O futuro adiado da agricultura africana
SUMÁRIO
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A agricultura em África continua sem produzir o que devia. E podia. Mas é preciso enfrentar décadas de políticas erradas, milhares de milhões de investimento e o envolvimento da comunidade internacional. O desafio é grande, mas só triplicando a sua produção o continente consegue vencer as dificuldades alimentares. Nicole Guardiola, Miguel Correia, Fernando Pacheco e Alves da Rocha
Três eleições simultâneas em Moçambique A nova ponte do rio Zambeze uniu mais Moçambique, numa altura em que Armando Guebuza, Afonso Dhlakama e Daviz Simango correm para a Presidência. A 28 de Outubro os moçambicanos votam também para as legislativas e assembleias provinciais. Leonardo Júnior
Amazónia intranquila
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44 Apresentada como o coração do mundo, a Amazónia vive dias atribulados. Um vazio de poder em vastas regiões, a ocupação irregular de terras, a contínua desflorestação e a violência fazem deste vastíssimo território um alvo de diversas disputas. Alfredo Prado
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África21
Luís Cardoso, Luis Ruffato, Mário Murteira, Mário Pinto de Andrade, Mia Couto, Odete Costa Semedo e Pepetela Fotografia Agência Angop, Agência Lusa, Arquivo África21, Arquivo Digiscript, Fernanda Osório, Jornal de Angola e Ruth Matchabe Publicidade em Angola Movimídia Gestão e Comercialização de Meios Rua Frederico Welvitch, n.º 82 Bairro do Maculusso — Luanda, Angola
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O reencontro A visita de Zuma a Angola deu início a uma nova era nas relações bilaterais. As duas economias podem contribuir para que a África Austral seja a locomotiva do continente. Maria Pons
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AOS LEITORES
ENTREVISTA
A agricultura africana e os perdedores
Raimundo Pereira
Os guineenses podem entender-se
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Fernando Jorge Pereira 48 GUINÉ-BISSAU
Os sinais da mudança 52 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Melhoria nas ligações 54 EUA-ÁFRICA
Fernando Jorge Pereira internas e externas Juvenal Rodrigues
Visita de Hillary Clinton cria expectativas Itamar Sousa 68 CPLP
Estatuto do Cidadão Lusófono e livre circulação João Carlos 76 HONDURAS
O golpe de Estado que ninguém reconheceu Manrique S. Guardim 90 AFROBASKET 2009
Angola ganha com facilidade Jonuel Gonçalves
Crónicas
39 PEPETELA 47 ODETE COSTA SEMEDO 51 GERMANO ALMEIDA 61 LUIZ RUFFATO 71 CORSINO TOLENTINO 96 JOÃO MELO
Rubricas
10 ANTENA21 72 INSUMOS 80 LIVRO DO MÊS 83 CULTS 86 LIVROS, MÚSICAS e FILMES 95 I&D CAPA: Digiscript
Escravatura
A ONU classifica o comércio de escravos de crime contra a humanidade Nicole Guardiola
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Presidente interino da Guiné-Bissau
O continente africano tem recursos naturais, energéticos e matérias-primas, de todo o teor, em abundância. Apesar da extrema violência que ainda permanece, sobretudo alimentada por movimentos radicais (Corno de África, Nigéria ou República Democrática do Congo), na última década vários foram os conflitos armados que se extinguiram. Esta é uma das razões para o crescimento acelerado da população continental, que deverá atingir, em 2020, 1400 milhões de pessoas, mais 500 milhões que os actuais 900 milhões. Com muitas regiões deficitárias em produtos agrícolas, os problemas de segurança alimentar agravam-se e as legiões de subnutridos podem vir a crescer em espiral. Mas o que também não falta em África é muita terra disponível que continua a estender-se com o fluxo de população rural para as grandes urbes. Tal facto contribui para um fenómeno analisado pelo nosso colaborador Alves da Rocha: o comércio internacional de terras africanas de aptidão agrícola por países compradores, situados num patamar superior de desenvolvimento em relação aos africanos, que se defrontam com grande dependência do mercado mundial em bens alimentares essenciais. Países como a República da Coreia, China, Japão, do Golfo arábico, ou até africanos, como Líbia e África do Sul, que (dizem as estimativas), terão comprado até finais de 2008 sete milhões de hectares a países terceiros. Em África, na lista dos principais vendedores deste novo comércio internacional – impulsionado pelas multinacionais do agro-alimentar e pelos próprios Estados – surgem Sudão, Uganda, República Democrática do Congo e o Congo. À grave situação da agricultura e às carências alimentares em África, acrescem os efeitos das alterações climáticas. O continente mais pobre do mundo, mas que apenas contribui com dois por cento na degradação ambiental planetária, é o que mais sofre. Por isso, a proposta que saiu da reunião da Comissão da União Africana, em Adis Abeba, e de que se fez porta-voz o seu presidente Jean Ping, não deve surpreender ninguém. Reclamar na cimeira de Copenhaga, em Dezembro próximo, aos países mais industrializados, 67 mil milhões de dólares por ano como compensação pelo impacto do aquecimento global. O início destes pagamentos foi apontado para 2020. Será?
Carlos Pinto Santos
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ENTREVISTA
Raimundo Pereira, Presidente da República interino da Guiné-Bissau
Os guineenses podem entender-se Cerca de uma semana antes da investidura do novo Presidente guineense, o chefe de Estado cessante indicou que o diálogo e a defesa dos interesses nacionais é que lhe permitiram ultrapassar os complicados desafios enfrentados no cargo
Fernando J. Pereira
Fernando Jorge Pereira
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ÁFRICA21. Que balanço faz do seu mandato? Raimundo Pereira. Após estes seis meses nestas funções, vou retomar o meu cargo de Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), com a consciência do dever cumprido. Assumi a Presidência interina em circunstâncias trágicas. A Guiné-Bissau acabara de ser surpreendida por dois acontecimentos que abalaram a sociedade. Apesar dos obstáculos e dificuldades de vária ordem, conseguimos transpor as sucessivas etapas, a começar pela marcação da data das eleições, que acabaram por decorreram num clima de tranquilidade. Qual foi o seu maior desafio? Gerir o período a seguir às mortes do general Tagmé e do Presidente Nino, ou garantir a realização das presidenciais antecipadas? Cada um desses momentos teve a sua particularidade. Após as mortes do general Tagmé e do Presidente Nino era necessário fazer baixar a tensão existente, o clima de suspeição instalado. Para isso, tive de dialogar com os principais actores da vida política e com a classe castrense. Comecei com reuniões separadas com a sociedade civil, partidos políticos e com as chefias militares. Depois tive novos encontros com todos, incluindo a comunidade religiosa. Foram reuniões marcadas, no início, por uma certa tensão, em que tive inclusive de incentivar as pessoas a intervirem. Felizmente, acabou por se desenrolar uma discussão acalorada, e não faltaram troca de acusações entre políticos e militares. Mas a tensão atenuou-se, instalou-se um
diálogo frutífero e a desconfiança cedeu lugar àquilo que todos reconheceram ser essencial naquela fase, isto é, o diálogo permanente. A marcação da data das eleições tinha, à partida, duas dificuldades. Primeiro, era preciso ultrapassar o jogo partidário porque os partidos da oposição fizeram um bloco para fazer passar os seus interesses e pontos de vista, enquanto o partido no poder também tinha a sua visão. Segundo, era necessário ultrapassar a incompatibilidade de regimes que existia entre a Constituição e a Lei Eleitoral. A Constituição previa a realização de eleições em 60 dias, enquanto a legislação eleitoral estabelecia um regime para eleições em período normal, sendo necessários 90 dias para o escrutínio e 120 caso haja segunda volta. Mais uma vez, através do diálogo com todas as forças políticas e depois de longas reuniões, foi escolhido por consenso a data da ida às urnas. Outro momento crítico foi manter a data das eleições, apesar do assassínio de um dos candidatos. É verdade, porque havia partidos que inicialmente hesitavam entre manter ou alargar a data. Mas perguntei-me a mim mesmo o que era prioritário para a Guiné-Bissau naquele momento. A resposta para mim não podia ser outra, porque nessa altura o país estava suspenso à espera da escolha do novo Presidente. Era urgente retomar a normalidade constitucional. Não podia deixar perdurar uma situação de incertezas e riscos. Por isso, decidi pela manutenção da data, não obstante uma situação que não fa-
vorecia em nada a manutenção do clima de tranquilidade. Os partidos da oposição consideram que revelou défice de diálogo na nomeação provisória da cúpula militar. Penso que não têm razão. Se sempre os auscultei em questões importantes, porque não o fazer nesta matéria? O que se passou foi que, em vez de convocar todos os partidos, preferi dialogar com os líderes dos partidos com assento parlamentar, e no caso dos partidos sem representação parlamentar, ouvi os coordenadores, e após lhes ter explicado a intenção de nomear as chefias castrenses interinamente, até à tomada de posse do novo Presidente, e as razões porque não podia continuar a adiar a decisão num sector sensível como é o das Forças Armadas. Todos deram a sua anuência. A discordância surgiu depois, entre eles, quando foram prestar contas. Tentaram forçar a situação, mas já era tarde, porque já tinha tomado a decisão. Alguns analistas são de opinião que as instituições republicanas permanecem sob tutela militar. Acho que qualquer analista atento concordará comigo de que as Forças Armadas tiveram muito protagonismo nos últimos anos. Provam-no as crises político-militares. Será isso suficiente para dizer que as instituições republicanas estão sob tutela dos militares? Penso que não. Mas é certo que os militares influenciaram bastante o curso dos acontecimentos na Guiné-Bissau nos últimos anos. África21– setembro 2009
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O país não podia
ficar suspenso
à espera da escolha de um novo Presidente numa situação de incerteza e riscos
”
Nunca se pronunciou sobre a questão da vinda da força de estabilização africana? Foi uma questão que não me foi colocada. Mas os guineenses devem saber ultrapassar as suas diferenças. A forma como tudo correu mostra que é possível os guineenses entenderem-se pelo diálogo permanente, que coloque os interesses da Guiné-Bissau acima de tudo. A cimeira da CEDEAO* de Abuja devia pronunciar-se sobre o envio de um contingente militar a Bissau. Este assunto não esteve sequer agendado para a cimeira. Por isso não houve qualquer decisão. * Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
Com que impressão ficou da imagem da Guiné-Bissau junto dos seus interlocutores estrangeiros? Depois dos acontecimentos de 1 e 2 de Março a imagem do país não era boa. As pessoas não compreendiam como foi possível o que aconteceu. Mas a nossa presença nas reuniões, os esclarecimentos e a reafirmação do nosso compromisso de romper com o passado violento, combater a impunidade e o pedido às organizações internacionais para nos ajudarem a desvendar esses acontecimentos permitiu mudar essa impressão inicial. Concorreu à nomeação do seu partido como candidato presidencial. Isso não entrava em contradição com as suas funções? Não, porque felizmente na Guiné-Bissau as eleições são organizadas por um órgão autónomo. A Lei guineense tem muitas lacunas no que toca às eleições presidenciais. Que aspectos merecem melhoria? A nossa Constituição e a Lei eleitoral precisam de actualização. Foram feitas
ADVOGADO, JORNALISTA, PRESIDENTE Professor nas zonas libertadas do Centro-Norte da Guiné durante a luta pela independência, Raimundo Pereira, terceiro Presidente interino guineense, teve uma carreira política precoce e sempre ascendente. É o segundo vice-presidente do PAIGC, força no poder, em cujas fileiras entrou com 17 anos. Na abertura democrática é eleito para a direcção do partido, com 36 anos. Estreia-se na governação em 1994, como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, e foi ainda ministro da Administração Territorial, da Justiça e dos Transportes e Comunicações. Antes de substituir, a 3 de Março último, o chefe de Estado Nino Vieira, assassinado por militares, Raimundo Pereira, advogado formado em Portugal e ex-jornalista, natural de Bissau (50 anos), foi eleito presidente do Parlamento em Dezembro último.
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em contextos diferentes. A Lei eleitoral, por exemplo, não contempla a situação de eleições antecipadas. A ANP vai convocar uma conferência de reconciliação nacional. Esta iniciativa pode estabilizar o país? Sim. Vai na linha daquilo que tenho vindo a defender. De facto, não podemos ignorar a triste realidade da Guiné‑Bissau desde a independência. É preciso conhecer as causas dos conflitos e crises. Só depois disso é que poderemos fazer uma verdadeira reconciliação. Apresentei a ideia ao sub-secretário geral da ONU para os Assuntos Políticos, o norte-americano B. Lynn Pascoe, quando veio a Bissau em Junho. Concordou e admitiu apoiar a sua realização. O que não conseguiu fazer, que gostaria de ter realizado? Modernizar a Presidência. Não pode continuar a funcionar sem um estatuto, como se fosse um departamento governamental. Se tivesse tempo, teria criado estruturas próprias para combater uma certa improvisação que ainda se verifica.
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Escom inaugura arranha-céus no Kinaxixi
QUANTIDADE DE CARBONO EMITIDO EM ANGOLA A quantidade de carbono e outros gases nocivos emitidos por Angola para a atmosfera, entre 1995 e 2005, vai ser divulgada em 2010, na Primeira Comunicação Nacional (PCN). «Nesta PCN vamos trabalhar com dados referentes aos anos passados, e na segunda vamos procurar actualizar» a informação, afirmou Abias Huango, coordenador do projecto. O metano e o óxido nitroso, gases provenientes essencialmente da indústria, transportes e agricultura, vão também passar a ser controlados e os dados da quantidade emitida igualmente divulgados. A informação foi divulgada à margem do seminário de formação «Elaboração de Inventário de Efeito de Estufa», realizado em finais de Agosto, e que permitiu aos participantes adquirir formação que lhes possibilita elaborar o referido estudo. Com 102 metros de altura e 24 andares, o Edifício ESCOM, com inauguração a 22 de Setembro, é o mais alto de Luanda, e constitui a primeira fase do conjunto de quatro prédios que o Grupo Escom está a construir no bairro do Kinaxixi, no quadro do seu programa Sky Center. «O edifício destina-se a várias actividades, entre elas a comercial, com lojas no primeiro piso; serviços administrativos (do segundo ao 18.º andar) e habitações (do 19.º ao último anel)» explicou o director-geral da Escom, Hélder Bataglia, que precisou que toda a área posta à venda, a um preço de 7500 dólares por metro quadrado, foi comprada e ocupada antes da inauguração oficial. Construído em 48 meses, pela Teixeira Duarte, com projecto concebido pelos arquitectos Cristina Salvador e Fernando Bagulho, do Atelier do Chiado, o prédio custou 135 milhões de dólares. A Escom tem distribuídos pelas províncias do Zaire, Benguela e Luanda projectos em curso com 1600 mil metros quadrados de construção, com um investimento de três mil milhões de dólares.
CABO VERDE INVESTE NO KWANZA SUL O Governo cabo-verdiano criou uma sociedade anónima para explorar e gerir um terreno agrícola posto à sua disposição pelas autoridades angolanas. À sociedade, com um capital social inicial de 455 mil euros (652 mil dólares) integralmente subscritos pelo Estado de Cabo Verde, compete elaborar, aprovar e executar os planos estratégicos e de gestão para desenvolvimento agro-pecuário e de turismo rural no terreno situado na província do Kwanza Sul.
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NOVA MISSÃO DA NATO CONTRA A PIRATARIA A NATO aprovou uma nova missão de combate à pirataria no Corno de África, designada por Escudo Oceânico, que será chefiada pelo Comando Aliado Conjunto da NATO Lisboa, cabendo ao quartel-geral de Northwood, do Reino Unido, executar o controlo táctico no dia-a-dia. A operação beneficia da experiência adquirida com a missão anterior contra a pirataria e irá assistir os Estados que o solicitarem a desenvolver as suas próprias capacidades de combate às actividades de pirataria. «Este elemento da operação está desenhado para complementar os esforços internacionais e irá contribuir para uma solução de segurança marítima duradoura no Corno de África», refere o comunicado. As forças navais que vão garantir a operação são as unidades que integram o Standing NATO Maritime Group 2 (SNMG2), as quais incluem a fragata britânica HMS Cornwall, a fragata italiana ITS Libeccio, a fragata grega HS Navarinon, o contra-torpedeiro norte-americano USS Donald Cook e a fragata turca TCG Gediz.
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Timor-Leste tornou-se o quinto Estado‑membro da CPLP a ratificar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Segundo o gabinete do ministro português da Cultura José Pinto Ribeiro, a decisão do Governo de Díli foi transmitida numa reunião de trabalho realizada em Lisboa, a 2 de Setembro, com o ministro timorense da Educação João Câncio Freitas. Timor-Leste junta-se assim ao Brasil, Cabo Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe. Angola e Guiné-Bissau prevêem a ratificação do Acordo para 2010. Moçambique ainda não agendou a decisão de o ratificar.
STEPHEN MORRISON/lusa
Timor-Leste ratifica Acordo Ortográfico
A GUERRA ACABOU NO DARFUR? Rodolphe Adada e Martin Luther Agwai, responsáveis máximos, civil e militar, da missão conjunta da ONU e da UA (MINUAD) na região garantem que a guerra terminou no Darfur. Esta afirmação é qualificada de «provocação» pelas ONG, mas apoiada por dados recolhidos no terreno. Desde o início do ano, os confrontos interétnicos no Sul do Sudão causaram mais vítimas mortais do que a violência no Darfur. A situação está, no entanto, longe da normalização nas províncias ocidentais do Sudão e nas regiões fronteiriças do Chade e da República Centro-Africana, onde 2,7 milhões de refugiados e deslocados continuam sem poder regressar às suas aldeias de origem. O Presidente Barack Obama parece partilhar a convicção da ONU e da UA, dando agora prioridade aos programas de estabilização, reconciliação e reconstrução das regiões mais afectadas pelos conflitos internos sudaneses, a mais longa das guerras civis africanas, dado que não conheceu praticamente interrupções desde antes da independência, em 1956. Todas as atenções estão agora viradas para as eleições legislativas de Fevereiro próximo e para o referendo sobre a independência do Sul do Sudão, previsto para 2011.
O presidente da Comissão da União Africana (UA) defende que África deve envolver-se activamente nas negociações sobre as alterações climáticas, para que os seus interesses sejam tidos em consideração na altura de elaborar respostas globais. Jean Ping pronunciou-se no âmbito da reunião de líderes e peritos africanos sobre alterações climáticas, que se realizou na sede da UA, em Adis Abeba, em preparação para a cimeira que a ONU convocou para debater o tema em Dezembro, em Copenhaga. Fontes próximas na reunião da capital etíope, citadas pela Lusa, adiantaram que os líderes de África pedirão às nações industrializadas 67 mil milhões de dólares por ano em compensação pelo impacto do aquecimento global no continente mais pobre do mundo. No caso de ser aprovada, a resolução pedirá que os
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LUSA
ÁFRICA EXIGE COMPENSAÇÃO PELO IMPACTO DO AQUECIMENTO GLOBAL
Jean Ping
pagamentos anuais comecem em 2020. Os peritos dizem que África contribui muito pouco para a emissão de gases com efeito de estufa responsáveis pelo aquecimento global mas, provavelmente, será o continente mais afectado pelas secas, inundações e aumento no nível dos mares que se antecipam se as alterações climáticas não forem controladas. Jean Ping disse que «as aspirações africanas de desenvolvimento estarão em perigo, a menos que se adoptem medidas urgentes para enfrentar os problemas das alterações climáticas». Ao enumerar os efeitos nocivos que o fenómeno arrastará para África, o presidente da Comissão da UA considera que «a alteração climática afectará fundamentalmente a produtividade, aumentará a incidência das doenças e a pobreza e desencadeará conflitos e guerras». Uma das maiores pontes africanas
NÚMEROS
47 milhões
Cerca de dois mil militares sul-africanos foram despedidos pelo Ministério da Defesa por terem participado a 26 de Agosto numa manifestação em Pretória que deu lugar a actos de vandalismo e confrontos com a polícia. Entre dois e três mil soldados não fardados mas armados de paus e catanas tinham respondido à convocatória do Sindicato Nacional da Defesa (Sandu) para exigir um aumento de salários de 30% junto à sede do Governo. A manifestação, não autorizada, foi violentamente dispersada pela polícia que utilizou balas de borracha e canhões de água. A ministra da Defesa, Lindiwe Sisulu, afirmou que o Sandu, com 18 mil filiados, «representa um problema sério e imediato para a segurança nacional» e avisou que os desordeiros seriam «erradicados das fileiras das forças armadas». O sindicato interpôs recurso junto do Tribunal Supremo e pede a demissão da ministra, apoiado por outro sindicato de soldados, o Sasfu, que reivindica 13 mil membros. O Governo de Jacob Zuma está determinado a impedir que o descontentamento social, que já esteve na origem de manifestações em Julho em vários musseques da
DR
AGITAÇÃO NOS QUARTÉIS SUL-AFRICANOS
de turistas visitaram o continente africano em 2008, 5% do total dos 922 milhões de entradas internacionais de turistas de todo o mundo
7000
número actual de ogivas nucleares operacionais dos Estados Unidos (2700) e da Rússia (4300), que chegaram a ser mais de 70.000 nos anos 80
302
militares da NATO, dos quais 179 norteamericanos, morreram no Afeganistão desde o início do ano até 31 de Agosto
200 Lindiwe Sisulu, ministra sul-africana da Defesa
capital, alastre aos quartéis. Os militares queixam-se de que o pré, de pouco mais de 150 dólares, não lhes permite garantir a subsistência das famílias num contexto de crise económica agravado pela recessão. A África do Sul é o único país africano que consagra os direitos sindicais dos militares, incluído o recurso à greve.
UNIÃO EUROPEIA COM NOVA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO A União Europeia apresenta, este mês, novas propostas sobre a política de imigração, numa altura em que se multiplicam no Mediterrâneo os dramas com refugiados. As propostas, confiadas ao comissário para a Justiça, Jacques Barrot, centram-se na política dita de «reinstalação», que visa a transferência de refugiados acolhidos no Mediterrâneo para outros países europeus, assim como uma política de asilo mais eficaz, segundo indicou o ministro sueco da Imigração, Tobias Billstrom, cujo país ocupa a presidência da UE desde 1 de Julho. Está igualmente previsto para Setembro a apresentação de uma proposta da Comissão sobre a reforma da política de asilo, que tem como objectivo o estabelecimento de quotas de acolhimento de refugiados nos países europeus. Mais de 67 mil pessoas atravessaram o Mediterrâneo em 2008 para tentar entrar na Europa, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), travessias efectuadas com frequência por passadores em condições muito precárias e durante as quais os naufrágios e os afogamentos são numerosos. A Itália, Malta, Espanha ou a Grécia não querem estar sozinhas a enfrentar o problema, e a Comissão Europeia, segundo Jacques Barrot, procura soluções para «partilhar o fardo» do acolhimento de refugiados que atravessam o Mediterrâneo, quase sempre via Turquia ou Líbia.
macacos do jardim do palácio presidencial de Lusaca receberam ordem de despejo depois de um deles ter urinado em cima do Presidente Rupiah Banda, durante uma conferência de imprensa
90%
da produção anual de ópio no mundo é produzida no Afeganistão
65%
dos africanos vivem hoje com menos de um dólar por dia, na década de 70 eram 56%
61,9
USD gasta em média por dia um cidadão suíço
17
seres humanos morrem por minuto de fome no mundo
13
navios estão sequestrados no Golfo de Aden e Somália em poder dos piratas com 228 tripulantes como reféns
2,53
USD é quanto custa despejar uma tonelada de lixo não reciclado em África, contra 253 USD para a depositar na Europa África21– setembro 2009
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KHADAFI SOMA E SEGUE
O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Luís Amado, esteve na África do Sul, a 27 de Agosto, para entregar o Prémio Geremek a Nelson Mandela. O líder histórico sul-africano, de 91 anos, recebeu a distinção «por actos notáveis para a promoção da Democracia», atribuída pela primeira vez durante a Presidência Portuguesa da Comunidade das Democracias, em Julho deste ano. Amado afirmou em Joanesburgo que os portugueses «têm uma grande dívida de gratidão para com este grande político sul-africano» e manifestou o desejo de ver o seu legado protegido em Portugal». Para o ministro, «Portugal pode ser um instrumento de projecção deste legado no continente europeu». Após um encontro na Fundação Mandela com Madiba, que se fazia acompanhar da sua mulher, Graça Machel, o chefe da diplomacia lusa salientou que Mandela «legou ao mundo e às gerações vindouras uma lição universal e inestimável de respeito, tolerância e não-violência nos processos políticos que Portugal pretende ajudar a difundir». DEBBIE YAZBEK / lusa
Mandela festejou os 91 anos em 23 de Julho
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África21
O Guia supremo da Revolução líbia festejou em grande pompa o 40.º aniversário da sua chegada ao poder, a 1 de Setembro de 1969, aproveitando a oportunidade para lançar mais umas das clamorosas provocações que são a sua imagem de marca. Decano incontestado dos chefes de Estado africanos depois da morte do gabonês Omar Bongo, Muammar Khadafi convocou, na véspera das comemora- Aos 27 anos de idade, o tenente Khadafi ções, uma cimeira extraordinária da União derrubou a monarquia líbia Africana (que preside) para tratar dos conflitos em África. Mais de 30 chefes de Estado e de Governo acudiram ao encontro que teve os Presidentes da Venezuela e da República Dominicana como convidados de honra, mas que contou também com a participação de representantes de vários governos ocidentais. Khadafi acusou Israel de «estar por trás de todos os conflitos em África» e congratulou-se sem modéstia dos êxitos diplomáticos conseguidos pela Líbia contra a «arrogância imperialista». Há um ano, a Líbia foi o primeiro país africano a obter «reparações» do seu antigo colonizador europeu, a Itália. Além de pedir desculpas, o Governo de Sílvio Berlusconi comprometeu-se a investir cinco mil milhões de dólares na Líbia nos próximos 25 anos em troca do perdão dos crimes da era colonial. Mais recentemente, a justiça escocesa libertou por motivos humanitários o agente secreto líbio Ali al-Megrahi, condenado a prisão perpétua pelo atentado contra o voo da PanAm que causou a morte de 270 pessoas em Lockerbie, em 1988. E o presidente da Confederação Helvética Hans-Rudolf Mertz apresentou um pedido formal de desculpas pela breve detenção, em Genebra, o ano passado, de um dos filhos do Guia, Aníbal, acusado de maus tratos contra empregados domésticos. Em todos os casos, Khadafi não fez mistério da chantagem exercida sobre os Governos italiano, britânico e suíço utilizando o petróleo como trunfo, criando sérios embaraços políticos aos interessados.
GABÃO VAI DE PAI PARA FILHO Ali Bongo, filho primogénito do Presidente Omar Bongo falecido após 42 anos de poder, é o novo Presidente eleito do Gabão. Ex-ministro da Defesa e candidato oficial do partido no poder, Ali foi proclamado vencedor das eleições presidenciais que se realizaram a 30 de Agosto. Com 41,7% dos votos, Ali Bongo registou uma clara vitória sobre os outros 17 candidatos e em particular sobre André Mba Obame e Pierre Mamboundou, que se auto-proclamaram vencedores após o fecho das urnas. O primeiro obteve 25,8% dos sufrágios e o segundo 25,2%. Como se vem tornando hábito, ambos acusam o partido no poder de fraude e rejeitam os resultados, em vez de reconhecer como fez a maioria dos observadores, que foram as divisões da oposição que aplanaram o terreno para a vitória anunciada de Ali Bongo. Este prometeu ser «o Presidente de todos os gaboneses», o que não bastou para acalmar os ânimos dos partidários dos dois grandes derrotados. Houve confrontos em Libreville e Port Gentil, o terminal petrolífero onde o consulado de França foi incendiado por populares que acusam Paris de ter «cozinhado» mais uma «solução dinástica» como já acontecera no Togo há três anos. Os observadores internacionais não constataram irregularidades graves e os governos ocidentais e africanos felicitaram o povo gabonês pelo civismo manifestado durante a jornada eleitoral.
SABRI ELMHEDWI/LUSA
MANDELA RECEBE PRÉMIO GEREMEK
ZUELÓDROMO Os militares, árbitros da crise de Madagáscar
LUSA
SAM TCHE/LUSA
As negociações de Maputo para encontrar uma saída política para a crise em Madagáscar permitiram estabelecer um calendário para o regresso à normalidade institucional, mas a partilha do poder no Governo de União Nacional (GUN) encarregue de governar a Grande Ilha até às próximas eleições pode ainda fazer descarrilar todo o processo. A 3 de Setembro, as três fac- Andry Rajoelina ainda conserva o apoio das chefias militares ções que se opõem à permanência no poder do actual homem forte, Andry Rajoelina, durante a fase de transição, propuseram nomear militares para os cargos de Presidente, Vice-Presidente e primeiro-ministro, proposta imediatamente rejeitada pelas chefias das Forças Armadas e de Segurança, que já avisaram que não tolerariam o regresso ao poder do ex‑Presidente Marc Ravalomana, que forçaram a demitir-se em Março de 2009 para evitar um banho de sangue. Joaquim Chissano, encarregue pela comunidade internacional e a União Africana (que condenaram o golpe de Rajoelina) para pôr fim ao braço-de-ferro entre este e Ravalomanana, exilado na África do Sul, convidou para as negociações os ex-Presidentes Didier Ratisiraka e Albert Zafy como representantes das várias «sensibilidades» políticas, mas Rajoelina não aceita ser colocado em pé de igualdade com os três «ex» que, segundo ele, representam o passado. Quer para si a Presidência e 14 das 28 pastas do GUN, oito para a sociedade civil e apenas duas para cada um dos «ex». Ravalomanana exige o afastamento de Rajoelina, seis lugares para cada facção e apenas quatro para a sociedade civil.
