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SOCIEDADE
Expediente
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POLÍTICA
Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa
Ano XIII - no 48 - Set/Out/Nov - 2009
A EROSÃO ÉTICA DO LEGISLATIVO
A REVOLUÇÃO CULTURAL SOCIALISTA
Marli Nogueira
Rodrigo Constantino
ESPECIAL
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MATÉRIA
O BOM, O MAU E O FEIO
CAPA
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CONSUMO DE TÓXICOS NO BRASIL...
Uma visão liberal do fato
DESTAQUE
DE
Ricardo Vélez Rodríguez
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26
LIVROS
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Arthur Chagas Diniz Elcio Anibal de Lucca Alencar Burti Paulo de Barros Stewart Jorge Gerdau Johannpeter Jorge Wilson Simeira Jacob José Humberto Pires de Araújo Raul Leite Luna Ricardo Yazbek Roberto Konder Bornhausen Romeu Chap Chap CONSELHO EDITORIAL Arthur Chagas Diniz - presidente Alberto Oliva Aloísio Teixeira Garcia Antônio Carlos Porto Gonçalves Bruno Medeiros Cândido José Mendes Prunes Jorge Wilson Simeira Jacob José Luiz Carvalho Luiz Alberto Machado Nelson Lehmann da Silva Octavio Amorim Neto Roberto Fendt Rodrigo Constantino William Ling Og Francisco Leme e Ubiratan Borges de Macedo (in memoriam) DIRETOR / EDITOR Arthur Chagas Diniz JORNALISTA RESPONSÁVEL Ligia Filgueiras RG nº 16158 DRT - Rio, RJ
A ATUALIDADE DE MENCKEN
O CONSENSO DE WASHINGTON
por Rodrigo Constantino
Oscar Roberto Júnior
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CLÁSSICOS LIBERAIS
ENTRE OS CUPINS E OS HOMENS OG F. LEME - POR ROBERTO FENDT
NOTAS
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 463/09
REALIZAÇÃO
BANCO DE IDÉIAS é uma publicação do Instituto Liberal. É permitida a reprodução de seu conteúdo editorial, desde que mencionada a fonte.
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Leitores
Editorial
Sua opinião é da maior importância para nós. Escreva para Banco de Idéias. Sr. editor Sou um empresário de médio porte que produz motores elétricos. Os problemas que tenho encontrado para expansão são relacionados ao imposto, especialmente o ICMS, o PIS e o IPI. Uma empresa de consultoria local recomendou-me expandir a produção e, com isso, diminuir os custos administrativos que incidem sobre cada unidade produzida. Ora, isto é o contrário do que vem ocorrendo no Brasil, onde o PIB cresce, mas a fatia dos impostos destinados a pagar a burocracia aumenta, apesar do permanente crescimento do PIB. Afinal, economia de escala funciona? Heitor Fazzamelo Cunha Florianópolis - SC A economia de escala funciona, sim. Se você se expandir, você continuará a ter um diretor comercial, um financeiro, alguém encarregado de recursos humanos, enfim, toda uma estrutura administrativa cujo custo por unidade produzida vai ser menor em função do número de motores produzidos. O que acontece no Estado é que o governo lulista emprega um número cada vez maior de assessores em cargos de confiança para premiar sindicalistas e petistas de um modo geral. Não se pode nem alegar que se tem uma saúde pública mais eficiente e que o nível da educação fundamental melhorou. Em tese, nós poderíamos ter impostos bem menores do que os 40% do PIB que hoje pagamos. Eu diria que não seria absurdo pensar em uma carga tributária da ordem de 25% do PIB. Vá em frente, expanda-se, e não tome o governo brasileiro como paradigma. O editor Envie as suas mensagens para a rua Rua Maria Eugênia, 167 Humaitá - Rio de Janeiro - RJ 22261-080, ou
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o momento em que estamos redigindo este Editorial, a Polícia Federal divulga informações sobre o gigantesco volume de recursos financeiros que é captado por igrejas evangélicas, enviado a paraísos fiscais e finalmente aplicado em negócios no Brasil. Com isso, o Senado e seus escândalos vão perder a primazia no noticiário. Tem sido constante, ao longo da era Lula, a divulgação parcial de informações sobre casos latentes visando afastar o interesse da mídia e, consequentemente, dos leitores do noticiário que não beneficie os atuais donatários do país. Entre os articulistas desta edição, a juíza Marli Nogueira avalia a erosão ética do legislativo. Ela torna evidente a queda moral dos ocupantes do Poder Legislativo, mostrando que o afastamento entre governantes e governados gerou uma lassidão moral que transformou os ocupantes de cargos executivos e legislativos em intermediários de verbas federais e estaduais. A ocupação de cargos executivos é feita por indicação dos legisladores, que passam a se comprometer em aprovar contas e projetos do governo. A juíza conclui que é lamentável o comportamento aético de nossos políticos, malbaratando os esforços que toda a nação faz para crescer. O que fazer diante do consumo maciço de entorpecentes? O professor da UFJF, Ricardo Vélez Rodríguez, analisa o avanço do tráfico no Brasil a partir da decisão dos principais cartéis de transformar o Brasil não apenas em um grande consumidor (o que já é), como também em produtor e distribuidor de drogas. Descriminalizar a droga não é uma solução e já foi tentada, sem êxito, em outros países, como Holanda e Suíça. Soluções estão mais próximas daquelas usadas pela cidade de Medelín na Colômbia, já copiadas em algumas cidades brasileiras.
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A América Latina, afirma Rodrigo Constantino, caminha a passos largos rumo ao socialismo, tendo como principal exemplo a Venezuela de Hugo Chávez. A revolução bolivariana, graças até então aos elevados preços do petróleo, ocupou posições inimagináveis alguns anos atrás. O autor vê nos escritos de Antônio Gramsci o resumo da tomada do poder pelos socialistas, sem a necessidade de revoluções armadas. O que torna a estratégia gramscista tão perigosa é exatamente o fato de ela apodrecer os pilares democráticos, subvertendo seus valores e corroendo esses mesmos pilares. A preocupação com a apatia moral do Congresso brasileiro é um perigoso elemento nessa construção. O economista Oscar Roberto Júnior, em fins de 2006, fez um exame detalhado do que ocorreu na América depois do que se convencionou infelizmente chamar de “Consenso de Washington”. As recomendações do encontro e as aplicações recomendadas, apesar das críticas socialistas, trouxeram extraordinários benefícios a inúmeros países da América. Apenas o resultado das privatizações e a sangria evitada são notáveis no Brasil. Oscar chama a atenção para a Vale do Rio Doce, a Embraer, a concessão de rodovias e um sem-número de outras privatizações que criaram empregos em grande escala. Em NOTAS estamos avaliando o Projeto de Lei Complementar que institui o Fundo Nacional de Compensação Tributária, com a finalidade de compensar perdas estaduais e municipais decorrentes da desoneração do Imposto de Renda. O Livro dos Insultos é a obra resenhada por Rodrigo Constantino na última página desta edição, que é acompanhada pelo Sumário do livro Entre os cupins e os homens, um extraordinário trabalho do saudoso professor Og Leme.
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Sociedade
A revolução cultural socialista Rodrigo Constantino Economista e escritor
América Latina caminha a passos largos rumo ao socialismo, tendo como principal exemplo a Venezuela de Hugo Chávez. São 15 países com governos alinhados ao Foro de São Paulo, cuja meta é resgatar na região aquilo que se perdeu no leste europeu. A “revolução bolivariana” vai se alastrando pelo continente, turbinada pelos petrodólares venezuelanos. No Brasil encontrou alguns obstáculos ins-
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titucionais mais sólidos, o que não impediu algum progresso na meta socialista. Não é possível compreender corretamente o fenômeno sem levar em conta a questão cultural, a verdadeira revolução arquitetada no campo das ideias. E quando se fala em revolução cultural, o nome de Gramsci merece destaque. Nascido na Itália em 1891, Antonio Gramsci foi um marxista intelectual, membro do Partido
Socialista Italiano. Gramsci era um simpatizante da revolução bolchevique de 1917, e foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Preso pelo regime fascista de Mussolini, ele começa a escrever notas na prisão que mais tarde se tornarão os Cadernos do Cárcere. O tema central presente em seus escritos será sua estratégia de tomada do poder, distinta do modelo leninista. Para Gramsci, o “assalto
Sociedade ao poder” de Lênin não seria o método adequado nos países ocidentais. A estratégia gramscista de transição para o socialismo contará com aspectos mais graduais, alterando a cultura para permitir a conquista final do poder pelas classes subalternas. Esta tem sido a receita praticada na América Latina nas últimas décadas, com resultados claramente positivos do ponto de vista dos marxistas. Fazendo sua parte na tentativa de esclarecer melhor esse fenômeno, o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho escreveu o livro A Revolução Gramscista no Ocidente, que faz um didático resumo da concepção revolucionária de Gramsci. Conforme o próprio autor afirma, o objetivo do livro é tentar “traduzir” Gramsci, decodificar seu pensamento. Esta é uma valiosa contribuição para a causa da liberdade, justamente porque a estratégia gramscista de tomada do poder parece eficaz e está em estágio avançado na região. Conhecer melhor o inimigo é fundamental para combatê-lo de forma eficiente. E quem não entender melhor a amplitude do fenômeno, que se alastra em inúmeros aspectos culturais, ficará impotente diante do avanço socialista, do “caminho da servidão”, como dizia Hayek. Muitos preferem acreditar inclusive no óbito da ideologia socialista depois da queda do Muro de Berlim e da União Soviética. Doce ilusão! O moribundo apenas recuou um pouco, fez algumas plásticas superficiais, mudou a embalagem, mas continua bastante vivo. As ideias de Gramsci serviram justamente para esta mudança tática, para a adaptação dos socialistas à nova realidade. Mas a meta continua a mesma: conquistar o poder e criar o “novo homem” e o “novo mundo”, onde a necessidade é
Antonio Gramsci (1891-1937)
coisa do passado burguês, as classes desaparecem e todos vivem felizes para sempre. Pode parecer incrível para alguns que essa utopia ainda possa conquistar tantos adeptos. Mas basta um olhar mais atento em volta para constatar que isso é fato: o socialismo ainda encanta muita gente. E com os instrumentos estratégicos fornecidos por Gramsci, o perigo aumenta exponencialmente. Como explica o general Avellar Coutinho, o conceito de “sociedade civil” é central entre as categorias desenvolvidas por Gramsci. Trata-se de um espaço social público onde as pessoas se organizam em aparelhos voluntários privados para exercer a hegemonia. Seria “o lugar onde as classes subalternas são chamadas a desenvolver suas convicções, a formar o consenso e a lutar por um projeto hegemônico mais avançado”. Essa hegemonia, por sua vez, seria a capacidade de influência e de direção política e cultural de um grupo social. O grupo dirigente seria justamente aquele que tem a hegemonia, ou seja, “que tem capacidade de influir e de orientar a ação política, sem uso da coer-
ção”. O que torna a estratégia gramscista tão perigosa é exatamente o fato de ela apodrecer os pilares democráticos de dentro da própria democracia, subvertendo seus valores e corroendo esses pilares. Democracia, etimologicamente falando, quer dizer “governo do povo”. No pensamento gramsciano a burguesia é “nãopovo”. Portanto, a democracia seria o governo do proletariado e dos camponeses, excluindo os burgueses. Os gramscistas falam em “democracia radical” ou “radicalismo democrático” para se referir a esse modelo. Basta lembrar que o presidente Lula chegou a afirmar que na Venezuela de Chávez havia um “excesso de democracia”. Essa deturpação da ideia de democracia é útil para a causa socialista, pois eles podem falar em “socialismo democrático”, distanciando-se no imaginário popular do regime ditatorial adotado na União Soviética. Isso garante o respaldo de legalidade, evitando assim eventuais resistências e reações da sociedade. Além disso, Gramsci defende o “pluralismo das esquerdas”, admitindo as alianças dos partidos e das organizações de
A Revolução Gramscista no Ocidente, de Sérgio Augusto de Avellar Coutinho.
