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Proposta Curricular de Educação Física SESI-SP: Ensino Fundamental ao Ensino Médio

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Conselho Editorial Paulo Skaf (Presidente) Walter Vicioni Gonçalves Débora Cypriano Botelho Neusa Mariani

Comissão Editorial Alexandre Ribeiro Meyer Pflug Fernando Carvalho de Souza André Luis Vigneron Editor Rodrigo de Faria e Silva Editora assistente Juliana Farias Produção gráfica Paula Loreto Apoio técnico Camila Catto Valquíria Palma

Responsáveis técnicos Coordenadores Hugo Cesar Bueno Nunes Kátia Alves de Lima Saulo Françoso Autores Adriana Garcia Alessandra Bergamo Sigrist Dal Bó Alexandre Demarchi Bellan Aline Cristina Alves Pinto Aline Colino Ribeiro Aline Steckelberg Cardozo dos Santos Alisson Aurélio Rosa Andréa Maria Véra Athos Alves Goulart Daniela Catão Maziero de Mello Danilo Almeida Alves Deise Aparecida Pinto Ednelson Cesaretti Elci Garcia Hugo Cesar Bueno Nunes Iara Anai Raimundo Isabel Cristina Bitencourt José Joaquim Reginato Filho Karina Beraldo de Oliveira Kátia Valérya dos Santos Souza Kátia Alves de Lima Léo André de Almeida Luís Claudio Marques Luiz Henrique Nogueira de Oliveira

Margarida Moreira Bertelli Paula Silveira de Alencar Paulo Cesar Ferraz da Silva Plínio Ricardo Carloto Reinaldo Naia Cavazani Rogerio Medina Roseli de Moraes Gonçalves Rosivane Ramos Ferreira Guilherme Saulo Françoso Sivia Simoni Orlando Viviana Martins Goto Vornei Correia da Silva Parecerista Marcos Garcia Neira Projeto gráfico original Ruth Klotzel Capa e diagramação Megaarte Design Preparação de texto Muiraquitã Editoração Gráfica Revisão Danielle Sales Fernanda Batista Fotografias Luciano Vicioni

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Serviço Social da Indústria (São Paulo) Proposta curricular de educação física SESI-SP: ensino fundamental ao ensino médio / SESI-SP. São Paulo: SESI-SP editora, 2013. 160 p. il. (SESI-SP Educação) Bibliografia ISBN 978-85-8205-121-4

1. Educação física 2. Currículo 3. I.Título



CDD - 796.07

Índices para catálogo sistemático: 1.  Educação física : Currículo Bibliotecárias responsáveis: Elisângela Soares CRB 8/6565 Josilma Gonçalves Amato CRB 8/8122 © Sesi-SP, 2013

SESI - SP Editora Avenida Paulista, 1313, 4o andar, 01311 923, São Paulo - SP F. 11 3146.7308 [email protected]

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Sumário

APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 9 5

1. A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

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2. PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NA REDE SESI-SP DE ENSINO

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3. CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

29

4. OBJETIVOS (METAS) DA EDUCAÇÃO FÍSICA

39

5. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM

41

5.1. Expectativas de aprendizagem referentes às brincadeiras

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5.2. Expectativas de aprendizagem referentes às ginásticas

51

5.3. Expectativas de aprendizagem referentes aos esportes

52

5.4. Expectativas de aprendizagem referentes às lutas

54

5.5. Expectativas de aprendizagem referentes às danças

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6. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

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7. REGISTRO E AVALIAÇÃO

75

8. RELATOS DE PRÁTICA

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8.1. Brincadeiras: 6o ano do Ensino Fundamental

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8.2. Ginástica: 6 ano do Ensino Fundamental

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8.3. Esporte: 1o ano do Ensino Médio

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8.4. Esportes de aventura: 9 ano do Ensino Fundamental

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8.5. Lutas: 3o ano do Ensino Médio

128

8.6. Danças: 3 ano do Ensino Médio

136

Pontos para reflexão sobre os relatos de prática

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9. PERCEPÇÕES DO GRUPO PARTICIPANTE

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Bibliografia 158

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Apresentação

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB no 9394/96) atribui à Educação Física a condição de componente curricular obrigatório da educação básica.

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Tal determinação repercutiu na comunidade acadêmica da área, que buscou fundamentação para justificar sua importância perante as demais disciplinas escolares e sua consequente articulação com a função social da escola. Foi no movimento de reinventar o espaço da Educação Física na escola que a rede escolar Sesi-SP buscou inspiração em seu corpo docente altamente comprometido e qualificado para construir esta proposta curricular. Ela ajudará professores e professoras a desenvolver práticas pedagógicas que contribuam para uma maior apreensão das manifestações corporais presentes na sociedade. Este material, elaborado por professores e professoras que estão com os pés fincados no chão da escola e conhecem mais do que ninguém a realidade educacional, certamente contribuirá para a melhoria da qualidade do ensino, legitimando a Educação Física no espaço escolar ao fornecer elementos para a formação crítica das novas gerações de crianças e jovens. Esperamos que seja utilizado na íntegra por todos os professores e professoras de Educação Física da rede escolar Sesi-SP e que sirva de estímulo para ações pautadas na ética, no respeito e no compromisso com um mundo melhor para todos(as). Prof. Alexandre Ribeiro Meyer Pflug Diretor da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida do Se s i -SP

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INTRODUÇÃO

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Há um bom tempo os pesquisadores do campo do currículo denunciam as propostas educacionais produzidas por especialistas e teóricos que desconsideram a sabedoria do professor. Essas propostas autoritárias reduzem a figura do professor1 à de um técnico competente, capaz de colocar em prática aquilo que os supostos intelectuais produziram em seus gabinetes. Vale lembrar que, historicamente, o modo predominante de se tratar a orientação pedagógica dos professores de Educação Física foi a indicação direta e prescritiva da prática docente. Ou seja, por meio de manuais e cartilhas, produzidos tanto pela indústria editorial como pelas instâncias governamentais, essa perspectiva buscava a homogeneização das práticas pedagógicas, desrespeitando a pluralidade de culturas e de seus sujeitos, alunos e professores (Brasil, 2006). O Sesi-SP, por meio da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida, apoiando-se nas teorias pós-críticas do currículo, rejeita tal concepção e deposita no professor o papel de intelectual transformador, principal 1 O Sesi-SP compreende a necessidade de se evitar uma linguagem machista, procurando ter o cuidado de utilizar sempre as expressões no gênero masculino e no feminino – por exemplo, professor e professora; alunos e alunas. No entanto, visando a melhor fluidez na leitura por parte dos que irão se beneficiar deste documento, suprimiu-se essa distinção e utilizaram-se apenas as expressões no gênero masculino, mas compartilhando da existência e legitimidade da figura feminina.

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responsável pela reflexão de sua prática e produtor de conhecimentos que contribuam para a elaboração de propostas educacionais. Não faz sentido, como aponta Moreira (2012), conceber o professor como um técnico que bem executa o que outros idealizaram.

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Consolidando a visão do professor como um intelectual capaz de refletir, decidir e bem agir, em 2011, o Sesi-SP iniciou a elaboração do caderno “Orientações didáticas de Educação Física”, que envolveu a participação coletiva dos professores interessados no projeto. Após longos momentos de pesquisas, reflexões, debates e reuniões nos quais os professores mergulharam nos estudos curriculares, arriscando-se no prazeroso e intrigante processo de escrita, é com orgulho que o Sesi-SP apresenta este documento, que, atento à diversidade de realidades e necessidades das escolas distribuídas pelo estado de São Paulo, visa subsidiar a atuação dos professores no âmbito da Educação Física escolar. A aposta desta produção é auxiliar o trabalho dos professores e de todos os sujeitos que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos no projeto de uma Educação Física comprometida com os desafios impostos à escola pela contemporaneidade. Dessa forma, este documento também é destinado aos diretores dos Centros de Atividades, aos supervisores de esporte, aos coordenadores e orientadores de esporte, aos supervisores de ensino, aos administradores escolares, aos coordenadores pedagógicos, aos professores dos demais componentes curriculares, aos estagiários e a todos aqueles que possam contribuir para a melhoria da qualidade do ensino. Diante do atual contexto surgiu a necessidade de organizar esta proposta curricular, produzida a partir do diálogo, caracterizado pelo exercício da escuta, da verbalização e da discussão de anseios que pretendem responder criticamente aos diferentes marcadores sociais presentes no cenário escolar. Nessa busca por respostas para os desafios a serem enfrentados pela sociedade pós-moderna, optou-se pela perspectiva cultural da Educação Física, ancorada nas teorias pós-críticas do currículo.

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O processo de mudança não significa que temos de abandonar ou negar tudo o que já vem sendo construído e desenvolvido nas aulas. Como afirma Aranha (1996), o passado não pode estar morto, pois nele se fundam as raízes do presente; assim, compreendendo o passado é que vamos dar sentido ao presente e projetar o futuro. Ir além do já construído é pensar, refletir, analisar e viver além das fronteiras de nosso tempo; é ir além de si, tendo a possibilidade de retornar com novos olhares, revisando e reconstruindo as condições do currículo presente (Neira, 2009a). A intenção deste documento é apresentar subsídios para que essa mudança possa se materializar em uma ação pedagógica mais significativa, participativa e estimulante para a comunidade escolar, considerando, obviamente, as diferentes realidades locais. Como afirma Kramer (1997), uma proposta pedagógica é um caminho, não um lugar. Uma proposta pedagógica tem uma história que precisa ser contada. Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma realidade que pergunta e é também a busca de uma resposta.

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O presente documento está organizado em capítulos que buscam articular-se entre si. No capítulo 1, descrevem-se a função social da escola e os desafios dessa instituição no mundo contemporâneo, na formação do cidadão para a vida pública ou ainda para a atuação no mundo do trabalho. No capítulo 2, o leitor é convidado a conhecer um pouco da história da Educação Física da rede Sesi-SP e, com isso, compreender as transformações pelas quais esse componente curricular passou ao longo do tempo e as respectivas influências advindas de diferentes tendências pedagógicas. No capítulo 3, aborda-se a concepção da área inserida no campo das linguagens, tendo como fundamentação teórica os estudos culturais e o multiculturalismo crítico e, assim, sendo o componente concebido num enfoque cultural.

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No capítulo 4, são apresentados os objetivos para o ensino básico e em seguida, no capítulo 5, são descritas as expectativas de aprendizagem elencadas por manifestação cultural corporal. Também são expostos os princípios pedagógicos que regem o currículo.

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No capítulo 6, são indicados os processos metodológicos que o educador utilizará para desenvolver seu trabalho, ou seja, os encaminhamentos pedagógicos, os quais foram divididos em: mapeamento, ressignificação, aprofundamento e ampliação dos conhecimentos. Na sequência, no capítulo 7, abordam-se o registro e a avaliação na Educação Física e as diferentes maneiras de interpretar esse momento de fundamental importância no planejamento de ações futuras. No capítulo 8, o leitor terá a oportunidade de conhecer alguns relatos de prática desenvolvidos por professores da rede Sesi-SP de ensino, os quais foram construídos em diferentes turmas do ensino básico, tendo diferentes manifestações corporais como foco de estudo. Por fim, no capítulo 9, seguem as percepções dos professores que colaboraram na construção deste material. Sabemos que uma realidade não muda da noite para o dia e que nem todas as perguntas são passíveis de respostas simples e imediatas. Porém, por meio do diálogo – aqui entendido na concepção freireana – entre todos os responsáveis pela educação, grandes frutos podem ser colhidos no permanente processo de ação-reflexão-ação (práxis). Nosso desejo é que este caderno de orientações didáticas de Educação Física do Sesi-SP possa sensibilizar professores e professoras, ajudando-os na busca incessante e desafiadora por uma educação crítica que contribua para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, engajada com a afirmação das diferenças.

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1. A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

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Como ponto de partida para a construção deste caderno de orientações didáticas, é imprescindível explicitar a função social da escola que o sustenta. Se partirmos do pressuposto freireano de que em educação não existe neutralidade, ou seja, o ato de educar pressupõe necessariamente uma ação política, cabe apontar os valores e princípios que alicerçam o projeto educacional em questão. Para tanto, Pérez Gómez (2007) indica duas funções prioritárias da escola no mundo contemporâneo: a incorporação do cidadão no mundo do trabalho e a formação do cidadão para a intervenção na vida pública. Nessa perspectiva, as diferentes teorias curriculares produzem discursos que respondem a essas funções atribuídas à escola. Entre os diferentes discursos veiculados na educação e na sociedade mais ampla, podemos separar dois grupos distintos e antagônicos: aqueles que utilizam os pressupostos das teorias tradicionais do currículo e aqueles que buscam sustentação nas teorias críticas e pós-críticas do currículo. No primeiro grupo, as respostas apresentadas à questão da função social da escola são claramente conservadoras, não críticas e adaptadas ao status quo. Já no segundo grupo, existe um explícito incômodo e indignação com as respostas que a escola vem apresentando numa

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sociedade cada vez mais desigual. Promover estratégias didáticas que ajudem os estudantes a conviver com as diferenças, respeitando-se o universo cultural dos diferentes grupos sociais, é o maior desafio que a escola está sendo convocada a enfrentar. Cortesão (2002) aponta que, com a modernização, a escola passa a conviver com uma população de características muito diferentes das que anteriormente estavam presentes no grupo sociocultural para o qual ela tinha sido concebida, ocorrendo uma mistura de culturas que até então não existia. 14

Os professores perderam aquilo que, em tempos, foi um “público garantido”, submisso, disponível para aprender o que lhe era exigido (ou para interiorizar, humildemente, que não eram capazes de aprender (cf. Cortesão e Torres, 1994), e enfrentam alunos que não gostam de estar na escola, até porque, fora dela, têm acesso a divertimentos e mesmo a fontes de informação muito mais aliciantes do que as que podem ser oferecidas pelos professores. (Cortesão, 2002, p. 29). Segundo Nunes (2010), com essa nova população escolar, os professores passam a ter outros desafios pela frente, pois começam a conviver com alunos que possuem valores e interesses diferentes, além de estarem inseridos em uma sociedade elitista e capitalista, que tem no seu bojo perspectivas de vida e objetivos muito diferentes daqueles com os quais os professores estavam acostumados a lidar no cotidiano escolar. Salientamos ainda que o encontro das diferenças, potencializado no mundo contemporâneo, afeta tanto os alunos quanto os professores, e, com isso, tudo o que estava distante ou camuflado passa a eclodir em todos os sujeitos que povoam o contexto escolar.

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Como resposta à diferença cultural1, a escola precisa organizar um currículo flexível e plural, tendo em vista as diferenças de origem dos estudantes. É necessário promover a formação de um cidadão capaz de lidar com os diferentes paradigmas impostos pela contemporaneidade, oferecendo-lhe ferramentas que o ajudem a transitar no meio social. As diferenças individuais precisam ser consideradas por toda a comunidade escolar, devendo fazer parte da proposta pedagógica e ser o marco da escola. Para tanto, é imperativo compreender o espaço escolar como um território marcado pela heterogeneidade, de forma que estratégias sejam articuladas a fim de atender esse contingente de estudantes que carregam consigo as mais diversas experiências. A interação entre os diferentes está muitas vezes marcada por situações de conflito, negação e exclusão, que podem chegar a diversas formas de violência (Candau, 2010). Assumir o compromisso de trabalhar com a diferença no interior das escolas requer muito mais do que simples olhares ou iniciativas pautadas na lógica da tolerância. Trata-se também de uma mudança de comportamento e de propiciar o rompimento na postura hegemônica da escola no que se refere ao cenário de conflitos, que, segundo Pérez Gómez (2007), resulta em um processo de negociação informal, um processo explícito ou disfarçado de negociação.

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Como defende Candau (2000), é preciso reinventar a escola. Ao se predispor a alcançar uma mudança e quebrar paradigmas sociais, os professores precisam reestruturar suas ações e procedimentos, já que a escola é um ambiente no qual os estudantes convivem num cenário de relações sociais, de poder e incertezas. Nesse território encontram-se pessoas que precisam buscar acordos para lidar com as diferenças de 1  Diversidade cultural e diferença cultural são conceitos distintos. A diversidade cultural remete à coexistência de variadas formas de manifestação da existência humana, as quais não podem ser hierarquizadas por nenhum critério absoluto ou essencial, e pode ser concebida como preexistente aos processos sociais. A diferença cultural, por sua vez, é um processo social estreitamente vinculado à significação. As diferenças culturais entre os diversos grupos são definidas em termos de divisões sociais tais como classe, etnia, gênero, religião etc., pautadas em relações de poder e autoridade (Silva, 2000).

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classe, gênero, etnia, religião, orientação sexual e outros tantos marcadores sociais que colorem a paisagem social das salas de aula. Nesse sentido é papel dos professores conduzir e coordenar o processo formativo, promovendo uma autorreflexão de suas posturas e adotando novas ações no ato pedagógico. Esse processo deveria estar articulado com a realidade concreta vivida pela comunidade em que a escola está situada, tendo como meta transformá-la e visando a construção de um mundo no qual todos possam se humanizar.

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Concordamos com Pérez Gómez (2007) quando salienta que a escola precisa diagnosticar as preconcepções e os interesses com que os alunos interpretam a realidade, oferecendo também um conhecimento público como ferramenta inestimável de análise, visando facilitar que cada aluno questione, compare e reconstrua suas preconcepções vulgares2, seus interesses e atitudes condicionadas, assim como suas condutas, as quais são induzidas pelo marco de seus intercâmbios e relações sociais. É preciso ampliar o foco de análise, buscando compreender as relações sociais e culturais que ocorrem entre os diferentes grupos e situações do cotidiano escolar. O aluno não aprende somente de forma assimilativa, apenas “digerindo” aquilo que o currículo apresenta. A aprendizagem ocorre de forma interativa com o meio social, a partir das representações que fazem parte de sua cultura experiencial, fruto das relações cotidianas que ocorrem em outros espaços (fora da escola), sempre permeadas por questões de poder. Dessa forma, é missão dos professores contextualizar as temáticas de ensino, para que o estudante seja capaz de pensar e agir em diversas situações impostas pela vida pública. Cabe à escola organizar estratégias que incitem o diálogo entre os diferentes, promovendo reflexões em torno dos conflitos que nela ocorrem, nas quais as experiências culturais dos diferentes grupos sociais sejam valorizadas e legitimadas no currículo. 2  Expressão de Pérez Gómez que, em espanhol, tem várias acepções. Nesse caso, podemos traduzi-la como os conhecimentos e as experiências preconcebidos pelos alunos no seu relacionamento fora da escola.

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A escola tem a função de incentivar a resolução de conflitos, preparando as novas gerações para o mundo do trabalho e para a vida pública. Entretanto, é pertinente clarificar o que se entende sobre essas duas funções atribuídas à instituição educativa. Educar para o mundo do trabalho, na perspectiva aqui defendida, não significa preparar os alunos para se tornarem mão de obra servil e submissa, ancorados no sistema neoliberal, que, segundo Paro (1999), tenta naturalizar as relações sociais e onde o trabalho é subordinado às regras do mercado. Servir ao capital tem sido, sob esse aspecto, o grande erro da escola básica, cujas funções têm sido subsumidas pela preocupação de como levar os alunos a um trabalho futuro. A situação seria diversa, é lógico, se ela o fizesse de uma forma crítica, de tal sorte que os educandos fossem instrumentalizados intelectualmente para a superação da atual organização social que favorece o trabalho alienado. (Paro, 1999)

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De acordo com Pérez Gómez (2007), quando atribuímos à escola a função de preparar os educandos para a inserção no mundo do trabalho, precisamos atentar para as necessidades do mercado de trabalho atual, pois, enquanto para o trabalhador assalariado (subordinado ao patrão) é necessário desenvolver certas atitudes e valores – como disciplina, assiduidade e padronização –, para o trabalhador autônomo (e para os desempregados) é vital o desenvolvimento da criatividade, da capacidade de enfrentar riscos e da interpretação de diferentes linguagens. Com base nas ideias de Paro (1999), defende-se uma educação para o trabalho que concorra para a formação de estudantes atualizados, capazes de interferir politicamente, usufruindo daquilo que o ser humano histórico produziu, mas ao mesmo tempo dando sua contribuição criadora e transformando a sociedade. Já quando indicamos a formação dos estudantes para a inserção na vida pública, outras questões permeiam esse propósito e a escola deve atentar para suas peculiaridades.

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Em um país de regime republicano, mesmo estando cientes de que a democracia ainda está longe de ser contemplada em sua totalidade, educar para a vida pública significa formar um cidadão crítico, consciente de seus direitos e deveres. Se o currículo forja identidades (Silva, 2009), acreditamos que as práticas escolares orientadas para a reconstrução crítica do conhecimento podem ajudar na formação de cidadãos contestadores, com condições de mudar suas relações cotidianas e poder agir tanto individual quanto coletivamente na busca da superação da sociedade capitalista de exploração do homem pelo homem.

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Essa meta só pode ser perseguida no momento em que a escola for concebida como um espaço de crítica e produção cultural, onde professores promovam a análise das diferentes linguagens e produtos culturais, favorecendo experiências que ampliem o horizonte cultural dos estudantes. É necessário promover uma educação para a negociação cultural, ou seja, que enfrente os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais, de forma que as diferenças sejam dialeticamente incluídas, promovendo uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais (Candau, 2010). Assim, para formarmos estudantes que contribuam na sociedade e a transformem, bem como cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, a escola precisa envolvê-los democraticamente no processo. Nesse sentido, esforços precisam ser despendidos pelos professores e pela escola, para que tal protagonismo seja viabilizado.

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2. PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NA REDE SESI-SP DE ENSINO 19

O Serviço Social da Indústria (Sesi) surge no Brasil em 1946, a partir de um projeto social e político que visava contribuir para a melhoria de vida do país e para o aperfeiçoamento do espírito de solidariedade entre as pessoas (Sesi, 2003). Nesse contexto, surge o primeiro projeto educacional do Sesi-SP, implementado em 1947, cujo objetivo era atender jovens e adultos e promover o desenvolvimento das habilidades necessárias para o desempenho de uma atividade profissional. Nesse período, a Educação Física no Brasil era baseada nos métodos ginásticos, o que provavelmente influenciou as aulas da rede Sesi-SP. Após treze anos, o Sesi-SP expandiu sua atuação educacional e passou a atender crianças em fase pré-escolar e primária, em classes localizadas em paróquias e vilas industriais. Entre 1959 e 1964, o número de crianças atendidas aumentou de 1.600 para aproximadamente 77 mil. O currículo foi organizado tendo como referência a LDB no 4.024/61 e as legislações estaduais. As diretrizes didáticas organizadas revelavam uma educação pautada na concepção humanista, que tinha como

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objetivo a formação integral do estudante e o desenvolvimento das potencialidades humanas como elemento de autorrealização (Sesi, 2003).

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Na época, a Educação Física teve sua obrigatoriedade garantida nos termos da LDB no 4.024/61, no artigo 22, que determinava a prática da Educação Física nos cursos primário e médio até a idade de 18 anos. Com esse caráter obrigatório da disciplina nos currículos escolares, o método desportivo generalizado, importado da Europa nas décadas de 1950 e 1960, passa a permear as aulas de Educação Física nas escolas, ocorrendo então uma confusão entre educação física e esporte. Podemos deduzir que a rede Sesi-SP também tenha sido “atingida” por essa embrionária esportivização das aulas, a qual ocorrerria com maior força na década de 1970 com a promulgação do Decreto no 69.450/71, que passou a considerar a Educação Física no âmbito escolar como “atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando”. O decreto deu ênfase à aptidão física, tanto na organização das atividades como no seu controle e avaliação, e a iniciação à prática esportiva tornou-se um dos eixos fundamentais de ensino a partir da quinta série; com isso, buscavam-se descobrir novos talentos que pudessem participar de competições internacionais, representando o país (Brasil, 1998). No “currículo esportivista”, as aulas têm como objetivo a busca do rendimento e a seleção dos mais habilidosos para as competições escolares. Nele, o professor assume um papel centralizador e direciona o ensino para uma repetição mecânica das técnicas esportivas, em que o mais importante são os resultados. Torna-se, dessa forma, excludente, ao estabelecer um patamar físico e motor que nem todos os estudantes têm condições de alcançar; torna-se ainda monocultural, já que esse currículo se caracteriza pela oferta dos produtos culturais europeus e norte-americanos (futebol, handebol, voleibol e basquetebol) a todos os estudantes, independentemente do patrimônio cultural que carregam.

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Como afirma Françoso (2011), numa política assimilacionista, os educadores adeptos do “currículo esportivista” tentam convencer os estudantes a se enquadrar no padrão disseminado pelos esportes tradicionais (ocidental, branco, masculino). Quando expõem suas culturas, como o hip-hop, o rap, o funk, o skate, o parkour etc., os estudantes desestabilizam esse currículo monocultural, o que resulta muitas vezes em atritos ou nos mais diversos motivos inventados para escapar das aulas. Em 1978, o presidente Geisel decreta o fim do Ato Institucional no 5, responsável pelo período de maior repressão política e social que nosso país conheceu. Em 1979, a anistia política permitiu o retorno daqueles que foram obrigados a deixar o país desde a implantação do regime militar em 1964. Com a redemocratização iniciada nesse período, novas perspectivas de participação popular se fizeram presentes e resgatou-se a importância da educação fundamentada em paradigmas que tornassem possível a construção de uma nova postura ideológica e política (Sesi, 2003).

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Nesse contexto, outras duas propostas surgiram no fim da década de 1970 e início da de 1980, influenciadas pelo campo da psicologia: o “currículo psicomotor”1 e o “currículo desenvolvimentista”2. A educação psicocinética3, também conhecida por educação psicomotora ou psicomotricidade, teve como principal autor o francês Jean Le Boulch. Segundo Darido e Sanchez Neto (2005), essa concepção mostra-se preocupada com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores envolvidos no ato de aprender, buscando garantir a formação integral do estudante. Num primeiro momento, caracterizou-se pela oferta de exercícios e tarefas motoras com base em avaliações diagnósticas e, 1  Ver, por exemplo, FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1989. 2  Ver, por exemplo, TANI et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/Edusp, 1988. 3  Ver, por exemplo, LE BOULCH, J. Educação psicomotora: a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

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em seguida, sob a influência das concepções construtivistas da aprendizagem, revestiu-se de atividades lúdicas (Neira; Nunes, 2006).

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Defendendo a ideia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física, surgiu a perspectiva desenvolvimentista, elaborada por David Gallahue e revisitada no Brasil por Go Tani e colaboradores em 1988. O “currículo desenvolvimentista” em Educação Física visa o alcance do estágio maduro das habilidades motoras, oferecendo oportunidade de experiências de movimento adequadas às faixas etárias. Nessa proposta, cabe ao professor observar sistematicamente o comportamento de seus alunos, com o objetivo de verificar em que fase eles se encontram, localizar os erros e oferecer informações relevantes para que sejam corrigidos e superados (Darido; Sanchez Neto, 2005). Nunes e Rúbio (2008) fazem críticas a essas duas perspectivas, pois, apesar de introduzirem novos conteúdos nas aulas – brincadeiras, jogos pré-desportivos, educativos e cooperativos –, proporcionaram práticas que embasaram as aulas na execução dos fundamentos dos esportes ou em atividades que visavam suprir o déficit motor da criança por meio de exercícios profiláticos4. O resultado dessas propostas é que pouco foi alterado no ensino do componente curricular Educação Física, pois a utilização das práticas motoras como meio ou como fim permaneceram e, assim, o currículo técnico-esportivo justificou sua permanência na escola com nova roupagem, pois esses objetivos (globalizantes) poderiam ser alcançados por meio da prática esportiva ou por sua forma institucionalizada (apresentações, competições etc.). O “currículo psicomotor” e o “currículo desenvolvimentista” pressupõem que todos os estudantes são capazes de executar os exercícios analiticamente propostos. Os métodos de avaliação, padronizados e legitimados pela ciência ocidental, são utilizados para identificar os níveis de desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e psicomotor (Neira, 4  Refere-se às medidas preventivas para corrigir atrasos ou debilidades no desenvolvimento motor por meio de métodos e técnicas cientificamente pautados.

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2007). Assim, identificados os níveis de aptidão dos estudantes, cabe ao professor elaborar um plano de ensino que os estimule a alcançar o patamar ideal, inferindo que todos são idênticos, com saberes e necessidades semelhantes (Françoso, 2011). Esse é o principal motivo da dificuldade de se aplicar as propostas pautadas predominantemente nos aspectos biológicos do ser humano na escola contemporânea, na qual convivem estudantes com diferentes interesses e ocorrem situações que impedem o alcance de objetivos homogêneos. Entre as concepções biologizantes da Educação Física, temos finalmente o “currículo da saúde renovada”, que, influenciado pelos estudos advindos do campo da fisiologia, surge mais recentemente sob o pretexto de melhorar a qualidade de vida dos estudantes por meio das aulas do componente. O “currículo saudável” busca estimular atitudes positivas nos estudantes em relação aos exercícios físicos e proporcionar oportunidades para a escolha e a prática regular de atividades que possam ter continuidade na vida adulta e promover a independência na escolha de programas de atividades físicas relacionadas à saúde (Neira; Nunes, 2006).

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Góis Junior e Lovisolo (2003) argumentam que esse movimento atual pela saúde é o mesmo movimento higienista do fim do século XIX e início do XX no Brasil, com algumas adaptações ocasionadas por mudanças nas condições de vida. Para os autores, o discurso de ambos os movimentos supervaloriza o papel da atividade física, provocando um reforço permanente dos argumentos para legitimar a inserção da Educação Física no currículo escolar. Infelizmente, ao exaltar a atividade física como fator preponderante na melhoria da qualidade de vida, o “currículo saudável” responsabiliza o indivíduo por seu sedentarismo. Adotando o discurso do medo, os defensores do “currículo saudável” ocultam e desprezam as condições sociais que promovem o estresse ou outras doenças decorrentes do ritmo de trabalho ou das más condições de vida (Nunes; Rúbio, 2008). No “currículo saudável”, segundo Françoso (2011), os estudantes das

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classes desfavorecidas encontram sérias dificuldades em se adaptar ao modelo proclamado pela cultura dominante. Basta lembrar a ineficácia do poder público no investimento em espaços adequados, estrutura e segurança que favoreçam a prática de atividades físicas pela população em geral.

