte das informações se referem à parte sul do bairro Aeroporto Velho ou ao bairro da Glória. As terras da Fazenda Sobral, foram ocupadas por volta do fim de 1983, tendo sua formação sido continuada

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até os dias atuais, sendo que, em 1989 o bairro Sobral já estava com a formação próxima ao que é atualmente, parte de seu território foi desmembrado e seu nome foi mudado para Bairro Boa Vista. Hoje, de acordo com a prefeitura, existe um acréscimo do bairro Sobral, na margem esquerda da Estrada da Sobral, contudo, sua formação inicial se deu na margem direita, onde atualmente se situa a escola João Paulo II, na faixa de terra pertencente ao Governo do Estado, onde está localizada a estação adutora de tratamento de água da cidade. Floresta Sul Após a formação do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, ocorreu a urbanização da área intitulada Floresta Sul, na mesma região do Terceiro Eixo. Entretanto, o caso do bairro Floresta Sul é diferente dos demais por não haver uma ligação terrestre direta com os demais bairros do Terceiro Eixo, formando-se esse bairro a partir do bairro Floresta, pertencente ao Segundo Eixo Ocupacional de Rio Branco. Contudo, as populações, as moradias, a renda, a escolaridade e a formação desse bairro se deu pouco depois da formação do Terceiro Eixo, estando em uma área próxima aos bairros supracitados. Doravante, dadas as exposições, toda a parte leste da área de terra que constitui esse bairro, ou seja, a parte oriental da Estrada da Floresta, será incluída na lista dos pertencentes ao Terceiro Eixo Expandido até que outro pesquisador comprove a necessidade de não inclusão do mesmo – a parte ocidental da referida estrada começou a se desenvolver há pouco mais de cinco anos. Antes de pôr fim ao exposto, vale ressaltar que a existência de chácaras e colônias rurais na região até o início da década de 1980 não implica uma inclusão do mesmo no Segundo Eixo Ocupacional de Rio Branco, dada a necessidade de um

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contexto de sociabilização e urbanidade entre os moradores – o que só ocorreu por volta de 1984. De Espaço Fronteiriço a Território Local Informações gerais Durante o segundo semestre do ano de 1979 a Prefeitura de Rio Branco realizou o cadastramento dos domicílios de vários locais da cidade, incluindo parte do Terceiro Eixo. Esse cadastro efetuado com a aplicação de um Boletim de Cadastro Imobiliário (BCI) é importante por dar uma noção clara das áreas cadastradas, da localização dos setores, ruas e “quarteirões” onde foram aplicados os questionários. O mapa que se segue foi produzido a partir do mapa da Prefeitura de 1980, permanecendo todos os “quarteirões” cadastrados, e excluindo do mesmo todas as áreas não constantes no BCI da planta básica planimétrica urbana de Rio Branco de 1979, para que se possa ver com maior propriedade os locais onde este foi aplicado. Vale ressaltar que muitos dos logradouros contidos no mapa referem-se a “caminhos”, “becos” ou “varadouros”, não sendo o ensejo neste primeiro momento de tipificá-los.

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Recorte de Rio Branco/Cadastro Imobiliário – 1979. FONTE: Setor de Cadastro/PMRB – 1979 (Recortes do Autor)

No cadastro produzido pela Prefeitura constam dados como a inscrição cadastral, precisando quadra, lote e unidade; o fator de localização, especificando a tipificação em rua, avenida, beco, etc; o nome do logradouro, número do domicílio e bairro; a identificação do proprietário ou detentor é separada em pessoa física e/ou jurídica; também consta o domicílio do proprietário ou detentor, para preenchimento caso não seja residente no local; constam ainda, os croquis da unidade e sua referente paciguste27. Para esta pesquisa foram utilizados os itens referentes a informações gerais, informações sobre a edificação e serviços urbanos, correspondendo aos itens 09, 10 e 11, 27

Termo técnico para designar um desenho de edificação, com corte “tipo planta baixa”, dentro de uma determinada área.

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cada um deles tendo sua subdivisão28. A Prefeitura aplicou esse Boletim Cadastral em vários bairros, dentre eles os bairros Aeroporto Velho, Palheiral, Glória, Pista, Bahia Velha e Bahia Nova. Embora existissem algumas centenas de famílias nos bairros João Eduardo I e II, o BCI não foi feito naquele local em 1979 por ser uma área que se encontrava em litígio. Vinte e seis anos se passaram desde a aplicação desses BCIs, os bairros muito se modificaram desde então, também os arquivos do Cadastro Imobiliário da Prefeitura de Rio Branco foram mudados de local várias vezes, havendo perdas consideráveis de arquivos, inclusive de Boletins Cadastrais. É importante fazer essas considerações porque dos oito bairros constantes como parte integrante do Terceiro Eixo, dois tiveram seus arquivos “fora de localização”. Sendo eles: Pista, com apenas uma quadra ainda existente e catalogada nos Arquivos do Cadastro Geral do Município, ainda que a pesquisa tenha sido feita em seis quadras; e Bahia Nova com duas quadras constantes nos catálogos, acessíveis para pesquisa, sendo que não foram catalogadas as quadras situadas na parte noroeste, limítrofes ao bairro Bahia. A Prefeitura catalogou a existência de 33 quadras com 620 domicílios no bairro Aeroporto Velho29; 13 quadras com 284 domicílios no bairro Bahia Velha30; 06 quadras com 389 domicílios no Palheiral31; 13 quadras com 359

28

Para maiores informações consultar cópia do BCI, em anexo. Quadras 202, 203, 204, 210, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 237, 238, 239, 240, 241, 246, 248, 255, 270, 361. 30 Quadras 173, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 231. 31 Quadras 108, 242, 243, 244, 248, 256. 29

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domicílios no bairro da Glória32; 02 quadras na Bahia Nova33; e 06 quadras no bairro da Pista34. Relacionados os números de quadras e de domicílios, estes ainda que parcialmente, compete dizer que não se enseja vislumbrar as ocupações bairro a bairro, tampouco pormenorizar as informações sobre edificações ou serviços urbanos. Contudo, deve-se destacar alguns pontos. Primeiro, nesse período a maior densidade demográfica estava contida na parte sul do Aeroporto Velho; no encontro das ruas Mem de Sá e São Salvador, na Bahia Velha; e, na rua “C” no Palheiral. Segundo, só havia uma linha de ônibus para o local, que partia do centro pela Rua Rio Brande do Sul, prosseguindo pela Estrada da Sobral, até onde atualmente situa-se o bairro Boa União. Terceiro, o abastecimento de água e luz dava-se, em grande parte, nas vias principais, de onde, segundo os moradores, “puxavam rabichos” para suas residências. Quarto, o poder público pouco investiu nessa localidade, conforme as convenções estabelecidas na planta da cidade de 1980, que enumera no local a existência de apenas 02 dos 99 pontos “considerados importantes”, sendo eles: o Ginásio Coberto e o Hospital (Asilo), ambos no Aeroporto Velho. O periódico “O Jornal”, escreveu sobre “A luta pela sobrevivência” dos moradores da periferia de Rio Branco. O recorte dado no jornal é sobre o bairro Palheiral e as periferias adjacentes. Segundo o que foi escrito ainda em 1977, pode-se ter uma idéia de como era a situação das pessoas que vinham para a cidade em busca de uma vida melhor, e aqui se deparavam com a dura realidade:

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Quadras 247, 249, 250, 251, 252, 253, 254, 255, 268, 269, 299, 312, 318. 33 Quadras 264, 273. 34 Quadras 198, 247, 260, 261, 262, 296.

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Um amontoado de casas humildes, erguidas desajeitadamente em ruas estreitas, cheias de lama e água empossada (sic) (...) é um pedaço da cidade ainda desarrumado, sem infra-estrutura urbana, portanto sem água encanada e esgoto, asfalto ou transporte regular para o centro (...) o pessoal foi chegando e se amontoando na cidade, onde coubesse, debaixo da ponte, em terrenos particulares ou em áreas pertencentes ao governo, mas já reservadas a outros fins. Muitas famílias construíram barracos em áreas alagadiças, gerando um estado de calamidade numa das enchentes passadas (...). (O Jornal, nº. 30, ano IV, 20/12/1977).

