Antonio Jaques de Matos
Os mitos do tempo, do ego e das leis
2007
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PREFÁCIO Uma das questões mais difíceis para um autor – depois de conceber a sua obra, evidentemente - é escolher um título que seja capaz de sintetizar as principais contribuições. Na época que buscávamos um título para este livro, coincidiu que estudávamos – de modo autodidata – a história da arte e nos deparamos com a pintura “De onde viemos, o que somos e para onde vamos”, de Paul Gauguin. Notamos que entre os artistas havia o interesse sobre estas questões, contrastando com o desinteresse, contemporâneo, por parte daqueles que se dizem filósofos: certa vez, testemunhamos um professor de Filosofia - se é que se pode chamar assim - que, respondeu a um aluno, para quem a filosofia devia buscar responder a perguntas como "Quem somos", dizendo que se alguém tiver dúvida sobre isso, deveria procurar um psicólogo. Ora, para ele, doutor com muitos outros, em universidades mais famosas do mundo, esta questão, historicamente própria da filosofia, agora, pertencia às ciências! Não vamos entrar neste tema, aqui, mas pretendemos apresentar no decorrer desta obra, argumentos que mostrarão que não temos garantia de, ao irmos a um psicólogo ou um psiquiatra, que ele terá uma resposta definitiva sobre “o que somos nós?”; apenas nos reproduzirão os dogmas que lhes ensinaram. Estes profissionais nos lembram padres confessionários e aqueles refrigerantes que depois de abertos parecer extraordinários, mas não passam de água com açúcar! Quando enviei minha tese sobre “duração” para doutores em Psicologia, recebi respostas burocráticas: ou ele era especialista em outras áreas, embora tenha escrito um artigo sobre a percepção do tempo, ou, então, me aconselhava a ler mais artigos de Psicologia, incapazes de apresentar argumentos contra ou a favor das idéias que eu lhes tinha apresentado. Mas, não estou defendendo que a Psicologia e, também, a Psiquiatria sejam inúteis áreas de conhecimento; o que estamos dizendo é que, hoje, eles perderam o foco: ou eles argumentam usando falsas crenças (quando dizem que o sexo está por trás de todas as nossas ações), ou eles apenas vêem solução para nossos problemas dando drogas aos seus 2
pacientes. O que lhes falta é um olhar mais detalhado para dentro da mente humana com tecnologias mais avançadas para conhecer neurônio a neurônio até conhecer exatamente onde estão as nossas memórias problemáticas, como faz o telescópio Hubble com as galáxias! A Filosofia que há muito foi esquecida é aquela em que os mestres estimulavam os discípulos a terem idéias e argumentos próprios e não o triste monólogo que se pratica hoje. Esqueceu-se, também, que só o exercício da Filosofia é capaz de ampliar nossa capacidade de percepção, quando é despertado em nós a satisfação de procurar respostas às causas das nossas ações e dos fatos do mundo. O ensino atual deixa muito a desejar: professores exigem que os alunos salvem as teses dos filósofos e não duvidem de suas verdades, repetindo as teses já existentes e estéreis, como papagaios, contrariando a utilíssima frase de Aristóteles: “a verdade estava acima da amizade”! Eles são amigos da filosofia, simpatizantes das teses e dos pensadores, mas não são amigos da sabedoria e da busca pela verdade; crêem já a terem descoberto. Olham apenas para o passado, como alguém que dirige um carro apenas olhando pelo retrovisor. Mas quem escreverá o futuro? O que acontece é que pessoas erradas - que possuem, como veremos mais adiante, estruturas perceptivas que os conduzem a fazer, o quanto antes, parte de um grupo, uma escola filosófica, aceitando as teses como verdades definitivas, sem qualquer senso crítico - estão ocupando o lugar das pessoas adequadas para a função! Bem apropriada a crítica de Jean Piaget em sua obra: “Problemas da filosofia”, quando ele relembrou o mal-estar que sentia nas aulas de metafísica (de nossa parte, sentíamo-nos torturado e ao olhar para o relógio o tempo parecia se arrastar) que não levavam a nenhuma conclusão, porque havia nas universidades francesas (e aqui, também, no Brasil, acrescentamos) uma “gerontocracia” que escolhe quem vai substituir um professor às vésperas da aposentadoria, mas, também, dizemos nós, que escolhe aqueles que mais se assemelham aos mestres para receber bolsas de pesquisa e lecionarem! Foi por causa deste triste quadro, que não realizamos pós-graduação em Filosofia - nem mestrado, nem doutorado. E sem mestrado fiquei quatro anos sem emprego até passar em
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concurso público para lecionar filosofia para o segundo grau. Infelizmente, vivemos em um mundo em que a forma é pensada ser superior às partes, um livro se mede pela capa e mesmo as pessoas, por títulos, não pelo efetivo conhecimento! A burocracia, também, é outro flagelo, que nos faz sentir dentro de um labirinto sem fio de Ariadne e mesmo que você faça tudo certo, encontrarão alguma falha, além de não fornecer a toda a informação: pessoas que nada mais fazem do que seguir aquilo que lhe disseram; paguei R$ 140 reais ($ 70 dólares) para me registrar como editor para obter o “ISBN” de minhas duas obras: esta e “Curso de Filosofia temática” para as pôr de graça na internet, no site do google, pois não tenho dinheiro para publicá-las e nenhuma editora se interessou. E depois de enviar a carta à Biblioteca Nacional, eu descobri que faltava algumas informações e eles simplesmente devolveram todos os papéis (formulários, aquilo que está em um formato ou forma!). Poderão dizer que são os melhores alunos e os mais dedicados que fazem Mestrado e Doutorado. Respondemos que foram também os melhores alunos que conceberam os venenos usados nas câmaras de gás, na segunda guerra mundial. É preciso ter cuidado com aqueles que sempre obedecem! Acreditamos que as pessoas economicamente bem sucedidas são as que têm a mente vazia, como a folha de papel em branco, de John Locke, sobre as quais se imprimem facilmente as ordens dos outros. De nossa parte, encontramos muitos obstáculos quando preferimos não imitar os outros, mas, isto não nos preocupa, pois a vida não é uma corrida de 100 metros e nem ganha quem chega primeiro! Como podem chamar de Filosofia, uma atividade que, imitando as ciências, erroneamente, se especializou? O todo - o objeto da Filosofia -, será alcançado a partir de visões parciais? Negativo. Como qualquer um sabe, o todo não é a soma das partes; nem mesmo é maior, apenas diferente. Conta-se que Diógenes de Sínope puniu um discípulo, porque ele aceitou o argumento do mestre e não desenvolveu o seu próprio; esta é a verdadeira filosofia. Hoje, se um aluno fizesse a mesma coisa, ganharia uma bolsa de estudo no exterior! Hoje, os que se dizem filósofos não passam de tradutores de idiomas antigos! O leitor deseja um critério para distinguir quem é e quem não é filósofo?
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Pergunte a uma pessoa que se diz filósofa se ela é especialista em algum assunto, se ela conhece mais sobre um tema do que outros. Se for, então ela não é filósofa. O filósofo tem uma visão ampla, superficial, da vida. Basta que se saiba que existem três oceanos no planeta; não nos interessa saber qual é a profundidade de cada um, quais são as correntes quentes e frias, que animais e vegetais vivem em cada lugar! A filosofia se assemelha à arma da Cavalaria, cujo lema, cremos tenha sido dado pelas outras armas, é "rápido e mal feito", um erro, pois ela realiza a importante tarefa de reconhecer o terreno e o inimigo pela primeira vez, o que, para a Filosofia, consiste em formular hipóteses para as outras armas, as ciências. Precisamos, contudo, estar atentos aos limites da Filosofia: David Hume, em seus “Ensaios morais” escreveu que a Filosofia leva as pessoas à insensibilidade, na medida em que, ao diminuir os nossos vícios, diminuiria, também, nossas virtudes. Em suas palavras “quando as terminações nervosas são destruídas, são destruídos junto com o sentimento de dor, também, o de prazer”. É preciso que se esclareça que não há propriamente destruição de sensibilidade, mas um predomínio de um tipo mais sutil de sensibilidade em detrimento daquele mais comum. Ocorre que se atribui a insensibilidade à filosofia o que, em realidade, é causado pela série de experiências que vivemos e que ampliam nossa percepção e nos distanciam da vida cotidiana. Quando eu era criança recebi muita atenção da família e quando nasceu o primeiro irmão me senti rejeitado (o que passa pela cabeça de uma criança!) , me distanciei do mundo e, creio, minha percepção ficou mais abstrata que sensorial. É claro que tal insensibilidade pode ser reforçada pela filosofia, especialmente naqueles que a tornam sua única razão de viver. Por isso, devemos lembrar Nietzsche para quem, na medida em que extinguirmos nossas dúvidas e nossas buscas pelas causas das coisas, então, seria a hora de as esquecermos e, então, começarmos, finalmente, a viver nossas vidas. Queremos explicar por que mudamos o título de “Quem somos?” para “Os mitos do tempo, do ego e das leis”: para que pudéssemos depositar os originais com acréscimos de novas teorias, antes de uma futura publicação, que nos
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parece, hoje, impossível, dado sucessivas rejeições de editoras. E, também, porque o novo título apresenta mais claramente os objetivos desta obra, enquanto o primeiro parece limitar a reflexão apenas sobre o ego. Finalmente, desejamos que esta obra represente não só um substancial acréscimo às doutrinas filosóficas existentes e, mesmo, uma clara superação de boa parte delas, mas, ainda, uma declaração de independência da Filosofia do Brasil e uma prova aos pseudo-filósofos (necrófilos e neófobos) de que muitas outras e novas doutrinas filosóficas serão apresentadas para aperfeiçoar as antigas.
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ÍNDICE INTRODUÇÃO 1) A FISIOLOGIA DO TEMPO §1. O tempo é uma causa externa? §2. Tempo rápido e lento ou curto e longo. §3. O tempo flui? §4. A separação entre tempo e movimentos. §5. A contradição da tese do tempo de Aristóteles. §6. Dois significados para o tempo. §7. A origem da duração na memória. §8. A definição de duração. Mas se o cérebro não sente dor... §9. Algumas vezes não percebemos duração - ou tempo. §10. O que é velocidade? §11. Há sempre uma pré-disposição que causa a duração. §12. A definição da neurologia para “duração”. §13. Duração da sensação é igual à sensação da duração? §14. O que é dor. E sobre os santos, heróis, iogues e gênios. §15. Qual é a dor maior: a curta/ rápida ou a longa/lenta? §16. A memória não guarda duração. §17. A duração se assemelha às qualidades secundárias de Locke. §18. Duração longa/lenta não é a soma de durações curtas/ rápidas. §19. Eventos passados, presentes – os agoras - e futuros existem? §20. Por que não conhecemos o futuro? §21. O tempo não é uma série de “agoras”. E é ele uma 4a dimensão? §22. As viagens no tempo. E a passagem do tempo nos corpos. §23. Onde estão nossas idades passadas. E viver para sempre. §24. O que passa na cabeça das pessoas? §25. Sobre o céu e o inferno. §26. Uma localização para a consciência? §27. Os animais e os fetos também percebem tempo. §28. Tempo, uma neurose coletiva? §29. Tempo e música. §30. A mente e o suposto “estado neutro”. §31. Duração e a medida de espaço - curto e longo. E a ilusão da “simultaneidade” e uma contribuição à mecânica quântica. §32. A imitação e a insatisfação como causa das boas e más ações. E a lei de talião. 2) O QUE É A CONSCIÊNCIA? §33. A consciência não depende do tamanho do cérebro. §34. Por que termos consciência, se cada átomo é divino? §35. Por que contemplar? 7
§36. Somos muitos, não apenas uma pessoa? Há um conflito dentro de nós? §37. Os sentidos como primeira "alma” ou causa de animação. §38. É a alma a causa da vida? E a alma progride? §39. O absurdo de uma consciência separada do corpo. §40. A consciência difere do ego. E a subjetividade, existe? §41. O que ocorre no impacto das sensações sobre a consciência? 3) OS GRAUS DE PERCEPÇÃO. §42. A emoção e a alteração dos graus da percepção. §43. Exemplos práticos da mudança de percepção. E a opinião da Ciência... §44. Sobre a solidão, o perdão, a traição e o amor. §45. O que são os desejos reprimidos ou de consciência diminuída? E os sonhos, isto é, nossos pensamentos vistos pelo lado de dentro. §46. Sobre o hábito. §47. Os graus de verdade. Protágoras. E o erro. §48. Os sentidos iludem? E há um progresso? §49. Linguagem e graus de percepção. §50. Platão - as palavras como ruídos. E o erro de Wittgenstein. §51. O que é a “razão”? E há um órgão - sede - da felicidade? §52. A “forma” como uma “miopia”. O “método indutivo”. E há uma forma humana? §53. Sobre a Genética. Diferença entre forma e limite. Platão e Kandinsky. §54. E a “força de vontade” ou “percepção ampla”. 4) POR QUE NÃO SOMOS LIVRES §55. O que é pensar? §56. O que é isso que denominamos por “liberdade”? §57. Um exemplo de nosso determinismo. Celibato, tabus e culpa. §58. O efeito catártico. E como nos lembramos? §59. Sobre os comportamentos agressivos. §60. Jean Piaget e Howard Gardner. 5) MORAL, ÉTICA E FELICIDADE §61. Os sentimentos moral e ético. E os costumes, a religião e Jesus. §62. Os sentimentos e as ações morais e éticas. Exemplos dos vizinhos. Há uma lista de virtudes? §63. Há uma felicidade suprema? O ressentimento. E o prazer como dor. §64. Qual virtude: aristotélica ou estóica? E a definição de “boa ação”. §65. Há máximas morais? Há um mal enraizado em nós? §66. Como ensinar a ser virtuoso. A diferença entre o "é" e o "deve". §67. Sobre o suicídio. §68. O sentimento moral visa reproduzir o estado fetal? §69. Nascemos bons? 8
§70. Os “mais fortes” e os morais. §71. A moralidade nos animais e o respeito a eles. E o “mineralismo”. 6) SOCIEDADES E GOVERNOS §72. a origem das sociedades. §73. A origem dos governos e dos líderes. Há um monopólio da força? §74. Sobre a ascensão e o declínio das nações. §75. Constituição ou declaração dos direitos humanos? §76. A maioria prefere um mau governo à sua ausência. §77. A pena de morte. E a legítima defesa. §78. Porque o anarquismo é uma luta em vão. §79. Revisão do termo ‘Democracia’. Os sábios. E sobre a igualdade. §80. A vantagem dos três poderes de uma república. §81. O senhor e do escravo e os graus da percepção. §82. O cooperativismo como terceira via. E vinte horas semanais! §83. As guerras como ato infantil ou juvenil. E a arte da paz. 7) O MITO DAS LEIS §84. O sistema legal é potencialmente infinito. §85. Sobre o direito natural. §86. A lei do divórcio banalizou o casamento e a família. §87. Direitos e deveres: um fundamento fisiológico. §88. Sobre os princípios legais. §89. A irretroatividade da lei. §90. Ninguém deve alegar que desconhece as leis? §91. Jurisprudência, interpretação da lei e o sentimento. §92. Sobre a igualdade das penas e suas reduções. E o que é raiva? §93. Queremos um Poder judiciário eleito e cujo acesso seja universalizado! §94. Magistrado único ou uma pluralidade deles? E o júri popular. §95. Como alterar o sistema de justiça? §96. O Judiciário e os demais Poderes. 8) A ARTE E O BELO NÃO SÃO SUPÉRFLUOS. §97. Dor e prazer por trás do sentimento do belo. E o que é a aura? §98. Há um desejo sexual por trás do sentimento do belo? §99. As mulheres belas e vestidas. E a proporção áurea. §100. O belo em si. O mundo das idéias de Platão e o teste do retroprojetor. §101. O “belo em si”, os “pixels” e o critério da “isocronia”. §102. A origem do feio. §103. A arte “inestética” e “amoral”. E o falso “paradoxo da arte”. §104. Sobre a fama, os estilos e o eterno retorno na arte. §105. As outras causas do belo. §106. Kant e o sublime. E os grau do “belo”. §107. A beleza no que é raro. §108. O belo fisiológico e o belo cultural. E Hume e os inimigos. 9
§109. O desenvolvimento do senso estético. §110. Há racionalidade no belo? O belo: uma experiência mística? §111. A propensão à arte, à Filosofia e à arquitetura. §112. Por que procuramos superar a natureza? 9) QUANDO A LÓGICA FICOU ILÓGICA §113. O que é a “forma” e o absurdo argumento do “sorites”. §114. Nietzsche e a seleção natural da lógica. E a lógica natural. §115. A lógica como Estética. O pensamento reversível. §116. Quais são os requisitos de uma forma lógica? §117. Há uma “falácia do menino e da menina”? §118. O Princípio da identidade. §119. O princípio da não-contradição. §120. Sobre as relações. E as tabelas de verdade. §121. A causalidade é uma idéia mental subjetiva? §122. O que são sujeito e predicado? E sobre denotação e conotação... 10) A MATEMÁTICA HUMANA §123. A origem das figuras: círculo, triângulo, etc. §124. O que é um ponto? E uma linha, é composta de pontos? E uma nova “Geometria Euclidiana” baseada na fisiologia mental. §125. O que é fazer uma média? O tom de azul ausente em Hume. §126. A Matemática é a linguagem do mundo? §127. O que são os números? E a loteria? §128. São os números infinitos? §129. Sobre os números primos. 11) DEUS OU O UNIVERSO §130. O que é o nada? §131. Se Deus tem mente também percebe duração. §132. A impossibilidade da onisciência. §133. Sobre a “coisa em si”. A “essência” igual à “aparência”. §134. Nem finito, nem infinito. Contra séries infinitas. §135. Uma prova do mundo cíclico. E o universo teve um começo? §136. Outro falso paradoxo: o universo se repete ou é sempre diferente? §137. Há infinitos universos existindo simultaneamente? §138. O paradoxo da lagarta: há uma ordem no mundo? §139. Sobre a gravidade.
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INTRODUÇÃO Procuraremos na presente obra apresentar nossas idéias filosóficas ao leitor de um modo que torne o acesso a elas o mais fácil possível. Por isso, resolvemos imitar o estilo do filósofo
Berkeley em que suas idéias são
apresentadas em curtos parágrafos e, assim, possibilita ao leitor uma identificação mais fácil dos temas tratados. Também imitamos Nietzsche, ao colocar títulos em cada um dos parágrafos, pela mesma razão anterior, facilitar a leitura. Nesta obra, propomo-nos seguir o desenvolvimento natural de nossa reflexão, sem sermos demasiado longos, a partir da investigação dos seguintes temas: que é o tempo – em seus dois significados, o de uma sucessão contínua de eventos passados, presentes e futuros e o de duração -, a seguir, os sentidos estético e moral, depois o mito do livre-arbítrio, a discussão sobre o que é a consciência, a ilusão do “ego”, a tese dos graus de percepção, o que é a racionalidade, a que nos referimos quando usamos a palavra “liberdade”, discussão sobre a felicidade humana; apresentação de uma revisão do conceito de democracia, da ilusão do sistema de leis e da necessidade de repensar o poder judiciário, através da promoção de eleições diretas. Antes de escolher pela construção desta obra, pensamos em as confeccionamos inicialmente em três obras separadas – o Mito do tempo, o Mito do Ego e o Mito das Leis - escritas em 2000, 2001 e 2002, mas não publicadas, embora tenhamos procurado editoras. Contudo, decidimos que há boas razões para evitar fazer o que alguns homens faziam e fazem: espalhar filhos pelo mundo, a ponto de não mais reconhecê-los. Ou ainda, apresentar idéias soltas, espalhadas por diferentes obras, como se os argumentos pulassem de uma para outra, num estado caótico. Também, por respeito ao leitor, não queremos monopolizar toda a sua atenção em nossas idéias, até porque a maior satisfação em filosofar reside não tanto em chegar a respostas, mas o de percorrer e ser surpreendido com as descobertas.
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A FISIOLOGIA DO TEMPO.
Nove em cada dez cientistas dirão que tempo é a causa da ordem do mundo ou, mais precisamente, dos eventos que existem no mundo. Tão arraigada está em nossas mentes tal crença, que ninguém ousaria discordar. Mas, é precisamente quando momentos como estes ocorrem, que o senso crítico morre, pelo menos, um pouco de cada vez. Já no título deste capítulo sugerimos que o tempo - em seus dois principais sentidos (a) significando uma série de eventos passados, presentes e futuros; e, (b) como duração -, não é mais do que um produto de nossa mente, não existindo como algo real, mas somente dentro de nós. procuraremos, a seguir, provar nossa tese.