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Nesse contexto de mudanças, no período de 1983 a 1993, as aulas de Educação Física no Sesi-SP passaram a ser ministradas por monitores de esporte e recreação (MERs) nas escolas localizadas nos Centros de Atividades (CATs); já nas escolas externas, as aulas eram ministradas por professores de Educação Física (PEBs), os quais eram lotados na Divisão de Educação, diferentemente dos MERs, que eram lotados na Divisão de Esporte e Lazer. Predominantemente, nesse período eram desenvolvidas aulas com viés esportivista, que eram dadas a duas ou mais turmas ao mesmo tempo. A partir de 1994 todos os professores que atuavam na Educação Física escolar passaram a ser lotados na Divisão de Educação, e então os alunos começaram a ter aulas três vezes por semana – duas aulas em “dobradinha” e a terceira em outro dia da semana. Essa organização seguia as recomendações do Colégio Americano de Ciências do Esporte. No término das aulas duplas, recomendava-se aos alunos a higiene pessoal por meio do banho. As turmas eram numerosas e divididas por gênero e, assim, exigia-se um professor para os meninos e uma professora para as meninas. Havia, ainda, as atividades paralelas, entre elas a fanfarra, que deveria ser organizada pelos professores de Educação Física. Até 1998, as atividades de ensino eram planejadas pelos professores, que sustentavam suas práticas por meio de documentos oficiais no campo da educação, já que o Sesi-SP não possuía, naquele momento, uma proposta curricular própria. Dessa maneira, o professor escolhia a direção em que gostaria de trabalhar, o que acabava fazendo que as aulas tivessem sempre um viés esportivista, pois era essa a formação que a grande maioria dos educadores adquirira durante

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a graduação. Podemos dizer assim que, nesse período, as aulas de Educação Física em geral tinham um caráter esportivista e competitivo. Em muitos casos, elas eram desenvolvidas em quadras municipais ou em escolas estaduais. A fim de ampliar a fundamentação teórica para ação pedagógica do componente, muitos estudiosos, incomodados com os discursos apresentados, passaram a firmar suas bases nas ciências da educação, com o propósito de elucidar sua importância em relação à função social da escola. Da crítica ao currículo tradicional (currículo esportivo; currículo desenvolvimentista, currículo psicomotor e currículo saudável), o qual, segundo Silva (2011), é composto por teorias “neutras”, científicas e desinteressadas (as quais buscam especificar precisamente objetivos a serem alcançados preocupando-se fundamentalmente com questões relacionadas ao ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, eficiência, organização e planejamento), novas vertentes de análise do currículo são concebidas, as quais são conhecidas como teorias críticas de currículo. Na Educação Física, tem-se, neste período, a proposição de currículos culturais na vertente crítica, tendo como principais expoentes as obras de Soares e colaboradores (1992) e Kunz (2009).

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Para Bracht (1999), as propostas dos referidos autores sugerem procedimentos didático-pedagógicos que possibilitam tematizar as formas culturais do movimentar-se humano criticamente na esfera da cultura corporal. Assim, o movimentar-se humano, objeto de estudo da Educação Física, deixa de ser concebido como algo biológico, mecânico, ou mesmo na sua dimensão psicológica, para ser compreendido como um fenômeno histórico-cultural. Dessa maneira, essas duas tendências curriculares, apesar de se moverem por caminhos epistemológicos diferentes – da lógica dialética para a tendência “crítico-superadora” (Soares et al., 1992) e do agir comunicativo para a tendência “crítico-emancipatória” (Kunz, 2009) –, conceberam a Educação Física como a disciplina escolar que trata do conhecimento denominado cultura corporal, que se expressa por meio de jogos, esportes, ginásticas, danças e lutas.

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Consideramos que o surgimento dessas propostas curriculares representou um marco na trajetória histórica da Educação Física, já que sua presença no currículo escolar passou a ser defendida por princípios inerentes ao campo das ciências humanas, rompendo com a construção metafórica do corpo-máquina (currículo esportivista, psicomotor e desenvolvimentista) e do corpo-consumidor (currículo saudável) e indo para a defesa da metáfora do corpo-cidadão (São Paulo, 2007).

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A partir dessas influências, em 1998 a rede escolar Sesi-SP começou a delinear novos horizontes para as aulas de Educação Física, quando se iniciaram as primeiras mudanças teóricas e foram realizadas as primeiras reuniões para a formação de um novo documento, denominado DOC-X (esboço do que seriam os Referenciais Curriculares próprios da rede Sesi-SP), o qual orientava para uma nova maneira de “ver” o currículo de Educação Física, buscando tratar esse componente curricular de maneira não esportivista. Para isso, indicava o desenvolvimento de atividades diversificadas, tendo como referencial as atividades lúdicas, recreativas e esportivas. O DOC-X foi utilizado por alguns anos e subsidiou, em 2003, a construção dos referenciais curriculares da rede escolar Sesi-SP, que contava com um capítulo específico para a Educação Física, e também de um caderno de apoio intitulado “Introdução ao fazer pedagógico da rede escolar Sesi-SP”. Apesar de as propostas crítico-superadora e crítico-emancipatória contribuírem significativamente para a legitimação da Educação Física na escola e possuírem seus méritos na denúncia do modo como o trabalho com as manifestações corporais muitas vezes reproduz as injustiças da sociedade capitalista, ambas não atentam para marcadores sociais importantes que permeiam as práticas corporais. As relações de gênero, etnia, religião, local de moradia, habilidade motora e sexualidade, entre outras, precisam ser interpretadas e problematizadas pelos educadores e estudantes. Afinal, trata-se de produtos das relações de poder que influenciam na constituição da identidade de seus praticantes.

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Essas críticas são dirigidas ao referencial de Educação Física que vinha sendo utilizado até esse momento por muitos professores. No entanto, em 2010, realizou-se uma revisão nas expectativas de aprendizagem e, com isso, foi desenvolvido o material didático do Sesi-SP referente ao componente Educação Física em que era proposta uma nova forma de organização pautada nas manifestações da cultura corporal (esportes, jogos, danças, lutas e ginásticas). Esse movimento de revisão de expectativas de aprendizagem e elaboração do material didático da rede escolar Sesi-SP ocorreu em todos os componentes curriculares. Após essas alterações, em 2011, começou a delinear-se um novo documento, tendo em vista a necessidade de avançar em vários aspectos. Foram então elaboradas as “Orientações didáticas da Educação Física escolar”, documento que constituiu o primeiro passo para que um grupo de especialistas, junto com professores de Educação Física escolar, coordenadores e supervisores de esporte da rede, elaborasse uma nova proposta pedagógica.

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Isso se deu por diversos fatores, entre eles, as mudanças realizadas no Sesi-SP no fim de 2008, quando a Educação Física escolar passou a ser gerida pela Divisão de Esporte e Qualidade de Vida, e não mais pela Divisão de Educação e Cultura. Nesse movimento tivemos uma supervalorização da prática esportiva, a qual culminou com a formação de equipes de rendimento esportivo, gerando uma “confusão” na cabeça dos professores sobre o real objetivo da Educação Física na escola. Nesse contexto, o acompanhamento e o apoio ao professor passaram a ser realizados pelo Orientador de Esporte. A falta de formação continua­da também foi decisiva para a “confusão” instalada na rede. Uma das críticas mais frequentes feitas pelos professores era a constatação de que a variedade de produções que norteavam a prática pedagógica da Educação Física provocava uma miscelânea de concepções que interferiam negativamente no trabalho. O percurso histórico que o componente curricular vivenciou contribuiu para essa miscelânea, pois buscou-se compreender o fenômeno da

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motricidade a partir de diferentes campos teóricos, alguns deles alheios ao ambiente escolar. A interpretação do movimento humano baseada nos princípios da física mecânica, da biologia e da psicologia resultou na construção de diferentes concepções curriculares (esportivista, desenvolvimentista, psicomotora e da saúde renovada) que não atendem as exigências da escola contemporânea, por desconsiderarem as múltiplas relações de poder embutidas no processo de produção e reprodução das práticas corporais. A suposta neutralidade dessas propostas, infelizmente, contribui com a perpetuação das diferenças sociais ao estabelecer padrões e conteúdos próprios da cultura dominante. 28

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3. CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

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Neste documento, a Educação Física, enquanto campo de intervenção pedagógica, é concebida no enfoque cultural. Comprometido com a busca de respostas educacionais que dialoguem com as questões multiculturais que caracterizam o cenário globalizado pós-moderno, o currículo de Educação Física na perspectiva cultural1 busca fundamentação na teorização curricular pós-crítica, especificamente nas produções advindas dos estudos culturais e do multiculturalismo crítico. Os estudos culturais são resultantes de uma movimentação teórica e política que surge como um conjunto de análises que revolucionou a teoria cultural na década de 1950. Como projeto político, os estudos culturais pretendem romper a clássica divisão entre “alta cultura” e “cultura de massa”. Hall (1997) salienta que os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido, e a ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam. Nesse sentido, os 1  Em todo o texto apresentado é importante frisar que os termos “perspectiva cultural” ou “enfoque cultural” sustentam-se nos trabalhos advindos dos campos teóricos do multiculturalismo crítico e dos estudos culturais. Neira e Nunes adotaram o termo “currículo cultural” para denominar essa concepção. Preferimos aqui evitar a adjetivação do currículo.

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seres humanos fazem uso de um variado sistema de significação para definir o que significam as coisas, dando sentido às suas ações. Tomados em seu conjunto, esses significados (sistemas ou códigos) por nós atribuídos constituem nossa cultura. Ou seja, toda ação social é cultural, todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, nesse sentido, são práticas de significação.

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Ao aceitar que o significado de qualquer objeto reside não no objeto em si, mas que é produto da forma como esse objeto é socialmente construído através da linguagem e da representação, os estudos culturais colocam em xeque todas as pressuposições tomadas como verdade absoluta e a essência fixa das coisas (Hall, 1997). Com base no pressuposto de que toda criação humana pode ser analisada e que a ela pode ser atribuído determinado significado, entendemos, como Johnson (2010), que os produtos culturais podem ser tratados como “textos”, sendo importante fornecer leituras mais ou menos definidas deles. De maneira geral, o objetivo é descentrar o “texto” como um objeto de estudo. O “texto” não é estudado por si ou pelos efeitos sociais que se pensa que ele produz, mas pelas formas subjetivas ou culturais que ele torna disponíveis. Pela interpretação dos textos, os estudos culturais concentram-se na subjetividade das formas sociais em cada momento de sua circulação, incluindo suas corporificações textuais (Johnson, 2010). Nessa linha concordamos com Hall (1997) quando afirma que a cultura está no centro das discussões, ou seja, para o autor, a centralidade da cultura pode ser analisada tanto em um âmbito global quanto em um âmbito epistemológico. Em âmbito global, a cultura tem relação com sua crescente centralidade nos processos de formação e mudança, sua penetração na vida cotidiana e seu papel na formação de identidades e subjetividades. Já no âmbito epistemológico, a cultura está inserida nas discussões sobre a constituição das ciências sociais e nas modificações da teorização e na análise relacionadas à “virada cultural”.

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A centralidade da cultura está associada ao termo “cultural”, o qual vem assumindo uma função de importância sem igual no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os recursos que antes iam para a indústria pesada da era industrial do século XIX, agora, na virada do terceiro milênio, estão sendo investidos nos sistemas neurais do futuro, as tecnologias de comunicação digital e os softwares da Idade Cibernética (Hall, 1997). A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento-chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares através dos esportes e das revistas esportivas, que frequentemente vendem uma imagem de íntima associação ao “lugar” e ao local através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo declínio industrial. (Hall, 1997, p. 5)

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Já em âmbito epistemológico, a centralidade da cultura tem relação com a revolução ocorrida nas últimas décadas na noção de “cultura”. O mesmo que ocorre na vida social também acontece em termos de conhecimento, de teoria e de nossas compreensões. Essa “revolução conceitual” refere-se a uma abordagem da análise social contemporânea que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida social, em vez de uma variável dependente, provocando uma mudança de paradigma nas ciências sociais e nas humanidades que passou a ser conhecida como “virada cultural”, a qual se iniciou com uma revolução

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nas atitudes em relação à linguagem, sendo dada a ela uma posição privilegiada na construção e circulação do significado (Hall, 1997). A “virada cultural” está intimamente ligada a esta nova atitude em relação à linguagem, pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas. O próprio termo “discurso” refere-se a uma série de afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem para se poder falar sobre um assunto e uma forma de produzir um tipo particular de conhecimento. (Hall, 1997, p. 10) 32

Concordamos com Moreira e Candau (2003) quando afirmam que a cultura não pode ser estudada como variável sem importância ou dependente em relação ao que faz o mundo se mover, devendo ser vista como algo fundamental, constitutivo, que determina a forma, o caráter e a vida interior desse movimento. Nesse âmbito, Hall (1997) afirma o caráter transitório das identidades. Para ele, “nossas identidades” poderiam ser mais bem conceituadas como as sedimentações através do tempo daquelas diferentes identificações ou posições que adotamos e procuramos “viver”, como se viessem de dentro, mas que, sem dúvida, são ocasionadas por um conjunto especial de circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências únicas. Nossas identidades são formadas culturalmente. Em que consiste, então, nossa identidade? Podemos dizer, por exemplo: “somos mulheres, somos homens, somos mães, somos pais”. A identidade expressa, nesse caso, “aquilo que não somos”. Contudo, aprendemos o que somos em meio às relações que estabelecemos, tanto com os nossos “semelhantes” (somos, todos nós, brasileiros) quanto com os que diferem de nós (somos meninos, por não sermos meninas). Aprendemos também o que somos em meio aos significados atribuídos, pelos outros, “àquilo que somos” (por sermos meninos, não devemos chorar na frente

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dos outros; por sermos meninas, podemos brincar com bonecas). A identidade é, portanto, um processo de criação de sentido pelos grupos e pelos indivíduos. (Stoer; Magalhães, 2005 apud Moreira; Câmara, 2010, p. 41) Para Moreira e Câmara (2010), é fundamental que os estudantes percebam com clareza a existência de preconceitos e discriminações e analisem como podem estar afetando a formação de sua identidade. Toda essa discussão acerca da cultura e da formação de identidade está inscrita e sempre funciona no interior do “jogo do poder”. A cultura, enquanto produção histórica, é entendida assim como um espaço de luta, um território de poder, um campo contestado de significação. É nas relações desiguais de poder que os indivíduos e grupos lutam para legitimar suas práticas e interesses (Hall, 1997).

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Nos estudos culturais, o termo “cultura” é transmudado de um conceito impregnado de distinção, hierarquia e elitismo para outro eixo de significados, em que se abre um amplo leque de sentidos cambiantes. Cultura deixa de ser domínio exclusivo da erudição, da tradição literária e artística, de padrões estéticos elitizados, e passa a congregar também o gosto das multidões (Costa; Silveira; Sommer, 2003). Nesse contexto a escola é tida como instituição cultural, portanto, as relações entre escola e cultura não podem ser concebidas separadamente, em polos independentes, mas sim devem ser vistas como universos entrelaçados, com fios e nós profundamente articulados (Moreira; Candau, 2003). Os estudos culturais ensinam que o currículo não é um instrumento meramente técnico, neutro ou desvinculado da construção social. Enquanto projeto político que forma novas gerações, o currículo é pensado para garantir organização, controle, eficiência e regulação da sociedade. Como instrumento pedagógico, define formas e organiza conteúdos; os conhecimentos que ensinam e se aprendem; as experiências desejadas para os estudantes etc.

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Dado seu teor regulatório e influente na produção de representações e identidades, o currículo constitui-se em importante estratégia de política cultural. (Neira, 2011, p. 35) No currículo escolar, os estudos culturais defendem uma educação na qual as pessoas comuns possam ter seus conhecimentos validados e seus interesses contemplados. Seu projeto é possibilitar aos grupos em desvantagem uma participação equitativa na cultura; para isso, toma partido dos grupos desprivilegiados nas relações de poder envolvidos na luta por significação (Neira; Nunes, 2011). 34

Outro campo teórico fundamental de compreensão é o multiculturalismo, o qual surge de movimentos reivindicatórios de grupos desprivilegiados em diferentes partes do mundo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando os países ricos do Hemisfério Norte presenciaram um intenso fluxo migratório proveniente de ex-colônias, como decorrência de problemas sociais e econômicos. No Brasil, os fluxos migratórios coincidiram com o período marcado pelas ondas desenvolvimentistas, que deslocaram grupos culturais de diferentes regiões pobres para aquelas em desenvolvimento. Essa configuração forçou a convivência social entre os diferentes, ampliando, assim, o contato entre culturas distintas (Neira; Nunes, 2009a). Para Neira e Nunes (2009a), o multiculturalismo crítico é um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais subjugados para terem suas culturas reconhecidas e representadas no espaço público, podendo ser visto como uma solução para os “problemas” desencadea­ dos pela intensificação do contato dos grupos minoritários com os representantes da cultura dominante. O multiculturalismo nutre o atual momento histórico com intensas mudanças e conflitos culturais, marcando presença na complexa diversidade cultural decorrente das diferenças relativas à multiplicidade de matizes que caracteriza os grupos que coabitam o mundo contemporâneo. Em uma concepção propositiva, o multiculturalismo deixa de ser apenas uma análise da realidade construída e passa a ser visto dentro de uma dinâmica social e política.

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Candau (2008) concebe o multiculturalismo crítico como um projeto político-cultural, um modo de se trabalhar as relações culturais de determinado grupo social, de conceber políticas públicas democráticas e de construir estratégias pedagógicas nessa perspectiva. Para o multiculturalismo crítico, a sociedade é permeada por intensos processos de hibridização cultural, o que supõe a não existência de uma cultura pura, nem tampouco de uma cultura melhor que mereça assumir para si um caráter universal. As relações culturais são construídas nas e pelas relações de poder, marcadas por hierarquias e fronteiras em contextos históricos e sociais específicos, gerando a diferença, a desigualdade e o preconceito. (Neira, 2011, p. 33)

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Adotando uma postura de resistência, o multiculturalismo crítico enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados (McLaren, 2000). Seu posicionamento teórico rejeita as posições conservadoras e liberais sobre a diferença. Tal visão de multiculturalismo não se limita a constatar a pluralidade de identidades e os preconceitos construídos nas relações de poder (Canen, 2007). A identidade, nessa perspectiva, é interpretada como uma construção, sempre múltipla e plural. A adoção de um currículo multicultural torna-se necessária se desejarmos superar os problemas trazidos com as ações educativas voltadas para a integração e o atendimento à diversidade. Por exemplo, ao ter que escolarizar os descendentes dos migrantes ou incorporar representantes das minorias, a escola se vê diante da atipicidade de contar com alunos cujos costumes, formas de pensar e valores contradizem a cultura reproduzida pelos currículos uniformes dos sistemas educacionais (Moreira; Candau, 2003 apud Neira; Nunes, 2006). Uma prática pedagógica ancorada no multiculturalismo crítico requer inicialmente que os professores centrem esforços no reconhecimento

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de suas identidades culturais. Esse aspecto é de especial relevância, já que, como aponta Candau (2010, p. 26), tendemos a uma visão homogeneizadora e estereotipada de nós mesmos, de forma que nossa identidade cultural é muitas vezes vista como um dado “natural”.

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Se essa perspectiva procura romper com uma visão essencialista das culturas, é necessário que os professores tomem consciência dos processos que moldam suas identidades. Esse exercício é fundamental para que os professores se preparem e desenvolvam a sensibilidade necessária para a organização de práticas educativas que favoreçam a discussão de valores culturais conflitantes2, culminando na formação de cidadãos capazes de construir respostas para as grandes questões que enfrentamos na sociedade atual. Enquanto os estudos culturais fornecem ferramentas de análise dos textos culturais, preocupando-se com os efeitos do currículo na formação dos sujeitos, o multiculturalismo crítico fornece aos professores ferramentas que os ajudam a promover intervenções engajadas no reconhecimento das experiências dos grupos subjugados e na luta pela justiça social. O que está em jogo, em ambos os campos teóricos (estudos culturais e multiculturalismo crítico), é a análise dos processos discursivos pelos quais as identidades são formadas. O currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, ao buscar inspiração nessas teorias, compreende a motricidade como forma concreta de relação do ser humano com o mundo, inserindo-se no campo da linguagem. A intencionalidade e a significação do movimento humano no plano da cultura o diferenciam fundamentalmente do movimento dos demais seres (Taborda de Oliveira, 1998/1999). Os seres humanos, quando brincam, dançam ou praticam esportes, se comunicam através da linguagem corporal. Por meio dos gestos, as pessoas expressam intencionalidades e modos de ser, pensar e agir, de acordo com as 2  Entendemos como valores culturais conflitantes as diferentes “verdades” que permeiam as sociedades.

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características do grupo cultural ao qual pertencem ou com o qual estabelecem vínculos (Neira; Nunes, 2009a). A construção do gênero em determinada sociedade pode revelar, por exemplo, quais gestos (formas de sentar, andar, gesticular) são adequados ou não para homens ou mulheres. Conseguimos distinguir facilmente um grupo de rappers de um grupo que aprecia música sertaneja, não só pelas vestimentas, mas também pelas formas de andar, pelas expressões utilizadas para se comunicar, pelas posturas, biótipos etc. Para Neira e Nunes (2009a), o corpo, nesse sentido, é entendido como suporte de uma linguagem que manifesta a cultura na qual alguém está inserido.

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Enxergando a cultura como um conjunto de práticas, ideologias e valores dos quais diferentes grupos dispõem para dar sentido ao mundo (McLaren, 1997), o professor pode organizar o currículo de forma a respeitar a diferença cultural e as consequentes relações entre identidade, propondo ações que valorizem as experiências dos grupos subordinados. A diferença apresentada pelos estudantes não deve ser encarada como um problema, mas como um potencial para a construção de práticas que provoquem a interação entre os diferentes, com o propósito de evitar atitudes preconceituosas. Infelizmente, o currículo de Educação Física ainda é colonizado por práticas euro-americanas, que impossibilitam enxergar o arco-íris de culturas no interior da escola (Stoer; Cortesão, 1999 apud Moreira, 2002). Esse daltonismo, que circula entre os estudantes, precisa ser superado pelos professores, que devem envidar esforços em problematizar a supervalorização, por parte da mídia das práticas da cultura dominante, desmascarando seus interesses mercadológicos. Ao romper com a falsa ideia de cultura “alta” e cultura “baixa”, o currículo de Educação Física na perspectiva cultural compreende todas as manifestações da cultura corporal como dignas de respeito e passíveis

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de serem estudadas. É necessário que, ao longo da escolarização, os estudantes tenham a oportunidade de conhecer, vivenciar e estudar as diversas manifestações corporais. Sendo a escola frequentada por grupos heterogêneos, é imperativo encontrar estratégias para o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, possibilitando que todos os estudantes, independentemente de classe social, gênero, etnia, nível de habilidade motora, idade etc., ocupem o papel de produtores de conhecimento, respeitando os saberes e as experiências do outro.

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Por viver em um mundo simbólico, o homem, quando se comunica, mobiliza um vasto repertório de elementos (signos) aprendidos pela vivência cultural, cujos significados são reconhecidos pelo grupo social. Esses saberes também são mobilizados para interpretar os textos produzidos pelos demais membros do grupo e, mesmo que um signo não seja imediatamente reconhecido, o leitor atribuir-lhe-á um significado tomando como referência a própria vivência cultural. (Neira; Nunes, 2009b, p. 16) Ao conceber o movimento humano como linguagem, as aulas de Educação Física podem constituir-se em um espaço onde práticas corporais sejam estudadas, analisadas e vivenciadas, oferecendo condições para que os estudantes compreendam a complexidade de aspectos (técnicos, táticos, culturais, sociais, históricos e econômicos) que envolvem sua manifestação no cotidiano da sociedade. O objetivo será o de formar alunos com identidades democráticas que elaborem representações positivas dos diferentes grupos sociais e suas respectivas práticas corporais, como sujeitos que contribuam dentro de seus limites e interesses para a transformação social no contexto em que estiverem inseridos.

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4. OBJETIVOS (METAS) DA EDUCAÇÃO FÍSICA

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Tomando como referência a função social da escola explicitada neste documento e a concepção curricular de Educação Física defendida pelo Sesi-SP, espera-se que os estudantes, ao final da educação básica, sejam capazes de: • estudar e vivenciar as manifestações corporais de diferentes grupos sociais, buscando o respeito e a afirmação das diferenças culturais; • relacionar as diversas práticas corporais ao contexto histórico em que são produzidas, compreendendo-as como fenômenos socioculturais em permanente mudança e evolução; • adotar atitudes de lealdade, dignidade, cooperação e respeito ao outro durante as vivências corporais; • analisar criticamente os produtos comerciais e os discursos midiáticos acerca das manifestações da cultura corporal; • criticar os padrões de corpo estabelecidos para as diversas práticas corporais, valorizando o fato de que qualquer indivíduo pode expressar-se e comunicar-se por meio de sua gestualidade; • compreender as histórias de lutas dos praticantes de manifestações corporais marginalizadas na sociedade; • criticar as “verdades absolutas” produzidas pela ciência ocidental acerca das práticas corporais;

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• posicionar-se criticamente nas discussões acerca das temáticas da cultura corporal estudadas, respeitando opiniões e ideias divergentes; • compreender que todas as manifestações corporais são permeadas por interesses e influenciadas pelo poder de quem as concebe; • analisar criticamente os aspectos econômicos, sociais, políticos, filosóficos etc. que envolvem as manifestações da cultura corporal; • reivindicar locais adequados para a prática das manifestações corporais, reconhecendo-as como produção humana e um direito do cidadão; • vivenciar as diferentes manifestações corporais, compreendendo os significados que lhes são atribuídos pelos diferentes grupos culturais; •  conhecer e vivenciar manifestações corporais de outros povos, como instrumento de acesso a informações, respeitando outras culturas e grupos sociais; • adotar uma postura crítica perante o impacto das tecnologias associadas às diferentes manifestações corporais; • reconhecer e legitimar a diversidade da cultura corporal manifestada nas diferentes formas de expressão, compreendendo-a como patrimônio cultural de grupos sociais; • ampliar e aprofundar os conhecimentos acerca da comunicação gestual; • manifestar-se fazendo uso de diversas linguagens, explorando as sensações e emoções pessoais e as dos colegas no decorrer das experiências; • interessar-se pela pesquisa como forma de aprofundar a leitura da gestualidade, envolvendo o levantamento de questões acerca da temática e a busca pelas fontes de investigação necessárias; • ressignificar coletivamente as práticas corporais; • compreender e utilizar as práticas corporais sistematizadas das diferentes culturas como forma de refletir sobre a própria cultura, fortalecer as relações de pertencimento e valorizar a diversidade cultural; • aprofundar e ampliar os conhecimentos acerca de diferentes manifestações corporais próximas e distantes do seu cotidiano.

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5. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM

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A proposta educacional do Sesi-SP estabelece expectativas de aprendizagem para todos os componentes curriculares. Neste documento, as expectativas de aprendizagem foram organizadas por manifestação da cultura corporal sem separação por ano de escolarização, a fim de facilitar a organização e o trabalho do professor. Essa forma de organização também foi proposta para evitar a obrigatoriedade do cumprimento de todas as expectativas previstas para determinado ano letivo. Na perspectiva cultural da Educação Física, o conhecimento não é necessariamente construído a partir do simples para o complexo, o que indica que determinada expectativa de aprendizagem poderá ser trabalhada em determinado ano e retomada no mesmo ano caso esteja em consonância com os objetivos propostos para aquela turma. O importante é que o professor, ao selecionar as expectativas de aprendizagem a serem trabalhadas, articule-as com os objetivos gerais (metas) propostos respeitando os princípios (reconhecimento da cultura corporal, justiça curricular, descolonização do currículo, evitar o daltonismo cultural e a ancoragem social dos conhecimentos). Caberá ao professor distribuir equilibradamente as expectativas de aprendizagem no currículo, garantindo a heterogeneidade das práticas da cultura corporal que serão vivenciadas e estudadas ao longo da escolarização.

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Portanto, é função do professor garantir que danças, lutas, brincadeiras, esportes e ginásticas componham o currículo escolar.

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No intuito de fornecer elementos que subsidiem os professores na seleção das expectativas de aprendizagem, descrevemos a seguir os princípios pedagógicos que nortearão tal escolha e que serão o fio condutor do planejamento das aulas. É importante que o professor tenha claro, como afirmam Neira e Nunes (2011), que fazer um currículo pós-crítico é pensar a educação do mesmo modo que um artista vive sua arte. A “escrita-currículo”, tal como a “escrita-artista”, encontra-se em constante fluxo, não ocorrendo distinção entre teoria e prática. A teoria é tecida sobre a prática educacional. Todo conhecimento é interpretativo, parcial e processual, portanto o que se apresenta é um convite para que os professores deem prosseguimento à escrita-currículo que se anuncia. Um dos primeiros princípios é o de reconhecimento da cultura corporal dos estudantes, o qual tem por objetivo valorizar as raízes culturais em que eles estão inseridos, transformando as manifestações corporais conhecidas em temas de estudo. Reconhecer e valorizar o patrimônio corporal significa desenvolver uma prática pedagógica em sintonia com a cultura de chegada dos estudantes, comumente vista como subordinada pela cultura dominante (Giroux; Simon, 2005 apud, Neira, 2011). Incluir os saberes subordinados no currículo requer, entre outros elementos, destacar como os sentidos atribuídos à prática corporal foram produzidos, questionando os códigos e os artifícios pelos quais se apresenta ou é representada. Numa sociedade em que a consciência das diferenças se faz cada vez mais forte, é primordial que professores e estudantes questionem como algumas manifestações culturais corporais se tornaram legítimas, enquanto outras não (Neira, 2011). Importante clarificar, como afirma Freire (2005, apud Neira, 2011), que reconhecer a cultura corporal dos estudantes não é o mesmo que

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permanecer nela, mas, sim, reconhecer os saberes dela provenientes, favorecendo a sua ampliação mediante o entrecruzamento com o repertório disponível em outras culturas. Diante disso, compreende-se a importância de articular as ações didáticas que consideram o patrimônio cultural corporal dos estudantes com os objetivos (metas) institucionais. Como podemos observar, é fundamental que os professores não trabalhem às cegas, ou seja, que desenvolvam as ações didáticas por sua própria conta e risco. Outro princípio é o de justiça curricular. Segundo Connel (1995), a justiça curricular, enquanto estratégia educacional, visa produzir mais igualdade no conjunto global das relações sociais às quais o sistema educacional está vinculado. Significa, antes de tudo, adotar uma estratégia de reversão da hegemonia, isto é, optar politicamente por um currículo contra-hegemônico.