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Sociedade massa, principalmente para enfraquecer e neutralizar as “trincheiras” burguesas. Como explica o autor, “ele admite até alianças com partidos adversários em certas circunstâncias que contribuam para o êxito do movimento”. Esse pragmatismo, uma herança maquiavélica, ajuda a manter a imagem democrática também, em relação ao modelo de partido único dos bolcheviques. O partido, o “moderno príncipe”, realizará as transformações radicais que estabelecerão o socialismo após a fase da luta hegemônica, que terá criado o clima adequado para a revolução, subvertendo os valores tradicionais da sociedade burguesa e condicionando toda a população para o socialismo. Na estratégia gramscista, o papel dos intelectuais orgânicos é crucial. O novo intelectual não é apenas um orador eloquente, mas um dirigente que orienta, influencia e conscientiza as massas. O grupo de luta deve lutar também pela assimilação e conquista ideológica dos intelectuais tradicionais. Estes terão participação consciente ou inconsciente, podendo assumir o papel de intelectual orgânico por convencimento e adesão, ou por ingenuidade, acomodação ou até por capitulação. Para Gramsci, todos os membros do partido, em todos os níveis, são intelectuais. Eles devem realizar na sociedade civil uma profunda transformação política e cultural, “amestrando” as classes burguesas também, levando-as a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte de uma natural e moderna evolução da sociedade. Para tanto, eles contam com o apoio dos organismos privados, como sindicatos e organizações nãogovernamentais. Será criado na sociedade um novo senso comum, que irá destruir a capacidade individual de bom senso. Alguns velhos SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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conceitos podem ser preservados se forem “instrumentais”, bastando aprimorá-los para contribuírem também para a formação da nova mentalidade. Os meios de comunicação social (imprensa, rádio e televisão) serão os principais canais de difusão do novo senso comum. Além destes, o setor editorial, a cátedra, o magistério, a expressão artística e o meio intelectual tradicional serão importantes veículos dessa transfor-
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O objetivo final de Gramsci é o comunismo, abolindo o Estado e as classes. O meio defendido para isso é a concentração absurda de poder no Estado ampliado. A ingenuidade de quem leva a sério esse tipo de coisa é realmente espantosa.
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mação. Assim como a estratégia atribuída a Goebbels no nazismo, os argumentos serão repetidos ad nauseam através de uma “orquestração”. O sistema defensivo da burguesia deverá ser neutralizado. Entre as principais instituiçõesalvo estão os partidos políticos, o parlamento, a classe empresarial, a Igreja, as forças armadas, o aparelho policial e a família. Como explica o autor, “o empreendimento de neutralização é complexo e é conduzido pelo amplo trabalho psicológico, político e ideológico que realiza o esvaziamento do moral do elemento humano das organizações burguesas, de tal modo que elas
perdem o seu valor funcional e ético perante a sociedade civil”. Serão utilizadas táticas como “denuncismo”, isolamento, constrangimento e inibição, patrulhamento, penetração ideológica e infiltração de intelectuais. Tratase de uma batalha longa, que exige paciência, mas que cria as condições necessárias para a tomada do poder. O uso das crises a favor do movimento também faz parte das estratégias de tomada do poder. As crises econômicas não provocam imediatamente a crise institucional, mas “permitem a difusão de certas ideias e pensamentos que se podem encaminhar para um subsequente agravamento da crise”. Como disse Roberto Campos, “os comunistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos”. E acrescentou: “O que não sabem é plantá-las”. O fato é que os comunistas sempre exploraram as crises para expandir sua ideologia e tentar conquistar mais poder. As classes subalternas podem se apresentar como única solução institucional. O presidente Lula já usou esse argumento em relação aos invasores do MST, alegando ser o único capaz de “conversar” com o movimento. Além disso, a crise parlamentar pode representar uma oportunidade interessante de tomada do poder, pois mantém todas as aparências de fidelidade ao jogo político democrático. O objetivo final de Gramsci é o comunismo, abolindo o Estado e as classes. O meio defendido para isso é a concentração absurda de poder no Estado ampliado. A ingenuidade de quem leva a sério esse tipo de coisa é realmente espantosa. Ignoram o alerta de Lord Acton, de que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Para chegar à “liberdade”, vão antes criar uma ditadura
Sociedade totalitária, e esperar que os todopoderosos simplesmente decidam abrir mão de todo esse poder. Para abolir as classes, vão criar uma enorme classe privilegiada, a nomenklatura, e aguardar o momento em que esses privilegiados resolvam acabar com todos os privilégios. Que tipo de observador medíocre da natureza humana poderia aceitar tais premissas? Não é à toa que o comunismo parece uma nova religião, dependente da fé acima da lógica. Um “paraíso” terrestre é oferecido, prometendo o fim das necessidades, enquanto os intermediários demandam mais que o dízimo: a submissão completa do indivíduo! Ao término do livro, o general Avellar Coutinho oferece alguns sinais do avanço da estratégia gramscista no Brasil que não podem fugir dos olhares mais atentos. Os mais jovens não notam a mudança cultural porque não conheceram os valores antigos, e os mais velhos encaram as modificações como “naturais” ou “espontâneas”, ignorando a “penetração cultural” bem conduzida pelos intelectuais orgânicos. Em primeiro lugar,
temos o conceito de “politicamente correto”, que passou a dominar qualquer debate e ofuscar a livre opinião ou independência intelectual. Trata-se de “socialização” da opinião, e o patrulhamento ideológico é uma poderosa arma nesse sentido. Além disso, o conceito de legalidade está sendo substituído pelo de “legitimidade”, esvaziando as normas e leis em troca das “reivindicações justas”. Invadir terras ou saquear estabelecimentos passa a ser um ato “legítimo”, pois representa um passo na luta pela “justiça social”. Existem outros exemplos, como o ataque aos valores familiares tradicionais, o uso manipulado da questão racial para negar a tolerância multirracial burguesa, o uso dos “direitos humanos” como proteção ao criminoso, identificado como vítima da “sociedade burguesa”, enquanto a vítima real é tratada com indiferença por ser identificada geralmente como burguês privilegiado, a “satanização” do “bandido de colarinho branco”, identificado como burguês corrupto e fraudador do povo, a utilização da “opinião
pública” como critério de verdade maior que a própria lógica, o uso da ecologia como projeto superior ao desenvolvimento econômico ou mesmo o ecoterrorismo para atacar o progresso capitalista, etc. Em suma, o projeto de conquista do poder pelos comunistas, calcado nas contribuições de Gramsci, parece estar em um estágio bem avançado na América Latina. Hugo Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e tantos outros governantes vão conquistando cada vez mais poder. Mesmo o governo Lula conseguiu avanços nessa direção, sem falar das tentativas fracassadas como o Ancinav, Conselho Nacional de Jornalismo, etc. O próprio Lula teria dito que dirige um fusca enquanto Chávez dirige uma Ferrari rumo ao socialismo. Mas a meta é a mesma. O pior é que, por se tratar de uma verdadeira revolução cultural, suas raízes são profundas e dificilmente serão revertidas rapidamente. A luta pela liberdade será árdua. Mas algo precisa ser feito. Como teria dito Confúcio, “é melhor acender uma pequena vela do que praguejar contra a escuridão”.
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Política
A erosão ética do legislativo Marli Nogueira
Juíza do Trabalho em Brasília, pós-graduada em Direito Constitucional pela UnB e diplomada pela Escola Superior de Guerra
“...a virtude não nasce das riquezas, mas da própria virtude vêm, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto privados como públicos.” (Platão, in Apologia de Sócrates) á virou rotina. Perdemos o controle sobre a avalanche de escândalos que nossos políticos se dedicam a protagonizar. Eles são tantos e tão variados que se torna um equívoco afirmar que o brasileiro “não tem memória”. É que não há memória suficiente para armazenar todos os escândalos que, volta e meia, nos deixam até mesmo atordoados, sem saber em que – e em quem – acreditar. Como se não bastassem os escândalos sobre o mensalão, a questão das ambulâncias, os sanguessugas, as passagens aéreas distribuídas com o dinheiro dos contribuintes, os marajás da Petrobras, os planos de saúde vitalícios para os distintos sena-
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dores e também para os servidores do Senado, entre tantos outros, assistimos agora ao caso rumoroso envolvendo o Senado em atos secretos, gratificações dadivosas a funcionários, nomeações de apadrinhados e até mesmo a existência de passagens secretas, como se o Senado fosse um daqueles velhos castelos medievais cheios de labirintos secretos, em que os soberanos se escondiam de seus inimigos, tramavam os próximos ataques contra seus desafetos ou guardavam os tesouros pilhados em suas guerras. Mais do que indignação, contudo – até porque a indignação, à força de tanto ser experimentada, parece um sentimento esgotado, que já não vale mais nada –, devemos procurar as razões que levam a esse estado de coisas e as consequências que delas possam advir. Como é impossível esmiuçá-las todas nesse pequeno espaço, importa refletir pelo menos sobre algumas delas.