§1. O tempo é uma causa externa? Se houvesse um tempo externo, duas pessoas que tivessem nascido no mesmo dia, fatalmente morreriam no mesmo dia. Sabemos que uma vida regrada, com uma dieta saudável e com prática de exercícios, pode prolongar a expectativa de vida, enquanto uma vida sedentária, com consumo de bebidas, cigarro e drogas, encurtará sobremaneira a mesma vida. Mas, como seria possível enganarmos o tempo, se ele fosse uma causa externa? E a aceleração do crescimento das plantas com o uso de hormônios que aceleram o metabolismo destes seres? Alteram, também, o tempo? Platão acreditava que o tempo fosse a imagem móvel da eternidade, o que soa estranho, porque algo em movimento, ou é imagem de outra coisa que esteja em movimento, ou então há um terceiro elemento que o faz mover! Mas, Platão tinha na manga a carta do deus “Cronos”. Segundo o mito, relatado pelo próprio filósofo, aquele deus - a divindade que come seus filhos -, responsável pela ordem do mundo, em um certo dia, deixou de exercer tal ordem e, por isso, o fluxo se inverteu, a ponto de as pessoas surgirem, no mundo, já em idade avançada e, então, retrocederem até os primeiros anos.
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No século XX, Stephen Hawking, físico, pesquisador de emissões de radiação em buracos negros - que especulou sobre a possibilidade destes gigantescos corpos celestes terem começo e fim -, também, como Platão, acreditou na possibilidade de que, cessada a força que causa a expansão do universo e existindo apenas as forças de atração entre as galáxias, começaríamos a experimentar um mundo de eventos de trás para frente, no sentido inverso que nós estamos acostumados, como podemos ler no livro: Uma breve história do tempo. Qual a nossa resposta a esta questão? Quem defende que o tempo é uma causa externa ao universo, deveria sair para fora do universo e trazer provas disto, para que pudéssemos comprovar ou rejeitar a tese, o que até agora não aconteceu. Antes de propor uma tese em que não temos meios de verificar – algo estranho para cientistas -, por que não observarmos esta questão por outras perspectivas?
§2. Tempo rápido e lento ou curto e longo. Quando líamos o livro “Time: the familiar stranger”, de J.T.Frasier, nos deparamos com a crença dominante entre os físicos de que as percepções que temos de que o tempo passa ora muito rápido, ora lentamente, são experiências que não revelam o tempo como realmente é, constante e ininterrupto. Escreveu Frasier: “a passagem do tempo é uma ilusão dos seres vivos” (p.184). De onde os físicos tiraram esta concepção? Vem a nossa lembrança a opinião de Henry Bergson: foram os filósofos que ensinaram tal concepção aos cientistas. Uma vez que esteja errada, as conseqüências nas investigações científicas, serão desastrosas. Quem foram os filósofos que induziram os cientistas em erro? Dois nos parecem mais evidentes: Aristóteles e Newton, este último um filósofo da natureza ou físico. Para Aristóteles, o tempo não é rápido e nem lento, mas, sim, os movimentos. O tempo pode ser curto ou longo. O problema central em sua tese é que sabemos distinguir claramente em nossas experiências quando é o tempo e não os movimentos que são rápidos ou lentos.
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Newton não disse algo muito diferente. Para ele, há um tempo absoluto, também, constante
§3. O tempo flui? De onde vem esta crença de que o tempo flui sem cessar e com uma constância digna de dar inveja aos mais precisos relojoeiros? De lugar algum, porque tudo o que percebemos fluir com constância são as sensações, variações de luminosidade, de som, de gosto, de tato, e cheiro, mas nunca tivemos, temos ou teremos uma experiência de um fluxo ininterrupto e constante do tempo.
§4. A separação entre tempo e movimentos. Acreditamos que é o momento para propormos a separação da milenar “sociedade” entre o tempo e os movimentos que observamos no mundo. Quando nossos relógios – que reproduzem o movimento terrestre ou nem isso, porque a cada quatro anos temos que adicionar um dia a mais - são divididos em partes iguais e damos a estas partes o nome de tempo – ou duração -, estamos forçosamente e sem comprovação, pressupondo que inerente ao movimento e suas partes, há, também, ali o tempo, tal como gêmeos xifópagos, ligados entre si por uma força natural ou divina. Por que devemos aceitar isso? Seria o mesmo que dividir um cacho de bananas em vinte e quatro partes e encontrar em cada parte uma outra fruta, como maçãs ou pêras! Por mais absurdo que seja este exemplo, ele revela que a co-presença do tempo em cada movimento de cada porção de matéria no mundo, inclusive de nós mesmos, resulta de uma falsa crença. Ninguém nunca viu este tempo que se supõe “colado” a todos os movimentos que observamos. Não estaria na hora de começar a pensar que o que denominamos “tempo” está dentro e não fora de nossas mentes? Em nosso entendimento, a suposta existência objetiva do tempo é sustentada por meras opiniões. Duas linhas de argumentação para mostrar a separação entre tempo e movimento são as seguintes: (a) algumas vezes percebemos tempo, quando um objeto está parado. Uma objeção interessante nos foi feita certa vez e que se assemelha a do pensador
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William James, em sua obra “Princípios de Psicologia”: mesmo que não percebamos movimentos fora de nós, ainda assim, nossos olhos se mexem ou órgãos internos estão em contínuo movimento. Em parte parece correta, mas a percepção destes movimentos não faria surgir uma percepção de tempo, como algo que desaparece, irreversível em um passado atrás de nós. Há batidas de coração que desaparecem em algum lugar do passado? Se não soubéssemos de nossa mortalidade, não poderíamos, destes movimentos, inferir tempo. Está bem, um médico mede o número de pulsações de um paciente e compara com relógio; mas, aqui se está pressupondo que os relógios meçam tempo, o que, para ser correto, se precisaria provar estes “gêmeos xifópagos”. (b) algumas vezes podemos perceber movimentos sem percepção de tempo. Em experiências agradáveis, podemos perder completamente qualquer noção de uma passagem de tempo. Veremos, mais adiante, com mais detalhes estas questões.
§5. A contradição da tese do tempo de Aristóteles. Convém relembrar uma obra aristotélica de poucas páginas – “sobre os sentidos e os sensíveis”, parte da sua obra “Parva Naturalia” (pequenos tratados da natureza) -, onde aquele pensador perguntava se podemos perceber simultaneamente duas qualidades – ou sensações - como cor e calor, por exemplo. A sua primeira resposta (na verdade uma tese de alguns escritores de sua época) foi dizer que não e que, em verdade, uma percepção sucedia a outra, porém, em um tempo imperceptível – por nós - entre uma e outra. Mas, se aceitasse esta tese estaria contradizendo-se, pois, segundo ele, não pode haver percepção de um movimento sem percepção do tempo. Sua tentativa de solucionar a questão foi dizer que o órgão responsável pela consciência – não se sabe se, para ele, o coração ou o cérebro – tinha um modo de perceber estas duas sensações distintas, simultaneamente. Nem mesmo o seu exemplo pareceunos adequado: o de um segmento de reta AB, dividido em duas partes – AG e GB, pois concordamos que estes segmentos sejam percebidos como algo contínuo e se não percebemos o tempo em um segmento, então, é porque não estamos
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percebendo o segmento, mas o mesmo raciocínio não é válido para sons ou imagens, pois estes são coisas separadas e percebidas separadamente. Mas, há um outro erro maior em sua resposta: ao defender que havia, sim, percepções simultâneas, neste caso, ele negou o princípio que era essencial para qualquer conhecimento sobre o mundo, o princípio da
não-contradição e,
também, o do terceiro excluído: ao percebermos, por exemplo, dois objetos simultaneamente – A e B -, não perceberemos A e B separados, mas um composto deles, isto é, um terceiro elemento, distinto dos anteriores.
Não
estamos dizendo que a relação em AB seja de uma natureza que os altere, mas apenas que, em razão de que os princípios são modos de pensarmos o mundo a nossa volta e a nós mesmos, segue-se que a percepção de A é distinta da percepção de AB. No exemplo da linha AGB, de Aristóteles, podemos dizer que os segmentos não são percebidos ao mesmo tempo, mas um depois do outro separados por um tempo imperceptível e quando percebidos juntos parece-nos uma linha e não dois segmentos. Peguemos as cores amarelo e azul: a percepção simultânea delas, mantêm a essência de cada uma? Evidentemente que não; amarelo e azul, postos juntos, nos produz a percepção da cor verde, uma mistura ou composição das duas primeiras cores. E perceber ao mesmo tempo um sabor amargo e um doce? Impossível, exceto se percebemos um e depois o outro, mesmo as regiões da língua em que são percebidos são diferentes. E os óculos de terceira dimensão, onde há duas lentes, uma azul e outra vermelha: pensamos que vemos as imagens de cada olho juntas, mas elas se apresentam uma depois da outra! Os telefones fixos ou celulares são outro bom exemplo de que nos parece as duas pessoas possam falar ao mesmo tempo, o que não ocorre. No caso do telefone fixo, cada pessoa usa a linha por vez, no caso do celular, há dois sinais distintos, um para cada pessoa. Há, ainda, um outro problema, ainda sobre a percepção do tempo: quando Aristóteles defende que quando percebemos movimento, percebemos tempo, nos leva a crermos que tais percepções sejam, ou simultâneas, ou sucessivas. Se simultâneas, recaímos na dificuldade exposta no parágrafo anterior. Se
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sucessivas, então refuta a crença que lhe é central, de que o tempo e o movimento são inseparáveis. O mesmo problema foi levantado no século XVIII, por David Hume: quando ouvimos cinco notas musicais, o que é a duração destas notas, uma sexta sensação? John Locke, um pouco antes, defendeu a crença de que a duração resulta da sucessão de nossas idéias, portanto, uma operação interna na mente. Além disso, por qual dos cinco sentidos entra a duração, entendida como algo externo a nós? Resposta: por nenhum deles. Esta questão nos remete de volta a Aristóteles, porque sua definição de tempo como “medida do movimento” nos conduz a mesma explicação lockeana. Nicolau de Cusa, pensador medieval, assim como nós, presentemente fazemos, interpretou da mesma forma a definição aristotélica: medida é um produto do intelecto e, assim, o tempo é subjetivo, diferente do tempo real que Aristóteles defendia!
§6. Dois significados para o tempo. Para nós, esta claro que por “tempo” podemos querer dizer: ou “duração”, ou, então, “uma sucessão de eventos, passados, presentes e futuros”. A distinção destes dois significados, só é possível de ser feita, porque entendemos serem eles independentes: podemos pensar em uma seqüência de eventos com uma duração total ou somente em um evento isolado, com sua duração própria. Vejamos com mais detalhe o termo “duração”.
§7. A origem da duração na memória. Como já dissemos antes, pareceu-nos difícil crer que “tempo” rápido ou lento ou “duração” rápida ou lenta, fosse tão somente uma ilusão ou um produto de nossa subjetividade. Nossa primeira busca consistiu em reconstituir o que ocorre em cada uma destas duas percepções “anormais” do tempo ou duração. Rememorando nossas próprias experiências, relembramos que, quando a duração parece rápida – ou curta, como diria Aristóteles -, geralmente, estamos vivendo alguma experiência em que não percebemos o que está ou estava diante de nós; por outro lado, quando percebemos que a duração se arrasta, é longa, em
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geral, ela parece ocorrer quando o objeto – ou uma experiência completa - que afeta nossa percepção, nos aparece como uma série de sensações repetidas. Uma vez alcançado estas observações, nossa investigação estancou ali mesmo. Lembramos, então, que René Descartes, na obra “As paixões da alma”, escrevera que o processo de rememorar uma experiência passada, requer a passagem pela memória dos “espíritos animais” – o que equivale, hoje, aos impulsos elétricos – para que, então, nossas lembranças fossem trazidas à nossa consciência. Embora a explicação deixe a desejar - mais parece um mito antigo -, ainda assim, serviu para nos mostrar que a memória poderia ser algo orgânico e, se o fosse, então seu funcionamento poderia ser comparado a o de outros órgãos do corpo. Convém pararmos um pouco esta investigação, para explicar ao leitor por que cremos que é na memória que surge o que chamamos de duração. Há uma justificativa teórica e outra prática. Já falamos, antes, sobre a tese de Locke, que acreditava que a duração surgisse na sucessão de nossas idéias e, não havendo, para ele, nada dentro de nossa mente exceto a memória, era lá que surgiria a duração. No século XIX, Franz Brentano, desenvolveria a tese da “associação imaginária”, não muito diferente do que Leibniz, séculos antes, já havia especulado: a de que a duração surge a partir de uma primeira sensação, sendo que a sua percepção é instantânea e, só posteriormente, a partir das sensações seguintes, surgirá em nós a percepção de duração. É claro que nestes dois últimos pensadores não há qualquer referência à memória. Por isso, uma experiência prática foi decisiva: nossa curiosidade foi despertada quando víamos pela segunda vez um mesmo filme e percebemos que na vez seguinte o filme parecia ter passado mais rápido do que na primeira vez. Ora, estava claro que a memória estava envolvida no surgimento da duração! Rejeitamos de imediato, por ser tão pouco crível, teses como a de Platão, de que relembramos as experiências vividas antes da alma vir para o corpo, no mundo divino ou, ainda, a de Santo Agostinho, de que a memória é uma das faculdades da alma, mesmo porque há dificuldade de conciliar duas naturezas, uma supostamente divina e a outra humana. O que as ligaria, se são como água e óleo, imiscíveis? Então, para nossa surpresa, recomeçamos a investigação sobre
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o que é a duração. Para isso, comparamos a memória com um órgão do corpo, como o estômago. O que acontece em seu funcionamento? Quando temos fome, podemos nos alimentar menos, igual ou além do que o volume do estômago permite. É claro que podemos aumentar a sua capacidade, em função de sua elasticidade, mas isto não se faz de modo tão imediato. O que nos interessa no momento é saber se a comparação com a memória poderia nos ser útil. Tendo a memória, também, uma capacidade – do contrário, teríamos que supô-la infinita, tese que a nossa vida diária refutaria como absurda, diante de tantos problemas mnemônicos que temos -, precisaríamos saber o que ocorre e porque ocorre dentro dela isto que chamamos de duração. Se no estômago há as três situações descritas antes, também, no órgão – físico responsável pela memória deveria haver semelhantes situações: dependendo da quantidade de alimentos – menor, igual ou maior que a capacidade do estômago – continuaríamos ou não a sentir fome. Já na memória, o alimento é substituído por sensações. E, na relação, entre a retenção destas sensações e a capacidade da memória de retê-las é que – especulamos - surgiria o fenômeno da “duração”. Assim, nos aproximamos passo a passo da seguinte resposta: se a quantidade ou qualidade das sensações fosse insuficiente para reconhecermos o objeto que afeta nossa percepção, uma dor na memória persistiria (não no cérebro, pois ele nada sente); se a quantidade ou qualidade fosse idêntica, a dor cessaria e um prazer – como acontece com o estômago – surgiria; ou, finalmente, se a quantidade ou qualidade fosse superior à capacidade, outra dor surgirá – como, também, ocorre no estômago, quando o sentimos “pesado”, após consumirmos muita quantidade de alimentos. Outro exemplo que mostra que a duração se forma dentro de nossa mente: como sabemos que teremos tempo (duração) suficiente quando vamos atravessar a rua e evitar ser atropelado por um carro que venha em nossa direção? Não é porque saibamos a duração final do movimento do carro, mas porque dadas as séries de imagens do veículo, surge em nós a duração do movimento do carro e, então, comparamos com a duração de nosso movimento que, se menor, decidiremos atravessar a rua.
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§8. A definição de duração. Mas se o cérebro não sente dor... De um modo simples, duração consistiria em dois tipos de dor localizada na memória no processo de retenção das sensações. Uma dor por insuficiência e outra por excesso de sensações. Só uma vez na faculdade, quando eu era aluno, ouvi a certa distância duas pessoas conversando sobre esta minha teoria sobre duração: eles, um psicanalista e um professor de filosofia, falavam que o cérebro não sentia dor, logo dizer que duração é sensação de dor no cérebro é um erro grotesco. Mas, não defendemos isso! O que defendemos é que o cérebro percebe uma outra dor (além daquelas que vêem do corpo), dor que surge na memória, o que se segue, ainda, que a memória e cérebro não são a mesma coisa.
§9. Algumas vezes não percebemos duração - ou tempo. Em uma palestra que demos sobre a tese do tempo, lembramo-nos de algumas expressões da linguagem comum, que reforçam nossa tese : quando dizemos “perdi a noção da hora” ou “não vi o tempo passar”, estamos comunicando uma experiência em que não percebemos a “passagem do tempo”. Se nossa tese estiver correta, ficará muito difícil manter toda a estrutura construída por Kant, em sua obra “Crítica da Razão Pura”. Aliás, ele próprio, escreveu: “Espaço e tempo são seguramente conceitos puros de todo elemento... e, por conseqüência, representados ‘a priori’ em nosso espírito; mas, mesmo assim, careceriam de todo valor objetivo e significação se a sua aplicação não fosse necessária nos objetivos da experiência” (Analítica dos Princípios, cap. II, seção II). Em outro trecho: “entre dois momentos há sempre um tempo” (Segunda Analogia).
§10. O que é velocidade? Poderíamos substituir “quantidade ou qualidades de sensações” por “velocidade” como causa do surgimento de duração em nossas mentes? Tradicionalmente o conceito científico de velocidade surge na relação entre os conceitos de espaço e tempo, o que não nos parece correto. Como vimos, antes,
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os relógios não medem tempo algum. Quando dizemos que uma pessoa caminhou por uma hora, estamos dizendo, apenas, que seu movimento pode ser comparado a um sobre vinte e quatro avos do movimento da Terra. Isto é tão somente uma comparação entre dois movimentos, sendo que este último, é mais regular e, por isso, serve de referência para organizarmos nossas vidas. Piaget, na obra “Ilusões e sabedoria da Filosofia” (capítulo III, p.131), recorda uma conversa que teve com Albert Einstein, em 1928, e o interesse deste último por saber se nas crianças pesquisadas por Piaget, a noção de velocidade surgia antes da noção de duração. A resposta encontrada nas pesquisas feitas por Piaget é que a noção de velocidade surgia antes da noção de duração, o que revela independência – separação - de uma percepção da outra e uma anterioridade ontológica – um surgimento anterior - de uma noção frente à outra. Outra questão pesquisada por ele foi o surgimento da noção de reversibilidade do tempo, que surge a partir de seis ou sete anos de idade. Discordamos, contudo, da crença de Piaget de que a duração é “produto de uma fabricação intelectual avançada” e, neste ponto, discordamos da noção “avançada”, pois estamos certos de que a duração é primitiva. A única razão, porque as crianças não percebem duração e a reversibilidade é que seus cérebros estão muito ocupados em perceber as novidades que o mundo lhes apresenta e nisto está envolvido um grande prazer. Quando há prazer, não percebemos dor ou duração.
§11. Há sempre uma pré-disposição que causa a duração. Importa explicarmos por que para algumas pessoas uma experiência pode ser desagradável, enquanto que, para outras, a mesma experiência pode ser agradável. Não temos, ainda, aqui, os meios para uma resposta completa, pois depende de uma outra linha de investigação: a dos graus em que nossa percepção apreende o mundo a nossa volta. Mas, o que podemos adiantar, pode ser comparado a um jogo chamado de “sete erros”, onde nos são apresentadas duas fotos e nos é pedido que identifiquemos as diferenças entre elas. Perguntamos: por que algumas pessoas identificam mais facilmente as diferenças e outras demoram mais ou, ainda, nem chegam a identificar um erro sequer?