“A África exorta os doadores a oferecer a muita necessitada assistência para o desenvolvimento para garantir que o Governo de unidade esteja em condições de enfrentar a sua responsabilidade de reverter a situação política e socioeconómica no Zimbabwe”
JACOB ZUMA, Presidente da África do Sul
“As aspirações africanas de desenvolvimento estarão em perigo, a menos que se adoptem medidas urgentes para enfrentar os problemas das alterações climáticas”
JEAN PING, presidente da Comissão da União Africana
“Andámos cerca de 1300 quilómetros de Luanda ao Luena, passando pelas províncias do Kwanza-Norte, Malanje, Lunda-Norte e Lunda-Sul, e não vimos nenhum painel ou outro objecto publicitário do CAN-2010”
AKWÁ, deputado e antigo capitão da selecção nacional de futebol de Angola
“Em muitas circunstâncias, os camiões sul-africanos voltam vazios. Já é altura de fazê-los regressar com a nossa banana, o nosso café e madeira”
JOSÉ SEVERINO, presidente da Associação Industrial de Angola
“Com perdão da palavra, o homem [Cavaco Silva] é, manifestamente, reaccionário, pouco permeável à fluidez social e tende a recuperar velhas figuras de autoridade. É o pior Presidente da II República”
BAPTISTA-BASTOS, escritor português
“O acordo ortográfico é uma merda (…) a Academia [Brasileira de Letras] é uma excrescência de velhos tempos”
Millôr Fernandes, jornalista, escritor e cartunista brasileiro
“ A crise trouxe poucas repercussões económicas para o Brasil”
GUIDO MANTEGA, ministro brasileiro da Fazenda
Ali Bongo e a mulher Inge durante a campanha eleitoral
“A maior dádiva de Deus ao meu país é a liberdade e a independência. Por essa dádiva, estou disposto a perdoar”
RAMOS-HORTA, Presidente da República de Timor-Leste
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O Presidente da República de Timor-Leste declarou o apoio do seu país à política de «uma só China», elogiando o gigante asiático por ter sabido encontrar soluções adequadas para a reunificação total. José Ramos-Horta, que discursava na inauguração do novo palácio presidencial, disse que «Timor-Leste continua a aderir à política de uma só China e acredita que só os chineses, com os seus valores éticos, tradicionais e sabedoria milenares, saberão encontrar as soluções adequadas para a reunificação». Ramos-Horta frisou ainda que «a reunificação de Macau e Hong-Kong são exemplos claros de que a China sabe encontrar soluções para as situações injustas e anacrónicas que resultam dos acidentes da História». A China foi um dos primeiros países a reconhecer o direito de Timor-Leste à auto-determinação e independência, território onde existe uma importante comunidade chinesa. O novo palácio presidencial é um projecto de cerca de 21,4 milhões de USD oferecido pelo Governo chinês, que inclui amplos espaços exteriores ajardinados e um parque infantil. Trata-se do segundo projecto construído pela China, depois do edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros que recentemente entrou em funcionamento. Entre outras obras previstas no âmbito dos acordos estabelecidos entre os respectivos governos, a China deverá erguer igualmente um outro edifício para o Ministério da Defesa, além de uma centena de habitações e escolas.
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Ramos-Horta apoia a reunificação nacional da China
JULIAN SMITH/lusa
RAMOS-HORTA ELOGIA CHINA
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O tempo perdido da agricultura africana Em África, apenas sete por cento das terras aráveis são irrigadas (contra 12% na América Latina e 14% na Ásia) e dentro de quatro décadas os 900 milhões de africanos poderão ser dois mil milhões. A maioria dos governantes do continente diz-se consciente destes factos e há seis anos os 53 Estados da União Africana aprovaram em Maputo uma resolução destinada duplicar os investimentos da agricultura nos orçamentos nacionais. Mas não se conhecem dados fiáveis que tal tenha acontecido. A prioridade de socorrer os milhões de subalimentados esbarra com políticas agrícolas erradas, vulnerabilidade de África face aos «grandes» que controlam a Organização Mundial do Comércio, cobiça da terra do continente por países deficitários de áreas aráveis e férteis, catástrofes naturais, desflorestações, cheias, avanço dos desertos e alterações climáticas. Porque considera que África não deve, e não pode, afrontar isoladamente a degradação do solo e do ambiente, o presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, reclamou dos países industrializados uma compensação pelo impacto do aquecimento global em África no valor de 67 mil milhões de dólares por ano. Uma verba astronómica? Não. Sensivelmente o que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e as ONG reivindicam aos mesmos destinatários. É sobre o panorama da agricultura em África e dos seus desafios que trata este dossiê. Carlos Pinto Santos 18
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África e o desafio
da agricultura
África precisa de triplicar nas próximas décadas a produção agrícola. Só assim conseguirá satisfazer as suas necessidades alimentares. Mas as dificuldades são grandes: é preciso vencer anos de políticas erradas, são necessários muitos milhões de dólares de investimento e é essencial a participação da comunidade internacional. O desafio é global. Nicole Guardiola
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ara alimentar correctamente a sua população, que será de cerca de dois mil milhões em 2050, África precisa de triplicar a sua produção agrícola nas próximas duas ou três décadas. É obra, para o único continente cuja produção por habitante decresceu no último quarto de século e que abriga actualmente a maior percentagem de subnutridos. Será possível vencer este desafio? Sim, dizem os cientistas, investigadores e políticos. O aumento das superfícies cultivadas e da produtividade, o aproveitamento da água, a melhoria das técnicas agrícolas e a biotecnologia permitirão à Terra
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alimentar uma humanidade em crescimento, e África é o continente onde os progressos podem ser mais rápidos e espectaculares. Mas como e a que preços ambientais, sociais, humanos, contrapõem ecologistas, associações de camponeses e as ONG? Sobre um ponto todos estão de acordo: há que intervir em força num sector fragilizado por décadas e séculos de políticas erráticas, impostas do exterior pelos colonizadores, o FMI, a OMC. Pela primeira vez, em 2003, os chefes de Estado dos 53 países membros da União Africana aprovaram a Resolução de Maputo, na qual se comprometiam a duplicar em cinco anos os orçamentos nacionais destinados à agricultura, que não deveriam representar menos de dez por cento das despesas públicas. Do Programa Detalhado de Desenvolvimento da Agricultura Africana (PDDAA) então aprovado resultou uma profusão de iniciativas e alguns planos nacionais, mas, regra geral, as realizações ficaram aquém das necessidades. Os desequilíbrios regionais e o número de malnutridos aumentaram devido ao êxodo rural, às alterações climáticas e à brutal subida do preço dos alimentos. A África subsariana está, mais uma vez, entre os principais «perdedores» da crise mundial, com
a agravante de continuar excessivamente vulnerável às pressões externas, e às suas «correias de transmissões» internas, que são os Governos (financeiramente frágeis e, por isso, facilmente aliciados ou comprados) e os agentes privados nacionais. Dois exemplos recentes ilustram esta debilidade: as negociações dos Acordos de Parceria Económica com a União Europeia e as compras ou arrendamento de terras por parte de grandes grupos económicos multinacionais (ver texto de Alves da Rocha). No primeiro caso, a mobilização das associações camponesas, bem apoiada pelas ONG internacionais e as agências para o desenvolvimento, conseguiu travar a pressão da UE, que pretendia eliminar por completo as barreiras alfandegárias que moderam a invasão dos mercados africanos por bens alimentares oriundos dos países desenvolvidos ou emergentes. No que se refere às aquisições de terra, a tendência é para a intensificação das «deslocalizações agrícolas», frequentemente embrulhadas em boas intenções. Sem meios financeiros, humanos e técnicos para desenvolver a agricultura, aumentar os rendimentos e dar de comer às suas populações, os Governos africanos, que possuem a maior parte das terras (segundo a FAO a propriedade privada fundiária não ultrapassa os dez por cento e a esmagadora maioria dos camponeses africanos não possuem títulos de propriedade) são facilmente convencidos da vantagem de vender ou arrendar grandes superfícies a investidores privados, externos ou nacionais, que prometem aumentar a produção, a produtividade, criar empregos remunerados e gerar receitas fiscais. O problema é que a existência de muitas terras por cultivar em África é uma ilusão. Na realidade, todos os recursos são utilizados, para cultivo ou como pastos e, apesar dos fracos desempenhos em
A agricultura africana em números 60% da população 57% dos empregos 17% do PIB 40% das receitas de exportação 874 milhões de terras cultiváveis 7% irrigadas (3,7% na África subsariana; 47% na África do Norte) 1200 barragens, das quais 50% para irrigação (60% na África do Sul e Zimbabwe) Rendimentos por hectare: três a quatro vezes inferior à media asiática e europeia para os cereais, 20 a 30 vezes inferiores para a produção animal Aumento da produção de cereais desde 1980: 0,14% Aumento das importações de cereais desde 1980: 136% Importações de cereais em 2008: 56,4 milhões de toneladas Vendas ou concessões de terras desde 2004: 2,4 milhões de ha INVESTIMENTO NA AGRICULTURA/ANO (em milhões de dólares) África: 2000 Ásia: 6000 União Europeia: 10.000 TRANSACÇÕES FUNDIÁRIAS EM ÁFRICA Principais países compradores: China, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Arábia Saudita Principais países africanos afectados: Etiópia, Gana, Madagáscar, Mali, Sudão Principais operações: Madagáscar: compra de 500 mil ha pelo grupo indiano Varun Industries para produzir arroz; arrendamento de 1,3 milhões de ha pela Daewoo Logistics (Coreia do Sul) para produzir milho e óleo de palma (suspenso pelo Governo de transição); Tanzânia: compra de 500 mil ha pela Arábia Saudita; Mali: compra de 100 mil ha pela Líbia para cultivar arroz
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Arrozal na Guiné-Bissau
NOVA ERA PARA A AGRICULTURA GUINEENSE Um encontro, na segunda quinzena de Agosto, entre os ministros da Agricultura e Desenvolvimento Rural e das Finanças, pode dar início a um processo de relançamento do sector agrícola na Guiné-Bissau. Na ordem do dia da reunião esteve a análise da situação geral da agricultura, dos investimentos públicos e privados, da questão do crédito agrícola, assim como de outros aspectos relevantes do sector. Cerca de um mês antes, o titular das Finanças prometeu que o Governo ia dar maior atenção ao investimento na agricultura. A declaração do governante foi bem acolhida pelos responsáveis da área, na expectativa de que os fundos para a agricultura, que nunca foram além dos três por cento no Orçamento Geral do Estado, possam conhecer finalmente um aumento considerável, susceptível de modernizar e viabilizar a actividade. A retórica oficial sempre disse que a agricultura é a prioridade número um da economia nacional, mas na realidade nunca foi assim. O país ainda não é auto-suficiente, apesar de extensas terras férteis e de água abundante. O arroz, base da dieta local, que na época colonial se produzia e se exportava para a ex-África Ocidental Francesa, é hoje importado em grande quantidade de Ásia, com enorme dispêndio de dinheiro. Se o Executivo garantir mais recursos financeiros e preservar a estabilidade política, a implementação em curso de três projectos de apoio à segurança alimentar vai mudar radicalmente a agricultura guineense nos próximos anos. Fernando Jorge Pereira
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termos de produtividade, garantem a sobrevivência de milhões de camponeses e pastores. As alterações climáticas e as catástrofes naturais (secas, inundações, pragas) tornam ainda mais precária esta agricultura tradicional. Como não temer, neste contexto, o desenvolvimento de explorações industriais, de capital intensivo, economicamente mais rentáveis, mas que privam as comunidades camponesas da maior parte das terras que exploram actualmente, dando origem a uma classe de «sem terra» até agora quase inexistente em África?
Revolução verde, revolução azul?
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O camponês africano foi considerado durante décadas como o símbolo e o principal
responsável do atraso de África
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Os quatro pilares do PDDAA identificados em 2003 eram a questão da terra e gestão da água; infra-estruturas rurais e acessos ao mercado; alimentos e redução da pobreza e da fome; e a ciência e tecnologia aplicadas à agricultura. A União Africana colocou a primeira questão à cabeça de todos os seus programas de desenvolvimento. A reunião organizada conjuntamente pela UA e a FAO em Syrte (Líbia) em Dezembro de 2008 foi mais uma tentativa de dar resposta à crise alimentar e às ameaças decorrentes das mudanças climáticas. O lema era «A água para a agricultura e a energia em África» e as resoluções aprovadas tiveram o mérito de pôr em evidência a inter-relação entre segurança alimentar e energética e a importância do domínio da água para o desenvolvimento sustentável. Tendo em conta o facto que África utiliza apenas quatro por cento dos seus recursos hídricos, e face ao agravamento das catástrofes humanitárias provocadas pelas secas e inundações cíclicas, o conceito de «revolução azul» tem vindo a sobrepor-se ao de «revolução verde» no combate à insegurança alimentar. Com efeito, o regadio é, com a drenagem dos pântanos e zonas húmidas, o aproveitamento das águas subterrâneas e a retenção das águas superficiais, a forma mais simples e rápida de aumentar as
Incentivos à agricultura são-tomense Diminuir a importação e estimular a produção nacional são eixos de actuação do Governo no quadro do programa de segurança alimentar. Os agricultores têm sido incentivados com a oferta de sementes e viveiros para cinco produtos: milho, feijão, batata inglesa, mandioca e matabala, além da fruticultura. Alguns parceiros têm colaborado neste esforço. A FAO, por exemplo, pôs à disposição um financiamento de 250 mil USD destinado à concessão de sementes daqueles produtos aos produtores mais vulneráveis, para a sua alimentação. Estes pequenos agricultores só poderão comercializar o excedente para adquirir outras mercadorias para o seu sustento. A Alemanha concedeu dez mil USD para o cultivo de cebola. Alguns insumos têm sido vendidos aos produtores, igualmente a preços subvencionados. O Ministério da Agricultura reorganizou-se para prestar maior assistência técnica aos agricultores, uma das reclamações mais constantes dos homens que trabalham a terra. Outra reivindicação que ainda não encontrou resposta cabal é o apoio financeiro. Os bancos, por enquanto, não concedem créditos aos pequenos agricultores. O Governo tenciona estruturar uma instituição vocacionada para esse efeito, que provavelmente verá a luz do dia no final deste ano ou princípios de 2010. Entretanto, outra vertente de actuação relaciona-se com a reabilitação de sistemas de irrigação em várias localidades. Existe, igualmente, um entendimento com Cabo Verde para a exportação de hortícolas e frutícolas para aquele arquipélago lusófono. África21 sabe que estão em São Tomé contentores com materiais de produção enviados pelas autoridades cabo-verdianas. O arranque está ainda dependente da assinatura do acordo fitossanitário entre os dois países. Está também a ser desenvolvido o conceito de projectos integrados. Assim, a empresa Monte Café foi concedida a empresários líbios e decorrem negociações com a SOFINCO, uma empresa belgo-francesa, para a exploração de oleaginosas. Juvenal Rodrigues DR
superfícies cultivadas e os rendimentos por hectare, e o continente africano, que dispõe de recursos hídricos importantes (rios, lagos, aquíferos subterrâneos) acumulou neste particular um atraso considerável em relação ao resto dos países em desenvolvimento, já que apenas sete por cento das terras aráveis são irrigadas, contra 12% na América Latina e 14% na Ásia. Além disso, os equipamentos são desigualmente repartidos, dado que 40% se encontram na África do Norte (dos quais 54% no Egipto), seguida pelo Sahel com 19% (dos quais 63% no Sudão). A África Austral só dispõe de 15% de superfície regada (dos quais 73% na África do Sul). A FAO avaliou em 65 mil milhões de dólares/ ano durante 20 anos os custos desta «revolução azul» em África. As ONG e associações de camponeses defendem que estes investimentos deveriam ser financiados pelos países mais desenvolvidos e os grandes grupos industriais como parte da factura do aquecimento climático, mas parece evidente que os países africanos deverão contar sobretudo com as suas próprias forças para realizar projectos que vão colocar à prova a integração regional. O aproveitamento das águas das bacias hidrográficas dos grandes rios africanos (Congo, Nilo, Zambeze, Níger, Volta e do Lago Chade) interessa a seis ou dez países de cada vez e toda a actividade ou intervenção que afecta o caudal a montante afecta severamente os países situados a jusante. Infelizmente e salvo algumas excepções, as decisões em matéria de grandes projectos (construção de barragens e de perímetros de rega) são ainda tomadas individualmente pelos Estados, quando uma gestão integrada permitiria repartir os custos e maximizar os benefícios.
Modernizar a agricultura familiar Pobre, cultivando em média menos de dois hectares, muitas vezes sem outro meio que uma enxada, mal-nutrido e pouco instruído, o camponês africa-
A produção de mandioca é incentivada pelas autoridades são-tomenses
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Rega gota-a-gota em Cabo Verde
CABO VERDE APOSTA NAS BARRAGENS Três barragens para a retenção de águas pluviais vão ser construídas nos concelhos de Ribeira Grande, Tabugal e São Salvador do Mundo, todos na ilha de Santiago. O financiamento das infra-estruturas hídricas está incluído nos 100 milhões de euros (143 milhões de dólares) disponibilizados pela cooperação portuguesa, que prevê igualmente projectos de energias renováveis, construção de diques de correcção torrencial e 70 furos de captação de água no subsolo, de modo a permitir mais recursos para irrigar áreas ciclicamente afectadas por secas prolongadas. Segundo o Ministério cabo-verdiano do Ambiente Desenvolvimento Rural e Recursos Marinhos, o arranque deste pacote de obras, que permitirão a retenção de grandes quantidades da água da chuva, está previsto para o início de 2010. O ministro da tutela, José Maria Veiga, revelou em Agosto que estão a ser efectuados trabalhos preliminares para ultimar os estudos de viabilidade dos projectos aos quais se seguirá o lançamento dos concursos de adjudicação das obras às empresas escolhidas. Além disso, Veiga deu a conhecer que o Governo está a trabalhar com outros parceiros para obter novos financiamentos visando a construção de mais barragens e um melhor aproveitamento das bacias hidrográficas. O Executivo vai também continuar a apostar no projecto de dessalinização de água do mar, no âmbito das medidas que procuram revolucionar a produção agrícola em Cabo Verde. Poilão, a única barragem de Cabo Verde, foi construída em 2006 por técnicos chineses na bacia hidrográfica de Ribeira Seca (ilha de Santiago), permite a irrigação de 65 hectares de terrenos e proporciona emprego a centenas de famílias das localidades vizinhas. Nuno Macedo
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A comunidade internacional reconhece o seu erro e agora incita os Governos africanos a investir
no campo
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Os desequilíbrios regionais
aumentaram em África devido ao êxodo rural, às alterações climáticas e à brutal subida do preço dos alimentos
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no foi durante décadas tido como o símbolo e o principal responsável do atraso de África. As instituições internacionais obrigaram os Governos dos Estados pobres e pesadamente endividados a retirar-se deste sector condenado, diziam, a desaparecer, para investir na agricultura industrial, geradora de excedentes exportáveis. O fim dos sistemas de estabilização dos preços, dos ofícios públicos de compra, do fornecimento de adubos e sementes a preços subvencionados, a privatização dos organismos de investigação e vulgarização deixaram os camponeses entregues à sua sorte. O acordo de Marraquexe, em 1994, no âmbito da OMC, destinado a liberalizar o comércio agrícola, com a perda do controlo das importações, acelerou o descalabro. Em 1998, a parte da agricultura nas despesas públicas era de cinco por cento em África (contra dez por cento na Ásia). Os investimentos privados também se retraíram: de 6,3% em 1998 para 4,6% em 2000. Os resultados são sobejamente conhecidos. A parte de África no comércio mundial passou de seis por cento em 1980 para dois por cento em 2002, a pobreza e a fome aumentaram, o êxodo rural acelerou. De planos pela erradicação da fome em programas de luta contra a pobreza, a chamada comunidade internacional reconhece agora o seu erro, e afirma que a agricultura é o motor de arranque para o desenvolvimento e incita os Governos africanos a investir no campo. Não se trata, porém, de um regresso ao passado. Se os conselheiros em desenvolvimento estimam que toda a «revolução verde» passa pela restauração da vocação primeira da agricultura, que é de alimentar correctamente as populações em quantidade e qualidade, cultivos e pecuária são apenas uma das facetas de uma política integrada de desenvolvimento rural. Esta deve também incluir o acesso dos pequenos produtores rurais à energia, para a produção e a transformação dos produtos agrícolas; a construção de estradas, cami-
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nhos e meios de transporte (a mais de cinco horas MOÇAMBIQUE APOSTA do mercado mais próximo, o camponês está conNA REVOLUÇÃO VERDE denado a entregar as suas colheitas a comerciantes As potencialidades agrícolas de Moçambique são soque ficam com a maior fatia da mais-valia). bejamente conhecidas. O país dispõe, segundo daOs defensores do ambiente esperam que Áfridos do Ministério da Agricultura, de cerca de 36 mica, precisamente porque ficou para trás, consiga lelhões de hectares de terra arável, sendo mais de três var a cabo uma «revolução verde» mais equilibrada milhões de hectares irrigáveis. Toda essa terra tem e evite os danos ambientais de outras regiões do um enorme potencial agro-pecuário, podendo produzir uma variedade de produtos agrícolas e pastos. É globo, mediante a fixação de uma mão-de-obra esse potencial que as autoridades moçambicanas abundante e «amiga» da terra. O desenvolvimento apostam, agora, em transformá-lo em «fonte de ride técnicas eficientes de uso da água (retenção com queza», incentivando o aumento da produção e da pequenas barragens de terra, rega gota-a-gota); o produtividade. Esta aposta, baptizada de Revolução uso moderado de agentes químicos, adubos (coloVerde, é para o Governo moçambicano um «procescados junto de cada planta, e so de busca de soluções para incrementar não por pulverização aérea) e a produção e a produpesticidas são algumas das tividade agrária», o orientações recomendadas. que passa pelo uso de Mas para o conseguir não sementes melhorabasta investir em infra-estruturas, das, fertilizantes, insmáquinas, crédito e inovação trumentos de producientífica e tecnológica. Para leção e tecnologia adequada às condições var o pequeno cultivador africados terrenos. Em muino (que é geralmente uma mutos pontos do país já lher) a encarar a vida no campo se usam culturas de como um futuro e não como Moçambique dispõe de 36 milhões de hectares de terra arável ciclo curto, como uma escravatura, é preciso dar-lhe saúde, educaacontece com algumas variedades de arroz e de mação, protecção social e jurídica. pira (milho miúdo), permitindo a produção de duas ou três colheitas por ano. O problema é que estas políticas não produAinda carente de fundos financeiros para granzem resultados a curto prazo e exigem visão estrades investimentos na área agrícola, Moçambique tégica e capacidade de mobilização. Dado que os centrou a política da Revolução Verde no sector famiGovernos estão sob pressão, muitos são tentados a liar e na promoção do associativismo. Com cerca de «passar a bola» para a iniciativa privada, com todas das terras aráveis 60% da população a viver nas áreas rurais, e maiorias consequências políticas e sociais que isso pode tariamente ligadas à agricultura, o Governo pretende implicar, como aconteceu recentemente em Ma- são irrigadas que cada família produza mais para assegurar a sua alimentação e, depois, aumentar o seu rendimento. dagáscar. Os camponeses, pelo seu lado, começam em África, Desta forma, o sector agrícola é visto, também, como a organizar-se para ter voz no debate. Na África contra 12% uma garantia de criação de empregos. O Fundo de Ocidental a ROPPA (sigla francesa para Rede de Investimento de Iniciativa Local (conhecido por sete Camponeses e Produtores Agrícolas) é já um inter- na América milhões), alocado aos distritos, é, por isso, essenciallocutor a ter em conta. Na África oriental, são os Latina e 14% mente destinado a financiamento de projectos de ausindicatos. O camponês africano já não é o «mamento da produção agrícola. na Ásia Leonardo Júnior tumbo» de outros tempos.
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Apenas sete por cento
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Solos degradados, mau uso de fertilizantes, e cheias e secas prolongadas são o resultado de políticas agrícolas erradas e das alterações climáticas. A agricultura em África é a mais atingida pelo aquecimento global e a mais pobre em todo o mundo. Procuram-se soluções, que podem passar pela Conferência de Copenhaga, em Dezembro. Miguel Correia
Mau ambiente
na agricultura africana
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s estudos, promovidos pelas mais diversas organizações mundiais, sucedem-se, e os resultados, quase sempre coincidentes, também: África seguiu nas últimas décadas políticas agrícolas erradas, as alterações climáticas estão a afectar de forma particularmente grave o continente, e com tendência para um agravamento, e é necessário um investimento forte na agricultura, com novas estratégias na gestão dos solos, do tipo de culturas, água, fertilizantes e colocação dos produtos nos mercados. No entanto, ano após ano, os erros vão-se mantendo, e as tímidas acções tomadas por al-
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guns países africanos, e o pouco mais do que assobiar para o lado dos países desenvolvidos, são claramente insuficientes para reverter a situação. As consequências no meio ambiente e que afectam de forma directa a agricultura são já visíveis um pouco por todo o continente: solos inférteis, grandes períodos de seca alternados com cheias, pragas, aumento dos desertos, subida das marés e escassez crónica de água em algumas regiões. E as carências alimentares continuam por resolver na generalidade do continente Pior: apesar de ser o continente que, de longe, menos contribui para as alterações climáticas
(cerca de dois por cento), é o que, segundo todos os estudos, mais efeitos negativos vai sentir. Não é aliás por acaso que, na última reunião da Comissão da União Africana (UA) dedicada às alterações climáticas, e que se realizou em Adis Abeba, o seu presidente, Jean Ping, se pronunciou sobre o assunto, reclamando dos países mais industrializados 67 mil milhões de dólares por ano como compensação pelo impacto do aquecimento global. Na reunião, que serviu de preparação para a cimeira de Copenhaga, em Dezembro, foi adiantada a data de 2020 para o início destes pagamentos. Falta agora aprovar a medida.
A água, sempre a água Na base da agricultura, além da terra está a água. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa sobre Política Alimentar, a sua procura no continente africano, tanto para consumo como para a agricultura, vai aumentar 67% nos próximos 20 anos. A forma de se ultrapassar tal aumento passa, segundo um relatório desta instituição, por um grande investimento nos sistemas de irrigação, por uma correcta política de gestão da água de abastecimento público, e essencialmente por políticas reais dos países desenvolvidos que atenuem os efeitos das alterações climáticas, bem como o próprio aquecimento global. Só assim será possível garantir água para a agricultura e para consumo humano. E não piorar cenários já de si catastróficos, como o aumento dos desertos em determinadas regiões, ou a diminuição da quantidade de água de Norte a Sul do continente. Exemplos paradigmáticos – e mais mediáticos – destes erros são a drástica diminuição do lago Chade (ocupa apenas dez por cento da área que ocupava em 1960) ou a redução das neves no monte Kilimanjaro, que poderão mesmo deixar de existir entre 2015 e 2020. Mas se a água é essencial na prática agrícola, os bons solos, devidamente nutridos, também. E
aqui, mais uma vez, África tem vindo a perder terreno face aos outros continentes. A falta de fertilizantes tem forçado os agricultores africanos a explorar as suas terras para além da sua capacidade de regeneração, retirando as substâncias nutritivas dos solos. Segundo Nteranya Sanginga, director do Instituto de Biologia e de Fertilidade dos solos tropicais no Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), os agricultores africanos apenas utilizam oito quilos de adubo por hectare, contra os 200 quilos dos chineses. A consequência são os cerca de 500 milhões de hectares de terras degradadas, o que provoca um prejuízo anual de mais de 20 mil milhões de dólares por ano. Por outro lado, há um desconhecimento geral sobre as características das terras africanas. «Em muitos aspectos, conhece-se melhor o solo de Marte do que o da terra, principalmente de África», afirma Pedro Sanchez, responsável pelo departamento de agricultura tropical do Instituto da terra da Universidade de Columbia (Estados Unidos). Com outros parceiros internacionais, esta instituição está a fazer um levantamento das características das terras de forma a produzir um mapa digital dos solos (projecto ASIS), o que vai tornar depois possível adequar o tipo de agricultura e prática agrícola a cada caso.