As áreas referentes aos bairros João Eduardo I e II, mesmo sendo ocupadas por algumas centenas de famílias, ainda não contavam com ruas, eletricidade, água, luz, telefone, nem esgotos, além disso, era uma área de ocupação em conflito, onde posseiros e donos de terra buscavam cada um ter a propriedade sobre a terra; nesse período também se expandiam as ocupações nos bairros Glória, Pista e Bahia Nova. Sobre o bairro da Pista, no início do ano de 1980, o jornal O Rio Branco noticiou acerca de ocupações que se intensificaram entre a Rua XV, Estrada da Sobral e Rua São Salvador, pela descrição percebe-se não só a situação em que se encontravam as pessoas que para lá se dirigiram, como os conflitos existentes nas áreas próximas, e também, a falta de infra-estrutura adequada nos locais de onde os ocupantes são provenientes: Cerca de 200 pessoas estão demarcando uma área de terra localizada entre os bairros da Bahia e Palheiral, próxima do Ginásio Coberto “Álvaro Dantas” ... armados de enxadas, terçados e outras ferramentas usadas para limpeza dos terrenos, os invasores afirmaram que “estão prontos para brigar” ... a maioria alega que deixou suas casas nos bairros da Bahia e Palheiral em virtude da onde (sic) de assaltos, crimes e presença de pessoas dadas a

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valentias. “O Palheiral e Bahia – disse um dos invasores – são bairros que não oferecem segurança para as famílias. Não tem luz, água e nem ruas e se alguma coisa acontece ali, somos obrigados a resolver nós mesmos, porque até o acesso da polícia é difícil”. Outros estão demarcando terrenos “porque não têm onde morar” (O Rio Branco, nº 856, ano X, 13/03/1980. p. 1).

Informações técnicas O Cadastro Imobiliário de 1979 coletou informações em 1.652 domicílios, nos bairros Aeroporto Velho, Bahia Velha, Palheiral e Glória, além de Pista e Bahia Nova, que tiveram quase todas as suas pastas “fora de localização”. A partir desses dados, coletou-se uma amostra domiciliar de 268 domicílios, representando pouco mais de 16% dos domicílios dos quatro primeiros bairros supracitados. Para se chegar aos dados que se fazem presentes, utilizou-se a escolha dos BCIs levando-se em conta as quadras e o número de domicílios; a cada quadra se analisava um em cada seis domicílios, respeitando essa seqüência “quarteirão” a “quarteirão”. Os resultados a que se chegou foram de uma área em intensa mudança, onde o ambiente que se está “urbanizando”, confunde-se com o rural, seja no modo de agir, nas relações interpessoais, ou no próprio espaço, que vai se constituindo em território local. Quanto à pedologia do local, menos de 10% é local inundável ou alagado, constando em sua topografia uma área baixa, com predominância plana. Esse patrimônio que corresponde em sua área a quatro quintos de domicílios particulares, também conta com 18% de área pública. Os imóveis são em sua imensa maioria de caráter próprio, já que, apenas 3% dos domicílios são alugados ou cedidos por parentes.

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As ocupações eram quase sempre construídas com utilidade residencial, embora algumas áreas ainda estivessem em construção ou sem uso, o que corresponde a 8% do total. Essas construções eram dadas em terrenos que faziam frente para a rua, sendo que, 17% dos domicílios estavam contidos em esquinas, o que leva a crer num grande número de vias e vielas perpendiculares entre si. Mas nem todos os imóveis do local eram residenciais ou públicos, havia também os imóveis que se constituíam em “casas de diversão” como bares, botecos e locais de “festas”, onde se poderiam alugar quartos para “ficar mais à vontade”. Vários entrevistados falaram desses locais e citaram pelos menos quatro, um em cada bairro, sendo o mais citado o “Bola Preta” que nas palavras do senhor Rocha: O Bola Preta surgiu como uma casa de diversão, de mulher, era um motel, ali nunca foi bairro, nunca foi bairro, era um motel, uma casa. Então era isso, era um comércio, uma casa de morada, um motel, aí do lado tem um lugar de sargento, não tem, da PM [atual Vila Militar]?! Ali era a parte do motel, não tinha casa ali não, aí depois foi invadido, era cheio de gente morando ali, era invasão. Ai expulsaram pra fazer Cohab Castelo Branco, e o povo correu para o Palheiral (Entrevista realizada com o Senhor Rocha, dia 08/05/2005).

Informações sobre as edificações Ao analisar os tipos de edificações, a caracterização a que se chega é de 98% se configurar em casas ou sobrados, normalmente construídos na parte frontal do terreno, isoladamente, embora existam residências geminadas, entre vizinhos. As estruturas apresentam-se em 99% de construção produzidas em madeira. A madeira utilizada, normalmente era a de tábuas de construção – madeira

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cerrada, não beneficiada – ou árvores que eram derrubadas para a edificação de “tapiris”. A maioria das casas não tinha revestimento externo, enquanto as que tinham o revestimento era de madeira ou caiação; o piso era feito de tábuas, em sua quase totalidade; a cobertura era de palha/zinco/cavaco, representando 96% da cobertura do local; o forro era inexistente, em quatro quintos dos domicílios; a fachada era quase que totalmente recuada; 45% dos domicílios não contavam com instalação elétrica; em 17% dos domicílios inexistia instalação sanitária, enquanto 78% era servido por instalação sanitária externa. Quanto ao estado de conservação das estruturas, apenas 8% foi considerado novo/ótimo, 20% considerado bom, e 69% considerada regular. De acordo com a Prefeitura, mesmo nessa situação lastimável, apenas 3% dos domicílios do local estavam imunes/isentos do IPTU e do TSU, “coincidentemente”, em sua maioria, imóveis públicos. Serviços urbanos Percebe-se a grande carência dos serviços urbanos, visto que, apenas 01% dos logradouros era atendido por serviços de esgoto, recebendo o despejo de 02% dos domicílios. A rede de água existente, sobretudo nas vias principais, atendia dois quintos dos domicílios, embora a água não fosse distribuída com freqüência, visto que 36% dos domicílios utilizavam água de poço, neste ultimo número não está contido o fato de muitas pessoas coletarem água no poço de seus vizinhos. A energia/força elétrica, abrangia mais da metade do setor, embora apenas 46% dos domicílios tivessem acesso a ela. A coleta do lixo era feita nas ruas principais, atendendo 10% dos logradouros e domicílios. A rede tele-

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fônica, restrita às ruas principais dos bairros, abrangia uma área considerável em extensão, embora apenas 01% dos domicílios fossem atendidos. As ruas, quase todas estavam sem calçamento, pavimentação, guias, sarjetas e galeria pluvial. Não havia rua em muitos lugares. Com a falta de saneamento básico e infra-estrutura, as residências contavam com “privadas” em sua grande maioria, e apenas 06% possuía fossa séptica. Atendimento de Serviços no Terceiro Eixo – 1979. Serviços Esgoto Rede de água Água de poço Energia/força elétrica Coleta de lixo Rede telefônica Calçamento Limpeza urbana Galeria pluvial Guias e sarjetas Fossas sépticas

Logradouros atendidos (%) 01 56 __ 57 10 09 02 07 02 02 __

Domicílios atendidos (%) 02 40 36 46 11 01 __ __ __ __ 06

Fonte: Cadastro Imobiliário/PMRB – 1979.

Habitantes e Habitat Impressões iniciais Ao pensar os homens enquanto seres humanos, a primeira idéia que se passa é: o que fazer, como refletir, a partir de quê? Só então são feitos os “recortes” do que se almeja, focalizando-os dentro de um “espaço”, num devido tempo, uma vez que mesmo o viés da intemporalidade é

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cerceado pela conjuntura em que se apresenta. Logo, pode ser intemporal dentro de determinado fluxo de tempo, e territorial na relação intra-local, inter-local, local-global, intra-global. As várias concepções de pensamento que constituem a “práxis” acadêmica impelem a uma tipificação que muitas vezes rotula quando apresenta definições. Talvez esse rotular seja dado não apenas por tentar definir conceitos “dicionarizantes” ou de análise estrutural das palavras, mas por não se levar em conta que muitos vocábulos são variáveis e podem significar algo em determinadas situações, e ter significado diferente em outras. Assim, não se vai tentar definir nada aqui, no sentido de enunciar atributos específicos demarcativos e sentenciantes, mas conceituar, buscando representar os objetos pensados e os sujeitos pensantes por meio de suas características gerais, globalizando-os em seu território, sem generalizá-los. As visões que ora se apresentam mostram-se como partes que constituem as relações estabelecidas, sendo que é certo o fato de ocorrerem imprevistos nas múltiplas dimensões quando se vai apreciar parcialmente e buscar identificar o processo reprodutivo onde são espelhadas as ralações sociais intrínsecas às fronteiras do lugar. Porque conforme Carlos, a poética subjetiva e sócio-econômica reafirma o espaço desigualmente iluminado, cheio de obstáculos, relacionando-se com o tempo que se comprime, compacta-se e materializa-se, transformando-se mutuamente em território local. O mundo apresentado de forma fragmentada nas diversas formas do espaço, do indivíduo, da cultura é preenchido pelo sentido do corpo que emerge na memória constituída da cultura. Cultura esta que se estabelece em meio a pressões e coações. A necessidade de conceber as fragmentações e visões do território e tudo que nele está inserido se dá mais

