Globo Repórter – PEDRAS PRECIOSAS 21/08/09 DIRCEU MARTINS Ametista do Sul (RS)
Brasileiro descobre pedra rara no quintal de casa Uma só formação reúne seis variações de cristais. Peça, de duas toneladas, tem qualidade jamais vista, segundo geólogo.
De um lado, uma ponte inacabada. Do outro, uma estradinha empoeirada de terra – único acesso até uma cidade simples e tranquila. Mas embaixo da terra está escondido um tesouro: a maior jazida do mundo de ametista, uma pedra preciosa. O município de Ametista do Sul, no noroeste do Rio Grande do Sul, é o maior produtor mundial da pedra que, na região, está por toda parte: nas lojas, nas paredes da igreja e, principalmente, nos sonhos dos moradores. No friozinho gaúcho, a família Tressi está de pé logo cedo. No fogão a lenha, a artesã Claraci Tressi prepara o café da manhã. O garimpeiro Miguel Tressi, marido dela, revela o que pensa quando acorda: "Geralmente, penso em garimpar e achar uma pedra que renda bem". Volta e meia, ele acha uma. Cada pedra é um cômodo a mais na casa. "A história da cozinha é assim: eu achei uma pedra, fui à loja e comprei o material. Eu mesmo construí", conta o garimpeiro. Quanto mais ele acha pedras, maior a casa fica. E a igreja também vai ficando cada vez mais abençoada, graças aos fiéis que tiram o sustento nas minas. Por fora, a Paróquia de São Gabriel, padroeiro da cidade, é uma construção como outra qualquer. Mas, por dentro, a decoração deve ser a única do planeta. As paredes são cobertas de ametistas. São 40 toneladas de pedras. A pia de batismo é uma concha de ametista gigante. A campanha para revestir a igreja durou cinco anos. "Era algo emocionante. Muitas vezes, via aquelas mãos calejadas, de pessoas sofridas, mas que
traziam com amor e alegria. Diziam que era pouco, mas de coração, para colocar na parede da igreja", lembra o padre Gilberto Giacomoni. Tanta fé e disposição sustentam a pequena cidade gaúcha. Ao todo, 95% da economia giram em torno da pedra preciosa. O garimpo dá o sustento. Em compensação, arrasta os jovens para os subterrâneos da cidade. Andrei Tressi, filho de Miguel e Claraci, acaba de completar 18 anos e já entrou na profissão. Para a mãe, uma mistura de preocupação e orgulho. A mina fica a poucos minutos da casa da família Tressi. É um buraco na encosta da montanha. A galeria começou a ser aberta há 22 anos. Os garimpeiros só conseguem avançar de dois a três metros por mês. Hoje ela já tem 350 metros de profundidade. É lá que está enterrada a esperança de Miguel. O trabalho deles é encontrar a pedra que a natureza escondeu há milhões de anos. O garimpeiro conta que um ventilador joga ar limpo para dentro da mina. Mesmo assim, o ar é meio pesado. "A gente já não estranha mais", diz Miguel. Quanto mais avançamos, mais vai ficando abafado e perigoso, porque é um labirinto de antigas jazidas já exploradas. No túnel apertado, carrinhos levam para fora a parte que não interessa: uma montanha de pedras nada preciosas e muito pesadas. Trabalho duro, resolvido na broca e no braço. Para vencer a rocha, Miguel fura e enche o buraco de pólvora. É o momento mais tenso e perigoso. Antes de explodir, Miguel tira o capacete. Tempo de pedir proteção. Logo depois da explosão, ele mostra os geodos encontrados. Geodo é a parte oca da rocha com o cristal de ametista dentro. É o que eles tanto procuram. Deram sorte. "Foi um tiro de sorte", avalia Miguel. Mas o jovem filho dele não parece tão animado. "O trabalho é perigoso. O cara sempre tem um pouco de medo. Eu queria ver se conseguia outra profissão, trabalhar em uma firma. Queria deixar o garimpo", conta Andrei. Mas, mesmo na terra do tesouro, não existem muitas opções, e a necessidade fala mais alto. Em outra mina, ali perto, os garimpeiros acabam de descobrir uma ametista gigante. É um casulo de um 1,8 metro, do tamanho de um homem. Os três trabalharam mais de oito horas. A pedra já havia sido cortada e estava quase solta. O geodo de ametista visto por fora chega a ser feio, ainda mais coberto de lama. A beleza só aparece quando a pedra é cortada ao meio. Do garimpo, a pedra vai para uma oficina. No fundo da mina, o cheiro de óleo diesel do carrinho torna o trabalho ainda mais penoso. Depois de milhões de anos escondido pela natureza, o cristal brilha pela primeira vez. Quanto