Sementes geneticamente modificadas Com a crise alimentar a agravar-se, a última reunião do G8, em L’Aquila, Itália, trouxe um reforço da verba para a ajuda alimentar a África de cinco mil milhões de dólares, atirando o valor total para os 20 mil milhões de dólares. Mas Kanaya Nwanze, presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário, embora saudando esta verba, não deixou de frisar: «É tempo de mudar, porque a segurança alimentar não se resume a ajuda alimentar. O que importa
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África é o continente que menos contribui para as alterações climáticas,
mas é o mais atingido, principalmente a sua agricultura
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A falta de fertilizantes força os agricultores africanos a explorar as terras para além da sua capacidade de regeneração
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é a possibilidade de os povos produzirem alimentos, tendo a eles acesso nos mercados locais». E é precisamente aqui, no tipo de investimento a concretizar, que as preocupações ambientais nem sempre pesam nas opções governamentais. E um dos problemas é a pressão para que os campos de África sejam utilizados para a produção de biocombustíveis. Ao se alimentarem motores com biocumbustíveis, deixa-se de alimentar populações. Além de que já está provado que «a produção de biocombustíveis em África tem custos altíssimos, até em termos ambientais», pode ler-se num relatório, de finais de 2008, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Polémicas são também as opções de algumas multinacionais do ramo alimentar. Ao condicionarem os seus grandes investimentos em plantações, principalmente em África e na América Latina, à aceitação, por parte dos agricultores destes países, de sementes geneticamente modificadas, nefastas ao meio ambiente, à biodiversidade e às próprias práticas agrícolas (o caso mais conhecido é o da empresa norte-americana Monsanto), estas multinacionais estão a condicionar o futuro da agricultura. O alerta já foi dado por organizações defensoras da biodiversidade. Mas, como noutras situações no passado (caso de determinados pesticidas químicos), os ganhos imediatos em termos de produtividade parece que, mais uma vez, estão a ganhar terreno. Copenhaga e a sua conferência mundial dedicada ao ambiente, em Dezembro deste ano, apresenta-se agora aos olhos de muitos como a grande solução para o aquecimento global e suas consequências. Ao propor-se criar metas mundiais para a redução das emissões de carbono, bem como apoiar políticas concretas para cada continente e país, o acordo de Copenhaga poderá, caso os principais países desenvolvidos assim o desejem, significar um ponto de viragem nas políticas ambientais globais e das suas consequências numa área tão sensível como a da agricultura. Principalmente da mais necessitada – a africana.
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O estado da
O Governo não foi capaz de incrementar uma política justa de desenvolvimento da agricultura familiar, que permitisse a transformação dos camponeses em pequenos ou médios empresários, melhoria tecnológica, aumento da produtividade da terra e do trabalho, aumento da renda familiar e garantia da posse da terra Fernando Pacheco
lusa
agricultura angolana to. As estatísticas não são suficientemente credíveis para se avaliar a real dimensão dessa melhoria. Em Angola não há práticas de monitoria e avaliação independentes dos empreendimentos públicos. O mais preocupante é que estas melhorias acontecem de forma pontual, não constituem reflexo de uma mudança estratégica de fundo e não estão associadas a reformas estruturantes que possam vir a garantir a sustentabilidade das acções.
Promessas irrealistas
R
ezam as cifras oficiais que a produção agrícola de Angola está a aumentar. Pela primeira vez a barreira de um milhão de toneladas de cereais foi atingida. Acredita-se que a produção de café tenha chegado ao dobro da do ano passado. Os efectivos de gado bovino de raças importadas ampliaram-se, assim como melhorou o desempenho de alguns empreendimentos pecuários. Os números de explorações de média e grande dimensão e de empregos cresceram. O consumo de fertilizantes foi ampliado e o Governo aprovou duas linhas de crédito para investimentos e custos operacionais da campanha agrícola. As coisas melhoraram efectivamente, mas estamos longe, muito longe, do que deveria ser fei-
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As cooperativas de serviços
poderiam ser uma solução para todos estes problemas, mas a legislação cooperativa está desactualizada
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Por ocasião das eleições de 2008, o MPLA prometeu aos angolanos metas de produção agropecuária ambiciosas para 2012. Por exemplo, a produção de cereais passaria de 700 mil toneladas para 15 milhões, ou seja, aumentaria mais de 20 vezes em quatro anos, o que seria absolutamente inédito. Denunciei a falta de realismo dessas metas em Maio de 2008. Ao fim de um ano, o panorama não é animador. Principalmente no que se refere aos aspectos estruturantes, aqueles que condicionam a produção. A reforma da investigação promete muito mas concretiza pouco. Um centro construído em Malanje e equipado com três laboratórios desde 2006, num investimento de mais de dois milhões de dólares, ainda não entrou em funcionamento. Programas de capacitação dos agricultores aprovados há mais de um ano e com financiamento externo garantido, não arrancam por problemas de pormenor. Não há uma estratégia adequada para estimular a instalação generalizada de provedores de serviços públicos ou privados nos municípios, em mais de 90% dos quais os agricultores não conseguem sequer comprar sementes e ferramentas usuais, nem obter conselhos técnicos elementares. Aumentou o
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consumo de fertilizantes para 30 mil toneladas, quando, segundo a FAO, já há muito deveríamos ter ultrapassado as 400 mil. As linhas de crédito aprovadas tardam a ser concretizadas para desespero dos agricultores e o acesso ao que existe é limitado, quer por deficiências do sistema bancário, concentrado nas capitais de província e demasiado exigente nos requisitos para financiamento de necessidades elementares dos agricultores, quer pela incapacidade desses agricultores de apresentarem projectos credíveis. Nos últimos anos foram adquiridos tractores e equipamentos em quantidades e valores consideráveis que têm uma vida útil média inferior a dois anos, possivelmente uma das mais baixas do mundo, e não são dados os passos necessários para a definição de uma política sensata de mecanização, que tenha em conta o estado actual de organização e as capacidades institucionais e de recursos humanos, e preveja os níveis de intensificação, o tipo de equipamento, a formação de técnicos e de operários especializados e o uso de métodos modernos de planeamento estratégico e de gestão.
Os projectos agricolas de grande dimensão crescem em Angola
Cooperativas de serviços As cooperativas de serviços poderiam ser uma solução para todos estes problemas, mas a legislação cooperativa está desactualizada e a nova lei está a aguardar provação há vários anos. Mesmo o ambiente do agronegócio também não é o melhor, pois a maior parte dos empresários são agricultores a tempo muito parcial colocando à frente dos seus empreendimentos gestores geralmente pouco qualificados. Para que serve investir no conhecimento se o petróleo paga tudo, inclusive o conhecimento que vem de fora para dar respaldo a decisões políticas sem fundamento? O que as pessoas parecem ignorar, ou, na esteira de uma outra prática, desejam que não aconteça e confundem tal dese-
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jo com a realidade, é que o petróleo tem mesmo os anos contados, o que torna o conceito de desenvolvimento sustentável para Angola mais pertinente do que nunca. E o conhecimento, afinal, está aí à mão. Em meados da década de 90 uma equipa da FAO explicou ao Governo angolano que a sua aposta deveria ser, prioritariamente, na agricultura familiar. Os pequenos agricultores constituem a maioria, encontram-se no terreno e já provaram que podem expandir a produção, de modo a garantir a sua alimentação básica e fornecer bens para o mercado, incluindo o internacional, o que está estatisticamente comprovado desde antes de 1975. Ademais, o crescimento da produção familiar teria grande impacto na economia nacional,
arquivo áfrica21
na geração de emprego e na erradicação da pobreza, pois a produção acrescida em unidades de pequena dimensão resulta de uma melhor utilização dos recursos domésticos – sobretudo terra e trabalho – exige poucas divisas para maquinaria, fertilizantes, pesticidas e know-how estrangeiro, e por isso torna-se menos dependente. Uma política a favor da agricultura familiar assegura desde logo a alimentação de um número elevado de famílias, resulta numa expansão mais justa de benefícios do desenvolvimento económico, contribui para padrões de vida rural mais elevados e incentiva o consumo, e, consequentemente, estimula a expansão industrial em Angola, como aconteceu no passado com o famoso boom económico dos anos 60 e 70. Enfim, uma economia
rural próspera reduziria os factores de pressão que induzem a migração para as cidades, e o aumento dos rendimentos dos pequenos agricultores poderia tornar-se o motor do desenvolvimento rural e, por conseguinte, a chave para uma redução da pobreza estrutural. Parece simples, não é verdade? Mas não é novidade. O agrónomo francês René Dumont já havia sugerido algo semelhante aos governantes africanos no início dos anos 60 e as suas ideias foram compiladas num livro que ficou célebre, A África começa mal, que lhe valeu a interdição de entrada em vários países do continente. Perante o desastroso desempenho da agricultura africana, nos anos 80 ele voltou à luta com novo livro, Pela África, eu acuso!, que poderia bem ter outro título: «Eu não vos avisei?». Aconselhei muitos líderes angolanos durante os anos 70 e 80 a terem o livro de Dumont à cabeceira, mas alguns preferiram Maquiavel. O que aconteceu foi que, ao contrário do discurso oficial, o Governo angolano não foi capaz de implementar ao longo destes anos uma política justa de desenvolvimento da agricultura familiar, que permitisse a transformação dos camponeses em pequenos ou médios empresários, a melhoria tecnológica, o aumento da produtividade da terra e do trabalho, o aumento da renda familiar e até a garantia da posse da terra. Nas áreas rurais não há comércio formal e o informal é intermitente e penalizante para os produtores. E deste modo não há incentivos. Não há serviços sociais básicos, como o acesso à água potável, à saúde, à escola – ou não há com a qualidade desejável – que possam estimular a presença de jovens nas suas aldeias, preferindo estes partir para as cidades para viverem de biscates. Serviços estruturados de extensão rural e de medicina veterinária ainda são uma miragem. Os bancos estão geográfica e estruturalmente a uma enorme distância. A investigação científica e as instituições públicas em geral
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Aconselhei muitos líderes angolanos a terem o livro de René Dumont à cabeceira, mas alguns
preferiram Maquiavel
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Os pequenos agricultores constituem a maioria, encontram-se no terreno e já provaram que podem expandir a produção
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quase ignoram a existência da agricultura familiar. Assim, não poderia contribuir para a diversificação da economia. Pior que tudo, instalouse a ideia de que a agricultura familiar, essa mesma que foi responsável pela alimentação dos angolanos e pela exportação no passado, era, afinal uma agricultura de subsistência, e, por isso, condenada à estagnação.
Agronegócio e agrocombustíveis O Governo angolano caminha, pois, no sentido oposto ao indicado pela FAO e por Dumont. Em vez de gizar uma política de transformação gradual da sua agricultura que possa garantir a segurança alimentar, aposta na «importação» de uma outra agricultura, baseada no agronegócio e nos agrocombustíveis, para a qual o país ainda não está preparado e só o voluntarismo e o fascínio dos angolanos pela «modernização» a qualquer preço explicam essa aposta. Hoje isso é possível, com os meios técnicos e científicos de que a humanidade dispõe, mas é insuportável porque os custos de produção são assustadores. Se a crise financeira trouxe alguma coisa de positivo, uma delas foi o alerta para algumas das opções governamentais e particulares extremamente dispendiosas e com resultados mais do que duvidosos. Há já alguns sinais de dificuldades, insucessos e falências que alguns julgavam impensáveis. Por incrível que possa parecer, algumas das grandes empresas têm transtornos para venderam o milho produzido, pois não têm organização nem experiência para enfrentarem dificuldades inesperadas. Mas esta é também uma aposta que vai conduzir, inevitavelmente, à exclusão da maioria dos agricultores angolanos e à degradação da biodiversidade, o que terá consequências sociais, políticas e ambientais desastrosas. Uma aposta que, como diria Mia Couto, pode produzir ricos ou endinheirados, mas nunca a riqueza de que necessitamos para sermos um povo desenvolvido.
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Novo comércio internacional
A aquisição de terras Continente ainda rico em recursos naturais, África apresenta uma disponibilidade de terra que começa a ser cobiçada – e comprada – por países que se mostram deficitários em terrenos aráveis e férteis Alves da Rocha
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inda que não seja um fenómeno recente, o comércio internacional de terras está a acontecer e duma forma muito intensa nos últimos anos. Parece que um dos pressupostos das teorias clássicas do comércio internacional – a imobilidade do factor terra – começa a ser posto em causa. Já não se trata, tão-somente, das multinacionais do agro-alimentar adquirirem terras para o desenvolvimento da sua actividade. São os próprios Estados a incentivarem este novo negócio internacional. Os principais ofertantes de terra situam-se na Ásia (Indonésia, Filipinas, Paquistão, etc.), em África (Sudão, Uganda, República Democrática do Congo, Congo, etc.) e, muito recentemente, na Europa de Leste (Ucrânia). Os principais com-
Ilustração de Cristina Sampaio
em países terceiros pradores têm sido a República da Coreia, China, Japão, África do Sul e os países árabes do Golfo. Todos estes países compradores de terras têm como característica comum a sua enorme dependência do mercado mundial em bens alimentares essenciais. As estimativas apontam para cerca de sete milhões de hectares a quantidade de terras que estes países terão adquirido até finais de 2008. A China é um dos países com maior quantidade de terras adquiridas no estrangeiro. A carência de recursos energéticos, matérias-primas minerais e a falta de terra determinaram a construção duma visão chinesa enquadradora do relacionamento político e económico com África. A China não dispõe, senão, de nove por cento das terras aráveis do planeta, por contrapartida com os 20% da população mundial. No final de 2008, a República Popular da China possuía mais de dois milhões de hectares de terras agricultáveis no estrangeiro, em particular em África. A exploração desta superfície de terras é feita por aquisição definitiva, aluguer de longa duração ou por direito de exploração. São as empresas estatais chinesas os principais agentes desta política de aquisição de activos fundiários fora do país.
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Um dos pressupostos das teorias clássicas do comércio internacional, a imobilidade
do factor terra, começa a ser posto em causa
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O Japão sempre teve um problema estrutural com a falta de terras para a agricultura. O facto de importar 60% da sua alimentação dá bem conta da sua dependência externa e da gravidade do problema da disponibilidade interna de terras agricultáveis. Daí a sua decisão de disputar o mercado internacional de terras aráveis. A República da Coreia apresenta constrangimentos semelhantes aos do seu vizinho Japão. Entre 60% e 70% dos produtos alimentares do ex-tigre asiático têm proveniência externa. Os países árabes do Golfo dependem em 90% da importação de bens alimentares, por razões revertíveis às características das suas terras. A Líbia, com um enorme défice de terras aráveis, tem praticado, há já algum tempo, este tipo de novo comércio internacional. Recentemente, adquiriu o direito de exploração de cem mil hectares na Ucrânia, para a produção de cereais, e de outros cem mil hectares no Mali para os mesmos efeitos. A República da Coreia, por intermédio do seu gigante automobilístico Hyundai Industries, adquiriu dez mil hectares de terras agrícolas na Rússia para a produção de alimentos. Por intermédio do grupo Daewoo, a Coreia assinou um acordo com as autoridades de Madagáscar, em 2008, para a exploração, durante 99 anos, de 1,3 milhões de hectares de terras aráveis (equivalente a mais de um terço da superfície agricultável do país). A República do Congo, deficitária em produtos alimentares, com problemas importantes de segurança alimentar e uma enorme dependência da importação de cereais, negociou com a África do Sul a concessão de dez milhões de hectares de terras agrícolas com fins de exportação de produtos alimentares. Os Emiratos Árabes Unidos estão em negociação com o Paquistão para a aquisição de 320 mil hectares de terras.
Determinismo subdesenvolvimentista Uma vez mais, o continente africano aparece envolvido num processo cujos resultados finais não são se-
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guros para os seus propósitos dum crescimento económico sustentável e distributivo. A África parece estar condenada a uma espécie de determinismo subdesenvolvimentista. No passado, foi a exploração colonial, sob as formas de «exportação» de mão-de-obra escrava e de exploração monocultural das matériasprimas e produtos de base. Depois das independências políticas, apareceram os modelos de desenvolvimento que acentuaram a dependência e o neocolonialismo face às antigas metrópoles coloniais. Não houve capacidade, por diferentes motivos, de se conceberem novas estratégias e novas políticas económicas e sociais condizentes com as matrizes culturais nacionais e as necessidades da população. Depois, ainda, os programas de ajustamento estrutural do FMI. O forte endividamento externo dos países africanos – consequência de balanças de pagamentos deficitárias, onde o peso dos manufacturados importados suplantava, sistematicamente, as receitas das matérias-primas – obrigou-os a aceitarem as modalidades de reajustamento propostas pelo FMI, muito prejudiciais à adopção de estratégias activas de diversificação das estruturas produtivas nacionais. Para além dum continente ainda rico em recursos naturais, África apresenta uma disponibilidade de terra que começa a ser cobiçada – e comprada – por países que se mostram deficitários em terrenos aráveis e férteis, colocando-se, portanto, em cheque a sustentabilidade da auto-suficiência alimentar em África. Que consequências este novo comércio mundial pode trazer, em termos gerais? A análise não pode estar desligada de alguns fenómenos: o da urbanização, o da produção de produtos energéticos a partir de cereais (agrocombustíveis) e o do crescimento da população. A população mundial ultrapassará os oito mil milhões de pessoas em 2025 e a concorrência entre utilizações alimentares e energéticas deverá incrementar-se dramaticamente, com um crescimento previsível de cerca de 20% na produção dos agrocombustíveis. Por exemplo, nos Estados Unidos, em 2007, os agrocombustíveis alocaram 20% do milho cultivado, prevendo-se para 2017 a utilização de 40%. Este incremento na utilização de milho só po-
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Coloca-se em cheque a sustentabilidade da auto-
-suficiência alimentar em África
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Com enorme dependência de importação de cereais, o Congo negociou com a África do Sul a concessão de dez milhões
de hectares de terras agrícolas para exportação de produtos alimentares
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derá ser feito à custa de mais terras ou da diminuição das disponibilidades para a alimentação. Seguramente que não haverá incrementos de produtividade suficientes para se deixar incólume a capacidade de satisfação alimentar. A urbanização continuará a registar-se a um ritmo elevado e à custa das terras agricultáveis. Com menos superfície disponível e com terras provavelmente afectadas pela lei dos rendimentos marginais decrescentes (qualidade inferior), a produção alimentar vai, com certeza, diminuir. Se se acrescentarem os efeitos ambientais, como a extensão dos desertos e a diminuição dos recursos hídricos, compreende-se a razão da perda anual de mais de cem mil quilómetros quadrados de terras aráveis. Mesmo considerando possíveis progressos tecnológicos no futuro, as previsões de disponibilidade de terra arável por habitante apontam para uma superfície média de 0,12 hectares em 2050 (contra 0,32 hectares em 1960). Explica-se, assim, a recente tendência de comercialização internacional de terras aráveis, num contexto de segurança dos países no acesso aos bens alimentares. Mas não é só isso. Com a diminuição da superfície agricultável, os preços dos produtos alimentares vão aumentar, mesmo num quadro de progresso tecnológico. A aquisição de terras aráveis em países estrangeiros é uma forma de se garantir a satisfação das necessidades alimentares nacionais, em contextos de enorme volatilidade dos preços dos respectivos produtos, influenciados pelos climas especulativos. As consequências políticas da compra/venda de terras aráveis podem ser graves. Do lado dos países compradores, o risco político está sempre presente, embora dependa da estabilidade dos países vendedores em matéria de consolidação das práticas democráticas. Do lado de quem vende, o preço político associado à diminuição das capacidades internas de produção de cereais e da garantia da segurança alimentar pode ser o da instabilidade, traduzida em golpes de Estado. Como quer que seja, está-se a assistir ao surgimento de um novo quadro das relações comerciais internacionais.
CONQUISTE O SEU LUGAR NO MUNDO. POUPANDO COM O BPA O FUTURO É SEU. Saber poupar é essencial para criar uma base sólida para o futuro. Uma base que lhe permita viver com tranquilidade e maior segurança. Mas não só. A poupança é também o primeiro passo para um dia poder investir e passar a olhar o mundo de forma mais ambiciosa. Por isso, acredite nos seus sonhos e venha ao BPA conhecer a importância da Poupança e do Investimento. Verá que o mundo está ao seu alcance. Nós, vamos ajudá-lo a partir à conquista.
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ALADINO JASSE/LUSA
GEOPOLÍTICA
O grande reencontro A visita de Estado a Angola do Presidente da África do Sul Jacob Zuma marca o início de uma nova era nas relações políticas, diplomáticas e económicas entre os dois países. Inimigos durante a luta de libertação, de costas voltadas desde a instauração da democracia na África do Sul, Luanda e Pretória ensaiam uma parceria estratégica. Maria Pons Joanesburgo 36
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acob Zuma tinha prometido escolher Angola para a sua primeira viagem oficial como Presidente da África do Sul, e cumpriu, levando consigo a maior delegação de sempre: onze ministros e centena e meia de empresários. A visita, qualificada de «histórica» pelo Presidente José Eduardo dos Santos, foi o ponto culminante de um processo de reaproximação iniciado com a eleição de Zuma à liderança do ANC, e que levou o chefe de Estado angolano a Pretória em Maio para assistir à tomada de posse do seu homólogo. Já em Março de 2008, a participação de Zuma, então vice-presidente do ANC, nas comemorações do vigésimo aniversário da batalha do Kuito Kuanavale, tida como o «começo do fim» do
regime racista sul-africano e da sua dominação sobre a Namíbia, tinha sido interpretada como a manifestação do desejo do ANC e do MPLA de pôr termo aos desentendimentos políticos que marcaram os mandatos de Nelson Mandela e de Thabo Mbeki. Agora, a imprensa angolana e internacional deu sobretudo ênfase aos aspectos económicos e comerciais da visita, salientando o crescente interesse das empresas e grupos económicos sul-africanos em aproveitar as oportunidades de negócios oferecidas pela reconstrução de Angola e de disputar com chineses, portugueses e brasileiros um lugar ao sol no boom económico angolano, ignorando ou subalternizando o seu significado político.
Durante a estadia de Zuma em Ango- oportunidade de negócios e desenvolvi- mente no sul e no sector mineiro. São cada la foram assinados vários acordos bilaterais mento para os empresários de ambos os vez mais os angolanos que vão à África do nas áreas das comunicações, transportes e países e que, se ele fosse empresário, «a Sul, para estudar, fazer compras ou receber comércio, bem como um acordo de coo- agarraria com as duas mãos e investiria tratamentos médicos, apesar da barreira peração no sector das energias, nomeada- todo o seu dinheiro». linguística e cultural. Já os sul-africanos mente na refinação de petróleo, que foi rosão mais reservados, influenciados pela detulado de «parceria estratégica». Por sua Primeiro investidor africano sinformação e a má imagem de Angola na vez, Angola comprometeu-se «a criar as em Angola imprensa europeia, mas os que tiveram condições políticas, jurídicas e financeiras oportunidade de visitar Luanda ficam surpara que os operadores económicos nacio- Segundo o presidente da Câmara de Co- preendidos pela hospitalidade dos seus hanais e sul-africanos possam explorar as no- mércio África do Sul-Angola, Teddy de bitantes e o clima de segurança, bem vas relações bilaterais de forma criativa e Almeida, «a convergência e o equilíbrio maior que nas grandes urbes sul-africanas. capaz de corresponder às expectativas dos nas relações comerciais entre Angola e A «frieza» é sobretudo política e foi sob seus povos». África do Sul é um cenário viável, princi- a presidência de Thabo Mbeki que as relaA imprensa sul-africana destacou a palmente devido ao preço do petróleo e à ções entre os partidos no poder em Pretóimportância da parceria estratégica com diversificação da economia [angolana] ria e Luanda passaram pelo que Alex ViAngola no sector energético para superar para satisfazer o mercado interno». nes, investigador do Real Instituto dos as actuais restrições, vencer a recessão e Em matéria de investimentos, a África Negócios Estrangeiros britânico de Charegressar ao crescimento económico. do Sul é o primeiro investidor africano em tham House, qualifica de «era glaciar»: os Com efeito, Angola dispõe de recur- Angola, com mais de três por cento do Presidentes praticamente não se encontrasos praticamente ilimitados neste ram a sós e os dois Governos sector (crude, gás, energia hidroestiveram em campos opostos Para Zuma o mercado angolano eléctrica, biocarburantes). A parem quase todas as questões te de Angola nas importações estratégicas que afectaram a representa uma formidável oportunidade sul-africanas de petróleo, antes África Austral durante mais de negócios, e investiria mínima, tem aumentado abrupde uma década. todo o seu dinheiro tamente nos últimos anos, proÉ este «gelo» que Zuma vocando um forte aumento das procurou enterrar durante a trocas comerciais entre os dois países, e total, mas muito aquém das suas capacida- sua visita e as suas declarações públicas fodesequilibrando a balança comercial a fa- des e apesar da proximidade geográfica ram música celestial para os ouvidos dos vor de Luanda desde 2007. Neste ano as que favorece a criação de empresas mistas governantes angolanos. Foi ovacionado exportações angolanas para a África do e das sinergias que delas resultam. no Parlamento de Luanda quando se diriSul quadruplicaram em relação ao ano Mas se as relações económicas entre os giu em português aos angolanos e aos deanterior: de três mil milhões de rands dois países tardam em atingir o nível dese- putados para afirmar: «O nosso país é o (396,5 milhões de dólares) para 12 mil jável não é por falta de um diagnóstico vosso país. O vosso país é o nosso país. milhões de rands (1586 milhões de dóla- correcto nem de um quadro institucional Nós somos um só povo, uma só família. res). No mesmo tempo, as exportações favorável. Ambos são membros da SADC Sinto-me em casa». sul-africanas para Angola também cresce- e estão unidos no plano bilateral pelo ram, mas mais lentamente (de cinco mil Acordo Geral de Cooperação Económica, Quibaxe milhões de rands (660,9 milhões de dóla- Cientifica e Técnico Cultural (assinado res) para seis mil milhões de rands (793 em Abril de 1998) que deu lugar à criação Outros momentos altamente simbólicos milhões de dólares). de uma Comissão Mista (em 2000) e à foram as homenagens a Agostinho Neto e ao «Soldado Desconhecido» angolano, No encerramento do Fórum Empre- conclusão de vários acordos sectoriais. sarial Angola/África do Sul que se realiA título privado, muitos empresários e a visita ao antigo campo de treino do zou durante a sua visita a Luanda, o Pre- angolanos têm interesses na África do Sul ANC em Quibaxe, na companhia de sidente sul-africano disse que o mercado e homens de negócios sul-africanos procu- uma extensa delegação composta por ofiangolano representa uma formidável ram oportunidades em Angola, nomeada- ciais superiores das Forças Armadas da
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se fosse empresário
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Foi em Quibaxe que os sul-africanos que participaram na luta de libertação se forjaram como
verdadeiros soldados, afirmou Zuma
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África do Sul e antigos combatentes treinados no local, na década de 80. Os «oito mártires» assassinados a 4 de Maio de 1984 em Quibaxe, a quem Zuma rendeu uma sentida homenagem, foram vítimas de «rebeldes armados» não identificados, ficando até hoje por esclarecer se eram guerrilheiros da UNI-
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TA, dissidentes do ANC ou uma mistura de ambos. Em todo o caso, Zuma disse que foi em Quibaxe que os sul-africanos que participaram na luta de libertação se forjaram como «verdadeiros soldados» e que quando esteve «diante das campas dos nossos combatentes desejei que todos os sul-africanos viessem aqui para fazer uma introspecção de onde começámos com a luta». Palavras de agradecimento e o reconhecimento oficial do papel fulcral de Angola na «luta contra o apartheid e todas as formas de discriminação e de exploração» representam uma ruptura com a atitude crítica que Mandela e sobretudo Mbeki sempre manifestaram em relação à alegada preferência de Luanda pela força das armas em detrimento da negociação política, tanto para pôr termo à
guerra civil em Angola como para resolver conflitos nos países vizinhos. Os adversários do actual chefe de Estado sul-africano vêem na nova diplomacia sul-africana uma prova de que a realpolitik, a cooperação Sul-Sul e o estreitamento das relações com a China estão a afastar a África do Sul do modelo de democracia ocidental. Estas críticas são sobretudo para uso interno. Pelo contrário, analistas sul-africanos estimam que o aproveitamento conjunto dos recursos naturais de Angola das capacidades industriais, técnicas e financeiras da África do Sul podem fazer da África Austral a «locomotiva» do continente e contribuir para promover a paz e o desenvolvimento de África com base numa integração regional equilibrada e progressiva.
A CRÓNICA DE pepetela
A propósito de podas
A
cena aconteceu à frente da minha casa. Um grupo podava as altas árvores de um largo há muitos anos fechado para obras. Abrindo parêntesis, o dito largo, a ser remodelado ou para jardim ou para lhe aplicarem os já habituais quiosques «destinados a fomentar o turismo» (?), os quais nunca funcionam por se situarem em zona residencial inflacionada de pontos de venda de cerveja, foi condenado a virar uma savana rodeada de chapas de zinco na vertical, com capim alto, onde tudo pode acontecer desde negócios escuros a alívio de necessidades de ordem fisiológico-drogo-sexual. Mas voltemos à poda das árvores ao lado da savana. Alguns ramos sofreram cortes na parte terminal. Os seis trabalhadores reuniram os ramos cortados numa metade da rua. O camião que os levara, destinado a transportar os restos, estacionou na outra metade, fechando portanto a rua. Lógico, a operação era perigosa para o trânsito. Só um estava em cima da árvore, com a famosa serra mecânica. Amarraram uma corda a um resto dos ramos a cortar, mas na sua base, onde se ligava ao tronco principal. Era um coto de uns dois metros de comprimento e muitos quilos de peso. O trabalhador pôs a serra a funcionar, os outros assistindo. Logo se percebeu o que podia acontecer: o coto caía em cima do camião, coberto com a respectiva lona. Ninguém fez contas, manda-
ram. O ramo foi mesmo cortado, a inútil corda a agarrar a base, que ninguém puxou. Pela lei da gravidade, o tronco veio a direito e furou a lona do camião, caindo lá dentro. Objectivo cumprido e sem trabalho sequer de carregar o peso para cima do camião. O rasgão na lona? Ora, simples dano colateral, como diriam os americanos dos muitos civis mortos em todas as guerras que vão fazendo pelo mundo. Ainda por cima agora não é época de chuvas, pode andar o camião com a lona rasgada. E depois, a lona não é deles nem do fiscal que dirigia a operação, é do Estado, não pertence pois a ninguém, podemos estragar. Por isso todos riram quando o tronco furou a lona. Mesmo o utente da serra, arriscando-se a deixar cair o pesado instrumento por não resistir às gargalhadas. Típica cena luandense, dirão os mais conformados. A propósito de podas, recordo uma cena que já contei. Nos primeiros anos da Independência, um comissário municipal foi fazer uma «pós-graduação» em gestão urbana na antiga Jugoslávia. Vindo para Angola, mandou podar as árvores em pleno tempo das chuvas. Avisaram-no os velhos jardineiros: – Camarada comissário, só se devem podar árvores no cacimbo. – Hábitos de colonos reaccionários. – retorquiu o reciclado gestor urbano – Estive na Jugoslávia, país que está mais avançado que nós no socialismo. Se estão a podar agora, é porque sabem.
