Notas Nº 115 2009 (banco De Idéias Nº 47)

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Nº 115 - Ano 2009

ISSN 0103-8109

A V A L I A Ç Ã O

D E

P R O J E T O S

D E

L E I

LEI DOS CIBERCRIMES

T

ramita no Congresso Nacional a Lei de Cibercrimes, resultado do Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei nº 89/2003, que altera “o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, para tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares, e dá outras providências”. O Projeto de Lei, de autoria da Câmara dos Deputados, foi aprovado no Senado em seu quarto substitutivo, em 7 de agosto do ano passado. De volta à Câmara, a polêmica novamente ganha as ruas através da reação popular contra o Projeto, também conhecido como “Lei Azeredo”. HISTÓRIA LEGISLATIVA A gênese do projeto é tão tortuosa e confusa quanto seu conteúdo. Seu início foi o Projeto de Lei nº 84/1999, de iniciativa do Deputado Luiz Piauhylino. Recebido pelo Senado, ele foi reunido com

os Projetos de Lei do Senado 76/ 2000, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e 137/ 2000, do senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), por iniciativa do primeiro. No ano seguinte, ao ser apreciado pelo relator, Senador Eduardo Azeredo, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, este opinou pela rejeição do PL 84/1999 e do PLS 137/2000 e pela aprovação, na forma do substitutivo

oferecido, do PLS 76/00. Com vistas ao Senador Edison Lobão, em apenas dois dias o Senador Azeredo apresentou novo relatório com alterações na conclusão do voto, em que é favorável, na forma do substitutivo oferecido, ao PLC 89/2003, ao PLS 137/2000 e ao PLS 76/2000. Incluído em pauta, o substitutivo do Senador Azeredo foi aprovado. Remetido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tam-

bém foi aprovado, após sofrer três emendas. Passou ainda pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, dessa vez incólume. Já na Comissão de Assuntos Econômicos, sob a relatoria do Senador Aloizio Mercadante, sofreu 23 “subemendas”. Totalmente desfigurado, o projeto finalmente foi remetido a plenário, onde foi aprovado com mais 10 emendas, todas do Senador Mercadante, com apoio do Senador Azeredo, que apresentou novo relatório favorável a todas elas, sendo devolvido à Câmara. Na Câmara, foi submetido a quatro comissões: Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mais uma vez, foi realizada uma suposta audiência pública, com “lista fechada” de convidados, ainda em 2008, em muito semelhante à lista dos que compareceram à audiência realizada pelo Senador Azeredo no Senado em 2007. REAÇÃO CONTRA O PROJETO Apesar dos poucos resultados obtidos junto à Câmara e ao Senado para a mudança do Projeto de Lei ou seu veto, visto que confirmadas sua constitucionalidade e adequação legislativa pela Comissão, a reação da sociedade civil continua. Uma petição online chegou a reunir mais de 140 mil assinaturas pelo veto da Lei de Cibercrimes. Após a realização da audiência pública em 2008, o Deputado Julio Semeghini, relator do projeto na Câmara, reuniu-se com represen-

tantes da sociedade civil e se comprometeu a evitar que artigos que dificultassem o uso de redes abertas e invadissem a privacidade fossem aceitos. Em 2009 o Senador Azeredo passou a ser Presidente da Comissão de Relações Internacionais e articulou alianças com setores da Polícia Federal e do Judiciário.

“O ARTIGO 2º DO

PROJETO CRIA O ARTIGO 285-A, A SER INSERIDO NO CÓDIGO PENAL, TORNANDO CRIME O ACESSO MEDIANTE VIOLAÇÃO DE SEGURANÇA, REDE DE COMPUTADORES, DISPOSITIVO DE COMUNICAÇÃO OU SISTEMA INFORMATIZADO, PROTEGIDOS POR EXPRESSA RESTRIÇÃO DE ACESSO.”

Porém, o movimento contrário à “Lei Azeredo” vem recebendo o reforço de elementos do Governo Federal, como o Ministro da Justiça, Tarso Genro, que no último dia 25 de abril encaminhou à Câmara uma consulta feita por diversas entidades civis sobre o risco de “criminalizar práticas comuns na internet, proibir as redes abertas, legalizar a delação, inviabilizar sites de conteúdos colaborativos, encarecer ações de inclusão digital e atacar frontalmente a privacidade, os direitos e as liberdades individuais”.