mais escuro o tom de lilás mais valiosa a ametista. As ametistas e outros tipos de cristais se formaram há cerca de 120 milhões de anos, quando uma intensa atividade vulcânica cobriu de lavas uma extensa área no sul do Brasil. Quando esfriou, a lava endureceu e deu origem ao basalto, uma rocha escura. No interior de alguns tipos de basaltos ficaram aprisionadas bolhas gasosas, que deram origem aos geodos em suas várias formas. Os garimpeiros calculam que a ametista vá render R$ 5 mil para eles. É pouco, diante de tanto trabalho, e quase nada, se comparado com o valor da pedra nas joias vendidas no mundo inteiro. Foi-se o tempo em que esposa de garimpeiro ficava em casa ou trabalhava na roça. Há três anos, a Cooperativa Ametista Solidária é uma opção de renda na cidade, com pouca chance de emprego. A cooperativa trabalha quase sempre com pedras desprezadas pelos garimpeiros. São pedras que
eles encontram, mas acabam jogando fora. É o talento dos artesãos que transforma lascas e cascalhos quase sem valor comercial em joias. A artesã Claraci Tressi, mulher de Miguel, faz colar. "A gente plantava milho, feijão, soja. Lá o serviço era pesado e agora é bem leve. Só é difícil fazer a montagem e o acabamento da joia", conta. A artesã Shaina Winques vem de uma família de garimpeiros. Ela se emociona ao falar do pai, que trabalha nas minas desde os 12 anos. "Eu tenho orgulho de dar acabamento nas pedras que meu pai encontra. Ele faz um trabalho duro, e dar um retorno para ele é uma satisfação muito grande", diz. A cooperativa também emprega ex-garimpeiros, vítimas da silicose, uma doença causada pela poeira aspirada no trabalho das minas. A silicose diminui a elasticidade dos pulmões, por isso, é conhecida popularmente como pulmão de pedra. "Na realidade, a gente adquire silicose no garimpo por falta de informação. No meu caso, foi isso", conta o presidente da cooperativa, Alcione Batista. A doença chegou a atingir 20% dos garimpeiros da cidade. O Ministério do Trabalho apertou a fiscalização e exigiu que as minas se modernizassem, principalmente no sistema de ventilação e no uso de água nas brocas, para evitar o pó. Muitos garimpos estão interditados, até que cumpram as normas. Outro problema é para o meio ambiente. "Em alguns casos, o rejeito da mineração chega a fechar córregos. Mas nosso trabalho junto à cooperativa e aos proprietários de garimpo é para que isso não ocorra", explica o engenheiro de minas Anderson Oliveira. Existem dois projetos de reaproveitamento do rejeito. "O primeiro é usar o rejeito para encascalhar estradas de chão vicinais ao município. O segundo é aproveitar o rejeito moído para remineralizar o solo, jogando em alguns cultivos como parreiras, cítricos, milho, soja", adianta Anderson Oliveira. A cidade onde a riqueza aparece do nada está construída sobre uma imensa rede de túneis. As escavações do garimpo avançam quilômetros por baixo da terra. Bem embaixo dos pés, pode ser que algum garimpeiro esteja trabalhando. É comum ouvir o barulho e até sentir em casa o tremor das explosões, mas ninguém reclama. No fundo, todo mundo tem a esperança de um dia encontrar um tesouro no quintal. E isso já aconteceu, bem na casa do comerciante Alcedir dos Santos. O homem de sorte mostra o local exato da descoberta. Alcedir guarda em casa a peça especial: duas toneladas, 13 cabeças e seis variações de cristais. São todos os minerais encontrados em Ametista do Sul em uma só formação. "Eu quero R$ 500 mil por essa peça. Depois que cair nas mãos de alguém com um certo interesse, não sabemos quanto pode valer. É única, jamais foi encontrada uma peça desse porte na região", diz Alcedir. O Globo Repórter mostrou imagens da pedra para o geólogo Jürgen Schnellrath, do Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro. "Realmente, é um exemplar extremamente interessante. Eu nunca tinha visto algo parecido. Já vi diversos geodos de ametista. Mas não nessa formação específica – com todos esses geodos de alguma forma interconectados, apresentando qualidades diferentes do seu preenchimento. Com certeza, nunca mais irá ser encontrada uma pedra com o mesmo tamanho e qualidade. É realmente espetacular", avalia. "Eu acho que isso é sorte, foi um presente de Deus", comenta Alcedir, que não pretende vender a casa onde mora.