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Nossa resposta consiste em dizer que algumas pessoas – para alguns tipos de experiência – estão pré-dispostas a perceber detalhes que outras não estão. Imaginemos um jogo onde as fotos sejam a da pintura de Rafael, A escola de Atenas: um filósofo ou um artista poderá se sentir mais motivado a identificar as diferenças do que uma outra pessoa cujo assunto não lhe signifique nada. Retornando às nossas vidas, poderemos reconhecer momentos onde uma experiência não nos diga nada e nos pareça, ou caótica, ou monótona. Nestes casos, surgirá em nossa mente, uma duração provocada por esta experiência, que, como vimos antes, nada mais é do que dor na memória. Por esta razão, não podemos aceitar a crença - falsa – de que a duração seja propriedade dos eventos que experimentamos, mas, sim, que ela surge dentro de nossas mentes. E isto porque é preciso, como vimos no parágrafo anterior, que haja em nós um envolvimento emocional para que surja a percepção de duração. Não pode haver uma duração independente de nossas mentes. Uma borboleta vive sete dias. Quanto dura para ela a própria existência? E para nós quando duram setenta anos e quanto duram para um ser eterno, se existisse? Aliás, anos, são apenas voltas que a Terra dá ao redor do sol. Quanto uma vida dura, dependerá de uma outra pergunta: para quem? Surpreendeu-nos encontrar na edição do dia doze de janeiro de 2002, do jornal “Folha de São Paulo”, um artigo do médico Dráuzio Varella, sobre o prazer compulsivo das pessoas viciadas em drogas. Neste artigo, ele faz o seguinte relato: “toda vez que o cérebro é submetido a estímulos repetitivos carregados de conteúdo emocional, os circuitos de neurônios envolvido em sua condução, se modificam para tentar perpetuar a sensação de prazer obtida”. Observemos a presença de termos sobre os quais nossa tese vem abordando: “estímulos repetitivos”, “conteúdo emocional” e “sensação de prazer”. O sr. Varella acrescenta que o conhecimento deste mecanismo é bastante antigo; chama-se “neuroadaptação”. A substância química envolvida chama-se “dopamina”; é ela a causadora das novas ligações entre os neurônios. Assim, quando olhamos o rosto da mulher que amamos, por exemplo e, portanto, recebemos uma série de imagens ou sensações repetitivas, o que – por tudo o
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que dissemos antes, fariam surgir dor na memória -, ocorre algo surpreendente: a imagem nos incita a um prazer por meio da “neuroadaptação”, retendo as sensações, sem que qualquer dor venha a surgir. É possível pensar em uma outra explicação: que a dor localizada na memória seja fraca ou eclipsada pelo prazer de tocar a pele da mulher que amamos ou cheiras seus cabelos. Altos graus de acuidade envolvidos nestes últimos prazeres, impediriam ou diminuiriam a intensidade daquela dor especificamente mental, a duração!
§12. A definição da neurologia para “duração”. Encontrei, para minha surpresa, em um livro sobre neurologia, uma definição medíocre de duração: uma relação entre “intensidade dos estímulos externos e a intensidade dos estímulos percebidos”. Esta relação é, por sua vez, segundo os neurofisiologistas, medida pelo relógio. Assim, vemos que a ciência da Medicina, também, pressupõe a existência real de uma duração externa. Agora, se a relação – estímulo externo e nossa percepção - é de 1 para 1, então como isto explicaria a duração, se esta relação é sempre constante? O que significa “estímulos percebidos”? E onde estão a duração longa e a curta? William James procurou explicar a duração como resultante das percepções que permanecem residuais – as “after images” - em nosso sistema nervoso, como sons que continuariam sendo produzidos mesmo quando um músico já tirou o seu dedo das cordas do instrumento, por exemplo. Não sabemos se seu propósito era evitar ter que recorrer à memória – lugar dos fatos passados - como causa da duração, mas de qualquer modo, quando relembramos fatos, os trazemos de volta à nossa percepção. Outro ponto de vista dele, consistiu na suposição – equivocada - de que os jovens e os velhos percebem a “passagem do tempo” – ou duração - diferentemente. Não concordamos com ele, porque os jovens também sentem duração longa, quando vivenciam experiências monótonas. Pareceu-nos, é verdade, que ele se aproximou do problema quando observou que os mais velhos, por não viverem novas experiências tenderiam a percebê-las com uma duração mais longa. Porém, o que ele não explicou é que isto se deve ao fato de que há um número grande de experiências parecidas, que
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se sobrepõem – na memória - àquelas já vividas. W. James parece dizer que enquanto somos afetados por um objeto não perceberíamos tempo, apenas quando uma sensação deixa seus resquícios, como sombras, atrás de si mesma? O mesmo pesquisador crê que os jovens só tenham – em geral, ele acrescenta – a percepção de um tempo curto. Mas, a diferença entre os sistemas nervoso dos jovens e dos mais velhos explicaria as diferentes percepções de duração? Cremos que não, pois sabemos o quanto, também, os adolescentes ficam entediados com situações monótonas e, de outra parte, os mais velhos podem perceber uma experiência como de curta duração! Por isso, não faz sentido limitarmos a duração curta e a longa a faixas etárias específicas.
§13. Duração da sensação é igual à sensação da duração? Umas das críticas levantadas por Edmundo Husserl, em relação às lacunas deixadas pela tese da “associação imaginária”, de seu professor, Franz Brentano. Em nosso entendimento, a duração da sensação equivale à dor na memória, causada por uma ou mais sensações de um dos cinco sentidos. Como, a dor de ver repetidas imagens da cor verde ou ouvir repetidos sons extremamente altos. Já a sensação da duração, consiste na percepção da dor. Mas, na verdade, sentir e perceber, para nós, é a mesma coisa, embora, uma se refira aos estímulos externos e a outra, aos internos.
§14. O que é dor. E sobre os santos, heróis, iogues e gênios. Não desejamos parar aqui em nossa investigação, pois seria como deixar uma tarefa incompleta. Por que, então, sentimos dor? Esta questão não aceita uma resposta óbvia, como a que diz que o cérebro ao receber o estímulo elétrico provocado, por exemplo, por um corte na pele, sobe pelo sistema de nervos até o cérebro; de lá, outro estímulo – só que agora uma resposta - volta com uma ordem para que nos afastemos da fonte do corte, por exemplo. Tudo isso parece claro e inquestionável. Nem pretendemos negar que sentimos dor. O que queremos é encontrar a causa da dor. Talvez devêssemos detalhar a pergunta: Por que o cérebro ordena que se tire o dedo do fogo? Há alguma idéia inata que
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trazemos conosco antes de nascer? Se há, onde ela estaria, na alma ou nos genes? É um instinto de preservação? Se é, por que existe este instinto? O erro que incorreram os filósofos – em toda a história da Filosofia - na investigação do que seja a dor, a ponto de supô-la uma obra divina, “anexada em nós por Deus para nossa preservação” – como fez John Locke, nos Ensaios sobre o entendimento humano (livro II, cap. IV, 17 e VII,4) - foi causado pelo fato de tentarem compreender e definir a dor como se ela fosse uma única e mesma coisa. Contudo, em nossos corpos não vamos encontrar apenas uma única dor, e sim, muitas, que têm – é verdade - algo em comum, mas não constituem uma única dor, porque resultam de necessidades específicas, de órgãos específicos e não de algo espiritual, transcendental. Por que sentimos dor e o que ela é? Foi a leitura do diálogo de Platão, “Philebo”, que nos alertou para esta questão, quando ele pergunta de onde vem a memória que nos faz extinguir uma necessidade e retornar ao estado no qual nos sentimos novamente completos - “de onde vem o conhecimento, não da falta, mas da completude?”. Nossa resposta a esta questão é a seguinte: quando estamos no útero nossa mente já registra as sensações e conhece o estado de completude, desconhecendo necessidades como às vinculadas à fome, a medo, a frio, etc. Assim, a mente registraria estas sensações e as toma como padrões, como algo cotidiano, constante. Mais tarde, fora do útero, as experiências vividas no mundo exterior que apresentarem características distintas daquelas que encontramos ainda no estado fetal, produzirão respostas – desde uma simples agitação até um comportamento mais agressivo – que visará restabelecer o estado anterior, intra-uterino. Algumas observações que parecem indicar que estamos no caminho certo estão relacionadas a experiências e relatos de três tipos de pessoas, as que são ditas santas, os heróis, os iogues e, com certas restrições, também, aqueles que são – ilusoriamente – chamados de gênios da humanidade. Nestes casos, observamos uma insensibilidade à dor, bem como, um distanciamento da realidade, o que lhes dá uma percepção isenta do que está a sua volta! Não basta,
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porém, o sentimento de ordem para explicar tais casos; precisamos da tese dos graus de percepção, que veremos mais adiante. O que podemos adiantar é que quanto mais nossas percepções estiverem próximas – não espacialmente, dentro do cérebro, mas, em semelhança, às estruturas - das percepções adquiridas na vida fetal, menos perceberemos dor, isto porque a dor é uma reação à diferença entre a memória do estado de completude fetal e uma percepção presente – que envolva um grau maior de acuidade. Assim, santos, heróis, iogues e gênios são, claramente, pessoas que vêem coisas que os outros não vêem, fato que não os faz seres divinos, mas revelam que o resto da humanidade tem um problema semelhante às pessoas que têm miopia, uma miopia da percepção, porque são incapazes de ver mais longe!
§15. Qual é a dor (mental) maior: a curta/ rápida ou a longa/lenta? Um fato muito triste ocorreu: um acidente de helicóptero com duas personalidades brasileiras, onde uma delas desapareceu no mar e o resgate de seu cadáver parecia impossível. Notamos que, para a família daquela pessoa, era preferível ter o corpo morto de seu parente do que perdê-la no mar. Parece-nos evidente que, se se tratasse de um parente, nossa reação seria a mesma. Contudo, filosofar requer um distanciamento para compreendermos aquilo que se encontra mais profundo na essência das coisas e dos seres. Havíamos compreendido que a dor da ausência é – em geral - sempre maior que a dor da presença daquele cadáver. Dedicamos, então, atenção a este fato: de que a dor curta é mais intensa que a dor longa, ou seja, de que não ver o corpo era mais trágico – evidentemente, além do sofrimento dos familiares pela morte – do que a sua imagem num caixão, com flores e podendo, assim, realizar uma última homenagem e um enterro digno. Mas, por que a dor curta é mais intensa que a longa? Cremos que isto se deva ao fato de que a memória do feto teve mais contato com experiências de duração longa, repetidas, e, por isso, mais resistente a futuras experiências de longa duração, a ponto de não vê-las como dolorosas, quanto àquelas experiências de curta duração que, muito provavelmente, ele – feto – não tenha
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tido experiência alguma ou em quantidade menor que as duas outras experiências: aquelas agradáveis e aquelas em que surge uma duração longa! Observemos que, se o feto não tivesse tido mais percepções que formassem nele a duração longa, então nós não poderíamos distinguir como dolorosa a duração curta e tomaríamos ambas – tanto a curta, quanto a longa – como idênticas quanto à intensidade da sensação de dor. Contudo, sabemos que, em realidade, se tratam de dores distintas e, sob nosso presente ponto de vista, esta é a origem das sensações de dor, ou seja, no ventre materno.
§16. A memória não guarda duração. Se cada evento tivesse uma duração em si teríamos diante de nós um grande paradoxo: nossa memória deveria guardar não só as experiências por nós vivenciadas, mas também a duração dessas experiências; mas, isto não é possível, porque, para lembrarmos, por exemplo, um evento ocorrido há dez anos, atrás, nós necessitaríamos de outros dez anos para relembrar! Segue, daí, que a duração tem seu surgimento somente quando as nossas memórias são trazidas à nossa percepção ou quando vivenciamos - presentemente - algum fato.
§17. A duração se assemelha às qualidades secundárias de Locke. Distinção feita por John Locke entre as qualidades primárias – que estão nos objetos, fora de nossa mente – e secundárias – que resultam da nossa interação com os objetos externos. Não vamos aprofundar o estudo desta distinção, que não nos parece real. O que é essencial nesta questão é: (1) não percebemos nada que não tenha forma. Um ovo quebrado tem a forma de ... ovo quebrado; (2) mesmo as cores têm uma forma ou, de um modo mais claro, só percebemos a sua forma ou o limite mais externo. Quando dizemos que as superfícies de duas mesas são marrons, estamos dizendo que há algo em comum que ambas compartilham, uma forma, isto é, a forma da cor marrom. Agora, o ponto que nos interessa aqui é estabelecer a semelhança entre a percepção de duração com aquelas que experimentamos, entre as quais, as de cores e da diferença de calor e frio, por exemplo. Ninguém dirá que cores estão
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nos objetos ou que o calor existe como propriedade das coisas. O tempo, assim, surgiria da relação entre movimentos dos objetos e os movimentos de nossa mente para perceber e memorizar tais objetos. E por isso, assim como o termômetro não mede o calor ou o frio, também os relógios não medem a duração, apenas compara movimentos. Além do que quando vemos um relógio, vemos apenas seus ponteiros em movimento, mas não a duração. §18. Duração longa/lenta não é a soma de durações curtas/ rápidas. Do que dissemos até aqui, não podemos mais crer que a duração lenta seja a soma de durações curtas, do mesmo modo que não podemos dizer que um estômago cheio é a soma de estômagos vazios!
§19. Eventos passados, presentes – os agoras - e futuros existem? A resposta a esta questão surgiu da leitura de Heidegger e Merleau-Ponty. Para Heidegger, se “o tempo em si fosse temporal” – então ele estaria submetido a um outro tempo e aquele a um outro, infinitamente-, segue-se que nem o tempo é temporal e nem suas partes. De outra parte, Ponty escreveu que é o espaço que está no fundamento do tempo. Terminemos, pois, o que eles começaram: passado, presente e futuro são posições no espaço em referência a um observador. Passado é o nome que damos a todos os estímulos – visuais, auditivos, táteis, etc – que fisicamente passaram pelos meus sentidos e que, ou foram perdidos, ou foram guardados em nossa memória. Presente ou agora ou instante não tem existência externa a nós, mas significa os estímulos dos quais estamos conscientes e futuro corresponde aos estímulos que ainda não recebemos ou percebemos. Podemos complicar nossa tese: cada pessoa tem um passado, presente e futuro específicos, mas o planeta também tem, embora não seja consciente deles. O império romano é passado? O mais apropriado é dizer que os seus vestígios arqueológicos são presentes a nós, embora após irmos e voltarmos de Roma, as imagens e outras percepções, por exemplo, do Coliseu, hoje, parcialmente destruído, deixará de afetar nossa percepção e se localizará, lá atrás, na memória! Passado, só mesmo para alguém que testemunhou os últimos acontecimentos do
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império romano até a sua decadência. Assim, concluímos dizendo que as supostas partes do tempo – passado, presente e futuro - são, em realidade, posições espaciais, mas sob o ponto de vista de um ser vivo provido de órgãos sensoriais, de memória e percepção. Caberá, portanto, à cultura de um povo e a seus historiadores sistematizar em uma perspectiva as percepções e relatos individuais. Algo semelhante ocorre com quem pensa, como Burnyeat, que quem estuda o tempo já pressuporia sua existência quando ganha uma bolsa para o período de um ano para pesquisar o tema. Ora, o que significa um ano? Uma volta completa do planeta e, por causa de sua inclinação, uma projeção para o espaço que está à frente. Assim, entendemos que “um ano” não denota tempo, mas um certo número de quilômetros adiante do ponto em que estamos. Evidente que naquela posição toda a matéria alterará sua posição no espaço e não apenas a Terra.
§20. Por que não conhecemos o futuro? Filósofos e cientistas que aceitam a existência real, mas relativa do tempo, chegaram à seguinte conclusão: se para dois observadores um mesmo acontecimento pode ser percebido como presente, passado ou futuro, então porque não conhecemos os acontecimentos futuros? Por tudo que dissemos até aqui, acreditamos que o tempo exista apenas em nossas mentes: o futuro, objeto deste parágrafo, constitui no espaço que está a frente de nossos sentidos e, portanto, ainda não percebido por nós; não pode ter qualquer realidade independente de uma mente. Este problema poderia ser melhor formulado assim: por que não podemos vestir uma calça e, depois, a roupa íntima? Como poderíamos saber quais experiências viveremos daqui a cinco ou dez anos, se o centro a partir do qual as experiências se desenvolverão, somos cada um de nós? Somos exatamente isto o que dissemos: um centro para o qual o mundo é atraído, um pequeno buraco negro, talvez. Assim, podemos observar um período da vida em que este centro acumula mais matéria do que perde, mas,
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uma vez tendo atingido um limite máximo, decresce e se extingue. E as pessoas que prevêem acontecimentos como tragédias aéreas? Cremos que em situações onde a percepção se encontra em um grau muito ampliado, podemos perceber a “ordem” do mundo e, então, sermos capazes de prever fatos que ocorrerão em um espaço – não dizemos tempo – além do espaço em que nos encontramos. Isto nos parece bastante plausível. Explicações poderiam ser adicionadas: nas experiências que parece vermos o futuro, poderá estar envolvida uma percepção extra-sensorial, em que estímulos externos – distintos das sensações – poderiam ser reconhecidos, por semelhança, dentro de nossas mentes. Não se trata de um sexto órgão sensorial, mas uma percepção interna, como os pensamentos que surgem em nossa mente. Isto não é impossível, pois sendo o crânio feito de cálcio e, sabendo nós que o cálcio é metal, então não há limite da capacidade de receber estímulos, eletroquímicos, externos. Além disso, cremos que somos capazes de provocar interferências em equipamentos elétricos e em seres vivos! Foi Heidegger quem deu mais valor ao futuro do que ao passado, porque a essência humana está sempre por ser construída por nós mesmos, o que nos faz dirigir nossa atenção ao que virá, o futuro. O futuro, para mim, é um nascer do sol, cheio de promessas, pois o passado rapidamente se torna repetido, monótono e, portanto, mentalmente doloroso, porque de posse de uma percepção ampla, percebemos menos detalhes das coisas e mais rápido nos entediamos delas. E o passado? É passado! Pessoas que conheci no passado: as vejo à distância, como se visse fantasmas, espíritos, os únicos cuja existência é possível, de carne e osso; o leitor já viu uma coisa só com forma e sem matéria? §21. O tempo não é uma série de “agoras”. E é ele uma 4a dimensão? Não concordamos com a tese de que o tempo consista de uma “série de agoras”, que encontramos em Santo Agostinho e Hegel. Se o tempo é uma série de “agoras”, tudo seria presente, mas sabemos que algumas experiências se tornam passadas e outras, ainda, não aconteceram. Existiriam, assim, “agoras” passados, enquanto outros seriam presentes e ainda outros, futuro! Como isto
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poderia ser possível se entendemos por “agoras” algo que não passa?
Esta
resposta, nem Santo Agostinho, nem Hegel foram capazes de explicar, provavelmente no anseio de provar que há algo divino em nós e que contempla a eternidade. Podemos até aceitar – com certa relutância – que, sob o ponto de vista de um Deus, o tempo possa ser uma série de “agoras”. Melhor seria dizer um único “agora”, porque, por definição, o conceito de divindade diz que Ela é sempre a mesma e o objeto percebido por Ela – o universo – é contemplado como um único evento. Mas estender esta percepção para nós, seres perecíveis e temporais, é um exagero. Melhor seria terem negado, não apenas a existência do passado e do futuro, mas, também, do próprio agora: isto poderia ser possível se negarmos a existência desta ‘dimensão’ chamada de tempo e a desmascarar mostrando que não passa de espaço sob a perspectiva de alguém que observe o fluxo
ininterrupto
dos
estímulos,
atingindo
nossos
órgãos
sensoriais
e
desaparecendo – literalmente – atrás de nossas costas ou indo parar lá atrás, na memória. Vejamos com mais atenção esta última questão: está o passado atrás de nós ou os resquícios ou provas indicativas dos eventos que ocorreram? Certamente que a segunda é a resposta correta. Porque, os eventos que experimentamos e mesmo aqueles mais antigos ocorridos séculos antes de nós, nós podemos ‘localizar’ não propriamente estes eventos, mas o local onde ocorreram, ou mais precisamente, o lugar onde a matéria do universo se organizou de um modo peculiar e distinto. Por isso, rejeitamos a tese de Santo Agostinho de que o passado é o que está na nossa memória. O certo é dizer que o que está memorizado são apenas ‘pistas’, vestígios do que aconteceu. Fica, assim, mais fácil compreender que os eventos que constituíram a queda do império romano, por exemplo, não devem ser encontrados em nossa memória, mas em vestígios como o Coliseu romano e na defesa de que em certa posição, lá trás, no espaço sideral - percorrido pelo planeta -, a matéria se encontrava organizada de modo tal que, só assim, os eventos puderam ocorrer! Fomos despertados para a impossibilidade de o tempo ser uma série de “agoras”, após ler na obra O ser e o nada, em que Sartre – que estudou com os
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filósofos fenomenologistas – reconheceu que uma “série de agoras” – atemporais – não pode gerar uma percepção de tempo. Uma experiência que compreenda uma série de “agoras” seria o equivalente a olharmos somente uma primeira sensação provinda de cada objeto – vejo o quadro na parede, abaixo a cabeça e vejo o chão, viro rapidamente a cabeça para a esquerda e vejo a porta, sem ver a imagem repetidamente. É isto que constitui uma série de “agoras”, sem que se cometa o erro de identificar e definir o “agora” como algo temporal! Quando Hegel faz aquele exercício dialético – num primeiro momento, brilhante - de escrever em um papel “agora” é dia’, válido naquele momento, e que, mais tarde, deixará de o ser, quando a noite chegar e relermos o bilhete - embora pareça extraordinário -, faz surgir mais dúvidas do que respostas, porque: (1) poder-se-á perguntar se toda a vez que for dia, durante todos os dias seguintes até o fim do universo e o bilhete estiver de acordo com o sol – ou, pelo menos , a claridade no céu - que observamos fora da janela, então, será o mesmo “agora”? Negativo, serão momentos distintos, mas é justamente a este erro que Hegel induz o leitor da sua obra Fenomenologia do Espírito; (2) o filósofo defende que as divisões das horas, minutos, segundos, são “agoras” e, ao mesmo tempo, defende que o “agora” seja intuitivo, isto é, uma abstração das nossas mentes. Sabemos que os segundos podem ser divididos em infinitas partes, mas não somos capazes de perceber bilionésimos de segundos, por exemplo! Sobre o tempo ser uma quarta dimensão ao lado das três dimensões espaciais: um físico deu o exemplo de duas pessoas que marcam um encontro. Não bastarão apenas as três dimensões espaciais, mas, também, um horário. Ora, quando dizemos três horas da tarde, estamos nos referindo, também, a uma dimensão espacial, pois “três horas” significa uma posição no espaço segundo o meridiano de Greenwich, a leste ou oeste, isto é, em uma posição que está a 45 graus de distância dele e quando lá é meio-dia ou meia-noite. Troquei e-mails com um físico sobre assunto do tempo e da gravidade. Ele apresentou como principal argumento que “se ele (o tempo) não existisse, tudo aconteceria de uma vez só, ao mesmo tempo (nascimento, morte). Não
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poderia haver causa e conseqüência. O neto teria morrido no mesmo momento que o avô nascido, etc”. Ora, o que defendemos é que a duração é uma sensação mental, mas daí não se segue que tudo acontece em um único instante. Primeiro: ao negar a existência do tempo, não defendemos a existência real do instante, uma noção teológica e, para nós, ele é um nome que damos quando nossa percepção recebe algum estímulo externo, uma abstração mental. E naquelas pesquisas que parecem mostrar que um elétron ocupa vários lugares ao mesmo tempo, ocorrem quando o tempo deixa de existir? Logo, não há relação entre tempo e instantaneidade ou talvez quem defenda tal tese tenha que admitir que por trás do tempo há o instante. Convém explicar nosso raciocínio: não dissemos que “Se não há A (tempo) então há B (simultaneidade)” e ocorrendo um “B”, então não ocorrerá um “A”, pois é possível que a sentença seja verdadeira se há um “B” e um “A”. Ou quando dizemos “Todo homem é mortal”, “Aquilo é mortal”, logo “Aquilo é um homem”, pois nem tudo que é mortal é humano. Mas, se entendermos que a relação é de disjunção (ou A, ou B), então se há um “B”, não há um “A” ou vice-versa e, ainda, podemos ver a relação como todos os tempos (A1,A2,A3, etc) ou eventos simultâneos (B1,B2,B3,etc). Há uma terceira possibilidade na disjunção de “A” ou “B”: que ambas sejam verdadeiros, portanto coexistindo.