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por uma proposição conjuntural que pela necessidade de “ser verdadeiro”; porque o lugar visto de dentro é um, e visto de fora é outro, ele não é uno, mas vários e variante dentro do fluxo conjuntural com suas próprias tradiçõesculturas - línguas - hábitos - práticas - analogias - relações sociais; é o olhar que os diferencia como em um prisma focando a luz. O lugar é chamado por Santos de: “quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstitutível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade”. A imaturidade humana nos faz produzir uma leitura assemelhada, mas não assimilada dessa lição que é a vida. Uma escola onde se aprende do primeiro ao último dia e não se diploma – a não ser pelo registro eventual de um obituário. Bakhtin descreveu o diálogo entre os interlocutores, enquanto princípio fundador da linguagem, na relação entre sujeitos; e o diálogo entre discursos, com a interpretação dos textos, significação das palavras e dos próprios sujeitos. A consciência possível do “outro” só se dá quando se propõe a ler o que ele escreveu e compreender o que ele quis fazer. A alteridade é marcante no ser humano, porque a convivência com o “outro” é imprescindível para a constituição de suas relações sócio-territoriais, mesmo havendo divergências e, às vezes, conflitos acerca dos valores. Há a necessidade de interagir e dialogar com as outras pessoas, sabendo-se que nessa interação, o historiador não é nulo, tampouco seus escritos são livres de ideais ou discursividade, então, nessa correlação do “eu” com o “outro” precisa ficar claro o verdadeiro objetivo de "revelar as fontes de viés, mais do que pretender que elas possam ser eliminadas (...), [na tentativa de] apresentar um desafio, e

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uma compreensão que ajude no sentido da mudança" (THOMPSON, 1992, p. 158 e 42). Assim sendo, os pontos que se põem na apreciação identitária da memória cultural das gentes do Terceiro Eixo estão ligados à questão local/espacial, sujeito/identidade, território/fronteira. Um inexiste sem o outro, e sua completude só se dá nas diferenças e mediações intrínsecas aos processos estabelecidos. Ambiência ocupacional Durante a segunda quinzena do mês de março de 2005, foi aplicado um questionário sócio-econômico nos bairros que compõem o Terceiro Eixo Ocupacional desde a época de sua formação. A proporcionalidade da quantia de aplicação está embasada no número de habitantes constantes no Boletim de Cadastro Imobiliário de 1979 e na quantidade de moradores da época da formação constantes na localidade, de acordo com o censo de 1980 do IBGE. Esses moradores do período de formação foram inquiridos sobre suas vivências familiares, enquanto formadores daquele território, e, como viam o local em que habitavam. Os 08 bairros – Bahia Velha, Bahia Nova, João Eduardo I, João Eduardo II, Glória, Pista, Aeroporto Velho e Palheiral – foram divididos em subsetores para que os questionários atingissem o bairro como um todo e a soma destes configurando o Terceiro Eixo. Foram aplicados questionários nos oito bairros, o menor número aplicado foi de 12 questionários na Bahia Nova e o maior, de 28 no Aeroporto Velho, a soma de todos os questionários aplicados nos bairros totalizaram a quantia de 161. Para essa aplicação foram utilizados alguns requisitos. Quanto aos entrevistados, precisavam morar ininterruptamente no bairro há, pelo menos, 23 anos, ou seja, desde 1982 ou antes dessa data; ser o “chefe” ou um dos

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“chefes da casa” na atualidade. Quanto ao local havia necessidade de cobertura de toda a localidade, com aplicação de maior quantidade de questionários nas áreas que, segundo a Prefeitura35 e entrevistas orais com os moradores, eram os locais com maior densidade demográfica. A percepção que se têm é que mesmo chegando ao Terceiro Eixo as andanças populacionais continuaram, a maioria das pessoas que nele chegaram ao período estudado, retiraram-se para outros locais. Como nunca houve um levantamento “oficial” sobre isso, o Cadastro Geral Municipal, o IBGE, o CEDEPLAR e outros órgãos que pesquisaram o local não têm dados sobre o assunto, não é possível chegar a uma contabilização das andanças. A própria andança intra Terceiro Eixo é muito grande com cerca de um terço dos entrevistados mudando-se de um bairro para outro no mesmo setor36. As análises ora produzidas são embasadas nas falas dos moradores que chegaram e permaneceram no local. Algo que chama a atenção tanto quanto o lugar de saída desses migrantes é o próprio fluxo migratório que está em grande parte diretamente ligado com as ações e políticas expostas no capítulo anterior. Dona Raimunda mora no bairro Bahia desde 1974 e conta algumas de suas vivências: Eu nasci na Bolívia, perto do Peru, mais fui registrada como filha de Xapuri. Cheguei aqui dia 28 de outubro de 1974. Porque o meu marido, quando agente namorava, ele já morava aqui, eu quando vim pra cá, ele tinha 17 anos, ele já morava aqui pela Bahia, aí quando nóis 35

BCIs; Cadastro imobiliário; e Plantas Oficiais da Cidade de 1979, 1980, 1981, 1982. 36 Quanto a essas mudanças os entrevistados respondiam o quêstionário pelo local em que estavam morando, embora tecessem observações e contribuições sobre o seu local de domicílio anterior.

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casamo, ele tinha uma casa, aí nóis viemo morá aqui. Porque era pra onde o meu marido pudia me trazê, né?! Porque as condições dele só dava pra vim pra cá, não tinha como ir pro centro. As pessoas disseram pra mim que isso aqui era um seringal, mais eu não sei si era. Esse lugar era tipo campo, mais aí, depois, em 1973, o homem lotiou, aí o homem vendeu os lotes de terras. O seu Nilo Pereira lotiou tudinho e vendeu, aí eu comprei este lote pra mim [na Bahia]. Era só um varador, parecia um varador de animal e todo mundo andava descalço, pra poder chegar na rua Rio Grande do Sul, e lavava roupa no rio porque não tinha água encanada, não tinha luz, era difícil. Só tinha ônibus pro Aeroporto Velho, descia na ladeira do Bola Preta, aí vinha de pé pra cá (Entrevista realizada com a dona Raimunda, dia 27/05/05).

Histórias de vida como a de dona Raimunda se repetem em dezenas de outros entrevistados. Portanto, duas coisas precisam ficar explicitadas a princípio: o lugar de nascimento desses homens e mulheres que vieram para o local e o lugar onde moravam antes. Quase metade dos migrantes nasceram em apenas três locais: Sena Madureira (17,08%), Tarauacá (15,82%) e Rio Branco (15,18%). Ao fazer um agrupamento quanto ao lugar de nascimento dos migrantes para a capital e mais tarde para o Terceiro Eixo, são perceptíveis algumas peculiaridades: a naturalidade dos entrevistados coincide com a proximidade da data de migração para a capital; entretanto, não se desconsidera o fato de um fluxo inicial de migrantes preceder a um auge, com grande fluxo migratório, e, um fluxo menor, mas ainda existente, em período posterior. Vieram para Rio Branco durante todo o período, contudo, em certas épocas vieram mais pessoas de determinadas localidades que de outras. Assim, percebe-se que vieram primeiro os migrantes de Brasiléia/Xapuri/Assis Brasil (15,18%), no início da década de 1970; seguidos pelos de Sena Madureira/Manoel Urbano (19,61%), em meados da

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mesma década; e prosseguindo com Tarauacá/Feijó (22,78%), no final da década de 1970 e início da de 1980. As andanças para a cidade de Rio Branco trouxeram pessoas naturais de várias localidades: 15,18% natural da capital; 64,52% natural do interior do Acre; 19,37% natural de outros Estados, sendo 8,21% procedente do Nordeste (Estado do Ceará, 5,69%), e 10,11% do Norte (Estado do Amazonas, 8,22%); além de 0,93% procedente de outros países. Local de nascimento e moradia proximamente anterior dos habitantes do Terceiro Eixo. LOCALIDADE Rio Branco Zonas Rural e Urbana Rio Branco/Zona Rural Rio Branco/Zona Urbana Tarauacá Sena Madureira Feijó Brasiléia/Xapuri/A. Brasil Outros municípios acreanos Estados da Região Norte Estados da Região Nordeste Outros Estados do Brasil Outros Países

LOCAL DE NASCIMENTO (%) 15,18

LOCAL DE MORADIA ANTERIOR AO TERCEIRO EIXO (%). ___

___ ___ 15,82 17,08 6,96 15,18 9,17 10,11 8,31 1,26 0,93

18,49 38,58 9,58 14,38 4,10 2,05 7,83 2,73 0,68 0,58 ___

Conforme a tabela exposta, apenas 18,49% dos entrevistados disse ter vindo direto da Zona Rural de Rio Branco37 para o Terceiro Eixo, enquanto 38,58% já morava em alguma localidade dentro da cidade de Rio Branco anteriormente. Outro ponto que se deve destacar é o fato 37

Esses número não incluem as localidades de Senador Guiomard, Plácido de Castro, Bujari e Campinas, uma vez que, mesmo estando próximas à Capital, constituem-se em Municípios distintos.

