As Calculadoras No Ensino Da Matemática

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As Calculadoras no Ensino da Matemática: Alguns elementos de reflexão Teresa Assude

A reforma dos programas de matemática prevê a introdução das calculadoras no ensino da matemática mas não prevê as condições necessárias à sua implementação. Será que basta prever um certo instrumento didáctico no programa para que a sua utilização seja eficaz? A utilização usual das calculadoras, ou seja o cálculo numérico das operações elementares, é suficiente para o seu uso no ensino? Uma análise breve da reforma das matemáticas modernas ajuda-nos a compreender que não bastam as boas intenções dos construtores de programas assim como algumas turmas experimentais e a formação dalguns professores para o êxito duma reforma. O êxito da introdução das calculadoras dependerá das condições concretas da sua implementação. 1 - Necessidade da introdução das calculadoras A introdução das calculadoras no ensino da matemática, é já um facto significativo da sua importância. Poderíamos pensar que essa introdução é o resultado das vontades, mais ou menos arbitrárias, de uns tantos professores, de uns tantos matemáticos, de uns tantos construtores de programas. Pensar isso seria minimizar as razões profundas que estão na base mesma das reformas de programas. Os objectos de saber estão sujeitos a uma erosão que não pode deixar de se manifestar mais tarde ou mais cedo pela distância que se estabelece entre o saber que é ensinado e o saber dos matemáticos ou as práticas sociais. Essa distância vai criar as condições para a exigência da mudança de conteúdos e de técnicas que estão inadaptadas às realidades de hoje. As calculadoras (assim como todos os meios informativos) têm neste momento uma realidade social que não se pode desprezar: elas existem e as pessoas utilizam-nas sobretudo nos cálculos elementares. Esta realidade social pode servir como pressão relativamente à escola. A escola deve estar em contacto com o meio que a circunda e não se pode abstrair das pressões que esse meio exerce assim como das suas necessidades e dos seus pedidos. Estas podem ser algumas das condições para a introdução das calculadoras no ensino da matemática mas elas não são suficientes. A análise da introdução das calculadoras ou doutros meios informáticos não se pode desligar duma análise atenta das influências desses instrumentos no próprio desenvolvimento da matemática. A ligação dos saberes e das técnicas no ensino da matemática com o que se passa no campo da matemática relativamente ao uso dessas técnicas é fundamental: que novos problemas o uso das calculadoras e doutros meios informáticos levantou no campo da matemática? Esta análise não é fácil de fazer devido à rapidez das mudanças e ao facto de que essas mudanças são muito recentes. Podemos no entanto dizer que a análise numérica e a matemática discreta beneficiaram da introdução desse meios. Podemos mesmo dizer que esses meios, pelos problemas que levantam, vão constituir um campo específico dentro da matemática: numa classificação da matemática em 1979 tirada da "Mathematical Reviews" uma das suas categorias é precisamente a informática. Alguns problemas que estavam esquecidos ou abandonados renasceram também com as novas técnicas utilizadas: por exemplo alguns algoritmos de cálculo das raízez quadradas. A importância dessas técnicas na matemática tem uma influência no ensino porque muitos dos objectos e das técnicas utilizadas no ensino são legitimadas social e culturalmente pelos matemáticos.

2 - Algumas funções das calculadoras no ensino A calculadora é uma técnica que nos ajuda na execução de certos cálculos, que nos liberta de algumas tarefas repetitivas e pode deixar-nos o espaço livre para outro tipo de tarefas, digamos mais criativas. Este é um princípio muito geral mas, na prática, o que é que implica o uso das calculadoras no ensino? Doutra maneira, quais serão as funções das calculadoras no ensino? Quais são os novos problemas que se levantam no ensino? Quando falamos de ensino não distinguimos os diferentes níveis mas parece-nos importante, na nossa análise, considerar dois casos, entre outros possíveis mas que não trataremos aqui: o ensino inicial das operações elementares e o ensino do desenvolvimento e da utilização dessas mesmas operações. a) Ensino inicial A aprendizagem da escrita dos números e das operações é uma etapa fundamental da conceptualização dos números e das operações. Podemos verificar que na história da matemática a escrita de posição foi uma etapa fundamental na evolução da matemática (o aparecimento do zero é uma consequência dessa escrita de posição) que demorou bastante tempo a estabilizar-se. A compreensão do princípio da posição dos números e dos algoritmos que utilizam esse princípio parece-me importante na aprendizagem inicial das operações. A escrita é uma forma de organização dos conhecimentos que não podemos menosprezar. A aprendizagem de algoritmos escritos e a sua compreensão não são os únicos meios possíveis de aprender as operações: o cálculo mental é também importante pela utilização da memória e o seu desenvolvimento assim como a utilização das calculadoras que pode servir à verificação dos resultados obtidos por outros meios. Parece-me importante começar a aprendizagem inicial das operações pelo cálculo mental e escrito pela conjugação de vários algoritmos. A calculadora pode ser apresentada também como um "algoritmo" que permite obter o resultado das operações ou como um meio de verificação dos resultados feitos mentalmente ou pela utilização doutros algoritmos. A aprendizagem de técnicas independentes das calculadoras permite afastar as ideias de que os alunos se tornarão preguiçosos com a utilização das calculadoras. Quando se aprende a escrever as operações e os seus algoritmos e se consolida bem essas aprendizagens pode-se sem receio passar a uma fase de desenvolvimento onde essas tarefas não são mais um objectivo de aprendizagem mas são simplesmente utensílios de cálculo para outras aprendizagens. Um dos problemas que se podem levantar é o reverso da utilização da calculadora como meio de verificação dos resultados obtidos por outros algoritmos, isto é, como criar as condições para que os alunos possam questionar os resultados apresentados pela calculadora: quais são os processos de validação de que o aluno disporá para validar os resultados que a calculadora apresenta? A confrontação dos diferentes algoritmos permite uma compreensão do algoritmo de cálculo, não como o único e o bom, mas como fonte de questões relativamente aos resultados obtidos e a possíveis diferenças de resultados sobretudo quando se trata de valores aproximados. Por exemplo, quais são as explicações que os alunos dão ao facto de que efectuando 2/3 x 3 a calculadora não apresenta o resultado 2? Pode ainda trabalhar-se com os alunos relativamente a certas diferenças nos processos de cálculo de expressões numéricas, por exemplo aproveitar pedagogicamente que a calculadora pode apresentar o valor de 22 para a expressão 14-3 x 2 enquanto que se eles utilizarem as regras de prioridade da escrita vão obter um outro resultado.

