Resenha Enciclopédia Caiçara Cap.1.docx

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Resenha enciclopédia caiçara cap1 a mudança como modelo Cultural: o caso da cultura caiçara e a urbanização. - antonio carlos diegues.

Antes de começar a dissertar sobre a origem e desenvolvimento dos povoamentos caiçaras Diegues nos situa na discussão em torno dos conflitos vividos hoje pelos caiçaras, muitas vezes impedidos de praticar seu modo de vida passam a morar em bairros suburbanos onde raramente tem a possibilidade de exercerem atividades pesqueiras. O autor sugere que “o contato direto e permanente com os padrões da cultura urbana, o predomínio crescente das igrejas evangélicas”(p.22) tem acentuado uma desorganização do modo de vida caiçara, ao mesmo tempo, tem reatualizado a tradição proporcionando outras relações sociais e formas de solidariedade. Ao longo do texto o autor mobiliza as noções de: cultura e modo de vida caiçara, a primeira é definida como “um conjunto de valores, visões de mundo, práticas cognitivas e símbolos compartidos, que orientam os indivíduos em suas relações com a natureza e com os outros membros da sociedade” (p.22) enquanto modo de vida é entendido como a organização da produção material. Embora esses dois conceitos articulados desta maneira deem a entender que há uma separação entre a produção material da vida e a imaterial, o autor afirma que “não são espaços separados, mas combinam -se para produzir seu modo de vida”. (p.22) Quando se refere a tradição caiçara, Diegues não entende tradição como algo estático e imutável, pelo contrário, tradição é entendida como processo histórico constantemente atualizado. A tradição caiçara remete à: “[...] um conjunto de valores, de visões de mundo e simbologias, de tecnologias patrimoniais, de relações sociais marcadas pela reciprocidade, de saberes associados ao tempo da natureza, músicas e danças associadas à periodicidade das atividades de terra e de mar, de ligações afetivas fortes com o sítio e a praia.” (p.23)

A grande maioria da história do Brasil produzida até hoje retrata eventos urbanos que envolve os Europeus, donos de engenhos e de escravos, “grandes famílias ilustres”, apagando dos registros os que margeavam os principais ciclos econômicos. Não foi diferente com os caiçaras, embora seu modo de vida tenha começado a ser constituido no século XVII nas zonas rurais/litorâneas ao longo do litoral sudeste. Estes habitantes do espaço litorâneo aparecem na literatura apenas nos anos 40 do século XX. A partir desses textos dos anos 40 até produções mais atuais Diegues procura delinear o território caiçara e sua cultura. Identifica a extensão do território caiçara desde o litoral sul do Rio de Janeiro até o litoral do Paraná. Tratam-se de territórios descontínuos,

onde habitam pequenos núcleos populacionais, cada qual com suas variações regionais refletidas no tipo de embarcações que usam, bem como as influências de outras culturas e graus de relação com as cidades. A origem da população caiçara está na mistura dos elementos indígena, do colonizador português (em alguns locais espanhol) e do escravo africano. Povo disperso na zona costeira, os caiçaras sempre estiveram conectado de alguma forma aos grandes ciclos econômicos, “fornecendo gêneros de primeira necessidade, como a farinha de mandioca, peixe, lenha, para os núcleos urbanos regionais, como Iguape e Parati.” (p.25) O autor parte da hipótese de que embora estivessem em regiões diferentes os territórios caiçara surgiram no período de desorganização das monoculturas coloniais e póscoloniais - como a cana de açúcar no litoral sul do Rio de Janeiro e norte de São Paulo e o arroz no Vale do Ribeira e no sul de São paulo. O relativo isolamento dos municípios costeiros (devido ao interstício entre um ciclo econômico e outro) fortalece a formação dos povoados, vilas e “sítios” caiçaras. Ou seja, após “um período de grande produção: sobram os pequenos lavradores-pescadores que formam a população caiçara”. (p27) Através de um sobrevoo da bibliografia específica de cada região do território caiçara até meados do século XX, Diegues identifica um modo de vida semelhante ao longo deste território ressaltando características comuns como: Habilidade com artesanato para fabricar a maioria dos petrechos de pesca, construções navais, a casa em que mora, objetos de uso doméstico e instrumentos musicais.Além de suas habilidades e conhecimentos em relação ao mar e a mata, especialmente a capacidade de previsão do tempo através de sinais como “o tipo do vento, das nuvens, das marés, das correntes marítimas, as fases e a posição da lua”(p.28) conhecimento sobretudo necessários para a atividade pesqueira. Neste exercício o autor visibiliza traços comuns aos caiçaras do litoral como: “[...] a combinação entre pesca, agricultura, artesanato e outras atividades, o uso de formas de ajuda mútua, como o mutirão e troca de dias, a pouca importância dada à religião oficial, ao casamento como instituição civil e religiosa, à quase inexistência de lideranças além da importância dada aos mais velhos, o apego ao lugar [...]”( p.30)