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De acordo com Connell (1995), é fundamental considerar, no planejamento das atividades de ensino, uma distribuição equilibrada das diversas manifestações da cultura corporal. Essa preocupação visa atender às diferenças culturais e criar condições para que todos os estudantes tenham direito à voz, com seus conhecimentos reconhecidos e valorizados pelo currículo escolar. Ao focalizar a manifestação cultural “brincadeiras”, por exemplo, o professor poderá atentar para uma distribuição curricular equilibrada entre aquelas costumeiramente presentes nos universos vivenciais masculinos e femininos, brincadeiras pertencentes às diversas etnias, subculturas etc. Ao estudar ginásticas, o docente poderá garantir uma adequada distribuição entre atividades que solicitam valências físicas, como força, flexibilidade e resistência, ou investigar práticas ginásticas pertencentes a grupos diferentes, como as culturas profissionais, orientais ou dos idosos. No trabalho com os esportes, deverá equilibrar a vivência daqueles praticados com as mãos e com os pés ou aqueles mais próximos e mais distantes dos alunos. No tocante às danças, as atividades

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de ensino deverão tematizar as urbanas e rurais, as atuais e tradicionais, as folclóricas e ressignificadas e assim por diante. (Neira; Nunes, 2009b, p. 264)

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A necessidade de equilibrar a distribuição das diversas manifestações corporais no currículo da Educação Física exige do professor a organização de estratégias didáticas relacionadas às práticas corporais advindas dos grupos subordinados, em geral ausentes do currículo que costumeiramente imperou na trajetória do componente. Percebe-se ao longo do tempo o modo como muitos currículos privilegiam certos conhecimentos, certas identidades e certos discursos e em detrimento de outros, atuando para minimizar ou mesmo desqualificar práticas corporais oriundas de grupos não hegemônicos (Neira; Nunes, 2011). Para Neira e Nunes (2011), a justiça curricular aponta para um aspecto importante do processo de escolarização com o intuito de contribuir na construção de sociedades democráticas, ou seja, prioriza-se o questionamento da forma pela qual são elaboradas as representações que temos acerca do outro, do diferente. A fim de alcançar a meta, é preciso ter garantido um espaço para que alguns alunos descrevam o modo como tiveram acesso, aprenderam e vivenciaram os conhecimentos relativos à manifestação investigada, a forma com que é transmitida no seu grupo de origem, quem as pratica, como são as pessoas, os locais ou os eventos, o linguajar, as vestimentas, o grau de importância para o grupo, os sentimentos de seus participantes em relação à presença de representantes de outros grupos etc. (Neira; Nunes, 2011, p. 265) É fundamental que os estudantes percebam a existência de distintas maneiras de se conceber determinada manifestação corporal na sociedade e, para que isso seja potencializado, conhecer todo o seu contexto de criação e efetivação se torna imprescindível.

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É importante salientar que adotar o princípio de justiça curricular não significa substituir as práticas corporais hegemônicas pelas práticas da cultura popular no currículo. Na perspectiva cultural, existe espaço para que todas as manifestações corporais sejam estudadas. Não basta preencher o currículo com práticas corporais pertencentes aos grupos minoritários (Neira, 2011). Se o professor insere essas práticas nas suas aulas sem o devido aprofundamento, pode ocorrer o processo inverso, isto é, a supervalorização da cultura hegemônica. Assim, quando o professor decidir tematizar em suas aulas a capoeira, o hip-hop, o parkour ou o skate, ele precisa tratar essas manifestações com a mesma seriedade de quando trabalha com os esportes tradicionais. Ao se preocupar com a justiça curricular, o professor pode contribuir para a valorização do patrimônio cultural, respeitando a pluralidade de grupos presentes na escola e na sociedade em geral.

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Um terceiro princípio diz respeito à descolonização do currículo. Trata-se da defesa da inserção no currículo de manifestações corporais que historicamente estiveram ausentes do cenário escolar (Neira; Nunes, 2011). Um currículo descolonizado destaca não só os conhecimentos e as práticas sociais dos grupos dominados, em especial, indígenas, negros e povos da América Latina, como também suas histórias de luta. Valoriza e reconhece a diversidade identitária da população e proporciona o ambiente necessário para que as narrativas de todos os povos sejam efetuadas com base na própria cultura, de forma a relatar suas condições de opressão, resistência e superação. (Neira; Nunes, 2011, p. 267) A descolonização busca viabilizar um leque de oportunidades aos alunos, proporcionando a participação equitativa das múltiplas identidades, aspecto central de uma escola comprometida com a apropriação crítica da cultura corporal e a formação de identidades democráticas (Neira, 2011). Em vez de camuflar as diferenças com o intuito de que não sejam vistas, o currículo cultural possibilita o confronto e abre

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espaço para que os estudantes possam exprimir e refletir sobre sentimentos e impressões que afloram em momentos de divergência. A consciência dos educadores sobre situações de opressão é importante na construção de um currículo multiculturalmente orientado (Moreira; Câmara, 2010); trazendo à tona as diferenças, os professores, com suas intervenções, poderão ajudar os estudantes a reconhecer vestígios de preconceitos que se encontram colados às práticas corporais (Neira, 2011).

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Ao articular a descolonização e a justiça curricular, o currículo da Educação Física tratará com a mesma dignidade tanto as experiências relacionadas ao futebol, handebol, voleibol e basquetebol, como as oriundas de outros povos e segmentos sociais, como skate, street ball, capoeira, maculelê, ioga, jogos de cartas, jogos eletrônicos, funk, lutas e uma infinidade de manifestações corporais culturais que caracterizam os diferentes grupos sociais que frequentam a escola (Neira; Nunes, 2011). Evitar o daltonismo cultural é outro princípio a que o educador deve estar atento. Segundo Stoer e Cortesão (1999 apud Moreira, 2002), o professor daltônico culturalmente é o que não se mostra sensível à heterogeneidade, considerando que todos os estudantes são idênticos, com saberes e necessidades semelhantes, o que o exime de diferenciar o currículo e a relação pedagógica que estabelece em sala de aula. Stoer e Cortesão (1999 apud Neira, 2011) atribuem o daltonismo cultural à desconsideração do “arco-íris de culturas” com que se precisa trabalhar no ambiente pedagógico. Em contrapartida, defendem uma perspectiva que valoriza e considera a riqueza decorrente da existência de diferentes culturas no espaço escolar e recomendam que se evite a homogeneização da diversidade apresentada pelos estudantes. Para se evitar o daltonismo cultural, o professor de Educação Física precisa enxergar a diferença dos estudantes como um potencial recurso de enriquecimento, quer por permitir uma educação onde interagem experiências sociais múltiplas, quer por desenvolver competências

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para o viver e conviver com o diferente, evitando atos de discriminação de qualquer ordem (Leite, 2002). Muitas vezes, a intervenção pedagógica, ao amparar-se em uma ideia distorcida de igualdade, tende a tratar todos da mesma forma, com o objetivo de alcançar resultados semelhantes. Com esse propósito, frequentemente, são legitimadas apenas as práticas corporais pertencentes a uma cultura dominante no mesmo formato da sua ocorrência no ambiente extraescolar, cabendo aos alunos adaptarem-se para que possam participar. (Neira; Nunes, 2011, p. 267) 47

Ao agir dessa maneira, o educador acaba por privilegiar determinados grupos que trazem em sua bagagem experiências semelhantes, decorrendo na exclusão dos demais e, com isso, ampliando as diferenças. Outro reflexo de uma postura daltônica é identificado quando os educadores aguardam desempenhos semelhantes por parte de todos os estudantes ou assumem como referência para avaliação o grau de proximidade com o ideal objetivado. Nesse sentido, para evitar o daltonismo cultural, o professor poderá promover situações didáticas – como debates, construção de blogs, redações, análises de imagens e mídias, entre outras, visando reconhecer as diferentes leituras e interpretações que os estudantes têm acerca da manifestação do objeto de estudo, estimular, ouvir e discutir os diferentes posicionamentos com relação a ela, apresentar sugestões, oferecer novos conhecimentos advindos de pesquisa de diversas fontes de informação e reconstruí-la corporalmente – com o objetivo de elevar os diferentes grupos à condição de sujeitos da transformação e construção da manifestação em foco (Neira; Nunes, 2011). Para lidar com a heterogeneidade da cultura corporal, os professores devem possibilitar a participação de todos, diversificando as atividades e evitando a reprodução de um modo único de executar os movimentos. Basta lembrar que, se no currículo de Educação Física sob o enfoque cultural o movimento humano é compreendido como forma

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de linguagem, não podemos estabelecer modos certos ou errados de expressar-se pela gestualidade. Da mesma maneira, no cotidiano das manifestações da cultura corporal (em parques, clubes, na rua etc.), dificilmente deparamos com seus praticantes fazendo as mesmas coisas ao mesmo tempo.

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Várias atividades podem ser propostas nas aulas de Educação Física no sentido de respeitar a heterogeneidade da cultura corporal: diferentes maneiras de participar das vivências corporais, construção de coreografias, realização de pesquisas, filmagens, fotografias, análise de vídeos, organização de eventos esportivos, avaliação do trabalho feita pelos próprios estudantes e construção de materiais, entre outros. Essa postura traz como primeira implicação para a prática pedagógica a rejeição de uma perspectiva monocultural em relação ao aluno, de forma que o professor entenda que as diferenças são culturalmente construídas. Por último, temos a ancoragem social dos conhecimentos, que, segundo Grant e Wieczorek (2000 apud Neira; Nunes, 2011), significa tomar como objeto de estudo e ponto de partida a “prática social” da manifestação corporal e, a partir disso, elencar uma série de análises sócio-históricas e políticas dessa prática. Os trabalhos se iniciam com a noção que estudantes e professores têm das manifestações corporais a que têm acesso no cotidiano. O currículo, ao ancorar socialmente os conhecimentos, amplia a possibilidade de compreensão e posicionamento crítico dos estudantes com relação ao contexto social, histórico e político de produção e reprodução das práticas culturais. A ancoragem social dos conhecimentos contribui para que os estudantes desconstruam as representações provocadas pelas informações distorcidas ou fantasiosas presentes na sociedade e, com isso, adquiram uma nova visão sobre os saberes corporais disponíveis (Neira, 2011).

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A ancoragem social dos conhecimentos requer profundidade no tratamento dos temas, cuja possibilidade tem como condicionantes o engajamento do professor na proposta, a investigação do assunto, a seleção de materiais didáticos adequados e a preparação de atividades específicas. Uma eventual falta de sincronia entre esses elementos significará uma abordagem superficial das questões sócio-históricas e políticas alusivas às práticas corporais. Algo insuficiente aos propósitos político e pedagógico do multiculturalismo crítico. (Neira, 2011, p. 97) Mediante a ancoragem social dos conhecimentos, o currículo no enfoque cultural absorve de maneira contextualizada as histórias das práticas corporais, tanto as das práticas próximas quanto as das práticas distantes do universo cultural dos estudantes e, consequentemente, reconhece os diferentes pontos de vista oriundos dos grupos que as recriam, desenvolvem e praticam.

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Vale salientar que a seleção de expectativas de aprendizagem irá se dar através do confronto com esses princípios que foram abordados e também com as informações coletadas durante o mapeamento1. Diante da complexidade que envolve a produção da cultura corporal na sociedade, está aberta a possibilidade de o professor criar expectativas de aprendizagem não contempladas por esta proposta. É importante alertar, no entanto, que a criação de novas expectativas surge da necessidade levantada no mapeamento do patrimônio cultural do grupo, a partir das representações emergentes no processo. Ressalta-se, na escolha das expectativas, que estas não seguem uma ordem lógica, ou seja, na presente proposta o professor poderá escolher trabalhar com as expectativas número 05 e número 12 das brincadeiras, por exemplo, não seguindo, assim, a ordem numérica da 01 à 14, em dada sequência.

1  O mapeamento será abordado em seção posterior.

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5.1. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM REFERENTES ÀS BRINCADEIRAS

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1. Pesquisar e vivenciar as formas de brincar pertencentes a outras culturas (indígenas, africanas, orientais etc.), respeitando suas diferenças e adaptando-as às condições do grupo, espaço e materiais disponíveis. 2. Analisar criticamente os aspectos sociais e históricos que circundam a produção das brincadeiras de diferentes grupos culturais. 3. Vivenciar as brincadeiras populares do território brasileiro, compreendendo a influência das culturas indígena, negra e portuguesa, entre outras, na sua produção e disseminação. 4. Conhecer e vivenciar diferentes possibilidades de brincadeiras (tradicionais, cantadas, simbólicas, sensoriais), reconhecendo e valorizando suas características e ampliando o repertório cultural sobre elas. 5. Construir formas de registro das brincadeiras vivenciadas (fotos, desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em relação às suas características (formas e conteúdo). 6. Reconhecer nas brincadeiras vivenciadas as divergências de formas de execução e organização, manifestando respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar o acordo coletivo para a resolução de situações conflitantes. 7. Criar, organizar e vivenciar brincadeiras que visem o envolvimento coletivo do grupo, respeitando as características individuais. 8. Compreender a transformação das diferentes brincadeiras ao longo do tempo, analisando de modo crítico as estratégias utilizadas pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequentemente, aumentar a lucratividade. 9. Conhecer os espaços destinados ao brincar na comunidade (praças, quadras, parques etc.), criticando a atuação do poder público na garantia do direito ao lazer do cidadão e, consequentemente, a preservação dos locais pela população usuária. 10. Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia, religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles influenciam as manifestações das diferentes brincadeiras.

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11. Participar das vivências propostas, procurando desconstruir as representações que vinculam algumas brincadeiras a determinado gênero (por exemplo, brincar de carrinho é “coisa” de menino; pular corda é “coisa” de menina). 12. Comparar brincadeiras de outras épocas com as atuais, estabelecendo diferenças e semelhanças, sem julgamento de valores. 13. Analisar criticamente propagandas de brinquedos em diferentes veículos (televisão, internet, outdoors, vitrines de lojas etc.), contestando a exacerbação do consumismo, principalmente na proximidade de datas comemorativas (Natal, Dia das Crianças etc.). 14. Conhecer as características dos praticantes das diferentes brincadeiras vivenciadas e dos preconceitos que permeiam essa prática.

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5.2. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM REFERENTES ÀS GINÁSTICAS 1. Relacionar as práticas ginásticas com fatos históricos, sociais e políticos e analisá-las criticamente, compreendendo essas manifestações como um fenômeno sociocultural em permanente transformação. 2. Pesquisar, conhecer e vivenciar diferentes modalidades de ginástica (de diferentes culturas), analisando suas semelhanças e diferenças. 3. Criar apresentações de ginástica, manifestando e defendendo seu ponto de vista em grupo, participando do processo de elaboração com diferentes funções e papéis. 4. Adotar uma postura crítica diante dos padrões de beleza impostos pela mídia, analisando seu impacto nas relações de consumo e na saúde. 5. Participar das vivências propostas, superando os estereótipos e preconceitos que acompanham os praticantes de determinadas modalidades de ginástica. 6. Conhecer as políticas públicas e privadas de incentivo à prática da ginástica, analisando criticamente seus objetivos e resultados esperados.

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7. Vivenciar os diferentes tipos de ginástica encontrados na comunidade, tomando como base o grupo e seus familiares, compreendendo e respeitando a diferença cultural. 8. Vivenciar e aprofundar o conhecimento das variações de determinada modalidade de ginástica (natural, rítmica, acrobática, artística, aeróbica, circense, geral etc.). 9. Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia, religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles influenciam as manifestações das diferentes ginásticas. 10. Compreender as ginásticas como opção de lazer, criticando a atua­ ção do poder público na organização de espaços para sua prática (praças, quadras, salões etc.). 11. Interpretar a historicidade da supervalorização da prática da ginástica como meio para a aquisição e a manutenção da saúde, identificando os grupos sociais que se beneficiam da produção desse discurso. 12. Conhecer as características dos praticantes das diferentes ginásticas vivenciadas e dos preconceitos que permeiam a prática. 13. Compreender a transformação dos diferentes tipos de ginástica ao longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequentemente, aumentar a lucratividade. 14. Construir formas de registro das ginásticas vivenciadas (fotos, desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em relação às suas características (regras, estratégias, formas e conteúdo).

5.3. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM REFERENTES AOS ESPORTES 1. Compreender e vivenciar as variações das formas de praticar determinado esporte por parte dos diversos grupos culturais como

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forma de expressão da identidade cultural dos participantes, reconhecendo-as no âmbito das aulas. Analisar o modo de construção do discurso da mídia sobre o esporte, discriminando os significados e seus efeitos sobre os apreciadores-consumidores das práticas esportivas e reconhecendo sua inserção em diversos momentos da aula. Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais e programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus benefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em conformidade com a divisão de classes sociais, gênero, etnia e religião, entre outros marcadores sociais, verificando as possibilidades de acesso a elas, bem como os custos dessa participação. Perceber os modos de produção do imaginário social esportivo (mitos, ídolos, estilo de vida), bem como as identidades a ele atreladas (vencedores, populares etc.), identificando sua influência sobre a sociedade, homens, mulheres, crianças e idosos, entre outros. Compreender a distribuição dos espaços de divulgação de cada modalidade/equipe na mídia, relacionando o tempo/espaço de divulgação com a construção hegemônica das modalidades/equipes. Identificar as práticas discursivas presentes nos esportes que reforçam pejorativamente a identidade de raça, etnia, gênero, sexualidade, idade, religião, profissão etc. nas diversas vivências promovidas em aula. Conhecer os contextos históricos (políticos, sociais e econômicos) que levaram à construção das relações de poder presentes em determinadas práticas esportivas e, a partir disso, elaborar argumentos para a reconstrução dos significados atribuídos a essas práticas. Compreender o esporte como opção de lazer, criticando a atuação do poder público na organização de espaços para sua prática (praças, quadras, salões etc.). Criticar a atuação do poder público na oferta de espaços, com a finalidade de organizar e executar movimentos sociais de reivindicação de espaços públicos adequados à prática esportiva (na comunidade ou no âmbito da própria aula ou escola).

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10. Identificar, analisar e vivenciar os esportes em diferentes possibilidades de espaço, número de participantes, formação de equipes ou grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adaptar a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando o conceito de justiça curricular. 11. Conhecer a dinâmica da preparação física do atleta de alto rendimento, analisar as variáveis (diferenças físicas, gênero, biótipo) que interferem no rendimento esportivo, discernindo-as do praticante de esportes em diferentes grupos sociais, a fim de validar a participação de todos independentemente de seu rendimento. 12. Conhecer as características dos praticantes dos diferentes esportes vivenciados e dos preconceitos que permeiam as práticas. 13. Compreender a transformação das modalidades esportivas ao longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequentemente, aumentar a lucratividade. 14. Construir formas de registro dos esportes vivenciados (fotos, desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em relação às suas características (regras, estratégias, formas e conteúdo).

5.4. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM REFERENTES ÀS LUTAS 1. Conhecer conceitos, características e fundamentos comuns às lutas, reconhecendo as semelhanças e as diferenças entre luta, arte marcial e esporte de combate e diferenciando-as quanto às finalidades. 2. Elaborar jogos de luta (de rapidez e atenção, de conquista de objetos, de conquista de territórios, para desequilibrar, reter, imobilizar, livrar-se e/ou combater) com base em modalidades vivenciadas, elaborando novas regras (definição de espaços, ma-

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teriais, proibições, punições e formas de pontuar), respeitando a integridade física e moral dos colegas. 3. Vivenciar e analisar diferentes lutas (de origem ocidental e oriental) nos aspectos técnicos e táticos, relacionando-as a seu contexto de produção (aspectos históricos, políticos, sociais, religiosos e econômicos) e aos princípios filosóficos (sabedoria de vida) e hierárquicos atrelados ao seu contexto. 4. Vivenciar e analisar criticamente práticas de luta construídas e transformadas por culturas não hegemônicas, respeitando-as e valorizando-as quanto a suas características e funções socioculturais. 5. Posicionar-se criticamente nas discussões quanto às questões de gênero, classe social, estatura, peso, idade, etnia e religião, entre outras, que permeiam as práticas de luta. 6. Adotar uma postura crítica perante a profissionalização das lutas na sociedade contemporânea em suas diferentes dimensões (atletas, técnicos, preparadores físicos e dirigentes, entre outros). 7. Analisar criticamente a influência dos meios de comunicação sobre as lutas na sociedade contemporânea. 8. Compreender as etapas relacionadas à organização de eventos de lutas, analisando criticamente os eventos esportivos de grande magnitude e refletindo sobre as relações econômicas, políticas e sociais que se estabelecem antes, durante e após sua realização. 9. Validar os diversos significados atribuídos às lutas por seus praticantes (atividade física, competição, defesa pessoal, estilo de vida etc.). 10. Compreender a luta como opção de lazer, criticando a atuação do poder público na organização de espaços para sua prática (praças, quadras, salões etc.). 11. Conhecer as características dos praticantes das diferentes lutas vivenciadas e dos preconceitos que permeiam as práticas. 12. Identificar, analisar e vivenciar as lutas em diferentes possibilidades de espaço, número de participantes, formação de equipes ou grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adaptar a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando-se o conceito de justiça curricular.

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13. Construir formas de registro das lutas vivenciadas (fotos, desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em relação a suas características (regras, estratégias, formas e conteúdo). 14. Valorizar as diferentes lutas vivenciadas e estudadas no contexto escolar.

5.5. EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM REFERENTES ÀS DANÇAS 56

1. Vivenciar diferentes modalidades de dança, compreendendo-as como forma sistematizada de expressão da linguagem, respeitando a diferença cultural presente em suas manifestações na sociedade e relacionando-as a fatores históricos, sociais e políticos e aos marcadores sociais de classe, gênero, etnia e religião, entre outros. 2. Analisar criticamente os padrões divulgados pela mídia (por meio de filmes, propagandas, programas televisivos etc.) sobre os estilos de dança, evitando o consumismo exacerbado e a criação de estereótipos referentes a seus representantes. 3. Construir de forma coletiva coreografias que envolvam temáticas próximas e distantes de seu universo cultural, reconhecendo as divergências de formas de execução e organização e manifestando respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar a melhor maneira para a resolução de situações conflitantes. 4. Construir formas de registro das coreografias vivenciadas (foto, desenho, escrita, filmagem, relato oral etc.), posicionando-se criticamente em relação às suas características (formas e conteúdo). 5. Compreender a dança como opção de lazer, criticando a atuação do poder público na organização de espaços para sua prática (praças, quadras, salões etc.). 6. Valorizar o fato de que qualquer indivíduo pode expressar-se e comunicar-se por meio da dança, criticando os padrões de corpo e gestos estabelecidos pelos grupos hegemônicos.

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7. Reconhecer e vivenciar as danças de diferentes origens (africanas, asiáticas, europeias etc.), compreendendo suas influências na formação das danças típicas brasileiras e de outros povos. 8. Vivenciar e estudar as danças de diferentes contextos (clássica, moderna, rural, urbana, folclórica, erudita, contemporânea, eletrônica etc.), reconhecendo características que as diferenciam e respeitando a identidade cultural de seus representantes. 9. Compreender as histórias de luta dos grupos minoritários e das subculturas pelo reconhecimento e valorização de suas danças. 10. Participar das vivências relacionadas à dança, independentemente de suas características individuais, respeitando e reconhecendo a possibilidade de expressar-se por meio da linguagem corporal. 11. Identificar, explorar e acompanhar diferentes ritmos das culturas locais, reconhecendo-os como expressão de um povo presente nas festas da cultura popular. 12. Elaborar produções culturais alusivas às danças, em diferentes suportes textuais (notícias, crônicas, filmes, fotografias, cartazes, coreografias etc.). 13. Conhecer as características dos praticantes das diferentes danças vivenciadas e dos preconceitos que permeiam as práticas. 14. Compreender a transformação dos diferentes tipos de danças ao longo do tempo, analisando criticamente as estratégias utilizadas pela indústria cultural para fomentar o consumo e, consequentemente, aumentar a lucratividade.

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6. PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

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Furor pedagogicus. Não importa que a ideia seja nova ou mais velha, muitíssimo antiga... Não importa de onde venha, se da Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia... Não importa quem a expresse. O que importa é que difira do pensamento dogmático da pedagogia. Então, nem bem é dita e escutada, há sempre uma multidão alvoroçada indagando: – Mas, então, se isso não é como eu pensava que fosse... Como fazer? Como é que eu vou agir na sala de aula? Como é que eu vou ensinar? Como...? Como...? Como...? – Praga, vírus, vício, cacoete pedagógico. Pergunta que não para de perguntar. Até quando existirão aqueles que a formulam? E pior: aqueles que respondem sem a mínima cerimônia? (Corazza, 2006, p.15) No currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, o trabalho dos professores precisa necessariamente estar articulado com o projeto político-pedagógico da instituição em que atuam. Dessa maneira, é imprescindível conhecer e debater todos os objetivos pedagógicos estabelecidos pela equipe escolar. É fundamental que os professores sejam um núcleo político ativo, provocador de mudanças, e não um mero transmissor social de “cultura” de uma geração a outra, que atua na manutenção da ordem social vigente. Conversas com os colegas de

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profissão podem ajudar no planejamento das ações, abrindo espaços, muitas vezes, para a construção de projetos interdisciplinares. Ao construir o plano de trabalho docente, o professor buscará organizar o percurso tendo como linhas gerais alguns procedimentos didático-metodológicos. Vale ressaltar que estes procedimentos não são processos estanques e, assim, poderão ser trabalhados simultaneamente. São eles: mapear, ressignificar, aprofundar, ampliar e avaliar. Para desenvolver um currículo de Educação Física com enfoque cultural, o professor seleciona uma manifestação da cultura corporal do movimento conforme o grupo social e suas experiências culturais; toda e qualquer manifestação pode fazer parte do currículo, o que possibilita ao estudante perceber a heterogeneidade social e valorizar a diversidade da cultura corporal.

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O mapeamento é o primeiro passo para a construção do currículo escolar, pois a escolha do objeto a ser investigado deverá ter como referência as manifestações da cultura corporal que se articulam direta ou indiretamente com o cotidiano dos estudantes (Neira; Nunes, 2009b). Concordamos com Neira (2011) quando afirma que no currículo cultural da Educação Física, ao mapear os conhecimentos, o educador provoca a emersão das representações que os estudantes possuem sobre as manifestações culturais que constituem sua própria identidade. O mapeamento é a porta de entrada para uma abordagem equitativa da diversidade dentro da escola, questão de honra quando se objetiva um projeto educacional sensível às diferenças. Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais estão disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou no universo cultural mais amplo. Mapear também significa levantar os conhecimentos que os alunos possuem sobre uma determinada prática corporal. Não há um padrão ou roteiro obrigatório

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a ser seguido, durante o mapeamento, os professores empreendem variadas atividades. (Neira, 2011, p. 107).

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O reconhecimento do patrimônio da cultura corporal da comunidade escolar é o ponto de partida para a prática pedagógica, já que a manifestação das práticas corporais não é privilégio das aulas de Educação Física. Portanto, é tarefa dos professores identificar como os estudantes têm acesso ao conhecimento acerca dessas práticas também fora dos domínios da escola. Como as crianças jogam voleibol? De que forma acontece o futebol nas ruas, parques e/ou condomínios? Como são organizados os bailes na comunidade? E os torneios esportivos? Quais conhecimentos os estudantes possuem acerca das diferentes manifestações corporais? Quais as vestimentas e os gestos característicos do grupo de basqueteiros, de skatistas ou dos lutadores de jiu-jítsu? O mapeamento do patrimônio cultural corporal é imprescindível, pois possibilita ao professor conhecer as práticas corporais que fazem parte do universo cultural dos estudantes, familiares e da comunidade escolar envolvida, investigar quais espaços podem ser aproveitados para o desenvolvimento das aulas, os locais no bairro onde as práticas corporais acontecem e desvelar, a partir do diálogo, os temas que poderão ser abordados nas aulas. Com o mapeamento realizado, os professores terão condições de organizar o currículo focalizando algumas temáticas da cultura corporal (Neira; Nunes, 2006). O olhar atento às culturas que permeiam o universo escolar é a característica mais marcante do mapeamento. As informações obtidas com os estudantes constituem elementos fundamentais para dimensionar o tema de estudo e as possibilidades que esse estudo apresenta para o desenvolvimento das aulas. Informações que, sem dúvida, minimizam a incidência de improvisos e a descaracterização das atividades de ensino previamente elaboradas (Neira; Nunes, 2009b). Somente após coletar as informações referentes ao patrimônio cultural dos estudantes e confrontá-las com o projeto político-pedagógico

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da escola é que o professor definirá o tema da cultura corporal que será estudado (por exemplo, maculelê, samba, badminton, queimada, futebol, rúgbi, voleibol, caratê, judô e dança de salão, entre outros). É preciso destacar que a articulação da manifestação corporal ao projeto escolar indica a responsabilidade e o comprometimento da área em um contexto educativo que envolve toda a comunidade. Ao contrário de propostas impositivas, que determinam o que será ensinado independentemente do contexto social em que se dá a ação docente, na perspectiva cultural e na direção da construção de sociedades democráticas, a prática docente assume sua função social ao levar em conta aquilo que é objetivado pela coletividade. (Neira; Nunes, 2009b, p. 32)

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Um tema de estudo é legítimo e valioso quando surge da sociedade a qual serve e por ela é legitimado. Isso significa que todo conhecimento pode fazer parte do currículo. E, ainda, que não há degraus que organizem os temas de ensino no currículo cultural. Todas as manifestações da cultura corporal podem ser estudadas em qualquer etapa, nível ou ciclo de ensino (Neira, 2011). Definido o tema que será estudado, o professor partirá para a tematização da prática corporal. Para Neira e Nunes (2009b), fundamentados em Freire (1980) e Corazza (2003), tematizar é abordar algumas das infinitas problemáticas suscitadas pela leitura e interpretação de brincadeiras, danças, esportes, lutas e ginásticas, implicando a procura do maior compromisso possível do objeto de estudo com uma realidade social, cultural e política, objetivando uma compreensão profunda da manifestação em foco e o desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes como sujeitos de conhecimento, desafiados pelo objeto a ser conhecido. Tematizar uma prática corporal significa buscar compreender como a manifestação em foco (tema) é organizada e representada em outros espaços por estudantes ou grupos culturais, quais são os discursos que a legitimam nos diferentes espaços onde acontecem, quais

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relações os estudantes estabelecem entre o tema e aspectos políticos, sociais, artísticos etc. Como alertam Neira e Nunes (2009b), essas questões podem aproximar os estudantes dos conteúdos de outras áreas do conhecimento, de sua vida e, assim, possibilitar o entendimento da complexidade das relações sociais contidas nas manifestações corporais.