b) - Ensino de desenvolvimento e de utilização As operações elementares começam por ser um objectivo de aprendizagem mas ao longo do curriculum elas não são mais do que utensílios na resolução doutros problemas ou doutras aprendizagens. A calculadora pode bem servir como um meio prático e rápido de obter os resultados das operações deixando assim a atenção dos alunos centrada sobre outras aprendizagens ou outras tarefas. A calculadora pode estar na origem dum processo de problematização. Esta dimensão pode vir a ser um dos pólos da utilização das calculadoras no ensino da matemática. Alguns exemplos foram dados nomeadamente no Nonius. A calculadora pode permitir aos alunos fazerem conjecturas, por exemplo sobre o comportamento de certas funções, sobre as propriedades de certas sucessões como é o caso do exemplo do Nonius nº 22. Conjecturar é uma actividade fundamental do matemática que pode desta maneira vir a ocupar um lugar no ensino da matemática: passar das conjecturas às verifificações ou às provas ou às demonstrações pode ser um dos eixos duma actividade criativa no ensino da matemática. Outro exemplo de problema diz respeito à problematização da própria calculadora: como explicar ao utente das calculadoras o que se passa quando se carrega em certas teclas? Qual é o tipo de algoritmo que a calculadora utiliza? Esta dimensão permite a desmistificação da calculadora como uma caixinha mágica da qual saiem números sem que se saiba nunca como nem porquê. Problematizar o próprio funcionamento permite assim aproximar as calculadoras doutros instrumentos de cálculo, como por exemplo o ábaco que permite compreender certos mecanismos das operações. 3 - Algumas condições de implementação das calculadoras no ensino Quais são algumas das condições necessárias para que a implementação das calculadoras se faça duma maneira aceitável? Uma das condições é a reflexão sobre as consequências da introdução das calculadoras e dos meios informáticos na matemática de forma a que depois se possam tirar algumas consequências para o ensino da matemática. Outra condição é a multiplicação dos exemplos de utilização das calculadoras em vários domínios dos programas de matemática de modo que a reflexão sobre este assunto não se limite a um debate de opiniões ou de ideologias mas que se tente definir através desses exemplos as finalidades, os objectivos, as transformações inerentes à própria utilização das calculadoras no ensino. A apresentação de exemplos doutros países parece-me importante mas é preciso estar vigilante relativamente à transferência dos resultados ao nosso país. A análise didáctica das experiências doutros países parece-me necessária para compreender quais foram as condições que permitiram obter resultados positivos e quais seriam os constrangimentos que fariam obter outros resultados. A reprodução de experiências exige a análise das condições existentes no sistema de ensino em Portugal e a análise das condições gerais e específicas duma dada experiência. A generalização abusiva duma dada experiência pode ter resultados tão nefastos como não fazer nenhuma experiência.

Uma outra condição é a distinção entre a utilizacão das calculadoras nas aprendizagens iniciais das operações elementares e outras aprendizagens. A pluralidade de algoritmos de cálculo mental e escrito permite fazer a distinção entre algoritmos de aprendizagem e algoritmos de controle onde cada um terá uma função relativamente aos outros: as calculadoras podem servir para verificar os resultados obtidos por outros algoritmos ou os seus resulados podem ser verificados. Como já foi referido noutros artigos a formação dos professores parece-me uma condição fundamental para que a introdução das calculadoras se faça com êxito. Por um lado será necessário desmistificar a utilização das calculadoras e afastar certos "fantasmas" dessa mesma utilização ao apresentá-la como fonte de problematização ou meio prático de cálculos quando os alunos sabem já outros algoritmos de cálculo, e por outro lado é necessário fornecer aos professores outros meios de utilização das calculadoras do que aqueles que são utilizados normalmente nas práticas sociais. Outro aspecto que o Ministério da Educação deverá prever é o equipamento das escolas com o material necessário e suficiente de forma a que não haja distinções entre os alunos consoante as suas possibilidades económicas.

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