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MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO O projeto cria ou altera tipos penais ou condutas passíveis de serem punidas como crimes, com penas que variam de um a quatro anos de reclusão, através de sua inserção no Código Penal (artigos 2º a 9º do Projeto de Lei). Também são feitas mudanças semelhantes no Código Penal Militar (artigos 10º a 15 do Projeto de Lei). O artigo 2º do Projeto cria o artigo 285-A, a ser inserido no Código Penal, tornando crime o acesso “mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso”. Ainda que alguns setores se oponham a este artigo, entendemos que a expressão “mediante violação de segurança” afasta do tipo penal o uso de redes abertas, garantindo assim seu livre uso. O mesmo artigo cria ainda o artigo 285-B, que criminaliza o ato de “obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegido por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível”. Este dispositivo possui o potencial de criminalizar práticas comuns e perfeitamente legais dentro da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/ 1996), como a cópia de material existente em sites e seu uso em conformidade com a legislação preexistente. Trata-se, na verdade, de uma extensão à proteção conferida pela lei de direitos autorais, feita de maneira imprópria,

travestida de proteção contra cibercrimes. Com isso, obras autorais existentes na internet recebem proteção suplementar, maior do que as obras existentes em outros meios, eliminando as hipóteses de uso justificado de obra alheia, independente da autorização do titular, que a Lei de Direitos Autorais contempla. O artigo 16 do Projeto de Lei apresenta definições de termos utilizados na lei. Com certeza não é o melhor lugar para fazê-lo, devendo ser seguida a técnica americana, onde os termos são definidos antes de qualquer menção aos mesmos. Ali encontramos definições de: dispositivo de comunicação; sistema informatizado; rede de computadores; código malicioso; dados informáticos; e dados de tráfego. Ainda que se possam apontar imprecisões nas mesmas, nada é muito grave. A mais importante, que merece ser aqui repetida, é a de dados de tráfego, posto que útil para a compreensão do artigo 22: “todos os dados informáticos relacionados com sua comunicação efetuada por meio de uma rede de computadores, sistema informatizado ou dispositivo de comunicação, gerados por eles como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando origem da comunicação, o destino, o trajeto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo do serviço subjacente”. Entre as leis ordinárias, o Projeto de Lei altera a Lei nº 7.716, que define os crimes resultantes do preconceito de raça ou de cor. O artigo 20, §3º, III, passa a incluir na sua redação as transmissões eletrônicas ou publicação em qualquer meio, permitindo ao juiz

determinar, ainda no curso do inquérito policial, a retirada de material da internet que pratique, induza ou incite “a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. O projeto de lei altera ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), através de seu artigo 20, que altera o artigo 241 da referida Lei, para constar: “apresentar, produzir, vender, receptar, fornecer, divulgar, publicar ou armazenar consigo, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias, imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente.” O texto proposto acrescenta novas figuras típicas ao texto existente, mas, no tocante à internet, a mudança na redação não se faz necessária, posto que a lei já se referia a “fotografia, vídeo ou outro registro”, não importando o seu meio de armazenamento. O que se tem, na verdade, é uma verdadeira mudança na legislação sobre pornografia infantil, com acréscimo de múltiplas condutas, inseridas indevidamente em uma lei que deveria tratar somente de cibercrimes. No tocante à investigação dos cibercrimes, esta se transfere para a Polícia Federal, “quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme” ao inserir o inciso V na Lei nº 10.446/2002, com a seguinte redação: “os delitos praticados contra ou mediante rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado”. O efeito real é que quase todos os crimes praticados mediante rede

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de computadores passam a ser de competência da Polícia Federal, na medida em que a internet, em especial, não segue as fronteiras estaduais em suas comunicações, sendo natural a existência de repercussão interestadual ou internacional. Talvez o ponto mais polêmico do projeto de lei seja o artigo 22, que cria obrigações para os responsáveis pelo provimento de acesso à rede de computadores. O que não se restringe aos provedores de acesso à internet, mas a toda e qualquer forma de comunicação por via eletrônica, posto que o projeto define rede de computadores como “o conjunto de computadores, dispositivos de comunicação e sistemas informatizados que obedecem a um conjunto de regras, parâmetros, códigos, formatos e outras informações agrupadas em protocolo”. O artigo 22, ao criar a obrigação de guarda de registros de acesso por três anos, traz dois problemas práticos. Primeiro, novos custos a todos aqueles que, de alguma forma, provêem acesso, sem indicar a fonte de receita, posto que o custeio parcial por parte do FISTEL não consta mais da redação do projeto (os provedores de acesso já guardam esses registros por três meses). Essa obrigação é geral, incluindo desde empresas de telecomunicações que vendem serviços de acesso à internet, universidades que possuem laboratórios de informática e acesso sem fio, cybercafés, empresas que permitem acesso à internet para seus funcionários no local de trabalho e até os usuários que deixam suas redes sem fio domésticas abertas, estando