§22. As viagens no tempo. E a passagem do tempo nos corpos. Para voltar no tempo, bastaria uma máquina? Não. Para nós seria necessário ter uma energia ou força do tamanho daquela que criou o universo, para que seja possível alterar a posição atual de cada diminuta porção de matéria até grandes conglomerados de galáxias e buracos negros. Vejamos esta questão com mais detalhe: suponhamos que queiramos voltar ao dia de ontem. O que é preciso? Parar o movimento da Terra e recolocá-la na posição que estava no dia anterior. Mas isto é suficiente? Toda a matéria, todos os seres e todos os objetos, não deveriam ser recolocados no espaço onde se encontravam? Cada alimento ingerido não deveria ser recolocado na sua posição original? E cada bactéria
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presente no ar e cada molécula de ar presente na atmosfera? Mas e os demais planetas, o sol e a galáxia, quanto espaço percorreram desde o dia de ontem? E as histórias de viagens no tempo apenas com uso do pensamento? Um mito, pois veremos mais adiante que o pensamento é fisiológico. Finalmente, ainda que rejeitemos que o tempo seja real e que rejeitemos que perto dos corpos o tempo passa mais lentamente, não nos opomos, contudo, inteiramente a esta tese, pois podemos reescrevê-la assim: “os movimentos passam mais devagar para corpos que se movem em altas velocidades”, pois, imaginemos alguém em uma centrífuga, tentando se mexer: tudo se torna mais difícil e tudo se torna mais demorado! Simples, como a vida deve ser! E experiências em que poucos segundos neste mundo equivaleriam a horas ou dias em outro mundo? Ocorre que se nós estivermos em um planeta com maior gravidade as experiências e as nossas percepções serão mais lentas; se fôssemos levados a um planeta com menor gravidade, as experiências seriam mais rápidas e poucos segundos equivaleriam a horas terrestres, algo plausível de acontecer!
§23. Onde estão nossas idades passadas. E viver para sempre. Estarão nossos primeiros anos de vida e todos os demais pelos quais passamos, em algum lugar no passado? Poderíamos voltar até eles com uma máquina do tempo? Não. Comparemo-nos com um prédio em construção, onde cada andar corresponderá a cada um dos anos de vida já atingidos. Como poderia este prédio ser mantido de pé se cada um dos andares que o compõem desaparecesse? Impossível. Se as idades anteriores não estivessem contidas dentro de nós, como poderíamos ter a idade atual? Se a cada ano que fosse acrescentado à nossa idade anterior, o anterior desaparecesse em um misterioso lugar que chamam de “passado”, então não sairíamos do primeiro ano! Se cada célula nova que substituísse a anterior - que lhe deu origem -, a condenasse a ir para o passado, então seríamos apenas seres unicelulares! E por que crescemos, amadurecemos, envelhecemos e morremos? É que quando crescemos mais células nascem em relação àquelas que morrem,
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chegamos ao ápice (a fase adulta) em que o número das células que nascem é idêntico ao das que morrem, havendo aí, portanto, uma estagnação e uma parada do crescimento e, depois, um número maior de células morre em relação ao número das que nascem, ocasionando o envelhecimento que, quando natural, é causado por insuficiência quantitativa de células que deveriam manter os órgãos funcionais. Uma pergunta se faz necessária: poderíamos viver para sempre? Há duas possibilidades: (1) que as células nasçam sempre em quantidade maior que as que morrem, mas assim nós seríamos seres que sempre cresceriam sem parar em altura e largura e alcançaríamos, talvez, aos sessenta anos o tamanho de uma montanha; ou, (2) que estimulemos o nascimento de células (em cada órgão do corpo) no mesmo número das que morrem e, assim, nos manteríamos, adultos, embora estagnados, sem crescer e, também, sem envelhecer. Não nos causaria surpresa se um dia a ciência descobrir que as primeiras formas de vida escolheram limitar sua própria vida para evitar serem destruídas quando alcançavam um grande tamanho!
§24. O que passa na cabeça das pessoas? Vimos que a duração curta e a longa não estão nos objetos ou movimentos, mas surgem dentro de nós. Assim, uma boa maneira de conhecer o sentimento de alguém a respeito de uma determinada experiência, isto é, se gostou ou não de, por exemplo, ir ao cinema, a um jantar, de nossa companhia, etc, sem lhe indagar diretamente é lhe perguntarmos qual a percepção tempo que decorreu desta experiência: curta/rápida ou longa/lenta? Há três possíveis respostas: (1) não perceber a duração – quando a pessoa vivencia uma experiência agradável; (2) duração rápida – quando a experiência passou mais rápido do que deveria ou foi agradável, mas acabou. Pode ser uma situação positiva, quando nos estimular a querer repeti-la novamente; (3) duração longa – a pior resposta, porque significa que a experiência foi desagradável.
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§25. Sobre o céu e o inferno. Se o tempo está dentro de nós... o que é que está fora? Resposta: a eternidade. Desejam saber como é o céu, olhem para todos os lados. Este é o céu. E o inferno? Aqui, também, dependendo das nossas ações e das outras pessoas. Nos lugares do planeta onde há guerra e violências de todos os tipos, lá é a sede do inferno. Em países onde a paz reina, lá é o céu. Onde não há vida humana, é céu, também – para os seres vivos das outras espécies.
§26. Uma localização para a consciência? Fomos surpreendidos no decorrer desta investigação sobre o tempo quando nos deparamos com a seguinte afirmação: “passado é o espaço que está atrás de nossa consciência”. Chegamos, assim, à conclusão de que a consciência está – predominantemente – voltada para frente do nosso corpo. Tal disposição se harmoniza com o fato de que a maior parte dos nossos sentidos também se localiza na parte da frente do nosso corpo. Usamos o termo “predominantemente”, porque nas nossas costas, metade da extensão é ocupada pela pele e as terminações nervosas que respondem pela função do tato; portanto, ainda, há uma consciência, mas pode-se dizer que da sua área de percepção total - 360o – os 180o da parte da frente, são – de longe – os mais estimulados e ativos. Estaria a consciência entre os sentidos e a memória? Há uma outra possibilidade: podemos especular que, quando estamos acordados, aquelas sensações – internas - que estão guardadas na memória ficam ofuscadas pela intensidade das sensações externas; porém, quando dormimos (ou nossa atenção não se volta para o mundo), diminuem ou cessam quase totalmente as sensações externas e são destacadas as sensações que estão na memória. Assim, a consciência poderia estar atrás da memória, não, na sua frente! Havíamos pensado que a ciência da Neurologia tivesse identificado a localização da consciência no lóbulo frontal ou córtex cerebral. Parece-nos que o que chamam de consciência – equivocadamente - não é propriamente um ponto focal para o qual convergem as sensações, mas, tão somente, a região onde estaria o “ego” ou
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onde estaria memorizada a imagem do próprio corpo. Não queremos resolver esta questão, apenas jogar alguma lenha na fogueira. É uma das questões mais complexas. Poderiam, mesmo, haver muitos “pontos focais”, um para cada região do cérebro ou um para cada sentido.
§27. Os animais e os fetos também percebem tempo. Se para que surja em nós a percepção de duração é preciso que tenhamos órgãos sensoriais e memória, se segue, então, que tanto os fetos, quanto os animais, também, perceberão duração. Parece uma boa indicação disto quando observamos ansiedade em animais. Embora se possa duvidar que tal ansiedade seja a mesma ou semelhante à humana, todo aquele que possui um animal de estimação notará que eles também não costumam esperar suas refeições ou seus passeios: quando o desejo de um ou de outro surge neles, imediatamente nos assediam a ponto de que só nos resta como alternativa obedecer às suas vontades – ou para algumas pessoas, o termo “filosófico-científico” deve ser “obedecer a seu instinto”. Mas isto não importa agora.
§28. Tempo, uma neurose coletiva? Se a tese do tempo como algo real, defendida pela maioria dos cientistas, fosse verdadeira, por que a nossa mente faria surgir a duração curta nas experiências agradáveis – ou, mais precisamente, quando elas cessam - e a duração longa, nas experiências desagradáveis, agredindo, assim, a si mesma e ao corpo ao qual faz parte? Se a mente pudesse alterar o tempo, por que não alteraria em seu próprio benefício, ou seja, duração curta para experiências desagradáveis e duração longa para experiências agradáveis? Que neurose ou desejo reprimido – para usar a linguagem psicanalítica - toda a humanidade tem em comum, que faz todos nós alterar o tempo de um modo neurótico? Imaginemos um público assistindo uma palestra sobre um tema que é agradável para alguns e desagradável para outros. Entre o primeiro grupo, não surgirá percepção de tempo, enquanto que no segundo, surgirá percepção de tempo longo. Assim, não procede que participemos de uma “neurose coletiva”, pois, se
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isto fosse verdade, deveríamos perceber simultaneamente idênticas percepções em idênticas experiências. Certa vez alguém supôs a seguinte explicação: as almas, antes de virem para o corpo, protestariam contra esta experiência; assim, nossa neurose seria explicada a partir do desejo reprimido das almas de não quererem vir para este mundo corpóreo. Mesmo se existisse alma – tese que rejeitamos – nem todas as almas seriam rebeldes, algumas são bondosas e justas. Estas últimas almas, portanto, não participariam da “neurose coletiva do tempo”: elas aceitariam a experiência! Vimos até aqui a incoerência da tese de que exista um tempo psíquico; em verdade, só há um tempo, aquele que a mente produz. Mesmo para aqueles que crêem que exista um tempo externo que é alterado pela mente, é preciso que ofereçam respostas a duas questões: (1) de que material é feito este tempo que pode ser alterado pela mente; (2) que tipo de operação mental poderia comprimir ou distender o tempo? Ao distendê-lo, a mente, adicionaria mais tempo e de que lugar ela tiraria mais tempo?
§29. Tempo e música. Quando os músicos utilizam os seus símbolos musicais – semibreve, colcheia, etc -, que indicam a duração com que a execução da música deve seguir, pareceria evidente que é preciso saber de antemão a duração, para, então executar a música. Nossa resposta é que não temos conhecimento da duração antecipadamente, uma vez que cremos que ela surja após a sucessão das nossas sensações, não podendo existir antes destas últimas. O que ocorre é que: (1o) ninguém sai cantando, sem treino; (2o) na memória, supomos que esteja guardada uma série de muitas vogais “a”, como “aaaaaaaa”, ou, apenas, um instantâneo “a”, assim como, a diferença na pronúncia - aberta ou fechada - do “a”; (3o) quando ouvimos o som que nós mesmos proferimos devemos ter consciência de que houve – previamente – uma série de movimentos inconscientes, que preparam a melhor comunicação do que está em nossa memória.
§30. A mente e o suposto “estado neutro”.
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Platão e Aristóteles acreditavam que, a atividade intelectual poderia ser ou não acompanhada de prazer, mas que este não surgia após uma dor que tenha sido extinta na mente. Isto só aconteceria nas necessidades mais básicas do corpo, como quando sentimos fome – dor - e, então, nos alimentamos, surgindo um prazer. O que nossa tese sobre a duração revela é que há dor na memória e, assim, nossa atividade intelectual é causada por uma prévia dor. Contudo, não podemos dizer, até aqui pelo menos, que não somos livres, porque ainda poderia haver, tal como crêem boa parte dos filósofos, uma vontade livre que diante das necessidades - dores - da memória, do corpo e externas - como as de ser reconhecido em um grupo social, receber honras, etc -, ainda, pudesse escolher seguir uma dentre tantas dores. Os exemplos dos heróis pareceriam validar esta concepção: são pessoas que abrem mão de suas próprias necessidades e suportam as maiores dores, para ajudar as outras pessoas. E, pelos mesmos motivos dos heróis, não podemos dizer que não há uma racionalidade imparcial.
§31. Duração e a medida de espaço - curto e longo. A ilusão da “simultaneidade” e uma contribuição à mecânica quântica. Estávamos na sala de aula e reparamos que a nossa noção de espaço é diferente quando a sala está vazia e quando está cheia. Por quê? Recorrendo à nossa tese da duração, podemos constatar que quando passamos os olhos pela sala, retemos uma após outra as imagens das pessoas presentes. Um maior número de elementos externos percebidos requererá maior “trabalho” da memória, provocando dor por excesso de sensações. Outra vez, após repintarem as paredes do prédio, antes sujas e descascadas, percebemos que a distância entre nós e a parede parecia ter diminuído! Como no exemplo da sala, a causa reside no fato de que antes precisávamos reter um número maior de estímulos e isto gerava duração longa - dor por excesso de sensações -, enquanto que, após a pintura, retemos, menos sensações. Disto se segue duas conclusões: (a) que o há boas razões para crer que o espaço seja ilusório e, (b) que “não é a distância que cria a diferença, mas diferença que cria a distância”! Vivemos quando criança as seguintes experiências: abrimos um buraco na
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parede do apartamento em que morávamos para vermos se o que tinha do outro lado da parede era algo semelhante ao que víamos pela janela. Outra vez, jogamos uma bola de futebol do quinto andar para ver se ela, batendo no chão, retornaria de volta. A criança, assim, por acaso adquire as noções espaciais, ao interagir com o mundo. Tudo indica que os sentidos – internos - do espaço e do tempo não são como Kant acreditava, “formas a priori”, anterior, de nossa sensibilidade e anteriores às nossas experiências, mas posteriores – e ilusoriamente simultâneos, pois não há simultaneidade em nenhuma parte do universo, como vimos antes no parágrafo 5°. Quando as pessoas dizem, por exemplo, que um time de futebol está simultaneamente competindo em dois campeonatos, não dizem que os onze jogadores estão jogando em dois campos ao mesmo tempo.
E quando vemos duas letras, como “A” e “B”, as vemos
simultaneamente? Não, pois se isto ocorresse veríamos algo completamente estranho, isto é, dois símbolos, postos um sobre o outro, não representando nada. Conseqüentemente, causa-nos estranheza que cientistas queiram - e não consigam - medir a posição e a velocidade de um elétron, simultaneamente. Como eles poderiam? Surpreendem-se que o átomo, ora pareça sólido, ora onda, mas é somente onda que vemos por toda a parte. Quando minha janela estava quase fechada, notei que um raio do sol, bateu na superfície de um copo e criou uma imagem daquela superfície na parede: me lembrou eletricidade, como raios em movimento e era apenas as superfície visível que escondia algo a mais por baixo. Assim, quando dizem que a nossa observação “densifica” o átomo, não se pode comparar isto com a influência (gravitacional) que a lua exerce sobre as marés dos oceanos? E sobre o efeito acontecer antes da causa? Quem sabe vemos apenas a crista de ondas e não vemos que nas suas partes mais baixas elas se encostam e são causas sutis que produzem o efeito, antes de vermos as cristas se encostarem? Encontramos na física quântica a crença de que algo pode estar em vários lugares ao mesmo tempo, mas, antes, com Galileu, já se tinha a crença de que dois objetos, independentes do peso ou massa, caem ao mesmo tempo! Como saber? Na natureza não há duas coisas que sejam iguais entre si. Um mesmo
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tempo de queda? Não estariam desprezando milionésimos ou bilionésimos de segundos ou, pior, que o tempo é potencialmente divisível ao infinito? E os relógios usados na experiência: medem o tempo identicamente? Sabemos que entre duas partículas subatômicas de massa muito parecida não há força da gravidade entre elas. Por quê? Talvez porque têm massas semelhantes; se uma tivesse massa menor, seria afetada pela outra. Não é ao redor do sol que a Terra gira? E por que um satélite é atraído e cai na Terra e a lua não?
§32. A imitação e a insatisfação como causa das boas e más ações. E a lei de talião. Na medida em que mostramos que na memória existe dor, podemos dizer, também, que esta dor poderá contribuir para provocar, em nós, uma reação. Se, até então, não tivermos uma alternativa ou alternativas predominando, recorreremos à imitação das pessoas. É certo que a imitação está na causa da maior parte de nossas ações - boas ou más. Cremos que a famosa "lei de talião" esteja relacionada à imitação do comportamento do outro, na ausência de princípios morais internos; de posse da imagem intensa da cena violenta, que permanece na mente da vítima ou do parente, é ela que determinará a sua reação. Ocorre, também, que alguém pode planejar uma má ação, mas neste caso há, também, a capacidade de planejar como será feita a reação. Mas, há um outro fator: uma disposição crescente de não nos satisfazermos mais com aquilo que temos – ou a dor pela monotonia. Certa vez, jogamos um copo d’água sobre um canteiro seco do jardim. Não satisfeitos, jogamos um balde de vinte litros d’água!
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O QUE É A CONSCIÊNCIA?
Só podemos chamar de pseudo-filósofos aquelas pessoas que para toda pergunta respondem com inúmeras classificações, como os que ao serem perguntados sobre o que é a consciência, respondem: ela é consciência fenomenológica, consciência de acesso, auto-consciência, fluxo de consciência, consciência moral, etc. Eles nada mais dão que exemplos particulares quando deveriam oferecer uma definição, uma idéia abstrata a partir dos fatos particulares observados. Como Sócrates disse: eles dão-nos um enxame de abelhas, mas não nos explicam o que é abelha e fazem isto, infelizmente, sobre todos os assuntos filosóficos! E por quê? Porque não são filósofos, apenas parecem ser! Comecemos – dialeticamente – aceitando que o intelecto é o elemento divino em nós ou que sejamos uma coisa – um misto de humano e divino – que possui o monopólio do pensamento. Vamos supor tudo isto. O que decorre da aceitação desta tese? O que decorre é que se há um Deus e se o intelecto – ou alma - é um elemento divino, segue que tudo o que existe é igualmente divino, como por exemplo, a própria matéria de que somos feitos. Uma perna – ou qualquer outra parte do corpo, é tão divina quanto o nossa mente. Do contrário, de onde viria a matéria se ela não fosse parte da “carne divina”? De outro Deus? Então teríamos que começar a defender o politeísmo. Santo Agostinho se opôs que a matéria fosse divina: como poderíamos pisar e comer Deus? De qualquer forma, se aceitássemos o que ele escreveu ainda estaríamos comendo parte de uma segunda divindade. É absurdo o menosprezo à matéria liderada pelas religiões, não só cristã, mas, também, a hindu: um dia, o cão da minha família esfregou o rosto em algo que estava em decomposição no chão; para nós, cheirava a podre, um cheiro caótico, talvez porque ali havia uma mistura de cheiros que, sob o ponto de vista do desenvolvido nariz canino, era sentida como muito agradável, a ponto dele querer espalha-la no corpo!