Durante séculos governantes e governados viviam muito próximos uns dos outros, frequentando os mesmos ambientes, falando a mesma linguagem e cultivando os mesmos valores. Seja na pólis grega, seja nas cidades romanas (apenas para citar algumas das mais antigas civilizações), o homem escolhido para uma função pública era conhecido de todos aqueles que ficariam sujeitos às suas decisões. Sabia-se onde ele morava, quem eram seus pais, quem era sua mulher, quantos filhos ele tinha, com quem se relacionava, o que costumava comer e vestir, qual era o tamanho do seu patrimônio e de seu conhecimento sobre as necessidades dos governados. Dessa forma, era possível um maior controle dos governantes pelos governados, sendo praticamente impossível que os primeiros praticassem atos dos quais os segundos não ficassem cientes. E esse controle produzia, sem dúvida, uma exigência de que os
Política governantes procurassem se pautar por uma conduta ética, sob pena de caírem em desgraça popular. E, ainda assim, não foram poucos os exemplos dos que se desviaram desse norte, com consequências nefastas para o seu povo. Com o decorrer do tempo, entretanto, essa proximidade foi se perdendo, fruto da enorme explosão demográfica gerada a partir da Revolução Industrial e dos avanços tecnológicos promovidos pelo capitalismo, propiciando vida mais longa e de melhor qualidade para todo mundo, o que acabou por culminar na completa dissociação entre governantes e governados, diminuindo sensivelmente o grau de certeza sobre o caráter daqueles que passariam a ditar as regras de seu país e, consequentemente, o controle sobre suas ações. O poder político ficou, assim, apartado do povo, em que pese à ação da mídia, muitas vezes até mesmo comprometida com aqueles que exercem o poder. Hoje temos, de um lado, os que exercem o poder político e, de outro, os cidadãos, havendo entre ambas as categorias uma distância tão descomunal que já não é mais viável saber quem é quem. Cientes disso, os políticos não se pejam de, cada vez mais, se envolver em atos de improbidade, cientes de que será extremamente difícil apanhá-los em todos eles. E, quando isso ocorre, sabem que há ainda a forte chance de se manterem impunes, sequer sendo obrigados a devolver todo o dinheiro desviado ou a pagar pelos seus crimes até mesmo com a cadeia, como ocorre em países desenvolvidos. De outro lado, o cidadão, percebendo a facilidade com que se pode ficar rico da noite para o dia no exercício de uma atividade política, esforça-se por ingressar nela, ainda que tenha plena consciência de sua total falta de
preparo. É por essa razão que, aberto o certame eleitoral, vemos desfilar na televisão os mais variados tipos de oportunistas, muitos deles com passagens pela polícia. É igualmente equivocado, portanto, afirmar que “o brasileiro não sabe votar”. Como toda escolha envolve um conhecimento sobre as opções oferecidas, e sendo desconhecido por completo o perfil dos candidatos para a maioria dos cargos eletivos, o voto já não passa de um jogo lotérico, com os eleitores honestos atirando a esmo para ver se acertam em alguém decente. O fato é agravado, ainda, pela forte centralização do poder, a despeito de, em nossa Constituição, declararmo-nos um país federativo. Fica fácil, por isso, agir sem ética e “se lixando para a opinião pública”, como recentemente afirmou um de nossos parlamentares. Enquanto isso, aumenta na sociedade o sentimento de impotência e de frustração, a ponto de fazer com que os jovens honestos nem queiram mais ingressar na atividade política. Esse desprezo pela política nos condena ao anátema contido no alerta de Platão: “se os bons não quiserem governar, terão de submeter-se ao governo dos maus”, advertência repetida por
Edmund Burke cerca de 2 mil anos depois, sintetizada na célebre frase “para que os maus vençam, basta que os bons não façam nada”. Muito contribuiu, ainda, para esse estado de ausência de regras de conduta a gradativa destruição de todos os valores que forjaram a civilização ocidental, os quais foram perdendo terreno para o hedonismo exacerbado, como se apenas a autossatisfação material fosse suficiente para se viver em paz consigo mesmo. Como as pessoas não se sentem mais na obrigação de prestar contas à sociedade, também os políticos experimentam o mesmo conforto. Embora se fale tanto na necessidade de “transparência” dos atos públicos, na verdade ela será de pouca valia para alterar o ambiente vergonhoso de nossa política. Enquanto houver a menor possibilidade de alteração dos dados a serem divulgados, seja no momento de sua captação, seja no de seu registro, seja no de sua divulgação, a transparência não poderá ser tomada como sinônimo de probidade. A verdadeira probidade consiste no autopoliciamento diuturno, naquela velha obsessão pelo agir corretamente, e não na propagação de dados que de forma
Durante séculos governantes e governados viviam muito próximos uns dos outros.
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Política alguma servem para assegurarnos da lisura com que foram praticados. A imoralidade governamental sempre acaba jogando sobre os ombros de todos nós as suas consequências. Na mesma medida em que o Legislativo – ou qualquer um dos Poderes – se afunda em um lamaçal de escândalos, os demais Poderes, não imunes ao mesmo mal, também se desvirtuam. A turbulência gerada pelos escândalos passa a desviar o órgão público de suas funções precípuas, gerando uma perda de tempo e de dinheiro (do nosso dinheiro) para a propalada “apuração dos fatos”. Somos, assim, obrigados a suportar uma carga tributária cada vez maior, a fim de bancar não apenas a corrupção dos políticos, como também o faz-de-conta das investigações, seja na esfera administrativa, seja no âmbito judicial. Não é à toa que falta sempre dinheiro para a educação, a saúde, a segurança... Deixando o Legislativo de cumprir sua missão constitucional, para ficar cuidando de CPIs de toda espécie, transformando-se em uma imensa delegacia de polícia, e para dedicar-se às reuniões das “comissões de ética” (que, na verdade, jamais conseguem punir exemplarmente o parlamentar faltoso), a tão decantada “harmonia” entre os poderes desaparece, abrindose espaço para um dos mais abomináveis desvios da democracia: a invasão de competências. Como resultado, o Executivo passa a legislar a todo instante, quer por meio de medidas provisórias cujas matérias, na maior parte das vezes, nem ostentam qualquer caráter de relevância ou urgência (art. 62/CF), quer por instruções normativas, portarias e outros atos ministeriais que só infernizam a vida dos empresários, únicos a promover a riqueza do país (é preciso não
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esquecer que o governo nada produz e, portanto, não gera riquezas). Sem falar, é claro, na sua forte contribuição para o agravamento do problema quando coloca em postos-chave da máquina estatal pessoas sem preparo algum, deflagrando uma batalha insana pela disputa de cargos, preferencialmente aqueles dotados de orçamento milionário, mas sem que se veja a adequada destinação desse orçamento.
A imoralidade “governamental
sempre acaba jogando sobre os ombros de todos nós as suas consequências. Na mesma medida em que o Legislativo – ou qualquer um dos Poderes – se afunda em um lamaçal de escândalos.
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A independência entre os Poderes também fica prejudicada porque o Executivo, igualmente desviado de suas atribuições, volta-se para ações de salvamento do Legislativo, não por um desejo de colocá-lo no caminho certo, mas apenas com vistas a garantir a intocabilidade de sua base aliada e, assim, obter apoio para seus projetos de governo (ou desgoverno). Passa a haver, desse modo, uma interferência de um Poder em outro, violando o sagrado princípio da nítida tripartição de Poderes. O Judiciário, por seu turno, também se arvora de legislador, seja interpretando de forma abusiva aquilo que as leis escritas
jamais pretenderam estabelecer, seja criando novas leis no vácuo de regras que o próprio Legislativo deixou de aprovar. Perde-se, portanto, o clima de segurança, indispensável para o desenvolvimento. E por mais que se apregoe que a economia brasileira vai muito bem, obrigado, resta a certeza de que nosso desempenho econômico seria significativamente mais expressivo, atraindo muito mais investimentos externos, caso pudéssemos assegurar aos investidores estrangeiros que eles irão pisar em solo firme e confiável. Ademais, também a independência do Poder Judiciário se deteriora, na medida em que esforços sempre serão feitos para pressioná-lo a fim de livrar políticos aliados de eventuais condenações. Se tal não ocorresse, certamente nossas cadeias já estariam lotadas só de assaltantes do Estado. Verificando-se tal desordem política não somente na esfera federal, como também nas 27 Unidades da Federação e nos quase 6 mil municípios brasileiros – embora estes últimos não possuam Poder Judiciário –, o desequilíbrio entre os Poderes não poderia ser maior. Um círculo vicioso se instala, tornando quase impossível a não-perpetuação dessa engrenagem em constante atrito. A democracia abre lugar à demagogia e, pois, à oclocracia. A par de todas essas consequências que a falta de ética acarreta, uma outra, provavelmente a mais terrível, se faz sentir de imediato: o péssimo exemplo dado aos cidadãos, principalmente aos mais jovens, que passam a entender que se os “grandes” podem roubar o dinheiro público, sem que nada lhes aconteça, também eles podem cometer os mais hediondos crimes impunemente. Mas como nem todos contam com o mesmo apadrinhamento, muitos acabam envolvidos em
Política questões judiciais e, por conseguinte, encontrando pior sorte em suas ações (e lá vai mais dinheiro!). Já os integrantes das classes mais altas escoram-se na certeza da impunidade, baseados na rede de relacionamentos de sua família e na facilidade de poderem contar com bons advogados. Alastra-se, então, o sentimento de injustiça, e o cidadão, em vez de respeitar o Estado, passa a odiá-lo ou, no mínimo, a assumir uma postura de indiferença causada por um forte sentimento de impotência diante de tantos desmandos. Mesmo as associações de classe, como a OAB e a ABI, que tiveram forte participação na vida nacional em tempos idos, atualmente já não conseguem mudar o rumo dos acontecimentos. Suas manifestações não passam, hoje, de um aglomerado de palavras vãs que nenhuma repercussão decisiva terão no desfecho de nossas crises políticas ou no resgate dos valores civilizacionais. Lamentavelmente, por falta de instrução – resultado de um absoluto e contínuo descaso com a Educação – muita gente tende a enxergar o Estado como uma entidade “alheia”, uma res nullius, de onde o dinheiro brota espontaneamente e aos borbotões, e de onde as decisões – boas ou más – podem ser tomadas sem que soframos as suas consequências. A maioria das pessoas não se dá conta de que essa entidade chamada Estado nada tem de etéreo, constituindo, ao contrário, a soma de todos nós, que nela depositamos as nossas esperanças (e o nosso suadíssimo dinheiro), o que nos dá todo o direito de exigir, em contrapartida, o trabalho profícuo e honesto dos que se propõem a nos governar. Esquecem-se, os desavisados, de que democracia não significa apenas o funcionamento rotineiro das instituições nem a existência de eleições periódicas. Para que
Não há desculpa para a crescente falta de ética que domina os Poderes da República.
