INDÚSTRIA NAVAL
A crise financeira e económica global e a Construção e Reparação Naval: que futuro? Ventura de Sousa Secretário geral da AIM
A construção e reparação naval é uma actividade a montante do transporte marítimo e este está na base do desenvolvimento económico. A situação económica e financeira destes sectores e a sua evolução está assim fortemente interligada. A actividade de transporte marítimo está em crise, mas os analistas dividem-se quanto à sua profundidade e duração. Aconselha-se prudência na decisão de grandes investimentos infraestruturais
A
A construção e reparação naval acompanha
mais importantes. Num estaleiro como a
em Junho de 2008, atingiram um mínimo de
a evolução da procura de transporte, com
Lisnave, vocacionado para a reparação de
20.000 dólares/dia em Novembro de 2008.
desfasamento no tempo e esbatimento ou
petroleiros de grande porte existe uma forte
As taxas de afretamento cresceram nos dois
aprofundamento da amplitude do ciclo eco-
correlação entre as taxas de frete deste tipo
últimos meses, mas ainda é pouco prová-
nómico, dependendo de factores estruturais
de navios e o seu volume de negócios. In-
vel que se tenha iniciado uma nova fase de
específicos, como por exemplo, a excessiva
teressa por isso o estudo das taxas de frete
crescimento.
oferta de capacidade de docagem. A crise
deste tipo de navios.
Se o afretamento de navios continuar a cair,
financeira teve como efeito positivo provo-
Pode-se observar o carácter cíclico das ta-
certamente iremos assistir a um efeito acen-
car o cancelamento de projectos de novos
xas de frete de petroleiros, com picos em
tuado da crise no sector da construção e
estaleiros e redução de capacidades em
1998, 2001, 2005 e Junho de 2008. Neste
reparação naval.
várias Regiões do mundo, em particular no
ano, as taxas de afretamento de um VLCC
Extremo Oriente.
(very large crude carrier) desceram de
Qual a situação actual?
A crise financeira e económica é global, com
90.000 dólares/dia em Junho para 55.000
Existe uma grande diversidade entre os
graves consequências para o emprego. Há
dólares/dia no final do ano. Na primeira se-
estaleiros portugueses, em termos de di-
que tomar medidas específicas para minimi-
mana de Fevereiro de 2009, desceram para
mensão e tecnologias, que vão desde a ma-
zar as suas consequências, em particular,
50.000 dólares/dia e a dúvida está em saber
nutenção dos navios mercantes de grande
os constrangimentos à competitividade que
quando e qual o valor da cava do ciclo.
porte, ou construção de navios sofisticados,
a seguir se identificam e que exigem a ade-
Um armador pode aproveitar uma fase des-
como é o caso dos estaleiros da Lisnave e
quação de políticas públicas de apoio, que
cendente do ciclo para efectuar a manuten-
Viana do Castelo, até á manutenção dos na-
adiante se aprofundam.
ção dos seus navios e em teoria, a exten-
vios da Marinha portuguesa no Arsenal do
A construção e com maior relevo a repara-
são da manutenção dependerá da liquidez
Alfeite, ou ainda, a construção de pequenas
ção naval, gozam de vantagens competiti-
gerada e das expectativas quanto ao futuro.
embarcações de pesca ou de recreio.
vas, que advêm da situação geográfica do
A continuarem a cair as taxas de frete, cer-
A nível nacional, segundo informação dispo-
país, do clima, qualificação da mão-de-obra
tamente se repercutirá o efeito na procura e
nibilizada para o ano de 2007 (Informação
e tradição, que não podem ser desperdiça-
nos resultados da Lisnave.
Empresarial Simplificada), existiam 219 em-
das. Acresce que este sector pode contribuir
A actividade de transporte de petróleo não
presas inscritas na actividade de construção
para atenuar os efeitos da crise, dada a sua
é tão sensível à evolução económica como
e reparação naval, representando 5.637 tra-
vocação exportadora e elevado valor acres-
a actividade de transporte de granéis. Exis-
balhadores e um volume de negócios de 607
centado (da ordem dos 50 % na reparação
te mesmo uma forte correlação entre o PIB
milhões de euros. Os estaleiros associados
naval).
mundial e o transporte de granéis. Vejamos
da AIM embora representando apenas 7,3
então a evolução das taxas de frete deste
% em número de empresas, representam
Que futuro?
tipo de navios.