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Há uma antiga máxima filosófica medieval, de origem aristotélica, que diz que “do nada, nada vem”, o que nos leva a afirmar categoricamente que, ou que pedaço de matéria tem consciência – mesmo a porção mais insignificante –, ou não há consciência alguma, mas isto não é possível, o que nos leva a um argumento semelhante ao “cogito” de Descartes: não podemos pensar que não pensamos, não podemos duvidar que duvidamos, nem que não temos consciência alguma,
pois
já estaremos
conscientes
de nosso corpo, pensamentos,
sentimentos, dúvidas, etc. É útil lembrar Will Durant que , em sua obra “Mansion of Philosophy”, escreveu que, entrar em contato com o divino, é “sentir o mundo a nossa volta onde a matéria divina toma as formas mais diversas”.
§33. A consciência não depende do tamanho do cérebro. Isto é evidente pelo seguinte exemplo: basta lembrar que quando crianças, mesmo como um cérebro menor, víamos o céu azul e as árvores verdes e, hoje, após ter alcançado o ápice da vida, ainda vemos o céu ainda azul e a grama ainda verde, porém temos um cérebro maior. Esta consciência é a mesma quando criança e quando adulto? O melhor seria dizer que é qualitativamente a mesma, porque a matéria consciente não é a mesma, a quantidade foi acrescida, sem falar na quantidade perdida ou substituída! Ao cérebro caberá a percepção de um maior ou menor grau de detalhes existentes no mundo. Os próprios animais - cuja existência, teólogos, filósofos cristãos e cientistas (aqueles que usam os animais com fonte de alimentos e outros materiais) vêm como à ‘serviço’ dos humanos -, têm consciência em graus distintos dos nossos, mas daí não se segue que sejam inferiores. Melhor é dizer que eles têm percepções apenas diferentes das nossas, devido ao tamanho dos cérebros. É útil lembrar Epicuro, em seus Discursos: “é ilógico raciocinar assim: sou mais rico do que tu, portanto, sou superior a ti”. Se um dia os outros animais falarem, dirão: “o fato de que tu tens uma consciência mais ampla do que eu, isto não significa que tu sejas superior a mim”. Wittgenstein especulou sobre a possibilidade de enxergarmos nossa consciência – ou das outras pessoas - ao sugerir que olhássemos para dentro dos olhos das outras pessoas. Cremos que a consciência é, ela mesma, a “coisa em
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si” que procuramos. Achamos que podemos observá-la em momentos como aqueles em que, após um dia cansativo de trabalho, vamos para cama e ao fecharmos os olhos e coçá-los, vemos luminosidades que não podemos atribuir ao mundo exterior, uma vez que o quarto está escuro. Pensamos que esta luminosidade (ora parece uma rede formando figuras de losangos, ora parece um ponto se afastando em uma estrada) possa ser a imagem da consciência. Assim, poderão dizer que são apenas resquícios de eletricidade nos nervos dos olhos... Pensamos certa vez, mas achamos o desafio gigantesco, se seria possível medir o diâmetro da consciência, a partir da distância máxima que nossa vista poderia alcançar e entendendo a mente como lentes que convergem os estímulos luminosos, sonoros, etc.
§34. Por que termos consciência, se cada átomo é divino? Esta é – certamente - a questão mais importante para extinguir qualquer dúvida sobre a existência de um sentido para nossas vidas: um átomo ou qualquer outra porção de matéria, por sua restrita dimensão, só pode ter consciência do espaço que está à sua volta. Mas, quando os órgãos sensoriais conduzem as sensações para o cérebro, podemos ter uma visão muito mais ampla do mundo a nossa volta, de seres semelhantes a nós até os grandes limites do universo. Sim, o cérebro é o órgão no qual a consciência é ampliada para observar, contemplar, o mundo e nós mesmos, mas, ele não é a causa ou origem da consciência! Outro aspecto relacionado a esta consciência “ampliada” é que ela não percebe – a olho nu - algo inferior a este mundo macromolecular, como o mundo atômico. Ela tem, assim, um limite na capacidade de perceber o mundo, limite, este, determinado pelo tamanho e estruturas perceptivas do cérebro, os neurônios e suas ligações.
§35. Por que contemplar? Escoto Erígena tinha uma tese - a “teofania” – na qual ele defendia que através deste mundo, a divindade poderia conhecer a si mesma. Não concordamos com isto, porque conhecimento não é necessário para um ser que é eterno e, acrescente-se que bastaria uma experiência para que ele conhecesse a
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si mesmo. Convém lembrar Nietzsche que escreveu que a força que originou o universo é limitada – segundo o próprio conceito que temos de força; assim, o mundo seria repetido muitas vezes e nós voltaríamos a existir e fazer as mesmas coisas que fizemos antes. E, se o universo tivesse um fim ao qual atingir, já o teria atingido. De nossa parte, duas podem ser as causas para esta consciência única se fragmentar: ou ela busca viver a experiência de como é ser perecível - mortal -, ou a nossa mente é muito limitada para compreender que o que é percebido por nós como fragmentado, sob o ponto de vista de um ser mais complexo é, em verdade, uma totalidade idêntica e eterna. Não somos simpáticos a esta última tese, originada em Heráclito (Grécia, séc. V aC) e, mais tarde, apoiada por Hegel. Uma forte indicação de que o sentido da vida – tomado em sua totalidade e não sob o ponto de vista dos indivíduos – é o de contemplar e experimentar a vida mortal, reside no fato de que nossa mente é estruturada para conhecer sempre novos objetos e seres, ou ainda, aprender novos conhecimentos e obtendo grande satisfação e prazer com isto, enquanto que reconhecer os mesmos objetos e os mesmos seres não origina a mesma satisfação e, muito freqüentemente, faz surgir dor. Quem discordará que as primeiras experiências têm um sabor superior às seguintes e que não se repetirão do mesmo modo. As descobertas relacionadas à sexualidade estão entre as mais intensas. Por isso pensadores como Freud, fundaram, erroneamente, nossas escolhas na sexualidade. Ocorre que as lembranças da primeira comida e da primeira bebida estão muito lá atrás, entre as lembranças mais antigas. As experiências ligadas a atos sociais, como discursar em público, não dependem exclusivamente de nós e, junto a ela, há grande quantidade de ansiedade que eclipsa o prazer que venha surgir. E, por isso, o sexo e a fome são vistos como necessidades mais fortes, embora sejam tão somente mais imediatas (que aparecem primeiro). Aliás, o erro de Freud foi aceitar sem questionamento a opinião do poeta Schiller que disse que duas coisas nos moviam: a fome e o amor, preferindo crer (o pai da psicanálise) que este último sentimento era mais forte e que estaria ligado a uma suposta “perpetuação da espécie”. Queremos deixar claro que não monopolizamos o sentido da vida no desejo de conhecer, ou seja, na reflexão
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filosófica e científica; estendemo-lo, também, no desejo relativo as duas outras partes da alma: a parte concupiscível – conhecer novas pessoas e ter novos relacionamentos, comer diferentes alimentos, provar diferentes bebidas, etc, e a irascível – conhecer e ser conhecido por novas pessoas, receber prêmios, etc, vividas – é bom deixar claro – de um modo equilibrado. Além disso, já observaram que uma pessoa ou um animal, quando castrado, perde interesse em sexo? Como estruturas tão frágeis poderiam determinar todas as nossas escolhas? Um modo de provar aos cientistas que existe consciência é que os alimentos que vão para o estômago não são sentidos por aquele órgão, mas em alguma parte do cérebro as sensações são sentidas. Por que o cérebro retém sensações do mundo, como uma teia? Somos como um buraco negro que atrai tudo para si, mas, pode, também, haver uma utilidade prática: a consciência se alimentaria de sensações?
§36. Somos muitos, não apenas uma pessoa? Há um conflito dentro de nós? Especulemos: ouvimos dizer em uma reportagem científica que a cada seis anos nossas células são substituídas. Assim, sendo a expectativa de vida, em média, de setenta e dois anos – estamos falando da região sul do Brasil e dos países do hemisfério norte – e, se a cada seis anos as nossas células são substituídas, se segue disto que durante toda a vida por aproximadamente doze vezes somos completamente novos, ou seja, não somos um ‘eu’ único, um João, uma Maria, uma Heloísa, um Sócrates, mas, sim, doze Joões, doze Marias, doze Heloísas, doze Sócrates - qual destes doze indivíduos têm alma e merece a eternidade? Uma solução para esta questão é pensar que, assim como na memória, a imagem que esteja relacionada a uma maior emoção, a uma experiência mais forte, é a que se destacará em nós, também na eternidade aquele momento em que fomos mais intensos poderia ser o que se eternizaria? Mas, não há prova de que algo seja eterno. Quando Platão disse que nossa alma era eterna porque conhecia verdades eternas, como a soma dos ângulos de um retângulo é 180o, ele não provou nada, pois o triângulo é produto da mente e sem mentes que o pensem ele não existe, como veremos no capítulo sobre
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matemática. É oportuno lembrar o fragmento de Empédocles: “eu já fui menino, já fui menina, arbusto e no mudo mar, já fui peixe”. O correto seria dizer: “isto, o universo, já foi menino, menina...”. Isto significa que a matéria que nos compõe é eterna e somos parte de uma série de transformações. Somos uma consciência fragmentada, que se combina e que se dissolve. Li que daqui a 5 bilhões de anos a Via Láctea se unirá a Andrômeda e senti tristeza por não estar aqui para ver; mas, esta combinação do universo, este “eu” (com milhões de variações ao longo de uma vida) não estará aqui, mas o universo, sim, isto o que realmente sou, contemplará aquele evento. Nem faz sentido pensarmos que somos muitos “algumas coisas” que permanecem as mesmas, ainda que por algum tempo, pois cada molécula de oxigênio que entra muda o que somos e nos faz diferente, a ponto de ser mais correto dizer que não há separação real entre este “eu” e a atmosfera ou o resto do mundo, por exemplo – onde começa um e acaba o outro? Havia um professor de filosofia que cunhou a expressão “arvorinho” para referir àquilo que vemos quando olhamos um pássaro pousado em uma árvore. Nosso exemplo parece melhor: “atmoeusfera”. Este é o momento para nos perguntarmos se aquilo que chamamos de “consciência” não possa ser, em verdade, muitas “consciências”, isto é, uma série de pontos - focos – que recebem as sensações provenientes de cada órgão sensorial? Quem sabe um dia alguém realize uma pesquisa para saber se há alguma corrente elétrica do cérebro para os sentidos, para sabermos, por exemplo, se uma imagem que lembramos não sai da memória para os órgãos sensoriais, no sentido inverso. Há, contudo, argumentos que objetariam nossa tese: (1) Aristóteles e Descartes entendiam que todas as sensações são formas de tato e, por isso haveria algo de comum entre elas e, talvez, uma única consciência; e, (2) quando associamos um nome a um objeto, deve haver uma ligação dentro da mente entre a imagem e o ruído memorizados, como se uma ponte fosse construída entre duas estradas! Foi David Hume o primeiro a justificar que o “eu” (self) não é mais do que
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uma ilusão, uma “série de percepções isoladas” de dor ou prazer, de amor ou de ódio, etc. Não é raro acharmos inacreditáveis certas decisões que tomamos anos atrás em nossas vidas, tal é a nossa descontinuidade. Hume atribuía a falsa crença em um ‘eu’ a uma operação da imaginação ou da memória. Um barco antigo repintado, escreveu ele, aparentará ser o mesmo quando foi comprado, anos atrás. É de Hume, aliás, a tese de que quando dormimos somos “insensíveis” a nós mesmos. Uma experiência que nós vivemos e que foi definitiva para rejeitarmos a existência de um “ego” foi quando nos demos conta de que nossos braços e nossas pernas tinham crescido, sem que tivéssemos nos dado conta disso! Uma boa solução para a pergunta por que nos vemos e ao próprio mundo como algo contínuo, é pensar a nossa consciência como uma lente, para a qual convergem as imagens e outras sensações e que, por isso, é impedida de ver, por exemplo, a descontinuidade dos estímulos e da própria consciência que não é a mesma, uma vez que as células do cérebro também vão sendo substituídas com a idade. O leitor já não percebeu que podemos perceber, tal como uma câmera fotográfica, imagens ora focadas distantes, enquanto objetos mais próximos estão desfocados, ora percebendo objetos próximos com nitidez, enquanto que perdemos o foco naqueles que estão distantes? Não podemos esquecer que a memória desempenha papel fundamental na construção de uma série contínua das nossas percepções e, por isso, ela auxilia – secundariamente – o sistema perceptivo (neurônios) no surgimento da idéia de que somos um “eu” permanente; se nós não tivéssemos memória, tudo seria sempre novo, andaríamos – ou talvez rastejaríamos – em direção a novos estímulos, sem construir nada, sem aprender nada. No século XX, Freud em sua obra Cinco lições de Psicanálise, antes de optar pela tese que conhecemos - que crê identificar um ego, em nós -, relatou que as mentes de seus pacientes pareciam “muitos agrupamentos mentais, independentes, sem que um nada saiba do outro”, ou seja, muitos ‘egos’ dentro de cada “ego”! Sem falar, em outra contribuição da ciência: a que observou que em pessoas cujos hemisférios cerebrais tenham sido separados, elas comportam-se como duas consciências independentes!
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A questão platônica que Descartes tentou resolver, a de que não havia um conflito interno em nós entre razão e paixões, não obteve êxito, porém, pois ele reconheceu que a vontade era muitas vezes levada (bruscamente) a fazer o que o corpo queria. Como resolvemos? Não afirmando a existência de muitas consciências, mas de muitas memórias de experiências vividas que são dentro de nós comparadas com memórias semelhantes e estas séries de lembranças influenciarão nossas ações futuras. Imaginemos que cada uma desta série tenha uma intensidade própria, como corredores de uma corrida de cem metros, em que um deles sairá vencedor. Ocorre que eles não estão lutando para impedir que o outro vença; mas, a vitória de um deles provocará como efeito a aparição de um comportamento semelhante a certas experiências passadas (emocionalmente) mais intensas. Lendo Skinner, Ciência e comportamento humano (seção II,cap.X), aquele pensador lembrou uma teoria de William James e C.G.Lange muito interessante: não sentimos a causa interior das nossas emoções. Por quê? Porque elas simplesmente são percebidas por nós quando aparecem diante de nós! Mesmo quando realizamos aquilo que Platão chamou de “a alma conversando consigo mesma”, ou seja, nossas reflexões internas, ainda assim, aparecem prontos à nossa percepção. Irving Copi, em sua Introdução à Lógica, lembrou a resposta de uma criança quando ele disse que era importante pensarmos nossos argumentos antes de falarmos: ela lhe respondeu que isto era impossível, uma vez que ela só sabia o que pensava após ouvir ela mesma falando! Outro exemplo: quando rimos de algo que falamos, isto acontece porque somos surpreendidos por algo novo, que não esperávamos! Um bom modelo do que somos: furacão. O que ele é? Nada além do resultado do encontro de duas forças ou duas correntes de vento – uma quente, ascendente, e outra fria, descendente. Por onde passa, vão sendo substituídas as moléculas originais por outras diferentes. Sua vida, como a nossa, será limitada em função da sua capacidade de resistência. O que nos difere, contudo, é que no seu centro não há nada; dentro de nós, cremos, que exista uma consciência, tal como uma partícula elementar de matéria e sobre a qual impacta o fluxo contínuo
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das sensações! Outro modelo do que somos: ondas de um oceano. Este exemplo mostra o quanto é sem sentido perguntar se somos eternos. Como Hume e outros pensaram que só existissem ondas, sem um oceano? Como Kant pôde crer que existem indivíduos (entes singulares), sem sequer provar isto, visando apenas facilitar o seu trabalho de identificar dentro da mente as formas (categorias)? Não teria o sábio de Könisberg, utilizado as crenças dos pensadores empiristas como um meio para um fim? Sim! Finalmente, é oportuno lembrar as teses de Jean-Paul Sartre e Voltaire: O primeiro pensador escreveu em sua obra O ser e o nada (p.198) sobre a definição de vida eterna: a “eternidade que procuramos não é a duração infinita, mas o repouso absoluto da consciência consigo mesma”. Já Voltaire quase sempre de um irônico escreveu que se perguntássemos às pessoas mortas se gostariam de ressuscitar, elas responderiam que não.
§37. Os sentidos como primeira "alma” ou causa de animação. Embora Nietzsche confundisse alma com consciência e privilegiasse os instintos em detrimento da razão, foi a partir da leitura de sua definição de alma que nos surgiu a nossa presente tese: a alma “...é o mundo que se interioriza em nós”. Sem os sentidos acreditamos que cessariam todos os nossos movimentos – tombaríamos sobre nós mesmos como um saco de carne e ossos – ou corrigindo o dito de Santo Agostinho: “in interiore homine habitat viscera” (no interior de cada homem habita, não a verdade, como ele pensava, mas apenas vísceras). Se estivermos corretos, cabe ao cérebro apenas direcionar os movimentos conforme a nossa disposição – interna – às experiências agradáveis e a nossa aversão às desagradáveis. Vamos mais longe: é graças aos estímulos que provêem dos sentidos que – como um efeito de “bola de neve” -, nos movimentamos! Não resta dúvida e concordaremos com quem diga que sem nos alimentarmos não viveríamos; mas, isto se deve ao fato de que as sensações provindas do mundo nos dão um primeiro movimento, mas sua força é incapaz de determinar movimentos mais intensos. Tal como nas locomotivas antigas:
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precisamos de lenha – alimentos - para da sua queima podermos nos mover. Tamanha é a importância dos sentidos que Aristóteles em sua obra “Sobre o sono”, especulou que dormimos para preservar os órgãos sensoriais; do contrário, o seu uso ininterrupto os destruiria! Outro forte indício de que a sensibilidade é a primeira forma de animação: a aparente coincidência entre o período em que a sensibilidade se torna funcional nos fetos e o momento a partir do qual o mesmo feto poderia sobreviver fora do útero, ou seja, a partir do segundo trimestre. E as pessoas que sofrem queimaduras graves por todo o corpo, não teriam as suas chances de vida aumentada, se as mantivéssemos – periodicamente - com os olhos abertos ou estimularmos os órgãos sensoriais? Se não fosse assim, como explicar a alma? Uma coisa que ocupa o mesmo lugar que o corpo, tese que Aristóteles rejeitou? Uma alma cuja natureza é distinta da do corpo, como água e óleo, mas que interagiria com ele? Um absurdo! Quando perguntam-nos, diante de um cadáver, onde está aquela vida que agora não existe mais, simples: ela vinha da animação que aquele ser finito recebeu de sua mãe, ainda no ventre e, acrescente-se, da energia dos alimentos que ele digeriu ao longo da vida. Mas, é preciso que se diga que esta pergunta pode levar a um retrocesso ao infinito, pois sua mãe recebeu a animação de sua avó, aquela de sua mãe, bisavó, e assim em uma série sem começo? Aqui pode-se identificar um argumento a mais para a necessidade de um ser eterno, ainda que seja tão ou mais simples que uma bactéria.