o espírito democrático se faça sentir realmente é necessário que as instituições cumpram o seu papel de forma responsável e eficaz, sob pena de se ter uma democracia meramente formal, sem qualquer conteúdo digno desse nome. Inadmissível é o argumento de que “sempre foi assim” ou de que os problemas que acabamos de apontar “ocorrem em todos os lugares”. Se além do aperfeiçoamento tecnológico o homem não buscar o aperfeiçoamento de seu arcabouço ético e moral, de nada adiantarão os artifícios criados para controlá-lo porque sua vida estará sempre ameaçada por todos aqueles que, sendo responsáveis pelo uso da máquina estatal, mas sem moral alguma, não hesitarão em usá-la contra quem estorvar os seus intentos. É interessante observar que todos aqueles que a todo instante vociferam contra os “golpes” contra a democracia (vide Honduras) são os primeiros a admitir, complacentemente, o maior de todos os golpes: a traição da confiança de seu povo e o roubo acintoso de seu dinheiro. Lembremos a advertência de Aristóteles em seu célebre Ética
para Nicômaco: “Tanto a virtude como o vício estão em nosso poder. Com efeito, sempre que está em nosso poder o fazer também o está o não fazer, e sempre que está em nosso poder o não também o está o sim; de modo que, se está em nosso poder o realizar quando é belo, também o estará quando é vergonhoso, e, se está em nosso poder o não realizar quando é belo, também o estará, do mesmo modo, não realizar quando é vergonhoso.” Não há a menor desculpa, portanto, para a crescente falta de ética que domina os Poderes da República, constituída de homens feitos, plenamente responsáveis por seus atos. Está neles – e não em qualquer outra pessoa, instituição ou mecanismo de controle – o agir certo e o agir errado. Da mesma maneira como está em nós – todos nós – exigir que suas promessas de campanha sejam plenamente cumpridas, e o nosso trabalho, respeitado. Porque é profundamente lamentável que o comportamento aético de nossos políticos jogue pelo ralo grande parte de tudo aquilo que os brasileiros, com tanto sacrifício, conseguem produzir a cada dia.
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Especial Uma visão liberal do fato
José Sarney
Aeroporto Santos Dummont
que está de melhor acontecendo no país é a discussão sobre privatizações nos principais aeroportos brasileiros. A privatização empreendida no governo anterior (Fernando Henrique Cardoso) trouxe extraordinários benefícios para o país nas áreas de siderurgia, telefonia, mineração e especialmente à Vale do Rio Doce, que transformaram setores cronicamente deficitários em geradores de lucros, divisas e empregos. Uma boa administração dos aeroportos brasileiros, com o aprimoramento da infraestrutura aeroportuária é vital ao desenvolvimento do turismo e do transporte aéreo. Dos principais aeroportos brasileiros, apenas 10 são rentáveis. O próprio aeroporto Santos Dummont continua deficitário, apesar de seu enorme volume de tráfego. É importante que o modelo de privatização seja aquele que ofereça maior segurança aos investidores, com isso elevando o valor do negócio. Para a realização em 2014, da Copa do Mundo de Futebol, a privatização é fator-chave.
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Senado brasileiro tem participado de um festival de horrores sem fim. Desde a revelação da existência de mais de 10 mil funcionários, 183 diretorias e a promulgação de 623 atos secretos, a situação moral de Sarney ficou insustentável. O diretor Agaciel Maia, compadre do presidente do Senado, e João Carlos Zogbi, diretor financeiro da casa, ambos nomeados pelo amapamaranhense, se viram postos em situação delicada. Agaciel pela posse não declarada de um imóvel milionário estimado em R$ 5 milhões, e Zogbi porque seu filho intermediava empréstimos consignados a funcionários da casa. O festival de irregularidades parece não ter fim. Estimulado por Lulla e com seu apoio integral, o cacique resiste à renúncia ou a qualquer tipo de afastamento. Reapareceram no Senado vozes como as de Renan Calheiros e Fernando Collor. Sarney é acusado de improbidade administrativa, nepotismo e falta de decoro parlamentar. O responsável pelo Conselho de Ética, o suplente Paulo Duque, sem qualquer exame rejeitou todas as representações.
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Lina Vieira
destituição de Lina Maria Vieira da Secretaria da Receita Federal, meses após ter sido escolhida para o cargo por Guido Mantega, Ministro da Fazenda, causou espécie. Funcionária de carreira, petista de carteirinha, Lina Vieira perdeu o cargo sem qualquer justificativa, mas o governo vazou, informalmente, a explicação de que teria ela perdido o cargo pela queda da arrecadação. Ora, a arrecadação caiu porque a atividade econômica caiu, e o próprio governo foi agente dela ao reduzir alíquotas incidentes sobre diferentes produtos com ênfase para automóveis, para a linha branca e para materiais de construção. Seria muito mais honesto atribuir sua queda a choques de natureza contábil que teve com a Petrobras, que mudou seu regime durante o exercício, ou mesmo a falta de “agilidade” que Lina não teria dado aos inquéritos abertos na Receita Federal referentes ao grupo empresarial titulado por Fernando Sarney, rebento do famigerado Senador. Dilma nega ter tido o encontro com a então secretária da Receita Federal.
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Matéria de Capa
Consumo de tóxicos no Brasil: causas e equacionamento do problema Ricardo Vélez Rodríguez Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.
nossa sociedade tradicionalmente assumiu a atitude ambígua das famílias de classe média com filhos narcodependentes: tenta negar o problema. Até ontem, era comum enxergar a nódoa nos outros: os colombianos eram os produtores das drogas da morte. Os americanos e europeus, os consumidores. Mas a situação hoje é de tal forma
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grave que não há como tapar o sol com a peneira. O Brasil conta com 890 mil usuários de drogas. A violência decorrente do narcotráfico bateu às nossas portas, e temos de pensar em soluções para o problema. Não adianta mais repassar o problema para os outros. Em face dessa problemática, desenvolverei quatro itens: I – A
situação do Rio, precursora, nos anos 80 e 90, da crise brasileira atual. II – Decisão estratégica dos narcotraficantes: tornar o Brasil produtor, consumidor e exportador de cocaína. III – Quadro nacional de violência decorrente da produção, do consumo e da comercialização de entorpecentes. IV – O que fazer diante do consumo maciço de entorpecentes?
Matéria de Capa I – A SITUAÇÃO DO RIO, PRECURSORA, NOS ANOS 80 E 90, DA CRISE BRASILEIRA ATUAL. O Rio de Janeiro antecipou-se, no Brasil, à violência do narcotráfico. Roberto Campos assim tipificou, no ano de 1996, a crise da cidade, sugada pelo turbilhão de decadência econômica, violência, desemprego, medo e perda de esperança: “A Guanabara sofre de um círculo vicioso e da síndrome do medo. É uma trágica causação circular. O desemprego provoca a marginalidade; a marginalidade gera a violência; a violência afasta investidores e agrava o desemprego; e o desemprego fomenta a marginalidade. Os investidores nacionais vivem sob a ameaça do sequestro ou têm de pagar tributo a traficantes e pseudo-sindicalistas para diminuição de roubos”. [Roberto Campos “O Rio sob o signo do atraso e da violência”, Carta Mensal, nº 491, 1996]. O quadro atrás desenhado não perdeu atualidade, embora se tenham passado treze anos. É verdade que houve, no Rio, duas mudanças: de um lado, a entrada dos dólares da exploração petrolífera na bacia de Campos, na última década; de outro, o atual governo estadual decidiu dar combate aberto aos traficantes nos morros onde eles se tornaram fortes. Mudou a situação de violência e insegurança para os cidadãos? Não. Por dois motivos: primeiro, as divisas do petróleo não foram canalizadas para investimentos de longo curso, que melhorassem as condições de vida da grande faixa da população situada nos subúrbios; mencionemos dois itens esquecidos: transporte ferroviário e saúde pública. Segundo, o Estado do Rio não efetivou uma clara política de segurança pública, aliada a investimentos em serviços sociais
(como foi feito em cidades colombianas) nas áreas carentes. O sucesso obtido no Morro Dona Marta soa mais como exceção, no contexto violento das mil e tantas favelas que cercam a cidade, onde a polícia encena o entra-e-sai que fortalece o poder dos bandidos. O governador Cabral, que se inspirou no exemplo de Medellín, deixou pela metade a obra iniciada. Daí por que a violência não
Além do fator “ desagregador
representado pelo socialismo moreno de Brizola, houve uma deliberação do crime organizado no sentido de incluir o Brasil no organograma de produção/ consumo/ exportação de tóxicos.
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diminui, ao passo que na cidade colombiana literalmente despencou.
II – DECISÃO
ESTRATÉGICA DOS NARCOTRAFICANTES: TORNAR O BRASIL PRODUTOR, CONSUMIDOR E EXPORTADOR DE COCAÍNA.