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Na escola, a Educação Física precisa ter uma conotação diferente de outros contextos (clubes, academias, escolinhas de esporte etc.). Como defende Kunz (2009), não basta praticar esportes ou qualquer outra manifestação corporal executando movimentos desprovidos de significado. É preciso estudá-la. Dessa forma, a prática corporal selecionada precisa ser tematizada, exigindo do professor a articulação de diferentes estratégias que possibilitem a leitura e a interpretação de tudo o que é produzido em torno dela. Após eleger a prática corporal que será desenvolvida, a qual foi detectada no mapeamento, cabe ao educador organizar as atividades de ensino que farão parte do trabalho. Para tanto, o professor selecionará as expectativas de aprendizagem que nortearão o processo. Cabe alertar que a escolha das expectativas de aprendizagem irá se dar a partir da articulação e do confronto delas com os princípios pedagógicos mencionados e com as informações obtidas pelo educador durante o mapeamento. No currículo cultural da Educação Física os conhecimentos socializados advêm da tematização, o que inviabiliza qualquer previsão antecipada. Por essa razão, as atividades de ensino focalizam temas, e não conteúdos. Na abordagem de um determinado tema, os professores emaranham as próprias culturas corporais experienciais e as dos alunos com outros saberes (acadêmicos, do senso comum, populares ou pertencentes a outros grupos). No bojo dessa triangulação, obtém-se a produção de novos sentidos para as manifestações corporais tematizadas. (Neira, 2011, p. 102)

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É de suma importância, após definido o tema de trabalho e selecionadas as expectativas de aprendizagem, que o professor realize o levantamento dos saberes que os estudantes já possuem acerca da prática corporal, para então organizar seu planejamento, pois, como alerta Freire (1996), ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por meio do diálogo, os estudantes são constantemente provocados pelo educador a emitir opiniões acerca da temática. Ao abrir espaço para a participação coletiva, o professor proporciona condições pedagógicas para o grupo manifestar-se, posicionar-se e produzir. Ao realizar o levantamento dos saberes que os estudantes possuem sobre a prática corporal que será abordada, o professor precisa considerar o contexto histórico das temáticas, o que significa pensar sua prática de maneira dialética, com o cuidado de não ser um exercício de mera racionalidade ou mera cientificidade (Caparroz; Bracht, 2007).

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Outro ponto fundamental é o planejamento. Planejar as atividades de ensino não deve ser compreendido sob a ótica da mera obrigação. O ato de planejar é extremamente necessário no norteamento de toda a prática do professor. No entanto, na perspectiva cultural, o planejamento deve ser tratado de forma diferente daquela em que é compreendido pelas teorias tradicionais de ensino. A preparação e o planejamento são, logicamente, necessários, mas eles não devem se pautar nos elementos da didática para a priori determinar a prática (irrefletida) a ser desenvolvida, e sim o contrário. A realidade que a prática expressa deve alimentar a didática por meio da reflexão num contínuo exercício de prática-reflexão-prática... e não o contrário. (Contreras Domingo, 1999a; 1999b; 2003 apud Caparroz; Bracht, 2007, p. 29) Para que o professor tenha “sucesso” na sua prática pedagógica, a qual é fruto de sua autoria, e planeje suas ações de maneira coerente, é de extrema importância, como defendem Caparroz e Bracht (2007), que ele se sinta parte do processo e se perceba como sujeito autôno-

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mo e com autoridade para desenvolvê-la, autoridade que não deve ser confundida com agir autoritário e/ou coercitivo.

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Para Freire (1996), segura de si, a autoridade não precisa declamar que existe, a fim de garantir a si mesma. Não precisa utilizar discursos que reflitam sua legitimidade, como a frase “sabe com quem está falando?”. Segura de si, ela é porque tem autoridade, porque a exerce com sabedoria. Levando em conta que o planejamento advém da prática-reflexão-prática, na qual o professor busca construir sua autoridade entre os estudantes, é primordial que o profissional responsável pelo ensino realize os registros de sua prática, visualizando possíveis alterações e novos caminhos a serem percorridos no estudo da manifestação corporal em foco. No decorrer das atividades de ensino, as anotações das observações e análises do cotidiano das aulas possibilitam a reunião das informações necessárias para a avaliação do trabalho pedagógico, ou seja, para além da observação, os educadores registram as ações didáticas desenvolvidas, os encaminhamentos efetuados e as respostas dos estudantes. Também recolhem e arquivam exemplares dos materiais produzidos pelos estudantes durante as aulas. Os registros elaborados pelos professores facilitam a identificação das insuficiências e do alcance das atividades de ensino desenvolvidas (Neira, 2011). Nesse sentido, é importante que o educador utilize diferentes formas de registro ao longo do processo. Vídeos, fotografias, reportagens, relatos de experiência, entrevistas, anotações, produções dos alunos, construção de regras, modificações nas formas de brincar, dançar etc., e ainda episódios que chamaram a sua atenção no decorrer das aulas, podem constituir-se em importante documentação para a confecção de portfólios ou como instrumento que permita identificar mudanças nos saberes dos alunos. Dessa forma, as observações e análises do cotidiano possibilitam a reunião de informações necessárias para a avaliação do trabalho pedagógico e de indícios tanto de acertos como de equívocos.

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A autoria vincula-se a um exercício incessante de reflexão sobre o desenvolvimento de minha prática pedagógica e como esse fazer-saber didático-pedagógico está relacionado com o eu que sou. A autoria implica/demanda um processo de escrita. A necessidade de escrever surge tanto da necessidade de alguém se compreender, como também de se fazer compreendido como autor para ser educador e vice-versa. Esse refletir deve permitir ao professor pensar na relação macro e micro como estruturas que o formam e o conformam, sem perder a clareza de que ele também exerce sobre tais estruturas uma força na perspectiva de formar e conformar o macro e o micro. (Caparroz; Bracht, 2007, p. 32) 65

É preciso que os professores tomem consciência de que o seu fazer-saber didático-pedagógico não é dado anteriormente (a priori), e sim é elaborado num contínuo processo de reconstrução. Não se pode garantir a construção de um modelo para atuar que seja sempre seguro; e a pretensão de estabelecer um modus operandi padrão, à base de modelos transpostos mecanicamente para a realidade social em que se dá a prática pedagógica, em geral leva à cristalização desta e à falta de sentido para ela. Outro procedimento didático importante é a ressignificação da manifestação corporal estudada, ou seja, lembrando que as práticas da cultura corporal se manifestam em diferentes contextos na sociedade (em clubes, academias, parques etc.), cabe ao professor, com os estudantes, pensar em estratégias que tornem possível a vivência dessas práticas no ambiente escolar. Que estratégias podem ser utilizadas para que aquela manifestação seja praticada nas aulas de Educação Física? Quais adaptações precisam ser realizadas levando em consideração o espaço disponível, a quantidade de estudantes por turma e o tempo de aula? Todos esses aspectos precisam ser considerados na organização das atividades, e os estudantes podem contribuir significativamente nesse sentido. Considerando que a grande maioria das manifestações corporais atravessou um longo processo de transformação (regras, formato,

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sistemática de funcionamento, participantes etc.), a perspectiva da Educação Física em um enfoque cultural valorizará, no decorrer das aulas, a experimentação dos diversos formatos conhecidos pelos estudantes e oferecerá condições para modificar regras, modos de organização, estratégias, locais de prática, ritmos e materiais, objetivando a participação de todos em diferentes funções e o melhor aproveitamento dos ambientes e recursos da escola e da comunidade, entre outros. Assim, a quadra não é o único lugar das aulas (Neira; Nunes, 2009b).

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Como exemplo dessas modificações por que passam as manifestações corporais, podemos lembrar que no futebol, no início, era vetada a participação de atletas negros, a prática da capoeira no território brasileiro era proibida, as aulas de Educação Física eram separadas por gênero, ou ainda que a musculação era uma prática exclusiva do público masculino. Esses discursos foram sendo ressignificados, de forma que, no cenário atual, observamos o predomínio de atletas negros em várias equipes de futebol, a disseminação de aulas de capoeira nas escolas particulares, o consenso de que as aulas de Educação Física devem ser organizadas na forma mista e a presença cada vez mais marcante do público feminino nas salas de musculação. Se no contexto social mais amplo as manifestações da cultura corporal são modificadas e reconstruídas por seus praticantes, os professores precisam inseri-las no currículo de Educação Física, rejeitando um modelo único, em geral aquele produzido pelas mídias ou pelo formato do rendimento esportivo. Esse processo, denominado ressignificação, implica a análise das razões que impulsionaram as modificações das práticas corporais e dos seus significados (Neira, 2011) e a promoção de diferentes maneiras de jogar, brincar, dançar ou lutar, levando em conta as características do grupo e do espaço disponível. As peculiaridades de cada grupo e de cada escola são consideradas por ocasião da reconstrução coletiva da prática corporal objeto de estudo, proporcionando aos alunos uma experiência bastante concreta da dinâmica cultural. Apesar da relevância das

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vivências corporais como ponto de partida para análise situacional e remodelação das práticas, a participação dos alunos enquanto leitores e intérpretes da gestualidade, sugerindo modificações, é tão relevante quanto a execução propriamente dita. Essas posições alternam-se ao longo das atividades de ensino. (Neira, 2011, p. 123) Caso a manifestação cultural eleita pelo professor para estudo seja o futebol, os estudantes podem mostrar as diferentes formas de praticar a modalidade, vivenciar as diferentes maneiras de realizar um chute, conhecer as alterações nos uniformes ao longo do tempo, vivenciar as diferentes táticas ou tipos de marcação, pensar em quais estratégias utilizar para “vencer” a marcação, analisar a tabela de um campeonato que esteja acontecendo, bem como sua repercussão na mídia etc. Com base nisso, novas maneiras de jogar futebol poderão ser criadas pelos educandos, e essas modificações poderão ser analisadas no decorrer das aulas. Nesse exemplo hipotético, é possível ter, por exemplo, alguns estudantes atuando como árbitros, outros como mesários, outros como torcedores etc.

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Ressignificar implica atribuir novos significados a uma manifestação corporal produzida em outro contexto com base na própria experiência cultural. Trata-se de posicionar os estudantes na condição de sujeitos históricos e produtores de cultura, em condições semelhantes ao que ocorre em grande parte das experiências humanas. No cotidiano, atribuir novos significados a objetos é algo constante. Ao ressignificar, o educador não tem qualquer controle, pois não há como pressupor quais serão os significados atribuídos quando os sujeitos depararem com os artefatos culturais oriundos de outros grupos (Neira, 2011). Para Neira (2011), ao valorizar as atividades de ressignificação, o professor estará favorecendo a construção de identidades democráticas por meio da troca entre os estudantes, entre estudantes e professor, da aceitação das diferenças e do respeito ao outro. Os indivíduos se reconhecem e se diferenciam a partir do outro; assim, as atividades

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devem possibilitar a participação de todos, independentemente das características individuais. Concomitantemente ao processo de ressignificação, a leitura das manifestações corporais realizadas pelos estudantes desencadeia problematizações acerca dessas práticas, ou seja, possibilita a eles o acesso às representações dos colegas e, em consequência, a posicionamentos diferentes entre eles.

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A problematização implica um constante desvelo da realidade percebida. É um esforço permanente por meio do qual as pessoas passam a perceber como as coisas estão no mundo (Mizukami, 1986). Quando problematiza os temas da cultura corporal, o currículo se transforma em um espaço de crítica cultural (Moreira e Macedo, 2001), no qual se propicia o questionamento sobre tudo que possa ser “natural e inevitável”. A ideia é colocar em xeque e permitir novos olhares sobre aquilo com que usualmente lidamos de modo acrítico. (Neira, 2011, p. 117) Compartilhamos o raciocínio de Neira (2011) quando entende que problematizar é uma postura pedagógica imanente ao currículo cultural da Educação Física. Implica destrinchar, analisar, abordar os mais variados conhecimentos por meio de uma etnografia1 rigorosa, permite compreender melhor não só a manifestação em estudo, como também aqueles que a produziram e reproduziram. Se o professor não está a par do assunto estudado, é necessário empreender uma pesquisa, ou seja, o professor deve ter uma postura etnográfica diante da manifestação corporal em foco. A etnografia das manifestações corporais que serão abordadas em aula possibilitará ao professor compreender os diferentes significados atribuídos à prática corporal em determinado grupo. Uma vez conhecidos 1  “Etnografia significa aproximar-se das práticas corporais e colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações e interações que constituem o seu funcionamento, para tentar entender como operam os mecanismos de dominação e de resistência, de opressão e de contestação, além do papel e a atuação dos praticantes.” (Neira, 2011, p. 117)

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os significados, o professor poderá confrontar os pontos de vista e valorizar, junto aos estudantes, o olhar do outro. Sabemos da infinidade de práticas corporais presentes na sociedade. Por sua vez, cabe ao professor pesquisar, estudar, atualizar-se constantemente. Ainda que não conheça determinada prática corporal com profundidade, deve aprimorar-se na busca constante de conhecimentos que poderão subsidiá-lo no decorrer das atividades de ensino. Se um dos nossos objetivos é formar cidadãos e cidadãs para uma atuação crítica, democrática e transformadora da sociedade, é preciso promover atividades de ensino que proporcionem o aprofundamento (outro procedimento didático) das temáticas estudadas por meio de sua leitura crítica.

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Aprofundar significa conhecer melhor a manifestação corporal objeto de estudo, procurando desvelar aspectos dela que não emergiram nas primeiras leituras e interpretações. Os aspectos destacados pelos estudantes ou pelo professor durante o aprofundamento fomentam novas vertentes de análise, vivências e pesquisas, de modo que tanto o olhar dos estudantes sobre a prática corporal tematizada como seu nível inicial de conhecimento são enriquecidos (Neira, 2011). Com apoio nos estudos culturais, podemos afirmar que as práticas corporais disseminadas na sociedade estão entremeadas pelas relações de poder, sendo comum observarmos a existência de preconceitos e discriminações de todos os tipos. O aprofundamento das temáticas estudadas pode ajudar o estudante a compreender as relações de poder entre grupos dominantes e subalternizados (homens/mulheres; brancos/negros), as quais têm contribuído para preservar situações de privilégio (para os dominantes) e de opressão (para os subalternizados), como propõem Moreira e Câmara (2010). As atividades de ensino voltadas para o aprofundamento possibilitam um entendimento maior dos significados atribuídos à prática corporal

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objeto de estudo: visita aos espaços onde a manifestação cultural acontece no seu formato mais conhecido, aulas demonstrativas com estudantes praticantes, leitura e interpretação de textos pertencentes aos diversos gêneros literários (Neira, 2011) e ainda análise de filmes, desenhos animados, músicas, novelas, contos, reportagens, anúncios, textos, artigos, frases e imagens, entre outros, podem ajudar os estudantes a identificar vestígios de preconceitos referentes a classe social, etnia, local de moradia, sexualidade, gênero, religião etc., que permeiam as práticas corporais e também os discursos pessoais dos estudantes. Esses marcadores sociais, quando expostos pelos estudantes, não podem passar despercebidos pelo professor comprometido com a afirmação das diferenças. É por isso que o professor deve se manter atento tanto aos discursos dos estudantes durante o tratamento das temáticas como aos seus silêncios. Para ilustrar esse ponto, consideremos as seguintes situações: se, ao estudar a capoeira, questões relacionadas à religião vêm à tona, o foco do trabalho deve ser direcionado para as questões religiosas; se, ao se tematizar o funk, a erotização entra em cena, o professor deve concentrar sua atenção na discussão sobre como os discursos em torno da sexualidade foram sendo produzidos e construídos ao longo da história; se a vivência dos esportes levantar preconceitos em relação aos estudantes menos habilidosos, o professor precisa organizar atividades de ensino que busquem investigar por que isso acontece. É necessário que os professores utilizem as ferramentas teóricas do campo do multiculturalismo crítico para que paradigmas sejam desconstruídos e fronteiras cruzadas. Para que o aluno compreenda os diferentes aspectos que circundam as manifestações da cultura corporal, não basta apenas praticá-las. É necessário oferecer diversas possibilidades que respeitem as características dos grupos. Na perspectiva cultural é imperativo que o professor tenha uma postura etnográfica, ou seja, que busque diferentes conhecimentos, novas estratégias de ensino, novas formas de conduta, que saiba dialogar, promover reflexões, questionamentos e releituras culturais.

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Uma condição importante que pode contribuir no aprofundamento das temáticas é o educador respeitar o princípio da ancoragem social dos conhecimentos. Segundo Canen e Oliveira (2002), a ancoragem social procura alargar os quadros de referência pelos quais compreendemos as relações entre conhecimento, pluralidade e poder, analisando as presenças e ausências nos discursos históricos, políticos e culturais, entre outros. Moreira (2002) defende essa estratégia para entender como, historicamente, posturas preconceituosas cristalizaram-se no currículo, questionando os discursos o tempo todo e verificando como um conceito surgiu e passou a ser visto como universal. Ao trabalhar determinada manifestação da cultura corporal, é importante que o professor de Educação Física realize uma análise do contexto social em que ela é produzida, instigando os estudantes a adotar um olhar crítico para os diferentes discursos (muitas vezes fantasiosos) que os rodeiam.

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Contextualizando as práticas corporais durante a sua vivência, o professor realizará a análise sócio-histórica e política delas, permitindo aos estudantes que se posicionem criticamente em relação às próprias experiências corporais e aos diversos discursos que distorcem ou fantasiam sua legitimidade na sociedade mais ampla. Ao aprofundar os conhecimentos em torno da manifestação estudada, o professor de Educação Física pode mostrar aos estudantes a importância do hip-hop como um movimento de resistência e de reivindicação de soluções a problemas sociais, resgatando sua origem histórica. Da mesma forma, ao empreender uma pesquisa sobre o contexto de produção das manifestações corporais em diferentes culturas, professores e estudantes podem romper com a falsa ideia de que existem práticas exclusivas do público masculino e do público feminino. O preconceito dos meninos em relação às meninas no jogo de futebol, a recusa de alguns garotos em participar das aulas de dança por entender que essa prática é exclusiva da cultura feminina, o privilégio das práticas corporais de origem euro-americana no currículo, a discriminação

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que as práticas culturais oriundas das classes subordinadas (skate, hip-hop, funk, capoeira etc.) sofrem na sociedade mais ampla, o racismo no esporte, os discursos dos padrões de beleza impostos pela classe dominante, e tantos outros exemplos, merecem uma discussão aprofundada disparada pelos professores de Educação Física, que atuam com um currículo sensível às diferenças culturais.

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Isso não significa que o currículo de Educação Física sob o enfoque cultural deva ser desenvolvido num único espaço: a sala de aula. Esse espaço não deve ser descartado, porém é importante que os educadores entendam que essas relações de poder “explodem” justamente nas vivências corporais, no meio social onde elas se manifestam. Assim, é na quadra, no campo, no pátio ou em outro espaço onde as vivências ocorram que devem ser debatidas e problematizadas essas questões conflitantes. Outro procedimento didático empreendido pelos professores refere-se à ampliação dos conhecimentos. Para Neira (2011), ampliar implica recorrer a outros discursos e fontes de informação diferentes, ou seja, discursos que trazem uma representação contrária àquela a qual os estudantes têm acesso em um primeiro momento. A ampliação visa desafiar o conhecimento comumente aceito como verdade, fazendo que os estudantes entendam que esse conhecimento (verdade) é socialmente construído, culturalmente mediado e historicamente situado (McLaren, 1997, p. 214), proporcionando a eles elementos fundamentais para a construção de uma reflexão crítica e permitindo que estabeleçam relações com outros saberes e formas culturais. A elaboração de uma rede de conhecimentos acerca do tema estudado, procedimento fundamental para a superação da visão sincrética inicial e construção de uma reflexão crítica, é o principal objetivo da ampliação. As atividades de ampliação priorizam perspectivas de análise raramente acessadas pelos alunos. (Neira, 2011, p. 138)

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Tencionando alcançar esse objetivo, o educador poderá convidar praticantes da manifestação corporal em estudo, propor visitas a locais onde ela acontece, realizar a leitura de textos argumentativos, assistir a documentários, comparar os diferentes pontos de vista entre os estudantes e o professor etc. Se o professor estiver, por exemplo, tematizando a ginástica com os estudantes, a visita a uma academia provavelmente proporcionará a ampliação de conhecimentos acerca dessa temática. Ao trabalhar com atividades circenses, o professor pode propor uma visita a uma escola de circo ou convidar malabaristas ou mágicos para se apresentar na escola. As atividades de ensino voltadas para a ampliação procuram confrontar os conhecimentos culturais inicialmente disponíveis com outros, estimulam o contato com discursos diferentes e enriquecem as leituras e interpretações realizadas. (Neira, 2011, p. 138)

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É imprescindível esclarecer aos estudantes que não existem “verdades absolutas”. O que hoje é “verdadeiro” para a maioria das pessoas amanhã ou depois poderá não passar de “uma grande injustiça preconceituosa”. O educador precisa manter-se atento às informações que circulam nos diferentes canais de comunicação e no cotidiano em geral, evitando os estereótipos que definem aquilo que é a identidade e o que é a diferença e que produzem discursos preconceituosos e excludentes. Entre os procedimentos para colocar em ação o currículo cultural, as atividades de ampliação requerem do educador um nível elevado de organização e planejamento. Desde a formulação de questões a serem feitas aos convidados de uma entrevista até a preparação para uma visita fora da escola, passando pela procura de vídeos que possam desestabilizar as representações dos estudantes (Neira, 2011). Vale ressaltar que tanto as atividades de ampliação como as de aprofundamento dos conhecimentos precisam ser precedidas da elaboração de um roteiro que direcione a coleta de informações. É recomendável

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que as pesquisas sejam estruturadas em conjunto e com antecedência, indicando-se aos estudantes onde buscar as fontes de informações necessárias; onde ter acesso a informações e a indivíduos que as forneçam; orientando como coletar, analisar e apresentar os dados (Neira; Nunes, 2009b).

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Partindo da cultura experiencial dos estudantes, o currículo cultural valoriza as diferentes vozes presentes no espaço pedagógico e tenciona a formação de produtores culturais por meio de estratégias que incitem o diálogo e o respeito às diferenças. Dessa forma, na perspectiva cultural, o currículo procura fortalecer a produção dos estudantes buscando legitimar suas formas de expressão e, ao mesmo tempo, valorizar as de outros grupos.

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7. REGISTRO E AVALIAÇÃO

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A avaliação constitui-se em um dos pilares aos quais o professor precisa atentar quando desenvolve o currículo de Educação Física na perspectiva cultural. O ato de avaliar deve ser um momento privilegiado de diálogo entre estudantes e professores, no qual a ênfase maior se dá no caminho percorrido, e não exclusivamente no produto final. Entendida dessa forma, a avaliação deve ser contínua e formativa, sendo compreendida como um instrumento para problematização, questionamento e reflexão constante sobre a ação pedagógica (Sesi, 2003). A avaliação com fins formativos serve à tomada de consciência que ajuda a refletir sobre um processo, insere-se no ciclo reflexivo da investigação na ação: planejamento de uma atividade ou plano, realização, conscientização do ocorrido, intervenção posterior. Pretende ajudar a responder à pergunta de como estão aprendendo e progredindo, pois só assim poderão se introduzir correções, acrescentar ações alternativas e reforçar certos aspectos. Portanto, é natural que esta avaliação se realize de forma constante no tempo, se se realiza como indagação dos professores, e não são simples comprovações formais do aprendido. (Gimeno Sacristán, 2007, p. 328-329) No currículo de Educação Física sob o enfoque cultural, a avaliação cumpre uma função formativa. Segundo Villas Boas (2006), de modo

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contrário à avaliação classificatória, a formativa promove a aprendizagem do estudante e do professor e o desenvolvimento da escola, sendo, portanto, aliada de todos. Despe-se do autoritarismo e do caráter seletivo e excludente da avaliação classificatória. Muito além de mera quantificação de resultados e ações, a avaliação da Educação Física na rede escolar Sesi-SP busca envolver os professores na análise de suas práticas e na regulação delas, por meio de uma postura crítica, dialógica e responsável pelas medidas necessárias para a transformação das práticas educativas. 76

Avaliar não é medir, aplicando um instrumento a uma dimensão física, já que as qualidades humanas não se mostram como objetos físicos. Necessita-se comparar a realidade “apreciada” com um ideal, norma ou ponto de referência. Estimamos que um aluno “progride adequadamente”, que “vai bem” ou que “merece ser aprovado” quando percebemos que o curso de seu progresso ou ponto em que se encontra responde aceitavelmente à ideia prévia que temos que tal progresso deve ser. (Gimeno Sacristán, 2007, p. 306) Essa postura avaliativa nas aulas de Educação Física rompe com aquela visão da avaliação enquanto medida e controle, na qual o professor age como mero transmissor de conhecimento (“juiz”, “dono da situação”, “guardião do sentido”), utilizando normas para julgar os estudantes ouvintes (objeto da avaliação). Nessa perspectiva de avaliação, os sujeitos são participantes ativos do processo, ou seja, considera-se que os indivíduos estão inseridos socialmente e sofrem influências e determinações sociais externas (Rodrigues, 1995). Dessa maneira, o professor precisa investigar criticamente os fatores que influenciam o processo pedagógico (história, sociedade, tradição, ideologia) para a tomada de decisões que visem sempre a aprendizagem dos diferentes estudantes. Portanto, no currículo de Educação Física na perspectiva cultural, a avaliação cumpre uma função fundamental: oferecer subsídios para

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o professor pensar e replanejar a prática pedagógica. Como aponta Gimeno Sacristán (2007), a avaliação é um recurso para melhorar os processos pedagógicos. Nessa proposição, a avaliação tem significado e valor de servir à tomada de consciência sobre a prática pedagógica. Na perspectiva cultural, a avaliação é contemplada durante todo o processo, e as expectativas de aprendizagem devem servir de parâmetro. O mapeamento, que ocorrerá no momento em que o educador investigar os saberes que os estudantes têm disponíveis acerca da manifestação corporal, permite identificar o ponto de partida do grupo e redefinir procedimentos e estratégias, como também, com base no registro realizado, facilitar a identificação das insuficiências e o alcance das atividades de ensino realizadas.

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O processo avaliativo que caracteriza o currículo com enfoque cultural implica um acompanhamento contínuo das atividades desenvolvidas no currículo posto em ação. O objetivo é conhecer os universos culturais dos estudantes e verificar como ocorre o diálogo destes com os padrões culturais impostos pelos diferentes grupos sociais que emergem das práticas corporais estudadas. Durante as aulas, as produções e os registros do educador e dos estudantes podem fornecer elementos que os ajudem a identificar avanços e possíveis pontos a melhorar. No entanto, para obter esses dados, é fundamental que o professor utilize diferentes formas de registro ao longo do processo. Vídeos, fotografias, reportagens, conversas, relatos de experiência, anotações, produções dos estudantes, construção de regras, pesquisas, visitas, vivências corporais, trabalhos coletivos, participação em eventos, contato com adereços constituintes das práticas corporais, construção de materiais, apresentações para a comunidade, modificações nas formas de brincar, jogar e dançar etc., enfim, episódios que chamaram a atenção podem constituir-se em importante documentação para a confecção de portfólios ou permitir identificar modificações nos saberes dos estudantes.

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Nessa concepção de avaliação, o professor, antes, durante e ao final das atividades de ensino, recolhe informações que lhe permitam refletir sobre as ações didáticas propostas. Os docentes podem manter anotações diárias em que constem impressões pessoais realizadas durante o percurso curricular. A interpretação crítica dos conteúdos do diário de campo, para além de subsidiar a continuidade das ações didáticas, possibilita a reflexão sobre o próprio processo formativo. (Neira, 2011, p. 162)

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Na perspectiva cultural, como defendem Escudero e Neira (2011), a avaliação tem como principais funções: documentar o processo; informar o andamento das aprendizagens; planejar as aulas seguintes; reorientá-las caso seja necessário; compreender as interpretações dos estudantes; organizar as sínteses, a fim de reconhecer o que já foi dito e feito; dialogar com o entorno; e desconstruir representações acerca das diferentes identidades que perpassam a escola. Para que a avaliação ocorra da maneira que vimos discutindo, é importante que o professor mantenha sua postura etnográfica, ou seja, para além da observação, deve registrar as ações didáticas desenvolvidas, os encaminhamentos efetuados e as respostas dos estudantes, assim como recolher e arquivar exemplares dos materiais produzidos pelos estudantes durante as aulas (Neira, 2011). O registro atento das vivências, ressignificações, pesquisas, visitas, presença contributiva de membros da comunidade, nas aulas etc. exercerá um papel pedagógico e social fundamental ao permitir a avaliação do percurso, viabilizar interpretações e fornecer novos olhares e conhecimentos, possibilitando a eleição de outras temáticas. Se no 7o ano do Ensino Fundamental a turma vivenciou, ressignificou, ampliou e aprofundou seus conhecimentos sobre as modalidades de luta brasileiras, nada impede que o professor aborde artes marciais orientais no ano seguinte, ou o inverso. O mesmo se pode dizer acerca dos esportes de rua ou de salão. Qualquer que seja o caso, os registros do docente consistirão em

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instrumentos valiosos para identificar o que já foi trabalhado e as lacunas a serem preenchidas. (Neira, 2009b, p. 53) Ao finalizar o estudo sobre uma manifestação corporal, o professor pode organizar uma atividade avaliativa visando desvelar em que medida os procedimentos didáticos adotados naquele período letivo contribuíram para ampliar o repertório de conhecimentos dos estudantes, bem como para auxiliá-los a superar preconceitos e concepções identitárias inicialmente revelados. Uma análise mais minuciosa do produto final que os alunos elaboram ao término do período, quando entrecruzada com os registros do processo, constitui elemento privilegiado para avaliar as modificações das representações iniciais sobre as práticas corporais e seus representantes, levantadas por ocasião do mapeamento (Neira, 2011).

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Nessa concepção, a avaliação não é um método para a criação de rótulos ou para a promoção ou retenção do estudante. Deve ser a oportunidade de evolução do estudante em relação a si mesmo e ao processo de aprendizagem, e se caracterizar pela honestidade das duas partes, estudante-educador/educador-estudante.