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de vários moradores terem saído de seus municípios de origem direto para o lugar em que vivem. São 28,06% dos habitantes, ou seja, mais de um quarto, que saíram de Sena Madureira, Tarauacá e Feijó direto para o local onde residem atualmente38. É importante lembrar que eles não são “coitadinhos”. Foram vitimados pelas políticas públicas que não os contemplaram, mas também agem dialogando com os outros e fazendo seus próprios movimentos de resistência e defesa da sobrevivência própria e dos familiares. Muitos dos moradores têm noção dos embates, lutas e expropriações que houve no “campo”, e das pelejas que ocorreram nas interações conflituosas e dinâmicas ocorridas na “cidade”, conforme relata dona Ivete, uma das entrevistadas que mora do João Eduardo II desde 1979: As pessoas que vieram do seringal, vieram em busca de uma melhoria, aí chegaram aqui sem ter nem onde morar, e o que acontecia muito em todo lugar, as pessoas saem de seu lugar, aí vai pra um outro lugar em busca de melhoria pra vida, aí nem melhora, faz é piorar. Os coitados que eram seringueiro, no seringal tava bem melhor, comia, bebia, tinha o que comer, aí vem pra cidade pensando que melhora, aí, chega aqui não tem emprego, não tem nada, nem tem comida pra comprar, aí vão passar necessidade, não tem onde morar. E sofrimento pra essas pessoas. Depois de muito tempo tem muitas pessoas que sofreram muito e que ainda sofrem porque 38

Se o período pesquisado fosse de 1971 a 1986 comprovaria-se a percepção inicial do alto nível das andanças populacionais dos feijoenses e tarauacaenses, principalmente nos bairros Pista, Glória, João Eduardo II, Taquari e Tancredo Neves. Quando da expansão do Terceiro Eixo, o maior número de migrantes veio dessas duas localidades, a ponto de os tarauacaenses ultrapassarem em quantidade o número dos naturais de Sena Madureira, enquanto o número dos feijoenses quase se igualar ao destes.

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tem muitos deles ainda que saiu da colônia pra vir pra cidade pensando em melhorar a situação. Quem tem sua colônia que fique por lá mesmo, porque aqui na cidade só quem tem estudo é quem tem emprego, já tem sua sobrevivência, né?! Mais pra quem vem do mato pra cá, sem ter estudo, sem ter nada, trabalhar aqui, de diarista, pega um diazinho aqui, outro ali, aí vai passar fome, ele e a família, não tem casa pra morar, não tem um emprego, não tem nada, vai só sofrer, foi o que aconteceu com esse pessoal, aí vamo invadir terra. Muitas pessoas saíram do seringal por que eram obrigados a sair, se não mataria eles, aí vinha pra cidade, aí vamo sofrer, aconteceu isso mesmo porque os paulista vinha e encontrava os seringais, tomava na marra, botava fora mesmo. Porque que o Chico Mendes morreu?! Por causa de terra, por causa que o pessoal invadia o seringal e colocava as pessoas pra correr fora, os seringueiro de noite dizia pra eles, tem tantas hora pra sair se não eu mato, então, colocava as trôxa nas costas e saía pra deixar a colocação pra eles. Eu sei que os seringueiros sofreram muito, tanto sofreu os que ficaram lá pelo mato pela pressão das pessoas que tomavam as suas colocação, os que vieram pra cidade ficaram sem moradia, sem emprego, sem nada, e aí acontecia isso, tem que invadir mesmo, aonde não tem ninguém tem terra desocupada, vamos invadir, invadiram a nossa, vamos invadir a dos outros pra poder arrumar um lugazinho pra, pelo menos, morar (Entrevista realizada com a Senhora Ivete, dia 26/03/2005).

Ao intentar saber quando os entrevistados chegaram a Rio Branco e ao Bairro em que habitam, a resposta foi que pouco mais de um terço veio antes de 1971 para a Capital, enquanto quase metade chegou ao Terceiro Eixo entre 1979 e 1982.

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ANO DE VINDA PARA RIO BRANCO

Entre 1979 e 1982 16,42% Entre 1975 e 1978 22,14%

Antes de 1971 35,02%

Entre 1971 e 1974 26,42%

Ano da vinda das gentes para Rio Branco. ANO DA VINDA PARA O TERCEIRO EIXO

Entre 1979 e 1982 48,83%

Antes de 1971 8,52% Entre 1971 e 1974 15,52% Entre 1975 e 1978 27,13%

Ano da vinda para o bairro em que vivem.

Essas populações andantes, ao chegar à localidade precisavam recomeçar, fazer derrubadas, cuidar da área, construir o “tapiri”, trabalhar para alimentar a família dentre tantos outros afazeres. Contudo, não eram homens jovens, não em sua maioria; os “chefes de família”, a maioria deles acompanhados por seus cônjuges, tinham os filhos ainda pequenos, sendo que os filhos mais velhos os “ajudavam na lida”. Para saber a idade desses homens e mulheres tomou-se por base a idade atual, diminuindo-se o

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tempo que moram no local. Assim, quanto aos entrevistados que chegaram ao local a maioria, ou seja, 60,55% tinha entre 18 e 40 anos, enquanto 21,08%, ou seja, um quinto, ao chegar ao local já estava com mais de 41 anos. Idade dos moradores ao chegar ao Terceiro Eixo – 1982. Local Pista Bahia Nova Glória Bahia Palheiral João Eduardo I e II Aeroporto Velho Terceiro Eixo

0 – 17 anos 30,76% 19,50% 30,43%* 10,52% 11,53% 15,16% 17,39% 18,36%

18 – 40 anos 38,46% 60,05% 43,49% 63,17% 69,23% 66,65% 69,56% 60,56%

41 – 50 anos 7,69% 20,45% 17,39% 26,31% 15,38% 12,13% 4,36% 14,28%

Acima de 50 anos 23,09% 0,0% 8,69% 0,0% 3,86% 6,06% 8,69% 6,80%

* Passadas duas décadas, verificou-se que muitos dos pais mudaram deixando os filhos no local.

O estado civil dos entrevistados modificou-se desde a formação do Terceiro Eixo até os dias atuais. Atualmente quatro sextos é casado, e um sexto viúvo, quando da formação, 64% eram casados. Por mais que o perfil seja de família nuclear quando da ocupação do local, é perceptível a existência de “mães solteiras”, filhos nascidos “fora do casamento” e a convivência de três, até quatro gerações ocupando a mesma casa. As famílias eram grandes. O “dono da casa” muitas vezes vivia acompanhado por seus pais ou sogros, pela esposa, por quatro filhos em média e, às vezes, por noras e netos. As famílias costumavam vir para determinado local e afixar-se próximo a um parente, sendo que, a maior parte dos entrevistados disse trazer consigo seus parentes, ou eles vieram logo depois. Normalmente ficavam sabendo do local para morar através de um conhecido, ou em segundo plano, de um

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parente e mesmo sem saber de quem eram as terras iam se instalando no local. A necessidade de ter onde morar e abrigar a família era maior que o sentimento de posse do que é alheiro ou ética de estar adentrando um setor que se não lhe, pertencia. Funcionários públicos, domésticas, agricultores, seringueiros, autônomos, biscateiros, eram homens e mulheres que saíram de suas localidades em busca de melhores condições de vida, um lugar seu, casa própria, almejantes de estudos para os filhos. Mesmo na atualidade, ao comparar o local de chegada e o de saída numa interação da memória e construção das idéias, esses homens e mulheres consideram a vida no local em que vivem, e conseqüentemente, no Terceiro Eixo, melhor do que a que levavam no local onde viviam antes, lá havia muito trabalho e pouca “chance de melhoria”, havia “sofrimento e labuta diária”. A maioria absoluta almejava uma vida melhor e uma casa para morar, sonhos simples, com perspectivas plausíveis a todos os seres humanos, mas que estes não tinham. Mesmo um lugar sem infra-estrutura era melhor que morar de aluguel ou ficar “amontoado” na casa de parentes na mesma ou em outra periferia. Tanto que se criou uma situação de vínculo, não apenas de sangue, mas sócio-cultural. Os parentes acabaram por viver e convier nas proximidades, assim também as populações migrantes que outrora moravam em localidades próximas umas das outras, também, ao chegar ao local buscaram aproximar-se para maior contato, talvez uma forma de resistir às adversidades e encontrar forças no que é conhecido para atuar no novo, vivenciá-lo e modificá-lo. Contudo, a convivência não foi fácil, se por um lado consideravam e sentiam que a vida no interior e em outras áreas urbanas era regular ou ruim para o que almejavam enquanto melhorias, também no local de chegada havia conflitos, brigas entre posseiros, às vezes vários donos no mesmo pedaço de terra, a presença de grileiros, estes