Foi uma cruel coincidência o Rio ter mergulhado no caos de violência e decadência que acaba de ser ilustrado? Aparentemente, sim. Mas, examinadas as coisas mais de perto, não. Além do fator desagregador representado pelo socialismo moreno de Brizola, houve uma deliberação do crime organizado no sentido de incluir
o Brasil no organograma de produção/consumo/exportação de tóxicos. Os narcotraficantes tinham, na década passada, lucros anuais de aproximadamente US$500 bilhões. Esses ganhos hoje são calculados em US$320 bilhões. Seria ingênuo pensar que os produtores de narcóticos tivessem a mentalidade do quitandeiro da esquina. Muito pelo contrário, planejavam friamente os seus negócios. O jornalista Amauri Mello [“Crime a futuro”, O Globo, 13/06/2003] lembrava que, em 1989, a máfia italiana estava interessada em incrementar os negócios do narcotráfico no Brasil, diante do combate que estavam sofrendo, da parte dos Estados Unidos e dos governos locais, os cartéis andinos da coca. Segundo Amauri, que trabalhou na Europa, policiais italianos tiveram uma série de conversas naquele ano com jornalistas latino-americanos (entre os que ele se encontrava) acerca das últimas pesquisas dos órgãos de segurança da Itália em relação aos negócios do narcotráfico. Os mafiosos delinearam uma política de penetração no Brasil, a fim de tender com o nosso país uma cabeça de ponte para o narcotráfico internacional. Eis, segundo o testemunho de Amauri, as linhas mestras dessa política: “1) Estimular associação com negócios em áreas de massa populacional carente; 2) recomendar atividades que gerassem grandes volumes de notas, como, por exemplo, vender material de construção nas tais áreas. Ou participar de transporte coletivo. Além da facilidade de justificar movimento de dinheiro, também estabeleceria uma simpática relação com a vizinhança... 3) participar do Poder Legislativo de fora para dentro, vereança em pequenas cidades isoladas nas regiões de fronteira e avançar SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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Matéria de Capa com representação federal, dando preferência às regiões com corredores para a pasta de coca; 4) Estimular o jogo (naquele período discutia-se muito a reabertura de cassinos no Brasil); 5) criar chefes brasileiros.”
III – QUADRO
NACIONAL DE VIOLÊNCIA DECORRENTE DA PRODUÇÃO, CONSUMO E COMERCIALIZAÇÃO DE ENTORPECENTES.
Os noticiários policiais revelam que os principais pontos dessa política da morte foram cumpridos à risca. Resultado: o Brasil é, hoje, importante consumidor de narcóticos, além de se ter convertido em centro de refino de cocaína e de exportação de entorpecentes para Estados Unidos e Europa. A eleição do chefe cocalero Evo Morales, na Bolívia, garantiu a exportação de pasta de coca para o Brasil, notadamente para o Estado de São Paulo. Estatísticas policiais informam que, em 2008, foram apreendidos, no aeroporto de Guarulhos, 200 quilogramas de coca [SBT, “Consumo de drogas no Brasil”, noticiário nacional de 9/7/09]. Aplicando cálculo utilizado pela DEA, no sentido de que são apreendidos 10% das drogas que circulam, teríamos que pelo aeroporto mencionado saíram, num ano,
duas toneladas de cocaína para o exterior. Dados preocupantes são revelados, igualmente, pelas polícias de outros Estados, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, etc., em relação às apreensões de drogas destinadas ao consumo externo. O Brasil se converteu, como previam os mafiosos, em importante corredor de exportação de drogas para o mundo. Pior: o nosso país virou consumidor. O Brasil está trilhando caminho inverso daquele do restante do mundo no consumo de cocaína. Conforme informava recentemente o Relatório Mundial sobre Drogas - 2009, da Organização das Nações Unidas, enquanto Europa e EUA reduziram o consumo nos últimos anos, o Brasil é um dos cinco países da América do Sul que registraram aumento no número de usuários de drogas, sendo que 890 mil brasileiros consomem cocaína (0,7% da população em 2007), quando seis anos antes o índice era de 0,4% [Cf. César Maia, Exblog, 25/06/2009]. O jornalista americano Jon Lee Anderson, que veio ao Brasil recentemente para escrever matéria sobre consumo de drogas no Rio para a prestigiosa revista The New Yorker, em entrevista concedida na Festa Literária de
No Rio de Janeiro, o Dona Marta soa mais como exceção no contexto violento das mil e tantas favelas que cercam o estado.
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Paraty, no início de julho, afirmou: “Eu fui a favelas em que não aparecia polícia desde 2003. Há mil favelas no Rio. Eu acho que a situação do tráfico não é vista como uma calamidade nacional. E, no meu ponto de vista, é o que o Rio é: uma calamidade nacional. Há gangues fora de controle em muitos territórios. (...) O Estado não está funcionando, e os criminosos sabem disso. Os criminosos estão se tornando mais fortes, perderam todo o respeito pelas leis e pela sociedade” [Jon Lee Anderson, “Calamidade nacional”. Entrevista a André Miranda, O Globo, 8/7/09, 2º Caderno, p. 1 e 4].
IV – O
QUE FAZER DIANTE DO CONSUMO MACIÇO DE ENTORPECENTES?
Várias providências saltam à vista: em primeiro lugar, é necessário pressionar, nos foros internacionais, os principais países consumidores de narcóticos para que se engajem na diminuição do consumo de entorpecentes. O atual governo americano parece ter aberto os olhos para essa realidade. Em visita à Colômbia, realizada em março deste ano, a Secretária de Estado Hillary Clinton declarou: “A nossa insaciável demanda por drogas ilegais impulsiona o narcotráfico. A
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O Brasil é um dos cinco países da América do Sul que registraram aumento no número de usuários de drogas.
nossa incapacidade para evitar o contrabando de armas causa a morte de policiais, soldados e civis. Sinto fortemente que temos coresponsabilidade” [“Insaciable consumo” – Editorial. El Colombiano, Medellín, 30/3/2009]. Em segundo lugar, é primordial restabelecer o primado do Estado no comando da sociedade. Duas providências são essenciais: a, restabelecer a credibilidade da Justiça, mediante uma legislação mais dura para com os criminosos; b, reformular a representação política no Congresso e nas Assembléias Legislativas estaduais; hoje a população não possui instrumentos para cobrar, dos seus representantes, responsabilidade em face da sua missão. As reformas política e eleitoral são inadiáveis. Somente assim poderemos ter uma legislação penal acorde com as exigências da nossa sociedade. Em terceiro lugar deve haver, no seio da sociedade, um debate amplo acerca da necessidade de limitar o consumo de drogas. A questão da liberação das mesmas tem-se mostrado uma solução inviável. Nos países onde houve uma política nesse sentido, como na Holanda, os efeitos perversos
do tráfico fizeram-se sentir com toda a sua crueza e passaram a afetar ao resto da sociedade. Algo semelhante tinha acontecido na Suíça, com a abertura, em Zurique, de áreas restritas para o consumo livre de drogas. Algo semelhante aconteceu na Espanha, com as políticas liberais dos anos 80. Não se trata de criminalizar sumariamente os usuários, mas eles devem ser enquadrados nas suas responsabilidades como dependentes químicos, ajudando-os a superar a dependência. Em quarto lugar, devem ser formuladas políticas realistas de segurança pública, centradas na idéia de preservar os direitos básicos dos cidadãos à vida, à liberdade e às posses. Ora, esses direitos hoje se encontram seriamente ameaçados nas nossas cidades. É evidente que essas políticas não devem ser apenas repressivas. Mas elas devem ser complementadas com políticas sociais que ajudem as comunidades a se protegerem da cultura da violência. É importante conhecer a fundo o exemplo de cidades como Bogotá e Medellín, que encontraram na maciça modernização da educação e da
cultura instrumentos eficazes para desenvolver o ambiente da paz. Em quinto lugar, devem ser reformuladas as políticas sociais de âmbito nacional, como o programa “bolsa-família”. Na forma em que este está sendo desenvolvido pelo atual governo não redime as populações carentes, somente lhes dando um auxílio temporal que as torna caudatárias do favor oficial. O ideal seria adaptar esses programas de uma forma que tirasse os carentes da sua situação de penúria, integrando-os ao processo produtivo. Temos um exemplo importante de políticas sensatas nesse terreno na forma com que o governo colombiano colocou em funcionamento o programa “bolsa-escola” (inspirado no exemplo brasileiro), mas aperfeiçoado de forma a colocar as famílias carentes no caminho da educação básica dos filhos, da capacitação para o mercado de trabalho dos chefes de família e da integração dessas famílias à sociedade. Em sexto lugar, incorporar o item redução do consumo de drogas aos já existentes, para avaliar o desempenho dos governos municipais nas cidades brasileiras onde foi introduzido o programa “Como Vamos”, realizado inicialmente em Bogotá e Medellín. As cidades brasileiras que hoje participam desse Movimento (denominado Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis) são as seguintes: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Goiânia (GO), Holambra (SP), Ilha Bela (SP), Ilhéus (BA), Januária (MG), Maringá (PR), Niterói (RJ), Peruíbe (SP), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA), Ribeirão Bonito (SP), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), São Luís (MA), São Paulo (SP) Teresópolis (RJ) e Vitória (ES). SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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Destaque
O Consenso de Washington Oscar Roberto Júnior
Professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e consultor na área de cenários econômicos
O economista Oscar Roberto Júnior em fins de 2006 desenvolveu um trabalho crítico em relação ao chamado Consenso de Washington. A expressão alimentou o desejo, entre boa parte dos latino-americanos, de acreditar – ou fingir acreditar – que as reformas eram projetadas pelos Estados Unidos em função exclusiva de seus próprios interesses e impostas pelas instituições financeiras internacionais, sediadas em Washington e sob seu controle. Essa tese foi abertamente explorada pelos governos populistas, entre eles os do Brasil,
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Venezuela, Equador e Paraguai. O que sugeriu o Consenso de Washington e, de fato, foi aplicado no Brasil trouxe extraordinários benefícios ao país. O Editor
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CONFLITO IDEOLÓGICO
o campo da Ciência Política, os termos direita e esquerda surgiram na Revolução Francesa (1789-1799). Como se sabe, essas acepções tiveram origem na Convenção Nacional, em 1792, porque os deputados conserva-
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dores (girondinos) sentaram-se à direita da mesa de trabalho e os radicais jacobinos à esquerda. Naquele período os jacobinos, junto com os proletários urbanos (sans-cullotes), assumiram a liderança da Revolução e prenderam seus opositores, os girondinos. Em 1793 – e no ano seguinte – o chamado período de terror, o movimento se radicalizou sob o comando de Robespierre. Houve execuções em massa, e as sentenças de morte atingiram também os revolucionários considerados traidores ou acusados de conspirações. Essa onda de terror
Destaque respingou no próprio Robespierre, que foi executado na guilhotina. Com a sua morte chegou ao fim a supremacia do grupo jacobino, isto é, os girondinos instalaram no poder a alta burguesia até o comando ser entregue a Napoleão Bonaparte. Este trabalho foi iniciado apresentando a origem dos termos direita e esquerda como uma espécie de convite à reflexão sobre o maniqueísmo que sempre existiu entre as duas correntes e que se acentuou a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Para aqueles que defendiam a linha de atuação soviética, o mal do mundo teve sua gênese nos corredores e salas do poder de Washington. E para o outro lado, naturalmente, o mal era representado pelos mesmos ambientes do Kremlin. Talvez essa seja uma das possíveis explicações para a enorme rejeição que o Consenso de Washington sofreu nos quatro cantos do mundo, havendo nela, portanto, um forte viés ideológico e não técnico. Como diz Jonh Williamson1: “Desde o início, a expressão Consenso de Washington provocou controvérsia. Um dos debatedores do meu trabalho, Richard Feinberg, argumentou que ela deveria ter sido chamada ‘convergência internacional, porque (i) a mudança no pensamento econômico que ela resumia era de âmbito mundial, em lugar de confinado a Washington; e (ii) a extensão do acordo ficava muito aquém do consenso. É claro que Feinberg estava correto em ambos os pontos, mas era tarde demais para mudar o nome de marca”. Mais adiante o professor comenta: “A expressão alimentou o desejo de acreditar que as reformas eram projetadas pelos Estados Unidos em função dos seus próprios interesses e impostas
pelas instituições financeiras internacionais sediadas em Washington e sob seu controle, notadamente o FMI e o Banco Mundial, e talvez também o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Qualquer pessoa com o mais leve traço de antiamericanismo poderia ser convencida a espumar de indignação diante da idéia de que Washington estava procurando impor seus interesses
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Na ocasião em que o Consenso foi discutido e apresentado ao mundo, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a economia brasileira enfrentava mais um ciclo de planos econômicos e crises que – na verdade – a deixava cada vez mais debilitada.