Pedra brasileira vale mais que diamante Turmalina paraíba foi descoberta há 20 anos, em São José da Batalha (PB). Pedra tem um azul único e um brilho incomparável.
Serra da Borborema, região do cariri paraibano. A imensa cordilheira que corta a caatinga tem muito mais do que beleza. Na região foi descoberta a mais especial e rara das pedras preciosas: a turmalina paraíba. De um azul único, brilho incomparável, alcançou valores nunca imaginados. Um recorde: a turmalina brasileira superou a cotação dos diamantes. Um caminho de terra e poeira é a ligação da cidade do tesouro com o resto do mundo. Em São José da Batalha, o berço das turmalinas, nada mudou com a descoberta das pedras tão valiosas. O povoado segue a rotina sem pressa e sem novidades. Os moradores apenas assistiram a riqueza ser levada para bem longe do local. As turmalinas permanecem nas histórias que alimentam muitos sonhos na região. "Muita gente teve pedras valiosas na mão", conta o ex-garimpeiro Antônio Carlos Costa. "Uma pedrinha dessas custa de R$ 8 a R$ 10 mil. Não me desfaço dela. Fica como lembrança, para as pessoas verem o que eu faço na vida. Pelo menos fica para os netos, bisnetos, tataranetos. E a história continua", diz o ex-garimpeiro Gerlado Oliveira. Os moradores guardam mágoa de um passado em que a riqueza esteve bem perto, ao alcance das mãos deles. Mas naquele tempo a turmalina paraíba não tinha o valor que tem hoje. "Ninguém sabia o valor, entoa, trocava por moto, carro. E assim mandaram tudo para fora", conta Geraldo Oliveira. E é atrás da história de persistência e obstinação que se vai ao encontro do garimpeiro José de Souza, conhecido por Deda. Dá para imaginar que o homem que ocupa uma casa tão modesta já morou na melhor casa da cidade? Ele já foi dono de caminhões, de um bom carro, de minas de garimpo. Tudo comprado com o dinheiro das turmalinas que achou. Mas hoje a cobiçada pedra azul não passa de um retrato na parede. "Não tenho ideia de quanto a pedra valeria hoje, mas eu não entregaria a ninguém por menos de R$ 2 milhões. Tenho esperança de que vou conseguir outra", diz Deda, que vai em busca da pedra da
fortuna. A caminhada é longa. São seis quilômetros até a mina. Basta seguir por um túnel. O garimpeiro não teve dinheiro para pagar a energia e tem que trabalhar no escuro, à luz de velas. A mina tem 150 metros de extensão. "Na realidade, dá para ver o mínimo. Mas não tem outro jeito", conta o garimpeiro, que não tem medo de perder a turmalina no meio da escuridão. "Trabalhamos de olho nela". Não importa se é dia ou noite, o caçador solitário de turmalinas cava sem parar. A maratona continua empurrando o carrinho. De carregamento em carregamento, todo o material é retirado de dentro da mina. São toneladas de cascalho. O rejeito da mina cobriu toda a encosta do morro. Deda conta que são oito anos de suor no local. "Meu pensamento fica em Deus", diz. Caulim é uma argila branca, onde os garimpeiros encontram as turmalinas. Na primeira mina de turmalina da região, uma galeria gigantesca está desativada. Exploração agora, só com máquinas. "É impossível calcular, mas, pela experiência que temos, ainda não foram explorados 