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Não podemos deitar culpas a tudo o que
sucede mal no país apenas aos kaluandas e seus administradores
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Assim deram cabo da bela mulemba da minha meninice. Isto não se passou em Luanda e portanto não podemos deitar culpas a tudo o que sucede mal no país apenas aos kaluandas e seus administradores. Sejamos optimistas na questão das podas. Como já verificámos, somos uns tremendos boelos nesses trabalhos. Porém, certamente não faltarão gestores urbanos a propor cursos de poda a uns tantos sobrinhos ou primos, nas capitais da Europa ou até, se os santinhos ajudarem, nos Estados Unidos. Aí é que se poda bem, com modernidade! Virá tecnologia de ponta, o que significa importação de material rolante, escadas móveis e serras leves de última geração. Boas comissões em perspectiva. E que se danem os velhos podadores, uns analfabetos imbuídos de espírito saudosista, trabalhando com catana e sabedoria da tradição! África21– setembro 2009
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moçambique
O rio Zambeze Jorge Ataíde
já não divide Moçambique
A chegada para a festa
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oi em festa, e que festa! Moçambique assinalou o início da travessia do rio Zambeze, por estrada, a 1 de Agosto, através da Ponte Armando Emílio Guebuza. Uma obra há muito desejada, ainda antes da independência nacional, que aconteceu há 34 anos. É um sonho que diversas vicissitudes foram impossibilitando e que acabou de se tornar realidade. E a festa foi mesmo ali em Chimuara, província da Zambézia, e em Caia, província de Sofala, onde durante décadas um acidente geográfico dividia, literalmente, o país em duas partes, dificultando, se não mesmo impedindo, a ligação entre o Centro, o Sul e o Norte. Um movimento desusado, sobretudo do lado de Caia, no dia anterior à inauguração, dava indicação de que a festa seria rija. A vila-sede do distrito de Caia estava apinhada de gente. Em muitos locais ouvia-se, com alguma frequência, a expressão «também por aqui?». Era o reencontro de amigos e conhecidos. E todos iam ao mesmo. Foi um acontecimento que muitos não quiseram perder. Os que não puderam estar acompanharam pelas televisões e rádios. A noite anterior, uma sexta-feira ligeiramente fria, já era de festa. E foram muitos os que não dormiram. Já não havia camas disponíveis para tanta gente, de um e do outro lado do grande Zambeze. Outros preferiram acampar, em tendas próprias ou nas muitas que o governo do distrito de Caia disponibilizou.
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Moçambique tem desde 1 de Agosto uma ligação rodoviária que une o Norte, Centro e Sul do país. Com a inauguração da Ponte Armando Emílio Guebuza, sobre o rio Zambeze, concretizou-se um sonho de décadas. Do Rovuma ao Maputo há, agora, uma coluna vertebral rodoviária que reforça a unidade nacional. Leonardo Júnior MAPUTO
O dia da festa, um sábado, apresentou-se com um sol forte e quente. Cedo ainda, a multidão juntou-se nas duas margens do grande Zambeze. Aquelas duas margens onde muitos passaram noites de desconforto, por não terem chegado a tempo de atravessar (os batelões que garantiam a travessia fechavam às 17h00), sendo obrigados a pernoitar. De sublinhar que a oferta de alojamento, nas duas margens, é precária. A proximidade do rio faz das margens um local cheio de mosquitos. Mas voltemos à festa. Muitos dos presentes vestiam t-shirts alusivas à ponte. Predominavam também capulanas com imagens da ponte ou de Armando Guebuza. O Chefe de Estado chegou ao local, de helicóptero, do lado de Chimuara, onde assistiu às cerimónias tradicionais. De seguida, fez a última travessia de batelão, de Chimuara a Caia, simbolizando o fim daquela forma de ligação das duas margens do rio Zambeze. Era o adeus aos batelões naquele local. Caia e Chimuara não mais serão ligados de batelão. Do lado de Caia, outra multidão recebe Guebuza, e há mais cerimónias tradicionais; afinal há antepassados importantes de um lado e do outro do Zambeze a merecerem atenção dos vivos. Nas duas cerimónias foram invocados os ancestrais, que receberam o seu quinhão de comida e bebida, como bem manda a tradição africana.
Findas as cerimónias tradicionais, do lado de Caia, o Presidente Guebuza dirigiu-se à entrada da ponte, onde o aguardavam milhares de pessoas para testemunharem o corte da fita, e passou pelos vários grupos culturais que actuavam, incansavelmente, de um lado e do outro da estrada, próximo da portagem da ponte. Era a festa! Armando Guebuza cortou a fita, entrou no carro, do lado do volante, já à entrada da portagem. Fez o pagamento da portagem e conduziu, seguido de uma longa coluna de carros e pessoas a pé, em ritmo de cerimónia, até ao outro lado da ponte, em Chimuara, onde descerrou a placa que assinala a inauguração.
Showmícios e cerimónias religiosas
Jorge Ataíde
Em Chimuara, um mar de gente aguardava a chegada do Chefe de Estado para o comício. Na verdade foi um showmício, pois, no compasso de espera, grupos culturais e musicais iam animando os presentes, reforçando ainda mais o ambiente de festa. Pacientemente, o povo esperou até que, finalmente, a comitiva presidencial chegasse. Ecoaram, então, ainda mais fortes os «vivas» e os «hoyês» (uma outra forma de dizer Viva!) a Moçambique, à ponte, ao povo moçambicano e ao Presidente Guebuza.
Na tribuna, representantes de diversas organizações religiosas, como que fazendo jus ao ecumenismo e à tolerância religiosa do povo moçambicano, fizeram, à vez, orações em nome de cada uma das religiões presentes, das protestantes à católica romana, passando pela islâmica. Assim se completava o ciclo da bênção, que começara com as cerimónias tradicionais, dirigidas aos antepassados, e terminara com a evocação de Alá, de Deus. Depois, desfilaram os discursos dos financiadores da obra, nomeadamente o Japão, Itália, Suécia e Comissão Europeia, trazendo, cada orador representante daqueles países e instituição europeia, um sotaque sui generis, pois discursaram todos em português, arrancando aplausos do povo. Desfilaram ainda os discursos dos representantes das populações de Chimuara e de Caia, e igualmente dos governadores das províncias de Sofala e Manica, que estão ainda mais próximas com a abertura da ponte.
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Nas cerimónias foram invocados os ancestrais que receberam o quinhão de comida e bebida como manda a tradição africana
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Por sua vez, o Presidente da República enalteceu a importância da obra acabada de inaugurar. Disse que aquele empreendimento faz parte do esforço do Governo no combate à pobreza, a pedra de toque dos cinco anos do mandato. E que era objectivo do Executivo que o país tivesse «uma coluna vertebral rodoviária», ligando o Norte, o Centro e o Sul. Agradeceu e apresentou cada um dos que se empenharam para que a obra, um sonho de décadas, que remonta ao tempo colonial, tivesse, finalmente, visto a luz do dia. Todos e cada um mereceram os aplausos do povo. Mas é para Joaquim Chissano que, enquanto Presidente, foi incansável na mobilização de fundos para a construção da ponte, que vai o maior aplauso.
A primeira ponte inteligente do país
Armando Guebuza assiste à evocação dos antepassados
A ponte é uma bela obra de engenharia. Construída pelo consórcio português Mota-Engil/Soares da Costa, a obra salta à vista pela dimensão – tem um tabuleiro de 2376 metros de comprimento – e pela elegância, que disfarça bem os 16 metros de largura, quatro faixas de rodagem, sendo que a sua estrutura permite uma eventual futura duplicação. Estava orçada em 66 milhões de euros (94,5 milhões de USD), mas alguns atrasos, deÁfrica21– setembro 2009
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Conselho Constitucional valida três das nove candidaturas Uma imagem do passado
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A ponte tem um tabuleiro de 2376 metros de comprimento, 16 de largura, quatro faixas de rodagem e uma estrutura que permite uma eventual duplicação
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vido às chuvas, terão provocado uma derrapagem dos custos para montantes ainda não revelados. É uma das maiores pontes de África e a primeira ponte inteligente em Moçambique, pois é monitorizada por computadores instalados em Maputo, como explicou o Eng. Elias Paulo, director da Ponte e que também mereceu uma menção do Presidente da República. A ponte foi construída em tempo recorde: três anos. De referir que o local onde, ainda no tempo colonial, tinha sido colocado o primeiro pilar para a construção de uma ponte sobre o Zambeze, serviu para o espectáculo de fogo-de-artifício e vai funcionar como miradouro para a nova ponte. É crença das autoridades moçambicanas e pela entidade gestora da ponte que ela será um atractivo turístico. Mas a ponte Armando Emílio Guebuza não é a única obra do género que o país pretende apresentar, este ano. Em Novembro, já depois das quartas eleições gerais (legislativas e presidenciais) e das primeiras eleições multipartidárias para as Assembleias Provinciais, será a vez de ser dada como concluída a ponte da Unidade, que liga Moçambique à Tanzânia, mas cuja data de inauguração ainda não foi fixada.
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A corrida ao palácio da Ponta Vermelha, a 28 de Outubro, será apenas entre Armando Guebuza (Frelimo), Daviz Simango (MDM) e Afonso Dhlakama (Renamo). Entretanto, os partidos vão afinando as máquinas para a campanha eleitoral, que arranca a 11 de Setembro.
O
Conselho Constitucional (CC) chumbou seis das nove candidaturas para as eleições presidenciais de 28 de Outubro, e que vão ocorrer simultaneamente e pela quarta vez, com as legislativas e, pela primeira vez, com as multipartidárias para as Assembleias Provinciais. De acordo com o acórdão do CC, várias razões contribuíram para a rejeição das seis candidaturas, nomeadamente a inobservância de grande parte dos requisitos previstos na lei, como a recolha de dez mil assinaturas de cidadãos recenseados e a apresentação de uma caução de 100 mil meticais (pouco mais de 3600 USD), depositados na conta bancária do CC. Embora todas as candidaturas tenham apresentado mais do que as dez mil assinaturas exigidas, todas elas viram parte dessas assinaturas invalidadas por, entre outras razões, terem, segundo o acórdão do CC, «o mesmo número de cartão de eleitor com nomes diferentes e fichas de proponentes com diferentes nomes, fichas de proponentes sem fotografias, cartões de eleitores de proponentes sem sequência numérica contínua, tornando evidente não serem mais do que meras reproduções de folhas de ca-
dernos de recenseamento, o que faz presumir não terem, dos respectivos titulares delas, tido conhecimento ou nelas tido intervenção». O rol de incorrecções, imprecisões e casos duvidosos é enorme, o que levou a que o CC recorresse à Direcção Nacional dos Registos e Notariado para pedir especialistas em dactiloscopia e em grafologia. A peritagem feita por esses especialistas levou à conclusão de que «houve efectivamente viciação intencional da vontade de eleitores que aparecem registados nas fichas como proponentes de determinadas candidaturas», por um lado, e, por outro, «negligência de certos agentes notariais que abdicaram do seu dever de observar escrupulosamente os ditames legais». Considerando o caso grave, o CC submeteu todos os documentos sob suspeita ao Ministério Público, por considerar que podem indiciar a prática de ilícito criminal.
Candidatos em movimento, partidos afinam máquinas Dos três candidatos aprovados pelo CC, dois já se movimentam pelo país, procurando apresentar-se ao eleitorado, a PEDRO SÁ DA BANDEIRA/LUSA
A dança eleitoral já começou em Moçambique
pouco menos de um mês do arranque oficial da campanha eleitoral. Daviz Simango, candidato do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), tem-se dividido entre a edilidade da Beira, a que preside, e a correr o país, para falar do seu novo partido e das razões que o levaram a ser candidato à Presidência da República. O líder e candidato da Renamo, Afonso Dhlakama, deixou a sua actual residência, em Nampula, para escalar Sofala, onde quer reanimar os seus apoiantes, como que querendo provar que as notícias da sua morte política são prematuras. Ao chegar à capital da província, Beira, Dhlakama disse que desta vez é que vai mesmo ganhar, argumentando que Armando Guebuza, o candidato da Frelimo, não pode voltar a ganhar «porque mesmo em 2004 não ganhou as eleições. Roubou como havia feito Chissano», disse o candidato da Renamo. Já o candidato da Frelimo e actual Presidente da República, Armando Guebuza, terminou, em Agosto, a série de Presidências Abertas e Inclusivas, que ao logo dos cinco anos de mandato o levaram a escalar todos os 128 distritos do país. A menos de um mês do início da campanha eleitoral, Guebuza orienta reuniões para ultimar as estratégias e o programa de candidatura do partido em sessão alargada do Comité Central da Frelimo. Os partidos políticos começam a divulgar os programas eleitorais, multiplicando-se debates, anúncios e aparições nos órgãos de informação. Para garantir a participação nas eleições de 28 de Outubro – que poderão registar uma das maiores participações de sempre – a Comissão Nacional de Eleições (CNE) prossegue com as campanhas de educação cívica eleitoral, e a promover showmícios (comícios com shows culturais) um pouco por todo o país.
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LUSA
moçambique-malawi
Os caminhos
tortuosos
da cooperação Amândio Guebuza
A
visita do Presidente do Malawi, Bingo wa Mutharika, a Moçambique, em Agosto, deveria ter servido para o relançamento das relações de cooperação entre os dois países vizinhos e membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Porém, um incidente fronteiriço acabou por trazer à actualidade os tempos do Malawi de Kamuzu Banda. Para Moçambique, o Malawi foi sempre um vizinho suspeito, que ora se juntava aos países da região – falamos dos países de regime de maioria negra – quando convinha, ora se aliava ao apartheid, pela calada, conspirando contra os demais. Foi nessa altura que o então Presidente de Moçambique, Samora Machel, visitou Kamuzu Banda e ameaçou colocar mísseis na fronteira, virados para o Malawi. O Governo de Maputo alegava que o Malawi servia de retaguarda da Renamo, sobretudo depois da assinatura do Acordo de Nkomati (um acordo de não agressão, boa vizinhança e não ingerência) entre Moçambique e África do Sul. Mas o Governo da Frelimo e a Renamo acabaram por assinar a paz, em 1992, pondo fim a 16 anos de guerra. Terminavam, assim, as razões de suspeita de apoio do Malawi ao então movi-
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mento rebelde moçambicano. As relações entre os dois países foram, desde então, conhecendo algumas melhorias. Para o Malawi, os portos de Nacala e da Beira, bem como os corredores ferroviários ligados aos mesmos, são de especial importância para o acesso ao mar. Recém-eleito, o Presidente Bingo wa Muthakira visitava Moçambique, pela primeira vez, a convite do homólogo moçambicano, quando é noticiado o ataque, por parte de forças malawianas, a um posto fronteiriço moçambicano, em Ngauma, na província do Niassa. Na origem do incidente, segundo as autoridades moçambicanas, terá estado a apreensão de uma bicicleta de um cidadão malawiano, que transpôs ilegalmente a fronteira. Na sequência dessa apreensão, a 3 de Agosto, a força de guarda-fronteira do Malawi atacou o posto de guarda-fronteira de Ngauma, usando gás lacrimogénio e tendo feito diversos disparos, causando a destruição das instalações, embora não provocando vítimas. O incidente embaraçou a visita do Presidente malawiano, que se viu obrigado a cancelar a visita ao Porto da Beira e a outros locais, fechando-se no hotel para contactos com o Malawi. No final da visita, prometeu reunir, depois de regresso ao Malawi, as forças de se-
Bingo wa Mutharika
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O incidente de Ngauma obrigou ao cancelamento
da visita do presidente malawiano ao Porto da Beira
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gurança para se inteirar do sucedido e apurar responsabilidades e, depois, informar pessoalmente o Presidente moçambicano dos resultados das investigações. Da parte moçambicana, as autoridades exigem que os responsáveis pelo ataque ao posto fronteiriço de Ngauma sejam penalizados. Entretanto, os diversos protocolos de cooperação elaborados durante a visita do Chefe de Estado do Malawi a Moçambique acabaram por não ser assinados, devendo merecer a análise e o parecer de técnicos para posterior assinatura. Apesar de tudo, o ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, afirma que as relações entre os dois países «são muito boas» e defende que o incidente de Ngauma não deve ser extrapolado.
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moçambique-BRASIL
Guerra do frango passa para a publicidade
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uem circula nos meios urbanos de Moçambique depara com painéis de publicidade que se destacam dos outros pela agressividade e criatividade das mensagens. O mesmo acontece nos meios de comunicação. E o tema é o frango. O frango nacional e o estrangeiro, representado pelo brasileiro. Há alguns anos que os produtores nacionais de frango vinham fazendo uma guerra ao
frango brasileiro. Tudo começou quando, perante a dificuldade de satisfazer o mercado nacional, se optou por importar frango brasileiro. Acontece que o frango do Brasil chegou a Moçambique a preços mais baixos do que o frango nacional. Os consumidores agradeceram e passaram a comprar o frango brasileiro. Os produtores nacionais pediram então ao Governo que impedisse a importação do frango brasileiro e o Governo entendeu, na altura, que isso só aconteceria quando a produção nacional fosse suficiente e a preços comportáveis com o poder de compra dos moçambicanos.
A guerra arrastou-se ao longo de meses. E o braço-de-ferro entre a Associação Nacional de produtores de frango prologou-se até que o Governo decidiu interromper as licenças de importação de frango. O objectivo, de acordo com as autoridades moçambicanas, é incentivar a produção nacional de frango. É neste momento, que a importação do frango está interrompida, que os produtores nacionais lançam uma campanha agressiva contra o frango brasileiro. Um dos spots, que passa nas televisões, usa a música «Garota de Ipanema», com um frango brasileiro a dançar que, de seguida, é empurrado por um outro, moçambicano, ao ritmo de pandza/dzukuta, um ritmo inventado por jovens músicos moçambicanos, há cinco anos. Moçambique consome, em média, cinco mil toneladas de frango por mês e só produz, até ao momento, quatro mil toneladas mensais. No que se refere aos altos custos do frango nacional, o ministro da Indústria e Comércio, António Fernando, diz que tal se deve ao problema da produção de rações, que representam 67% dos custos de produção. A única forma de baixar esses custos, ainda segundo o ministro, é aumentar a produção de soja. Como estratégia para proteger o mercado e promover a produção nacional do
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A Garota de Ipanema
com um frango brasileiro a dançar é empurrado por um frango moçambicano ao ritmo de pandza/dzukuta
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frango, o Governo vai continuar a procurar garantir o fornecimento de soja e milho para a produção de rações e a melhorar a rede viária, o abastecimento de água e de electricidade, por um lado, e a intensificar o controlo alfandegário, por outro. Entretanto, empresários brasileiros dedicados à produção de frango foram convidados pelas autoridades a investirem em Moçambique. Esta seria, na visão do Governo, a melhor maneira do Brasil ter acesso ao mercado nacional, com 20 milhões de consumidores, e da região da África Austral, com 250 milhões de consumidores. De referir que uma tonelada de frango do Brasil custa 1200 dólares, contra 1400 dólares a que fica a tonelada na vizinha África do Sul.
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A CRÓNICA odete costa semedo
Tio Paulo e os clientes
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clientela somava a cada início do ano lectivo. Velhos e novos alunos; muitos vindos do interior com o fito de tirar o BI1 e entrar para o Ciclo2. Gente que se deslumbrava com a cidade grande, com os carros a desfilar pelas avenidas. Um amigo lembrou-se, um dia desses, que levou tempo para ir estudar na capital, pois o pai dele achava perigoso partilhar estradas com carros. E se fosse atropelado? Seriam mais despesas, além das dos livros. O melhor seria ficar na sua pequena vila, mas conseguiu convencer o seu velho, sabe-se lá por que mágica. Toda essa gente era cliente do tio Paulo, e mais quando a Foto Siri caiu, a Usbai Foto desmaiou e os amigos Luís e Adriano davam voltas e voltas para terem material fotográfico e servir o público, sobretudo no carnaval – a maior azáfama depois da época das matrículas. As moças e os namorados ntrudu3 queriam ser fotografados e com direito a um álbum. Para qualquer documento as autoridades pediam fotografias: era retrato que nunca mais acabava... para carta de condução, cartão de trabalhador, guia – que se tirava para viagens ao interior e do interior para a capital. Quando se descobriu que era bom viajar para o exterior, vieram mais consumidores de fotos: passaportes e formulários de pedido de visto de entrada no país estrangeiro. Tio Paulo desdobrava-se em mil para tirar e lavar as fotos. Às vezes faltava luz. Nesses casos o estúdio ficava às escuras,
daí a ideia do tio Paulo de transformar o passeio do mercado central e da Farmácia Higiene em estúdio, conforme a posição do sol. Até ao meio-dia era num e à tarde era noutro passeio. O calor não perdoava e, até o cliente estar na posição certa, era um levanta queixo mais para cima, vira o pescoço para esquerda, estufa o peito... que os rostos das pessoas começavam a reluzir de tanto suarem. Mas aguentavam firmes, pois era quase uma missão esse jogo entre o fotógrafo e o fotografado. Ter um estúdio fotográfico é um negócio que rende algum, dizia o tio. É discreto, mas exige uma boa preparação física. Tio Paulo não poupava posições: recuava, ficava quase de cócoras, inclinava-se ora para a esquerda ora para a direita à procura do melhor ângulo. Ia até junto à pessoa e ele mesmo encarregava-se de lhe endireitar o pescoço, a cabeça... um toque no queixo e voltava para a sua posição inicial, esticando-se e se encolhendo em busca da imagem de excelência, não vá o cliente dizer que saiu feio na foto. Aliás, essa era a maioria das causas de reclamações que o nosso tio recebia. As meninas, dizia ele, são as que protestam mais. Dizem que saíram lampradas4 na foto, que estão brancas, que saíram escuras demais, que os lábios estão mais grossos do que são de facto, que aquele nariz não pode ser delas. Mas eu faço o que posso, dizia. O tio contou que tirou fotos a duas amigas. Eram os anos de uma delas. Havia luz naquele dia e fizeram os retratos no estúdio. Dias depois foram buscá-los.
Um mural contra a sida cujo vírus afecta quase seis milhões de sul-africanos
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A máquina fotográfica do tio Paulo
quando fotografa elefante é esse bicho
que aparece no postal e não uma lebre
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A aniversariante era um pouco mais avantajada que a amiga, mas quando viu a foto parecia querer bater no rapaz do balcão, porque achou-se gorda na fotografia e esse respondeu à sua reclamação dizendo que a máquina fotográfica do tio Paulo quando fotografa elefante é esse bicho que aparece no postal e não uma lebre. Fosse nos dias de hoje, tio Paulo não passaria por essa agonia. Hoje as máquinas moldam a imagem dos modelos, tiram fotos a três dimensões, dentro e fora da água, resistem a quedas. O acto de fotografar já não é um exercício físico exigindo grandes malabarismos do profissional. E a fotografia, se antes fora, hoje continua sendo uma arte, por isso os retratos querem-se espectaculares, captando momentos – o processo criativo de Auguste Rodin é um esplêndido exemplo –, tendências, glamour; informando e denunciando um pouco do que vai pelo mundo. E a máquina tem o seu mérito. BI – bilhete de identidade Ciclo – Ciclo Preparatório 3 Ntrudu – mascarado em crioulo guineense 4 Lampradas – de lampra (brilhar em crioulo guineense, brilhantes, reluzentes) 1 2
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Alguma luz Guiné-Bissau
ao fundo do túnel O dia-a-dia da maioria dos guineenses é uma sucessão de carências de todo o tipo, mas nos últimos tempos são visíveis sinais animadores de mudança Fernando Jorge Pereira bissau
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o passado mês de Julho, em plena campanha para a segunda volta das eleições presidenciais antecipadas, o ministro das Finanças, o empresário José Mário Vaz, anunciou que os salários em atraso estavam regularizados e prometeu que daí em diante o vencimento dos funcionários ia ser pago a tempo e horas. Na altura, o líder da oposição e candidato presidencial acusou o Governo de propaganda eleitoral, a fim de favorecer o candidato governamental. Tanto mais que a medida foi executada cerca de duas semanas antes do final do mês. Contudo, ao contrário do habitual, a promessa foi cumprida, e em Agosto, os honorários voltaram a ser levantados nas contas bancárias no dia 21. Num país onde o Estado é o maior empregador, o facto tem um peso económico importante, até porque foi concretizado apenas com recursos internos. A União Europeia, o principal parceiro multilateral da Guiné-Bissau, elogiou prontamente o actual rigor nas finanças públicas, que permitiu alterar a situação. Até então, a regra era acumular três ou mais meses de salários. O último Executivo do defunto Presidente Nino deixou cinco meses de ordenados por regulari-
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zar. O regime de Kumba Yalá bateu todos os recordes nesta matéria, com nove a onze meses de salários em atraso. Em 2008, os agentes públicos chegaram a passar o Natal sem ordenado. No entanto, estes ganhos recentes ainda não estão consolidados, e só poderão ser reforçados se cada Ministério fizer o trabalho de casa e puser as contas em ordem, o que ainda não é o caso. Um exemplo negativo apontado pelos responsáveis das Finanças é o do Ministério da Educação, onde o descontrolo com os professores contratados dá lugar a muitos abusos, que penalizam bastante o Tesouro público.
Funcionários fantasmas O primeiro recenseamento biométrico dos funcionários, realizado entre Maio e Agosto, deve permitir detectar os chamados funcionários «fantasmas», pessoas que já morreram ou estão no estrangeiro, mas cujos títulos continuam a ser normalmente processados, em benefício de uma rede ilegal no interior do aparelho administrativo das diferentes estruturas estatais. O recenseamento é uma das premissas de uma reforma da Função Pública, destinada a acabar com a roubalheira, equilibrar o Orçamento Geral do Estado, utili-
Os polícias sinaleiros voltaram às ruas de Bissau
zar as economias resultantes da redução de efectivos, nomeadamente nas Forças de Defesa e Segurança, para melhorar os salários e as condições sociais dos trabalhadores. Se não for travada, a reforma atacará ainda o privilégio de alguns ex-governantes, que graças a uma disposição legal, auferem salários equiparados a director-geral, sem porem os pés no serviço. Mas alguns analistas duvidam que Fernando Gomes, o ministro da Função Pública, ex-oposicionista e antigo presidente da Liga dos Direitos Humanos, consiga os apoios necessários para mudar a lei. O sector energético é outra esfera de actividade onde se regista uma melhoria da situação. Embora as ruas às escuras, os cortes de luz e o ruído de geradores nos
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passeios ainda sejam a imagem de marca do país, há cerca de quatro meses que se assiste a um abastecimento mais regular de luz eléctrica e de água. Por enquanto, a mudança limita-se à capital, em particular aos clientes com maior poder de compra, empresas, embaixadas e organizações internacionais. Mas um número cada vez maior de utentes também está a sentir os efeitos da instalação do projecto de assistência técnica à gestão comercial e financeira da EAGB,
Antes de tomar posse a 8 de Setembro como sexto Presidente guineense, Malam Bacai Sanhá esteve a repousar durante uma semana de Agosto na ilha cabo-verdiana do Sal, enquanto um grupo de trabalho de 15 pessoas se encarregava da elaboração da sua futura agenda. Um pouco mais de metade dos membros do task force não pertence ao PAIGC, o partido governamental. A composição plural da equipa, coordenada pelo agrónomo Mário Cabral, ex-rival de Malam Bacai nas primárias para a designação da candidatura presidencial, indicia a forma consensual e dialogante que o novo Presidente da República pretende imprimir à sua magistratura. A intenção de facilitar o entendimento com o Executivo levou-o a deixar a representação da Guiné-Bissau na sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas a cargo do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, que já estava previamente inscrito. Se a experiência resultar, poderá trazer mudanças positivas no modelo político dominante no país e aproximar da órbita do poder pequenos partidos dirigidos por personalidades influentes, alguns fortes nos planos intelectual e profissional e outros com considerável capacidade de intervenção política. A agenda presidencial, de cinco anos, deverá reflectir as promessas eleitorais de Sanhá. Uma delas é promover a reforma da Justiça, área onde se acumulam dossiês escaldantes, tais como o dos atentados que vitimaram o ex-chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, general Tagmé Na Wai, e o Presidente Nino Vieira. O relatório pericial, feito por especialistas norte-americanos, está pronto, mas o inquérito judicial arrasta-se. Além de alinhavar o discurso de investidura e de delinear a estratégia presidencial em matéria do sensível sector da Defesa e Segurança, o grupo de trabalho deve formular a orgânica da Presidência da República, com a preocupação de introduzir critérios mais rigorosos na definição do staff presidencial, assim como na sua gestão orçamental. O ex-director de Gabinete do Presidente Nino e candidato às recentes presidenciais, João Cardoso, faz parte do grupo de trabalho, assim como o jornalista Agnelo Regalla, o advogado Amine Saad, o empresário Canjura Injai e o universitário Uko Monteiro, todos oposicionistas de longa data. A antiga ministra da Saúde, Eugénia Saldanha, e Zinha Vaz, a única mulher líder de partido, também constam da equipa de trabalho. FJP
a empresa pública que detém o monopólio da produção e distribuição de electricidade e água. No início da independência as autoridades guineenses investiram muito na electrificação, mas com o tempo as infra‑estruturas degradaram-se, assim como os problemas de gestão. A própria empresa reconhece os níveis elevados de fraude e a péssima qualidade de serviço. Há dez anos, quando se preparava um programa de reforma do sector, rebentou a guerra civil que adiou os trabalhos. Hoje está em preparação o Plano Director, e em paralelo com um novo sistema de gestão e de reorganização contabilística e financeira, decorre a modernização parcial, a reabilitação e a extensão da
rede eléctrica até a periferia de Bissau. A vetusta central da capital terá a sua capacidade produtiva aumentada de 5,5 para 15 megawatts. Enquanto a electricidade das barragens da OMVG (Organização de Aproveitamento do rio Gâmbia) não chega, aposta-se nos 23 milhões de euros (33 milhões de USD) do Fundo Europeu de Desenvolvimento (2010) para relançar o sector energético. Até lá, o interior do país vive mergulhado na escuridão. A solução que o secretário de Estado da Energia, Papai Wasna Danfa, preconiza para as Regiões, é a recuperação de um fundo indiano, para o qual a Guiné-Bissau foi eleita, mas que acabou por perder, devido à crónica instabilidade política. África21– setembro 2009
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MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
RICARDO BORDALO/LUSA
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Há quatro meses que Bissau tem abastecimento menos irregular de luz eléctrica e de água
A AGENDA DE MALAM BACAI SANHÁ
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A CRÓNICA DE GERMANO ALMEIDA
Urses ou ursus?