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atuando principalmente na formação dos bairros João Eduardo I, João Eduardo II e Bahia Nova. Quando indagados sobre a existência de alguma relação entre a saída forçada dos habitantes dos seringais e a ocupação do bairro39 em que vivem, a maioria dos entrevistados disse que sim, com destaque para os habitantes do bairro da Glória que disseram ser a maior parte dos ocupantes provenientes diretamente de outros municípios e da zona rural de Rio Branco. Seu Isaías é um dos primeiros moradores da Bahia, chegou ao local, próximo às “mangueiras”, no ano de 1958. Ao falar do período de sua chegada ele faz uma descrição do local, relembrando fatos e almejando a concretude de alguns sonhos como a relação que faz de si com sua mangueira, onde a tem por medida de longevidade e testemunha de fatos narrados, discorrendo em seguida sobre as áreas adjacentes à que mora: De Feijó eu vim direto pra cá, pra Rio Branco, morei na Estação [Experimental] depois vim pra cá pra Bahia em 1958. Já tinha oito morador que morava em suas fazenda aqui perto. Isso aqui era um capinzal, o lugar aqui era só capoeira, né?! Eu vim pra cá porque não tinha onde morar, antes eu morava de aluguel, aí ganhei esse terreno, e até hoje estou aqui, intendeu?! Olha essa árvore aí, quando eu cheguei ela era dessa grossura [faz referência a uma mangueira afirmando que era fina, cerca de 20 cm de raio], já tá com esses anos tudinho, tem mais de 50 anos, isso aí é uma testemunha, que eu vivo conservando ela, olha [a referida mangueira encontra-se com cerca de 80 cm de raio, quase da altura de um poste de rede elétrica do local]. Ela vai completar um século e eu tô [estarei] aqui ainda. 39

Entenda-se bairro como um dos 08 constituintes do Terceiro Eixo; as entrevistas levaram em consideração o local, para, só então, traçar-se o perfil do setor, respeitando a proporcionalidade de habitantes e as peculiaridades de cada local.

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(...) Aqui houve uma época que tinha plantação de seringueira, ali, ali pertinho da escola Tancredo Neves, era como é que se chama?! Da Sudevi [SUDHEVEA]. O viveiro era bem ali atrás onde hoje é a marcenaria [Rua Santa Rita], era ali que plantava, um viveiro grande, perto da escola [Tancredo Neves] tinha muita árvore plantada, tinha seringueira também, tinha gado ali, depois teve o Curral do Ribeiro, tudo era campo. (...) Aquele terreno da Sobral, o pessoal foram entrando divagazim, o Turiba tinha uma parte e invadiram, como era o nome do homem, meu Deus?! Tinha um velho que era dono daquelas terras ali todinha, até aquela caixa d’água. Aí o pessoal foram invadindo, foram invadindo e foram invadindo, não tinha aquela escola lá, só tinha a casa do governo, ali uma construção que criava porco, gado, galinha. Aquela fazenda Sobral era do governo, saia um, entrava outro, era grande a área, tinha um açude (Entrevista realizada com o Sr. Isaías, dia 27/07/2005).

Quando se traça um perfil entre trabalho, serviço ou ocupação remunerada antes de vir para o bairro, primeira atuação nesse sentido após a chegada, e situação atual de fonte de renda, tem-se o seguinte quadro: a agricultura e coleta do látex responsáveis por metade da ocupação, quando das vivências em outras localidades, perdem espaço para os trabalhos, serviços e ocupações “urbanos”, com o trabalho no setor público e na iniciativa privada chegando a quase metade dos entrevistados, embora a maior parte tenha acesso ao trabalho informal como biscateiro, autônomo e/ou doméstica. Após 23 anos de formação continuada do Terceiro Eixo, um terço dos trabalhadores já se aposentaram, embora segundo eles “faço algumas coisas pra passar o tempo” e na maior parte dos casos, complementar a renda; o número de autônomos/biscateiros diminuiu, embora tenha aumentado o número dos que engressaram no serviço público.

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Um outro fato interessante, que não pode passar despercebido é o fato de 40,25% dos entrevistados estar em idade de se aposentar, tendo apenas 31,19% conseguido tal feito até o presente momento. Aqui se está desconsiderando o tempo de serviço, se esse fosse considerado o número de pessoas aptas à aposentadoria por ter trabalhado mais de 35 anos seria bem maior que os 40,25%; outro fato é que o INSS não computa como somatória válida para aposentadoria os anos de serviço rural e urbano; também, muitos dos entrevistados atuaram por anos na informalidade, ou não tinham seu tempo de serviço reconhecido, já que, algumas empresas recolhiam o valor relativo à Seguridade Social (INPS), mas não o repassavam ao Tesouro Nacional, ficando com os dividendos para si, enquanto os trabalhadores ou por perda da Carteira de Trabalho, ou por não mais existência das “Firmas” perderam anos de Seguridade Social; quanto ao Estado não foi diferente, os “recibados” ou “contratados para prestar serviço provisório” não tiveram incluídos em seus anos de trabalho a quantificação proporcional da Seguridade Social.

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Trabalho, Serviço, Ocupação remunerada Trabalho, Serviço ou Ocupação

Antes de ir para o bairro

Seringueiro Agricultor Funcionário Público Doméstica Desempregado Autônomo/Biscateiro Braçal Iniciativa Privada Aposentado

19,79% 30,20% 18,75% 28,12% 3,14% * * ___ ___

Logo após ir para o bairro ___ ___ 26,45% 23,93% ** 28,20% 4,36% 17,09% *

Situação atual 2005. ___ ___ 32,11% * 6,45% 23,85% 2,74% 3,66% 31,19%

* Embora no período em Rio Branco se apresentassem várias pessoas nessa situação, nenhum dos entrevistados respondeu positivamente a essa indagação. ** Buscava-se saber a primeira ocupação remunerada, nem que para isso demorasse anos; não se teve o intuito de tipificar o desemprego; para tal vide subcapítulo intitulado Salgado Filho.

Esses homens e mulheres sabem que há algo de errado, mas não sabem o quê, nem a quem recorrer. Mais da metade não concluiu o primário, que hoje corresponde aos primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental; um quinto dos reassentados no período de formação nunca estudou. Os que acreditam poder melhorar a situação de vida engajam-se em associações de bairro e serviços nas igrejas. É certo que a situação atual dos moradores melhorou muito em relação ao período de formação. Naquela época quase não existia liderança de bairro organizada, as lideranças da Glória, Bahia, Palheiral e João Eduardo agiram junto ao poder público por fins da década de 1970 e início da década de 1980, ainda assim pouco se fez para ajudá-los no início.

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Há uma transformação do espaço fronteiriço em território-lugar, construído a partir das vivências e relações sócio-culturais existentes e estabelecidas. Fica muito claro isso quando se pergunta se o entrevistado teria continuado no lugar onde morava antes de vir para o local. Dois terços disse que não, que prefere o bairro onde está, e um terço sente saudades de onde veio, das relações produzidas e afirma que se a situação de vida lá fosse melhor teria continuado no local de onde veio. Há um apego ao lugar por parte dos moradores que estão no bairro e se socializam nele, tanto que os filhos dos entrevistados moram, a maioria absoluta, em um dos bairros próximos à casa destes. Essa relação não é apenas com a família, mas também reflete o ambiente próximo, dado que quando se inquire sobre como era a relação com os vizinhos durante a formação, 98,96% afirma que era ótima ou boa. Não havia muitas formas de diversão nos locais que formam o Terceiro Eixo, aliás, não havia água, luz, esgoto – pouca coisa havia. Mas ao perguntar o que faziam para se divertir, algo diferente de trabalho, que servisse para lazer e descontração, um terço afirmou ir para festas e comemorações com vizinhos, enquanto outro terço afirmou não fazer nada para obter divertimento. Esses moradores encontraram um local com poucas modificações antrópicas, e a partir de então, causaram modificações mais abrangentes e incisivas. Quando indagados acerca de como gostariam de ter encontrado o bairro, a maioria absoluta afirmou que gostaria de ter água, luz, calçamento e esgoto, coisas essenciais para o suprimento das necessidades sociais básicas. Ao se inquirir sobre a atuação desses moradores na tentativa de melhorar o local em que residem, a maioria afirmou ter feito pouca coisa em âmbito coletivo, embora cada um tente melhorar o espaço restrito de sua residência. A percepção que se tem é que não há saudosismo ou