10% dessa mina", conta o minerador Sérgio Barbosa. As galerias têm passagens para todos os lados e chegam a 60 metros de altura. E pensar que a mais rara das pedras preciosas foi encontrada em uma região marcada pela aridez, em uma terra considerada pobre, que não serve para plantar. A primeira turmalina paraíba foi descoberta a sete metros de profundidade, 20 anos atrás, graças à obstinação de um homem: Heitor Barbosa, que o Globo Repórter foi conhecer em Belo Horizonte, Minas Gerais. Heitor Dimas Barbosa é o dono da mina de São José da Batalha. Todas as pedras que ele guarda vieram de lá. Com orgulho, mostra revistas estrangeiras onde é citado como o homem que descobriu a raríssima turmalina paraíba, em 1982. Era tão bonita e diferente que até comerciantes de joias achavam que não era verdadeira. "Falavam que era sintética", lembra Heitor Barbosa, que não desistiu. Enviou amostras do mineral ao Gemological Institut of America, nos Estados Unidos, que comprovou: era uma turmalina com cobre e manganês na composição, o que dá o azul especial. Heitor Barbosa diz que não ficou rico porque vendeu as pedras por valor muito baixo e aplicou todo o dinheiro na mina de São José da Batalha, mas garante que ainda vai enriquecer. "Eu tenho uma convicção muito forte de que ainda vou encontrar uma pedra acima de três quilos", diz. A mina do tesouro, em São José da Batalha, fica em uma região onde não existem empregos. Homens arriscam a vida diariamente nas profundezas da terra. O local de trabalho do garimpeiro José Tadeu Taveira fica a 60 metros de profundidade. O jeito é colocar o capacete e encarar uma escada. "Não tem perigo", garante Tadeu, que enfrenta esse expediente todo dia. Os garimpeiros trabalham sempre em dupla: um retira o caulim com a picareta e o outro recolhe com a pá. É também uma medida de segurança. Em caso de desmoronamento, um pode socorrer o outro. "O perigo está sempre por perto", diz José Tadeu.
Mais perto do que se imagina. Durante a entrevista, uma barreira desabou. "Na época da chuva é perigoso porque dá infiltração e começa a desabar", explica José Tadeu. O desmoronamento foi em uma parede. Por precaução, as escavações estão suspensas nas galerias mais profundas. O professor José Adelino Freire, do Departamento de Minas da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), alerta: o garimpo de São José da Batalha é uma atividade arriscadíssima. "Quem trabalha lá corre risco de morte. Acho que a universidade deve atuar nessas áreas e orientar os garimpeiros para que eles façam uma exploração mais racional", diz o professor. O garimpeiro Geone de Sousa escapou de morrer graças ao colega que estava com ele e foi buscar socorro. "Caiu uma barreira quando eu estava embaixo, suspendendo a bomba. Quando escutei o barulho, não deu tempo de correr. Caiu por cima de mim. Eu quebrei o fêmur em dois lugares", conta Geone, que retornou ao trabalho com oito pinos na perna e contando com a proteção divina.
Minas criam empregos em um dos lugares mais pobres do Piauí Opala muda a vida de famílias e movimenta a economia de Pedro II. Cuidado com a segurança e com o meio ambiente são novidades para os garimpeiros.