Características que comuns aos caiçaras do litoral, embora cada região tenha algumas especificidades. Entre os caiçaras do Paraná e do sul do estado de São Paulo é mais comum o fandango, dançado como um sapateado ritmado, a região conta com uma maior influência indígena, enquanto no sul do Rio de Janeiro é mais acentuada a contribuição dos escravos negros, onde atualmente existem alguns quilombos caiçaras. Além do mais o tipo

de embarcações construídas em cada lugar é diferente, uma vez que, cada tipo de barco é mais adaptado para um ambiente e um tipo de pesca. Ao observar uma bibliografia de um período tão extenso (dos anos 40 até hoje), o autor procura evidenciar que a tradição caiçara sempre foi reatualizada conforme a participação dos caiçaras em ciclos econômicos mais abrangentes. A exemplo disso é citado o caso do abandono parcial da agricultura, que em algumas regiões deixou de ser complementar à pesca devido a grande importância econômica dada a pesca em 1920. A participação dos caiçaras no circuito de pesca comercial introduziu novas tecnologias de pesca, assim novas espécies passam a ser comercializadas como o camarão, a sardinha, a ostra. Os peixes passam a ser congelados ao invés de serem secos e salgados para a venda. A partir da década de 1950 e 1960 passam a ocorrer mudanças mais radicais no modo de vida caiçara, como perda de suas terras para os investidores imobiliários interessados no litoral devido a abertura de diversas estradas que ligam o litoral aos centros. A indústria imobiliária passa a considerar os caiçaras donos das terras apenas como posseiros, pois não terem documentos, através de vários artifícios legais e um sem número de artifícios ilegais os especuladores desapropriaram os caiçaras de suas terras, em diversos relatos trazidos pelo autor é citada a violência por intermédio de jagunços. Embora a migração seja um padrão na cultura caiçara, que sempre mudou em busca de enseadas mais abrigadas e de pesqueiros mais fartos. Nas décadas mais recentes a migração apresenta um novo sentido, marcada pelo não retorno ao lugar de origem, associada a atração pela vida urbana ou pela expulsão de seus territórios. Ao longo do século 20 as cidades do litoral passam por uma série de transformações, enquanto na primeira metade do século elas vivem um esvaziamento populacional, na segunda metade passam a ser alvo de uma série de projetos modernizadores causando um repentino inchaço demográfico. Transformações que também alteraram a relação com os caiçaras com as cidades. A bibliografia mobilizada pelo autor nos revela que antes de tais projetos modernizadores eram comum nas cidades litorâneas os bairros de pescadores, geralmente na região do porto, onde se instalavam caiçaras que tentavam a vida na cidade. Estes conseguiam se manter com a pesca e comércio de peixe, preservando em partes o modo de vida caiçara, comumente mantendo relações com seus parentes das praias e sítios de origem. Com a urbanização recente a vida nos bairros mudou drasticamente para os pescadores e assim para os caiçaras na cidade: “em decorrência da abertura de novas estradas e a intensificação da especulação imobiliária, da construção civil, de uma intensa urbanização e do aumento de áreas protegidas, bem como a persistente recessão econômica que reduziu

consideravelmente o mercado de trabalho [...] Começaram a surgir verdadeiras favelas” (p.39)

São nessas favelas que vão morar os trabalhadores que vieram de outras regiões para a construção civil, e também os caiçaras expropriados de suas terras devido a especulação imobiliária ou devido às medidas ambientais restritivas impostas sobre seus territórios. Estes dificilmente retornam a suas praias de origem. Ao tecer a trajetória das populações caiçaras o autor argumenta que são populações marcadas pela mudança, mudança não só no sentido da migração para os entornos das vilas de origem, mas também, pela “constante incorporação de elementos culturais das áreas onde migraram”(p.42). Fazendo da mudança um modelo de cultura. Porém da década de 70 em diante esse padrão de mudança é quebrado principalmente pela expulsão dos caiçaras de seus territórios, seja pela especulação imobiliária, seja pela transformação de seus territórios em unidades de conservação. Assim a maioria dos caiçaras que migram para a cidade devido a esses motivos dificilmente voltam para seus sítios e praias de origem que agora tem outros donos. Ao propor um modelo cultural baseado na mudança Diegues não pensa a assimilação de elementos da cultura urbano industrial pelos caiçaras como perda cultural, e nos mostra como neste caso uma maior dependência do modo de produção capitalista não significa necessariamente a desorganização de seu modo de produção e reprodução social. É sob este ponto de vista que o autor encara duas questões contemporâneas que estão envolvidos os caiçaras a questão ambiental e o turismo. Tanto o preservacionismo quanto o turismo tem o potencial de desarticular o modo de vida caiçara, mas a partir dos exemplos citados percebemos que são problemáticas assimiladas ao modo de vida caiçara. Atualmente o povos caiçaras se articulam através de ongs e associações e reivindicam sua identidade, a constroem e reconstroem a partir dos conflitos vividos com a sociedade urbano industrial. Promovem eventos para fortalecer sua cultura como oficinas e festivais de fandango e outra danças caiçaras. E ainda posicionam-se como preservadores de seus territórios mostrando que seus conhecimentos e práticas culturais relacionadas aos usos dos recursos naturais tem baixo impacto sobre o bioma, mesmo utilizando tecnologias vindas da pesca comercial muitas vezes coíbem práticas exploratórias de pesca.

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