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8. RELATOS DE PRÁTICA

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8.1. BRINCADEIRAS: 6o ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Cidade: Araraquara Ao iniciar o ano letivo de 2012, para mapear as práticas corporais presentes no universo cultural dos alunos do 6o ano do Ensino Fundamental e levando em consideração que o “mapeamento deve ser o primeiro passo para a construção do currículo escolar, pois a escolha do objeto a ser investigado deverá ter como referência as manifestações corporais que se articulam direta ou indiretamente com o cotidiano dos estudantes” (Neira; Nunes, 2009b), recorri à seguinte questão: quais são as manifestações da cultura corporal que vocês conhecem ou vivenciam? Os alunos, num primeiro momento, mostraram certa dificuldade em responder a pergunta, o que me levou a explicar ao grupo o conceito de cultura e de manifestação cultural, dando exemplos práticos de manifestações da cultura corporal, o que facilitou a tarefa. À medida que os alunos mencionavam as manifestações da cultura corporal que conheciam, eu as anotava na lousa, para que pudessem ficar registradas no caderno dos alunos e mesmo revisitadas em ocasiões posteriores.

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Em seguida, observei os alunos nos momentos de entrada e saída e no intervalo, procurando identificar as manifestações culturais praticadas por eles, relacionando-as com o levantamento feito dentro da sala de aula e acrescentando a ele as novas possibilidades encontradas na observação. Nessa observação, apareceram atividades como: pega-pega, futebol com tampinha, jogos de tabuleiro, jogos de carta, pingue-pongue, pebolim e brincadeira de rebater bolinha de papel (similar à peteca), entre outras. Como ressalta Neira (2011, p. 107): Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais estão disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou no universo cultural mais amplo. Mapear também significa levantar os conhecimentos que os alunos possuem sobre uma determinada prática corporal. Não há um padrão ou roteiro obrigatório

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a serem seguidos, durante o mapeamento, os professores empreendem variadas atividades. Esse mapeamento inicial foi de extrema importância para a definição do tema “brincadeiras” como o primeiro a ser desenvolvido com os alunos em 2012, já que essa representação foi muito citada pela turma. Procurando alinhar o tema escolhido com o Plano de Trabalho Docente (PTD) elaborado para os meses iniciais de 2012, selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem referentes à manifestação cultural “brincadeira”: 82

• Construir formas de registro das brincadeiras vivenciadas (fotos, desenhos, pesquisas, filmagens etc.), posicionando-se criticamente em relação às suas características (formas e conteúdo). • Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia, religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles influenciam as manifestações das diferentes brincadeiras. • Participar das vivências propostas, procurando desconstruir as representações que vinculam algumas brincadeiras a determinado gênero (por exemplo, brincar de carrinho é “coisa” de menino; pular corda é “coisa” de menina). • Pesquisar e vivenciar as formas de brincar pertencentes a outras culturas (indígenas, africanas, orientais etc.), respeitando-se suas diferenças e adaptando-as às condições do grupo, espaço e material disponíveis. • Reconhecer nas brincadeiras vivenciadas as divergências de formas de execução e organização, manifestando respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar o acordo coletivo para a resolução de situações conflitantes. Estabelecida a manifestação da cultura corporal, bem como as expectativas de aprendizagem, parti para a vivência delas. Com base no que foi mapeado e com a intenção de alcançar os objetivos estabelecidos, ficou acordado com os alunos, como método de trabalho, que a brinca-

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deira a ser vivenciada estivesse contemplada na lista feita pelo grupo. Em uma roda de conversa, antes da realização da atividade, os alunos opinavam sobre a melhor maneira de realizar a brincadeira, determinando assim suas regras. Após a realização das brincadeiras, os alunos eram incentivados a analisar a experiência. Abriu-se então espaço para opinarem se a atividade tinha dado certo ou não e quais os aspectos positivos e negativos. Esse momento foi de significativa importância, pois adaptações foram feitas visando atender as características do grupo. Destaco algumas situações. Em primeiro lugar, na brincadeira “queimada”, após jogá-la da maneira tradicional, os alunos sugeriram alterações nas regras e outras possibilidades de jogar a queimada praticada pelos alunos desde anos anteriores, no ambiente escolar ou fora dele.

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Quanto às regras, alguns alunos propuseram jogar nas laterais do campo, para uma participação efetiva de todo o grupo. Além disso, como jogavam com bolinhas de meia, eles perguntaram sobre a possibilidade

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de não ter a mão e a cabeça “livres”, o que daria mais dinamismo a essa brincadeira. Foi nesse momento que um dos alunos sugeriu que, após o arremesso do adversário, se o jogador do outro time segurasse a bolinha sem deixá-la cair no chão, o arremessador deveria se dirigir ao “cemitério”, regra exposta e discutida pelo grupo e vivenciada posteriormente. Quanto às outras possibilidades de se jogar queimada, os alunos mencionaram a “abelha-rainha”, o “corredor da morte”, o “carimbo individual”, o “carimbo em equipe” e a “queimada com duas bolas”, todas debatidas em roda de conversa e praticadas pelos alunos. 84

Cabe ressaltar que durante essa vivência as meninas questionaram sua pouca participação, alegando que os meninos não as deixavam pegar na bola durante a brincadeira, e exigiram do professor alterações nas regras. No entanto, a estratégia de mudar as regras não está de acordo com a perspectiva cultural, pois isso não resolve o preconceito de gênero, uma vez que, nessa perspectiva, o gênero é entendido como uma categoria relacional, ou seja, é preciso considerar outras categorias, como idade, força e habilidades, que são vivenciadas por todos os atores na escola e que podem levar à exclusão durante as aulas de Educação Física. Assim, como salienta Sousa e Altmann (1999, p. 56): Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores frequentam bancos de reservas durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor frequência até mesmo que algumas meninas. Dessa forma, com o intuito de não desconsiderar a existência de conflitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo e de desconstruir posturas preconceituosas levando em consideração o gênero

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relacionado com outras categorias, utilizamos durante a aula da brincadeira “queimada” a pedagogia do conflito, que, no currículo cultural, é importante para a aprendizagem sobre o outro. Desse ponto de vista, o que interessa é a discussão de valores conflitantes, com o intuito primordial de não apagar as diferenças. De acordo com Neira (2011), para que a justiça permeie o currículo, McLaren (2000) defende uma “pedagogia do dissenso”. Já Candau (2008) denomina a “pedagogia do conflito”, cujo objetivo é o diálogo entre posicionamentos de origens diversas, fazendo do professor um mediador na construção de relações interculturais positivas e ficando a seu cargo a promoção de situações didáticas que viabilizem o contato e o convívio com a diferença, além da consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais. Sem dúvida, esse é um grande desafio para os educadores da escola de hoje.

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Em seguida, com o objetivo de colocar em ação o currículo cultural, em que o dissenso é de suma importância, desnudando a discriminação e as relações desiguais, propus aos alunos os seguintes questionamentos: • Vocês se sentiram excluídos? Por quê? • Todas as meninas se sentem excluídas? • Há meninos que se sentiram excluídos? Por quê? Com isso, ficou claro que não só as meninas, mas também os meninos considerados menos habilidosos pelo grupo eram excluídos. Além disso, as meninas tidas como fortes não apresentavam descontentamento com os meninos, ficando nítida a importância da articulação do gênero com outras categorias. Mais comentários relacionados ao gênero foram feitos durante a prática do futebol. As meninas alegaram que os meninos eram muito violentos e não passavam a bola para elas; os meninos, por sua vez, as consideravam fracas, atrapalhando o andamento do jogo. Durante a atividade, surgiram muitas falas que evidenciavam uma visão machista de mundo, como “Mulher não joga futebol!”, “Não quero nem saber,

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vou chutar forte mesmo!” e “Se elas vierem perto de mim, vou machucar!”. Questionei então os alunos: • • • • •

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Futebol é coisa para homem? Será que todas as mulheres não gostam de futebol? Vocês já assistiram a jogos de futebol feminino na televisão? Nossas aulas devem reproduzir o que vemos na televisão? Será que existem meninas com habilidades iguais às dos meninos no futebol? Por que isso ocorre?

Se no currículo cultural a ideia é a formação de cidadãos críticos, esse bate-papo foi importante por levar a considerar que não basta propor atividades que mascarem as diferenças, como alterar a regra para que as meninas peguem mais na bola ou marquem mais gols. Como relatam Sousa e Altmann (1999, p. 63): Adaptar as regras de algum jogo ou esporte como recurso para evitar a exclusão de meninas desconsidera a articulação do gênero com outras categorias. Determinar que um gol só possa ser feito após todas as meninas terem tocado na bola, ou autorizar apenas as meninas a marcá-los, são exemplos dessas adaptações. Se tais regras solucionam um problema, criam outros, pois quebram a dinâmica de jogo e, em última instância, as meninas são culpadas por isso, pois foi para elas que as regras foram modificadas. Como estratégia para o dissenso instalado e com o objetivo de diminuir as representações já dadas tanto por meninos como por meninas, utilizei os questionamentos citados no relato “Futebol e representações sociais na escola”, do livro Educação Física e culturas: ensaios sobre a prática (Neira; Lima; Nunes, 2012). • Por que será que, no futebol, os meninos, de modo geral, são mais habilidosos e as meninas menos? • Quais são as influências que recebemos desde criança que nos tornam diferentes para a prática dessa manifestação?

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As respostas dadas pelos alunos foram próximas às mencionadas naquele texto: as meninas brincam mais de boneca e de casinha, e os meninos mais de bola e carrinho, o que deixa claro o que é determinado socialmente para meninas e meninos. Importantes também, durante o trabalho com essa temática, foram os jogos relacionados ao futebol citados pelos alunos e vivenciados por todos. Surgiram nas rodas de conversa jogos como “melê”, “linha”, “gol caixão” e “artilheiro”, entre outros, com grande destaque para o “gol a gol”. Nessa atividade, em que se joga individualmente, um contra o outro, ou em dupla, uma contra a outra, houve a reconstrução do jogo em função do número de alunos: 1) equipes compostas de dezesseis alunos cada; 2) aumento do tamanho do gol; 3) aumento do tamanho da área; 4) chutes alternados entre meninos e meninas da mesma equipe; 5) inclusão de mais bolas.

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Após o “gol a gol”, em que puderam reinventar e experimentar suas próprias produções, estimulei-os a participar como leitores e intérpretes da gestualidade, sugerindo modificações e levando o grupo a elaborar novas formas de brincar de futebol. Isso ficou explícito no jogo da rebatida e em outros jogos ligados ao futebol, quando, ao explicarem as regras das brincadeiras, percebiam que muitas vezes elas diferiam umas das outras. Os estudantes, então, separados em grupo, determinavam a maneira mais apropriada para a vivência da brincadeira, adequando-a à realidade escolar. Cabe ressaltar também que um aluno, durante essa apresentação, mencionou o showball, apresentado com frequência pela mídia e que tem como característica a não utilização do arremesso lateral – o atleta pode utilizar a tabela contra a parede como recurso. As regras foram discutidas e postas em prática pelos estudantes, e os jogos contaram com a presença de árbitros e técnicos, papéis desempenhados pelos próprios alunos. O processo citado denomina-se ressignificação das práticas corporais, o que, de acordo com Neira (2011, p. 129),

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implica atribuir novos significados a um artefato produzido em outro contexto com base na própria experiência cultural. Trata-se de posicionar os alunos na condição de sujeitos históricos e produtores de cultura, em condições semelhantes ao que ocorre em grande parte das experiências humanas. Na vida cotidiana, a atribuição de significados a objetos, posturas, discursos, conceitos etc. é algo constante. Pode-se flagrar o fenômeno em inúmeras ocasiões. A ressignificação não tem qualquer controle, pois não há como pressupor quais serão os significados atribuídos quando os sujeitos se deparam com os artefatos culturais oriundos de outros grupos. 88

Durante o desenrolar das atividades, os alunos realizaram uma pesquisa com os pais sobre as brincadeiras vivenciadas por eles na infância. Poucos entregaram a pesquisa no prazo estabelecido, alegando que não foi possível fazer a atividade porque ficam na escola o dia todo e veem muito pouco os pais. Na aula seguinte, os estudantes receberam uma charge e foi proposto que fizessem uma leitura listando as brincadeiras do patrimônio cultural que haviam sido retratadas nela. À medida que faziam sua lista com os jogos e brincadeiras em evidência, solicitei que a comparassem com a dos colegas. Das atividades retratadas, a que mais me chamou a atenção foi “pular corda”: alguns meninos consideraram a brincadeira exclusiva das meninas, repetindo as considerações feitas durante a vivência do futebol. A estratégia utilizada para o dissenso novamente instalado foi a retomada da discussão das representações sociais presentes durante a vivência da brincadeira “futebol”. Como salienta Ribeiro (2006, p. 163), nas interações cotidianas no meio infantil, os atores sociais apresentam classificações que atendem aos tipos ideais na definição do que seja o comportamento adequado e esperado de meninos e meninas. Eles reproduzem as informações transmitidas pelos adultos, reelaboram e criam ideias sobre a maneira de ser e agir das pessoas com quem dialogam e convivem, iniciando um ciclo

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em que surgem as construções sociais mais sofisticadas sobre sexo e gênero, sob formas simbólicas de gestos, modos de andar e falar, brincadeiras de erotização do corpo. Outra maneira que achei interessante para aprofundar e ampliar os conhecimentos dos estudantes sobre as brincadeiras foi articular o trabalho com as professoras orientadoras de estudos, organizando uma pesquisa com os alunos no laboratório de informática do centro educacional. A princípio os alunos deveriam acessar o site (www. mapadobrincar.com.br) ou mesmo o Google e garimpar diferentes brincadeiras, inclusive indígenas e de outras culturas. Após um tempo, deveriam registrar no caderno a atividade que mais lhes agradara, para que, posteriormente, pudessem expô-la para os demais colegas. Quando todos os integrantes tivessem relatado sua atividade, o grupo escolheria uma para ser vivenciada com toda a classe.

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O retorno dado pela classe foi significativo, pois todos participaram da pesquisa. No entanto, as atividades apresentadas pouco se diferenciavam das já vivenciadas anteriormente; por exemplo, muitas das atividades escolhidas eram variações do pega-pega e da queimada. Alguns alunos trouxeram a peteca, brincadeira de origem indígena observada nos momentos de entrada/saída e intervalo dos alunos, quando rebatiam bolinhas de papel em grupos. Nesse ponto, é importante enfatizar dois aspectos observados pelos alunos durante a socialização das pesquisas. O primeiro foi que, apesar de serem muitos diferentes umas das outras, na maioria das comunidades indígenas predominam brincadeiras realizadas na natureza; o segundo, que os brinquedos são feitos de materiais retirados da floresta, motivo importante para os alunos estabelecerem diferenças e semelhanças entre eles e os seus próprios. É preciso frisar que os alunos que relataram a brincadeira de peteca aos demais colegas se preocuparam em pesquisar como os indígenas confeccionavam esse objeto, de modo que posteriormente pudesse ser produzido pelos próprios estudantes. Descobriram que eles construíam seus brinquedos com palha de milho seca, o que tornou inviá-

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vel a produção com esse material. Foi então que, inspirados em suas bolinhas de papel e em imagens vistas na internet, resolveram criar suas próprias petecas. Durante a realização da brincadeira pelos alunos, lembrei-me das petecas que minha avó fazia, quando, na infância, eu ia com minha família passar os feriados na casa dela, que ficava em um sítio. Foi interessante mostrar a eles as duas petecas que ela fez para mim: eram de palha de milho seca e penas de galinha. Cabe ressaltar que esse fato me levou a pesquisar a origem da palavra “peteca”. Ela vem do tupi, pe’teka, que significa “bater com a palma da mão”, nome de um brinquedo feito pelos indígenas com palha seca de milho, que em Minas Gerais é um esporte reconhecido e muito praticado, destacando a influência indígena na nossa cultura. O trabalho com a peteca foi de extrema importância para evidenciar a prática pedagógica do currículo cultural da Educação Física, princi-

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palmente quando as atividades estiveram voltadas para aprofundar e ampliar os conhecimentos. Para Neira (2011, p. 135), aprofundar os conhecimentos significa conhecer melhor a manifestação corporal objeto de estudo. Procurar desvelar aspectos que lhe pertencem, mas que não emergiram nas primeiras leituras e interpretações. A brincadeira do taco, ou bets, também foi significativa, pois as maneiras de jogar expostas pelos alunos eram diferentes umas das outras. Para alguns alunos, o jogo de taco termina em 12 pontos; para outros, termina em 24 pontos, contabilizando-se 2 pontos a cada cruzada de tacos no meio de campo. Havia muita controvérsia nas regras quanto à possibilidade de a dupla não detentora do taco passar a rebater, o que provocou muitas discussões durante os jogos. Foi então que procurei na internet as regras do jogo de taco, o que levou todos, por meio dos registros e em roda de conversa, a concordar que há nas mais diferentes regiões do Brasil formas e nomenclaturas diferentes para a mesma brincadeira. Para Neira (2011, p. 135),

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ampliar os conhecimentos implica recorrer a outros discursos e fontes de informação, preferivelmente, àqueles que trazem olhares diferentes e contraditórios com as representações e discursos acessados nos primeiros momentos. Quanto à avaliação, cabe ressaltar que, no currículo cultural, ela não deve ter somente um caráter de atribuição de nota, e sim facilitar a retomada do processo para a socialização, a discussão em sala de aula e o redirecionamento da ação educativa (Neira, 2011). Dessa forma, desde o início do trabalho, foi ressaltada a necessidade do registro. Ao final de cada aula, um grupo ou um membro do grupo registraria o que havia acontecido em aula. Foi combinado que deveriam observar, nas aulas, os acontecimentos e os possíveis conflitos, e não só atentar para quem “ganhou” ou “perdeu” a brincadeira. Esse procedimento didático foi importante para mantermos a continuidade das vivências e o que

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os alunos pensaram ou haviam observado nas aulas. O registro, além de situar os estudantes, possibilitava-nos identificar seu percurso de aprendizagem, além de uma intervenção pontual em possíveis conflitos presentes durante as aulas, desnaturalizando alguns fatos sociais. Isso ficou evidente durante a brincadeira da queimada, do futebol e do pular corda, pois, ao interpretarem essas manifestações, pôde-se verificar a relação de poder que eles atribuíam a essas práticas. Muitos alunos consideravam a habilidade na queimada como a única condição para se brincar, o futebol como espaço exclusivo dos meninos e ainda o pular corda como espaço exclusivo das meninas. Essas interpretações, isto é, os significados que eles atribuíam a essas práticas, foram importantes para verificar que os alunos estavam sendo influenciados por preconceituosas representações de gênero. Buscando desconstruir representações hegemônicas, os estudos culturais pretendem criar condições para que grupos subjugados tenham espaço no currículo escolar e, recorrendo à pedagogia do dissenso, já citada, pudemos verificar as mudanças de representações sociais dos alunos acerca das manifestações da cultura corporal, principalmente no que tange aos registros realizados pelos alunos e o comportamento apresentado por eles em atividades posteriores. Outra forma de avaliação utilizada foi o registro fotográfico feito por mim, que culminou no final do projeto na construção de um painel com todas as brincadeiras vivenciadas pelos alunos. Este painel ficou exposto na escola para que os colegas de outras salas pudessem apreciar. Por fim, inspirados no painel, os alunos deveriam registrar suas considerações sobre suas impressões referentes à manifestação da brincadeira.

Comentário do professor autor do relato “Durante o desenvolvimento do projeto, pude perceber que a área de conhecimento de Educação Física está atrelada às manifestações hegemô-

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nicas masculinas, o que me causou certo receio durante o trabalho com algumas vivências, principalmente no que tange à quebra de preconceitos. Como os estudos culturais se posicionam a favor dos subjugados e dos excluídos, não reproduzimos, durante as brincadeiras, os discursos dominantes, e sim construímos outras possibilidades de vivenciar as atividades em que meninos e meninas estivessem juntos, sem separação por sexo. Concluí, após o desenvolvimento deste relato, que, como a turma não se livrou dos preconceitos verificados no início do projeto, há a necessidade de intensificar essas discussões em trabalhos posteriores, porém observar que as meninas e principalmente os alunos menos habilidosos apresentavam-se mais dispostos para as aulas foi de extrema importância, pois todos aprofundaram e ampliaram seus conhecimentos sobre brincadeiras, o que ficou nítido em seus registros.”

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8.2. GINÁSTICA: 6o ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Cidade: São Paulo A partir de leituras e discussões realizadas no grupo de estudos para a elaboração do caderno de orientações didáticas para a rede Sesi-SP, entre 2011 e 2012, senti-me motivada a intervir em minha prática educativa, a fim de mobilizar o grupo de estudantes da unidade onde leciono a partir de um currículo com enfoque cultural da Educação Física, na qual o ser humano passa a ser entendido de forma mais ampla, onde “se liberta dos pressupostos biológicos de outros tempos e passa a ser concebida como forma de linguagem, uma linguagem não verbal que expressa significados culturalmente estabelecidos” (Neira; Nunes, 2009b, p. 7). Para isso, inicialmente realizei um mapeamento na escola do Sesi-SP onde leciono, com alunos dos 6os anos, no primeiro semestre de 2012,

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com o objetivo de identificar as práticas corporais que permeiam o universo social dos estudantes. Esse levantamento foi feito oralmente com todas as turmas e registrado em forma de tabela: de um lado foram listadas todas as práticas corporais realizadas por eles nos anos anteriores e do outro o que gostariam de vivenciar ao longo do ano. A única orientação dada foi que eles poderiam pensar em qualquer prática da cultura corporal, priorizando aquelas que não tinham sido contempladas em anos anteriores.

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Após o levantamento realizado, cada turma montou e fixou sua tabela no mural da sala. Em outra aula, buscando verificar fora do ambiente escolar quais as práticas que os alunos vivenciam ou presenciam na proximidade de sua moradia, bem como os espaços disponíveis para a prática esportiva, foi enviado como tarefa de casa um questionário simples, com três questões para serem respondidas junto com um familiar. A seguir apresentamos as perguntas do mapeamento: a) Em qual bairro você mora? b) Quais práticas corporais estão mais presentes em seu bairro? c) Quais os espaços disponíveis no seu bairro para as práticas da cultura corporal? Tais questionamentos, além de proporcionarem a oportunidade de me aproximar dos conhecimentos dos estudantes, também possibilitaram a eles vislumbrar a complexidade e variedade das diferentes manifestações corporais, despertando sua curiosidade e interesse. Por meio desse questionário, evidenciou-se que grande parte dos alunos reside em bairros diversos e distantes da escola; que os espaços disponíveis para a prática das manifestações corporais se concentrava em parques, quadras, clubes e praças; e que as atividades mais praticadas em seus bairros/comunidades eram: futebol (67,5%), caminhada (27,5%) e vôlei (27,5 %), sendo que os alunos relataram oralmente que poucos familiares participavam dessas práticas corporais.

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Durante o registro do mapeamento verifiquei uma grande abrangência de práticas corporais disponíveis na região e a vontade de aprender o diferente, o novo. Algumas das respostas obtidas nos relatos foram: pipa, taco, beisebol, estrela-maluca, tênis, pebolim, corda dupla, bambolê, música/dança, queimada com duas bolas, plantar bananeira, elástico, lutas, frescobol, fut-pano, estrelinha, pingue-pongue e pega-pega fruta, entre outros. Como apenas três alunos (7,5%) relataram existir algum tipo de prática de ginástica em seu bairro e da maioria deles demonstrar interesse em realizar atividades relacionadas à ginástica – ao citarem que gostariam de realizar atividades como estrelinha, bambolê, plantar bananeira etc. –, o tema “ginástica” foi escolhido para ser desenvolvido com os alunos. A partir disso, selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem: •





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Vivenciar e aprofundar os conhecimentos com relação às variações de determinada modalidade de ginástica (natural, rítmica, acrobática, artística, aeróbica, circense, geral etc.). Compreender os marcadores sociais (classe social, gênero, etnia, religião etc.) que estabelecem distinções na sociedade e como eles influenciam as manifestações das diferentes ginásticas. Pesquisar, conhecer e vivenciar diferentes modalidades de ginástica (em diferentes culturas), analisando suas semelhanças e diferenças.

Iniciei a aula com uma roda de conversa questionando quais tipos de ginástica os alunos conheciam e quais já tinham visto ou vivenciado. Após essa roda de conversa inicial, vários tipos de ginástica surgiram nas falas dos alunos, tanto as competitivas e exibidas com maior frequência pelas mídias (“aquela ginástica com fita”, “ginástica com bola e música”, “saltos”, “aquela em que ficam pendurados”) como as “não” competitivas (“ginástica na academia", "musculação”). Nesse momento, percebi que os alunos não sabiam as diferenças entre elas e que seria o momento ideal para maiores esclarecimentos. Em seguida, realizou-se a leitura de imagens extraídas de revistas e jornais, relacionando os

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tipos de ginástica citados pelos alunos com as fotos visualizadas. Foram apresentadas fotos da ginástica rítmica, artística e geral, com atletas tanto do gênero masculino como do feminino. Nesse momento, busquei tematizar a prática da ginástica com foco nas questões de gênero que permeiam essa manifestação corporal. Partiu-se para uma primeira atividade prática na qual os alunos rea­ lizaram, individualmente e em duplas, exercícios de alongamento, equilíbrio e flexibilidade, seguidos de um pega-pega denominado “raio laser”, no qual os alunos teriam que saltar uma corda em baixa altura (o raio laser) segurada por dois outros alunos (no caso, os pegadores). 96

Retomei as discussões da aula anterior com uma roda de conversa sobre a ginástica de competição, em que foram levantadas questões como: o que é ginástica de competição? O que é uma competição? O que

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eles achavam dos movimentos realizados pelos atletas? Tanto meninas como meninos fazem ginástica? A partir desses questionamentos, procuramos estabelecer diferenças entre a ginástica rítmica e a artística. Em seguida, foi lançado aos alunos o desafio de caracterizarmos e diferenciarmos a ginástica competitiva da ginástica não competitiva (denominada neste trabalho de ginástica geral). Alguns pontos foram levantados pelos estudantes buscando diferenciar os tipos de ginástica, como: número de participantes, presença e ausência de música e regras, espaços onde as práticas são realizadas e premiação tanto da ginástica competitiva (GC) quanto da ginástica geral (GG). Após assistirmos a alguns vídeos no laboratório de informática educacional (LIE) sobre competições de ginástica rítmica, artística e geral, e também vídeos de apresentações de estudantes de faculdades, iniciamos a criação do quadro comparativo a partir da interpretação dos alunos. Houve a preocupação de apresentar vídeos com atletas de ambos os gêneros (masculino e feminino) a fim de desconstruir possíveis estereó­tipos presentes nos discursos discentes.

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A partir da análise dos vídeos, os alunos conseguiram vislumbrar algumas características das ginásticas de competição e da ginástica geral. Ao apresentar o vídeo da GR (apresentação em grupo da seleção brasileira feminina com o elemento bola), perguntei por que essa ginástica era considerada de competição e eles responderam prontamente: “porque era um campeonato”, “porque usavam uniformes e faziam movimentos iguais”. Já com relação ao vídeo da apresentação da ginástica geral, comentaram: “tinha um monte de gente”, “os movimentos não eram iguais”, “usaram até fantasias”. Questionei, então, se nos vídeos eram apenas meninas que faziam ginástica, e todos responderam que não, que nos vídeos apareciam vários homens praticando a modalidade. Também comentaram em relação à ginástica masculina que “os atletas são muito fortes!”. Além disso, outros pontos foram tomados para a reflexão, como:

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• • • • •

o número de pessoas que estão praticando; as características de um campeonato; os movimentos mais realizados pelos participantes; os espaços onde se pode praticar a modalidade; as vestimentas.

A partir do encaminhamento desses pontos, os alunos elaboraram o quadro:

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Ginástica competitiva (GC)

Ginástica não competitiva/ geral (GG)

Número de participantes limitado

Número de participantes ilimitado

Regras fixas

Regras flexíveis

Espaços específicos para sua prática

Espaços não específicos

Existem competições, premiações e salários

Podem existir competições, mas em forma de apresentações

Movimentos iguais/perfeitos

Movimentos nem sempre são iguais

Presença de uniforme

Fantasias ou qualquer roupa

Ex.: ginástica rítmica e ginástica artística

Ex.: ginástica geral

Em outra aula, partindo de observações de imagens e demonstrações da professora, os alunos foram desafiados a ressignificar movimentos como a posição do avião, o carrinho de mão, o máximo de alongamento corporal, exercícios de coordenação motora e agilidade, bem como posições específicas da ginástica competitiva (posição grupada, carpada, carpada-afastada e estendida). Ao final da aula, conversamos sobre os movimentos realizados e as muitas possibilidades corporais existentes dentro das ginásticas. Os alunos ressaltaram a flexibilidade que as meninas praticantes de balé tinham: “Olha, professora, como a Maria consegue abrir as pernas”, “Olha até onde a Glória consegue levantar a perna”. E esse foi o momento de conversarmos um pouco sobre o processo de treinamento,

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que por meio dele as capacidades físicas vão melhorando e, consequentemente, o desempenho do nosso corpo também. Aproveitei o interesse dos alunos e citei também os malefícios causados pela especialização esportiva precoce, como, por exemplo, as modalidades competitivas que exigem um alto padrão técnico e o número excessivo de repetições que podem gerar lesões. Salientei que, diferentemente da GC, a GG pode ser praticada sem esse grau de aprimoramento físico e horas de treinamento e ainda como forma de os grupos comunicarem sua cultura, ou seja, o que gostam de fazer nos momentos de lazer. Na aula seguinte, organizei um circuito com atividades envolvendo saltos, giros, equilíbrio e deslocamentos laterais de forma isolada e combinada. Os alunos, então, exploraram materiais como a bola, fitas, massas, cordas individuais e bambolês (arcos), manipulando cada um deles por um tempo determinado, sem a realização de uma atividade predeterminada, sendo estimulados a criar movimentos com os objetos.