Carnaubeiras a perder de vista. Cenários naturais belíssimos. No norte do Piauí fica o município de Pedro II, mais conhecido como a cidade das opalas. As minas de tesouro mudaram o destino dos moradores. Isso é que é pedra preciosa! A opala, rainha das cores, gera empregos, sustenta famílias e movimenta a economia de uma cidade inteira. Esse mineral que fascina joalheiros do Brasil e do mundo é encontrado, com alta qualidade, em apenas dois lugares do planeta: na Austrália e no Piauí. A riqueza era explorada no passado por grandes mineradoras, que deixaram prejuízos ambientais gigantescos. Há quatro anos, 150 garimpeiros fundaram uma associação e legalizaram 90% dos terrenos, onde
catam o que sobrou para ganhar a vida. E estão ganhando. Eles encontram opala no rejeito desprezado pelas mineradoras 40 anos atrás. "No lixão todinho tem opala", garante um garimpeiro. Sorte mesmo, porque muitos garimpeiros morreram cavando as minas de opalas da região. Placas sinalizam os novos tempos: "proibido morrer". O cuidado com a segurança e com o meio ambiente são novidades. "Hoje em dia temos que trabalhar respeitando o meio ambiente. Vamos retirando o que aproveitamos e compactando para fazer reflorestamento. Não degradamos mais de maneira desordenada como era feito no passado", assegura o presidente da cooperativa dos garimpeiros, José Cícero Oliveira. Quase todos os garimpos da região são a céu aberto. Mas não é porque as opalas aparecem na superfície. Primeiro são usados os tratores, que cavam buracos imensos, e só depois os garimpeiros começam a trabalhar. A frente de lavra, como eles chamam, tem dez metros de profundidade por cem de comprimento. Nas camadas coloridas de terra e argila, os garimpeiros usam a alavanca em busca das opalas. "O material é sensível. Com a picareta não dá certo, porque pode quebrar tudo. Já perdemos opala por causa da picareta. Uma pedra pode mudar a vida de todo mundo, dependendo da quantidade, do tamanho. Todos estamos no garimpo atrás dela", diz o garimpeiro Ednaldo Silva. A maior de todas as opalas foi encontrada por Raimundo Galvão, o seu Mundote, ex-garimpeiro que hoje é empresário. A opala de 4,75 quilos está no Museu de História Natural de Londres. Há 34 anos, as opalas não tinham o valor que têm hoje. Seu Mundote vendeu barato e fiado a pedra preciosa. "Não tinha valor nenhum. Hoje eu não queria uma pedra daquela, porque não preciso daquele tanto de dinheiro. Hoje, R$ 1 milhão é pouco para aquela pedra", avalia o ex-garimpeiro. Encontrar uma pedra grande, de muito valor, é o que move homens simples, que vivem da agricultura na época da chuva e correm pro garimpo durante a seca. Cada garimpo tem um acampamento: uma espécie de base de apoio improvisada, onde eles fazem as refeições e também descansam nos momentos de folga. Eles levam para o acampamento o jeito de viver na roça. Um dos pratos preparados pelo cozinheiro Antônio Freire é o baião-de-dois com ossada de boi caipira. Ele foi cozinheiro em São Paulo e voltou para trabalhar no garimpo. Melhor para os garimpeiros, que devoram o prato do dia. Na cidade, os reflexos do garimpo: nas ruas de casas coloniais preservadas, as joalherias e oficinas se multiplicam. Nos últimos quatro anos, a produção de jóias aumentou seis vezes. Pedro II soube usar as opalas para melhorar a vida dos moradores. Jovens que antes teriam que ir embora para arrumar emprego hoje vão de moto para o trabalho. Jardel Medeiros viu três irmãos partirem para tentar a vida em cidades grandes. Ele aproveitou a oportunidade e se tornou joalheiro. "Eu comecei quando não tinha nem bicicleta. Depois, comprei uma bicicleta e fui melhorando. Em seguida, comprei uma moto, casei, construí uma casinha, mobiliei. Hoje estou bem estruturado. É bastante gratificante ter essas conquistas na vida", ressalta o lapidário, que aprendeu o ofício com um mestre de mão cheia. Juscelino Araújo Souza foi
lapidário. Hoje é empresário e vende joias para o país e o exterior. Ele é testemunha da transformação que aconteceu em Pedro II. "Durante muito tempo as opalas foram extraídas no município e comercializadas em estado bruto ou algumas apenas lapidadas. A grande mudança foi quando resolvemos investir na produção de joias, na transformação de produtos para o turismo local e também para a venda em outras cidades, ganhando mercado pelo país", conta o empresário. Mais de 1,5 mil empregos foram gerados e o dinheiro das pedras passou a circular na cidade. Outro pioneiro deu um novo uso às opalas. Benedito de Souza, o Bené do Tucum, criou joias usando um coquinho da região cravejado com as pedras preciosas. Ele virou um grande exportador. "Acima de 100 mil peças já foram feitas e comercializadas com opala e tucum", conta o empresário. Nada se perde. Caquinhos recolhidos no garimpo se juntam em pequenos mosaicos e formam joias multicoloridas. Uma marca de Pedro II. É assim, aproveitando cada pedacinho, cada oportunidade, que o município lucra com as opalas.