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e, com isso, segundo se esperava, seria fácil recrutá-la para a causa da antirreforma”. 2
O CONSENSO “É definido como convergência dos governos de diferentes países em torno das políticas recomendadas pelo governo americano e agências internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. A expressão foi cunhada pelo economista inglês John Williamson, numa conferência do Institute for International Economics, em Washington, em 1989. Na ocasião os Estados Unidos preparavam-se
para lançar o Plano Brady (do nome do então secretário do Tesouro, Nicholas Brady) para refinanciar a dívida dos países pobres.”3 Seus dez pontos principais são: (i) o controle do déficit fiscal; (ii) privatizações; (iii) a priorização do gasto público; (iv) e a expansão da base a ser tributada; (v) o abandono do controle da taxa de juros, uma vez que ela deveria ser determinada pelo mercado; (vi) a diminuição do controle sobre o comércio exterior e também (vii) sobre os investimentos diretos estrangeiros; (viii) a desregulamentação, a qual extinguiria as leis e regras que restringem a competição entre as empresas do mercado; (ix) a garantia pelo Estado (sistema judiciário) do direito de propriedade privada; e – finalmente – (x) uma taxa de câmbio para países subdesenvolvidos que aumentasse e diversificasse as exportações, portanto, aumentasse a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Isto é, uma taxa de câmbio monitorada pelas autoridades monetárias, não pelas forças do mercado. Destaca-se, todavia, que esse item foi motivo de divergências internas na equipe do Consenso. (Williamson, 1992)
O CENÁRIO ECONÔMICO NO BRASIL: UMA RÁPIDA ABORDAGEM Na ocasião em que o Consenso foi discutido e apresentado ao mundo, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a economia brasileira enfrentava mais um ciclo de planos econômicos e crises que – na verdade – a deixava cada vez mais debilitada. O cenário de caos durante aqueles fatídicos anos gerava moedas e pacotes econômicos (como eram chamadas na época as medidas de correção dos rumos) que eram apresentados à população como a SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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Destaque
No Brasil os governos Sarney, Collor e FHC foram marcados por diversos pacotes econômicos.
quintessência da política econômica. Em pouco tempo, porém, uma nova moeda surgia (ou uma antiga era ressuscitada) e com ela vinha a reboque mais um plano. Um dos inúmeros exemplos do descontrole pode ser exposto da seguinte forma: em 1986, o governo substituiu o cruzeiro pelo cruzado. Em 1989, o cruzado pelo cruzado novo. Um ano depois ressurgiu o cruzeiro, que deu lugar, em 1993, ao cruzeiro real. E, com o plano do mesmo nome, em 1994, o real. (Banco Central do Brasil) O governo Sarney (19851990) foi inaugurado com o Plano Cruzado, um programa de corte da inflação lastreado em: (i) congelamento de preços de produtos e serviços; (ii) congelamento do salário mínimo e dos salários, pela média de seu valor dos últimos seis meses; (iii) alteração da unidade do sistema monetário, de cruzeiro para cruzado, com valor correspondente a mil unidades de cruzeiro; (iv) criação do seguro-desemprego; (v) câmbio fixo, com o cruzado valorizado, entre outros tópicos.4 Por falta de conhecimento técnico e pela força do marketing SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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político, os brasileiros acreditaram que seria possível manter os preços congelados por um longo período e que essa situação, portanto, os beneficiaria. Assim sendo, nos primeiros meses de 1986 o plano foi recebido com enorme entusiasmo, mas, com o passar do tempo, a realidade veio à tona: “congelar” preços é impossível em uma economia aberta, principalmente no setor de serviços. Consequentemente, produtos desapareceram das prateleiras, as reservas internacionais baixíssimas provocaram uma moratória parcial da dívida externa e o nível geral de preços trouxe de volta o processo inflacionário. Criou-se, então, mais um plano emergencial. Dessa vez, deuse a ele o nome do ministro que substituíra o anterior: Plano Bresser (em referência a Luís Carlos Bresser Pereira, substituto de Dílson Funaro). Preços e salários foram congelados por 90 dias. Em seguida, sofreram ajustes mensais e depois seguiram as leis do mercado. Moeda valorizada, taxa alta de juros e corte das despesas públicas eram outros dos seus componentes. A inviabilidade de tais medidas, somada à moratória e a pressões
populares, fez com que o governo do presidente Sarney encerrasse o ano de 1989 com uma nova moeda, o cruzado novo, e com inflação de 1.362,61%! Ou seja, após três ministros da Fazenda, dois planos e todos os custos impostos ao País, o Brasil continuava na estaca zero. Por sinal, sobre fixação de preços há uma interessante observação do austríaco Mises. Escreveu ele na década de 1950: “Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do corrente aumento de preços (...) O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador Diocleciano. Na segunda metade do século III, os imperadores romanos dispunham de um único método financeiro: desvalorizar a moeda corrente por meio de sua adulteração. Nessa época primitiva, anterior à invenção da máquina impressora, até a inflação era primitiva. Envolvia o enfraquecimento do teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, especialmente as de prata. O governo misturava à prata quantidades cada vez maiores de cobre (...) A consequência dessa adulteração das moedas e do aumento associado da quantidade de dinheiro em circulação foi uma alta dos preços, seguida de um decreto destinado a controlálos. (...) A consequência foi a desintegração do Império Romano e do sistema de divisão do trabalho”. 5 Enfim, sabe-se desde o Império Romano que o tabelamento de preços não resolve problema algum. É uma medida inócua do ponto de vista econômico e que, portanto, atende políticos populistas que esperam aprovação rápida do povo em detrimento do futuro. O primeiro presidente eleito pelo povo desde 1960, Fernando
Destaque Collor de Mello (1990-1992), inaugurou seu governo com mais um conjunto de medidas que deveriam resolver os problemas enfrentados pelo Brasil. Mais uma vez, a nação foi vítima de um plano sem pé nem cabeça, o malfadado Plano Collor. Apresentado com a típica empáfia do eleito, abrangia as seguintes medidas: (i) reintrodução do cruzeiro (extinto no Plano Cruzado); (ii) criação de uma série de tributos; (iii) sequestro dos ativos em depósito à vista e na caderneta de poupança a partir do equivalente a US$ 1200 (da época); (iv) aplicações com lastro em títulos públicos e privados (open/ over) foram limitadas ao equivalente a US$ 600 ou 25%, prevalecendo o maior limite, entre outras operações. (O governo comprometeu-se a devolver esses cruzados bloqueados em cruzeiros em 12 prestações iguais e sucessivas, a partir de setembro de 1991. Os recursos confiscados seriam corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 6% a.a. até a data da primeira devolução.) (v) privatizações, (vi) extinção de autarquias; (vii) câmbio flutuante; (viii) congelamento dos preços de bens e serviços, entre outras medidas. Como resultado, o Brasil entrou em um processo de estagflação, com mais de um milhão de desempregados e a inflação alcançando o patamar de 20% mensais. Com esse cenário, o governo viu-se obrigado a criar o Plano Collor II. Seu objetivo maior era cortar despesas públicas e o fim da correção monetária, isto é, a desindexação da economia. (Sandroni, 2005) Apesar de tudo, a inflação chegou a 2.863,90% (1990) e 429,76% (1991). O Produto Interno Bruto caiu 5,05% no primeiro ano do governo Collor e cresceu 1,03 no segundo (Banco Central). O escândalo de corrup-
ção daquele período defenestrou o presidente do poder, dando lugar ao vice-presidente, Itamar Franco.