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Nesse dia, uma aluna questionou: “Por que pulamos corda na Educação Física? O que isso ajuda no nosso corpo?”. Expliquei que os elementos (materiais) podem ser utilizados nas ginásticas (principalmente na ginástica rítmica – de competição) e que os movimentos realizados na aula estão presentes nos diversos tipos de ginástica, inclusive o saltar pulando corda. Então um aluno levantou a mão e disse: “Professora, na semana passada eu fui ao Parque do Ibirapuera e vi várias pessoas pulando corda, eles realizavam umas manobras muito legais”. A partir dessa fala, perguntei se eles sabiam o nome dessa modalidade e todos disseram que não. Então, respondi que se tratava do rope skipping e solicitei que pesquisassem para a próxima aula algo sobre a modalidade. Os alunos trouxeram, então, algumas figuras e textos sobre o rope skipping. A fim de ampliar essa pesquisa, apresentei vídeos de um grupo da cidade de São Paulo chamado Pé de Molas, que pratica o rope skipping, esporte que utiliza cordas (elementos presentes no universo infantil) na construção de apresentações com saltos e manobras, além de incorporar diversos movimentos da dança e da ginástica. E, sobre os vídeos, indaguei: esse grupo está realizando ginástica? E eles responderam positivamente. Perguntei por qual motivo e eles responderam que era a ginástica geral, pois realizavam em qualquer espaço e não tinham regras, mas estavam saltando, girando e usando cordas.

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Organizei algumas vivências de ginástica com a utilização de cordas e elásticos. Nesse momento, os meninos começaram a conversar e um deles comentou: “Mas pular corda e elástico é coisa de menina, deixa a gente fazer outra coisa...”. Perguntei: por que é de menina? E o aluno: “Porque só elas brincam”. Então respondi que só as meninas brincavam porque eles talvez não soubessem brincar e que precisariam aprender ou conhecer, assim como as meninas também necessitariam aprender algumas brincadeiras que elas ainda não conheciam e que só os meninos costumam brincar. Nesse momento, retomei os vídeos visualizados sobre o rope skipping, em que muitos meninos pulavam corda.

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Em seguida, os alunos foram divididos em quatro grupos e praticaram as etapas da brincadeira com elástico. Ao longo da aula, alguns meninos me chamavam para mostrar, “orgulhosos”, que tinham aprendido e estavam conseguindo saltar. Todos os alunos se envolveram e participaram da aula. Por fim, retomei a questão do gênero instigando os alunos a comentar o que acharam da atividade e se ela era apenas para meninas, e eles responderam que a aula tinha sido muito legal e concluíram que todos podem participar e aprender coisas novas, independentemente do gênero. Ainda para aprofundar a temática sobre gênero na ginástica, a aula foi iniciada com a leitura da reportagem do atleta Arthur Zanetti1, que afirmou que ainda hoje existe o preconceito quanto à prática masculina nesse esporte. Questões como preconceito e sexualidade na ginástica foram discutidas com a turma. Posteriormente, após realizarmos algumas vivências práticas, os alunos foram convidados a realizar pequenas apresentações de ginástica. A turma foi dividida em quatro grupos, que foram orientados a montar 1 Fonte: .

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uma pequena apresentação de ginástica com os elementos e movimentos que tinham realizado e/ou visto nas aulas ou vídeos anteriores. Relembrei os movimentos mais utilizados, como saltos, giros, posições de equilíbrio, lançamento e recuperação de material, entre outros, e estabeleci alguns critérios como forma de avaliação: utilização de quatro movimentos diferentes combinados de forma rítmica acompanhados de aparelhos ou não; ter duração mínima de dois minutos e utilização de três formações diferentes, como círculos, filas, colunas, triângulos etc.; e planos – baixo, médio e alto.

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Os alunos puderam escolher entre os materiais bola, corda e arco para realizar suas apresentações. Poderiam também optar por não utilizar material. Além disso, tiveram o tempo de duas aulas para a programação/preparação e o ensaio de suas apresentações para a aula seguinte. Organizamos uma mostra destinada às apresentações preparadas pelos grupos. Para essas apresentações não foram utilizadas músicas. Em roda de conversa final, foi questionado o que os alunos sentiram dessa apresentação e o que cada grupo poderia fazer para melhorar. Alguns alunos se manifestaram e disseram que “teve gente que não ajudou e nos ensaios só ficava conversando e na hora não sabia o que fazer”, “poderia ser melhor se a gente treinasse mais”, “eu gostei de fazer”, “não fizemos os movimentos juntos” etc. Questionados se poderíamos então fazer ginástica na escola, todos foram unânimes em dizer que sim! O registro das aulas se deu por meio de desenhos e de algumas fotos da apresentação e da sala de informática. Os alunos produziram ilustrações que retratassem os movimentos presentes nas ginásticas, bem como suas relações com as capacidades físicas (tema já estudado anteriormente), como nos exemplos a seguir:

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Para ampliar os saberes dos educandos, apresentei um vídeo denominado Jump in, que aborda a questão de gênero e os movimentos com o elemento corda. Os alunos se empolgaram e, depois disso, o pular corda tornou-se um desafio a ser superado diariamente.

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Analisando o processo de ensino e aprendizagem da forma como foi rea­ lizado, pude perceber um maior empenho e motivação das turmas na realização das atividades propostas, uma vez que os alunos puderam protagonizar esse processo por meio da contribuição desde o planejamento, com as pesquisas, os relatos orais, a seleção e a criação tanto de movimentos como de uma compreensão mais ampla sobre o tema “ginástica”, o que tornou o trabalho muito mais rico e prazeroso. Nesse sentido, o aluno torna-se parte integrante do processo, que não implica a simples aceitação passiva de quaisquer conteúdos, mas valoriza seus conhecimentos, opiniões e diferença cultural e estabelece relações mais democráticas, de forma a proporcionar uma maior variabilidade e integração dos conteúdos, aproximando-os das experiências dos estudantes; o professor é o interlocutor desse processo ao contribuir com experiências pessoais a serem agregadas às aulas. Os procedimentos adotados visaram, principalmente, atentar para a exploração da diferença cultural presente na comunidade escolar de forma a reconhecer e valorizar a multiplicidade de identidades presentes no território escolar.

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Comentário da professora autora do relato

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“Realizar o relato de uma prática sempre é muito difícil para um professor, pois desde o início queremos que tudo dê certo... No entanto, diante dessa proposta, não temos todas as aulas fechadas e claras nem na cabeça nem no papel, o que me dava muito mais medo. Após o mapeamento inicial, a escolha do tema já foi difícil, pois não tenho nenhuma familiaridade com a ginástica, mas foi então que me envolvi e me propus a trabalhar o novo também para mim. Foi gratificante, não foi fácil, necessitei realizar diversas pesquisas para conseguir trabalhar durante as aulas e compreender essa manifestação, mas no final de tudo me senti realizada em ver principalmente a participação e o envolvimento dos alunos durante as aulas!”

8.3. ESPORTE: 1o ANO DO ENSINO MÉDIO Cidade: Santa Bárbara d’Oeste Este projeto foi desenvolvido entre os dias 10 de fevereiro e 3 de agosto de 2012, com os alunos do 1o ano do Ensino Médio A, do Sesi-SP de Santa Bárbara d’Oeste. Essa turma tem 32 alunos e apenas uma aula semanal de Educação Física, com duração de 50 minutos, tendo sido necessárias 24 aulas para a realização do projeto. Como ponto inicial das ações didáticas, expliquei aos alunos que rea­ lizaríamos um projeto de estudo partindo das práticas corporais de movimento existentes na comunidade em que eles moravam. Na sequência, iniciei o mapeamento pedindo aos alunos que falassem quais eram as práticas corporais que ocorriam no entorno escolar e fui registrando as respostas na lousa. Nesse momento, os alunos sugeriram estudar atividades que eles não praticavam, mas que tinham interesse em aprender. Acatei essa iniciativa e, quando os alunos perceberam que tinham a liberdade de escolha, um deles falou: “Vamos pedir o

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futebol, assim vamos jogar bola nas aulas”. Intervim, retomando que o grupo tinha sugerido a proposta de estudar modalidades que ainda não haviam sido vivenciadas nas aulas de Educação Física. Os alunos, então, mencionaram as seguintes práticas da cultura corporal: tênis de campo, judô, dança do ventre, ginástica artística, caratê, bets, futebol, jiu-jítsu, muay thai, natação, paintball, kickboxing, rúgbi, beisebol e handebol. Entre as práticas elencadas, foi escolhido o tênis de campo, por meio de votação. Percebi que os alunos foram motivados pela curiosidade, pois a maioria deles nunca tinha vivenciado a modalidade, nem mesmo fora da escola. É importante frisar que a modalidade de tênis de campo, além de nunca ter sido estudada, foi eleita principalmente por estar atrelada ao objetivo geral de “analisar criticamente os produtos comerciais e os discursos midiáticos acerca das manifestações da cultura corporal”. Para o desenvolvimento do trabalho, busquei tematizar o tênis de campo relacionando sua prática a fatores econômicos.

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Nesse dia, definimos o que aprenderíamos nas próximas aulas; então perguntei aos alunos o que era importante conhecer para estudar e vivenciar o tênis de campo e eles disseram: “As regras, os tipos de tênis existentes e os fundamentos da rebatida e do saque”. Selecionei, então, as seguintes expectativas de aprendizagem para o trabalho: •



Identificar, analisar e vivenciar os esportes em diferentes possibilidades de espaço, número de participantes, formação das equipes ou grupos de trabalho, construindo coletivamente formas de adaptar a modalidade tematizada às demandas do grupo, respeitando o conceito de justiça curricular. Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais e programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus benefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em con-

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formidade com a divisão de classes sociais, gênero, raça, etnia e religião, entre outros marcadores sociais, verificando suas possibilidades de acesso, bem como os custos dessa participação. Solicitei aos alunos que colhessem informações sobre o tênis na internet, com base nos seguintes itens: tipos de tênis existentes; regras básicas do jogo; fundamentos de saque e rebatida.

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Na aula seguinte, perguntei quem havia realizado a pesquisa e seis alunos responderam positivamente. Pedi a eles que socializassem os dados coletados e fomos para a quadra, para vivenciar a modalidade. Separei para a aula o material de minitênis que havia disponível na escola. Realizamos, em duplas, a rebatida e o saque sem o uso das redes. Os alunos escolhiam um espaço na quadra e aumentavam a distância entre eles quando se tornava fácil a realização dos fundamentos. Em determinado momento da aula, um aluno explicou como fazer o saque e disse que sua referência foram os jogos a que ele tinha assistido na televisão.

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No final da aula, realizamos a avaliação da vivência e os alunos levantaram que a maior dificuldade foi acertar a bolinha. Sugeri aos alunos que, em vez de olhar para onde gostariam de mandar a bolinha, olhassem para a bola até acertá-la com a raquete, tanto na rebatida como no saque. Definimos que seria necessário vivenciar mais esses fundamentos nas próximas aulas, pois os alunos constataram que acertar a bola era fundamental para conseguir jogar. As três aulas posteriores foram dedicadas à vivência dos fundamentos pelos alunos a partir de dois exercícios: enquanto metade da turma vivenciava o tênis em duplas na rede, a outra metade realizava o exercício da primeira aula (rebatida e saque sem a ultrapassagem da rede).

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Percebi que nessas aulas os alunos evoluíram muito tecnicamente e foi possível notar que as jogadas passaram a demorar mais, ou seja, a bola ficava em jogo por mais tempo. Essa comparação foi feita em relação aos próprios alunos no primeiro dia de aula. Para a semana seguinte, lancei então um desafio: montar a rede de vôlei baixa e fazer o jogo utilizando as linhas da quadra.

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Minha proposta a princípio era fazer o jogo individual na quadra maior, mas identifiquei que não deu certo, já que os alunos corriam demais e não estavam obtendo sucesso. Conversando com eles, um dos estudantes sugeriu vivenciar a modalidade em duplas, do mesmo modo que haviam feito no minitênis. Em duplas, o tamanho do campo passou de problema para desafio, pois os alunos viram que era possível jogar, sendo necessário esforçarem-se um pouco mais. Essa estratégia possibilitou, no momento, a ressignificação do jogo, adaptando-o às condições do grupo.

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Solicitei a uma das alunas, impossibilitada de participar das vivências por motivos médicos, que observasse quais eram as facilidades e as dificuldades que os alunos encontravam durante o jogo. Ela produziu um texto, apresentando suas impressões: Durante as aulas pude observar algumas dificuldades em ambas as partes. As meninas encontram algumas dificuldades no saque e nas rebatidas durante o jogo de quadra inteira. Nos treinos de quadras pequenas, elas mostraram mais “segurança” em relação às rebatidas. No jogo de quadra inteira, elas não conseguem chegar à bolinha e muitas vezes no saque a bolinha não atravessa a rede. Algumas meninas rebatem muitas vezes com a raquete ao contrário, assim fazendo o movimento errado e também não usando a força necessária para a bolinha atravessar a rede. Quanto aos meninos, pude observar mais facilidades em relação a saque e rebatidas, mas ainda tem alguns que têm certa dificuldade em relação à rebatida, pois não conseguem fazer com que a bolinha atravesse a rede. Observando as aulas, os treinos nas quadras pequenas e na quadra grande, notei que as dificuldades aparecem com maior frequência durante o jogo da quadra maior. No fim da aula, fizemos uma roda de conversa e pedi à aluna que compartilhasse sua avaliação. Foi interessante porque alguns alunos reconheceram e concordaram com as observações e se comprometeram a se esforçar. Pedi aos alunos que pensassem em exercícios que ajudassem os colegas com as dificuldades apontadas pela aluna.

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Na aula seguinte, reservei um tempo para que os alunos discutissem as sugestões de atividades e o grupo definiu dois exercícios: 1. O aluno podia deixar a bola dar dois pingos no chão antes de rebater para ultrapassar a rede. 2. Espalhar cones no chão em distâncias diferentes tendo como objetivo acertar a bola (partindo do mais próximo ao mais distante) na mesma direção deles, com a técnica do saque. Durante os exercícios, percebi a melhoria dos fundamentos técnicos e, como consequência, o jogo ficou mais fluente. Por conta dessa evolução, avisei aos alunos que na aula seguinte faríamos uma reflexão sobre o tênis no Brasil e, depois, uma avaliação escrita sobre os conhecimentos trabalhados até o momento.

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Na aula seguinte, levei o texto “Realidade socioeconômica dos praticantes de tênis de campo no programa Segundo Tempo do Ministério do Esporte no Núcleo de Ponte Alta/SC”2, que discute a história da modalidade, o aumento da demanda após as conquistas de Gustavo Kuerten, o Guga, a intenção de popularizá-lo por parte do Ministério do Esporte e os benefícios à saúde. Começamos o trabalho fazendo a leitura individualmente, e a seguir registrei na lousa as ideias que os alunos acharam importantes no texto: • • • • • • •

jogo de elite – comunidades carentes – classes sociais; Guga – massificação; investimento do governo federal; Império Romano – jogo do balão – história; benefícios e danos à saúde; material adequado e adaptado; tênis na escola – benefícios.

2  Disponível em: .

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Após esse mapeamento, começamos as discussões dos tópicos anteriores e retomamos a relação entre esporte e saúde, tema já abordado em estudos anteriores. Durante o debate, uma aluna comentou sobre a importância dos projetos sociais organizados pelo poder público para que pessoas de classe baixa possam ter acesso ao esporte e que na nossa escola isso foi possível por conta do Projeto Minitênis, que tem um material com baixo custo, uma vez que os materiais para essa prática são caros. Perguntei se eles sabiam os valores exatos deles e alguns alunos arriscaram palpites. Em seguida, solicitei a eles que pesquisassem o preço da raquete, da bolsa, da bola e do aluguel de quadras. 110

Levantamos, então, os locais existentes na nossa região para a prática do tênis; se existiam projetos que davam a pessoas com baixo poder aquisitivo o acesso à prática; e como a instituição escolar poderia proporcionar o acesso de todos aos conhecimentos sobre o tênis de campo. Na outra aula, os alunos trouxeram os resultados da pesquisa e, para estimular o debate, coloquei um vídeo que mostra o ex-presidente da República, Luiz Inácio “Lula” da Silva, falando que o “tênis é esporte de burguês”. Ao confrontar os dados coletados na pesquisa e o discurso do ex-presidente, a maior parte dos alunos concordou com a opinião de Lula. Percebi a necessidade de ampliar os conhecimentos dos alunos e organizei uma visita pedagógica ao centro esportivo da região. Nesse complexo esportivo municipal, existem cinco quadras oficiais de tênis, nas quais se disponibilizam para a sociedade aulas para crianças e o uso gratuito do espaço, além de se promoverem campeonatos internacionais. Nosso objetivo era, além de vivenciar o tênis num espaço oficial, diagnosticar o perfil socioeconômico do público praticante. Para tanto, elaboramos, em conjunto, um roteiro de entrevista com as seguintes questões: o que o motivou a praticar o tênis? Você teve alguma dificuldade financeira na aquisição dos materiais e vestimentas para a prática? Qual sua opinião sobre os discursos que julgam o tênis como “esporte de rico”?

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Ao chegarmos ao local, fizemos alongamento e, e em seguida, organizei os alunos nas três quadras que foram disponibilizadas para nosso uso. A cada 15 minutos eu apitava e trocávamos de jogo. Alguns alunos tentaram jogar individualmente, mas a maioria jogou em duplas, como tínhamos feito em aula. Durante a prática, os alunos que estavam fora dos jogos puderam vivenciar a rebatida de bola nas laterais do campo, observar os jogos dos colegas ou o jogo dos atletas que estavam treinando nas outras quadras. Após a prática, conseguimos reunir seis praticantes de tênis que frequentam o centro esportivo. Expliquei que os alunos estavam realizando estudos sobre o tênis nas aulas de Educação Física e perguntei a eles se poderiam contribuir com a pesquisa. Eles aceitaram prontamente, e organizamos uma roda para tratar das questões predefinidas. A partir das falas dos praticantes, pudemos notar a presença de dois grupos distintos:

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Duas pessoas apontaram que não tiveram dificuldades na compra dos materiais, já que contam com uma situação socioeconômica privilegiada. Para elas, o tênis foi bastante popularizado principalmente após o sucesso do tenista Gustavo Kuerten (o Guga), mas ainda assim é praticado em sua maioria por pessoas com alto padrão aquisitivo. Quatro pessoas apontaram dificuldade na aquisição dos materiais. Um deles comentou que teve de passar um bom tempo para conseguir o dinheiro para a compra da raquete e das vestimentas. Três deles disseram que ganharam a raquete de pessoas conhecidas (ex-praticantes). Disseram também que só foi possível praticar a modalidade quando o centro esportivo passou a ofertar o espaço gratuitamente. Porém, eles lamentam o fato de não poderem participar das aulas, em razão do alto valor cobrado na mensalidade.

Destinei a aula seguinte para conversarmos sobre a visita. Percebi que foi importante para os alunos terem a chance de praticar a modalidade em um espaço oficial e, principalmente, para romper com o discurso essencialista sobre as práticas corporais (nesse caso, o tênis) que as relaciona a determinado grupo social. Na entrevista, percebemos que nem sempre são pessoas da classe mais abastada que praticam a modalidade. Outros grupos sociais, mesmo que enfrentando grandes dificuldades, também podem se apropriar desse patrimônio cultural. Propus uma produção de texto como fechamento do trabalho, em que os alunos relatassem o que haviam aprendido nas aulas de tênis. Nessa aula, também decidimos que divulgaríamos os nossos conhecimentos para a sociedade através do site da escola. Em nossa última aula do projeto, dividi a sala em duas turmas para poder comentar a avaliação escrita, pois observei que os alunos ficaram com duas dúvidas em comum: uma foi a contagem dos pontos, que vim a explicar com mais propriedade após o curso de formação de professores promovido pelo Sesi-SP, e outra foi sobre a possibilidade de rebater a bola sem quicar em qualquer parte da quadra e não só no espaço próximo da rede, como muitos descreveram.

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Comentário da professora autora do relato “Este trabalho foi muito significativo para os alunos, pois, apesar do tempo reduzido por conta de ter apenas uma aula semanal e de não termos materiais e espaços oficiais na escola, pude ver que os alunos conseguiram refletir e aprender muito sobre o tênis de campo, e pelo fato de eles terem escolhido o tema, o interesse, a motivação e a participação foram unânimes, colaborando assim com o sucesso do trabalho. E também foi muito significativo para mim, pois aprendi bastante com as pesquisas e os registros que tive de fazer e mais ainda por ouvir meus alunos e ver quanto eles são capazes de aprender quando efetivamente fazem parte do processo de aprendizagem.” 113

8.4. ESPORTES DE AVENTURA: 9o ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Cidade: Ribeirão Preto O desenvolvimento do trabalho se deu em razão de algumas questões levantadas pelos alunos nos momentos de conversas informais, cujos dizeres se embasavam na vontade de realizar “coisas” diferentes, que, tanto em casa como fora dela, o cotidiano era sempre o mesmo, a mesma rotina, as mesmas coisas, que eles tinham curiosidade em conhecer novos esportes, jogos... Observando essas colocações, busquei investigar com eles por que estavam dizendo aquilo, qual a razão de surgir repentinamente a ideia de conhecer novos esportes e de que tipos de esporte “novos” eles estavam falando. Imediatamente um aluno respondeu que conversaram sobre os X Games de 2011, que alguns assistiram e acharam muito “legal”, que não imaginavam como “aqueles caras conseguiam realizar tais coisas, manobras muito iradas”, que havia várias modalidades que eles nem imaginavam existir e que tinham vontade de praticar alguma coisa daquele gênero, que deveria dar muita “adrenalina”, medo...

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Com base nas falas dos alunos, comecei a instigá-los a dar mais informações sobre os esportes que haviam assistido, se lembravam o nome deles e no que consistiam. Queria identificar se aquelas falas realmente indicavam um interesse em conhecer o contexto das modalidades, ou se era apenas uma vontade momentânea, surgida de um momento entre amigos. Para minha surpresa, vi que os alunos realmente estavam interessados no assunto, que comentavam entre si a manobra realizada por determinada pessoa, de que maneira havia sido feita etc. Mas ainda permanecia uma silhueta de dúvida quanto ao repentino interesse pelos esportes de aventura/radicais. Fiz então uma roda de conversa sobre essa temática, que seria um momento investigativo da modalidade em discussão. Foi nessa roda que percebi que os alunos tinham, sim, interesse em realizar essas atividades, porém, na comunidade onde vivem e em seu entorno não havia nenhum espaço destinado a tais práticas; que existia um local, mas era muito distante e ficava difícil para eles irem até lá; e que também não tinham nenhuma noção técnica para começar a realizar essas atividades nem material. O local citado por eles dispõe de um espaço pequeno, simples, para a prática de skate, bike e patins, além de permitir a prática de outras manifestações corporais, pois o local tem uma disposição favorável. Com base nos relatos apresentados, no contexto social da comunidade desse grupo, no acesso restrito ao campo dos esportes de aventura e no interesse dos alunos, a ideia foi buscar alternativas para a exploração desse campo procurando-se pensar coletivamente nas reais possibilidades de aproveitar ao máximo a diversidade dos esportes de aventura não somente em seus aspectos técnicos, mas também nas questões sociais de gênero, acessibilidade, meio ambiente (impactos ambientais), relação com o processo de industrialização, urbanização e capitalismo. A partir disso, elencamos as expectativas para o desenvolvimento das atividades: •

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Identificar as formas de produção (mídias), consumo (materiais e programas esportivos) e regulação (discursos acerca de seus benefícios) das modalidades esportivas e sua distribuição em

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conformidade com a divisão de classes sociais, gênero, etnia e religião, entre outros marcadores sociais, verificando suas possibilidades de acesso, bem como os custos dessa participação. Identificar as práticas discursivas presentes nos esportes que reforçam pejorativamente a identidade de raça, etnia, gênero, sexualidade, idade, religião, profissão etc., nas diversas vivências promovidas em aula. Conhecer os contextos históricos (políticos, sociais e econômicos) que levaram à construção das relações de poder presentes em determinadas práticas esportivas e, a partir disso, elaborar argumentos para a reconstrução dos significados atribuídos a essas práticas.

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Após solicitar aos alunos que pesquisassem na internet os diversos esportes de aventura/radicais, sugeri que realizassem algumas atividades, que explorassem uma grande diversidade de movimentos – a definição do tipo de movimento ficaria por conta do grupo e poderia ser baseada em jogos, brincadeiras ou esportes.

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Após a pesquisa, organizei alguns grupos para que criassem e explorassem uma gama de movimentos que tinham encontrado. Durante a elaboração da atividade, observei que os grupos estavam muito focados nos esportes de aventura/radicais e que tinham algumas dificuldades em criar certos movimentos, pois a pretensão deles era explorar somente a dificuldade, não atentavam para normas de segurança, possibilidades individuais, adequação do espaço e materiais. Fui fazendo uma mediação das ideias de cada grupo, sugerindo e mostrando alguns fatores importantes que deveriam ser percebidos por eles. Ao final, sugeri que cada grupo aplicasse o que criou nos demais grupos. 116

Ficou muito interessante a diversidade de movimentos criados, as dificuldades colocadas – dificuldades que respeitavam a individualidade de cada um, pois era possível realizar os movimentos, tinha-se a sensação de “adrenalina”, a ansiedade, mas respeitavam-se as limitações através das adaptações feitas. As atividades desenvolvidas exploraram o espaço escolar (estrutura física), onde os alunos criaram, com os obstáculos de que dispúnhamos, movimentos variados que iam desde um simples salto até movimentos acrobáticos de grande complexidade; outros criaram situações imaginárias de transposição de vales, amarrando cordas em duas colunas fixas, uma em cima, outra embaixo, apoiando algumas cadeiras na corda de baixo para que elas não abaixassem, e simularam a passagem segurando na parte de cima, com o apoio dos pés embaixo; e, ainda, tivemos grupos que reproduziram, por meio de brincadeiras, movimentos nos quais deveriam utilizar parceiros e obstáculos do ambiente escolar – por exemplo, na quadra utilizaram a tela como apoio para simulação de escalada, atentaram para situações perigosas e também para aqueles com maior dificuldade, fazendo algumas adaptações para a passagem. Após essas práticas, levei para discussão com a sala a ideia do que eles organizaram com o grupo e o que eles faziam em seus momentos livres, que ocupações tinham e se essas ocupações os agradavam. Em seguida, aproveitando a conversa inicial que tive com os alunos, questionei se gostariam de ter algum tipo de ocupação diferente e por quê. A maioria

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dos alunos disse que tinha muita vontade de mudar sua rotina, de fazer algo diferente, mas não sabiam o quê. Nesse momento, pedi que refletissem sobre a vivência aplicada, se poderíamos considerá-la algo diferente e, em seguida, que listassem, em pequenos grupos, quais eram as opções de atividades que os permitiria sair da rotina próximas de sua casa, e em sua maioria eles citaram um parque e uma praça, mas deixaram claro que esses espaços não os agradavam porque não havia nada o que se fazer lá. Pedi que ampliassem o contexto analítico do ponto de vista para mudança de rotina, que pensassem quais eram as possibilidades que sua cidade apresentava. Todos os grupos elencaram como elemento principal o shopping center, seguido de parques e locais de baladas, entre outros. Voltei a solicitar, então, que identificassem os locais que ofereciam algo voltado à prática de manifestações corporais ou que eles considerassem propícios para se ter um momento de lazer. Novamente identificaram o shopping center e os parques como opções. Nesse momento, mediei a discussão questionando-os sobre quais possibilidades esses locais ofereciam para sair da rotina. Apontaram que caminhar, correr e andar de bicicleta eram as opções dos parques e citaram o único parque onde achavam possível praticar algum tipo de modalidade de aventura; citaram ainda o shopping, mas este não possibilitava a prática de esportes de aventura/radicais.

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Pedi então que, em casa, pesquisassem sobre outras oportunidades de lazer que a cidade poderia oferecer tanto no entorno urbano como no rural. Para minha surpresa, disseram que nada além daquilo que já haviam dito na discussão em grupo poderia ser oferecido. Novamente, fiz uma retomada da discussão em grupo para procurar entender quais foram suas linhas de pesquisa. Os alunos disseram que fizeram a pesquisa baseando-se naquilo que conheciam, sem levar em consideração aquilo que gostariam de fazer como algo para sair da rotina. Retomei o tema em uma roda de conversa, com o objetivo de questionar os alunos sobre “esportes de aventura”, se alguém já havia praticado algum esporte desse gênero, como tinha sido e onde praticaram. Para aqueles que não vivenciaram esse tipo de esporte, perguntei o

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motivo e eles apontaram a falta de lugares e oportunidades. Com base na explanação sobre a falta de locais, procurei levar a discussão para uma reflexão sobre a atividade que fizeram em grupo, em que criaram uma diversidade de movimentos: que pensassem em como tinha sido, nas dificuldades encontradas e no que fizeram para superá-las. Em seguida, pedi a eles que relacionassem essa vivência com a ideia de praticá-la em meio à natureza e que buscassem identificar os ambientes naturais no entorno da cidade. Perguntei-lhes qual era o tipo de produto que predominava na agricultura da região, por quê, se existia mata nativa, se era preservada ou não, se existiam hotéis ou pousadas na área rural, o que oferecia como opções de lazer. 118

A partir desses questionamentos, os alunos apontaram que a região e seu entorno têm uma vasta área onde é possível praticar esportes radicais, que oferece grandes possibilidades para essa prática sem um custo alto, apenas gastos com transporte e também muitas opções de lazer com um gasto um pouco maior, mas acessível à maioria. Com as colocações apresentadas pelos alunos, mediei a conversa sobre a procura por esses esportes, perguntei-lhes se sabiam que a cada dia mais e mais pessoas buscavam a prática dessa modalidade esportiva, se conseguiam identificar a razão pela qual as pessoas estavam procurando esse tipo de vivência. Em seguida, pedi que fizessem a leitura de algumas imagens procurando identificar do que se tratava – meu objetivo era que buscassem afirmar aquilo que já havíamos discutido oralmente. Feita a leitura, forneci algumas informações sobre os esportes identificados (de aventura). Apresentei a eles, com maior embasamento, os locais, níveis e/ou elementos que estruturam sua prática (terra, ar e água), alguns conceitos importantes sobre a prática, principalmente aqueles de segurança. Utilizei trechos de vídeos que identificavam dois pontos essenciais na prática dos esportes de aventura: um condizente com a atenção, segurança e avaliação do ambiente e outro que contradiz essas questões. Para finalizar, apresentei um vídeo que aborda uma série

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de atividades de aventura, com várias modalidades mostrando seu total radicalismo. A ideia nessa etapa foi levá-los a compreender a estrutura dessa modalidade esportiva, ou seja, sua principal característica, que é o contato direto com a natureza. Familiarizei-os com os esportes através da exibição de vídeos e, em seguida, vivenciamos uma série de atividades que buscassem contemplar a maior diversidade possível da modalidade, porém com muitas adaptações ao meio. Iniciamos com a vivência do parkour. Realizamos quase na íntegra a atividade, na forma de “polícia e ladrão” e explorando os diversos movimentos característicos dessa modalidade. A única mudança que fizemos foi estabelecer a regra de que eles teriam que ficar pendurados em uma das colunas do ambiente e permanecer no alto para que não fossem pegos.