§38. É a alma a causa da vida? E a alma progride? Foi o filósofo francês René Descartes que rejeitou, em sua obra Paixões da Alma, a tese de que a alma era a causa do movimento e da vida, pois, assim, ela também deveria ser responsável pela morte – pois, ao deixar de causar esses movimentos, causaria, então, a morte. Descartes, também, sugeriu uma localização para a alma: a glândula pineal, no cérebro. O que há de errado nesta tese? Se a alma não é a causa da vida, então, a vida é causada por estímulos externos ou internos, do corpo. E nisto, a nossa tese se assemelha à tese cartesiana. Agora, ao localizar a alma em uma glândula, Descartes manteve o
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dualismo: como algo imortal, incorpóreo, poderia afetar e ser afetado pelo restante do corpo, mortal e material? Resolvemos o dualismo, colocando a consciência no limite entre o mundo empírico - ilusório - e o real. O erro dos idealistas antigos, contudo, foi tentar explicar o mundo empírico, como parte do mundo real, bem como, crer que o universo é uma ordem perfeita - um equívoco! Há uma outra questão: o desenvolvimento da consciência como se fosse o desenvolvimento de uma alma. Santo Agostinho em sua obra Sobre a quantidade da alma, diz que a alma aumenta apenas metaforicamente, porque ela não tem dimensão. Sua resposta envolve a crença na teoria de que somos iluminados pelas idéias divinas. Estas teses sempre nos pareceram estranhas, pois tudo que aprendemos foi resultado de um árduo estudo. E, além do mais, por que teríamos cinco sentidos para perceber o mundo se devemos renunciar a eles em nome de uma introspecção? Se isto fosse verdade, então a existência dos sentidos é uma pista falsa, obra de um deus enganador! Esta crítica pode ser usada, também, para as religiões orientais, como o Budismo. Além disso, convocamos em nosso auxílio o princípio desenvolvido por William de Ockham (a navalha de Ockham) – “entre duas hipóteses, devemos escolher a mais simples, pois na natureza todas as coisas se comportam assim. Recentemente lemos a notícia do suicídio de uma moça de 30 anos, que escreveu o seguinte bilhete: “Se ficar em coma, não deixe que eu fique com aquelas máquinas ligadas em mim, porque ali só estará o corpo. Porque a alma me foi roubada”. Um exemplo “niilista”, diria Nietzsche, de alguém que, insatisfeito com esta vida, acreditou existir uma outra. Engano causado pela falsa crença na separação do corpo e do que chamam de “alma”. Até quando aceitaremos isto? Com freqüência pensamos que o corpo difere da mente quando dizemos que o corpo quis algo que a mente não queria fazer; mas isto se deve ao fato de que o que chamamos de corpo corresponder a percepções que estamos habituados a seguir em oposição àquela percepção atual, que difere em grau de acuidade. E as pessoas que dizem ouvir espíritos? Uma boa resposta é aquela dada por Aristóteles em sua obra “Sobre as profecias”: por que Deus (ou outros espíritos) se comunicariam com os mais ignorantes e não com os que são mais
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sábios? Acrescente-se ainda que: (1) espíritos seriam pura forma, mas e se a forma nada mais for do que uma perda de foco dos corpos materiais?; (2) se o pensamento, atribuído como faculdade da alma, for fisiológico?; e, (3) se a vida (ou alma) depender do fluxo constante das sensações interiorizadas em nós? Que argumentos restarão para aqueles que crêem em almas fora de corpos? Nenhum.
§39. O absurdo de uma consciência separada do corpo. Henry Bergson acreditava neste absurdo. Eis os seus pontos dos quais discordamos: (1) acreditamos que ‘ser humano’ não é ter uma consciência humana, que sobrevive após a morte com todas as memórias humanas; (2) a consciência não é distinta do corpo, mas uma porção concentrada do corpo; (3) ser um humano é ter uma certa aparência dada por uma quantidade de matéria; (4) quando ele escreve na obra “Ser e o movente” que a consciência “se esvai quando respiramos clorofórmio” não faz sentido, pois mesmo quando dormimos há uma consciência que contempla, mesmo que apenas os nossos sonhos; (5) não há porque identificar consciência com pensamento, pela mesma razão que, quando sonhamos, temos consciência, mas não pensamos conscientemente! Ninguém melhor que Bekhterev, como nos mostrou Vigotski (Teoria e Método em Psicologia), foi capaz de definir tão bem o pensamento: um reflexo inibido. Isto faz sentido: costumávamos ser censurados porque falávamos tão baixo que apenas nós mesmos conseguíamos escutar. Não nos resta dúvida de que o pensamento é fisiológico e cremos que Freud, sem se dar conta, provou isto quando mostrou que boa parte das ações são involuntárias (inconscientes), assim como, acrescentamos, boa parte das vezes que respiramos, a respiração é involuntária! Ainda sobre a tese de Bekhterev: há uma inquietante e interessante conclusão que se pode tirar, qual seja, a de que também as imagens que percebemos no cérebro são sensações que em uma intensidade mais forte, poderiam se exteriorizar a ponto de... serem vistas pelos outros ou se materializarem, a semelhança de eventos observados, como objetos que pegam fogo e se movem – o que se chama de telecinese.
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Tanto Henry Bergson, quanto os defensores da existência dual de alma e corpo, foram, são e continuarão sendo responsáveis por disseminar a visão de uma consciência que não precisa de um corpo: inventou-se, assim, a consciência ou alma – “gasosa” em oposição a um corpo sólido. Muitos filmes de ficção têm trabalhado com a tese desta “consciência gasosa” ou “energética”. Dão como certa – sem estarem certos - a transferência de consciência de um corpo para outro ou, então, sobre a transferência da memória de uma mente ou um cérebro para outro. Transfeririam, também, os graus de detalhe da percepção? Difícil, pois estes são alterados a cada experiência individual! Não são argumentos racionais; são devaneios, frutos da preguiça de pensar e da mais profunda e natural ignorância! E como uma coisa gasosa, como o vento, poderia interferir na matéria, a menos que tivesse a força de um furacão, mas, também, uma completa ausência de inteligência. E a consciência como energia das religiões orientais? Esta tese se contradiz quando defende que somos parte de um todo, mas que se mantém, como parte, idêntica em vidas sucessivas. Ora, não há no mundo energia que permaneça a mesma quando entra em contato com outras energias; nem mesmo na primeira vida permaneceria a mesma. E se tudo é energia, porque distinguir o corpo do espírito e porque o corpo morre e o espírito permaneceria? Um absurdo!
§40. A consciência difere do ego. E a subjetividade, existe? Na época que lemos as Meditações, de Descartes, nos demos conta de que não poderíamos ter a sua certeza: de sermos um “eu” que pensa, pois observamos que, ao dormirmos, cessam os nossos atos voluntários (aqueles atos que ilusoriamente se crê serem efeitos de uma causa interna chamada de “vontade”, que não seria afetada por nenhuma outra causa) e tem espaço os involuntários – deve haver uma relação causal entre o surgimento dos atos automáticos e o sono, pois se não houvesse o primeiro, ao dormirmos pararíamos de respirar e morreríamos. Ainda sobre sermos ou não “uma coisa que pensa”: John Locke notou que seríamos, então, duas almas, quando acordados e quando dormimos; mas, não há pensamentos quando dormimos? Ou só devemos chamar
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de pensamentos, aqueles voluntários? Já o poeta Fernando Pessoa escreveu “não estou pensando em nada”, o que mostra que não somos uma coisa que pensa ou que pensamento (voluntário) não é ininterrupto, rara manifestação original na Literatura, erroneamente dita como irmã xifópaga da Filosofia, quando ela é apenas uma prima distante ou uma irmã adotada por alguns. As verdadeiras irmãs da Filosofia são as artes plásticas e a música. Mas, basta que os sentidos sejam despertos para que ele reapareça! Qual é a mágica que foi realizada? Quando os sentidos estão plenamente abertos – na verdade, eles nunca se fecham totalmente, pois, cremos, morreríamos -, o mundo se constitui no mais forte estímulo à nossa consciência. Quando os sentidos estão quase fechados, os estímulos mais fortes são aqueles que estão em nossa mente e é eles que conduzirão as experiências internas que chamamos sonhos ou, mesmo despertos, perdas de “consciência”. Mesmo que, em sonho, vivenciemos experiências com nossa própria imagem, isto decorre da memória das imagens que temos de nosso corpo, de nossa voz, etc. Certa vez, estávamos dormindo, quando fomos acordados por nossa própria voz chamando nosso nome! Então, o que é o ego? Há três alternativas: (a) corresponde a um ponto na cabeça, onde existe um princípio vital, nós; (b) está no mesmo lugar que o corpo, tese que usada para explicar, também, a alma; ou (c) é a imagem do próprio corpo, a imagem ou imagens que memorizamos do corpo sobre o qual falamos, bem como, das experiências do corpo com o restante dos corpos do mundo. Thomas Hobbes disse isso. Quando dizemos “eu faço isso”, estamos nos referindo ao fato de que “este corpo faz isto”. Schopenhauer estranhou o fato de que o "eu", como aquilo que observa, estivesse contido em nossas proposições ou fosse objeto do seu pensamento. Wittgenstein, no séc XX, observou que o uso do pronome "eu", quando dizemos que "eu sinto dor de cabeça", era redundante, o que confirma, em nosso entendimento, que o "eu" equivale à imagem do corpo. Não podemos subestimar que estas imagens se constituem nas experiências intensas e, ainda, que “somos” uma porção bastante concentrada do mundo, o que caracteriza-nos – efetivamente - como algo, alguma coisa. Algo semelhante ocorre quando sentimos que uma multidão parece ser um só corpo, quando
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dizemos a “massa humana” ou o “corpo social”, embora evidentemente não sejam propriamente nenhuma entidade viva. Uma prova de que a existência de uma consciência interna não exige a existência, também, de um “ego” interno, é que as crianças como os meninoslobo, da Índia se comportavam como animais selvagens. Quando temos consciência de que estamos conscientes de um objeto, acontece que vemos a imagem deste corpo mais imediato e espacialmente afastado dos demais corpos tocando um objeto qualquer. Depois do que dissemos, ainda faz sentido crer em subjetividade e, também, no dualismo entre subjetivo e objetivo? Cremos que não. Exceto quando nossos sentidos estiverem parcialmente fechados, pois neste caso as imagens internas fluirão desordenadamente, em contraste com as imagens contínuas (persistentes) que recebemos do mundo e às quais atribuímos existência, realidade. O mero fato de que tenhamos uma porção de nossos corpos interiorizadas, não significa, por isso, que sejamos subjetivos. Um vulcão é subjetivo, porque tem comunicação com a atmosfera e, ainda, com as camadas mais profundas da terra? Evidente que não. Por que, então dizem isto da mente? Quem nos conhece melhor: quando nos percebemos pelo lado de dentro ou pelo de fora? Não deveríamos substituir a análise de um psico-qualquer-coisa por autoanálise ensinando as pessoas a entender o método e o instrumental usado?
§41. O que ocorre no impacto das sensações sobre a consciência? Uma das mais difíceis questões, a ponto de especularmos se nela não residiria o limite entre este mundo e o incognoscível, isto é, se não teríamos que aceitar que as sensações não passam de ilusões e que, em verdade, a percepção seria algo interno a este enigma, chamado “consciência”? Ou seja, quando vemos o azul, em verdade, uma parte daquilo que chamamos de consciência não estaria - por algum processo interno - manifestando a memória de algo que lhe falta... Um outro problema é que ao tomarmos a “consciência”, como um ponto focal, esquecemos que ela não é uma esfera, mas uma substância que permearia todo o
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universo? Sem falar que quando cada sensação encosta (ou se choca) na consciência, não seria necessário um terceiro, quarto, quinto, ... até infinitos elementos que estabelecesse uma ligação entre eles, sem realmente conseguir? Hegel, que entendia a consciência como a substância de todas as coisas e a tomava como sinônimo de pensamento, entendia, também, que quando vemos um objeto externo, na realidade, o que aparece como objeto e externo, é parte de nós, ou seja, ele não está lá fora, “ele” somos nós mesmos! Esta visão é uma tentativa fracassada de um ser finito imaginando ser infinito. Há um aspecto intrigante: se pensarmos a consciência como um “arché” dos gregos antigos, um elemento fundamental, a estrutura mínima, ou a substância que fundamenta e constitui todas as coisas, deparamo-nos com a dificuldade de explicar como este “ponto” tem consciência das demais estruturas a sua volta; a única coisa que ele veria é o ponto que esteja ao seu lado. Ou, então, teríamos que imaginar outro elemento mais fundamental que tem a tarefa de levar informações para a consciência. Restaria, assim, crer que a consciência cresça de tamanho, como, por exemplo, quando vemos em um cobertor desarrumado em que algumas partes estão juntas, formando “montes”, uns menores ou maiores, aumentados ou diminuídos. De tudo o que dissemos, não podemos afirmar nada em definitivo sobre a consciência, exceto que (a) ela não pensa, (b) não é distinta da matéria, (c) não é ativa, mas passiva ou contemplativa, pois não é uma operação fisiológica e (d) ela não é fisiológica, porque uma operação fisiológica é, na maior parte das vezes, involuntária, mas, também, voluntária; a respiração, por exemplo, nós podemos controlar, mas não controlamos estar ou não consciente: lembramos do experimento realizado por Henry Bergson (obra: A evolução criadora: p.275), ao refletir sobre o nada, propôs eliminar todas as sensações até eliminar sua própria consciência: “continuo aqui com as sensações orgânicas que me chegam da periferia... Como eliminar a mim mesmo?”, pois, no instante em que uma consciência se extingue, outra já toma o seu lugar! E um mestre da ioga (que significa “união entre o homem e a divindade”): conseguiria alcançar um estado em que não percebesse nada ao seu redor ou,
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como eles dizem “uma consciência pura”? Mas, como ele perceberia que não percebe mais nada? Impossível, pois isto já envolve algum nível de percepção! Então, a meditação é inútil? Não! Tornamo-nos filósofos ou iogues estudando filosofia ou meditação. É o mesmo que levantar peso: tornamo-nos mais fortes ao repetir os exercícios, mas, antes, é preciso que já possuamos alguma força! A contribuição da meditação é treinar a respiração e os batimentos cardíacos e, assim, controlamos nossa irritação! E escolhemos controlar a respiração, pois não gostamos do descontrole, de sermos levados pela “correnteza emocional”! A própria filosofia é uma meditação de olhos abertos que pronunciam sons, as palavras, que se referem a imagens de seres, objetos e experiências. Um caminho aparentemente oposto ao da meditação por meio do silêncio, mas que parte de uma mesma hipótese: de que tudo é parte de uma mesma coisa. Assim como o filósofo, também quem medita se coloca na posição fetal e procura um ambiente sem ruídos, semelhante àquele em que, supomos, nossa percepção está baseada e organizada de um modo em que percebe diversos elementos em harmonia, sem que nenhum prevaleça sobre os demais. A única diferença essencial é que para nós a harmonia está em construção e cabe aos indivíduos realizarem-na; enquanto que, para eles, a harmonia está pronta e é culpa dos indivíduos se não a percebem, presos a suas necessidades egoístas...
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OS GRAUS DE PERCEPÇÃO.
Certa vez, quando subíamos as escadas na universidade, vimos dois professores obstruindo a passagem (Acho que é a única coisa que eles sabem fazer bem!). Tentamos atravessar a barreira por uma passagem pequena que havia ali, mas não conseguimos. Então, apenas encostamos a mão nas suas costas para pedir passagem e, para nossa surpresa e a daquele homem, ele foi parar no outro lado da escada ao lado do homem com quem ele estava 58
conversando. Esta história poderia passar despercebida, mas ela mostra claramente o quanto nossas ações dependem do grau de detalhamento que o mundo imprimiu em nós: veja que ele estava tão concentrado na conversa com seu amigo e, portanto, seu grau de atenção - de detalhamento da sua percepção em relação ao que o outro lhe dizia, que sua reação seguiu aquele mesmo caminho – ou grau de percepção - e foi, por isso, rápida! Outra experiência comum é a de pôr o dedo em um líquido quente e tirá-lo rapidamente. Aqui podemos observar que o sentimento de dor está intimamente relacionado à tese que vamos expor neste capítulo, dos graus de detalhe de nossa percepção, caminhos através dos quais damos passagem a reações – lentas ou rápidas. Tradicionalmente, tais reações, são ditas instintivas. Mas, cremos que elas tenham sua origem em uma não correspondência entre uma situação presente e nossas memórias fetais. Acreditamos que a obesidade e a anorexia, também dependam dos graus de percepção que predominem em nós, bem como, que os hábitos sexuais como o crescimento explosivo da população – com famílias de muitos filhos – seja causado por pessoas que tenham percepções, ou amplas, ou detalhadas, resultando ações impulsivas e pouca atividade reflexiva, como prever a péssima vida futura de seus descendentes. O diagnóstico dado a algumas crianças de que têm “distúrbios de atenção” ou são “hiperativas”, em nossa opinião significa apenas que elas – mesmo adultos – têm uma percepção predominantemente ampla. Por isso que se dá a elas, em casos extremos, “psicoestimulantes”: para que as suas percepções se tornem agudas, atentas a detalhes, o que, a princípio pareceria absurdo, uma vez que elas são conhecidas pela sua natural estimulação ou agitação. Elas não são doentes, mas diferentes. Mas, há um segundo tipo: quando a criança já tem uma percepção aguda e neste caso um remédio estimulante só complicaria mais a situação. Aliás, aqueles desenhos da escola psicológica da “Gestalt” que mostram, conforme a perspectiva que adotamos, ou a imagem de uma senhora, ou a de um vaso – entre tantos outros desenhos criados para mostrar que a mente não é uma
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folha de papel em branco, como pensavam os empiristas –, nada mais evidenciam que o fato de que a percepção humana tem uma grande diversidade de graus. A explicação de nossas ações não difere daquela dos empiristas, apenas se tornou mais complexa, porque o funcionamento mental é complexo. O que pretendemos mostrar neste capítulo é que aquilo que chamamos de faculdade de percepção consiste em milhares, talvez milhões, de estruturas – como redes – dentro de nosso cérebro, capazes de memorizar experiências e, dependendo da proximidade ou o distanciamento entre os “nós” desta rede, aquilo que for memorizado, o será com mais ou menos detalhes. Também é importante dizer que não poderíamos supor que a percepção se constitua apenas em uma única estrutura que, ora se estende, ora se retrai, pois enquanto estivéssemos experimentando algo com o qual temos habilidade, a percepção captaria muitos detalhes, mas, bastaria que experimentássemos algo novo, para que, então, nossa percepção deixasse de captar detalhes desta experiência! Mas, isto nos parece impossível, a menos que acreditemos que a percepção possua uma vontade independente de nossa própria vontade! É interessante lembrar que para Aristóteles uma pessoa virtuosa é a que possui uma "disposição", termo que ele definiu no livro "delta" da obra "Metafísica" como um arranjo de uma coisa com suas partes, idéia que se assemelha à nossa presente tese, embora não saibamos se ele se referisse a algo físico propriamente.
§42. A emoção e a alteração dos graus da percepção. Acreditamos que os diversos graus de detalhamento que podemos encontrar em nossa percepção devam variar, também, conforme a intensidade emocional da experiência; assim, podemos ter um grau de detalhe grande para uma área de interesse e não em outra, que não nos desperta qualquer curiosidade.
Poderia
haver
um
remédio
que
quebrasse
estas
ligações
neurológicas? E se isto pudesse ser feito, em uma única dose, interessaria às indústrias farmacêuticas? O que vemos são remédios - antidepressivos - que causam uma certa euforia, porém momentânea. Freud, em sua última obra,
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“Compêndio de Psicanálise”, diz que o fim da psicanálise virá a partir do surgimento de medicamentos que resolvam as neuroses que, nas sessões de psicanálise, custam muito dinheiro e demoram muito tempo. Não concordamos com ele: poderá haver remédios que desfaçam os arranjos neurológicos da nossa percepção, mas a “reordenação” de muitas dessas estruturas não pode ser feita, senão pela própria pessoa, na interação com as outras pessoas! Isto tudo pode ser resumido na célebre sentença de Tales e de Sócrates: conhece-te a ti mesmo! Convém notar que a depressão não é um estado a que devamos ter aversão, exceto se a situação não é desejada para a pessoa. Pois pode ser entendida, também, em seu significado lingüístico: de um ponto, fisicamente, mais profundo, dentro de nós, onde o nosso sentimento de ordem se encontra com um grau de percepção amplo, que nos dá uma sensação de imperturbabilidade ou “ataraxia”, dos filósofos estóicos e epicuristas. Depressão poderia ser entendida, assim, como um estado mental idêntico ao que as pessoas altruístas se encontram, quando estas últimas se preocupam mais com as outras pessoas do que consigo mesmo, embora o primeiro grupo que se pergunta constantemente sobre sua utilidade no mundo, não tenha disposição suficiente para agir! É evidente que é mais fácil definir como anormal aqueles que diferem da multidão ou da “boiada”; lembramos de um livro do escritor brasileiro Machado de Assis, cremos ser o “Alienista”, em que um cientista abre um hospício para tratar das pessoas que são ou muito agitadas, ou muito quietas, ou seja, os anormais. Acaba reconhecendo que elas não tinham problema algum e resolve internar aqueles que são tidos por normais. Finalmente, termina a história reconhecendo que nenhum daqueles dois grupos merece estar em um hospício e... decide que o único paciente deve ser ele próprio. Mas como sair da depressão ou do altruísmo como achamos mais correto denominar? Remédios? Ou seja, drogas? Talvez acelerem novas ligações entre neurônios. Mas e os eventos (dolorosos, infelizes) que fizeram reduzir as conexões cerebrais? De nossa parte, estamos fazendo há cerca de dez anos um esforço para voltar a sentir o mundo material a nossa volta: voltamos a torcer por futebol, interagir com pessoas, até fui atropelado, acidentalmente, talvez obra do
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inconsciente! Tenho me esforçado, ainda não suficiente, por juntar forças – mentais – para abrir minha escola, registrar-me como autônomo, registrar uma marca, alugar uma sala comercial, comprar móveis e fazer divulgação dela. Não sei se conseguirei! Sabemos que voltar a ter uma percepção mais aguçada será difícil, embora ainda acreditemos que a disposição das estruturas que fundamentam a nossa capacidade de percepção seja cíclica – nascesse com uma ampla, torna-se aguda, retorna à ampla e, se tivermos uma vida longa, elas se repetirão sem fim. Mas, sejamos sinceros, quem quer uma percepção que tínhamos na adolescência, quando nos preocupávamos em comprar muitas roupas, ir a festas, ser o centro das atenções, etc, uma visão egoísta do mundo?