31,2 % em número de trabalhadores e 45,0
A procura de reparação naval depende de
Os graneleiros tipo Capesize, por exemplo,
% em vendas.
diferentes indicadores do transporte marí-
cujas taxas de afretamento a 12 meses re-
A construção e reparação de embarcações
timo, sendo a taxa de afretamento um dos
gistaram um pico de 162.500 dólares/dia
metálicas, atingiu um volume de negócios
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INDÚSTRIA
INDÚSTRIA NAVAL
de 469,3 milhões de Euros, correspondendo a 77,3 % do volume de negócios total. Este sector tem uma forte componente para a exportação tendo atingido 267,2 milhões de Euros, 79,3 % dos quais em construção e reparação de embarcações metálicas (219 milhões de euros), 5,3 % nas não metálicas e 15,4 % nas embarcações de recreio e desporto (41,4 milhões de euros). A exportação de embarcações de recreio e desporto embora represente 15,4 % do volume de negócios total, correspondeu a 71,1 % do seu total de vendas. A análise da informação disponibilizada pelo INE permite evidenciar que o volume de negócios deste sector cresceu acima da indústria transformadora e que os associados da AIM cresceram acima do respectivo CAE. A construção naval cresceu a uma taxa anual de 10,7 %, segundo dados do INE, estimando a AIM taxas de crescimento superiores para 2007 e 2008, se os resultados evoluírem de modo idêntico ao dos associados da AIM. Que expectativas? Num inquérito ao sector os dados já recebidos permitem concluir, numa primeira apreciação, que o volume de negócios em 2008 para a reparação naval vai crescer.
Construção e reparação de embarcações Volume de negócios em 2007 (milhões de euros e %)
Do mesmo modo também vai crescer para a construção naval. Para 2009, as expectativas dos empresários é de preocupação, contudo, consideram que à economia mundial, por agentes que lhe
Metálicas
57,9; 9,5%
vai depender da evolução conjuntural criada
Não metálicas
79,8; 13,2%
Recreio e desporto
deveriam ser estranhos. As expectativas para a reparação naval em 2009 são ligeiramente melhores do que para
469,3; 77,3%
a construção. Qual o papel da AIM? A Associação das Indústrias Marítimas (AIM) é a associação nacional que representa as
ç
p
ç
ç
Quota de Exportação em 2007
empresas de construção e reparação naval. Tem por isso obrigação de estimular a inovação e a competitividade do sector, tendo participado em vários projectos do anterior quadro comunitário de apoio e incentivado
60%
as PME do sector em participar em projectos
40%
investimento de modernização e inovação.
20%
Para o período 2009/2010, a AIM participa em dois projectos, no âmbito do Programa Transnacional Espaço Atlântico 2007-2013.
71,1%
80%
45,1%
44,0% 17,8%
0% Metálicas
Não
Recreio e
metálicas
desporto
Total
INDÚSTRIA
31
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PME, na tipologia Projecto Conjunto, tendo identificado como interesse dos associados
Volume de Negócios (milhões de euros)
investimentos nos factores dinâmicos da 2004*
Indústria Transformadora
71398
2005*
2007/ 2004 anual
competitividade, Qualidade, Ambiente, Economia Digital e Eficiência Energética e na Internacionalização. A AIM está a apoiar associados que não
5,2
319
352
11,1
10,3
0,44%
0,46%
Centro, irá permitir ao sector beneficiar de
8,6
4,9
uma majoração dos incentivos aos projectos
212
240
273
15,8
13,2
13,8
Taxa de Variação (%)
7,7%
2006/ 2004 anual
2,4 287
0,40%
2006/ 2004
76908
Taxa de Variação (%) CAE 351/ Ind.Transf.