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Ao final, em roda de conversa, conseguiram identificar a vivência com a categoria em estudo e colocaram alguns pareceres a respeito dela: “o espaço para fugir era pequeno, mas se fosse ampliado teriam uma sensação menor de adrenalina, porque o legal foi sentir aquela pressão de ser pego, tentar realizar as etapas”, “quando eram presos, os carcereiros estavam cobrando muito para sair”, “atividades complicadas, ainda mais se teriam que voltar várias vezes; cansavam, mas, pensando bem, isso também ajudava os policiais”, “correr de mãos dadas não é fácil, cada um quer ir para um lugar”. Deixei que os alunos conversassem e trocassem suas percepções. Não os interrompi em nenhum momento, porque suas falas estavam se direcionando para todos os campos de análise da atividade. Entraram

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na discussão do parkour dando os significados que seu idealizador, David Belle, pensou; abordaram o espírito no parkour – é guiado em parte a superar todos os obstáculos no caminho como se estivesse em uma emergência –; citaram que é uma atividade cujo princípio é mover-se de um ponto a outro o mais rápido e eficientemente possível, usando principalmente as habilidades do corpo humano. Nesse ponto, indaguei o grupo quanto à história do parkour: perguntei onde foi criado e se conheciam algum fato histórico relacionado à modalidade. Com base nesses questionamentos, o grupo começou a discutir onde o parkour foi criado; alguns não sabiam, mas os demais identificaram a França. Nesse momento, um aluno mediou a conversa apresentando fatores históricos da modalidade; ele deixou claro que não a praticava, mas gostava dessa prática corporal e a acompanhava e, portanto, queria falar um pouco sobre o que sabia. Iniciou contando qual a inspiração dessa “arte”, que surgiu, segundo ele, de várias partes: “Você precisa apenas olhar, você precisa apenas imaginar, como uma criança”. Com base nas falas desse aluno, fiz um agrupamento e pedi que pesquisassem mais sobre essa prática corporal para que, na aula seguinte, continuássemos as discussões e fizéssemos uma análise do seu processo histórico com alguns fatores relacionados a gênero, raça, quem os pratica e quais os movimentos. A segunda atividade vivenciada foi adaptada para a prática do arvorismo. Fiz a amarração de duas cordas em troncos de árvore, uma em cima e outra embaixo, e os alunos tinham que percorrê-las de um lado a outro. No momento de discutir a atividade, eles disseram que ela foi muito legal; que parecia ser muito fácil realizar a atividade, mas, na hora, tiveram outra visão; de que era complicado; usava-se muita força; era preciso ter controle para se movimentar, ter equilíbrio e saber colocar o pé corretamente; e que alguns calçados não ajudavam. Outro fator importante destacado por eles diz respeito à segurança, aos cuidados que tinham que ter para atravessar. Destacaram também a importância do uso de outros equipamentos de segurança, como mosquetão amarrado a um cinto. Identificaram de qual tipo de atividade

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se tratava e os aspectos físicos e motores essenciais para sua prática. O que foi mais expressivo foi o grupo afirmar que a atividade, mesmo sendo simples, foi muito prazerosa, que dava para realizá-la até em casa, tanto por homens como por mulheres. Aproveitando essa fala, perguntei em que momentos eles praticariam essa atividade, se nos horários livres, com amigos ou com os pais, e em quais outros locais seria possível praticá-la. Pedi que anotassem esses questionamentos – minha pretensão era utilizá-los um pouco mais à frente, quando fôssemos relacionar essas práticas com lazer e qualidade de vida. A terceira atividade foi também uma adaptação do arvorismo; porém, agora, os alunos eram o suporte de apoio: eles seguravam as cordas de forma que ficassem trançadas – uma espécie de ponte – e, um a um, tinham que passar sobre essa ponte. Eles puderam perceber, durante essa vivência, que, para realizá-la, era preciso primeiro confiar

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em quem estava segurando as cordas, pois, caso elas fossem soltas, quem estivesse atravessando poderia cair e se machucar. Com essas falas, pude mediar a discussão final sobre a importância do trabalho em grupo e da confiança, associando as falas às categorias dos esportes de aventura, nos quais a confiança se inicia no desenvolvimento do material, na condução e no desenvolvimento da atividade.

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Na sequência, partimos para a quarta vivência, a corrida de orientação. Formei grupos, orientei-os sobre o desenvolvimento da atividade, fizemos algumas retomadas de conteúdos – como os pontos cardeais, em que, partindo da leitura da rosa dos ventos, identificamos norte, sul, leste e oeste – e entreguei aos grupos um mapa. Como não tínhamos bússola, deixei explícito que eles teriam de se orientar pelos pontos cardeais, realizar a leitura do mapa e se apropriar dos ângulos citados nele. Deixei claro também que refletissem sobre a leitura do texto – destacando a importância de pensar e refletir sobre a ação para ter sucesso. Ao final, em roda de conversa, discutimos a vivência, e pedi que identificassem as principais dificuldades que tiveram. Eles salientaram que foi conseguir seguir a orientação, ler o mapa e que, basicamente, se orientaram pelo desenho. Perguntei, então, por que apresentaram essa dificuldade. Alguns grupos disseram que isso ocorreu porque, no ponto inicial, na saída, identificaram o sentido (direção) errado e dali em diante ficaram “meio perdidos”, pensaram em voltar para o início em alguns momentos, mas viam outros grupos evoluindo e eles não, então pensaram em seguir por intuição. Com essas falas, aproveitei o momento para propor uma analogia da situação. Perguntei a eles o que poderia acontecer se estivessem em uma atividade do mesmo gênero fora da escola, no meio da mata, em fazendas, trilhas, cachoeiras, e o grupo tomasse essa decisão. Deixei que refletissem e não colocassem em discussão; voltei a questionar que outra dificuldade tiveram e destacaram que não conseguiram saber se, para seguir adiante, teriam que fazer a leitura do mapa, das angulações citadas, partindo do ponto inicial, ou se deveriam fazer a leitura a partir do ponto onde se encontravam. Com essa colocação, voltamos ao

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ponto inicial da discussão, e disse a eles que considerassem estar em uma área externa, fora da escola, em uma fazenda, em trilhas, na mata etc. Acrescentei: a distância percorrida já era significativa, imaginemos então que, após conseguir alcançar o ponto 1, indicado no mapa, vocês tivessem que voltar ao ponto de partida para então seguir o percurso, ou seja, sair do ponto zero, andar, correr 3 km, voltar 3 km e depois identificar o ponto 2 e, caso o ponto fosse correto, ir e voltar mais 9 km. Outro fator: os pontos identificados no mapa estão dispostos de forma sequencial ou todas as etapas dizem que devemos voltar ao ponto zero? Discuti com o grupo essas considerações, e todos conseguiram perceber que os pontos davam uma sequência na leitura do mapa, que as angulações apresentadas partiam do ponto alcançado.

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No decorrer dessas vivências, pedi que observassem fatores técnicos, de segurança, condições territoriais, condições físicas, estratégias e formas de resolução das situações-problema, anotando esses itens no caderno. Ao final do processo, pedi a eles que verificassem, com base nas suas anotações, quais atividades foram mais parecidas e elaborassem uma conclusão. Socializamos as produções e refletimos sobre algumas considerações. Retomei a discussão sobre a ideia inicial das características e objetivos dos esportes de aventura, do contato direto com a natureza. Falamos sobre os praticantes, se buscam contato direto com a natureza, por que fazem isso, se existe algum tipo de ideo­logia, identidade de grupo, o que se faz presente nos valores dessas pessoas – meu objetivo com essas discussões era que os alunos compreendessem que os praticantes buscam a preservação do meio ambiente, que lutam para melhorar as condições do planeta preservando seu local e que o esporte é um grande facilitador, pois permite conhecer e refletir sobre a importância da natureza. Nessa etapa, fizemos uma visita à Floresta Estadual de Batatais, tendo como foco realizar uma vivência baseada no trecking, modalidade de orientação. Iniciamos esse estudo organizando um rol de questões pertinentes ao fator segurança, criando algumas regras de conduta e comportamento diante de algumas situações elencadas pelo grupo.

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Para a criação dessas regras, colocamos em discussão fatores que respeitassem a individualidade de cada participante. Os alunos identificaram que, para termos um momento prazeroso, teríamos de estar cientes dos limites de cada um e, ainda, oportunizar um espaço sociá­ vel onde todos pudessem aproveitar ao máximo o estudo, cumprir as regras, observar o ambiente e os próprios companheiros (seu comportamento físico e social). Com essas discussões em mente, partimos para a vivência.

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Chegando ao local, o grupo teve um grande impacto, pois aparentemente muitos nunca haviam travado contato com esse tipo de esporte. Ouvi com atenção, durante a caminhada, suas conversas: discutiam muito sobre como era gostoso, diferente, questionavam também os diferentes ambientes, ora mata fechada, ora clareira e as mudanças climáticas decorrentes de cada ambiente. Fomos realizando várias paradas, muitas vezes por solicitação dos próprios alunos, momento em que aproveitei para elencar algumas observações sobre o estudo. Perguntei: será que encontraríamos esse tipo de diversidade estando na cidade? O que vocês observaram até agora de diferente da sua realidade cotidiana? Está sendo prazeroso? É diferente? Será que muitas pessoas buscam esse tipo de atividade no mundo contemporâneo? Pedi que pensassem e refletissem sobre esses questionamentos, pois iríamos abordá-los em uma próxima aula. Demos continuidade à caminhada, mapeando o local, e fizemos paradas para lanchar. Próximo do final da caminhada, deparamos com um grupo de macacos; percebi que a maioria dos alunos ficou muito surpresa em ver aquele “bando” de macacos atravessando em nossa frente e perguntei a eles se nunca haviam visto aquilo, e, para minha surpresa, a grande maioria disse que não, somente no zoológico, mas que esse contato direto nunca haviam tido. Aproveitei, então, para perguntar o que estavam sentindo: alguns falavam de medo, mas expressavam algo como prazer, satisfação.

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Com base nessa vivência, nas observações citadas e no rol do estudo anterior, realizei alguns questionamentos junto aos alunos com base nas orientações/sugestões enviadas. Iniciei com uma atividade em grupo: dividi a sala em dois grandes grupos e sugeri que discutissem com os parceiros a seguinte questão:por que as pessoas no mundo contemporâneo estão buscando cada vez mais as práticas corporais junto à natureza? Sugeri aos grupos que elencassem os fatores e defendessem seu ponto de vista, dessem destaque à sua analogia e o motivo de ela ser mais bem fundamentada que a do outro grupo. Aqui, abriu-se uma série de hipóteses, porém a que mais se destacou foi a explicação de que nas cidades, hoje, já não se encontram tantas áreas verdes que possibilitem qualquer tipo de prática corporal junto à natureza e que, quando as encontramos, trata-se de um meio adaptado, com pavimentação. Apontaram também que, devido à crescente demanda de indústrias, os pontos de lazer foram “extintos” e somente existem pequenas praças, alguns pequenos parques e clubes que não são acessíveis a todos; dentro da perspectiva industrial, elencaram que o trabalho também tem levado as pessoas a buscar a prática de esporte em meio à natureza – aqui fizeram uma relação entre o que vivenciaram e o que citei anteriormente, “é um local que dá a sensação de liberdade, silêncio, o ar é diferente...”.

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Com base nessas proposições, levantei novos questionamentos, ainda utilizando os grandes grupos: a relação que vocês fizeram entre ambiente urbano e ambiente natural (rural), considerando o processo de industrialização, nos traz algum tipo de impacto social? E ambiental? Os alunos afirmaram que sim, justificando (falas dos alunos) que tais relações perfazem devido à grande massificação de pessoas que buscam somente o capital, deixam de pensar muitas vezes na família, saúde, qualidade de vida e acabam adotando um estilo de vida contrário ao considerado “ideal” e, consequentemente, isolam-se das pessoas, possuem seu próprio grupo, sua própria identidade e isso pode ser relacionado também com a prática dos esportes na natureza, que muitas vezes são modalidades

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caras, de alto custo, como, por exemplo, praticar rapel é inviável a um grupo social de baixa renda, pois os materiais são caros, outras modalidades também não saem do contexto, bicicletas para trilhas, se não forem adequadas não dá para fazer, imagina uma bicicleta qualquer no terreno que nós passamos, fica destruída; ter uma moto para trilha, ou um jipe, nada disso é barato, fora as demais modalidades, todas são muito caras, mas há exceção, no nosso caso, fizemos um tipo de modalidade na natureza, curtimos muito, foi cansativo, explorou muito de nosso condicionamento, mas foi viável a todos. Então o que podemos observar é que o esporte na natureza em quase sua totalidade necessita de certo gasto (capital). Com relação ao tipo de impacto ambiental, com certeza todas as modalidades deixam sua contribuição negativa considerando esses esportes, porém este pode elencar em níveis, ou seja, aqueles que demonstraram maior impacto e aqueles de menor impacto. Podemos citar o caso dos off-road, motos, jipes, quadriciclos, por onde passam desmancham os terrenos, fazem buracos, destroem plantas, no caso de trilhas, e com isso vão causando impactos consideráveis, desses buracos provocados muitas vezes pelos pneus das motos, como observamos em nosso estudo de campo, vai virando crateras, erosão, ainda mais em dias de chuva, enfim, o que nós consideramos menos impactantes são as modalidades de bike e de trecking, que, caso os praticantes sejam conscientes, não vão causar nenhum impacto, destruir ou deixar lixo no local. Após esse momento de discussão, elaboramos alguns cartazes dividindo os grupos em alguns eixos de abordagem: • • • • • •

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impacto na paisagem pela abertura e utilização de trilhas; erosão e compactação do solo; assoreamento de córregos e nascentes; alteração e destruição da vegetação e do hábitat de animais; poluição: barulho, lixo, emissão de gases e petróleo (combustível); interferências sociais e culturais em comunidades próximas envolvidas.

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Com essas abordagens, foi possível mostrar nos cartazes fatores como a prática consciente dos esportes em meio à natureza, os esportes na natureza e sua relação com o lazer, a importância do mapeamento dos locais para prática de esportes, a degradação do solo e da mata, orientações e reflexões sobre a prática. Como fechamento do estudo, os alunos produziram vídeos tendo como referência as discussões, vivências e abordagens socioculturais sobre a temática. Na produção dos vídeos houve o apoio dos professores de Língua Portuguesa e do analista em informática. No decorrer do estudo, fui fazendo registros escritos e fotográficos e produzindo vídeos, o que me ajudou em todo o processo de planejamento e direcionamento de ações, avaliando-os em todas as suas produções: vivências, discussões em grupo, roda de conversa, produção dos vídeos, produção de cartazes e analogias do contexto sociocultural envolvendo a temática.

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A maioria dos alunos compreendeu a ideia de que a crescente utilização de algumas áreas vem causando tanto descaracterizações socioculturais quanto impactos ambientais, sendo necessárias medidas de manejo e de gestão capazes de minimizar tais impactos negativos e planejar futuras atividades, e que as preocupações também têm sido direcionadas às atitudes dos praticantes dessas modalidades, que buscam caminhos que possibilitem práticas mais conscientes e sustentáveis.

Comentário do professor autor do relato “Produzir o relato de prática foi um desafio, um grande anseio, em razão de ser algo novo, uma nova concepção, mas que, no decorrer do caminhar, foram ficando para trás e tudo se tornou prazeroso e motivante porque essa prática nos permite o compartilhamento de diferentes olhares em diferentes dimensões. É como dizia nosso saudoso Paulo Freire: ‘Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção’.”

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8.5. LUTAS: 3o ANO DO ENSINO MÉDIO Cidade: Agudos

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No início do ano letivo de 2012, com o intuito de mapear o patrimônio da cultura corporal dos alunos da escola, elaborei a Pirâmide da Cultura Corporal do Movimento. Trata-se de uma pirâmide com cinco divisões, onde os alunos devem preencher cada parte listando as práticas corporais que realizavam com mais frequência; a base era a que mais praticavam, o topo a que menos praticavam. Caso o aluno não praticasse nenhuma atividade, poderia deixar as partes em branco, não as preenchendo. Depois de realizada a pesquisa, os dados foram tabulados e elaboramos tabelas e gráficos para melhor visualização, sendo construída uma pirâmide por sala e, posteriormente, com a junção dos dados, a Pirâmide da Cultura Corporal da escola. A pirâmide da escola foi construída com garrafas pet para uma melhor representação visual dos estudantes, conforme registro fotográfico ao lado. Após a verificação dos dados, pôde ser observada uma diversidade de práticas corporais entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio da escola. Notou-se também que, quanto maior a idade dos estudantes, menos práticas corporais eles realizam, havendo um aumento considerável no número de alunos que não preencheram a pirâmide por completo no Ensino Médio. Uma justificativa para isso é a entrada no mercado de trabalho e o ensino articulado com o Senai-SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); e, ainda, podemos mencionar o fato de focarem nos estudos para o vestibular.

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O que possivelmente justifica as duas manifestações mais praticadas, caminhada e andar de bicicleta, podem ter sido os investimentos da prefeitura municipal de Agudos na construção de locais para a prática de caminhadas, academias ao ar livre, praças e quadras; já as demais manifestações corporais podem ser explicadas pelo grande incentivo ao esporte dado pela prefeitura por meio do projeto Crescer e Edificar, que oferece a prática gratuita de diversas modalidades esportivas. Iniciei o trabalho com a turma do 3o ano do Ensino Médio apresentando o resultado da pirâmide da classe: CULTURA CORPORAL 3O ANO DO ENSINO MÉDIO Modalidades mais praticadas 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

FUTSAL FUTEBOL

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CAMINHADA HANDEBOL CORRIDA NATAÇÃO BICICLETA DANÇA MUSCULAÇÃO BASQUETEBOL VÔLEI JIU-JÍTSU SKATE JOGOS DE CARTAS

HANDEBOL BICICLETA BASQUETEBOL FUTSAL

FUTEBOL CORRIDA

MUSCULAÇÃO CAMINHADA

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Realizamos as análises e classificamos as manifestações praticadas em: esportes, danças, ginásticas e lutas. Olhando para os objetivos gerais do componente, realizamos uma aproximação das práticas corporais emergidas com o seguinte objetivo geral (metas): “estudar e vivenciar as manifestações corporais de diferentes grupos sociais, buscando o respeito e a afirmação das diferenças culturais”. Assim, optei por iniciar os trabalhos com as lutas, visto que é uma manifestação pouco praticada pelos estudantes, podendo estes ampliar seus conhecimentos, e também pelo fato de essa manifestação fazer parte do repertório da comunidade e ser praticada por estudantes que compõem a classe do 3o ano do Ensino Médio. 130

Selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem para a realização do trabalho: •



Vivenciar e analisar diferentes lutas (de origem ocidental e oriental) nos aspectos técnicos e táticos, relacionando-as ao seu contexto de produção (aspectos históricos, políticos, sociais, religiosos e econômicos), aos princípios filosóficos (sabedoria de vida) e hierárquicos atrelados ao seu contexto. Posicionar-se criticamente nas discussões quanto às questões de gênero, classe social, estatura, peso, idade, etnia e religião, entre outras, que permeiam as práticas de luta.

Em primeiro lugar, realizamos uma investigação de quais manifestações de lutas os alunos já haviam vivenciado e identificamos apenas dois alunos que tinham certa experiência, um que havia praticado jiu-jítsu e judô, e outro que estava praticando boxe. Posteriormente solicitei aos estudantes que pesquisassem quais estilos de lutas eram praticados na cidade e foram apresentados: caratê, judô, jiu-jítsu, capoeira e boxe. Iniciamos então os debates para, coletivamente, selecionarmos a primeira modalidade que trabalharíamos e elencarmos as atividades que seriam realizadas. Nesse momento, a única solicitação que fiz era que os alunos selecionassem uma modalidade que fizesse parte do patri-

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mônio da cultura corporal da cidade. Após discussões, chegou-se a um consenso e a modalidade escolhida foi o boxe, provavelmente por haver um aluno praticante de boxe na classe. A partir da seleção do tema, havia a necessidade de planejar as atividades visando uma melhor organização, para que as aulas ocorressem da melhor maneira possível. Busquei, através de conversas com o grupo, delinear a melhor maneira para estudarmos o boxe. Inicialmente realizamos um mapeamento do que os alunos conheciam sobre o boxe; dessa forma, pedi a eles que falassem tudo o que sabiam so­ bre a modalidade e fui tomando nota das observações dos alunos em meu caderno de anotações. Nesse momento, percebi que os alunos sabiam apenas que o boxe existia e que eram utilizados um ringue para lutar, luvas e protetor bucal; conheciam também o Mike Tyson, o Popó e o filme Menina de ouro. Após esse momento, cheguei à conclusão de quão superficial eram os conhecimentos que os alunos possuíam, e eu, como docente, me incluo nessa superficialidade; por isso, houve a necessidade de buscar conhecimentos sobre o boxe através de pesquisas, bem como assistir a vídeos pela internet.

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Como planejado, a primeira atividade proposta foi uma pesquisa sobre a modalidade, para que pudéssemos ampliar os conhecimentos sobre o boxe, e esta seria considerada um instrumento avaliativo, podendo ser realizada através de jornais, revistas, livros, internet e entrevistas, entre outros meios de pesquisa. Para tal, foi realizada a divisão de temas de pesquisa sobre o boxe e cada grupo de alunos realizou a pesquisa referente a um tema; posteriormente, houve a apresentação dessas pesquisas pelos alunos para socialização. Os temas selecionados foram: contexto histórico do boxe; categorias; regras; materiais/equipamentos; o boxe no Brasil; o boxe em Agudos; principais competições; principais atletas. Após a apresentação dos grupos, realizamos uma roda de conversa para discutir sobre os temas apresentados, debater sobre o boxe, sistematizar e analisar a aprendizagem deles. Percebi que os alunos

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puderam aprofundar os conhecimentos sobre o boxe após a socialização dos debates. As falas a seguir me permitiram a confirmação disso: “Achei que lutar boxe era só socar a cara do adversário até ele cair”; “O boxe tem muitas regras e técnicas... parecia tão simples”; “Nossa! Será que na hora da luta dá pra lembrar tudo o que não pode ser feito?”.

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Instiguei os alunos a pensar em como o boxe evoluiu desde o seu surgimento até os dias de hoje. Foi levantada a questão de ser uma das manifestações mais antigas, a questão da ausência de regras e lutas até a morte na sua origem, a mulher no boxe, a utilização atual das academias para condicionamento físico, as aulas de ginástica, hidroginástica e todas as várias formas de manifestações existentes. A questão de a mulher ser proibida de lutar quando o boxe surgiu gerou polêmica. As meninas se mostraram indignadas com essa proibição, e a fala de uma delas retratou isso: “Ainda bem que a regra mudou, era muito machismo. Imagina mulheres não poderem lutar boxe?”. Após essa fala, um dos alunos se manifestou dizendo que não sabia se havia mudado muito, afinal as mulheres que praticavam boxe eram todas masculinizadas. Essa fala gerou uma grande discussão, e, como a aula acabou, sugeri que na próxima continuássemos o debate sobre o assunto. Mesmo que não tenha sido planejado estender o assunto dessa forma, devido à necessidade, demos continuidade e a ele. Fui pesquisar sobre o preconceito no boxe e coletar informações sobre o assunto; assim, selecionei os dois vídeos a seguir. • •

; .

Na aula seguinte, assistimos aos vídeos e discutimos o assunto. Posteriormente dividi a classe em dois grupos, e estes fizeram um debate

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sobre as mulheres no boxe, sendo um grupo a favor e o outro contra. Cada grupo tinha que levantar argumentos e defender o ponto de vista até o fim, mesmo não concordando com ele. O debate foi polêmico e, ao final, evidenciei a igualdade dos sexos, finalizando com o texto “Igualdade nas diferenças!”, que pode ser acessado no link (http://textolivre. com.br/artigos/3105-igualdade-nas-diferencas), e fechamos o debate evidenciando a necessidade que o mundo tem de respeitar as diferenças visto que cada indivíduo, com suas crenças e valores, é único. Como próxima atividade proposta, realizamos uma vivência dos principais golpes do boxe, tendo como protagonista da aula o aluno que era praticante da modalidade. Foi um momento diferenciado, com todos os demais alunos realizando a atividade, aprendendo a fazer os movimentos de esquiva, direto, cruzado e gancho, entre outros, e, sem a minha presença como transmissora de conhecimento, mas, sim, como educadora, a qual estava vivenciando, intervindo e aprendendo igualmente com os alunos da sala. Finalizando a aula, questionei o aluno sobre o que tinha achado da experiência e ele relatou: “Foi uma experiência muito diferente, nunca achei que um dia poderia ensinar o boxe para alguém, mas foi muito legal e um desafio para mim”.

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Como planejado, na aula seguinte, tivemos a palestra de um professor e competidor de boxe, que falou sobre a modalidade, competições, importância para a saúde e proporcionou a vivência da modalidade. Um ponto muito evidenciado na fala do professor foi de utilizar seus conhecimentos e aprendizagens sobre o boxe apenas para lutar dentro do ringue ou como defesa pessoal, jamais os utilizando para brigar e instigar a violência – e ele frisou muito a diferença entre luta e briga. Foi um momento rico, iniciado com algumas atividades realizadas na preparação física dos praticantes, atividades com corda e atividades para ensino dos golpes e simulação da aplicação em duplas, utilizando luvas de boxe, o que deixou os alunos muito empolgados, por ser, exceto para o aluno praticante da modalidade, uma novidade; eles nunca haviam visto de perto uma luva de boxe e muito menos a calçado. Os alunos gostaram muito da experiência e foram convidados a realizar uma aula experimental na academia em que o professor palestrante trabalhava ou, se preferissem, apenas assistirem às aulas. Feito o convite, alguns alunos se interessaram e foram conhecer a academia, trouxeram registros fotográficos e compartilharam a experiência. Na sequência, assistimos ao filme Ali; para tal, realizamos um trabalho interdisciplinar com a disciplina História, na qual a professora utilizaria o filme como parte do trabalho com a expectativa “Conhecer os conflitos da Guerra Fria e os da Nova Ordem Mundial, analisando suas principais motivações e consequências”. O filme, que é baseado em fatos reais, conta a história do renomado boxeador Muhammad Ali, e seu enredo ajuda-nos a analisar uma luta de boxe, bem como nos aprofundar na história e evolução da modalidade. Os alunos vibravam durante as aparições da luta e puderam visualizar tudo o que haviam aprendido com as vivências práticas; conseguiam até mesmo identificar e diferenciar os golpes. Durante os debates sobre o filme, discutimos também sobre o boxe como possibilidade de ascensão social, a questão da religião e do preconceito.

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A próxima atividade a ser realizada seria um torneio de boxe entre os alunos, adaptando materiais e espaço físico; porém, após discutirmos sobre a segurança da atividade e a possibilidade de se machucar alguém, foi resolvido que não realizaríamos essa atividade, apenas treinaríamos os golpes e simularíamos a luta; afinal, perceberam que talvez pudessem machucar os seus companheiros, podendo a competitividade falar mais alto.

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Para finalizar as atividades, foi realizada uma avaliação final através da produção de um vídeo sobre o boxe, explicando um pouco sobre a modalidade. Para produzi-lo, os estudantes usaram a criatividade e puderam utilizar na elaboração do vídeo imagens e gravações das vivências práticas realizadas na escola. O vídeo foi produzido em grupos pelos estudantes e posteriormente assistido e analisado em aula por todos. A experiência relatada foi muito significativa para mim, como docente. Tive que buscar muitas informações e me aprofundar bastante, por ser um conteúdo sobre o qual não tinha muito conhecimento. Para os alunos também foi muito significativa, pois, além de aprenderem sobre uma modalidade nova, puderam participar das etapas de elaboração e execução do planejamento. É muito importante considerar os anseios, expectativas e opiniões dos alunos e permitir que sejam de fato ouvidos, dessa forma sendo transferidos de meros espectadores para coautores do planejamento.

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Dificuldades aconteceram durante o processo, como: desvincular os alunos de interesses individuais e particulares para objetivos coletivos; estimular a manifestação da opinião de todos no processo de elaboração; e a questão do tempo. A dinâmica do trabalho em parceria, no qual se estimula a ouvir o outro e a construir coisas conjuntamente, é muito valiosa e ajuda na formação da criticidade, do respeito às diferenças, da cooperação e do trabalho em equipe, e o boxe foi um instrumento que nos proporcionou tudo isso.

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Comentário da professora autora do relato “Aprender é mudar posturas.” (Platão) “Essa frase de Platão resume o processo realizado neste relato de prática. Durante todo o momento aprendi e tive que mudar posturas. Quando deparamos com uma proposta nova, a primeira coisa que temos de fazer é acreditar que é possível e depois colocá-la em prática buscando sempre acertar, mas sempre conscientes de que o erro faz parte do processo e, se visto pelo lado positivo, é essencial para o sucesso. Foi um processo difícil, mudar a forma de trabalho, buscar novos conhecimentos, inserir práticas novas, mas o resultado foi muito significativo. Perfeito? De forma alguma, longe de ser, mas o começo de uma experiência que com certeza trará muitos frutos bons em favor da educação de nossos alunos e da nossa sociedade.”

8.6. DANÇAS: 3o ANO DO ENSINO MÉDIO Cidade: São Paulo O trabalho foi iniciado com a organização das atividades, com o propósito de mapear as manifestações corporais pertencentes ao universo

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cultural dos alunos, assim como para investigar a existência de preconceitos presentes nas práticas, como os de classe social, gênero, etnia e raça, entre outros. Ao indagar o local de moradia dos alunos, com o propósito de reconhecer a cultura corporal da comunidade, identifiquei que a grande maioria da turma do 3o ano do Ensino Médio não residia nos arredores da escola, mas sim em diferentes regiões mais distantes do seu entorno. Diante dessa situação, elaborei um questionário que me possibilitasse obter um retrato das práticas corporais que eram de conhecimento da turma. O questionário foi organizado com as seguintes questões: 1. Quais as manifestações da cultura corporal de que você mais gosta e/ou acompanha de alguma maneira (praticando, observando outras pessoas praticarem, através das mídias ou outro meio)? 2. Entre essas manifestações corporais, qual delas você nunca vivenciou nas aulas de Educação Física?