§43. Exemplos práticos da mudança de percepção. E a opinião da Ciência... Estávamos sentados embaixo de uma palmeira, e ao olhar para a grama e nos surgiu uma dúvida: onde estavam as formigas? Imediatamente, nos lembramos de que a percepção da grama implicaria a percepção de formigas. Por que isto ocorre? Cremos que as sensações, recebidas pelos sentidos, são comparadas com as memórias anteriores. Então, as duas percepções são sobrepostas, produzindo uma sensação de prazer, se há a correspondência adequada ou, do contrário, dor. E por que sentimos falta das formigas? Quando o grau de detalhe que nossa percepção da grama é semelhante ao grau de detalhe daquela experiência com as formigas, a primeira memória conduz a outra, como trilhos contínuos de trem! Outra experiência diz respeito ao medo de altura que vivenciamos por um período. Não importam aqui as causas que a originaram, exceto a nós mesmos. Mas, importa mostrar o “tratamento” para sua solução: nossa primeira solução foi desviar de lugares altos. Mas, a partir do conhecimento da nossa tese sobre “graus de percepção”, procuramos enfrentar este medo: quando realizávamos nossa corrida pelas ruas, como fazemos habitualmente, decidimos passar por pontes e viadutos altos. Com a repetição, o medo que antes nos paralisava, agora, diminuiu progressivamente. Não estamos dizendo que o medo terminou. Quem
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sabe futuramente venhamos a nos inscrever em cursos de descida de prédios ou montanhas? O que ocorreu é que modificamos a percepção relacionada a ver alturas como fontes de medo ou, mais precisamente, àquela memória que guardava uma cena desagradável. Um dia um vizinho gritou com um parente meu próximo e como já vinha há algum tempo sendo deseducado, lhe demos um soco no rosto que, surpreendentemente, foi, por nós, percebido em câmera lenta. Enquanto víamos aquele movimento do punho fechado pudemos pensar uma frase completa em uma velocidade normal – “não no nariz não”, pois provocaria sangramento, embora, cremos, que tudo não tenha durado uma fração de segundo! Como é possível? Talvez, porque a percepção tenha se tornado mais aguçada e pudemos perceber as palavras pensadas em um ritmo normal. Convém lembrar algo que escutamos certa vez, sobre a explicação da ciência para a falta de atenção, isto é, para as ocasiões em que não percebermos certas coisas, como quando os maridos não vêem que a esposa mudou o cabelo, o que em nossa opinião revela falta de amor, para os cientistas é tido como normal: dizem eles que esta "cegueira da atenção" não depende da vontade, com o que concordamos, pois não há isto que chamamos de vontade livre. Dizem mais: que eles não sabem porque duas pessoas podem ter capacidades de atenção diferentes. Nosso presente trabalho tem a resposta que eles procuram! Ainda: quando estávamos na faculdade um colega chamou nossa atenção para o modo como escrevíamos: as palavras eram escritas com força, escuras e de um modo geométrico, estavam espalhadas pelo caderno e não, como os outros fazem, uma linha depois da outra. E isto porque nossa percepção, cremos, ampla, percebe melhor o que está mais forte e destacado, como se tivéssemos dificuldade de perceber de outro modo. Parece contraditório que uma pessoa assim rejeite prazeres grosseiros, como comida e promiscuidade, mas talvez seja porque algo interno (suas idéias) chamem mais a atenção do que algo externo!
§44. Sobre a solidão, o perdão, a traição e o amor. Sartre escreveu na sua obra A idade da Razão: “se você está só é porque
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decidiu por isso... porque é orgulhosa”. Nem sempre. Podemos explicar a solidão, bem como seu extremo, a facilidade na sociabilidade, também, a partir dos graus de detalhamento que as experiências intensas – prazerosas ou dolorosas – imprimem em nossas mentes. Uma pessoa solitária é aquela que é incapaz de estabelecer relações, porque há, diante dela, uma quantidade de questões que representam dúvidas. Ao se questionar sobre as diversas escolhas que deverá fazer, o que inclui o comportamento que deverá representar para ser aceita em um grupo, sem contar as frustrações, preferirá o isolamento. E o perdão? Ao contrário do que ouvimos, é mais fácil perdoar. Difícil é permanecer sem perdoar, afirmando uma crença que entendemos ser a correta. o perdão é a atitude mais fácil, uma vez que um acontecimento desagradável – após ser extinto - terá lugar apenas na memória e, além disso, somos sempre diferentes a cada espaço que percorremos em nossas vidas. Por que perdoar é bom para a saúde? Soluciona uma espécie de
curto-circuito dentro de nós, algo que
congestiona outros pensamentos. É muito curioso ler no Tratado sobre as mulheres, de Schopenhauer e no O mal-estar na civilização (capítulo VI), de Freud, a opinião predominante entre filósofos, religiosos e cientistas, de que há um instinto no ser humano que garante a reprodução da espécie. Nem sabemos o que é sexo ou como funcionam os órgãos sexuais até termos as primeiras experiências! O que há, sim, é um desejo de imitar entre as pessoas; quando um tem filho, os outros também desejam o mesmo. Sem falar que, estamos convencidos que a reprodução (assexuada ou sexuada), significa exatamente o que o diz termo: ‘reprodução’, produzir de novo, uma atividade que um indivíduo (e não uma espécie) realiza para perpetuar a si mesmo. Não parece ser coincidência que isto ocorra quando atingimos a maturidade e após adquirirmos um conhecimento do mundo e tudo a nossa volta deixar de ser novidade! Dois pensadores vêem em nosso auxílio: (1) Aristóteles, que disse que os pais vêem a si mesmos nos filhos; e, (2) Nietzsche que em seus últimos escritos, datados de 1885-1889, escreveu que a reprodução sexual é a “verdadeira realização do indivíduo”, rejeitando que em nome de uma espécie cada um de nós abriria mão de seu próprio interesse! Sugerimos uma hipótese
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sobre a origem do sexo: as bactérias como todos os seres vivos querem expandir suas fronteiras e tentando fazer isso, repetidas vezes, esticou-se a ponto de se romper, dividindo-se em dois. Como tudo que é repetido torna-se automático, este processo passou a ser refeito sem fim. Despertou-nos, também, nossa atenção as opiniões de Schopenhauer e de Hegel de que as mulheres não tinham uma disposição para a Filosofia e as Ciências. Para Schopenhauer, as mulheres estavam mais dispostas a cuidar das crianças, pois se pareciam mais com elas. Já Hegel, na obra “Filosofia do Direito” (§166), escreveu que as mulheres estavam, por sua característica sexual, destinadas a zelar por suas famílias e que isto se devia a uma “base racional”, isto é, ao fato de que elas não são naturalmente feitas para atividades que envolvam uma perspectiva universal como a filosofia e as ciências. Concordamos em parte com eles: (1o) porque a elas não foram permitidas estas atividades. A escritora brasileira Maria Lacerda de Moura – contemporânea do poeta Olavo Bilac - chega mesmo a reconhecer, na obra “A mulher é uma degenerada” (1924) que as mulheres se tornaram “infantilizadas”, por uma espécie de seleção natural, mas que, se estimuladas ao pensamento dos universais, logo chegariam à mesma condição daqueles – pouquíssimos, é verdade - homens que filosofam; (2o) porque, acreditamos, que as mulheres tenham mais prazer com os fatos da vida diária, do que nós homens. Sigmund Freud nos forneceu um bom argumento para justificarmos esta tese: a mulher e o homem têm na mãe o primeiro “objeto amoroso” e, somente após os quatro ou cinco anos, a mulher substitui o seu “objeto” materno pelo paterno. Ora, isto afeta decisivamente o modo como os homens e as mulheres vêem
o mundo, onde o sexo,
para o sexo masculino,
é aprendido
simultaneamente com as necessidades como sede e fome – por isso, não faremos rodeio, os homens tendem a tratar o sexo, como se tivessem sentindo fome. Para as mulheres, o sexo se funde - primeiramente - com a necessidade de estabelecer relações sociais e, por isso, aceitar as teorias antigas, não propondo novas. Retornando à leitura do “Tratado sobre a mulher”, de Schopenhauer, vemos que ele sustentou que homens e mulheres escolhem um parceiro com aquelas
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características que lhe faltam, como quando um homem ou uma mulher de estatura alta escolhe alguém de baixa estatura. Mas, isto nem sempre ocorre. Há quem não procure ninguém, há quem procure alguém parecido e, há ainda, quem procure – como pensava Schopenhauer – alguém com características que lhe faltam – quando um homem alto procura uma mulher de menor estatura ou viceversa -, para evitar crítica por destoar tanto da média da sociedade. A diferença reside nas camadas da percepção: mais profundas até as mais recentes – do celibato até procurar pessoas diferentes de nós! Qual a diferença entre paixão e amor? Pensamos que a tese dos graus de percepção poderia ajudar na distinção: paixão é quando tomamos o outro como meio de satisfação das nossas necessidades e amor é quando passamos a ver nós e a outra pessoa como um ser distinto, com um sentido em si mesmo. Enquanto alguém apaixonado percebe o outro como a soma de suas partes ou uma parte destacadamente, quem ama percebe a totalidade do outro. A escolha da pessoa certa parece ser mais difícil para os homens: em geral, nós tendemos a escolher a primeira pessoa que aparece diante de nossos olhos. Mas, devemos estar atentos para o fato de que para um casamento devemos buscar alguém para amarmos e não apenas pelo desejo sexual, a paixão. Achamos que as sensações são diferentes: quando se ama, sentimos um frio no corpo e quando é apenas desejo sexual, nos comportamos como se estivéssemos salivando, como se tivéssemos diante de um prato de comida! Do mesmo modo que se sugere às pessoas não ir com estômago vazio ao supermercado, dever-se-ia não sair para conhecer uma mulher estando com muito desejo sexual. Se o leitor permitir uma piada de mau gosto: por que homens valorizam as mulheres que falam pouco? Por que comida não fala! De volta a nossa investigação, cremos que quando um homem viva na infância experiências emocionais intensas com mulheres mais velhas, ele preferirá mulheres da mesma idade e experiência que a dele. Mas, se viveu experiências com mulheres jovens, não hesitará em pensar ou mesmo trair sua esposa, quando esta já não tiver um corpo como aquele que possuíam nos primeiros anos de relacionamento! Por isso vemos esta corrida frenética em busca de poções da
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juventude, que estiquem a pele enrugada e devolva – ilusoriamente - os anos de juventude. Homens que tiveram experiência com mulheres mais velhas que eles, reconhecem a beleza da experiência e
aceitam as marcas na pele – rugas,
celulite - como sinais de que a pessoa viveu muito! Claro que não estamos nos referindo às pessoas que não se preocupam com sua saúde e que não passam de desleixadas ou desleixados! Certa vez uma psicóloga disse que o afeto era um conceito tardio; parecenos o oposto: uma expressão que visa a reproduzir a condição fetal quando estávamos protegidos e imersos no líquido amniótico. Qual o sexo que surgiu primeiro? Como está na bíblia, a mulher descendendo do homem ou como vê a ciência, o homem da mulher? Cremos que o sexo surgiu nas primeiras formas de vida assim: um ser tentou inserir seu material em outro e após insistências houve a aceitação de uma parte deste material e a rejeição de outro. Por isso os sexos não devem ter surgido por acordo mútuo. A resposta se aproxima com a da Igreja, mas se opõe a ela, porque a criação na natureza se deu por egoísmo, não por um suposto ato de amor. E qual sexo permanecerá? Ouvimos que o cromossomo “y” está diminuindo e especula-se sobre seu desaparecimento, o que concluem que só restarão as mulheres. Parece-nos um equívoco: ora, chegaria um momento em que haveria seres com um só “x”: seriam estéreis ou, como cremos, ao contrário, assexuado, mas reproduzindo-se sozinho por meio de cópias de si mesmo? Se isto for verdade, sem atrair-se pelo corpo de outro, ainda sentiria amizade ou amaria as idéias e a mente dos outros? Sim.
§45. O que são os desejos reprimidos ou de “consciência diminuída”? E os sonhos, isto é, nossos pensamentos vistos pelo lado de dentro. Parece-nos evidente que o que Freud chamou de “desejos inconscientes” correspondem às experiências memorizadas com suas respectivas estruturas perceptivas. Um desejo permanece latente, porque os seus graus de percepção o nível de detalhe - são insuficientes para se tornar predominante consciente, mas, em algum momento futuro, tal restrição não será suficiente para manter
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aquele estado de “hibernação”. Outro aspecto envolvido nesta questão diz respeito à teoria de Freud de que estes desejos - reprimidos - poderiam ser “energias” que sofrem resistência por outras energias. Não nos parece que esta explicação possa ser a correta. até porque, pelo que sabemos nenhum teste – como ressonância magnética – comprovou aquela tese. Nossa explicação não está relacionada a fluxos energéticos, mas a uma maior ou menor capacidade dos caminhos por onde as sensações fluirão dentro de nossa mente, como uma série de encanamentos. Quanto maior for a quantidade de caminhos nestas estruturas da percepção, mais sensações passarão por ela e mais facilmente serão percebidos por nossa consciência. Fluirão tão intensamente como um rio que – sem encontrar qualquer resistência -, encontra facilmente vários caminhos por onde passar. O mais importante é que nossas próprias ações não são, como se acreditava, a expressão dos desejos reprimidos. Não há como satisfazer um desejo que não pode ser satisfeito, não tem força suficiente para ser satisfeito, mas, tão somente, apenas os próximos desejos que sejam semelhantes àquele. Conclusão: o passado não retorna! Sobre o título do §45: cremos que o correto seria dizer não desejos “inconscientes”, mas desejos “conscientes diminuídos” ou um grau menor de consciência, pois quando, por exemplo, um motorista experiente troca as marchas do seu carro, faz isto inconscientemente, sem consciência? É óbvio que não! E os sonhos? Concordamos com a tese de Hobbes, em sua obra Leviatã (cap.II) datada do século XVI, que os sonhos são causados por perturbações internas e externas do corpo. Quando dormimos e sentimos calor surgirão sonhos agradáveis; já quando sentimos muito frio, surgirão pesadelos. Às vezes, diferente do que pensou Hobbes, vivenciamos pesadelos, mesmo quando dormimos com muitos cobertores. Não há uma causa única e simples para o tipo de sonho. Mas, de qualquer modo, sem uma causa externa, não há sonhos - nem bons, nem maus. É claro que essas causas afetarão as percepções internas - ou o que Freud chamou de “desejos reprimidos” - e isto se deve ao fato de que uma vez que os estímulos externos deixam de ser os mais fortes – pois os sentidos estão quase fechados – então, os estímulos internos são os candidatos mais fortes a se
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manifestarem e afetarem a consciência. Dizer, portanto, que a moral – do mundo externo a nós - nos “castra”, impedindo a manifestação dos desejos reprimidos é um grande equívoco, pois as causas são físicas, embora não rejeitamos que tenha havido uma experiência negativa – ou “reprimida”, nos termos freudianos. Mas, aqui, Freud se distingue de Darwin: há uma lei natural do estímulo mais forte se impondo sobre os demais. Nós acreditamos que a maior parte daquilo que Freud chamou de “moral repressora” é, na verdade, uma impressão (uma opinião, uma censura) que uma pessoa com forte personalidade exerce sobre as outras! Há algo que nos intrigava: como os sonhos têm uma ordem, como se fosse uma história completa ou uma vivência real? E por que não percebemos a montagem desta construção imaginária? Só podemos explicar assim: nossa capacidade de pensar é avessa a imagens fragmentadas e muito mais rápido que a consciência pode perceber, e, assim, sobrepõe uma imagem a outras, uma focalizada sobre as desfocadas, como as diversas películas de um filme, o que Hume chamou de semelhança e contigüidade, para explicar como as idéias se conectam na mente. Assim, os sonhos mostram com mais clareza o que acontece quando pensamos (acordados): uma série de imagens vão sucedendo outras, como quando, por exemplo, diante de uma seqüência “1,2,3 e 5”, a memória recorre à lembrança anterior, sugerindo a adição do número 4. Poderíamos imaginar que a realidade a nossa volta e nós mesmos somos, também, imagens que vão sendo postas em uma sucessão por uma mente do tamanho do universo? Tudo é possível, embora não trabalhamos com esta hipótese, até porque seria preciso que as imagens viessem de fora do universo, isto é, de um outro, o que para nós é impossível e mesmo se existisse algo fora, isto nos levaria a uma série infinita, sem fim, inconclusiva, indeterminada, imperfeita. Outro modo de ver esta questão: as imagens e as memórias que vão surgindo caoticamente dentro de nossa mente se organizam tal como partes de uma escola de samba do carnaval brasileiro postas uma atrás da outra. O que determina esta ordem? O fato de que as sensações do mundo exterior têm mais força sobre as percepções internas e, por isso, não só evita que se manifestem, mas, também, as seleciona e nos torna conscientes de algumas delas.
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E como a nossa percepção constrói imagens como a de cavalo alado, por exemplo, se muitos pensam que a consciência apenas unifica as sensações? A menos que a consciência também separe imagens, como a de asas, e as cole com a de cavalo! Assim, a consciência não unifica nada, apenas contempla o mundo a sua volta e o mundo mental! Ainda: é preciso que se diga que os sonhos são pensamentos involuntários que se desenvolvem quando dormimos, mas, também, quando estamos acordados continua havendo pensamentos involuntários e nós não temos consciência deles, exceto quando nos surgem por intuição, isto é, de imediato, ou quando um pensamento presente remete à lembrança de um pensamento antigo. Ocorre, assim, na mente algo semelhante com o que acontece com a luz do sol que ofusca e nos impede de ver a luz das estrelas; mas, elas estão lá e vêem em nossa direção embora não sejam fortes suficientes para as percebermos!
§46. Sobre o hábito. Para Hume é um mecanismo subjetivo que nos leva a crer que eventos futuros semelhantes a eventos passados tenderão a se repetir. Segundo nossa teoria, fatos passados semelhantes entre si nos ajudariam a tornar nossa percepção mais aguçada, como se jogássemos redes cada vez mais finas, sobre os limites daquilo que é, por nós, observado. Aliás, é oportuno esclarecer que a tese de que a causa e efeito são idéias subjetivas e que decorre da observação repetida de fatos, é originalmente de Pascal; em seus “Pensamentos” (nº 91): “é parte da natureza humana acreditar que, após repetidas experiências nas quais um mesmo efeito é observado, deve haver uma necessidade – como quando imaginamos que “amanhã será dia”. Esta crença na existência de necessidades, pode ser negada por fatos – “não raros” - naturais contrários a elas”
§47. Os graus de verdade. Protágoras. E o erro. Havendo diferentes graus de detalhes que podemos perceber no mundo, então haverá, também, diferentes graus em que nossas afirmações e negações expressarão estes detalhes. Logo, haverá diferentes graus de verdade. O erro dos
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sofistas – professores de retórica na Grécia antiga - consistiu, contudo, em não perceber que há graus de conhecimento e crer que não exista uma verdade absoluta. A expressão de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas” não vale sempre, mas, por outro lado, pode valer, sim, em pelo menos algum grau de detalhe. Por exemplo: dizer que a água faz bem, não é uma verdade absoluta, pois água salgada não faz bem e nem água doce, para quem não saiba nadar! Assim, a verdade é como o alinhamento de planetas. Rara e quando ocorre, faz surgir um prazer mental. É conseqüência de uma imagem que coincide com o que está lá fora no mundo. Já o erro, corresponde ao desalinhamento e à dor mental. Observamos em pessoas adultas que têm dificuldade de pensar e quando o fazem não percebem aspectos importantes envolvidos: além da (1) incapacidade de perceber detalhes, que mencionamos antes, também falta-lhes (2) velocidade no pensamento, ou seja, na passagem de uma idéia a outra e (3) uma aversão a analisar idéias novas: certa vez sugeri que se cobrisse o terraço do prédio onde moro com policarbonato, um material plástico e transparente, o que custaria o mesmo que substituir o chão, onde a água estava se infiltrando para o apartamento de baixo e há anos o piso era substituído e recorrentemente sem solução definitiva. Certa vez quando vi a imagem do meu cachorro no espelho pareceu-me mais longo do que eu achava que fosse, pois ao ver imagens em um espelho distante nossa mente não estava preparada para perceber algo familiar. Isto prova, também, que a mente interfere no que é visto, além de que podemos pensar sem erro que o que a mente recebe é um punhado de pontos do mundo exterior, mas há algo lá fora e desse algo verdadeiro apreendemos alguma coisa, uma camada, um grau. Esta experiência pareceu-nos semelhante à tese Kantiana das mãos no espelho. Há algo mais a dizer: é que a verdade parece ser uma média entre as opiniões, tomando cuidado para distinguir quando ela depende de uma simples opinião, sentimento, e quando depende de um julgamento especializado ou uma média de ambos. Deveríamos acrescentar à definição de Aristóteles que a verdade é “dizer o que é daquilo que é e dizer o que não é do que não”... se todos
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concordarem, embora exista aqui um risco de lentidão nas decisões e ter que conciliar uma opinião de uma pessoa inteligente e a de um asno!