NO CAOS BRASILEIRO, O CONSENSO DE WASHINGTON O Consenso foi criado e apresentado ao mundo – como mencionado antes – no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Ou seja, em uma ocasião em que as autoridades brasileiras estavam desbussoladas quanto aos rumos da economia, a ponto de transformar a sociedade em uma espécie de laboratório onde planos eram testados a um custo elevadíssimo para todos. A inflação destruía a transparência das contas públicas, o planejamento estratégico das empresas e cobrava um altíssimo preço da base da pirâmide social – mais suscetível à perda do poder aquisitivo. O País se transformara em um cassino derivado da emissão de títulos públicos. (É sabido que a especulação dá ao mercado liquidez, mas, naqueles anos, a especulação se sobrepôs à produção e ao investimento.) Ora, os termos do Consenso nunca foram aplicados em seu conjunto, portanto a crítica generalizada se torna absurda. Pontos há, é claro, que deviam ser reestudados e reanalisados, o próprio professor Williamson disse isso. Por essa razão é que a crítica ideologizada se torna oca, sem sustentação.
AS SUGESTÕES DO CONSENSO E O BRASIL Em relação aos gastos públicos: (i) o controle do déficit fiscal; (ii) a privatização; (iii) dar prioridade ao gasto público; e (iv) a expansão das base a ser tributada. Para Williamson, essas medidas seriam justificadas, pois go-
vernos de países subdesenvolvidos deveriam gastar menos, ao mesmo tempo em que deveriam direcionar o gasto para áreas que tivessem um retorno econômico maior e fossem efetivas em melhorar a distribuição de renda (os governos deveriam direcionar os recursos gastos em investimentos nas empresas estatais e em subsídios para áreas de saúde, educação e investimentos em infraestrutura). Além disso, como forma de aumentar os recursos para financiar esses gastos o autor indica que os governos deveriam expandir a base tributária. Essa última medida, por sua vez, não apenas aumentaria os recursos disponíveis para o investimento público, mas também aumentaria a igualdade horizontal na tributação sem – contudo – desestimular a economia, ou melhor, apenar os mais ricos. (Williamson, 1992) Em uma referência aos governos brasileiros mais recentes, todos, sem exceção, ampliaram os gastos dando pouco valor às restrições orçamentárias que se impõem a uma nação que se diz séria. O governo Lula (2003-2006), por exemplo, recebeu do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) uma carga tributária altíssima, correspondente a aproximadamente 36% do Produto Interno Bruto, e a elevou a pouco mais de 38%. Fez isso para manter gastos de custeio em detrimento dos investimentos em infraestrutura, programas sociais com forte conotação assistencialista (Bolsa Família), uma vez que acompanham pouco as famílias que dele participam e, sem dúvida, para se reeleger naquele ano. O que, de fato, aconteceu. Sobre o Bolsa Família, é importante destacar que o tema não é novo. Um dos mais brilhantes representantes do monetarismo no século XX, Milton Friedman, SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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Destaque propôs o “imposto de renda negativo”, que nada mais é que a transferência de dinheiro diretamente para o bolso dos pobres, em vez de programas pelos quais o Estado fornece produtos e serviços para aliviar a pobreza. No Brasil, porém, foi determinado que as famílias beneficiadas com o programa devessem ter crianças na escola e seguir com rigor o cronograma de vacinas. Sabe-se que os recursos têm sido liberados sem o necessário acompanhamento. (Como distribuição de renda é um dos itens do Consenso, o tema se torna expressivo também nesse paper.) Com déficit nominal (aquele que contabiliza o serviço da dívida, além de todas as despesas do governo) de 2,8% do PIB, dívida interna de um trilhão e quarenta e dois bilhões de reais (em outubro de 2006)6 e frequentes déficits nas contas da Previdência, Brasília está armando uma bomba-relógio para um futuro próximo. E, vale lembrar, para manter esse gap contábil os técnicos do
Milton Friedman propôs o “imposto de renda negativo”.
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Banco Central julgam necessário operar com a maior taxa de juros reais do mundo, a saber: Brasil, 9,3%; Turquia, 6,8%; Israel, 5,6%; China, 4,7%; EUA, 4,0%. (Taxas ao ano/outubro 2006. Fontes: Banco Central e Uptrend Consultoria Econômica) “Dívida alta, gasto excessivo com juros e baixo crescimento econômico são os fatores que excluem o Brasil do grupo dos países classificados de grau de investimento”, segundo a diretora de risco soberano da agência Standard and Poor’s (S&P), Lisa Schineller. E continua: “Um país com essa classificação tem melhor avaliação da sua economia e passa a ter acesso a grandes fontes de financiamento, como os fundos de pensão norte-americanos.” 7 Na América Latina somente o Chile e o México receberam o “grau de investimento”. Isso ocorreu porque, entre outros tópicos, ambos reduziram bruscamente seu déficit público. Em poucas palavras, desenvolvimento econômico se dá também via investimento privado, e o Brasil se transformou em uma nação nada acolhedora a esse setor. Vejamos: (i) poucas atividades econômicas remuneram no nível de juros cobrado no Brasil; (ii) a taxa de juros alta se reflete na taxa de câmbio, sendo um componente da valorização excessiva do real; (iii) por não sermos investment grade deixamos de receber poupança externa a preços competitivos; (iv) a carga tributária sobre o faturamento das empresas corresponde a 34% do PIB (a total, como foi dito, chega a aproximadamente 38%), e o retorno em infraestrutura é baixíssimo. Todos esses itens apenam o empreendedor e têm sua origem no emprego dos recursos públicos (o governo gasta mal) e no déficit público (e gasta muito). Interromper a sangria das contas nacionais é um com-
portamento sensato para quem quer ver o Brasil melhor, portanto não há nada de novo na recomendação do Consenso de Washington. É preciso entender que Estados perdulários geram crises e miséria, não riqueza e desenvolvimento. Se o Brasil tem errado no campo do déficit público, houve acertos nas privatizações. Acredito, porém, que mais organizações deveriam ser privatizadas, como o Banco do Brasil, Petrobras, Sabesp, presídios, etc. O economista André Franco Montoro disse o seguinte a respeito do assunto: “A questão das privatizações voltou ao debate político, sendo apresentada por seus críticos como um grande prejuízo para o Brasil. E quem privatiza seria um vendilhão do patrimônio nacional, mancomunado com poderosos grupos financeiros. Será isso verdadeiro? Quem foi prejudicado e quem foi beneficiado com as privatizações?” E continua: “Primeiro, o setor siderúrgico (Cosipa, CSN, Açominas, etc.). Até sua privatização essas empresas geravam grandes prejuízos e exigiam aportes do governo federal de cerca de US$ 1 bilhão por ano. Após as privatizações o setor se tornou um dos mais eficientes do mundo, a ponto de os Estados Unidos tomarem medidas protecionistas contra as empresas brasileiras.”8 Em outro artigo do mesmo jornal, a ex-presidente da CSN, Maria Sílvia, diz: “Para ilustrar, o prejuízo consolidado das empresas siderúrgicas em 1992 foi de US$ 260 milhões, enquanto seu lucro consolidado em 2005 foi de US$ 4 bilhões. (...) Na siderurgia foram investidos US$ 16 bilhões, após a privatização, em proteção ambiental, qualidade e modernização, preparando o setor para um novo ciclo de expansão da capacidade. A Vale do Rio Doce investirá US$ 4,6
Destaque
O Índice de Liberdade Econômica (ILE) apontou, em 2006, Hong Kong como a economia mais aberta do mundo.