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Na tabulação das respostas, que visava obter o maior número de informações que auxiliasse a organização das próximas intervenções didáticas, identifiquei as seguintes práticas mais acessadas pelos alunos: futebol (34 citações), danças (25 citações), voleibol (21 citações), lutas (20 citações) e natação (17 citações). Outras manifestações foram citadas, em escala menor: basquetebol, ginástica, atletismo, tênis, caminhada, handebol, xadrez, tênis de mesa, rúgbi, ciclismo e futebol americano. Em relação à segunda questão, a dança teve o maior número de respostas como prática corporal que jamais vivenciaram ou estudaram nas aulas de Educação Física. Tal fato me chamou a atenção, já que durante os intervalos das aulas e nos passeios organizados pela escola havia notado o gosto dos alunos pela música. Grande parte dos estudantes exibia seus aparelhos de MP3, esbanjando criatividade e irreverência na dança de diferentes ritmos. A partir disso e confrontando o cenário encontrado com o objetivo geral do componente curricular de “criticar os padrões de corpo estabelecidos para as diversas práticas corporais,

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valorizando o fato de que qualquer indivíduo pode expressar-se e comunicar-se por meio de sua gestualidade”, elegi a dança como tema de estudo para as próximas aulas. Ao anunciar a escolha da manifestação corporal que seria estudada, percebi uma grande alegria da maioria da turma, fato este que até me surpreendeu. Articulando-me ao objetivo geral anteriormente mencionado, selecionei as seguintes expectativas de aprendizagem para serem trabalhadas: •

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Participar das vivências relacionadas à dança, independentemente de suas características individuais, respeitando e reconhecendo a possibilidade de expressar-se por meio da linguagem corporal. Construir, de forma coletiva, coreografias envolvendo temáticas próximas e distantes de seu universo cultural, reconhecendo as divergências de formas de execução e organização, manifestando respeito ao direito de expressão dos colegas, de forma a buscar a melhor maneira para a resolução de situações conflitantes. Vivenciar diferentes modalidades de dança, compreendendo-as como forma sistematizada de expressão da linguagem, respeitando-se a diferença cultural presente em suas e manifestações na sociedade, relacionando-as a fatores históricos, sociais e políticos e aos marcadores sociais de classe, gênero, etnia e religião, entre outros.

Iniciei a primeira aula específica do tema com um breve diagnóstico sobre quais os ritmos preferidos dos estudantes. Ao final, houve um equilíbrio nos resultados apresentados, aparecendo em ordem de preferência o pop, o rock, a música clássica, o gospel, a lambada, o break, o samba-rock, o forró universitário, o pagode e o funk. No debate em torno do que os alunos conheciam sobre esses ritmos, foram surgindo as seguintes colocações: “Eu passei a apreciar danças e músicas através da minha família”, “A música é algo milenar, por esse motivo não saberia dizer sua origem, entretanto passou e passa até hoje por diferenças principalmente raciais, estando presente durante a escravidão e atualmente se mistura com R&B, jazz e soul”,

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“O balé foi criado pelos russos e espalhado pelo mundo. Nos dias de hoje, há certa discriminação e preconceito com relação aos meninos que dançam, sendo pouco vistos bailarinos. A dança me passa disciplina, paciência, persistência e confiança”. Na segunda aula, organizei duas atividades com o intuito de “quebrar o gelo”, pensando em alguns alunos que apresentavam certa timidez em virtude de não estarem “acostumados” a tal vivência, talvez com “medo” de se exporem diante do grupo. Para isso, a primeira atividade, realizada na sala de dança, foi organizada com os alunos em duplas, na qual um deles deveria criar um movimento ao som e ritmo da música tocada e o segundo deveria imitá-lo. Em seguida, com outro ritmo musical, eles inverteriam os papéis.

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A segunda atividade teve como objetivo tirar o foco das individualidades e, para tanto, organizei quatro grandes grupos; os alunos deveriam criar uma coreografia de oito tempos. Em seguida, coloquei diferentes ritmos musicais, e os alunos deveriam adaptar a coreografia ensaiada a cada ritmo musical tocado (interferi nesse momento solicitando que criassem grupos mistos em virtude da timidez de alguns garotos). Deixei em aberto também a possibilidade de o grupo criar uma coreografia sem necessariamente utilizar os ritmos que eu colocava. A atividade foi um sucesso e houve a participação de todos os alunos. O grupo que inicialmente demonstrava certa timidez apresentou sua coreografia misturando passos de samba e break, recebendo aplausos da turma.

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Com o objetivo de introduzir questões relativas ao preconceito de gênero e outros, exibi o filme Footloose – Ritmo louco (1984) com a finalidade de aprofundar a discussão sobre cultura, gênero, preconceitos religiosos e o prazer da dança. Os alunos assistiram ao filme de posse de um roteiro organizado com as seguintes questões: 1. No filme, há um rapaz forasteiro que, além de dançar, ainda interfere em questões já consolidadas naquela comunidade. Como você acha que as pessoas o julgaram? Você considera que o filme reforça questões de gênero como, por exemplo, “dançar é coisa de mulher” ou ainda “todo homem que dança é gay”? Quais as suas percepções? Justifique suas respostas dando sua opinião sobre o assunto. 2. Ainda pensando no filme, o pastor daquela comunidade usava o poder da religião para convencer que a dança era algo ruim e que por causa dela havia acontecido a morte de seu filho. Você acredita que onde há dança há promiscuidade, quem dança abaixa a guarda para o “inimigo”, ou você considera esses comentários preconceituosos? Ou, ainda, que dança e religião não podem caminhar juntas? Quem dança é pecador e está condenado ao inferno?

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No debate acerca do filme, surgiu a interferência da religião nas danças, com algumas falas instigantes dos alunos: “em outro contexto, a dança da capoeira também sofreu interferência da religião”, “existe a dança profética, presente em vários povos, que tem por objetivo entrar em contato com uma entidade superior”, “o fenômeno gospel mostra que hoje em dia as igrejas se utilizam da música e da dança para agruparem mais fiéis”. Dois alunos também levantaram a questão da luta política que o personagem do filme (Ren) encampou contra o conservadorismo, citando que “os jovens atualmente precisam se envolver com política, pois existem muitos casos de opressão contra a juventude ocorrendo, como a própria repressão a estudantes em universidades do país”. Registrei no meu diário de bordo as colocações apresentadas pelos estudantes e sinalizei que, no decorrer das vivências propostas, tais

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temáticas seriam aprofundadas. Para a aula seguinte, pedi que os alunos se organizassem em grupos, e cada um deveria trazer um CD com o ritmo com que mais se identificava. Na aula seguinte, cada grupo (de acordo com seu ritmo musical de interesse) começou a elaborar sua coreografia. Após ensaio de cerca de 20 minutos, cada grupo apresentou sua coreografia aos demais, com estes procurando acompanhar a coreografia dos colegas.

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O trabalho prosseguiu com a organização de uma pesquisa em grupos, com o objetivo de aprofundar conhecimentos relativos a cada modalidade de dança; outra intenção ainda era apresentar a história da dança por intermédio da vivência das danças e, por isso, foi proposto aos alunos que pesquisassem em diferentes fontes (internet, livros, filmes, entrevistas com praticantes etc.) a história da dança escolhida pelo grupo. Acordamos o prazo de 15 dias para a apresentação da pesquisa de cada grupo, e cada um deles teria 20 minutos para apresentar suas descobertas e poder utilizar diferentes ferramentas (apresentação de vídeos, apresentação oral, datashow etc.). Na segunda aula, cada grupo deveria apresentar a dança em formato de oficina, expondo e explicando os principais passos do estilo musical. Nesse intervalo, destinamos as aulas para as preparações dos trabalhos, tanto teóricos como principalmente os ensaios das coreografias. Após os ensaios, os trabalhos expostos foram os seguintes: samba-rock, pop, lambada e break. Os alunos apresentaram em forma de seminário com aulas expositivas a origem, a história e a prática dessas danças nos dias atuais3, utilizando e recursos como o datashow, cartazes, apresentação de roupas e fotos referentes a cada estilo.

3  Estava combinado que cada apresentação duraria 20 minutos, porém, sem exceção, cada uma delas durou mais de 30 minutos. Remanejamos então o trabalho, de forma que cada apresentação teria o espaço de uma aula para ser realizada.

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Após as belíssimas exibições do pop, da lambada e do samba-rock, toda a turma ficou impressionada com as coreografias executadas pelo grupo do break, a partir de movimentos que incluíam vários “mortais” e outros de difícil execução. A partir de então, os alunos se interessaram em aprofundar seus conhecimentos acerca do break e consequentemente de sua maneira de dançar. Percebi que se tratava de uma excelente oportunidade de incluir as questões que haviam sido apontadas nos discursos dos estudantes no início do trabalho e que, registradas em meu diário de bordo, não poderiam passar em branco. Passamos, então, a trabalhar tendo como pano de fundo o breakdance. Na explanação teórica sobre essa modalidade de dança, um dos integrantes do grupo apontou que o estilo original é composto pela seguinte base de movimentos: toprock (e uprocks), footworks (legworks e power moves) e freezes. Dividi novamente a turma em grupos e solicitei que cada um deles pesquisasse um movimento específico do break, que seria experimentado na aula seguinte. Para tanto, o grupo deveria trazer registrada a descrição do movimento em um desenho que ajudasse os outros na visualização, execução e explicação por meio da expressão corporal.

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Assim, na próxima aula, cada grupo apresentou as informações do movimento do break pesquisado, e, a partir da explicação, a turma vivenciou os movimentos. Pedi a uma das alunas, que se recusava a participar das vivências, que realizasse a avaliação dos trabalhos. No final da aula, organizei uma roda e solicitei que essa aluna comunicasse suas impressões: “Nem todos os grupos realizaram a tarefa proposta. A falta do desenho impresso prejudicou o entendimento dos colegas de forma a executar os movimentos. Apesar do esforço da sala, notei que a maioria não entendeu as diferenças entre os movimentos do break”. De posse dessa avaliação, percebi que era necessário um maior aprofundamento dos movimentos que fazem parte da dança break. Procurei vídeos na internet e encontrei vários tutoriais no YouTube, de pessoas ensinando a execução dos toprocks, dos uprocks, dos

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legworks, dos power moves e dos freezes. Resolvi, então, passá-los na aula seguinte. Tal estratégia possibilitou que os alunos percebessem as diferenças entre os movimentos. Como estava enfrentando alguns problemas com o uso de telefones celulares na escola, resolvi, então, sugerir que os grupos gravassem raps que pudessem ser tocados nas aulas de Educação Física. As duas aulas posteriores foram destinadas para que os grupos treinassem os movimentos a partir das músicas gravadas em seus telefones.

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Durante as vivências, um dos alunos comentou que no bairro onde mora existem pessoas do movimento hip-hop que costumam realizar batalhas de break na praça próxima à sua casa. Perguntou, então, se iríamos vivenciar a batalha de break em alguma aula. Como desconhecia tal informação, perguntei a ele o que significava essa batalha. Ele comentou: “Professor, a batalha de break é quando toca o rap e dois dançarinos se enfrentam, se provocando. Vence aquele que executar os movimentos mais difíceis”. Solicitei, então, aos alunos que pesquisassem batalhas de break na internet ou em outros espaços (parques, praças etc.) e trouxessem registradas as características dessa produção cultural. Na data estipulada, os alunos puderam expor seus achados: “As pessoas formam uma roda, e dois dançarinos se enfrentam.” “Em alguns vídeos, percebi que existem duplas contra duplas.” “A música que toca é o rap.” “Existe também a batalha de DJs.” “Percebi, na pesquisa, que rolam vários campeonatos de break.” “O objetivo é provocar o adversário, com movimentos bastante difíceis de serem executados.” “Quando uma pessoa entra na roda, ela entra fazendo o toprock.” Organizamos a vivência com uma roda onde as pessoas deveriam apresentar-se com movimentos que provocassem os colegas e movimentos aprendidos nas aulas anteriores. Um dos alunos ficou responsável por colocar as músicas que norteariam as apresentações.

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Fiquei bastante intrigado, já que todas as músicas tocadas eram de artistas internacionais. Perguntei à turma se eles não curtiam o rap produzido pelos artistas brasileiros. Um dos alunos se manifestou dizendo: “As batidas do rap internacional são muito mais legais. A única coisa boa de ouvir rappers nacionais é que dá pra entender as letras, que geralmente falam dos problemas da periferia”. Perguntei se todos concordavam com a afirmação do colega. Alguns concordaram, porém um dos alunos se manifestou: “Eu prefiro rap nacional. Vocês gostam do rap internacional só porque é o que passa na MTV; vocês deveriam assistir ao Manos e Minas”. Perguntei o que era isso e o aluno disse se tratar de um programa que passa aos sábados, na TV Cultura, sobre o movimento hip-hop. Como era sexta-feira, pedi a eles que, se fosse possível, tentassem assistir ao programa no dia seguinte.

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Na outra aula, passei um vídeo retirado do YouTube que trata do rap nacional4. As questões norteadoras para a análise do vídeo foram: 1. O rap pode ser considerado música de protesto? 2. Do que falam as letras? 3. Você concorda com a crítica feita aos rappers americanos e à mídia? Por quê? Organizei a turma em dois grupos: um deveria defender o rap nacional e o outro, o rap internacional, apresentando argumentos contra ou favoráveis ao contexto de produção. A discussão foi bastante acalorada, e finalizamos o debate falando sobre a necessidade do respeito às produções culturais de diferentes grupos sociais.

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Para fechar o trabalho, lembrei-me dos meus registros no início do trabalho, que traziam discursos dos alunos referentes à religião e também às questões suscitadas no filme Footloose quanto a esse marcador social. Para isso, solicitei uma pesquisa aos grupos sobre a relação entre a religião e a dança. Cada grupo deveria escolher uma religião e pesquisar qual a sua influência nas danças. Na aula seguinte, os alunos, de posse das suas descobertas, deveriam se reunir para discutir o assunto pesquisado e combinar a forma de apresentação da pesquisa. As temáticas eleitas pelos grupos foram: • • • •

Grupo 1: Manifestações religiosas indígenas. Grupo 2: A dança no candomblé. Grupo 3: A dança no interior das igrejas evangélicas. Grupo 4: O rap e a religião.

Um dos grupos trouxe uma pesquisa sobre manifestações religiosas indígenas. Eles explicaram que os indígenas preservam o costume de realizar suas comemorações com danças e cantos, para dar boas-vindas, para agradecer ou simplesmente para festejar um novo amanhecer. Ao final, os alunos fizeram uma breve demonstração, de cerca de um minuto, de uma coreografia indígena, com todos posicionados em roda, homenageando Tupã, o deus do Sol. 4  .

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Outro grupo apresentou pesquisa sobre a dança no candomblé, o qual, segundo seus seguidores, é a dança que religa o ser humano a seu aspecto divino e a uma compreensão e comunhão com a natureza, a vida. Os alunos trouxeram informações retiradas da internet sobre as danças. Nas danças, os orixás mostram seu poder e suas histórias através dos movimentos: •



• •

• • •

Xangô, deus do fogo e da justiça, pode dançar com seu oxê, um machado de dupla ponta, fazendo justiça na terra ou com o fogo que gera a vida. Os braços de Oxóssi, deus da caça, assemelham-se a flechas e suas pernas parecem cavalgar enquanto caça o alimento para a subsistência de seu povo. Oya-Iansã, deusa dos ventos e da magia, espalha os ventos com seus braços e saia, numa dança guerreira e sensual. Oxum, deusa da beleza do ouro e das águas doces, banha-se nas águas dos rios enquanto penteia-se balançando suas pulseiras e olhando-se no espelho. Iemanjá, deusa-mãe dos orixás, a senhora do mar, segura seus filhos queridos nos braços. Nanã dança com o ibiri, carregando-o como se ninasse um bebê. Ogum, deus da guerra e da forja, segura suas duas espadas guerreiras em suas mãos: com a primeira mata seus inimigos, com a segunda limpa o sangue da primeira.

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Os alunos enfatizaram que o candomblé reverencia as origens através da repetição dos gestos ancestrais, passados de pai para filho, mantendo viva a ligação com os antepassados que praticaram os mesmos gestos. Esse grupo trouxe um vídeo de dança dessa religião de origem africana. Um terceiro grupo procurou apresentar um breve relato sobre a controvérsia que ocorre dentro das igrejas evangélicas quando o assunto é a dança. Esse grupo salientou que, no atual período histórico – pós-modernidade –, parte das igrejas evangélicas vive um momento de retorno às artes, com a entrada, inimaginável em outras épocas,de manifestações

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cênicas, como a dança, o teatro e até o circo, nas igrejas. No entanto, isso tem se dado de forma heterogênea e proporcionado em outras alas religiosas mais repúdio e misticismo do que comunhão, arte e beleza. Ao final, esse grupo, que tinha alunos vinculados a religiões evangélicas, fez uma apresentação de música e dança gospel.

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O último grupo apresentou uma pesquisa sobre o rap gospel. Na apresentação, os alunos destacaram que esse gênero musical utiliza Cristo como tema e tenta expor a fé do compositor, sendo a música utilizada para fins de evangelização. O grupo também apresentou um rap retirado do site YouTube5, denominado “Rap da religião”. Os autores da letra satirizam a abertura de igrejas como um grande negócio de exploração da fé das pessoas.

Comentário do professor autor do relato “A partir do estudo da proposta baseada no multiculturalismo crítico e nos estudos culturais, lancei-me a trabalhar com a manifestação da cultura corporal dança. Essa manifestação sempre gerou em mim muita insegurança, principalmente por estar influenciado por outras propostas pedagógicas, que enfatizam o ensino por demonstração, em que o professor, através de suas ‘demonstrações’ para os alunos, deveria encaminhar o aprendizado de coreografias criadas por ele. No entanto, esse é um sentimento experimentado por muitos professores, que, pela falta de uma vivência anterior ou pela falta do devido aprendizado durante o ensino universitário, preferem deixar determinados componentes da cultura corporal de fora de seus planejamentos. Amparado nos estudos culturais, procurando analisar o mapeamento verificado e percebendo a necessidade de trabalhar com dança, me lancei à labuta. E a cada aula, mesmo sem dar nenhuma demonstração, ou pouquíssimas demonstrações, me sentia fortalecido com os alunos a cada ampliação e aprofundamento dos assuntos 5  .

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que eram propostos, debates que levavam os alunos a refletir sobre questões de gênero, de classe, de poder. A cada período fui verificando através de registros, trabalhos, pesquisas, atitudes, um avançar de todo o aprendizado dos alunos com a dança, vencendo seus medos, transpondo barreiras, sentindo a dança, sentindo o ritmo e o prazer de dançar. E profissionalmente pude sentir o prazer da realização pessoal por um obstáculo que também superei, baseado nos estudos culturais e no multiculturalismo crítico.”

PONTOS PARA REFLEXÃO SOBRE OS RELATOS DE PRÁTICA

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Prezado leitor, entendemos que um trabalho na perspectiva aqui defendida não acontece do dia para a noite. Sendo assim, você provavelmente encontrará nos relatos anteriores algumas fissuras e deslizes, que evidenciam divergências em relação à perspectiva do currículo cultural. Portanto, para cada relato de prática, será importante que você faça algumas indagações, como, por exemplo: 1. O professor respeitou os princípios do currículo cultural? 2. O professor explicitou a expectativa de aprendizagem a ser trabalhada? 3. A escolha da manifestação corporal se deu a partir do mapeamento do patrimônio cultural dos alunos? 4. Houve um aprofundamento e ampliação da temática abordada? 5. O professor menciona no relato os instrumentos de avaliação utilizados no processo? 6. O trabalho focou a desconstrução de posturas preconceituosas relacionadas aos marcadores sociais (gênero, raça, religião e local de moradia, entre outros)? 7. O professor diversificou as estratégias de ensino, evitando a homogeneização da manifestação da cultura corporal estudada?

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8. A postura etnográfica (de investigação) diante da manifestação corporal trabalhada ficou evidente, tanto por parte do professor como por parte dos alunos? A ideia é que estas e outras questões possam auxiliar você, professor, quando da efetivação de suas ações didáticas no cotidiano escolar e, com isso, evitar um olhar e uma prática pedagógica homogeneizantes, tendo na identidade e na diferença (dos alunos e da comunidade escolar) um estímulo para uma didática comprometida com todos.

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9. PERCEPÇÕES DO GRUPO PARTICIPANTE

“Quando aceitei participar deste grupo, minha intenção, além de aprender mais, era resgatar a identidade do profissional de Educação Física na escola. Apesar das dificuldades encontradas, tarefas, leituras etc., gostaria de expor minha gratidão e minha satisfação pelo aprendizado, pela colaboração, pela aposta, na construção deste material. Aprendi muito, colaborei e conheci profissionais brilhantes no que fazem. Parabéns ao Se s i pela iniciativa de agregar os profissionais da área nesta proposta e principalmente aos idealizadores deste projeto.”

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Profa. Isabel Cristina Silva Bitencourt

“Quando ouvi falar deste projeto, vieram mil ideias em minha cabeça. E o desejo de participar foi imediato! Na primeira reunião, quando vi todos os professores, é que pude ter noção de que temos colegas muito comprometidos com o trabalho e com o estudo. Durante esse tempo aprendi muito lendo livros, revendo minhas práticas, conversando com os colegas, crescendo como pessoa e como profissional. Muitos relatos me chamaram a atenção e pude notar como poderia ter meus alunos mais ativos em todo o processo. Só tenho que agradecer a este grupo maravilhoso do qual tive o privilégio de fazer parte e dizer que nós somos capazes!” Profa. Rosivane Ramos Ferreira Guilherme

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“Quando recebi o convite para participar da elaboração do caderno de orientações didáticas de Educação Física, eu me senti valorizada pela rede Se s i e pensei, naquele momento, que de alguma forma eu poderia contribuir. Foi então que, aceitando o convite e participando da construção deste documento, pude perceber quão grande e árdua seria essa tarefa, mas que também seria um grande desafio para nós, professores. Assim, por meio das leituras realizadas, do contato com a literatura e dos diversos momentos de estudo e debates em grupo, vi que o desafio foi sendo superado, o que me deixou muito realizada e satisfeita. Tenho certeza também de que passar por essa experiência muito me enriqueceu profissional e academicamente. Agradeço a todos do grupo.” 152

Profa. Aline Steckelberg

“Estudar a Educação Física escolar inserida na perspectiva cultural é valorizar as diferentes práticas corporais presentes na sociedade. Grupos subjugados ou excluídos ganham espaço no currículo cultural. Os estudos culturais colaboram para ratificar o objetivo da Educação Física escolar, que é o de possibilitar aos alunos lerem criticamente a sociedade para melhorá-la. Prof. Alisson Aurélio Rosa

“Realizar um sonho: escrever um livro sobre Educação Física! Foi a primeira coisa que me motivou a participar desta equipe para escrever o caderno de orientações didáticas de Educação Física da rede Se s i -SP. Começamos... Muitos olhos arregalados e curiosos pelo que viria. A cada encontro uma surpresa, uma lição nova, um aprendizado novo e a certeza de que sempre temos o que aprender. Os meses se passaram e a equipe foi se fortalecendo, conhecendo o valor e a inteligência de cada um dentro do grupo; enquanto um tinha dúvida, o outro clareza, um tinha dificuldade, o outro supria sua necessidade. A certeza plausível no rosto de cada um

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quando cada etapa era finalizada, sim nós somos capazes! Um prazer, uma aprendizagem, uma realização! Obrigada pela oportunidade!” Profa. Deise Aparecida Pinto

“Foi um trabalho de reflexão em equipe, com trocas enriquecedoras, entre educadores e analistas, para que conquistássemos um material de qualidade e norteador para todos da área de conhecimento da Educação Física!” Prof. Paulo Cesar Ferraz da Silva

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“Participar da produção do caderno de orientações didáticas foi realmente um momento de enriquecimento profissional, de muito aprendizado. Deu-me a oportunidade de ampliar e compartilhar conhecimentos e, por consequência, acreditar ainda mais que estamos fazendo uma Educação Física que visa ao aprendizado e à formação do ser humano em suas diferentes especificidades.” Prof. Plínio Ricardo Carloto

“Foi um desafio!!! Nunca imaginei estar inserida em um processo de elaboração de um material pedagógico e criar uma proposta nova, buscando aprimorar e melhorar a qualidade do ensino na minha área de atuação, experiência esta única. Quantos ensinamentos, quantas descobertas, quanta esperança. Ultrapassar as dificuldades foi um imenso aprendizado. Conciliar tempo de trabalho e estudo, insegurança ao redigir e aceitar as mudanças realizadas, me desprender de opiniões próprias em detrimento de opiniões da maioria e me deslocar para reuniões presenciais foram algumas dessas dificuldades. Aprendi a trabalhar melhor em grupo; aprendi

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a aceitar as diferenças; aprendi que o conhecimento é infinito; aprendi que nunca devemos achar que tudo vai bem e que não precisa ser mudado; aprendi a olhar, questionar, criticar minha prática docente; aprendi que nada é eterno e enfim aprendi que é possível.” Profa. Viviana Martins Goto

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“Participar da elaboração do caderno de orientações didáticas de Educação Física me deu a oportunidade de conhecer várias realidades (algumas iguais e outras muito diferentes da minha). A indicação de um caminho era o que eu procurava quando aceitei o convite para o projeto, e hoje tenho um rumo a ser seguido por todos.” Profa. Aline C. Ribeiro

“Participar da construção desta proposta uniu uma série de pensamentos dentro de uma visão multicultural. Atualizei meus conhecimentos, me surpreendi com a minha evolução, entendi quais eram os objetivos das reuniões e me apaixonei pela proposta lendo as bibliografias, com o que me senti tranquila em escrever. Foi a primeira vez que me desafiei a escrever algo e muitas vezes mudei minha opinião diante das discussões do grupo. Agradeço a todos que se empenharam neste trabalho, pois vocês são parte de tudo aquilo que aprendi. Hoje tenho a certeza de que meu trabalho como professora de Educação Física é indispensável para a sua ressignificação.” Profa. Iara Anaí Raimundo

“Nos oito encontros presenciais que tivemos, pude ampliar meus conhecimentos, não só pedagógicos, mas relacionados à instituição em que tra-

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balhamos, ao que cada um vive em cada canto de nosso estado, podendo trocar, aprender e ensinar o que construímos juntos. Percebo que somos peça fundamental para que nosso trabalho realmente saia do papel com qualidade, capacitando nossos colegas que não tiveram a oportunidade de participar do grupo e lhes dando suporte sempre que necessário.” Prof. Athos Alves Goulart

“Quando recebi o convite para participar da elaboração do caderno técnico da Educação Física escolar, fiquei muito entusiasmada com a proposta, afinal era uma maneira de estudar e me atualizar. Logo no primeiro encontro, adorei o contato com o Marcos Neira, tão conceituado profissional que atua na área da Educação Física escolar, mas me vi com muitas necessidades de estudo e pesquisa para dar conta das tarefas. A partir do segundo encontro e com mais embasamento teórico reforçado pelos materiais fornecidos, pude compreender que poderia contribuir com minhas experiências e o próximo desafio foi escrever e tentar entender o que os meus colegas que também escreviam queriam dizer sobre o que nos era solicitado; aí então pude compreender que também era uma fase que necessitava de bastante empenho de todos, mas o Marcos e toda a equipe técnica da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida estiveram sempre a nos esclarecer e estimular para a participação. O ano de 2012 começou e fiquei esperando ansiosa para que continuássemos o projeto, o que aconteceu apenas no segundo semestre e desta vez sem o consultor, mas com o mesmo entusiasmo da equipe técnica da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida. As tarefas se intensificaram e o que tínhamos que escrever era mais intenso e volumoso, mas no último encontro pudemos perceber que todas as etapas tinham sido cumpridas e o documento estava pronto. Agradeço a oportunidade de ter feito parte desse processo, onde aponto um crescimento e marco da minha vida profissional.”

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Profa. Alessandra Bergamo Sigrist Dal Bó

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“Participar da construção dessa proposta foi uma experiência única. Foi muito rico encontrar pessoas de tão diferentes realidades e com tantas ideias diferentes unidas num único propósito. Profissional e pessoalmente, é impossível sair ileso após uma vivência como esta. Valeram cada encontro e cada leitura, e valeu muito mais a oportunidade de fazer parte de tudo isso!” Daniela Catão Maziero de Mello

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“Participar deste projeto foi um grande desafio pessoal e profissional, devido à importância dessa construção, na qual tivemos que administrar todas as demandas, a fim de contribuir com ela. Construção, palavra-chave, pois este grupo fez uma aposta, aposta na quebra de paradigmas para o desafio da elaboração de novas perspectivas pedagógicas para a Educação Física do Se s i -SP. O trabalho da equipe de gestores da De q v (Divisão de Esporte e Qualidade de Vida) foi excelente, com uma condução firme e precisa. A atuação do grupo de professores de Educação Física e coordenadores de CLE foi fantástica e o aspecto mais preponderante foram a cooperação, a qualidade das discussões, sempre com muita clareza e profissionalismo. Estabelecemos laços afetivos que ultrapassaram as dimensões do trabalho. Todo o processo foi tratado com carinho e atenção aos detalhes, para que nossa aposta desse certo. Cada encontro foi um exercício prático de tudo o que propomos para o caderno técnico e para a formação de nossos alunos-cidadãos: democracia, respeito, ética, solidariedade e comprometimento. Fazer parte de um grupo tão especial e vivenciar experiências tão importantes contribuíram para meu desenvolvimento pessoal. Conseguimos! Chegamos ao final e a sensação é de que conseguimos! Que nossas práticas pedagógicas possam contribuir de forma mais efetiva para a transformação das vidas que passam por nossas escolas e que a Educação Física continue cumprindo seu papel dentro do projeto pedagógico da escola Se s i -SP, com vistas a formar cidadãos éticos, participativos e felizes.” Kátia Valérya dos Santos Souza

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“Fiquei sabendo sobre o projeto no treinamento de professores em julho de 2011 e desde o início me interessei por ele. Tinha dúvidas se poderia participar, pois havia acabado de entrar para a rede Se s i de ensino, porém, para minha surpresa e alegria, fui muito bem recebida e aceita no grupo. Participar deste projeto, estudando, refletindo e escrevendo sobre as funções da escola e o papel da Educação Física nesse cenário e sobre a importância de trabalhá-la numa perspectiva cultural, foi muito gratificante e enriquecedor para refletir sobre a minha prática pedagógica com os alunos. Agradeço a todos os envolvidos nesse processo e desejo, àqueles que farão deste documento um referencial para sua prática pedagógica, um ótimo trabalho.” 157

Adriana Garcia

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