2007
73103
Taxa de Variação (%) CAE 351 - Construção Naval
2006*
3,8%
participam nos projectos conjuntos, a concorrerem individualmente ao SI à Inovação 22,6%
10,7%
e ao SI I&DT. A participação da AIM nas candidaturas aos Clusters Regionais nas Regiões Norte e
inseridos naqueles Clusters, bem como poAssociados AIM
183
Taxa de Variação (%)
Fonte: INE Sistema de Contas Integradas das Empresas e Relatório e Contas da AIM.
Pretende-se com estes projectos defender os interesses relativos ao nosso sector, em particular as pequenas empresas de construção tradicional em madeira e a industria auxiliar de construção e reparação naval. Um dos projectos, com o acrónimo DORNA, pretende criar uma ferramenta que ajude a conservação do património histórico das embarcações tradicionais em madeira e dos estaleiros que os construíram. O outro projecto, com o acrónimo AUX-NAVALIA é dirigido para a inovação e competitividade da indústria auxiliar de construção naval. Serão realizados diversos eventos de promoção para os dois projectos, que passarão por conferências nacionais e internacionais, exposições e uma regata de embarcações tradicionais. A AIM participa nas duas candidaturas a Clusters regionais nas regiões Norte e Centro, no quadro das Estratégias de Eficiência Colectiva do POFC do QREN. Estas EEC constituem um conjunto integrado de acções que visam a inovação e qualificação ou modernização de um conjunto de empresas, o desenvolvimento de economias aglomeração e cooperação, o fomento do trabalho em rede entre empresas e outros actores relevantes, tais como associações empresariais, centros de IDT, de assistência tecnológica e de formação. Consciente da importância do QREN no apoio à gestão e melhoria da competitividade das empresas, a AIM vai candidatarse ao SI à Qualificação Internacionalização 32
INDÚSTRIA
31,1%
14,5%
14,3%
der concorrer a incentivos em investimentos produtivos, de criação, modernização, reestruturação e requalificação.
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Como ultrapassar os constrangimentos No inquérito efectuado aos estaleiros continuam a identificar-se como principais constrangimentos à competitividade dos estaleiros, o crédito ao financiamento, seguida da falta de trabalhadores especializados, que um dos associados afirma não encontrar nem em Portugal nem no mercado europeu. A concorrência proveniente dos estaleiros espanhóis foi identificada por vários estaleiros de dimensão PME como uma primeira prioridade.
vação na Construção Naval (em vigor nos
timento estrangeiro e a formação de alian-
As PME do sector estão sujeitas a constran-
estaleiros da UE);
ças estratégicas entre empresas do sector,
gimentos condicionadores de um ambiente
• Adequar o regime de concessões e licen-
com vista à junção de esforços e recursos
favorável ao seu desenvolvimento. Estes
ciamento à exploração da actividade.
de I&D e à especialização dos produtos;
constrangimentos constam de um Memoran-
A AIM defende uma política para o sector,
• Incentivar o reforço da colaboração entre
do enviado em Janeiro de 2006 a Sua Exa. o
baseada numa abordagem que vise reforçar
empresas e universidades, para o desenvol-
Senhor Secretário de Estado Adjunto, da In-
a competitividade, em particular:
vimento de um centro tecnológico e de ciên-
dústria e Inovação (SEAII), considerando-se
• Disponibilizar apoios e incentivos financei-
cia para a indústria naval.
que o Estado deve proporcionar ao sector
ros dirigidos à inovação, nomeadamente de
• Maior eficácia no funcionamento dos mer-
condições equitativas de concorrência no
tecnologia e design, para ganhar nichos de
cados laborais, incluindo a formação profis-
mercado internacional, em particular:
mercado marcados pela alta tecnologia, in-
sional.
• Promover a utilização de fontes alternati-
corporação de conhecimento e inovação, e
Para que os objectivos expressos sejam
vas de financiamento.
não pelo factor preço;
atingidos é determinante a adequação de
• Promulgar o Regulamento de Apoio à Ino-
• Criar condições para a captação do inves-
políticas públicas de apoio ao sector.
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