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nostalgia da época de formação, a não ser saudade pelas pessoas queridas que se foram e pela tranqüilidade que pairava no local. São homens e mulheres que durante o período de formação eram quase todos Católicos, atualmente apenas 56,25% se considera Católico, congregando nas igrejas e congregações, em média, duas vezes ao mês; os Evangélicos totalizam 38,19%, com média de freqüência de oito vezes ao mês. Quase todos os entrevistados já saíram da “situação de trânsito” e assumem o bairro em que vivem como seu lugar, com uma relação direta entre o que ocorre no local e sua vivência. Ao ser indagados sobre por que não se mudaram de bairro quando tiveram a chance, os homens e mulheres afirmaram gostar do lugar: 11,97% disse ter se acostumado com o local; e 64,78% disse querer permanecer nele até o fim da vida. Como afirma dona Nena, moradora do Palheiral: Quando eu saí da Cadeia Velha eu disse pro Adoufo, meu filho, eu vou pra lá, mas só saio de lá pro São João Batista. Eu gosto daqui, já me acostumei. Fiquei viúva, meus filho já casaram tudo e eu fui ficando, fui ficando, aí eu nunca quis sair daqui, quando o pai dos meus filhos faliceu, eu ainda tinha José comigo [um dos três filhos que já morreram], eu sei que foi, foi, foi, lá morreu um outro filho; ele [José] se formou [2º grau], já tava exercendo profissão quando morreu. Aí eu fui ficando só, fui ficando só, e fui ficando, fui ficando... aí quando ele faleceu eu fui criando um neto, e foi preciso entregar ele pra mãe dele, porque ele já tava com outro primo praticando coisa ruim. Aí eu fiquei, aí parti pra ficar sozinha mesmo, aí o Raimundo disse: “mãe vamos vender essa casa”. Não é porque meu filho faleceu que eu vou vender. Aí eu disse: “eu não vou sair, eu fico aqui”. Aí eu fiquei. (Entrevista realizada com a dona Nena, dia 17/07/2005).

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Então se percebe que não é apenas a vizinhança, a localidade, não são os bairros, tampouco os 2.795,21m² que cobrem todo o setor. São as vivências, as práticas cotidianas, as relações e interações entre esses homens e mulheres não mais migrantes, mas ligados ao local, concebido, constituído, construído e reconstruído, que permeiam as relações estabelecidas de amor e desamor, querer e renegar, estar e sair, inerentes aos seres humanos; e, nesse caso, as andanças populacionais diminuíram consideravelmente para dar lugar a um “fixar raízes” e viver num espaço que se fez lugar, transformando-se o transformador humano e a própria ambiência no que se pode chamar de “melhores condições de vida”, “sonho de ter um lugar propriamente seu” ou simplesmente “casa”. Paul Thompson disse que "A construção e a narração da memória do passado, tanto coletiva quanto individual, constitui um processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e arte, aprendizado com os outros e vigor imaginativo", e isso fica muito claro na fala do Senhor Zacarias, quando fala sobre como era a vida há décadas atrás, há um ar de veracidade mesclada com sonhos, sonhos que podem ser reais ou imaginários, mas que de fato ocorreram, ainda que na memória dele. O senhor Zacarias, chegou ao Aeroporto Velho no início da década de 1970. Em sua fala estão presentes, não apenas o trabalho e o local onde mora, mas as “lembranças” das vivências: Eu morava no seringal do Rio Novo, aí vim pro bairro Bela Vista, aí me casei, fui trabalhar com meu sogro numa colônia, depois de muito me mudar, aí meu cunhado comprou esse terreno aqui de um vizinho que morava aqui do lado, aí eu peguei e fiz essa casa. Aqui não tinha rua, era caminho, só tinha uma estrada, que carregava o carro com petróleo, óleo diesel, era um atormento no inverno, era um atoleiro mais doido do mundo. Do IMPA pra cá tinha dia do carro amanhecer

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adornado. Era tudo atijolado até o campo de aviação. Era tudo na base do tijolo desde a Getúlio Vargas. A pista começava na SEMSUR e ia até a beira do rio. (...) aqui, quando eu cheguei, era uma vida tranqüila, calma, aqui você podia anoitecer, dormir com as porta aberta, que ninguém mexia em nada. Só existia uns 18 moradores nessa rua do Terminal e Rio Grande do Sul. (...) quando eu trabalhava na Santa Clara, agente trabalhava até dez horas da noite, pra fazer hora extra, e daqui tinha só eu; dez horas da noite eu saia de lá, e vinha ali pela Rio Grande do Sul, que a rua era só aquela mesma, eu vinha até aqui, e não via um rosto. A mulher ficava sozinha com os meninos, os meninos brincavam até a meia-noite, da Bahia até a Beira do rio, quando alagava a gente ficava na praia, na lua, ia virar cangapé, nessa areia, tomar banho no rio de madrugada, ninguém tinha medo de nada. (Entrevista realizada com o Sr. Zacarias, dia 26/07/2005).

Sujeito-identidade-lugar Ao correlacionar as pessoas no/ao local de súbito se é tentado a percorrer o viés reconstrutor das memórias e relações que se perderam: e o problema está exatamente aí. Procurar o que se perdeu em nada é melhor que a falta de busca, porque mesmo que se pense encontrar e encontre o perdido – o que é um sonho utópico, em grande medida – ele já não se insere no novo contexto. Esse achado não se encaixa nas conjunturas que se vão tecendo em meio à dinâmica do processo atual; e nem o será no futuro porque quando o futuro deixa de sê-lo, para tornar-se presente, também este muda, se modifica e é modificado, não apenas no tempo cronológico, mas também na memória, nas lembranças e nas leituras dessas lembranças. O foco não deve ser o de buscar o que se perdeu, mas procurar o que pode renascer nesse novo presente. Às vezes, o que parece mais fácil aos olhos é o “objetificar” as

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pessoas, torná-los congelados e fazer-se um jogo de cena com um antes e um depois: dois momentos contrapostos que mais parecem ao espectador meros objetos de curiosidade. Na certeza de que a solidez das relações se dá apenas enquanto ato, e, que, a abstração, quando muito, chega à potência, pensa-se aqui numa abordagem em que estão presentes as influências externas, os antagonismos, culturas, memórias e identidades – sem querer especificar ou negar nenhuma destas. Nesse ponto é necessário explicitar o sentido de identidade muito próximo ao de Loureiro, pautada na consciência de si próprio, do outro e do valor de ambos, num auto-reconhecimento inerente à auto-estima dos reassentados. Tendo como disseminador da “cultura cabocla” a própria situação de convívio análoga às relações sociais e a marginalização a que esses reassentados foram relegados. Nas palavras de Loureiro: Os caboclos da Amazônia, mesmo nas cidades, mantém na medida do possível, sua cultura. Esta, de um lado é marginalizada ou ignorada pelos poderes públicos, tomada sob a condição de uma subcultura; de outro lado, a interdição de participação nos âmbitos da cultura de origem européia e americana – considerada superior – proporcionou a expansão da cultura cabocla entre os segmentos mais pobres da população das cidades (1995, p. 31).

Essas gentes que habitaram e habitam as terras do Terceiro Eixo, como muitos outros homens viveram e vivem suas vidas interdependendo dos outros. Eles saíram de seus locais e vieram para o bairro, e esses em conjunto com outros formam um local, setorizado em um eixo, numa cidade, num estado, numa nação. É bem provável que não tivessem idéia da dimensão da amplitude dos atos que praticavam, ou pode ser que tivessem, porque na construção da memória o que se inscreve não é apenas o presente,

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mas também o representado. Essas imagens e vivências que parecem turvas pelo tempo, calcificadas pela lembrança às vezes emerge dos “entulhos” da memória como um resgate do que se viveu ou pensa que se viveu, ou foi vivido, mas não exatamente daquela forma que se explicita; embora essa forma explicitada no momento em que se apresenta a memória parece mais prazerosa do que realmente é, e por isso se quer ficar com ela. Então se lembra da lembrança construída como um sabor adocicado, mais gostoso que a vivência que se teve; e muitas vezes, se tem noção do “real” e assume, veementemente, que a outra lembrança “do mesmo fato” melhor satisfaz os anseios. Quanto a isso Paul Thompson escreveu, “aquilo que as pessoas imaginam que aconteceu, e também o que acreditam que poderia ter acontecido – sua imaginação de um passado alternativo e, pois, de um presente alternativo –, pode ser tão fundamental quanto aquilo que de fato aconteceu." Daí um alerta a todos que se propõem a estudar pessoas vivas em um local em construção. O dialogismo é fato presente e as analogias estão presentemente atuantes nos discursos e enunciações, ora por ligamentos, ora por rupturas, ora por descontinuidades intemporais, mas territorialmente tempolábil40. Ao esvaziar o território de seus habitantes, também se o esvazia dos significantes, logo ele é espaço – geodésico – quando muito cartográfico, por rabiscos numa estrutura. De mesma forma, ao esvaziar os homens de seu território cria-se um vácuo, não um vazio, mas uma “falta que não pode ser preenchida”, porque, ao se tirar o fator tempo-espaço de uma situação ela não se sustenta em si mesma, podendo-se mais facilmente cair no viés do simplismo, o que retira a concretude e lucidez dos fatores envolvidos, só restando a vulgarização.