Rei dos diamantes relembra os tempos do garimpo Mineiro volta ao lugar onde se tornou um milionário. Júlio Bento descobriu mina no Vale do Jequitinhonha. Pedras eram escondidas dentro de uma panela no acampamento.
No coração de Minas Gerais fica um lugar que já foi procurado por bandeirantes, aventureiros, e cobiçado por impérios. A história está nas ruas, nas casas, na alma da cidade, que tem no nome a riqueza e o destino de pedra: Diamantina. Ninguém sabe ao certo, mas calcula-se que da região tenham saído mais de 600 quilos de diamantes. E também de lá saíram outras pedras que se transformaram em joias belíssimas que ainda hoje brilham pelo mundo inteiro. Quase três séculos de mineração deixaram marcas e mitos. "Júlio Bento foi quem tirou mais diamantes. Ele até achou que era castigo tanto diamante", conta o empresário Fábio Nunes. "Na região, o rei do diamante é Júlio Bento", confirma o taxista Sandoval Ribeiro, o Juca.
Júlio Bento, o rei do diamante, não gosta de revelar a idade, mas dizem que ele já passou dos 80. Fala menos ainda quando se trata de fortuna. Afinal, ele continua rico ou não? Seu Júlio voltou à Diamantina para mostrar o garimpo onde achou a primeira de muitas e muitas pedras valiosíssimas. Um tesouro encontrado justamente na região de Minas Gerais famosa pela pobreza, o Vale do Jequitinhonha. A estrada é de terra, mas, naquele tempo, nem ela existia. Seu Júlio abriu as primeiras picadas e passou com uma tropa de mulas. De um trecho em diante, só com tração nas quatro rodas. Depois de uma hora de solavancos, chega-se ao local. Foi em um trecho do Rio Pinheiro que seu Júlio passou os primeiros cinco anos no garimpo. Depois da investida dos bandeirantes, no Período Colonial, Diamantina viveu, na época de seu Júlio, uma segunda febre do garimpo. No começo dos anos 80, Diamantina chegou a ter mais de 30 mil garimpeiros. Só em uma mina trabalhavam 250 homens. Os diamantes que saíam da região espalhavam riquezas pelo Brasil inteiro e por outros países do mundo. Mas tudo isso tem um custo para a natureza: onde o garimpo chega, a paisagem muda. Areia que foi parar no meio do rio saiu de outro garimpo que ficava um pouco acima. O leito do rio também foi desviado. Os muros construídos pelos garimpeiros ainda estão de pé. Seu Júlio volta a explorar o lugar, desta vez, para garimpar a própria história. Dois quilômetros adiante, um reencontro com o passado. O velho garimpeiro descobre o acampamento onde ele e os colegas passavam as noites. "Ficou tudo do jeito que era porque a pedra protege. A comida era carne, arroz, feijão, verdura", lembra seu Júlio. O homem que cozinhava para os garimpeiros hoje é chefe de cozinha em um restaurante de Diamantina. Mas, naquele tempo, Luiz Lobo – o Vandeca, como ainda é conhecido – tinha outra função, da maior importância: esconder os diamantes que seu Júlio tirava do rio. "Seu Júlio confiava tanto em mim que eu tinha na cozinha uma panela que se chamava panela do segredo. Nem os cunhados dele sabiam onde eu guardava os diamantes. Eu guardava dentro de uma panela. Eu colocava as garrafas de diamantes e os pacotes de macarrão e de sal em cima, para que ninguém desconfiasse do que estava ali dentro. Ninguém nunca descobriu", afirma Vandeca. Hoje seu Júlio vive em São Paulo. Além de não falar se ficou rico, ele não revela, nem mesmo, a quantidade de diamantes que extraiu. Mas, de repente, tira do bolso uma recordação dos velhos tempos: um diamante de quase cinco quilates. "Há mais de 20 anos eu guardo", conta. Tantas lembranças deixam os olhos do velho garimpeiro brilhando como as pedrinhas que ele tanto procurou. "Dá vontade de chorar", diz seu Júlio, emocionado.