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stes meses de férias gerais, estudantes, políticos, tribunais, diasporizados, são meses de muita animação porque tudo chega em confusas catadupas, agravadas este ano pelo calor que despertou algo tardiamente mas abruptamente, exemplo, ainda ontem estava quase fresco, agradável, hoje parece que sai fogo da própria terra para incendiar o ar. Graças a Deus que temos a TACV a refrear a enchente das ilhas atrasando voos de partidas e chegadas, desse modo atravancando os aeroportos de passageiros desatinados em busca das bagagens, magotes de emigrantes enfurecidos jurando nunca mais regressar ao país, esta é a última féria a ser passada em Cabo Verde! Claro que é conversa! Mal recebem intacta a mala retardada, logo esquecem o desaforo que começa no excessivo preço das passagens de que são vítimas nesta época do ano e acaba no péssimo serviço que concomitantemente lhes é prestado. Mas antes do início das férias os deputados à Assembleia Nacional discutiram com alarido e ofensas de parte a parte o «estado da Nação». Não tendo, no entanto, chegado a qualquer conclusão incontestável, porque cada partido deu a sua própria sentença, tendo o primeiro-ministro mais uma vez se confessado muito «decepcionado porque a oposição não deu nenhum contributo valioso ao debate». Bem entendido que foi a enésima vez que ouvi esta frase, desde 1993 que ela está em uso. A princípio acreditei ser um
tique dos primeiro-ministros do MpD não achar valor nas argumentações da oposição, mas depois conclui que não, é antes uma especialidade dos primeiro‑ministros: desprezar os adversários! Que, por sua vez, não honram a situação por aí além: um Governo de expedientes, sem políticas e sem resultado, acusou o líder do MpD. E quando o líder da UCID tentou lançar um pouco de água no vulcão que era os outros dois partidos, o primeiro-ministro, com alguma infelicidade e evidente mau gosto, vituperou-o de se assemelhar a uma ave de rapina da pobreza. Mas, claro, isso tudo deu-se antes da senhora Clinton, distraidamente plagiando Corsino Fortes (Si ONU tmâ Kabverde pâ vela/Munde/ka ta dormi na scure), ter tido a boutade de nos apresentar como exemplo para toda a África. Ficámos todos inchados de basofaria enquanto nos entretemos com um programa televisivo sobre como ler e escrever em língua caboverdiana. Tenho-a acompanhado porque não só é breve (dura quase menos que um minuto), como é transmitido no intervalo dos noticiários. Já vai na letra «x» e nas palavras que a usam: xuculate, xapéu, xintado. Logo nas primeiras lições aprendemos as vogais (aeiou) e como se usam nas palavras conforme se é de Santiago ou de S. Vicente. Por exemplo, a letra «u» e o «urso»: se de um lado dá «urse», do outro diz-se «ursu», nunca «urso». Tenho vivido esta dúvida: e nós da Boa Vista, somos «urses» ou «ursus»?
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Mas depois conclui que não, é antes uma
especialidade dos primeiro-ministros: desprezar os adversários
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são tomé e príncipe
Na rota do desencravamento Com um novo barco de transporte e a inauguração da ligação aérea a Luanda pela STP Airways, o arquipélago está menos perdido no meio do Atlântico Juvenal Rodrigues são tomé
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ríncipe, o barco construído de raiz para assegurar a ligação entre as duas ilhas deixava, no fecho desta edição, os estaleiros de Arenys de Mar, na Catalunha, Espanha, para chegar em finais de Agosto ou princípios de Setembro ao país. Enquanto isso, a STP Airways, a companhia aérea de bandeira são-tomense, inaugurou a rota para Luanda, num voo que liga três países no mesmo dia: Portugal, São Tomé e Príncipe e Angola. Com a abertura desta rota, a companhia de bandeira são-tomense está a cumprir o seu plano de desenvolvimento faseado. A STP Airways entrou assim no segundo nível do projecto, que compreende o desenvolvimento regional do Golfo da Guiné. Daniel Caeiro, do Departamento Comercial da companhia aérea,
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um dos homens que trabalhou bastante na efectivação desta etapa, estava satisfeito: «Concluímos um projecto que há muito era ambicionado. Houve uma grande satisfação das autoridades angolanas e são-tomenses. Tendo em conta o factor histórico que une os dois países, estamos extremamente satisfeitos, porque continuamos com a mesma sinergia e com a mesma forma de pensar». Caeiro sublinhou que «é importante para São Tomé e Príncipe, é importante para a auto-estima dos são-tomenses, que vêem as cores do país distribuídas pelo Golfo da Guiné e pelo mundo, e com a promessa de continuar a crescer de forma construtiva e chegar a outros pontos do mundo». Alguns representantes do empresariado são-tomense que estiveram a bordo do avião consideraram que a ligação é uma mais-valia. Para o comerciante António Quintas Aguiar, é «mais uma possibilidade que se abre aos operadores económicos, são-tomenses e angolanos. É uma mais-valia para os operadores económicos dos dois países. Mesmo os portugueses que queiram fazer esse trajecto têm a vida mais facilitada» O chocolateiro Claudio Corallo, por sua vez, sublinhou que «as comunicações são a base do desenvolvimento e este é um passo importante. Tudo o que pode transportar mercadorias, passageiros e turistas é interessante. A abertura desta ligação que depois continua para Portugal é extremamente importante». Carlos Vila Nova, director da Mistral Voyage, pensa que esta ligação vem melhorar as perspectivas para o turismo: «cria uma certa competitividade salutar entre as operadoras e da nossa parte seria juntar o útil ao agradável se entre as companhias houvesse eventualmente um acordo de permuta. Aí sim, beneficiaria muito mais quem trabalha no sector, e os utentes acima de tudo. Com esta operação, a STP Airways limita as pessoas a sete dias e com uma permuta pode-se fazer operações de três, cinco dias e jogar com a situação». O agente turístico considera ainda que a falta desta ligação se fazia sentir. «A ligação com Luanda passa a ter três
frequências e agora temos que trabalhar e explorar as potencialidades que Angola tem». No discurso oficial que marcou a inauguração, o presidente da STP Airways, Felisberto Neto, reconheceu que ainda «há muito a fazer para que a companhia possa atingir o patamar desejado. Mas temos a certeza que com o esforço dos accionistas e a colaboração de todos quantos querem ver São Tomé e Príncipe melhor, o país terá uma companhia aérea funcional e credível que é a STP Airways». A companhia foi constituída a 23 de Junho de 2008, entre a EuroAtlantic Airways, com 37%; Estado são-tomense, 35%; Banco Equador, 14% e a Golfo Internacional Air Service, também com 14% das acções. A companhia são-tomense assegura igualmente três ligações semanais para o Príncipe, em parceria com a África Connection. Mas as passagens são relativamente caras, devido à qualidade da pista no aeroporto de Santo António, segundo os responsáveis. Espera-se que a entrada em funcionamento do novo navio permita reduzir os preços de viagem para a ilha irmã.
Príncipe Príncipe, o navio encomendado para dar resposta às necessidades de ligação entre as ilhas de São Tomé e do Príncipe, para além do transporte de passageiros, quatro doentes acamados e carga, pode ser utilizado igualmente em expedições turísticas. A viagem é passível de ser feita em menos de cinco horas, explorando a potência dos seus dois motores de 1000 cv, que poderão levar a embarcação aos 80km/h, sem forçá-los. Os 63 passageiros podem viajar comodamente na cabine coberta com cadeiras confortáveis. Foi também concebido para transportar 18 toneladas de carga e combustível com segurança. O barco foi construído seguindo as normas europeias de segurança e qualidade, condições indispensáveis para a sua certificação de navegabilidade. Entretanto, são tripulantes nacionais, que receberam formação na empresa construtora, que trazem a embarcação de Espanha para São Tomé e Príncipe. O ministro das Obras Públicas, Infra-estruturas, Transportes e Comunicações, Benjamim Vera
Príncipe, o barco chegado da Catalunha
Cruz, convidou especialmente a Aresa Boats e todos os interessados a fazerem investimentos, na perspectiva da oportunidade de negócios que poderá surgir com a construção do porto de águas profundas, que será uma nova e moderna infra-estrutura no Golfo da Guiné. A empresa espanhola tem trabalhado com países da região: construiu cerca de 300 barcos para a marinha de Angola, assim como para o Togo, Gana e Benim. Em Angola, está a estudar a possibilidade de construção de um estaleiro em parceria com o Estado angolano. O Governo são-tomense prepara o caderno de encargos que permitirá entregar a gestão do barco ao sector privado. A medida está no entanto a gerar polémica com responsáveis do Governo regional. Tozé Cassandra, presidente do Governo Regional, em declarações à Rádio Nacional, discordou desta solução e propõe que a base de estacionamento da embarcação seja o porto da ilha do Príncipe e que as autoridades regionais façam a sua gestão. Argumentou, entre outras razões, com a necessidade do transporte de doentes. Não seria prático a embarcação ter que sair de São Tomé para o Príncipe para recolher doentes a necessitar de evacuação, pois seriam necessárias cerca de dez horas entre ir e vir. Antes, os deputados da ilha tinham tomado posição idêntica no parlamento. O Príncipe custou 1,1milhões de euros (1,6 milhões de dólares) e a sua construção foi financiada pelo Estado são-tomense, a cooperação taiwanesa e a empresa petrolífera Addax Petroleum.
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Santo António do Príncipe e São Tomé ficam agora à distância de menos
de cinco horas de viagem por mar
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ALADINO JASSE/LUSA
Durante os onze dias que andou por África, Hillary Clinton não descurou nenhum país ou dossiê. Na África do Sul falou sobre o Zimbabwe, no Quénia recebeu o Presidente interino da Somália e falou do AGOA. Porém, só o tempo dirá se resultará a promessa de novas parcerias.
EUA-ÁFRICA
Novos amigos para mais
negócios
Itamar Souza Nova Iorque
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Eduardo dos Santos recebe a secretária de Estado norte-americana
or alguma razão foi no Quénia onde Hillary Clinton dedicou mais tempo a falar dos problemas de governação em África. Para desencanto do primeiro-ministro Raila Odinga, Hillary Clinton censurou Nairobi por não tirar a limpo as mais de duas mil mortes, ocorridas após as eleições de Dezembro de 2007. Odinga disse que África não precisava de receber lições de ninguém. Mas o périplo de 11 dias ficou marcado, sobretudo, pela convicção norte-americana na «promessa africana», e no desafio aos africanos para que tomem conta do seu destino. Hillary Clinton aproveitou a digressão para assegurar a disponibilidade da Administração Obama em aumentar a ajuda a África, e a diversificar a cooperação. Carey Francis, director-adjunto do Centro de Democracia Multipartidária, sediado em Nairobi, no Quénia, disse que a visita da secretária de Estado norte-americana abriu novos caminhos. «As pessoas agora acreditam nos EUA, e estão convencidas de que a nova Administração está do lado delas». Hillary Clinton foi consistente nos sete países que visitou. Repetiu a promessa do seu Governo em
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trabalhar para o alargamento dos acordos bilaterais que ligam Washington a vários países africanos.
Consistência Embora não tivesse entrado em pormenores, disse que o Governo está a trabalhar para reduzir as barreiras com que se deparam os agricultores africanos. Estes aguardam os detalhes da promessa do G8, anunciada em L’Aquila (Itália) de patrocinar um programa de assistência extensivo a agricultores de todos os países pobres, no valor de 12 mil milhões de dólares. O maior triunfo económico usado durante a viagem foi o AGOA, uma portaria em vigor há nove anos, que permite que 6500 produtos importados de África entrem no mercado norteamericano sem pagar impostos e livres de quotas. Políticos africanos como Raila Odinga acham que o AGOA deve ser mais acessível do que é hoje. A solução eventualmente mora nos dois campos. As importações norte-americanas de têxteis africanos desceram dez por cento em 2008. No mesmo período, as exportações de produtos agrícolas africanos ficaram sete por cento abaixo da média dos cinco anos anteriores, quando atingiu o pico.
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Angola vende aos Estados Unidos nove
por cento do total do petróleo que o país importa
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encontro com Sheik Sharif, presidente do Governo Transitório da Somália, e a exaltação do sucesso chamado Cabo Verde. Em contraste com o crédito que deu a este arquipélago, na Nigéria questionou o facto do sexto maior produtor africano de petróleo importar derivados deste produto. Confessou ter constatado uma desconexão grande na Nigéria traduzida na riqueza de uns, na acentuada pobreza de outros e no fracasso do Governo a todos os níveis. Disse a este respeito que os investidores não se sentirão atraídos por mercados onde não haja transparência. A abordagem desta matéria fez ondas em Angola. A oposição e os grupos de pressão deram muita relevância a uma declaração sua segundo a qual o Governo tem procurado ser mais transparente, sobretudo no que diz respeito à gestão da «conta petróleo». A escala na Libéria, país governado por uma mulher, Ellen Johnson-Sirleaf, e a visita a Goma, AHMED JALLANZO/LUSA
Decidida a ajudar o crescimento económico africano, Hillary Clinton está convencida que a mais eficaz das respostas para este desafio está em África. «A maior oportunidade colocada a todos está na expansão do comércio intercontinental. O mercado americano tem 300 milhões de pessoas. O mercado africano tem 700 milhões». A secretária de Estado disse que o continente africano responde por apenas dois por cento de todo o comércio mundial. «Se a África Austral aumentasse em um por cento a sua quota, seria capaz de gerar receitas superiores àquelas que o continente recebe em ajuda externa». As importações norte-americanas feitas no âmbito do AGOA totalizam 66 mil milhões de dólares. Os países da África Austral respondem por apenas três por cento do total deste volume. Destes três por cento uma boa parte cabe a Angola, país que vende aos Estados Unidos nove por cento do total do petróleo que importa. Projecções feitas até Novembro de 2007, quando da entrada de Angola na OPEP e à consequente quota (obrigatória), diziam que o aumento de produção previsto até 2012 poderia levar Angola a vender aos EUA 12% do total do petróleo importado. A ênfase na criação de oportunidades levantou o fantasma da guerra fria agora protagonizada entre Washington e Pequim, tendo como pano de fundo a conquista de mercado. Membros do staff da chefe da diplomacia norte-americana minimizaram todas as sugestões neste sentido. Pierre Englebert, especialista em assuntos africanos afecto ao Pomona College da Califórnia, disse que a viagem se destinou, sobretudo, a «matar vários pássaros, com uma só pedra». Assim se explica a abordagem sobre o Congo na audiência que lhe foi concedida pelo Presidente de Angola, a conversa com Jacob Zuma a propósito do Zimbabwe, a preocupação manifestada em relação à situação no Delta do Níger, o
Hillary Clinton e Ellen Johnson-Sirleaf
no Congo Democrático, foram actos escolhidos propositadamente para enfatizar o apoio norte‑americano à promoção da mulher. No regresso a Washington, Hillary Clinton disse que estava muito tocada pelo potencial que tinha encontrado em África. «Nós acreditamos na promessa africana». Os EUA vão ter que esperar para saberem como África responderá à nova América. África21– setembro 2009
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reportagem
Amazónia,
do Eldorado cobiçado a cenário de violências
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o vasto teritório por onde se estende, a Amazónia brasileira é hoje objecto de intensas lutas políticas, de desmatamento desenfreado, de ocupação irregular de terras, de violência. Em muitas regiões da chamada Amazónia Legal, que se estende pelos estados do Amazonas, Acre, Amapá, oeste do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Roraima e Tocantins, num total de cinco milhões de quilómetros quadrados, o Estado Federal continua a ter dificuldade em se fazer presente. A ocupação populacional do território é escassa e dispersa. A muitas localidades só é possível chegar por lancha. Não há estradas e os aeródromos são caros e também de difícil acesso. Em muitas regiões da Amazónia brasileira, também apresentada como o pulmão do mundo, há quase que um vazio de poder, pelo menos segundo os parâmetros dos países desenvolvidos. A presença do Estado é visível nos poucos destacamentos militares nas fronteiras e, muitas vezes, no auxílio médico às populações prestado por equipas
militares que descem os rios a bordo de um navio hospital ou que fazem evacuações de urgência. Apesar das distâncias, do isolamento e da ausência de infra-estruturas, a Amazónia é alvo de violenta disputa que, frequentemente, não se fica pelas palavras e acaba em assassinatos por encomenda, uns mais mediáticos que outros, como foi o da freira norte-americana Dorothy Sting, no Pará.
Interesses É frequente os governantes brasileiros brandirem a ameaça da cobiça internacional, real, sobre a Amazónia. Mas, a devastação da região amazónica ou o seu mau uso são responsabilidade dos próprios brasileiros. Grandes grupos económicos têm vindo a avançar para a ocupação indiscriminada dos solos. E o Estado pouco ou nada tem feito para conter essa ocupação, acompanhada muitas vezes da expulsão dos moradores autóctones. Só em Junho deste ano o Brasil adoptou legislação visando a regularização fundiária na Amazónia.
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Cerca de cinco milhões de quilómetros quadrados de vegetação exuberante, de riquezas minerais e botânicas. De madeiras nobres, de rios que nunca secam, de civilizações de povos índios e de populações ribeirinhas que guardam tradições seculares. Essa mesma Amazónia, idolatrada por ambientalistas, é palco de acesa disputa pelo seu controlo. Alfredo Prado BRASÍLIA
LUSA
Por trás da violência estão interesses antagónicos entre madeireiros, grandes criadores de gado e líderes comunitários dos povos indígenas ou das comunidades ribeirinhas. O quase vazio de poder é agravado pela ausência de uma política de Estado, de uma estratégia para a Amazónia. As divergências dentro do Governo de Lula da Silva, relativamente às vias de desenvolvimento para a região, são públicas e não se podem analisar exclusivamente numa perspectiva de choques de concepções entre forças de esquerda ou de direita, até pelo facto de que a aliança conjun-
A desflorestação é um dos maiores problemas da Amazónia
tural de partidos que governa o país não é ideologicamente definida. Enquanto, por exemplo, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephens, defende abertamente uma política de novas fronteiras agrícolas na Amazónia, ou seja, a possibilidade de abertura legal da região à expansão da agro-pecuária, às grandes plantações de soja, transformadas depois em pastos, já o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc – que sucedeu à senadora Marina Silva, forçada a demitir-se pela pressão dos lobies da agro-indústria e das grandes empreiteiras – tem vindo a exigir a aplicação rigorosa da legislação ambientalista para a execução de grandes obras, como as hidro‑eléctricas em construção no rio Madeira, e para a ocupação populacional. No início de Julho, o ex- ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, conhecido filósofo e professor da Universidade de Harvard (EUA), em carta de despedida do Governo, para voltar aos EUA, refere como «herança» o Plano Amazónia Sustentável (PAS), que, aliás, levou à saída da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Mangabeira destaca que, no futuro, o plano – a regularização ambiental, o fortalecimento do extrativismo, a superação do isolamento e a organização da posição brasileira do financiamento estrangeiro na região como principais pontos do projeto – será reconhecido «como uma das principais realizações desse Governo». No entanto, até ao momento e a um ano do final do mandato, a única medida do Plano Amazónia Sustentável que deu alguns passos foi o lançamento da regularização fundiária, aprovada recentemente
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Em muitas regiões da Amazónia brasileira há um vazio de poder, pelo menos segundo os parâmetros de países desenvolvidos
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pelo Congresso, sancionada com vetos por Lula e cuja execução se apresenta como muito difícil.
Desmatamento Um dos problemas maiores enfrentados na Amazónia é o desmatamento. A área total vítima do desmatamento da floresta corresponde a mais de 350 mil quilómetros quadrados, a um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia e oito milhões por ano. O ministro do Meio Ambiente tem vindo a afirmar que o desmatamento, neste ano, será o menor dos últimos vinte anos. A afirmação, no entanto, é contestada por diversos especialistas. De acordo com o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilberto Câmara, em declarações à agência Brasil, ainda não há dados que sustentem a afirmação do ministro. Por causa das nuvens, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que gera relatórios mensais de alerta, não tem conseguido observar o estado do Pará, actual campeão de desmatamento, o que só poderá ser feito com as imagens analisadas pelo Prodes. Este sistema, que usa imagens de satélite mais precisas que as do Deter, vai avaliar o desmatamento acumulado entre Agosto de 2008 e Julho de 2009. «O Deter não viu o Pará. E é no Pará que está o maior dilema hoje, por causa da expansão da agropecuária, e não é mais em apenas uma região do estado, está avançando, atravessando rios», disse o presidente do Inpe. O Governo tem tentado aprovar várias medidas para controlar o desmatamento, mas o seu sucesso ainda é reduzido. Até final deste ano, as autoridades pretendem criar um sistema de monitoramento das 12 mil propriedades rurais existentes na região sul do estado do Pará e que ocupam cerca de 150 mil quilómetros quadrados.
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As alterações ambientais amazónicas colocam em perigo as comunidades indígenas
Recentemente, grandes redes de supermercados que operam no Brasil, com o Wal-Mart, anunciaram apoiar as medidas contra o desmatamento, boicotando a compra de carne proveniente de áreas desmatadas da Amazónia. «Esperamos que essa decisão seja adoptada pelas demais redes de supermercados, como um claro recado ao agronegócio de que não há mais espaço para produtos que destroem o maior património brasileiro e causam mudanças climáticas», comentou André Muggiati, activista do Greenpeace Brasil.
Ecologistas de Ipanema Um exemplo das contradições que envolvem a questão amazónica é o asfaltamento da BR-319, construída em 1970, durante o regime de ditadura militar, ligando Manaus, capital do estado da Amazónia, a Porto Velho, capital de Rondónia. Mais de três décadas depois, um trecho de 400 quilómetros entre as duas capitais precisa de ser totalmente reconstruído e circular nele é uma autêntica aventura para os camionistas. Mas o próprio Ministério do Meio Ambiente recusa aprovar o projecto, alegando que a reconstrução com asfaltamento terá sérios impactos ambientais. O governador do estado do Amazonas, Eduardo Braga, ao discursar recentemente numa sessão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) qualificou de «esquizofrénica» a discussão em torno da questão. «Não se pode sim-
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A área total vítima do desmatamento da floresta é mais de 350 mil km2, a um ritmo de 20 hectares por minuto, 30 mil por dia e oito milhões por ano
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plesmente inventar análises botânicas sobre uma Amazónia que não existe mais em torno da BR 319. A rodovia tem uma botânica completamente diferente a partir do asfaltamento. Essa discussão é esquizofrénica, até certo ponto pouco ética», disse o governador. Numa alusão ao ministro Minc, o governador disse que não aceitará que «ecologistas de Ipanema» (referência a conhecida praia do Rio de Janeiro) decidam sobre questões da Amazónia. «O que eu não aceito é os ecologistas da praia de Ipanema quererem decidir sobre o destino do povo da Amazónia». Enquanto alguns sectores ambientalistas defendem a preservação da região, sem concessões, vários sectores sociais e políticos argumentam ser necessária uma política de compromisso que possibilite o desenvolvimento económico e social da região e que não vote as populações ao isolamento em que ainda vivem. O estado do Amazonas, apesar de ser o maior estado brasileiro e das riquezas que guarda, tem a menor densidade demográfica humana do país. A «questão» amazónica não é um problema exclusivamente brasileiro. Os nove países que partilham o «grande pulmão» (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela) enfrentam dificuldades semelhantes, de baixa densidade demográfica, de programas fracassados de colonização e de ausência da presença do Estado.
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PorÊumaÊcidadeÊlimpa
O Processo de crescimento das cidades, ocasionou o aumento da população e fatalmente aumentou os problemas relacionados com a limpeza urbana, como tal, é necessário a tomada de medidas visando dar destino correcto e seguro aos resíduos sólidos gerados nas cidades. Temos como objectivo oferecer à municipalidade, serviços especializados em recolha e transporte de resíduos sólidos domiciliares. Em 2002 surge uma divisão da empresa Rangol, Sociedade de Investimento de Angola, Lda., empresa fundada em 1990 pelo Sr. Carlos Vasco Montez, inicialmente
Rua Eugénio de Castro, 43 - Vila Alice • Luanda - Angola Tel +24460 222 323 786 • Fax2009 +244–222 323 686 setembro África 21•
[email protected]
angol
Sociedade de Investimento de Angola, Lda.
voltada para as seguintes áreas: comercialização de veículos, rent-a-car e prestações de serviços. Com base numa política de diversificação das suas actividades a Rangol, expandiu os seus serviços, incluindo a recolha domiciliar, a limpeza manual e mecanizada de vias e logradouros públicos, e a limpeza de valas e fossas sépticas.
A CRÓNICA DE LUIZ RUFFATO
Galiza em nossos corações
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onheci a Galiza em julho de 2005, por ocasião do VIII Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, realizado em Santiago de Compostela. Convidado pelos professores Carmen Vilarinho Pardo e Elias Torres Feijó, da universidade local e membros da comissão organizadora, participei de um encontro paralelo idealizado pelo professor e escritor Carlos Quiroga, que consistia numa tentativa de intercâmbio entre autores das várias línguas lusófonas. Além de mim e de Adriana Lisboa, pelo Brasil, lá estiveram os portugueses José Luís Peixoto e Possidónio Cachapa, o angolano Ondjaki e o timorense Luís Cardoso, colunista desta revista. Foi um verão inesquecível, pois, arrebatado, me apaixonei para todo o sempre. Na verdade, sem o saber, eu já havia sido capturado pela Galiza mesmo antes de saber de sua existência... Em algum momento do final da década de 1980, me deparei com um volume, Poesias, publicado em 1987 pela Editora Brasiliense, de São Paulo, que enfeixava poemas da inexcedível Rosalía de Castro (1837-1885), «traduzidos» por Ecléa Bosi. Mas, na ocasião, não me ative ao fato de que ela escrevia em galego – língua, para nós, no Brasil, conhecida apenas por estar presente no cancioneiro dos Séculos XIII e XIV, e, portanto, considerada tão extinta quanto o latim... Por isso, surpreendi-me ao caminhar pelas ruas medievais de Santiago de Compostela e me deparar com uma lín-
gua muito mais inteligível, para nós, brasileiros, que o português falado em Portugal. E, mais ainda, me entusiasmei com a avidez com que os galegos buscavam recuperar a sua tradição, sufocada desde fins do Século XIV, quando o Reino de Galiza, então centro irradiador de cultura da Península Ibérica (a literatura galega é considerada a segunda mais importante da Idade Média europeia), foi absorvido pelo Reino de Castela. À exceção do período de ressurgimento ocorrido na segunda metade do Século XIX, a tentativa de reativação da cultura galega encontrou forte repressão por parte da ditadura de Francisco Franco, que durou de 1939 a 1975 – terrível ironia, já que o generalíssimo era galego, da cidade de Ferrol... Após aquela primeira viagem, voltei à Galiza todos os anos. Aprofundei, assim, meu conhecimento da cultura galega e tive a oportunidade de perceber melhor a riqueza e a dinâmica de sua língua e literatura contemporâneas (além da extrema simpatia de seu povo, e, devo confessar, da maravilhosa culinária). Recentemente, a convite do Conselho de Cultura Galega, órgão ligado ao governo local, participei, junto com outros colegas brasileiros (a cineasta Tata Amaral, o editor Samuel León, a professora Yara Frateschi Vieira, o maestro Roberto Lazzarini e o jornalista Raul Juste Lores), de um seminário sobre «Estratégias Culturais da Galiza no Brasil», mais um esforço no sentido de ver incorporada aquela região no universo da lusofonia.