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Que se altera com o tempo.

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Então se tem um aprofundamento na questão. Até que ponto o lugar é territorializante ou desenraizante? Ele é territorializante quando deixa de ser espaço ermo ou fronteiriço para ser território local, onde se estabelecem as fronteiras analógicas e dialógicas – no sentido baktiniano – do convívio social; e desenraizante quando vetoriza a banalização do cabedal estimativo intelectual, moral, valorativo do migrante “em trânsito”, que necessita em grande medida desvenciliar-se do que lhe é conhecido em convívio, para constituir um estranhamento com a nova realidade, num constante embate entre o tempo da ação e o tempo da memória. Eu morava no Seringal Baixa Verde, meu pai separou da minha mãe, nós mudamos várias vezes, aí de tanto mudar viemos pra Rio Branco, porque não era fácil a vida no seringal, queria ter casado, construído família, estudado, mas tinha que tomar de conta de meus irmãos, aí eu vim pra cidade. Vim pra estudar, melhorar de vida. Logo que eu cheguei aqui [no João Eduardo II] era sacrificoso, porque não tinha rua, era só o matagal mesmo, tinha que fazer varadozinho para sair pra cidade, mas ao mesmo tempo era uma vida saudável, porque era tranqüila, não tinha marginalização, a gente podia viver tranqüilo e calmo, sabe? Nas casas eu, por exemplo, quando cheguei aqui, a minha casinha logo que eu fiz, a primeira era pequenininha, aí eu fui aumentar e fiz, mas não tava nem fechada, só coberta e assoalhada, e eu só com a minha filha de um ano, tranqüilo, a gente amanhecia e anoitecia sem um pingo de medo, porque não tinha essa violência que tem hoje, né? Antigamente era muito bom, não tinha essa violência não, era um bairro tranqüilo, calmo, só não tinha a estrutura de nada. Logo quando eu cheguei era só mato mesmo, tinha que bater terçado, tinha que bater machado pra cortar os paus, e eu fiz tudo isso. As ruas eram varador, a [rua] Campo Grande foi tendo umas casinha pra vender alguma coisa né?! Casinha de

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comércio, mas era uma lama, cada buraco, só dava pra andar a pé ou carregar as coisas na carroça de boi. A lama no joelho, aqueles buracão, porque as rodas dos carros iam passando ali e ia fazendo aquelas valas lisas, escorregava, uma vez eu levei uma queda com minha filha no braço, mais ou menos a essa hora [17 horas], eu vinha ali pela frente, era uma vala doida, aí tinha um caco de garrafa, quando eu cheguei em casa o sangoeiro vinha descendo, minha nossa senhora, era horrível, mas era bom, eu gostava, e gosto daqui, moro aqui, e gosto daqui, mesmo assim eu gosto daqui, mesmo com toda a violência. Aqui é o nosso local, eu ainda acho calmo, aqui todo mundo se conhece, todo mundo se respeita, né?! (Entrevista realizada com a Senhora Ivete, dia 26/03/2005).

A identidade desses amazônidas que estão em um outro lugar que não o de nascimento/crescimento é vista aqui, como Gilbert Durand, citado por Loureiro, afirmou e que bem cabe nesta obra: “partimos de uma concepção simbólica da imaginação, de uma concepção que postula o semantismo das imagens, o fato de elas não serem signos, mas sim conterem materialidade, de algum modo o seu sentido”. O imaginário está no plano da consciência e embasa a reprodução da vida na perspectiva do lugar pela tríade habitante-identidade-habitat, ou sujeito-identidadelugar. Em ambas as formulações da mesma tríade permanece a identidade que pode ser formulada como “autoconhecimento, auto-estima, consciência do próprio valor, conjugados à consciência da própria inserção no conjunto da sociedade nacional e, mais amplamente, na sociedade dos homens” (Loureiro, 1995, p. 33). Ainda sobre identidade Stuart Hall afirma: (...) a identidade está profundamente envolvida no processo de representação. Assim, a moldagem e remoldagem de relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a

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forma como as identidades são localizadas e representadas. (...) Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo. (...) O “lugar” é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formaram e com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas (2004, p. 71 e 72).

Nessa relação de conteúdo e forma se expressa a compilação de recortes como um filatelista que em sua vasta coleção sempre lega destaque a uns poucos selos que lhe dão mais prazer, embora nem sempre satisfatório. A memória dessas gentes simples da periferia está cheia de lembranças, eles venceram o desenraizamento e prosseguiram a vida. No ato de evocar as lembranças, histórias de vida são resgatadas, trazendo em seu bojo o que de mais significativo permaneceu. Este processo envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e, sobretudo, vivências. Há uma inerência na relação memória-espaço. Afinal, a mudança espacial implica em desdobramentos nas vidas das pessoas, alterando seu cotidiano, mexendo em seus “quadros da memória” e reelaborando uma dinâmica individual e coletiva. Em muitas situações de deslocamentos podem ser vistas a aderência do grupo ao seu lugar e a manifestação de resistência. Perspectivas das localidades Alguns dos entrevistados discorreram de forma geral como era a região em volta do bairro onde moravam, e outros, especificaram como era o bairro em si. Aqui estão expostas algumas das vivências e lembranças expressas através das entrevistas, começando por dona Nena e como ela via o Palheiral no início da década de 1970:

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Antes de vim pra cá eu tava na Cadeia Velha, eu morava na colonha, da colonha eu adoeci, aí esse meu filho Adoufo trouxe eu pra rua, aí de lá eles pelejaram, até que compraram esse canto aqui. Era uma casinha pequena, aí eles venderam a égua, venderam um garrote, aí compraram isso aqui, né. Aí eu vim morar aqui. (...) Em 1970 as pessoas morava bem ali onde é o Bola Preta. (...) vixe, era uma coisa horrível, era umas casinhas que tinha pracolá, tinha umas quatro casinha pracolá, feita de tiarana. Aí eram uns toquinho assim, aí botava umas palhinhas, fazia as pareides, era de papelão, e assim era. O senhor me perdoi, mais eu não podia nem colocar a cabeça na janela véia que tinha: com tanta briga, era briga, era o pessoal com terçado, com pau, vixe. Aí eu tinha duas menina, uma de criação e outra minha, quando eu cheguei aqui, logo o pai delas foi atrás de um trabalho pra elas lá no centro; aí arrumou pra Maria Raimunda, aí arrumou pra outra, numa casa que era pra impregada doméstica, aí ela saiu bem cedim, já levava material de aula tudo. Aí trabalhava pur lá, aí de meio dia pra tarde elas ia estudá, quando dava seis hora, elas chegavam aqui. E a vida cansada era essa. Aí pra saí, era uma lama, uma lama, uma lama, cada um buraco de lama horrível. Minha casinha era simples de 04 por 06 [24 m²], nóis morava aqui né, e aqui na frente era só mato, aqui pra trás só mato, tudo era mato, esse João Eduardo, esse mei de mundo, tudo era mato. As casinha eram feita com palha, com papelão, as parede era assim, aí depois foram fazendo as casas. A nossa era de madeira por fora, tinha a nossa, e a outra, passando essa, na outra, aqui era do Raimundo. Quando nóis cheguemo, televisão não existia, tinha a nossa, a nossa que nóis já trussemo de lá da Cadeia Velha, quando dava uma hora dessa [17:30 horas] tava pra derrubar minha casa, era gente, era gente, nem eu assistia televisão. Aí eu disse: Adoufo, eu não agüento, tira a televisão aí de fora, que vão derrubar essa casa, a casa era só uma salinha, isso aqui e isso aqui [a sala]; aí o quarto era outra salinha, né?! E a cozinha, uma cozinha pequenininha

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que eles fizeram, era tudo apertadinho, aí foi indo, foi indo, foi indo, e você sabe, a gente que tem os filho, os filhos vão, né; Era o Adoufo, era o José, era Raimundo, era Maria, era Auxiliadora, João Batista e eu. Essa igreja [católica do Palheiral] quando eu cheguei aqui não tinha, aí tinha a Rosa, uma que morava na Estação, que ela vinha fazer reunião, ali na rua “A”, aí, de lá ela arresolveu vim pra cá aí ela foi, o dono ali deu esse terreno, e aí ela foi construir, era quatro toco, e os banquinho assim, parecia banco de casinha de menino, cubertim de alumínio. E aí, depois, vamos trabalhar pra construir essa igreja, aí nóis fumo trabalhar pra construir a igreja e fazer arraial, o mês todim, todo mundo trabalhava, era churrasco, era café, era nescau, era macaxeira, ajuntamo o dinheiro e construímos a igrejinha (Entrevista realizada com a dona Nena, dia 28/07/2005).