Energia nuclear muda a cor e multiplica o preço de cristais Com tecnologia, quartzo é transformado em ametista. Lapidário revela como destaca a beleza de pedras brutas.
Em busca da perfeição. Será que é possível mudar a cor e a beleza dos cristais? É sim, com energia nuclear e criatividade de artista. Em Minas Gerais encontram-se, em cidades vizinhas, dois homens que se dedicam a essa transformação. Em Lagoa Santa, Walter Ferreira trabalha com as mãos. Na capital, Belo Horizonte, o professor Fernando Lameiras e sua equipe bombardeiam cristais com raios gama. Os alquimistas nunca conseguiram fazer ouro. Mas, em Belo Horizonte, os cientistas conseguem mudar a cor e multiplicar o preço dos cristais. Na mão deles um quartzo vira uma ametista. A transformação acontece no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear de Minas Gerais. A técnica foi descoberta na Alemanha, na década de 40, e aprimorada no Brasil. Cristais claros, sem cor, ganham tons de que vão do amarelo ao azul. O primeiro passo é selecionar o cristal certo. Nem todos mudam de tonalidade. Mas o Brasil desenvolveu a tecnologia mais avançada do mundo para avaliar a composição química dos minerais e assim saber se a pedra vai ou não ganhar cor. Aí entra o poder da energia nuclear. O laboratório é cercado de medidas de segurança. Para acionar a cápsula radioativa é preciso primeiro digitar no computador a senha que desbloqueia o sistema. Pablo Grossi é o responsável pela segurança do laboratório e um dos únicos que têm acesso à chave da câmara de irradiação, onde as pedras mudam de cor. Só é permitido entrar no local com o sistema desligado. Mesmo assim, nos corredores que levam à cápsula, é difícil esquecer que estamos a poucos metros de uma perigosa fonte radioativa. "A fonte de radiação fica um metro abaixo do solo. É uma fonte de cobalto 60. Quando ela é exposta, sai de sua blindagem de chumbo e fica em uma região onde os produtos são irradiados e todo o processo ocorre. Ela fica dentro de um cilindro, que serve para proteger o material radioativo que está lá dentro", explica Paulo Grossi.
Para mudar de cor, os cristais ficam expostos à radiação de três dias a dois meses. Os cientistas explicam que o processo não deixa nos minerais nenhum resquício de radioatividade. O que muda mesmo é o valor da pedra. "No Brasil, costuma sair pedra em um estado que vale muito pouco, cerca de R$ 20 o quilo. Bruta e sem cor. Uma pedra que já está bruta e colorida pode chegar a valer R$ 2 mil o quilo", explica Fernando Lameiras. Walter Ferreira faz parte de um grupo de artistas cada vez mais raros. A lapidação artesanal de joias vem diminuindo muito no Brasil. Quase sempre as pedras são exportadas em forma bruta e lapidadas no exterior, geralmente na Ásia, onde a mão-de-obra é mais barata. Walter resiste. Começou a trabalhar aos 11 anos e nunca mais parou. Para ele, toda pedra é preciosa. O lapidário acha que só ajuda a revelar a beleza que ela sempre teve. "Quanto à forma, eu só obedeço. A pedra é que me mostra o seu formato. Eu enxergo formatos dentro das pedras. Se eu não puder por meu trabalho em uma pedra com respeito, eu não ponho. Porque temos que respeitar a natureza", diz Walter. A lapidação do quartzo consome a tarde inteira. Mas, antes de o sol se por, a peça fica pronta. Apesar das incertezas da profissão, Walter nunca pensou em desistir. "Sou apaixonado por pedras, pela natureza e por minha profissão", afirma. A mesma paixão que levou o ex-garimpeiro Júlio Bento para Diamantina, o dono de mina Heitor Barbosa para a Paraíba, e que alimenta, todo dia, o sonho dos garimpeiros Miguel Tressi, Deda, Valdemar Bilibil e tantos outros. O sonho de encontrar a felicidade em uma pedra. Para eles, uma pedra mais do que preciosa.
FONTE: http://g1.globo.com/globoreporter/0,,LS0-16627-74267,00.html