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Me deparei com uma língua muito mais inteligível, para nós, brasileiros, que o português falado em Portugal
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Dissolvida minha ignorância inicial, fui aos poucos me convencendo de que talvez esta seja uma das grandes injustiças cometidas por nosso mundo lusófono: desconhecer ou até mesmo desprezar o legado cultural galego. Porque, no fundo, deveríamos nos conscientizar de que a língua disseminada hoje pelo mundo, à qual chamamos «português», não passa, na verdade, do galego... O que ocorreu é que, ao mesmo tempo em que, em fins do Século XV, o Império Português iniciava seu apogeu político-econômico, por meio do achamento do Brasil e da exploração de partes da África e da Ásia, o Reino da Galiza submergia nos chamados «séculos escuros». Assim, num gesto de humildade, para sanar nossa dívida com a Galiza, poderíamos prestar atenção nos esforços que vêm sendo feito institucionalmente para, embora reconhecendo a região como parte integrante e indivisível da Espanha, ver-se reconhecida como membro de primeira hora da comunidade lusófona. Com isso, ganharíamos todos. África21– setembro 2009
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escravatura
O espelho quebrado Desde 2001, data em que as Nações Unidas qualificaram o comércio negreiro de «crime contra a humanidade», que a memória do «infame comércio» tem vindo a ocupar o lugar que lhe corresponde na história de três continentes: África, América e Europa, que organizou o tráfico à escala industrial e amealhou a maior parte dos lucros Nicole Guardiola
A
s comemorações deste ano do Dia Internacional em Memória da Escravatura e do Tráfico Negreiro, celebrado a 23 de Agosto, ganharam uma dimensão especial com a eleição de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos. Durante a sua primeira visita oficial a África, em Julho, Obama foi com a família visitar o Forte de Cape Coast, no Gana (construído em 1653 por mercadores suecos, Cape Coast foi um dos mais importantes entrepostos de escravos da antiga Costa do Ouro). A imprensa ganense destacou a simbologia do «regresso» de Michelle Obama, bisneta de escravos, hoje primeira-dama da Nação mais poderosa do mundo, e o Presidente norte-americano, que não é um descendente de escravos, salientou a importância da visita para as filhas Malia e Sasha não esquecerem que «a História pode tomar formas muito cruéis», mas também «a coragem de tanta gente, brancos e negros, que lutaram para abolir a escravatura». Pouco antes, o Congresso dos Estados Unidos tinha aprovado por consenso e aclamação um pedido formal de desculpas aos negros americanos, em nome de todo o país, pela escravidão e a segregação racial. Uma votação considerada «histórica»: nunca os EUA tinham pedido desculpas formais às vítimas da escravatura, apesar de o ex-Presidente Bill Clinton ter «lamentado» a prática durante uma viagem
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África21
em Março de 1998 à África. O seu sucessor, George W. Bush, qualificou o tráfico negreiro como «um dos maiores crimes da história» ao visitar a ilha Goree, no Senegal, em Julho de 2003. O Papa João Paulo II e o Presidente brasileiro Lula da Silva também pediram perdão a África. Já os europeus são mais reticentes, receosos talvez de que o arrependimento sirva de pretexto para os africanos pedirem reparações financeiras. A França foi a primeira a dar o passo em 2001, com a aprovação da Lei Taubira, que reconhece que «o tráfico negreiro transatlântico e no Oceano Indico e a escravatura praticada a partir do Século XV nas Américas e Caraíbas (…) constituem um crime contra a humanidade». Em 2006, o então Presidente Chirac institucionalizou o 10 de Maio como o Dia Nacional da Memória da Escravatura e da sua abolição.
Portugal a contra-corrente Os principais portos negreiros da Europa, Nantes e Bordéus em França, Liverpool e Bristol no Reino Unido, já dispõem de núcleos museológicos que retratam a importância do comércio dos escravos no seu desenvolvimento. Só Portugal continua de costas voltadas para este elemento fundador da sua identidade. Em Lisboa, apenas a toponímia (Travessa do Poço dos Negros, Rua das
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Os europeus são reticentes nos pedidos de desculpa , receosos de que sirvam para os africanos pedirem reparações financeiras
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Leva de escravos no interior de África (gravura séc. XIX)
Pretas) evoca ainda a presença passada de muitos africanos escravos, que impressionou todos os estrangeiros que a visitaram no Século XVIII. Na cidade algarvia de Lagos, onde se realizou em 1465 o primeiro leilão de pretos, a Câmara disputa com o Estado Maior do Exército o usufruto do edifício conhecido como o antigo Mercado dos Escravos, onde pretende criar um centro de interpretação do tráfico de escravos, integrado na Rota do Escravo, patrocinada pela UNESCO. É neste contexto que surgiu a polémica gerada pelo concurso televisivo «As sete maravilhas de origem portuguesa no mundo», que incluiu entre os 27 monumentos sujeitos à votação popular várias das fortalezas construídas pelos portugueses em África, e que fazem parte dos «lugares da Memória» inventariados pelo Comité Português da Rota do Escravo. O aval dado por instituições políticas e académicas portuguesas e o empenho da televisão estatal converteram um mero divertimento em acontecimento nacional, com epílogo a 10 de Junho, festa nacional «de Camões e das comunidades portuguesas». A omissão, deliberada ou não, do passado de dor, violência e humilhação que estes lugares evocam para os africanos e afro-americanos foi denunciada por um grupo de 18 historiadores de oito países, que lançaram na internet uma petição
intitulada «As Sete Maravilhas de origem portuguesa no mundo ignoram a história da escravatura e do tráfico negreiro». Eram especificamente referidas a Fortaleza da Cidade Velha, em Cabo Verde (entretanto inscrita ao Património Mundial da UNESCO), Luanda, a Ilha de Moçambique e o Castelo de São Jorge da Mina, no Gana. Sobre este último «chegou-se ao cúmulo de afirmar que este local foi entreposto de escravos somente a partir da ocupação holandesa em 1637», acusavam os signatários. «Desde a sua construção, em 1482, a fortaleza de São Jorge de Mina foi um centro de tráfico de escravos (...) e os portugueses mantiveram o tráfico negreiro na Mina até 1519, e a partir desta data através da ilha de São Tomé», precisou o Professor Gerhard Seibert, do Instituto de Investigação Cientifica Tropical de Lisboa, numa carta aberta ao Le Monde Diplomatique. Segundo o professor Seibert, «não se entende que 35 anos depois do 25 de Abril se recorra, em Portugal, a estes métodos de negacionismo (…)» e a pretensão «do Governo de José Sócrates de criar um centro cultural africano em Lisboa para reforçar a ideia de Portugal ser uma ponte privilegiada entre Europa e África (ver África21, edição de Janeiro 2009) teria muito mais credibilidade se Portugal assumisse toda a sua história em relação a África e aos africanos, sem apagar a sua participação no tráfico de escravos» «Propor tais lugares como emblemas da influência portuguesa no Mundo é um sinal lamentá-
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O Brasil já desenvolve uma oferta turística inteiramente baseada na memória
da escravatura
Alegoria à abolição da escravatura, pintura de F. Biar, 1848, Museu de Versalhes
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Captura de escravos numa gravura do séc. XIX
vel de insensibilidade cultural e moral, bem como de uma visão rasca e medíocre da História de Portugal» comentou, pelo seu lado, o historiador luso António Hespanha. «Quem se orgulha da nossa história de descobridores e parteiros de uma primeira globalização, não ignora que na colonização portuguesa, como nas outras, houve muito de violência, ao lado de actos de admirável valor humano. Devemos assumir essa violência como um facto histórico passado, a ser lembrado e estudado, a bem do rigor histórico, mas também pela carga ética de que é portadora a memória de um trato repugnante», acrescentou Hespanha. As críticas foram rejeitadas pelos organizadores do evento, e a petição recolheu 778 assinaturas, uma gota de água face às cerca de 350 mil entusiastas que participaram no concurso. Os contestatários foram acusados de «anti-portuguesismo primário», e o Professor Boaventura de Sousa Santos de «padecer de tiques neo-marxistas dos anos 60» por diagnosticar nos seus pares uma «percepção selectiva da história».
O mercado da saudade À margem do debate, sempre adiado, sobre os temas centrais da história de Portugal e da lusofonia, e de um improvável pedido público de des-
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culpas (reclamado pelo ex-Presidente Chissano aquando do seu Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho em 2005), o tabu que a escravatura ainda constitui em Portugal e que contaminou parte da intelectualidade africana lusófona, pode fazer perder excelentes oportunidades de negócios. Outros países da costa ocidental de África já estão a explorar este «mercado da saudade» junto das diásporas afro-americanas, dos EUA ao Brasil passando pela Jamaica. Há agências especializadas na organização de African Tours e empresários «retornados» que desenvolvem hotéis e serviços mais adaptados às expectativas de turistas americanos. O Brasil, depois de integrar a gastronomia, a música, o camdomblé e a capoeira no seu cardápio turístico, está a desenvolver uma oferta turística inteiramente baseada na memória da escravatura, das roças e engenhos às minas e às comunidades quilombolas, para não falar no êxito de series televisivas como «Dona Chica» ou «A escrava Isaura». E é só o começo: por 350 dólares é possível para um afrodescendente residente em qualquer parte do mundo obter, via internet, um teste de ADN que identifique a etnia ou a região de África de onde partiram os seus antepassados, e são cada vez mais numerosos os que se deixam seduzir por esta proposta de regresso às origens, sinal forte e relativamente recente de «reconciliação» das diásporas com a «Mãe África», que levou Lula a reivindicar par o Brasil o estatuto de «segundo maior país africano».
Fortaleza de S. Pedro da Barra de Luanda, fotografia do início do séc. XX
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- Angola setembro 2009 – África21 66 Luanda
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ÁGUAS CORRENTES CORSINO TOLENTINO
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Queridos Estados Unidos de África
através do ministério dos Negócios Estrangeiros e da Universidade Cheihk Anta Diop, o Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, reuniu no hotel Mérien-Président de Dacar, de 27 a 30 do passado mês de Julho, umas três centenas de intelectuais, políticos e representantes de movimentos associativos vindos de países africanos e da diáspora para falar dos caminhos dos Estados Unidos de África. Temas atraentes não faltaram: Federalismo e Soberania dos Estados, Cultura e Línguas Nacionais, Diáspora e Sociedade Civil ou Diásporas Negras no Mundo e Emergência de uma Comunidade Política Africana. O local, comparado com a média da existência africana, era paraíso na Terra. Num espaço de 5 estrelas, boa gente começou a dissertar sobre coisas mais ou menos mirabolantes: governo africano já; swahili, língua única no horizonte de uma década; banco central e moeda única até 2020. Os imediatistas apoiantes de Mouhamar Khadafi e Abdoulaye Wade pensam que melhor é não perder tempo com os gradualistas do tipo Jacob Zuma ou José Eduardo dos Santos, formar um pelotão de vanguarda, avançar para os EUA, talvez sob o comando do Rei dos Reis, e logo se verá. O ambiente é pesado, porque o jogo parece viciado e por tradição os africanos não gostam de dizer certas verdades na cara do anfitrião. Eu estava lá e resistindo mal à tentação de partilhar a minha parte da verdade com quem me escuta, sugeri o
regresso à realidade com uma meia dúzia de perguntas simples. As línguas de origem africana e as outras. Sendo verdade que nos entendemos em línguas de origem africana e em línguas de origem estrangeira, que hoje são igualmente nossas, vejam-se o árabe, o espanhol, o francês, o inglês e o português, será honesto e eficaz pensar o futuro da nossa região fingindo esquecer alguns dos instrumentos mais valiosos da construção nacional e da integração regional, que são estes idiomas? Não deveríamos valorizar inequivocamente o princípio cientificamente provado da compatibilidade entre o exercício do direito à educação na língua materna e o uso das línguas de comunicação nacional e internacional, seja qual for a sua origem? A moeda única e a experiência das comunidades económicas regionais. A análise dos processos de integração através das sete regiões prova sem margem para dúvida que África não terá moeda única antes de 2030. Se os senhores comissários da União Africana e das CER (comunidades económicas regionais) sabem que provocam riso quando anunciam as moedas únicas para datas improváveis, porque insistem na desacreditação das respectivas instituições? O paternalismo tradicional e a independência intelectual. Perguntei aos académicos, que eram a maioria dos participantes, se a nossa independência está ao serviço de África ou de quem teve o mérito e os meios para nos reunir. Apesar de tímida, a resposta foi afirmativa e creio que, inspirado pela sabedoria de Amílcar Ca-
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Se os senhores comissários
sabem que provocam riso quando anunciam
as moedas únicas para datas improváveis, porque insistem na desacreditação das suas instituições?
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bral, com aquela de a língua portuguesa ser a melhor herança do sistema colonial e a necessidade de pensarmos com a nossa própria cabeça, dei um pequeno impulso para sairmos do caminho da fuga em frente, reafirmando, ao mesmo tempo, o dever e a utilidade da participação de Cabo Verde no debate africano. Outros temas inscritos para outros debates foram a confusão entre África e África Negra quando da Diáspora e da União se fala, a democracia e a justiça como condição da integração regional para o desenvolvimento e a promoção da educação e da ciência como via para preencher o nosso grande défice de conhecimento O grande rendez-vous terminou com dois resultados positivos: (i) a não Declaração de Dacar em louvor dos Estados Unidos de África de cima para baixo; (ii) um pelotão de vanguarda sim, mas se for formado por Estados comprovadamente de Direito Democrático. E foi assim que, pela estrada larga do Conhecimento e da Democracia, académicos e políticos se aproximaram para pensar o futuro comum no respeito das respectivas funções e legitimidades. África21– setembro 2009
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CPLP
PAULO NOVAIS/LUSA
Os avanços e recuos da cidadania lusófona
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as vésperas da campanha para as legislativas e autárquicas deste ano em Portugal, o Partido Socialista (PS) anunciou no seu programa eleitoral que irá diligenciar no sentido da criação do Estatuto de Cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aquilo que considera ser um novo conceito de cidadania. O projecto, que faz parte do Programa de Governo do PS, vai permitir que os cidadãos dos países lusófonos se possam deslocar livremente pelos Estados-membros da Comunidade. De forma clara, o documento refere que é necessária «uma actualização de acordos para concessão de vistos, de molde a que os cidadãos lusófonos possam vivenciar efectivamente as condições de pertença a uma mesma língua e a um mesmo espaço comunitário». E diz mais: «a criação de um Estatuto do Cidadão da CPLP corresponderá à maior ambição
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O projecto de criação do Estatuto de Cidadão Lusófono é uma ideia que antecede a recente proposta do Partido Socialista português, entretanto já adoptada por Cabo Verde e seguida pela Guiné-Bissau. A livre circulação tem sido uma matéria polémica debatida ao longo de anos. João Carlos dos cidadãos, especialmente no tocante à reciprocidade de direitos». Os socialistas portugueses também querem com isso aproximar os cidadãos pelos aspectos culturais e afectivos, mas também estimular a cooperação entre si. No entanto, no seu discurso de 28 de Julho último para a apresentação do Programa Eleitoral do seu partido, o líder socialista, José Sócrates, não proferiu nenhuma palavra sobre este tema. Na mesma altura, a proposta do PS, inscrita no capítulo da política externa, chegou a
provocar várias reacções na sociedade portuguesa, sobretudo do ministro português dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e de alguns dos principais da oposição, após a publicação de um artigo sobre a matéria no jornal Diário de Notícias. De acordo com alguns observadores, a aplicação da proposta do PS poderá conhecer entraves tendo em conta a eventual conflituosidade com os estatutos do Tratado de Schengen, que define os parâmetros da livre circulação de pessoas e bens na União Europeia. Mas o secretário
Domingos Simões Pereira, secretário executivo da CPLP, considera em declarações à África21, que o projecto da livre circulação acaba por «mexer com os ordenamentos jurídicos nacionais». Um acto que obriga cada Estado a ter plena consciência das consequências desta opção. Uma das conquistas neste processo foi a criação da Assembleia Parlamentar, em que os próprios presidentes dos respectivos órgãos assumiram, por livre iniciativa, encetar esforços para que todos os parlamentos dos Estados da CPLP promovessem uma revisão ou uma adaptação das suas leis fundamentais, de forma a não se criar um obstáculo à aprovação da legislação necessária para se alcançar este objectivo, debatido com clareza e abertura. Reconhece, por isso, que «aqueles que colocam mais dificuldades [ao avanço do processo] não o fazem apenas por falta de vontade política». Também o fazem, sublinha, movidos por razões de credibilidade e de transparência. É essa vontade política que permitiu «ultrapassar esse tabu», refere, acentuando o interesse de todos em facilitar a circulação, tal como ficou expresso nas recomendações saídas no Conselho de Ministros da Cidade da Praia. Simões Pereira entende que, a propósito de Schengen, o tema da «livre circulação», considerado uma matéria sempre sensível, «não pode ser relegado apenas a Portugal». Porque, acrescenta, «os nossos Estados, sobretudo os africanos, considerados os principais emissores de potencial imigrante, têm que compreender que esse movimento tem de deixar de ser movido por razões ligadas à falta de liberdade e de oportunidade nos respectivos países. Ou seja, «enquanto o país europeu considerar que quem vem de África está a fugir de uma situação de falta de oportunidade, ele vai tentar sempre se resguardar», afirma. Daí que os países africanos tenham também a responsabilidade de «arrumar a casa», embora também considere já não ser muito compreensível «tanta restrição em relação a estes movimentos» de pessoas do espaço lusófono. «Deixa de ser aceitável dizer que a União Europeia é que não permite», sublinha, acreditando, contudo, que os passos já dados possam levar os países membros a concretizarem aquilo JC que é o desiderato de todos.
de Estado das Comunidades, António Braga, é peremptório ao afirmar que não há incompatibilidade entre a proposta do PS e o Acordo de Schengen, afirmando que o maior desafio será a entrada em vigor da ideia pelo Governo que sair das eleições legislativas de 27 de Setembro. Para os comunistas (PCP), a proposta contradiz o que o PS tem vindo a fazer a nível interno e na UE, indicando, entre outros exemplos, a recente decisão de estabelecer quotas na admissão de imigrantes. O Bloco de Esquerda considera que o projecto do Governo é compatível com as obrigações ao abrigo de Schengen, mas lamenta que o Governo nunca tenha abordado a questão durante o seu primeiro mandato e que ainda existam muitos imigrantes com sérias dificuldades para se legalizarem em Portugal. Tanto o Partido Social Democrata (PSD) como os democratas-cristãos
(CDS) recordam que o projecto lançado pelo PS não é uma ideia nova. Na perspectiva do PSD, trata-se de uma ideia que tem vindo a ser debatida a nível da CPLP, e que só não foi por diante porque nalguns aspectos entra em conflito com as regras da convenção de Schengen. Por outro lado, defende o CDS, a sua concretização não depende apenas de Portugal. Terá de envolver os outros países da CPLP.
Debate começou em 2000 Na linha destas reacções, África21 procurou saber junto da Organização Lusófona o que tem sido feito neste domínio nos últimos anos desde que foi lançado o debate em 2000, no Maputo, altura em foi criado o Grupo de Trabalho Alargado sobre Cidadania e Circulação no Espaço Lusófono (GTA/CC). A última reunião
TIAGO PETINGA/LUSA
O TABU DA LIVRE CIRCULAÇÃO
Domingos Simões Pereira
ordinária do Conselho de Ministros da CPLP, realizada em Julho deste ano na Cidade da Praia, anunciou avanços no que toca a matérias sobre Cidadania e Circulação no espaço lusófono, depois do consenso técnico conseguido na reunião do GTA/CC que decorreu a 9 e 10 de Julho último, em Lisboa. Fruto dos esforços desenvolvidos por este Grupo de Trabalho ao longo dos últimos anos, os Oito têm conseguido um consenso mais alargado relativo ao conceito de Cidadão Lusófono e aos imperativos da facilitação da circulação no espaço da CPLP. Um dos instrumentos já elaborados para o efeito, agora submetido à apreciação dos Estados-membros, é o Projecto de Convenção Quadro relativo ao Estatuto do Cidadão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – discutido desde 2002 em Brasília – no qual se define, além dos direitos políticos, soÁfrica21– setembro 2009
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Há consenso alargado entre os Estados-membros da CPLP mas ainda falta muito para levar à prática o estatuto de cidadão e a livre circulação ciais, económicos e culturais, um conjunto de normas para a sua introdução. No Secretariado da CPLP, em Lisboa, a ideia da facilitação da circulação de determinadas categorias profissionais já não é tomado como um «calcanhar de Aquiles» nos debates do grupo. Estão definidas as tais categorias, que abarcarão homens e mulheres de negócios, profissionais liberais, estudantes, cientistas, investigadores, pesquisadores, desportistas, jornalistas, agentes de cultura e artistas, os quais, ao abrigo do acordo de 2002 (aprovado na cimeira de Brasília e ratificado ao longo dos anos pelos Estados-membros) terão direito a vistos de
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múltiplas entradas com a duração mínima de um ano. Em cada seis meses poderão permanecer 90 dias em qualquer dos outros países da Comunidade. Para Hélder Vaz, director executivo da CPLP, significa uma ampla facilitação da circulação. «Não se trata da liberdade de circulação como a que existe no seio da União Europeia», precisa. Vaz considera ser este o passo possível, que carecia de definição de instrumentos e procedimentos práticos para a sua concretização. Nos próximos meses, o Grupo de Trabalho e a CPLP trabalharão em termos práticos para a entrada em vigor dos respectivos mecanismos. Antes disso, o
Secretariado terá de obter dos Estados‑membros as listas das respectivas entidades credenciadoras. São estas que irão certificar as categorias profissionais, devendo as tais listas serem enviadas depois aos Grupos CPLP locais para fazer a sua validação. Numa fase seguinte, estas listas serão distribuídas a todas as estruturas lusófonas ligadas às questões de imigração e fronteiras, que terão por incumbência a concretização das medidas de facilitação da circulação. Não há um prazo estabelecido, mas admite-se que, feitos os acertos, dentro de poucos meses este ciclo possa ficar concluído. Por outro lado, se não houver qualquer objecção ao texto da Convenção Quadro relativo ao Estatuto do Cidadão da CPLP, o documento poderá ser remetido ao próximo Conselho de Ministros para aprovação final.
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Cem milhões em 2010 para censo angolano
O Governo angolano recomendou a consagração de verbas no Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2010, destinadas à preparação do recenseamento da população e da habitação em Angola. De acordo com a ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço, o Executivo orientou o Instituto Nacional de Estatística a prosseguir as acções preparatórias do censo, que, de acordo com as previsões, custará ao Estado 100 milhões de dólares. Trata-se de uma operação estatística «complexa e dispendiosa», cuja preparação leva entre três a cinco anos. O objectivo é saber «quantos somos, onde estamos, como vivemos e quem somos», disse a ministra, acrescentando que no próximo ano entrará em funções o órgão com responsabilidade para a coordenação e organização desta operação. Os trabalhos preparatórios incluem a aprovação do pacote legislativo sobre a matéria, realização da cartografia censitária, em curso, e a preparação dos recursos humanos.
arquivo áfrica21
insumos
Moçambique investe na exploração de petróleo
O Banco Mundial (BM) disponibilizou cinco milhões de dólares para apoiar o sector de turismo na província moçambicana de Inhambane, sul do país. O montante, que deverá ser aplicado nos próximos cinco anos, destina-se a relançar o sector na província. De acordo com o governador de Inhambane, Francisco Itai Meque, os cinco milhões serão usados no apoio ao empresariado e no desenvolvimento da construção e reabilitação de infra-estruturas turísticas. Inhambane, com uma costa com cerca de 700 quilómetros, é uma das províncias moçambicanas com maior potencial turístico, pois à beleza das praias junta-se uma das melhores gastronomias nacionais e a simpatia das gentes. Recorde-se que foi a Inhambane que Vasco da Gama baptizou de «Terra da Boa Gente», quando da sua passagem para a Índia. O valor disponibilizado pelo BM vem animar os empresários que investem naquela parcela de Moçambique que, com a presente crise, alguns pensavam em abandonar. No ano passado, Inhambane, que conta com uma capacidade de alojamento de dez mil camas, quase metade da capacidade do país, investiu 150 milhões de dólares no turismo. A procura desta província como destino turístico tem vindo a crescer. A realização da Fase Final do Mundial de Futebol, na África do Sul, no próximo ano, alimenta também a expectativa de um significativo crescimento do sector.
O investimento na exploração de petróleo em Moçambique vai ascender a 782,5 milhões de dólares até 2011. Arsénio Mabote, presidente do Instituto Nacional do Petróleo informou que as projecções se baseiam no número de contratos assinados entre o Governo e as dez empresas petrolíferas que operam no país desde 2006. Os últimos dados divulgados com base nas pesquisas sísmicas feitas até ao momento, apontam para múltiplos pontos de elevado potencial no onshore e no offshore, que serão perfurados a partir do quarto trimestre deste ano. Um estudo de campo de 2007 na bacia do Rovuma apontava para a existência de potencial de petróleo em quantidades passíveis de exploração comercial. A pesquisa, encomendada pela Artumas e realizada pela norte-americana Rose & Associates, conclui que em quatro perfurações naquele campo pode ser extraído petróleo em rama em «quantidade comercial e não comercial», sem especificar a proporção de cada uma delas. Em Julho de 2005, o Governo lançou um concurso para a exploração de diversos blocos offshore na zona conhecida como Bacia do Rovuma, rio que separa Moçambique da Tanzânia. No final do ano, a Anadarko Petroleum Corporation leva para operar em Moçambique o navio de prospecção petrolífera, Belford Dolphin.
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Cinco milhões de dólares para turismo em Inhambane
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Num prazo de cinco anos, Angola poderá alcançar níveis satisfatórios de produção de óleo de palma, com vista a inverter a importação deste produto, actualmente calculada em três mil toneladas de litros/ano. Os indicadores foram avançados recentemente pelo Instituto Nacional do Café de Angola, cujo director-geral, João Ferreira da Costa, afirmou em declarações à ANGOP que consta nas acções do INCA a recuperação e o aumento da produção de óleo de palma, a entrega de instrumentos de trabalho a empresas agrícolas familiares, a disponibilização de vastas extensões de terra a empresários e a criação de indústrias de transformação de dendém de médio porte. Aquele responsável adiantou que as medidas incluem um programa de fomento do café e do palmar inserido na carteira de projectos de impactos socioeconómicos do Governo, no âmbito do Plano Nacional e no Programa Executivo do Sector Agrário. Em função deste programa, serão concedidos cinco mil hectares a produtores da província do Bengo, quatro mil aos agricultores de Cabinda e três mil hectares aos restantes agentes agrícolas das demais províncias do país, para o cultivo de dendém. O INCA proporciona assistência técnica aos produtores e realiza acções de fomento da produção de café, palmar e cacau. Por outro lado, no âmbito das suas actividades, o Instituto pretende estabelecer protocolos de intenções com a Sonangol e a empresa petrolífera espanhola ENI, para a prospecção e investigação do palmar angolano.
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Auto-suficiência angolana em óleo de palma
Feijão dendém para a produção de óleo de palma
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A petrolífera Addax vai passar a operar um segundo bloco petrolífero na Zona de Desenvolvimento Conjunto (ZDC), entre São Tomé e Príncipe e a Nigéria. A empresa refere que a compra à petrolífera Anadarko de mais 51% do consórcio que explora o Bloco 3 «intensifica a presença nesta região de exploração de nível mundial e estimula significativamente a racionalidade económica da posição, permitindo explorar esta riqueza com uma estratégia sustentada de perfurações». Com a compra, a petrolífera passa a operadora do bloco, estatuto que já tinha no bloco 4 da ZDC. De acordo com uma informação divulgada pela Addax, já foi recebida a plataforma de exploração Deepwater Pathfinder, que vai sondar as águas do Golfo da Guiné a grande profundidade. O primeiro alvo desta campanha na ZDC, (no bloco 4), recebeu o nome de Kina, devendo seguir-se a zona Lembá, no bloco 3. Em Agosto, a chinesa Sinopec adquiriu a Addax e anunciou a primeira perfuração no Bloco 2 (Bomu-1), realizada através da plataforma Sedco-702, a uma profundidade total de 3.536 metros. Os resultados deverão ser formalmente anunciados no último trimestre do ano. De referir que a Addax participa igualmente no Bloco 1, operado pela norte-americana Chevron, que inaugurou os trabalhos de exploração na ZDC há mais de três anos.