Já o senhor Manuel, trata dos locais a partir de suas terras, uma vez que possuía quatorze hectares de terra, onde hoje é o sul do Aeroporto Velho. Ele chegou ao local bem antes do fluxo de migração para o Terceiro Eixo se intensificar, ou seja, antes de 1971. Em sua fala destaca sua ida para o local, suas terras e a ocupação delas, e, a relação de poder na Ditadura Militar: Eu trabalhava na Guarda Territorial Federal, ali no Aeroporto. Quando eu cheguei o aeroporto já existia. Eu vim na época da revolução [Segunda Guerra Mundial], eu morava no estado do Ceará, aí teve uma migração para o Amazonas, e eu tinha vontade de vim porque naquela época ou ia prum canto ou ia pro outro, aí todo mundo era chamado, aí eu resolvi vou para o Amazonas. Veio meu pai, minha mãe, meu irmão, veio também depois o outro irmão, o outro morreu em Fortaleza. Eles vieram aqui, e aqui se espalharam uns foram para o seringal, outros para o Amazonas. Cheguei aqui no dia 06 de janeiro de 1945, vim e fui trabalhar no Instituto Agronômico do Norte – APRENDIZADO, eles ensinavam tudo ali, tinha hora pra moer

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cana, pra fazer horta, também tinha tudo. O instituto era pra plantio de seringa, nas mesmas terras do instituto, nas terras da Bahia, tudo aqui ao lado [do Aeroporto Velho] era do instituto, e ali naquele lado ali, perto daquele grupo lá [Escola Tancredo Neves] ali pra lá tudo era do instituto, foi plantado 55 mil pé de seringa, aí depois foi extinto, aí eu fui pra Belém, transferido pra lá, aí passei lá três meses, aí pedi demissão do serviço, já tava com cinco anos que eu trabalhava, aí voltei pra cá, cheguei aqui, entrei na Polícia, na qual me aposentei, ela era federal, naquele tempo tudo era federal, o Território. Eu me aposentei da União, trabalhei mais de 30 anos. Ali pertinho da Escola Tancredo Neves, prali tinha uma terra onde plantava eucalipto, era experimental também, era uma colônia (Entrevista realizada com o Senhor Manuel, dia 03/04/2005).

Segundo o Senhor Manuel, o Governo incentivou a ocupação de suas terras e fez um acordo com ele. Porém, o governo não cumpriu a parte que lhe cabia e as terras de seu Manuel nunca foram indenizadas: As pessoas começaram a chegar aqui nas minhas terras [parte sul do Aeroporto Velho] por volta de 1977 mais ou menos. Agora é cheio de gente. Vem gente aqui pra mim assinar recibo, e digo, mas eu não te vendi nada. Dizem, mas as terras não eram do senhor?! E eu digo, eu era posseiro, dono não. Porque não me deram uma escritura, nada, mas fiquei aqui pagando mais eu não vou assinar, porque eu não te vendi nada, né?! Eu fiz negócio com o governo, o problema foi dele, não foi com você. Não tenho nada contra o povo, né?! Ele foi que distribuiu terras pra fazer política. Bom, eu queria falar sobre o motivo dessa terra aqui, era uma pastagem até uns 20 anos atrás. O regime militar colocou todo mundo “no bolso”, se você tinha uma propriedade eles a invadiam e faziam o que queriam, né? Então, eu vim pra cá na época e ganhei essas terras do Departamento de Produção, e tenho um documento do

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INCRA que regulariza essas terras, são 14,8 hectares cadastrados. Aí eu tive um aumento de terras e eu cadastrei, já tinha mais terras, mas eles nunca me deram o documento de cadastro, quem fez isso foi o Departamento de Produção, aí depois que veio o INCRA, eu tive de pagar pela terra. Aqui era minha colônia, onde criava meu gado e plantava. Isso porque já tinham desativado o Instituto Aprendizado (Entrevista realizada com o Senhor Manuel, dia 03/04/2005).

Memória e História Os vários migrantes reassentados no Terceiro Eixo modificaram o espaço político-geográfico ao expandir a fronteira limítrofe urbana, ao mesmo tempo em que procuraram naquele local interagir com seus conhecidos, com as pessoas a seu redor e com o território, havendo ou não grau de parentesco, assim, modificaram também as relações no espaço social, o que diretamente refletiu na constituição de aspirações e mecanismos que expressassem um conjunto de atividades sociais na cidade, ou seja, a apropriação do espaço terrestre se processou como transformação do espaço-lugar e dos próprios indivíduos, numa interação contínua e dinâmica. As andanças populacionais não cessaram com a chegada ao Terceiro Eixo, muitas famílias retiraram-se para outros locais. Entretanto, nunca houve um levantamento “oficial” sobre isso. A própria andança intra Terceiro Eixo é muito grande com cerca de um terço dos entrevistados mudando-se de um bairro para outro no mesmo setor. Ocupação e violência são elementos constitutivos do processo de urbanização da cidade de Rio Branco. Na medida em que vai ocorrendo o processo de ocupação desse espaço, também ocorre a degradação do meio ambiente, com a destruição da vegetação na limpeza do terreno para a construção “desordenada” de barracos, sem

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sistema de saneamentos básicos necessários a essa população. A partir desse momento, o espaço sofre modificações devido ao “alargamento” da fronteira que passa a contar com a presença de pessoas que possuem costumes da zona rural e que tentam adaptar-se a essa nova condição antrópica “urbana”. As populações provenientes de distintas localidades têm em comum o desenraizamento. As pessoas saíram de seus locais e ficaram “em trânsito”, não reconhecendo seu lugar de origem, nem conhecendo o de chegada. Por isso, muitos resolveram morar perto de seus conterrâneos, daí a grande quantidade de pessoas de mesma localidade, num mesmo período ocupando determinado local. Mas não é só isso, os parentes que se deslocaram depois, ao se dirigir ao Terceiro Eixo procuraram ficar perto de seus conhecidos e parentes. O que tinha em comum de forma ampla era a busca de melhores condições de vida. O “reconhecer-se” nos parentes e conterrâneos e a crença católica no mesmo Deus. As práticas produzidas trazem consigo expressões simbólicas que perfiguravam o imaginário daqueles homens e mulheres que para vencer a alienação do desenraizamento buscaram “estar juntos”, quebrando o isolamento. Com isso foram sendo estendidas às raízes no novo solo possível – o do espaço que se estava tornando território local pela participação em atividades coletivas, sejam elas de caráter religioso, associativo ou de comportamento. A grande maioria das gentes que tiveram suas terras expropriadas precisou aprender a viver em terrenos com pouco mais de duzentos metros quadrados, trabalhar para adquirir dinheiro e com ele comprar comida, uma vez que já não se podia plantar para colher produtos para a subsistência nessa pequena área. Assim como o homem modifica o ambiente, este também o modifica na interação mútua. Por isso, não se vêem grandes plantações nos lotes do Terceiro Eixo, mas são comuns plantas, flores, árvores

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frutíferas e canteiros de hortaliças e leguminosas. Ao tempo que o “ambiente rural” é “urbanizado” pelos reassentados, o mesmo ambiente agora “urbano” – se é que se pode chamar assim – é “ruralizado” pelas práticas, inserções e modificações tipicamente dos ambientes rurais de onde os migrantes são provenientes. A codificação dos significados pelos sujeitos relembrantes não é livre em si, mas ancora a decodificação ao conveniente, e o próprio pesquisador envolto na turbidez do que está posto, por mais que se esforce, em sua imperfeição, apenas sintetiza o que está posto, analisando, conceituando, definindo, explicando, explicitando, enfim, sem querer, congelando. Daí a necessidade de em muitos dos casos deixar que o sujeito pesquisado fale por si mesmo, porque mesmo uma fala retirada do seu habitat, quando contextualizada, expressa, ainda que parcialmente, o seu intento. Todos os 161 entrevistados na pesquisa estão no que se convencionou chamar “terceira idade”, sendo que dois terços passam dos sessenta anos. Em todos eles percebeuse que esses idosos querem aprender coisas novas e anseiam por ensinar outras que já aprenderam, suas identidades estão vinculadas não apenas à memória cultural, mas ao território local em que se vive e convive, a esperança enraizou grande parte deles que relembram as festas comunais e o trabalho laborioso que executavam com braços outrora fortes e pernas já não tão firmes. A voz cansada pelo tempo ainda faz surgir nos olhos as lágrimas companheiras das lembranças de tempos nem sempre ternos ou calmos, mas vividos com intensidade. Da plataforma de suas cadeiras de balanço ou da sobriedade de seus bancos “rústicos” de madeira de construção, muitos sonham com um mundo onde não precisem ser substituídos, mas possam interagir com o que é “novo e belo”. Nas fotos amareladas pelo tempo, vêem-se corpos reais, vivos, talvez nem tão vivos como agora, mas que

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despertam saudades; saudades de poderem ir à igreja sem precisar “implorar” por companhia, de ter forças para encher uma garrafa d’água. Saudades de serem respeitados como seres humanos.

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