bilhões em 2006, mais de dez vezes o valor investido em 1997. Sem mencionar a aquisição da mineradora canadense de níquel Inco, por US$ 18 bilhões. (...) A Vale, que tinha 11 mil funcionários em 1997, em 2006 tem 44 mil empregados diretos e 93 mil indiretos. Além disso, seus investimentos poderão criar mais 33 mil empregos diretos entre 2005 e 2010, além do mesmo número de empregos indiretos, ou seja, 66 mil novos empregos.” Do setor siderúrgico, a autora passa para telecomunicações. Vejamos: “A base de clientes de telefones celulares cresceu mais de 1.300%, de sete milhões em 1998 para cerca de 100 milhões atualmente.” 9 Podemos acrescentar à lista a telefonia fixa, a Embraer, estradas e bancos e, sem exceção, todos geraram resultados favoráveis aos acionistas e aos consumidores. Isto é, mais uma vez argumentos contra as privatizações, principalmente se envolverem capital estrangeiro, têm como objetivo preservar empregos daqueles que vivem à custa dessa “irmandade” chamada Estado e/ou uma forte cor ideológica. No Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano está escrito: “Agrada-nos ser ineptos com a consciência limpa. Temos prazer mórbido em nos
sentirmos vítimas de alguma exploração. Praticamos um masoquismo imaginário, uma fantasia de sofrimento. Não porque a pobreza latino-americana seja irreal – ao contrário, é bastante real para as favelas de Lima e do Rio de Janeiro, ou os casebres de Oaxaca – mas porque gostamos de culpar algum malvado por nossas carências.” 10 Outro ponto do Consenso refere-se à diminuição do controle exercido pelo Estado sobre o mercado. A saber: (v) o abandono do controle da taxa de juros, a qual passaria a ser determinada pelo mercado; (vi) a diminuição do controle sobre o comércio exterior e também (vii) sobre os investimentos diretos estrangeiros e, por fim (viii) a desregulamentação que extinguiria as leis e regras que restringem a competição entre empresas no mercado. Talvez o item principal seja o que diz respeito ao comércio exterior e à liberdade das empresas. A mais completa classificação de abertura e liberalização das economias nacionais é o Índice de Liberdade Econômica (ILE) elaborado pela Herigate Foundation11. A metodologia consiste na classificação das economias nacionais numa escala numérica de um a cinco. O índice leva em
conta 50 variáveis independentes, distribuídas por 10 fatores de liberdade econômica: comércio, carga fiscal, intervenção governamental, política monetária, investimento estrangeiro, bancos e finanças, salários e preços, direito de propriedade, regulação e mercado informal. O valor final do índice é a média aritmética entre as notas atribuídas aos dez fatores. Segundo o cálculo, as economias mais abertas do mundo são: Hong Kong (1,28), Cingapura (1,56), Irlanda (1,58), Luxemburgo (1,60), Reino Unido (1,74), Islândia (1,74), Estônia (1,75); Dinamarca (1,78), Estados Unidos (1,84) e Austrália (1,84). O Brasil ocupa a 89° posição (dados de 2006), com valor de 3,08, isto é, esse nível de nota implica uma economia “predominantemente fechada”, atrás apenas das “economias fechadas”, quando o “ILE” se encontra entre 4 e 5, como Cuba (4,10) e Venezuela (4,16). (Fonte: Jornal Valor Econômico) Estudos internacionais apontam forte correlação entre os graus de abertura econômica e os níveis de desenvolvimento humano e de liberdade política. Esse quadro é um dos fatores que deixam nítida a 69° posição do SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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Destaque País no IDH, considerado médio desenvolvimento humano. Uma reflexão interessante sobre o tema “liberdade econômica e mercado internacional” é expressa nas seguintes palavras: “Se o mercado internacional é coisa de gigantes que esmagam os fracos, por que Israel, Andorra, Mônaco, Liechtenstein, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, Luxemburgo Suíça, Curaçao, Grande Caimã e Dinamarca estão entre as nações mais ricas (e menores) do mundo?” (Manual do perfeito idiota latino-americano, pp 67/68) Vinod Thomas, economista do Banco Mundial, diz: “Mesmo levando-se em conta o grande tamanho do Brasil e de seu mercado interno, a parcela mais recente de cerca de 30% em relação ao PIB de exportação e importação de bens e serviços é relativamente baixa, comparada à parcela de 50% na China”.12 No final dos tópicos, o Consenso de Washington sugere a participação do Estado: (ix) a garantia do direito de propriedade privada se dá via Estado, através do Sistema Judiciário e; (x) é mais importante para os países subdesenvolvidos ter uma taxa de câmbio que aumente e diversifique as exportações (e assim aumente a competitividade dos produtos nacionais no exterior) do que uma taxa de câmbio determinada pelo mercado. Como o Consenso foi proposto principalmente para países latino-americanos, talvez tenha faltado aos seus criadores a reflexão de que nos anos 1980 e 1990 um dos mais preocupantes problemas de parte expressiva da região – entre eles o Brasil – tenha sido a inflação, portanto programas com forte foco na exportação, com moeda nacional artificialmente desvalorizada, provocariam ainda mais inflação, dada a retração nos níveis de importação. Outro tópico a ser destacado é o nacionalismo SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48
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existente nessas nações. Em outras palavras, a queda nas importações, devido ao encarecimento dos produtos estrangeiros, reduziria bruscamente a competitividade dos nossos produtos e, consequentemente, a penetração deles em mercados concorrenciais. Conclusão: este trabalho não tem como objetivo uma abordagem técnica sobre o conjunto de medidas proposto pelo Con-
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Como o Consenso foi proposto principalmente para países latinoamericanos, talvez tenha faltado aos seus criadores a reflexão de que nos anos 1980 e 1990 um dos mais preocupantes problemas de parte expressiva da região – entre eles o Brasil – tenha sido a inflação.
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senso de Washington. Tem, sim, como escopo mostrar que nelas não há nada do “imperialismo” de Washington, como gostam de dizer aqueles que deram a ele uma forte conotação ideológica. Um cenário econômico protagonizado pelo corte dos gastos públicos e, na melhor das hipóteses, superávit nominal, com o dinheiro público bem empregado, empresas privadas agressivas, além do mercado aberto e respeito aos contratos, é o ideal para hospedar investimentos no sentido mais abrangente do termo. Ou seja, aquilo que precisamos para crescer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS KUCZYNSKI, Pedro -Pablo & WILLIAMSON, John. Depois do Consenso de Washington: Retomando o Crescimento e a Reforma na América Latina. São Paulo, Editora Saraiva, 2004. SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do Século XXI, Rio de Janeiro, Editora Record, 2005. MISES, von Ludwig. As seis lições, Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1979. MONTANER, Carlos Alberto & MENDOZA, Plínio Apuleyo; Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2000. THOMAS, Vinod. O Brasil visto por dentro, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 2005. 1 O economista inglês John Williamson trabalhou no Ministério da Fazenda (The Exchequer) da Inglaterra e no Fundo Monetário Internacional. Foi professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade Princeton. Durante quatro anos também lecionou na PUC-Rio. Nos últimos anos, se dedicou ao Instituto de Economia Internacional, em Washington. 2 Kuczynski Pedro-Pablo; Williamson, John. Depois do Consenso de Washington: Retomando o crescimento e a reforma na América Latina. Editora Saraiva, 2004. pp 285, 286 3 Notas para um dicionário brasileiro de política, Revista Veja, Edição 1626, de 1/12/1999. 4 Maiores detalhes sobre os planos Cruzado, Bresser e Collor: Sandroni, Paulo; Dicionário de Economia do Século XXI. Rio de Janeiro, Editora Record, 2005. 5 Mises, von Ludwig; As seis lições, Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1979. 6 Fonte: Banco Central. 7 Baixo crescimento atrasa reclassificação do País. O Estado de São Paulo, 28/11/2006. 8 Montoro Filho, André Franco; Quem tem medo das privatizações, O Estado de São Paulo, 4/11/2006. 9 Marques, Maria Sílvia Bastos; Privatização - a verdade dos números, O Estado de São Paulo, 25/10/2006 10 Montaner, Carlos Alberto; Manual do Perfeito Idiota LatinoAmericano. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2000 (pp77) 11 Um think-tank estadunidense especializado em pesquisa e análise de políticas públicas. 12 Thomas, Vinod; O Brasil visto por dentro, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 2005, p40.
Livros
A atualidade de Mencken Resenha de O Livro dos Insultos, de H. L. Mencken, Ed. Companhia das Letras - SP - 1988
“A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos.” (H. L. Mencken) enry Louis Mencken foi um iconoclasta difícil de ser reduzido a algum rótulo simplista. O “Nietzsche americano” não poupava ninguém de sua ácida pena. Todos eram ridicularizados por ele, que considerava o homem médio um grande idiota e covarde. A obra O Livro dos Insultos, publicada em 1988 no Brasil, recebe agora uma segunda edição, com tradução de Ruy Castro. Trata-se de uma verdadeira metralhadora giratória, com especial valor na era da ditadura do politicamente correto. Apesar de escritos na década de 1920, seus artigos parecem bastante atuais. A idolatria que Obama despertou, por exemplo, seria material farto para a ironia de Mencken. Vejamos, por exemplo, essa afirmação: “A civilização torna-se cada vez mais histérica e babona e, especialmente sob a democracia, tende a degenerar num mero bateboca entre dementes. O único objetivo da prática política, por exemplo, é manter o povo alarmado (e, portanto, clamando por ser conduzido em segurança) por uma galeria interminável de capetas e papões, todos, claro, imaginários”. Como ler essas linhas e não pensar na histeria com o aquecimento global, que tomou conta da humanidade? Como ignorar o pânico frequente com epidemias, como a SARS, a vaca louca, a gripe suína? Até mesmo a crise econômica é utilizada para alastrar pavor nos leigos, passando-se logo em seguida o chapéu dos impostos e concentrando mais poder nos governos. Num mundo habitado por covardes, os charlatões fazem a festa. Os ataques de Mencken ao governo jamais perderão validade. Ele disse: “Todo governo, em essência, é uma conspiração contra o
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homem superior: seu objetivo permanente é oprimi-lo e manietá-lo”. Como ler isso e ignorar o que se passa no Brasil, onde a mediocridade é alçada ao patamar de deus? A meritocracia tem seus dias contados num país onde a amizade com os governantes vale mais que qualquer coisa para subir na vida. Mencken acrescenta: “Para o governo, qualquer idéia original é um perigo potencial, uma invasão de suas prerrogativas, e o homem mais perigoso é aquele capaz de pensar por si próprio, sem ligar para os tabus e superstições em voga”. Experimentem fazer declarações contra o consenso da manada hoje em dia para ver a reação da turba! Se algo mudou desde os tempos de Mencken, com certeza não foi para melhor nesse sentido. “Revoluções políticas quase nunca realizam nada de verdadeiro mérito; seu único efeito indiscutível é enxotar uma chusma de ladrões e substituí-la por outra”, escreveu Mencken. Se considerarmos a chegada do PT ao poder uma “revolução”, tais palavras não servem como uma luva? Nem mesmo todos os ladrões foram enxotados, pois muitos simplesmente mudaram de lado e se aliaram ao novo governo. Os caudilhos nordestinos, antes alvos dos mais terríveis ataques
morais dos petistas, agora são todos membros do governo, beijando as mãos do presidente Lula e seus camaradas. Para Mencken, “o governo ideal de qualquer homem dado à reflexão, de Aristóteles em diante, é aquele que deixe o indivíduo em paz – um governo que praticamente passe despercebido”. Mas ele era realista o suficiente para saber que esse ideal levará uns vinte ou trinta séculos para se concretizar, dependendo de homens tão covardes que necessitam do governo como uma espécie de pai. Os ataques ao governo continuam: “Todo governo é composto de vagabundos que, por um acidente jurídico, adquiriram o duvidoso direito de embolsar uma parte dos ganhos de seus semelhantes”. No Brasil, essa parte já chega a praticamente metade de tudo gerado pelos indivíduos. Em um país onde o discurso patético de pagar impostos para “comprar cidadania” ainda encontra forte eco, o alerta de Mencken não poderia ser mais útil: “O homem inteligente, quando paga os seus impostos, não acredita estar fazendo um investimento prudente e produtivo de seu dinheiro; ao contrário, sente que está sendo multado em nome de uma série de serviços que, em sua maior parte, lhe são inúteis e, às vezes, até prejudiciais”. Num país onde o governo financia até invasores de propriedade privada, poderíamos dizer que Mencken foi bondoso demais em sua análise. Para finalizar, demonstrando o caráter atemporal da percepção de Mencken, um sucinto resumo da situação atual brasileira: “Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”. E não é verdade? por Rodrigo Constantino Economista e escritor
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