A Escom, cuja maioria do capital (66%) é detida pelo Grupo Espírito Santo, cedeu as suas participações na Air Gemini (transporte aéreo de carga e passageiros) e Starfish (pescas) aos parceiros angolanos da AMLD. Segundo informou o Novo Jornal, que tem a Escom como principal accionista, gestores e trabalhadores das duas empresas foram informados da transferência, que não deverá afectar o funcionamento de ambas. A mesma fonte indicou que a Escom, que reforçou os investimentos em Angola nos dois últimos anos através do lançamento de novos projectos e da aquisição das participações que a multinacional australiana BHP Billiton detinha em 14 zonas diamantíferas, vai recentrar as suas actividades, e investimentos, nos sectores imobiliário, energia (hidroeléctrica), agrícola (bananas para exportação em Benguela e açúcar em Malanje) e materiais de construção (fábrica de cimento do Lobito).
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Angolanos tomam controlo da Air Gemini e Starfish
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Addax-Sinopec aumentam posição na ZDC
Cooperativa de palaiês são-tomenses A ONG Marapa, através do Programa de Apoio Participativo à Agricultura Familiar e Pesca Artesanal, com financiamento do FIDA e do Governo são-tomense, criou uma fileira de comercialização de pescado. O objectivo é valorizar o produto de pesca nas comunidades mais isoladas, onde a procura das espécies nobres é baixa. Foi constituída uma cooperativa de palaiês (vendedeiras) de peixe fresco denominada Copafreco que terá como função fazer a comercialização de pescado (fresco no gelo e salgado) e ainda diversificar os produtos oferecidos. Vão ser introduzidos produtos de valor acrescentado, nomeadamente bolinhos de peixe, produtos fumados e as bexigas-natatórias secas, segundo uma nota da Marapa. Estas acções têm sido o foco da actividade institucional da ONG, estimulando o aproveitamento integral dos peixes com o objectivo de favorecer a melhoria nutricional das pessoas. Está também em curso na Marapa, a execução do projecto de valor acrescentado financiado pela cooperação espanhola, que consiste na produção de alimentos derivados de peixe, como croquetes, pastas, entre outros, de forma a garantir à população produtos diversos transformados a partir do peixe e de muito boa qualidade. Em São Tomé e Príncipe, o pescado constitui a primeira fonte de proteína animal consumida pela população.
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lis ss a siona erciais, a m da su e m sico, imag e co á a b d oria cípio vossa ultad mo prin à co emos a nova a c s re re fe p m O u . o io ã rviitár e se stituiç prior ou in epção d ecção a s e c r on a s mp laica c noss dinâm tados. A são ente s s e e r r p totalm imp ços pré- processos ue a produ-é de q m o ão m c e press bora dos, atiza as de im puter to m to m u p a o ha (co ençã de c or CTP ção p interv isão, c utada qualquer c re e p x e é qualtado ) sem plate a. O resu vidade e seu r n o uti co rin a rm a d .. m ro l. u p de p h os e o um mo p s info , fina ade, Ofere ogia sos técnic presa co instituiçã a secção atizados ado o s fiabilid no result m u s m s ã e o o e to o d n s u n a a a s s CTP ua id os A r s e c re e te . o d a p r n s a p a p p lente ca áqu agem d ssa em restado totalme cutada ltado lid lho. im m m à vo erviços p rocessos ão é exe resu traba uma exce rias a. O s m cemos p al... s m vá o press o human m com o de do fin aim o co overso em ne ã a a ce r ã lt ç e o ç u p ã d b s u e ç c s e d c la n la r tr a o n e p e r p te o o v r o t p r a n n c le te se de de offse im ressã ão de ch exce overso uer in alida 5 core mato tr duç qualq ade e qu mos uma Posump o re r nas a rande for m e p e s id Poce to res ea late) dutiv io e g amen amentos m qu Ofere as a 5 co ntopod r to p ade, pro e a d d sa o b a te in u u b is ã o m u a p comp s como u ra a área id q s m lis da sm com ão, fiabil resm várias má no. acaboaderno, que e. -no do a rofissiona imagem ossa , pa cis . imp d v namo alificados onjungan p la é pre ria da emos à balho dução co m o set p ersátil e m e qualida C o a s qu o . d tr o c a s e iç lt o u z to off v ro iç ad municação s a consu rio. Oferec ão de serv om o se d de p de forma mentos apide i r l e d a m a o a o n c Qu s e de co , assumim , e prioritá a concepç labora c as acab pacid dio e gra ução r de é a prod o ic ão o de chap er s mátic omerciais io básic em m um secto r tipo de s dinâm e e c ã r íp s e u a o u cos e mo princ uma nov suim rar qualq -imp a produteç) sem qualqvida co ão rna . Po anh e pré em que pla duti omp cado el e mode s, presa u instituiç ecção d , r ro c s to e a p o r , m o d s s o ã cada no o credív alificado ute de za presa . A nossa automati TP (comp , fiabilida press opçã viços qu ca com mverifi os rC nte isão uma o. im m várias er áfi lh estad s totalme utada po o é prec a b omo o a de s c c ão gr ngando tr d c la o a e o p s o u lt x ã s t ã e ç s su se nicaç uç ée roce l... o Conju formáprod rmato off ersá presta da comu . O re a ssão . e a n re n fi d p a e o v e fo rea ade ias in profisde im ção hum resultad cidad entos rand aaá capa en no ualid cnolog abam com rapr io e g interv alidade da Q nçadas te o com o e coo elente em méd tor de ac a ã c v ç x e u u e q ã d o c a va nicaç técnicos ia da de e m se s um overs de pro ais a comu cemo res e retr suimos u uer tipo as m or os lq Ofere e de os noss consultad cípi P s a d tic rin a p o s o o m m lis sumim sa co os à vos siona is, as a empre m ia e i c rc me fere a su aed em d ioritário. O uma nov tad imag r s o p re ã sp o, e tuiç e básic a ou insti e serviço d s impr empre oncepção e pré- totalm d s c o o a s mic ces ecçã duç m pro ssa s a pro A no labora co que uta c m e e x o sã matizados, ressão é e em q s p auto e im to plate) d as d sulta chap omputer . O re e (c mana dutividad u h CTP o , pro ençã seu interv fiabilidade final... o , do cemo cisão o resulta Ofere n dade essão e de pro dad mpr
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Gustavo Amador/LUSA
Manifestação anti-golpista em frente do Parlamento hondurenho
N Experiência-piloto honduras
Quando tudo parecia mostrar que depois de um século de turbulências a América Latina começava a consolidar a sua institucionalidade, um golpe de Estado acabou com o Governo das Honduras. O que se atacou era um esboço de uma nova forma de entender a democracia. Manrique S. Guadin BUENOS AIRES
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ada fazia pensar, a 28 de Junho, que a América Latina voltaria a ter um acontecimento daqueles, um golpe de Estado, sangue e direitos arrasados, tão dolorosamente comuns no século passado. Nesse dia, no Sul, a democracia tinha os seus marcos na Argentina e no Uruguai, onde se elegiam legisladores e candidatos para as presidenciais. Mas na madrugada desse domingo, quando os argentinos e os uruguaios ainda dormiam, nas Honduras, coração da América Central, os comandos militares entravam com a bestialidade que os distingue em casa do presidente constitucional, Manuel Zelaya, e a pontapés, meteram-no num avião que o depositou na vizinha Costa Rica. Não foi o primeiro golpe de Estado do século, mas foi o que inaugurou uma nova modalidade. Foi uma experiência-piloto que, por ter resultado, coloca um grande ponto de interrogação sobre o futuro da institucionalidade dos 37 países da América Latina e das Caraíbas. Com quase trezentos golpes de Estado na sua sangrenta história, a região conheceu ditadores chegados para defender multinacionais da banana e do cacau, grandes empresas mineiras ou petrolíferas, donos de terras ou bancos. Chegaram sempre com o mesmo pretexto: libertar o país em causa de um suposto
maléfico inimigo, identificado como tal apenas por ter denun- micos, os pequenos caudilhos locais, a imprensa e o Supremo ciado os saqueadores das suas matérias-primas, das riquezas do Tribunal de Justiça (cujos membros foram designados em tempos solo e do subsolo e também das esperanças e vidas das suas gen- de duvidosa democracia), algo terá feito Zelaya para que todos se tes. Sempre chegaram da mesma forma: arrasando as institui- voltassem de repente contra ele, contra o modelo democrático trações, os partidos políticos e os sindicatos. Milhares de vidas. O dicional e contra os sectores populares que não foram os que o leque hoje ocorre nas Honduras é diferente. O golpe foi em de- varam ao Governo, mas que pouco a pouco se foram juntando ao fesa de interesses determinados e precisos, mas o que se atacou seu projecto político. E algo fez Zelaya: tocou nos interesses de tofoi o esboço de uma nova forma de entender a democracia, dos, incluindo os seus velhos amigos e sócios, porque não nos pocom a participação dos cidadãos na concepção das políticas. demos esquecer que Zelaya é latifundiário, um dirigente do velho A história mostra que para hae conservador Partido Liberal e que Quando começou a sua metamorfose ver um golpe tem que existir priantes de chegar ao Governo fora meiro um pretexto que permita expresidente do poderoso Conselho política, Zelaya gerou plicar o inexplicável, uma série de Hondurenho da Empresa Privada. que escandalizou aqueles grupos coligados para fazer frente à Em 2007, quando começou a resistência popular e, por último, sua metamorfose política, Zelaya que tinham sido os seus apoiantes um forte apoio exterior que assegudisse que aderia «às ideias do liberare a sobrevivência desse regime malnascido. Nas Honduras, apa- lismo socialista para que todos os benefícios do sistema atinjam rentemente, apenas se cumpriu o segundo dos critérios. O pretex- quem mais deles necessita: mulheres, crianças, idosos, trabalhadoto foi mentiroso, como sempre, mas também foi estúpido: segun- res da cidade, camponeses e produtores». do os pequenos ditadores nascidos no golpe, Zelaya tinha mostraEm consequência, gerou uma aluvião de feitos que escandalido «intenções» de perpetuar a sua permanência no Governo. O zou aqueles que tinham sido os seus. Com uns – produção própria apoio externo foi inexistente: com maior ou menor intensidade foi de medicamentos sem atender aos direitos de patente internaciorepudiado por todos os governos latino-americanos, pelos EUA, nais, subsídios aos combustíveis, créditos com juro baixo para a Organização dos Estados Americanos (OEA), União das Nações construção de habitações populares ou para as pequenas empresas, Sul-Americanas (UNASUR), Nações Unidas e União Europeia aumento de 50% do salário mínimo, ataque à evasão fiscal – pene(UE). Além de não ter tido apoio, teoricamente, também não tem trou na política de redistribuição das receitas. Com outros apontou qualquer crédito. contra a essência do modelo neoliberal que imperava no país: suspendeu o processo de privatização do sistema de saúde e das emO pretexto dos golpistas presas do Estado (energia eléctrica, portos, telecomunicações); passou a fazer parte da Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), A 28 de Junho devia ter-se realizado uma consulta popular. Na uma entidade supranacional formada com Cuba, Venezuela, Nirealidade, um inquérito de opinião. Zelaya queria perguntar ao carágua, Equador e Bolívia; integrou a Petrocaribe, uma iniciativa povo se concordava que, a 29 de Novembro, dia das eleições pre- dos países das Caraíbas que lhe permitiu romper com as multinasidenciais, se colocasse uma urna especial para que cada cidadão cionais do sector e aceder ao crude venezuelano em condições prepudesse dizer se aprovava uma nova consulta para eleger uma As- ferenciais (pagamento de 50% a 90 dias e o resto a 25 anos, com sembleia Nacional, que se encarregaria de reformar a Constituição, uma taxa de juro de um por cento anual). com o fim de abrir um espaço de participação, consulta e decisão Em 2009, quando lançou a ideia da sondagem, o presidente sobre aspectos da vida do país dos quais a população está excluída. fechava um processo atípico de conversão ideológica e confessava Ou seja, tratava-se de uma pergunta sobre a eventualidade de fazer publicamente: «Pensava fazer todas as transformações dentro do outra pergunta. Apenas isso. A Assembleia Constituinte só se faria esquema neoliberal, mas os ricos não cedem em nada, querem quando Zelaya já não estivesse no Governo. O que quer dizer que tudo para si próprios. Então, logicamente, para fazer mudanças há não haveria a possibilidade de uma reeleição, embora os media te- que incluir o povo». nham dito que esse era o motivo do Presidente, dando aos golpistas o único, pobre pretexto esgrimido para atacar as instituições. Incrível e inquietante, diz Lula É preciso procurar motivos noutro lugar, porque seria inédito que se tivesse dado um golpe de Estado só para se evitar uma son- Se não têm apoios nem têm crédito, como se mantêm os golpistas dagem. Se quem apoia os ditadores são os grandes grupos econó- no poder? Além de mostrar que para subsistir qualquer golpe deve
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de feitos
uma aluvião
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As respostas para inverter o golpe estão nos Estados Unidos, mas as boas intenções de Obama chocam com os interesses de fortes lóbis ”
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série de acções provocadoras» e que a sua tentativa de regressar ao país foi uma «acção prematura e imprudente». Algo como a vítima transformada em atacante. O certo é que Obama está de mãos atadas e o seu Governo nem sequer admitiu oficialmente que o ocorrido a 28 de Junho nas Honduras foi um golpe de Estado. Se o fizesse, as sanções seriam automáticas e o fim dos ditadores uma consequência imediata. MÁRIO LOPEZ/LUSA
contar com apoio externo, a história latino-americana diz expressamente que esse apoio deve ser o dos Estados Unidos, a potência dominante. Quando a 20 de Janeiro deste ano Barack Obama pôs fim à permanência republicana na Casa Branca, disse que queria recompor as relações com a América Latina. Deu alguns passos positivos no que diz respeito a Cuba – embargada economicamente desde 1961 – e votou na OEA uma resolução amistosa dirigida ao Governo socialista de Havana. Mas a crise das Honduras está a mostrar, e a provar, que Obama não é os Estados Unidos e que nos EUA existem elementos de poder dispostos a bombardear as suas melhores intenções. A 15 de Agosto, depois de receber Zelaya, o Presidente brasileiro Lula da Silva revelou algo «incrível e inquietante»: antes de tomar a rota da Costa Rica, o avião em que os golpistas levaram o presidente do país «fez escala numa base militar dos EUA».
«Se os Estados Unidos quisessem acabar com os golpistas fá-lo-iam em cinco segundos», disse Zelaya. A relação económica é de uma dependência quase absoluta: o grande país absorve 70% das exportações de bananas, café e açúcar; 96% da indústria hondurenha e 40% das embaladoras são de capitais norte-americanos; dos Estados Unidos chegam todos os anos 2900 milhões de dólares nas remessas que os emigrantes enviam às suas famílias. Como disse Zelaya, bastaria uma simples ameaça de sanção para que a ditadura se desmoronasse. Porque é que Obama não actua neste sentido? As respostas parece tê-las o Departamento de Estado, quando, na voz da sua titular, Hillary Clinton, explicou à Comissão de Relações Exteriores do Senado que «recusamos a possibilidade de aplicar sanções por respeito ao princípio de não intervenção», e justificou elipticamente o golpe ao dizer que «antes do seu afastamento [Zelaya] fez uma
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livro do mês
O Eleito do Sol, de Arménio Vieira
Alegoria do Poder e do Saber Um livro que inaugurou novas vertentes temáticas e formais na prosa cabo-verdiana instaurando um discurso transgressor em relação aos poderes instituídos Rodrigues Vaz
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m Junho, quando ao poeta cabo-verdiano Arménio Vieira foi atribuído o Prémio Camões, uma espécie de Nobel da Lusofonia, já quase ninguém se lembrava do seu livro, O Eleito do Sol, que a editora Vega tinha publicado em 1992, pela mão da Ana Mafalda Leite, na colecção que ali dirigiu, «Palavra Africana», que foi ficando nas prateleiras, praticamente esquecido. O galardão premiava aliás o conjunto da sua obra, essencialmente poética, e não um livro determinado, pelo que se compreende que a sua estreia na ficção tivesse continuado no limbo. Bem andou, portanto, a Nova Vega, que recuperou do armazém esta obra-prima de Arménio Vieira, permitindo que déssemos conta do erro em que incorremos ao não repararmos nele como de facto merecia, ao mesmo tempo que descobrimos um poderoso manejador da Língua Portuguesa. Com uma obra que – como diz Fátima Fernandes, docente de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses da Universidade de Cabo Verde e investigadora de literatura cabo-verdiana – «pela diversidade em que ela se desdobra e pela complexidade com que se permite o questionar da colocação do homem no espaço universal, bem como pela representação estética que delineou o emergir de uma Literatura nova, pujante e inquiridora, representa, desde as suas primeiras manifestações, a consolidação do processo de afirmação estética e identitária caboverdiana». Febricitante fábula sobre o poder absoluto, os abusos do poder e os meandros da tirania e, ao mesmo tempo, uma desmontagem das fraquezas que são a sua causa, O Eleito do Sol, primeira obra do agora laureado com o Prémio Camões, é, antes de mais, uma poderosa sátira que, apesar de localizada no
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O Eleito do Sol Arménio Vieira Vega, Lisboa
Egipto dos faraós, tem a ver sobretudo com os nossos tempos, na África eterna, mas também nas chamadas democracias ocidentais, onde a hipocrisia reina e o egoísmo mina todos os princípios morais e éticos. Partindo de uma narrativa natural e laboriosamente fluente que vai jogando com vários cânones da tradição universal, das lendas europeias (a história do Capuchinho Vermelho, por exemplo) às fabulosas estórias árabes (as Mil e uma Noites) e aos contos-provérbios africanos, Arménio Vieira constrói uma obra quase perfeita, ao mesmo tempo surrealizante e realista, picaresca e séria, enriquecida por uma imaginação notável, quase sem limites, servindo-se essencialmente do padrão da conhecida boneca russa Matrioska, que, à medida que se desmonta uma, outra aparece ainda mais deslumbrante, assim até ao infinito. E mais ainda. Quando o protagonista enfrenta o poder, sob qualquer forma, o autor utiliza sempre dois planos: o que se diz e o que se pensa, permitindo a reflexão sobre a efemeridade do poder e os seus enganos, porque afinal tudo é aparência no jogo de espelhos que se vão reflectindo indefinidamente, mas que só levam ao nada, ao esquecimento. Como salienta José Luís Hopffer Almada: «Tal como na poesia, também nesta prosa Arménio Vieira caustica os poderosos e a transitoriedade do seu poder, mediante a repertoriação da vida e obras do escriba egípcio, enquanto símbolo do poeta-parente do gato e do intelectual-detentor do saber». Razão tem o linguista Manuel Veiga quando diz que O Eleito do Sol consagra Arménio Vieira como ficcionista, «não um qualquer ficcionista, mas um ficcionista de ruptura. Através dos seus poemas, ele nos tinha já habituado a uma certa
o Forte de Karnak, um verdadeiro inferno, ao qual nem sequer falta uma tortura especialmente concebida para os intelectuais (o «gongue de bronze»), mas que se transmuta num «atelier de criação e de exercício de sagacidade e amor por parte do escriba». («A alegoria do Poder e do Saber em o O Eleito do Sol, de Arménio Vieira) in A Sementeira, Edições ALAC, Linda-a-Velha, 1994, também incluído em Cabo Verde, Insularidade e Literatura (coordenação de Manuel Veiga), Karthala, 1998). Segundo Fernando J. B. Martinho, a imagem do «poeta» que se desenha na obra do autor «muito tem a ver com toda uma tradição cultivada nos últimos séculos – a tradição do poeta inconformista, rebelde, irreverente, louco, e, enfim, maldito». Postura que lhe vale, nas palavras do poeta cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca, a designação de «Irreverente, indomável espadachim da sorte e da morte, poeta de vento sem tempo». Esperemos agora por Mitografias, o seu mais recente livro, de 2006, que a Nova Vega deve lançar ainda este mês. OMAR CAMILO/LUSA
‘dissidência literária’. Com O Eleito do Sol, essa ‘dissidência’ conquista o estatuto de maioridade e reclama o direito a uma identidade própria». Mas porquê um autor dissidente? Para Arménio Vieira, explica Manuel Veiga, «os tempos são outros e a literatura também tem que ser outra. A temática do terra-longismo, da mamãe-terra, da chuva-madrasta e braba, do mar prisão-liberdade, da seca-malfadada, da fome-ingrata e da ‘lei’ que manda fincar os pés no chão, já teve o seu tempo». Efectivamente, este livro de Arménio Vieira inaugurou novas vertentes temáticas e formais no panorama da prosa caboverdiana, instaurando um discurso transgressor em relação aos poderes instituídos, realizando uma estranha e surreal alegoria onde a figura de um escriba egípcio atravessa os trilhos do tempo em demanda crítica do onirismo mais vital. Beleza e crueldade, saber e poder, ambição e despojamento equacionam, na encruzilhada pícara e maravilhosa de O Eleito do Sol, a permanência de princípios e valores intemporais. Tão depressa utiliza uma retórica barroca, tão característica do Oriente, como certos modismos brasileiros, que lhe servem sobretudo para desmarcar a acção, chamando a atenção de que se trata de ficção, muito à maneira de Brecht, e não se coíbe mesmo de brincar com Camões, que aqui aparece como Khamsés, «o grande poeta nacional do Egipto». Manuel Veiga: «Fundamentalmente, o tema do livro é uma alegoria do Poder e do Saber. Toda a história, ou todas as histórias do livro mais não são do que uma permanente luta entre os dois poderes. Se o primeiro combate pela força das armas, o segundo age pela subtileza do espírito. Prova disso seria
UMA OBRA SATÍRICA E IRREVERENTE Arménio Adroaldo Vieira e Silva, o primeiro cabo-verdiano a receber o Prémio Camões, nasceu na Praia, Ilha de Santiago, a 24 de Janeiro de 1941. A sua vida assume uma aura carismática, marcada pela sua sede de saber e pela postura ideológica desde cedo, quando foi estudar no Liceu Gil Eanes e se tornou um dos fundadores da página literária Seló, suplemento do Notícias de Cabo Verde, que não passou do segundo número mas marcou profundamente a sua geração. Continuou a publicar a sua obra satírica e irreverente em diversas revistas, como a Vértice, Raízes, Mákua, Alerta, Ponto & Vírgula, Fragmentos, Sopinha de Alfabeto e outras publicações. Foi redactor do extinto jornal Voz di Povo. Ganhou o 1.º Prémio dos Jogos Florais com o caderno A Noite e a Lira. O preço pela sua liberdade de expressão foi a prisão pela PIDE na década de 60, por dois anos. O poema Lis-
boa-1971 denuncia essa vivência mas sem dramas de heroicidade. Três poemas seus, Lisboa-1971, Quiproquo e Ser tigre, foram incluídos no CD «Poesia de Cabo Verde e sete poemas de Sebastião da Gama», de Afonso Dias; outros três na antologia «Vozes Poéticas da Lusofonia»; e, mais recentemente, em 2008, na antologia Destino di Bai. Desenvolve actividade crítica e na sua geração desempenha um papel fundamental de reflexão sobre a modernidade literária em Cabo Verde. BIBLIOGRAFIA: Poemas, Lisboa, África Editora, 1981; O Eleito do Sol, Praia, Edição Sonacor, 1990 e Lisboa, Vega Editora; Poemas [reedição], Mindelo, Ilhéu Editora, 1998; No Inferno, Praia e Mindelo, Centro Cultural Português, 1999; Mitografias, Mindelo, Ilhéu Editora, 2005. África21– setembro 2009
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carne
pratosÊprontos
sucosÊeÊlicores
MARCASÊCOMERCIALIZADASÊPORÊTODAÊçFRICA:
cults
S
ão Tomé e Príncipe acolhe, entre 4 e 19 de Setembro, uma quinzena recheada de eventos científicos e culturais. Estes momentos dedicados à CPLP juntam-se às comemorações do Ano Internacional da Astronomia, com a realização pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, na cidade de São Tomé, de uma escola em português de física e astrofísica moderna. Reunindo investigadores e professores dos países lusófonos, esta acção é motivada pela comemoração dos 90 anos de observações fundamentais para a física moderna, realizadas simultaneamente na ilha do Príncipe e no Ceará, no Brasil.
A este momento CPLP associou-se a Fundação Mário Soares, que organizou a exposição «A luz desviada pelo Sol», com o objectivo de dar a conhecer a expedição de 1919 à ilha do Príncipe e à cidade de Sobral, no Ceará. Entre os diversos momentos culturais, com música, literatura, debates, exposições, desporto e gastronomia, é de realçar o tributo a Alda Espírito Santo, poetisa são-tomense, antiga presidente da Assembleia Nacional e presidente da União dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe. O evento mobilizou vários parceiros. Esta quinzena de ciência e cultura no arquipélago teve o apoio da Caixa Geral de Depósitos e da
Arquivo África21
CPLP em São Tomé homenageia Alda Espírito Santo
RTP África, assim como da STP Airways. De referir que a CPLP aproveitou a ocasião para a divulgação em São Tomé do III Fórum da Aliança das Civilizações, que terá lugar em Maio de 2010, no Rio de Janeiro.
Luanda ao ritmo do jazz
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uanda recebeu, entre 31 de Julho e 2 de Agosto, o primeiro Luanda Internacional Jazz Festival, que apresentou 13 intérpretes e bandas diferentes, de várias latitudes. O recém remodelado Cine Atlântico viveu durante três dias sons tão diferentes como os protazonizados pelo angolano Dodó Miranda, o moçambicano Jimmy Dludlu, a angolana Sandra Cordeiro, acompanhada por Dalu Roger e Kizua Gourgel, ou ainda os norte-americanos Mc CoyTyner e Gary Batz, estes dois já no último dia do evento. Embora ainda sem grande expressão em Angola, o jazz tem vindo a ganhar terreno junto de diversas camadas da população, e a primeira edição do festival acabou por demonstrar que tem espaço no país. Também os diversos músicos realçaram a importância do festival, até pelos contactos que proporciona. Kizua Gougel sintetizou bem este sentimento geral, ao afirmar que se viveram dias de um «ambiente de perfeita harmonia, envolvente e com mistura de culturas». A organização ficou a cargo da empresa angolana Ritek Empreendimentos. África21– setembro 2009
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Jornalismo cultural junta profissionais dos cinco PALOP
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erminou em Luanda, em finais de Agosto, a formação sobre jornalismo cultural destinada aos jornalistas dos cinco países de língua oficial portuguesa. Durante 15 dias foram abordados temas como os media e a cultura africana no contexto da globalização, rádio e tradições culturais, importância do humor na cultura africana, teatro africano, uma tradição em evolução e a música africana modernidade e tradição. Tratou-se de uma forma de reforçar a difusão nos meios de comunicação social dos povos que falam português. Difusão que, na opinião dos participantes, deve ser feita cada vez mais num espírito de cooperação e intercâmbio, respeitando a diversidade e as autonomias culturais de cada um dos países. Satisfeitos com os resultados, os jornalistas dos PALOP destacaram as experiências que retiraram desta acção de
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formação, o que contribuirá para melhorar a qualidade do trabalho prestado ao público. Os jornalistas, que tiveram a oportunidade de conhecer como funcionam alguns dos órgãos dos média angolanos, saíram de Luanda dotados de mais ferramentas, o que contribuirá para uma maior divulgação dos valores culturais dos respectivos povos. Conforme refere uma declaração assinada no final da acção, «o Jornalismo Cultural tem, hoje, que contribuir para a qualidade de vida. O Jornalismo Cultural tem que responder sobre as aplicações legislativas e suas implicações no desenvolvimento do diálogo intercultural. Promover as diferenças e, sem antes julgar, trazer ao público o que nos torna ricos culturalmente; exactamente as diferenças».
Reeditadas obras de Agostinho Neto
Ministério angolano da Cultura (MINCULT) vai reeditar quatro das principais obras de Agostinho Neto, «como forma de permitir que a nova geração conheça ou mantenha contacto com a sua escrita». A iniciativa foi anunciada, em Luanda, por João Lourenço, um dos membros da comissão de actividades do Colóquio Internacional sobre Agostinho Neto, realizado a 15 e 16 de Agosto. De acordo com o MINCULT,
nho. Além destas obras, sairá a público Sagrada Esperança, cuja reedição está a cargo da União dos Escritores Angolanos (UEA). Agostinho Neto, líder da independência de Angola, nasceu na aldeia de Kaxicane, região de Icolo e Bengo, província do Bengo, a 17 de Setembro de 1922, tendo falecido em 1979. Da sua bibliografia constam, entre outras, obras como Poemas, Sagrada Esperança, A Renúncia Impossível, Quem é o inimigo…
serão reeditados os livros A Renúncia Impossível, Sobre a Libertação Nacional (colectânea discursos), Náusea e Ainda o meu so-
qual é o nosso objectivo?, Destruir o velho para construir o novo e Ainda o meu sonho.
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Cultura brasileira em Luanda
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ntre 31 de Agosto e 3 de Setembro decorreu em Luanda a VI Semana Cultural do Brasil em Angola, com a exibição de filmes no CinePlace do Belas Shopping em Luanda. As sessões de cinema começaram com a obra de Lula Buarque de Hollanda e de Carolina Jabor, O Mistério do Samba, na qual a cantora Marisa Monte conduz uma série de entrevistas que formam um painel do quotidiano e das histórias da Velha Guarda da Portela, grupo de veteranos artistas de uma das escolas de samba mais populares do Rio de Janeiro. De referir a participação no elenco de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. Por seu lado, Estômago, vencedor de cinco prémios no Festival do Rio 2007, ofereceu ao público dois temas universais: a comida e o
Cena do filme O Mistério do Samba
poder. O filme, que recebeu o prémio Lions Award na sua estreia no Festival Internacional de Rotterdam, na Holanda, conta a história da ascensão e queda de Raimundo Nonato, um cozinheiro com dotes muito especiais. A mostra encerrou com Não por Acaso, que conta com dois protagonistas distintos, Rodrigo Santoro e Leticilia Sabatella, que actualmente vive a vilã Ivone na novela «Caminho das Índias». Este filme alterna duas histórias com um ponto de intersecção: um acidente de automóvel em que morrem duas personagens. Várias outras actividades integraram a Semana Cultural do Brasil em Luanda, iniciativa organizada pela Associação dos Empresários e Executivos Brasileiros em Angola.