excluídos da proteção contra uso indevido mencionada art. 285-A do Código Penal. O artigo abrange ainda as próprias iniciativas do Governo em inclusão digital, como telecentros e redes abertas. Mais do que a obrigação de guardar os dados, que implica compra de equipamentos e custos de armazenamento, o Projeto cria a obrigação de fornecer esses dados quando solicitados e notificar possíveis crimes. Isso requer a existência de pessoal especializado para essas tarefas, agravando o problema dos custos criados pela lei. Nos serviços pagos, são custos a serem transferidos aos consumidores. Nos serviços gratuitos, são custos a serem suportados pelo governo ou entidades civis como universidades, associações e clubes. E, nos casos dos indivíduos que permitem acesso às suas redes privadas por desejo de compartilhar, as novas obrigações levam ao fim dessa liberalidade. Está previsto ainda, no § 1º, o estabelecimento, por regulamento, de regras para o armazenamento dos dados e uma auditoria sobre os mesmos a serem definidos por regulamento. O mesmo regulamento deve definir a autoridade responsável por essa auditoria. Tudo isso aumenta a incerteza jurídica, na medida em que mero regulamento pode definir condições técnicas de armazenagem incompatíveis com a atividade desenvolvida pelo particular ou de alto custo, inviabilizando o provimento de acesso, em especial quando este não é o negócio principal. E, em caso de descumprimento, há multas que podem chegar a R$200 mil.

INDIVIDUAIS E DA LIVRE

legislativa e o verdadeiro pavor da internet que parece ocupar o Congresso Nacional criam também projetos que beiram o ridículo. O Projeto de Lei nº 3.369/2008, do Deputado Carlos Bezerra, visa tornar “obrigatória a inserção nos vídeos dos monitores dos computadores comercializados no país a advertência de que o uso indevido do computador pode gerar infrações que sujeitam o usuário à responsabilização administrativa, penal e cível”. Como acontece com qualquer outro bem, seja ele uma faca de cozinha, um baldinho de praia ou um trator. Mas nenhum deles vem com o alerta de que o mau uso pode gerar responsabilização.

NECESSIDADE DE LEIS

CONCLUSÃO

OUTROS PROJETOS Ainda em tempo, NOTAS alerta que este não é o único projeto sobre o tema, apesar de ser o que se encontra com a tramitação mais avançada. O Projeto de Lei do Senado nº 494/2008, de autoria do Senador Magno Malta, nascido na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia, partilha dos mesmos

“NOTAS REFORÇA SUA CONSTANTE DEFESA DAS LIBERDADES INICIATIVA, BEM COMO A QUE IDENTIFIQUEM E PUNAM CORRETAMENTE OS CRIMINOSOS, PARA A MANUTENÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E DA PAZ SOCIAL.”

vícios de impor obrigações irrazoáveis à atividade privada, impedindo tanto fornecedores quanto consumidores de realizar suas atividades regulares pela criação de custos extras, tanto diretos quanto de transação. Cria também o vigilantismo privado, tratando como criminosos os particulares que se negarem a cumprir a atividade estatal de polícia. E autoriza a entrega de cadastros à polícia e ao ministério público sem autorização judicial. Além de inconstitucionais e restritivos à liberdade, a verborragia

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NOTAS aproveita esses casos para lembrar que uma regulamentação indevida da internet é duplamente prejudicial. Por um lado, nos coloca no caminho de regimes totalitários, como Cuba, Irã e China, onde o uso da internet é restrito e vigiado. Por outro, cria limitações ao acesso que recaem, em especial, sobre as camadas mais pobres, aumentando a exclusão digital e impedindo que o país ingresse na chamada “sociedade da informação”. NOTAS reforça sua constante defesa das liberdades individuais e da livre iniciativa, bem como a necessidade de leis que identifiquem e punam corretamente os criminosos, para a manutenção do estado de direito e da paz social. Como a “Lei Azeredo” não permite alcançar nenhum desses objetivos, NOTAS defende o veto ao Projeto de Lei nº 89/2003.

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