Vencedores anteriores disputam
Festival da Canção de Luanda
Kizua Gourgel, um dos concorrentes do festival
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próxima edição do Festival da Canção de Luanda, a décima segunda, realiza-se a 24 de Setembro, apresentando como novidade o facto de, pela primeira vez, ser disputada pelos vencedores das edições anteriores. Kimpaba, Matias Damásio, Mirol, Artur Neves, João Alexandre, Kizua Gourgel, Jomo Fortunato, Célsio Mambo, Massoxi Max e os irmãos Dany e Pedro Bândua são, desta forma, os concorrentes ao festival, e os candidatos a usufruir da oportunidade de participar no Grande Prémio da Canção, avaliado em dez mil dólares. De acordo com declarações da responsável do evento à Angop, Cristina Miranda, «não há intenção de alterar o formato do festival», já que a organização apenas pretende comemorar de forma diferente a coincidência de ser a décima segunda edição, e de haver 12 concorrentes, regressando ao formato normal para o ano. Os convidados especiais deste ano são a banda belga Vaya Com Dios. O festival foi criado em 1998, e é uma organização da Rádio Luanda Antena Comercial, com o objectivo de premiar a criatividade e originalidade dos compositores angolanos. África21– setembro 2009
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livros
MIGUEL CORREIA
Alguém disse que Leite derramado chega até nós, página após página, como uma suave melodia, de que se gosta, e da qual temos dificuldade em nos separarmos. Feliz exemplo, este, levando obviamente em conta o seu autor, Chico Buarque. Não deixa aliás, para muitos, de se revelar uma tarefa difícil pegar numa obra de Chico e não pensarmos, mesmo que lá longe, em palavras musicadas em dezenas de músicas que há décadas enchem a nossa memória musical. Mas sejamos honestos: tal não é justo para Chico Buarque. Um excelente compositor e músico, mas hoje também um escritor brasileiro do seu tempo acima da média. E Leite derramado prova-o, desde as primeiras páginas. Intenso. Inspirado. Fala-nos do amor, da memória, da felicidade, da família. Da história do Brasil nos últimos dois séculos. «Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina». Assim começa a estória. Continuamos? Leite derramado Chico Buarque Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2009
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Uma questão de medida é um livro sobe o arquitecto Siza Vieira. Ou, dito de outra forma, é um livro sobre os olhares de Siza Vieira, como arquitecto, mas também como cidadão, sobre a arquitectura, na sua dimensão mais ampla. E sobre Portugal, e mesmo o mundo. São perguntas e respostas. Perguntas com respostas. Quem questiona são Dominique Machabert e Laurent Beaudouin. O primeiro jornalista, o segundo arquitecto. São 280 páginas onde Siza comenta as suas obras e os seus projectos. Sim, projectos, pois alguns não passaram disso mesmo. E ele explica-nos porquê, um a um. Como também nos fala dos seus prémios de arquitectura, aprofunda a sua intervenção no Chiado pós-incêndio, opina sobre o ensino em Portugal. Fala da fé, da religião, das igrejas, do seu simbolismo. Da luz, tão importante na sua obra. Siza Vieira é português, embora um arquitecto do mundo. E esse olhar universal trespassa todo o livro, todas as respostas. Escreve Machabert: «Siza faz grandes gestos enquanto fala e dá o corpo ao manifesto diante da palavra vã, último recurso perante o impossível que há para dizer, dizer então mostrando-o, mimando, abrindo o leque realista, as suas mãos, quando não estão ocupadas a fumar ou a desenhar, ou os três ao mesmo tempo». É este Siza que nos chega, o arquitecto, e a pessoa. Não são os dois indissociáveis? Álvaro Siza Vieira, uma questão de medida Dominique Machabert e Laurent Beaudouin Caleidoscópio, Lisboa, 2009
Prémio Nobel da Paz em 2003, Shirin Ebadi traznos em A Gaiola de ouro o que acaba por ser um retrato de muitas famílias iranianas, vítimas de um período conturbado que atravessou gerações. Conflitos, guerras, a consequente emigração. Décadas intensas a nível interno, mas também na relação do país com o exterior. Um Irão que suportou uma monarquia corrupta, que abandonou o seu povo, um Irão que conviveu durante anos e anos com a ingerência estrangeira, e com uma política americana que não olhou a meios para atingir os seus objectivos estratégicos para o país e a região. E tudo começa com duas famílias, a sua amizade, os momentos de prazer, em que as tradições estão presentes, mas também um olhar pelo mundo. É então que a revolução islâmica abana tudo. É então que a história divide as famílias. Shirin Ebadi nasceu no Irão em 1947. É advogada e activista dos Direitos Humanos. Na mira do regime de Ahmadinejad, devido às suas batalhas a favor da democracia e dos direitos das mulheres, desenvolve uma intensa actividade de propaganda e uma batalha legal que a tem levado a todo o mundo. A gaiola de ouro Shirin Ebadi Esfera dos Livros, Lisboa, 2009
músicas Cinco minutos de jazz Vários (selecção de José Duarte)
Meditherranios Luísa Amaro
Um, dois, um, dois, três, quatro, cinco minutos de jazz! Assim começava, há 43 anos, o mais antigo programa da rádio portuguesa, Cinco minutos de jazz, da autoria de José Duarte. E assim continua hoje. Para comemorar os 40 anos do programa, festejados em 2006, foi lançada uma caixa com quatro CD, fotografias de vários momentos jazzísticos do autor e diversas opiniões, a começar pela do próprio. Rapidamente esgotou. Depois da insistência de muitos, eis que chega ao mercado a segunda edição da caixinha. Uma embalagem com 40 anos de música, de história. Uma caixa que nos transporta,
São nove composições. Todas da autoria de Luísa Amaro. É a guitarra portuguesa, acompanhada por um guitolão, clarinete alto e baixo e diversos instrumentos de percussão do Médio Oriente. Também lá está Mário Laginha, numa das músicas, com o seu piano. É o primeiro trabalho de Luísa Amaro, que com a sua guitarra portuguesa – instrumento tradicionalmente pegado por homens – nos traz por sonoridades novas. Aliás, essa é a primeira surpresa deste álbum: se nos habituámos a uma certa previsibilidade nos sons da guitarra portuguesa, aqui, pouco a pouco, faixa a faixa, vamos sendo surpreendidos com ambiências menos comuns. Fruto do casamento de instrumentos, é certo, mas também das particularidades da própria Luísa Amaro, que nos diz num pequeno texto introdutório: «Este disco surge de uma vontade de abrir um novo ciclo, criar uma sonoridade distinta, com novas histórias para contar. Deu-me um enorme prazer sentir o pulsar dos instrumentos com os seus timbres, as suas vibrações, os seus sopros e arrebatamentos». Nota-se, Luísa, nota-se. Como também nos apercebemos, mais nuns momentos do que noutros, de como a compositora e intérprete nos transmite imagens sonoras que nos fazem recordar a guitarra nas mãos de Carlos Paredes, bem trabalhada, acarinhada. É um disco que se escuta, na primeira vez, simplesmente para explorar, investigar. E, mais tarde, então sim, saborear.
Tchamantché Rokia Traoré
por horas, ao universo musical de José Duarte, e do seu programa. São cinco minutos. Apenas. Cinco minutos diários, que começaram na Rádio Renascença, com um pequeno comentário, uma opinião, a acompanhar uma música. Simplesmente. Na Renascença continuou até 1975, altura em que os emissores foram dinamitados. Mas os cinco minutos não terminaram, e regressaram em 1983 na Comercial, onde permaneceram até 1993. Desde então, tem sido na Antena1 que o jazz tem ganho direito aos seus minutos. «Jazz é apenas uma linguagem musical, outra língua para aprender, como o inglês», diz-nos José Duarte. É, de facto, e estes quatro CD levam-nos ao universo do swing dos anos 30, do jazz de New Orleans, ao bebop dos anos 40 e por aí fora. Para os apreciadores, e para os candidatos, que para José Duarte estão sempre a tempo de aprender.
Funk, blues, rock e jazz, numa mistura com ritmos tradicionais dão cor à música de Rokia Traoré, que lançou o seu quarto álbum, intitulado Tchamantché. Natural do Mali, a compositora, cantora e guitarrista volta a trazer-nos com a sua música uma sonoridade muito própria, sofisticada, que a tem ajudado a conquistar, ano após ano, públicos por esse mundo fora. Foi aliás já nomeada, por três vezes, para o BBC Worl Music Award. Em Maio passou por Portugal, precisamente para apresentar este seu novo trabalho. Conhece também o palco do Festival Músicas do Mundo de Sines, que pisou em 2004 e 2008. Mouneíssa, de 1997, foi a sua primeira criação. Logo agradou, e algum marketing bem conseguido ajudou a dar um empurrãozinho em diversos mercados internacionais. Depois veio Wanita, em 2000, e Bowmboi, em 2003, com uma Rokia Traoré já mais solta na composição, questão que tem sido referido pelo seu conterrâneo Ali Farka Touré. É verdade que Rokia Traoré é uma mulher de palco. É lá que se transforma, com os ritmos jazz a puxarem pelo resto. Mas escutar este seu quarto álbum é um exercício de prazer, de intensas descobertas, precisamente porque quando parece que não há mais, lá surge outro som, outro acorde. Até a voz. Para escutar. África21– setembro 2009
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filmes AUTOCARRO 174
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Autocarro 174 chega finalmente ao vídeo. O filme, pois já antes tinha sido realizado um documentário, pelas mãos de José Padilha. O brasileiro Bruno Barreto transporta para a tela o drama vivido em directo pelo Brasil, em Junho de 2000, quando Sandro do Nascimento entrou num autocarro e manteve reféns, durante seis horas, diversos passageiros. É então que o Brasil passa horas frente aos ecrãs, a assistir em directo ao desenrolar dos acontecimentos. O sequestro correu mundo. O filme nem tanto. Foi mesmo criticado, por o realizador «conseguir» com que os espectadores facilmente acabassem por ficar do lado do mau da fita, do sequestrador. E pela forma como trata, em determinados momentos, a própria polícia, ou ainda a forma excessivamente dura e negativa como aborda o Brasil. Mas mais do que tudo, Autocarro 174 é um retrato social, é um retrato do Brasil de hoje, da nossa sociedade. O real foi ponto de partida para a ficção. E o argumento divide-se por diversos caminhos, entre os quais o do encontro e desencontro de duas pessoas. O sentimento da perda. De deriva na vida. Da obsessão. E da morte. O jovem Sandro morre na película. Como morreu na vida real. Mas o que fica é a sua história brutal, semelhante à de muitos outros; e é uma obra que não sendo deslumbrante, facilmente nos faz pensar. Pensar como um dia igual aos outros, num autocarro igual aos outros, com pessoas iguais a todas, se pode transformar num dia diferente. Ou não. Realização: Bruno Barreto Interpretação: Michael Gomes, Michel de Souza, Chris Vianna, Anna Cotrim, Gabriela Luz, Cris Vianna, Marcello Melo Jr. Duração: 110 minutos
Episódio um – numa apresentação privada do filme, ainda não a versão final, José Saramago diz no final emocionado para Meirelles, o realizador: «Fernando, estou tão feliz por ter visto este filme como estava quando acabei o livro». Fernando Beija-o no rosto. Rapidamente as imagens correm mundo. Episódio dois – após a apresentação nos Estados Unidos, o filme é criticado e alvo da atenção de diversas instituições de cegos. Interpretam o filme (porque o livro nem o leram) como uma ofensa. Olhar «redutor da estória», diz Saramago. «E estúpida», acrescenta logo depois, com a sua frontalidade. E pronto, o filme estava lançado no mercado. E bem, pelo episódio um. Ensaio sobre a cegueira, tal como o livro, comove. Emociona. Está bem filmado, diria mesmo. Com uma fotografia muito forte e uma interpretação de Julianne Moore fortíssima. Os ingredientes estão lá todos. Como está Saramago, e o seu livro, escrito uns anos antes. E o que imaginou ele? Uma cegueira branca, uma doença misteriosa, uma epidemia, que rapidamente se abate sobre uma cidade. Cegueira branca porque quem é atingido passa a ver uma superfície leitosa, estranha. Branca. E na sua luta pela sobrevivência, os instintos mais básicos, primários, revelam-se. Mas há uma mulher que não é atingida. E o resto é o filme, um filme que nos atira constantemente esta questão. Perturbadora: e se fossemos nós? Para ler e para ver. Realização: Fernando Meirelles Interpretação: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Gael Garcia Bernal, Alece Braga, Danny Glover, Sandra Oh, Maury Chaykin, Don McKellar, Michael Mahonen Duração: 120 minutos Distribuição: Zon Lusomundo
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O LEITOR A Alemanha do pós-guerra é o palco. Um pretexto, um pormenor, pois O Leitor é antes de mais uma magnífica película sobre as relações humanas, com uma enorme carga emotiva. O filme pode aliás ser dividido em duas partes – uma primeira, com pitadas de algum erotismo, algumas cenas simplesmente bonitas, e bem exploradas, mas previsíveis; sim, previsíveis. E depois a cambalhota no enredo, quando desembarca a componente drama. O moralismo, as verdades, os segredos, a vida mais íntima, as angústias. E as surpresas, apesar de rapidamente percebermos do mais que certo final infeliz de uma das personagens. Sthephen Daldry conta-nos em O Leitor a estória, baseada num livro de sucesso, de um jovem que, doente, recebe a ajuda de uma mulher mais velha. Apaixonam-se e vivem um romance de Verão. Intenso. Onde as leituras estão presentes. Dele para ela. Dele, que estuda, para ela, que vive as dificuldades do dia-a-dia, trabalhando numa época difícil. Depois, depois vem o resto. A cambalhota. A surpresa. E o desfecho. Tal como o livro bem recebido, o filme recebeu cinco nomeações aos Óscares: melhor filme, melhor director, melhor argumento adaptado, melhor fotografia e melhor actriz. E Kate Winslet ganhou. Com justiça. Realização: Sthephen Daldry Interpretação: Ralph Fiennes, Kate Winslet, Kirsten Block, Jeanette Hain, David Kross Duração: 120 minutos Distribuição: Zon Lusomundo
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Angola
JORNAL DE ANGOLA
afrobasket 2009
ganha de novo
A seleção angolana conquistou o seu décimo título de campeã africana de basquetebol, mais uma vez com relativa facilidade
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a final do Afrobasket 2009, Angola derrotou a Costa do Marfim por 82-72. As dificuldades iniciais decorreram do excesso de confiança da seleção angolana que, nas primeiras três partidas, só «começou» a jogar após o segundo quarto, ou seja, depois do intervalo. Esta postura ia custando caro contra o Mali, que apareceu com uma equipa bem arrumada e com jogadores experientes que atuam no campeonato francês. Sete deles, aliás, nasceram em França. Outras equipas com jogadores de experiência internacional foram a Nigéria, Senegal, Costa do Marfim e República Centro-Africana. Porém, a todas faltou entrosamento, em todo ou em parte do torneio, significando que o recurso a atletas espalhados pelo mundo exige mais tempo de articulação. Todos os jogadores angolanos atuam no campeonato de Angola tendo, portanto, um conhecimento mútuo importante para a movimentação coletiva. Além disso, Angola como campeão africano nos anos anteriores tem beneficiado da presença nos mundiais e olimpíadas, aumentando a sua experiência. Além disso, o basquetebol angolano beneficia de excelentes apoios financeiros oficiais que lhe permite efetuar uma boa preparação.
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A Tunísia tem a maioria dos seus jogadores na liga nacional e pareceu-nos a segunda equipa do campeonato, não tendo chegado à final apenas porque chocou com Angola nas meias-finais. Se nessa fase tivesse enfrentado a Costa do Marfim (que defrontou e bateu os Camarões) é provável que os tunisinos tivessem sido finalistas. Mesmo assim, venceram os camaroneses por 83-68 e arrancaram o terceiro lugar. Os marfinenses iniciaram a competição com prestações fracas, mas foram crescendo com o decorrer do torneio. O seu treinador disse-nos que teve grandes dificuldades para juntar o plantel na fase de preparação, contando por vezes com apenas três atletas. Assim, acrescentou, o aperfeiçoamento foi feito ao longo das jornadas. Estes três países vão representar África no Mundial do próximo ano, na Turquia. Os Camarões obtiveram o quarto lugar e confirmaram que permanecem no topo do basquete africano. Em Luanda, em 2007, ficaram em segundo. Abaixo deles, posicionou-se um bloco de países encabeçado pela Nigéria – que volta a ter pretensões – e composto pela República Centro-Africana, , Senegal, Mali e Ruanda. Todos eles lançaram-se em
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Jonuel Gonçalves, na LÍBIA
Angola-Costa do Marfim na final muito disputada do Afrobasket
projetos de revitalização das respectivas seleções, incluindo a mobilização de valores que atuam ou até nasceram no estrangeiro, na maior parte dos casos filhos de emigrantes africanos, mas no caso ruandês com a naturalização de um jogador de origem norteamericana. Este jogador, Thomson, recebeu o título de melhor ressaltador do campeonato. O Egito, que já foi sistemático candidato ao primeiro lugar, ficou desta vez nos lugares de baixo, como aconteceu a dois lusófonos: Cabo Verde e Moçambique. Dos moçambicanos esperava-se que opusessem resistência a todos os adversários e não sofressem derrotas muito dilatadas. E foi isso que aconteceu. Perderam todos os jogos do grupo inicial com bons desempenhos nas primeiras partes e, nas partidas de classificação para os quatro últimos lugares, venceram a África do Sul. Já Cabo Verde prometia voos mais altos, na sequência do ótimo terceiro lugar alcançado dois anos antes em Angola. E começou em força ao derrotar a poderosa Tunísia, após o que entrou em queda livre que o empurrou para o grupo dos últimos, onde venceu as duas partidas e ficou em 13º lugar.
JORNAL DE ANGOLA
Décima subida ao pódio da maior potência africana em basquetebol
Entre as explicações para a modesta exibição cabo-verdiana estava a excessiva dependência de Xavier como cestinha da equipa, com a melhor concretização de pontos por partida entre todos os jogadores do campeonato: 27,2, na frente de Sato (República Centro-Africana), com 21,6. Nesta matéria, Angola apresentou particularidade oposta, ou seja, teve os seus pontos distribuídos por vários atletas. Ainda assim, o melhor triplista da competição foi o angolano Morais. Outro angolano, Joaquim Gomes, liderou os cinco «all stars» escolhidos pela mídia que, além dele, incluiu Amagou (Costa do Marfim), Sato (República Centro-Africana), Rzig (Tunísia) e Sagana (Senegal). No balanço geral, o nível competitivo foi superior ao de anos anteriores, levantando a esperança de que o basquetebol africano venha a crescer à escala mundial. A superioridade angolana continua muito evidente, porém, existe agora a real possibilidade de que no próximo Afrobasket os projetos em andamento em outros países possam conduzir a mais equilíbrio, o que seria fundamental até para Angola, e aumentava o grau de competitividade continental.
Meias-finais Angola-Tunísia (79-69)
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Problemas de organização Uma vez mais – é uma constante no desporto africano – surgiram sérios problemas de organização, a começar mesmo pelo país organizador. Devia ser a Nigéria mas, como também já se verificou outras vezes, desistiu, obrigando a uma transferência apressada para a Líbia. As instalações preparadas pelos líbios são boas. Tanto o pavilhão de Bengazy (Suleiman Darrat) como o de Trípoli (African Union) estão muito acima daquilo que possui a maior parte dos outros participantes, reflexo até do estado geral das infraestruturas da Líbia, muitas vezes comparáveis à de países desenvolvidos (estradas, energia elétrica e contexto urbano). O grande pavilhão previsto para a fase final em Tripoli não ficou pronto e teve de jogar-se a segunda fase no African Union, sem que isso afetasse o desenrolar da prova. Em dois aspectos a Líbia revelou-se semelhante a vários outros países africanos: os hotéis são em pequeno número, provocando alguns jogos de influências (e busca de comissões) para atri-
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buição de quartos, principalmente a dirigentes e jornalistas, enquanto que as ligações aéreas internas nem sempre garantem que as bagagens cheguem junto com os passageiros... Mas o mais grave é que o tipo de sistema político causou ameaças contra jornalistas e membros de comissões técnicas. Enviados da mídia angolana estiveram até dez horas retidos no aeroporto sob ameaça de devolução à procedência, embora tivessem visto e tradução do passaporte. O técnico principal da Costa do Marfim (de nacionalidade suíça) ficou na mesma situação cerca de seis horas e o recorde absoluto foi batido pelo treinador da Nigéria, norte-americano, que ficou vinte horas retido numa sala do aeroporto. Mesmo com vistos, certas categorias de viajantes são submetidos à apreciação de uma comissão especial, muito provavelmente composta por membros de serviços especiais. Não só à entrada mas também à saída quando, novamente detentores de passaportes angolanos foram objeto de atenção especial... desta vez apenas alguns minutos mais que os outros passageiros.
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Morais foi o melhor triplista e Joaquim Gomes
liderou os cinco all stars escolhidos pela mídia
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zuma em angola negócios e relações reforçadas
amazónia
Cobiças e violências
moçambique na véspera de três eleições
INFORMAÇÃO, ECONOMIA E ANÁLISE
Nº 33 - SEtEMbRO 2009 – 350 Kz / 4 USD / 3,5 €
África
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Muita terra pouca agricultura
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I&D O TELEMÓVEL DO OBAMA
Para o dia-a-dia
Para desporto
OS TÉNIS DA MINHA ALMA
Depois de Angola se ter reconsagrado como a maior potência do basket africano não podemos deixar de falar de sapatos de ténis. A K-Swiss lançou no mercado o sistema miSOUL, um conjunto de duas palmilhas intermutáveis (para os ténis que as mereçam): com uma delas podemos fazer as tarefas de todos os dias com o maior conforto; com a outra é meio caminho andado para os mais fabulosos afundanços nos jogos da liga ou do bairro. As palmilhas vendem-se em vários tamanhos, com uma versão para homens e outra para senhoras. Custam 40USD cada, pelo que deve contar 80USD para o conjunto. Se quiser aplicá-las num bom invólucro a K-Swiss propõe-lhe, por exemplo, os Run One por 125USD. www.kswiss.com
BLACK POWER
É toda preta e é linda. A District Carbon da Trek é o último grito em matéria de bicicletas de cidade. Apesar de não ter mudanças, o seu design inovador permite-lhe abalizar-se nos arrabaldes com comodidade e segurança. Em primeiro lugar é uma bicicleta inteiramente construída em fibra de carbono OCLV, do melhor que se fabrica. Em segundo acabaram-se as correntes quebradas e as mãos cheias de óleo, porque a Trek substituiu a dita corrente por uma correia de transmissão virtualmente indestrutível, insensível à dilatação e à prova de tudo (dizem que nem sequer se risca). Em terceiro lugar custa 3360USD. Pode-se dizer que é cara (e é mesmo) mas esta bicicleta urbana, rebelde, agressiva e silenciosa vale de facto muito mais do que pesa, porque o resultado é uma bike cómoda e leve, com muita, muita pinta. www.trekbikes.com
É verdade. Se Barack Obama teve de renunciar ao seu telélé (os Presidentes dos EUA não podem ter telemóveis por motivos de segurança) você pode fazer-lhe inveja e utilizá-lo a toda a hora. O BlackBerry é um smartphone, um engenho inteligente que lhe permite ver o seu e-mail em quase todas partes do mundo, navegar na web, enviar mensagens e fotos, tudo isto a uma velocidade estonteante e com uma qualidade e uma segurança a toda a prova. O écran, de alta resolução, é na realidade um touchscreen, o que quer dizer que basta tocar nos diferentes bonequinhos que por lá andam para aceder de imediato à função que se pretende activar. Por cima do teclado alfanumérico (com letras a sério) está uma touchball, uma espécie de «rato» de computador que facilita a navegação entre menus. Além da câmara de 3,2 Mb com óptica de alta qualidade, o aparelho está cheio de funcionalidades, incluindo agenda de trabalho e uns joguinhos para distrair. E tudo isto pode ser seu por apenas 150USD, o que é barato para telemóvel de presidente. www.blackberry.com
PHOTO ART
Pequena, leve e reflex, à prova de neófitos da fotografia, a E-450 da Olympus tem tudo para agradar. Juntamente com os seus repeitáveis 10 megapíxeis de resolução vamos encontar três filtros «artísticos» hi-tech que permitem a qualquer um incluir nas suas imagens efeitos especiais como só os «prós» sabem fazer. Esta compacta dispõe de estabilização de imagem, limpeza automática de lentes e quase todos os outros dispositivos das grandes (e caras) profissionais. Custa 620USD, com uma objectiva 14-42 mm. Se a esta se quiser acrescentar uma tele 40-150 mm o preço global sobe para 745USD. www.olympus.com África21– setembro 2009
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ÚLTIMA PÁGINA JOÃO MELO
Angola entre o presente e o futuro
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á um ano atrás, foram realizadas em Angola as segundas eleições legislativas da sua história. O MPLA foi reconfirmado com 82%, resultado cuja explicação se deve a uma rara conjugação de factores: a associação da imagem do referido partido à estabilidade de Angola e à segurança dos cidadãos, enquanto o seu principal opositor continuava conotado com a guerra e a destruição; o impacto das obras realizadas pelo Governo desde 2002; e o ambicioso programa de reconstrução prometido pelo MPLA, na sequência dessas obras. Um ano depois das eleições, que balanço pode ser feito? Retomarei a seguir algumas constatações do Observatório Político-Social Angolano (OPSA), um importante grupo de reflexão composto por personalidades de diferentes partidos políticos locais, bem como da sociedade civil angolana, divulgadas no início deste mês em Luanda. No plano económico e social, o OPSA reconhece a continuidade de importantes desenvolvimentos positivos no país, em particular a melhoria das infra-estruturas rodoviárias, que estão a ter efeitos positivos na economia de extensas regiões do país e na vida das populações mais pobres. Como nota o OPSA, vários indicadores de saúde estão a melhorar, como, por exemplo, o rácio entre o número de médicos e o número de habitantes, que, em várias províncias, é actualmente melhor do que em Luanda. O Programa Água para Todos tem feito progressos. O esforço para fazer avançar a reforma educativa e
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para aumentar o número de professores em todos os níveis de ensino é significativo. Foi lançado o programa que prevê a construção de um milhão de casas, que está a mobilizar o país inteiro. No plano político, O OPSA registou os progressos a nível da participação dos cidadãos na definição de políticas públicas, de que são exemplos a discussão da Constituição, a aprovação da Estratégia de Segurança Alimentar e a criação dos Conselhos de Auscultação e Concertação Social. Este facto, associado ao aparecimento de novos órgãos de informação, em particular privados, assim como a abertura dos conteúdos desses órgãos, constituem um avanço inegável do processo de democratização. Apesar destes progressos, são notórios sinais de preocupação e descontentamento em vários círculos da sociedade. O reflexo dos elevados índices de crescimento dos últimos anos na vida das populações é ainda claramente insuficiente, pois, embora Angola ainda padeça da falta de estatísticas credíveis que permitam análises mais criteriosas, continuam a ser evidentes os sinais exagerados de riqueza coexistindo com preocupantes indicadores de pobreza. Um factor crítico que, de acordo com o OPSA, explica em grande medida o descontentamento que medra em certos sectores da sociedade é a falta de resultados do compromisso do Presidente José Eduardo dos Santos de combater a promiscuidade entre os negócios e o exercício de cargos políticos e administrativos. Para alguns, a maka principal, em termos políticos, é a forma como está a evo-
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Apesar de certos avanços,
ainda há muito que fazer para o desenvolvimento e a democratização
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luir a questão das eleições presidenciais e a relação estabelecida entre elas e a elaboração da Constituição. Alguns sectores da oposição e da sociedade civil acusam o MPLA de, ao defender a realização da eleição presidencial apenas após a Constituição, demonstrar uma atitude de menosprezo pela opinião pública. A verdade é que, além do MPLA, outro partido com assento parlamentar, a Nova Democracia, também defende a mesma posição. Essas duas forças representam quase 85% do eleitorado. Na minha opinião, Angola parece entrar na fase final de um longo e conturbado processo de transição, iniciado nos anos 90, mas particularmente afectado pela guerra pós-eleitoral de 1992. A conclusão desse processo tem de ser conduzida de forma realista e ponderada, com a participação de todos, Governo, oposição e sociedade civil. O grande desafio é, sem dúvida, como fazer avançar o nosso país, não apenas no plano económico, mas também social e político, mantendo a estabilidade tão dificilmente conquistada pelos angolanos. A futura constituição, mais do que a eleição imediata do Presidente, será uma peça crucial para atingir esse objectivo.