§48. Os sentidos iludem? E há um progresso? Sempre nos chamou atenção a suspeita de que os sentidos fossem fonte de erro. Os gregos antigos diziam que o sol lhes parecia pequeno, por culpa dos sentidos. Nossa tese dos graus da percepção, nos conduziu à formulação de um argumento que “inocenta” os sentidos e faz recair a culpa sobre a própria percepção: o sol parece ter uma dimensão aquém da real, quando o percebemos como um elemento entre outros. Se o percebêssemos isoladamente, não chegaríamos ao mesmo erro. Poderão dizer que, sob o microscópio, os micróbios são percebidos isolados e nem por isso, são gigantescos como o nosso sol. Mas, aqui reside uma importante observação: sabemos de antemão que num e noutro experimentos partimos de uma percepção ampla – de um céu que parece infinito – para uma mais específica, para um elemento como o sol, que faz parte dos limites daquele céu. Já os micróbios pertencem a uma percepção ampla, mas de um limite bastante diminuto e, por isso, surgiria uma contradição se acreditássemos que de algo demasiado pequeno, pudesse surgir algo gigantesco. Na Renascença, o exemplo mais famoso de preconceito contra as sensações, pode ser encontrado no Tribunal de Inquisição quando os juízes negaram-se a olhar o telescópio de Galileu e ver as manchas no sol, provando que também ele muda e não eternamente o mesmo, porque não acreditavam nos sentidos, mas apenas na razão. Galileu, ele mesmo, atribuiu aos sentidos o erro de cremos que um objeto, jogado do alto de uma torre, cairia em linha reta, perpendicularmente à superfície da Terra, quando, o correto, é crer que a queda acompanha o movimento do planeta. Mas, aqui, não se trata de pôr sentidos contra a razão, mas, sim, em um grau de percepção do mundo contra outro! Não concordamos com Thomas Kuhn e Michael Foucault, por crerem que o progresso
não
seja
contínuo.
Ambos
os
pensadores
têm
percepções
predominantemente individualistas e relativistas e, por isso, crêem que a vida seja feita de experiências singulares - posição típica de “pós-modernistas”. Foucault,
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visto como um Deus por alguns, escreveu que as escolas são como presídios, mas ele perguntou para as crianças o que elas acham? No tempo de escola eu não me via preso, apenas temia alguns colegas mais violentos. Eles tomaram o termo “progresso” como uma série de acertos, que vão se adicionando uns aos outros. Não será, também, um progresso quando um mestre de obras desfaz uma parede mal feita? Não usam os cientistas a linguagem comum da matemática ou criam outra a cada “revolução”? O que há em comum entre o sistema de Ptolomeu e o de Copérnico? São ambas percepções do mundo, algumas mais nítidas, outras menos, umas mais detalhadas, outras menos. Somos “déspotas esclarecidos”: aceitamos as teorias até o momento em verificamos as suas imperfeições e, não as suportando mais, procuramos desenvolver novas teorias que completem as lacunas. Aliás, vejamos um bom exemplo de “pós-modernismo”: meu irmão costumava tirar os talheres lavados e os atirava dentro da gaveta, caoticamente, numa mais fiel expressão “pós-modernista”; cansado de ordenar cada talher com seu igual e, acrescente-se, por não ter o hábito e o sentimento de ordem relacionado às tarefas da cozinha, renunciou a uma organização por parecer-lhe, talvez, inútil ou desnecessária. Para um pós-modernista, o mundo é uma grande gaveta! Será que é útil e belo pensar assim? Óbvio que não. De volta à questão central: Há algo que pode ocorrer, com mais freqüência que poderíamos aceitar: que a causa do surgimento de uma nova corrente de pensamento seja a constatação da ineficácia e arrogância das pessoas que formam a corrente de pensamento atual. Isto justificaria, por exemplo, por que novas teorias nasçam sem sequer responder a todas as questões a que se propõe responder! É evidente que os líderes de novas teorias são pessoas que não se deixam levar – como a grande massa – pelo sentimento de grupo ou de “boiada”, como disse Nietzsche. Por isso, embora a maioria seja “filho do seu tempo”, na expressão de Hegel, há importantes exceções que se tornam “pais do tempo seguinte!”. Finalmente, há um progresso do pensamento, se entendermos como um acúmulo de novas perspectivas e conhecimentos derivados destas, o que inclui
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um progresso moral: há cerca de cinqüenta anos para cá, temos leis de proteção dos animais, algo inconcebível séculos atrás!
§49. Linguagem e graus de percepção. Na obra “Sétima carta”, Platão diz claramente que “nenhum homem sensato se aventurará a expressar os seus pensamentos através da linguagem, particularmente aquela com caracteres escritos”. Antes, Platão escrevera uma longa obra, “Teeteto” em que, ao fim de longas buscas, chega a uma definição fraca de conhecimento, como “opinião verdadeira acompanhada de justificação”, como ele mesmo reconhece: como definir o conhecimento usando símbolos convencionados? Peguemos a idéia de círculo: uma figura cujos pontos estão à mesma distância de um centro, pode significar um asterisco ou uma série de pontilhados. Podemos pensar que alguém possa à mão livre desenhar um círculo perfeito ou nos apresentar um objeto bem lapidado e chamá-lo de esfera, mas com uma lupa, provavelmente, encontraremos algum defeito. Então, buscaremos produzir um círculo em uma impressora eletrônica, mas, também, nela, com um microscópio encontraremos defeitos. E se desenvolvermos uma máquina mais sofisticada? Talvez sob as lentes de um microscópio eletrônico, não será um círculo perfeito. Mas, e por instrumentos ainda mais precisos? Alguém criará um microscópio, ainda, mais preciso para identificar novas imperfeições! O que aconteceu com nossa idéia de círculo? Não sejamos pessimistas, dizendo que ela é inútil, porque, à semelhança da idéia de “utopia” definida pelo escritor Eduardo Galeano, a idéia do círculo, nos pôs em movimento, nos fez desenvolver tecnologias e, estas, facilitaram a vida de todas as pessoas. Fica evidente que não há como comunicar a idéia de um círculo, a não ser de uma mente para outra, mas não pela voz ou por símbolos gráficos! Assim, se não há círculos perfeitos, uma conseqüência mais drástica surge: nem mesmo há homens perfeitos. Por isso, não sejamos tão exigentes conosco e com os outros, porque estamos todos tentando acertar!
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§50. Platão - as palavras como ruídos. E o erro de Wittgenstein. Da leitura do “Teeteto” de Platão, nos demos conta de que as palavras são como ruídos. Por que um motor de carro precisa de ruído? Não precisa. Um motor a eletricidade tem muito menos ruído que os motores comuns. Ou, ainda: muitas vezes são como flechas que usamos para afastar os outros e em outros momentos são flores arremessadas, quando nem precisaríamos dizer nada! No século XX, Wittgenstein acreditou, pela análise da linguagem, poder filosofar, como, quando supôs – em seu “Livro Marrom” - que se a gramática utilizada para expressar o passado e o futuro não é simétrica à que expressa o presente, então, as proposições sobre o futuro não seriam realmente proposições. Mas como as regras gramaticais – ou, talvez, devêssemos dizer, a desordem de regras, tão variáveis como os costumes e as cabeças daqueles que as estabelecem – poderiam refletir o mundo? E como “ruídos” refletiriam o mundo? Os ruídos têm por trás de si imagens; já as palavras, símbolos gráficos, são imagens de ruídos, isto é, imagens de sons que expressam outras imagens. Àqueles que pretenderam fazer da filosofia uma “análise da linguagem” ou “das palavras”, deveriam corrigir a tarefa para “análise das imagens” mentais, bem como, do grau de detalhe que alguém possua dentro de sua mente! Sem falar na crença ilusória de que a linguagem emprega idéias em si mesmas universais (com uma existência transcendental ou sobrenatural) e que em última análise, teriam sua origem e morada em nossa mente, como escreveu Aristóteles, na obra Tópicos (VIII, 12): “é impossível raciocinar nada sem usar universais”. Convenhamos: as palavras são criadas por indivíduos, que convencem os demais a usá-las. Observe no dia-a-dia quantas expressões, como gírias, por exemplo, surgem e são incorporadas à linguagem oficial! Mas, é preciso notar que o que há de geral (universal) é o grau de percepção e é apenas isso que se poderia dizer como comum em todos nós, mas não porque seja de uso de todos, mas porque todos podem potencialmente usar.
§51. O que é a “razão”? E há um órgão - sede - da felicidade? O cientista Boyle, do século XVI, defendeu que a razão fosse um órgão que
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compartilhamos com Deus. Interessante perguntar se, também, teríamos um órgão que seja o causador do sentimento de felicidade, um órgão da felicidade que, às vezes, experimentamos? Óbvio que não. Agora, faz sentido chamar de “racional” a uma correspondência entre o que afirmamos sobre o mundo ou algo existente no mundo e a própria coisa ou ser, real, ao qual nos referimos. Aliás, razão em latim é “ratio” que significa relação de, pelo menos, duas coisas, onde uma está em uma certa relação com a outra. Há, ainda, um segundo significado: a “razão” como o sentimento moral, que é o sentido interno de ordem quando acompanhado de uma percepção ampla. Após escrevermos este livro, relendo nossas fichas de leitura de obras filosóficas, notamos que Karl Popper tinha pensado algo semelhante a nossa tese: “não possuímos 'razão' e ‛paixão’ no sentido em que possuímos fisicamente certos órgãos... Será melhor explicarmos o racionalismo em termos de atitude ou comportamento...uma boa vontade para dar ouvidos a argumentos críticos e para aprender a partir da experiência” (obra: A sociedade aberta e seus inimigos: cap.24;p.169). Poderão achar que nossa tese leva a crer em uma razão subjetiva. Propomos o seguinte exemplo visando explicar a razão como objetiva: na Idade Média, quando entre um terço à metade da população européia morreu de peste transmitida por ratos, acreditavam que a causa fosse do ar mal cheiroso. Sugeriuse naquela época queimar ervas aromáticas para acabar com o problema. Não podemos dizer que esta atitude seja racional. Somente após a descoberta dos microorganismos, foi possível estabelecer a identidade entre o grau de detalhe da nossa percepção – as bactérias que víamos pela lente de um microscópio – com o objeto real, existente no mundo, ou seja as próprias bactérias, presentes no corpo humano e, nele, causando danos! Do que dissemos antes, estamos certos de que a razão é passiva, tese semelhante a de David Hume, entendida como uma certa percepção que produz em nós um prazer mental ou extingue uma dor mental. Primeiro: na história do pensamento humano os filósofos sempre negaram que a razão fosse semelhante às paixões, entretanto, como poderia a razão ser ativa se as paixões são ativas? Segundo: veremos mais adiante (capítulo 4, “por que não somos livres”) que não
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há em nós uma “vontade livre”, um outro sentido atribuído à razão; terceiro: é necessário a toda ação humana um desejo – uma condição emocional – causada por um estímulo externo que conduz a um grau de percepção na mente, à memória e a uma reação semelhante ou não a uma lembrança anterior e, para isso, precisamos adquirir conhecimento, conteúdos específicos de cada área ou atividade humana. A razão muda com o tempo? Não se deve ao fato de que o mundo mude tão drasticamente que devamos mudar. O que ocorre é que nossa percepção muda: nossa percepção se limita à nossa comunidade e somente quando esta ligação é questionada, passamos a nos preocupar com o restante do mundo. Gerações aceitaram a existência de escravos como parte inevitável de uma cultura mas, tão somente, até o momento em que, cansados de obedecer a uma cultura, reivindicamos o fim da escravidão. Não falamos ainda sobre o que historicamente – e equivocadamente – se chamou de faculdades da mente, como razão, imaginação, entendimento e juízo. Uma classificação assim não se livraria do “paradoxo do terceiro homem”, pois o que estabeleceria a conexão entre a faculdade do conhecimento – composta pelo juízo, pela razão e pelo entendimento – com os sentimentos de prazer e desprazer ou, então, com a faculdade do desejo – ou vontade ou, ainda, destas últimas entre si? Só se houver algo em comum entre estas faculdades, mas, se existir, então não precisamos entendê-las como distintas em realidade, apenas por pura convenção. Não sejamos tão intransigentes: aquilo que nomeamos como “grau de percepção” se assemelha com o “entendimento” kantiano, pois é nele que surge a percepção da forma, a partir das sensações. Tanto as categorias quanto os juízos kantianos não passam de pontos de uma linha contínua de possibilidades em que os graus de percepção possam se encontrar. O juízo como faculdade que expressaria nossa liberdade, é um engano, pois é o predomínio de categorias (ou graus de nossa percepção, que determinarão (por leis naturais) se veremos um objeto do mundo como algo singular (Sócrates), uma parte de um conjunto com outros elementos (grego), ou, ainda, um termo que define um universo (homem).
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E o que significa a razão kantiana? Há duas respostas: (1) razão como ação moral, quando estamos de posse do sentido de ordem acompanhado de uma percepção ampla, além de nossas necessidades imediatas; ou, (2) quando há uma correspondência entre o grau de detalhes da nossa percepção e o grau de algo real sobre o qual estejamos afirmando ou negando algo. Lemos em Kuhn que as descobertas científicas são acidentais. Em parte, sim, porque podemos literalmente, esbarrar em uma descoberta, como a da penicilina quando deixaram uma amostra de bactérias exposta ao ar. Mas, se não estivermos de posse de uma estrutura perceptiva que perceba um grau específico de detalhe de um objeto que esteja no mundo, não haverá, então, descoberta! É oportuno discorrer sobre a utilidade do método proposto por René Descartes: cremos que dividir um objeto para obter uma verdade, é um caminho (método) equivocado. Quando formulamos a tese de que “duração” é dor na memória, não dividimos inicialmente o tempo para chegar a uma resposta. Nem quando formulamos a tese de que a mente possui uma série de graus (arranjos) de percepção e que eles não estão igualmente disponíveis (em ato), não dividimos a mente em suas partes. O que predominou foi o uso de “analogias”: quando comparamos a memória com o estômago e a mente a um conjunto de redes. Quem sabe a analogia possa ser usada nas pesquisas com vírus e bactérias causadores de doenças: não obteríamos conquistas se parássemos de tentar destruí-los a semelhança do que exércitos fazem com seus inimigos e pensássemos em nossas estratégias? Quem sabe se não usássemos a química, mas a física? Ou pensando “militarmente”, não teríamos mais vantagens se mudássemos o “campo de batalha”, tirando microorganismos para fora do corpo com máquinas semelhantes às que fazem hemodiálise e os “bombardeássemos”? A divisão em partes é uma tarefa que precede a uma investigação, para que alcancemos aquela totalidade que nos interessa pesquisar. Quando Descartes defendeu que deveríamos identificar partes que conhecêssemos, implicitamente defendeu a realização de analogias, pois procurar, em cada novo estudo, as “partes que conhecemos”, elas não são necessariamente idênticas, mas, semelhantes a outras que conhecemos, em experiências passadas! Vamos
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mais longe: cremos que o método indutivo traga em si mesmo o processo de formar analogias: quando se diz que algumas pessoas têm uma característica comum e, a partir desta comparação, chegamos a uma lei, como a de Aristóteles que disse que todos os homens são mortais.
§52. A “forma” como uma “miopia”. O “método indutivo”. E há uma forma humana? Um exemplo didático do que ocorre em nossa percepção quando observarmos a forma dos objetos e não seu conteúdo, consiste em compararmos o que ocorre na visão de uma pessoa míope: quando ela olha com óculos, vê indivíduos, mas, tirando as lentes, as imagens – pelo menos, aquelas mais distantes – ficam desfocadas. Quando os filósofos procuraram negar que o conceito, por exemplo, de cavalo não fosse o próprio cavalo, o que é óbvio, negaram, também, que conceitos fossem coisas distintas das sensações. De nossa parte, o conceito de cavalo é, em realidade, uma ou mais imagens – desfocadas - de cavalos, memorizadas por nós em nossa vida. Haverá quem pergunte: qual das imagens? Daquela que no momento for o estímulo mais forte. Se alguém nos pede para desenhar um cavalo, talvez lembremos de algum que vimos perto de nossa casa, mas se pedirem um cavalo de raça, então lembraremos algum que vimos na televisão... Poderão objetar que não precisamos perder o foco para conhecer e reconhecer a forma de alguém. É verdade, a substituição da percepção de um indivíduo pela da sua forma parece se assemelhar com a experiência em que vivemos dias em que não sabemos que roupa vestir: mais, nos fará sentir calor, menos, frio. Nossa percepção de outras formas de vida semelhantes à nossa nos põe em um limite tênue em que percebemos ora o limite, ora o indivíduo. O que, pensamos que ocorra na mente, é que há sucessão de imagens – focadas e desfocadas – a uma tal velocidade que não percebemos que se apresentam uma após a outra! Imaginemos que estejamos em um circo vendo um trapezista e, em algum momento, nossa percepção dá atenção apenas à forma do artista. Logo, podemos
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estar pensando que quem possuir a mesma forma – humana – poderia, também, ser trapezista, o que não é uma má conclusão. Todo o esforço para provar como se dá a “transição” de observações de fatos singulares para enunciados universais e como é possível um conhecimento que esteja assentado sobre certezas absolutas, repousa em entendermos esta questão: tal passagem se dá por sobreposição de, pelo menos, duas percepções: uma particular e ela mesma, só que desfocada. Quando vemos o trapezista e reconhecemos nele uma forma humana e, em seguida, a reconhecemos em outras pessoas, então, chegamos a uma lei válida para elas e, também, para todas as outras pessoas. Há uma espécie humana? Aristóteles definiu “homem” como animal racional. Faz sentido ainda manter a crença nela? Não. Todos os animais são racionais, bastando, para isso, possuírem memória. Obviamente que a noção de humanidade vai além da posse de uma razão, até porque, grande parte das pessoas, é emocional. Reside, antes, na crença de que compartilhamos uma mesma forma. Cremos que foi o filósofo Boécio que esclareceu este mito: se compartilhássemos de uma mesma forma, humana, então ou ela estaria repartida – incompleta - em cada um de nós, ou estaria inteira, mas apenas em um indivíduo. Somos humanos por que temos um genoma com mesmo número de cromossomos? Isto nos faz semelhantes. E se ter o mesmo número de cromossomos nos faz parte de uma espécie, então o rato branco, o macaco rhesus e a planta aveia são de uma mesma espécie, pois têm 42 cromossomos em suas células! A menos que tivéssemos sido gerados por um único indivíduo. O que é, então, a forma humana? Ela é o limite da matéria que nossa mente percebe, embora este limite pudesse ser diferente - molecular, atômico, etc. Copleston, na obra “Historia de la filosofia” (vol.III, 43-4), relata que o concílio da igreja católica em Vienne, ocorrido entre 1311 e 1312, estabeleceu que a “a alma intelectiva ou racional do homem é ‘verdadeiramente e essencialmente a forma do corpo”. Mas, então, como fica a existência de alma se o que chamamos “forma” não existe, exceto como um errôneo limite percebido por nossa mente? A teologia não deveria tentar filosofar!
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Não inventamos nada, apenas observamos algo de comum que parece existir entre as pessoas, isto é, a semelhança que parece existir entre os limites de seus corpos. Esta é a essência do “método indutivo”, erroneamente rejeitado de David Hume a Karl Popper. É claro que devemos estar atentos para saber até que ponto nós poderemos dizer algo de uma pessoa, mas não de todas. Há, evidente, um limite a ser identificado. O exemplo dos cisnes brancos de Karl Popper nos mostra que não basta os cisnes terem forma semelhante, até porque, ela, sozinha não nos dá certeza alguma sobre se é possível ou não outra cor que não seja branca. É preciso, então, observarmos que fator causa a mudança na coloração das penas, como, por exemplo, o clima, a alimentação, a oxigenação, o stress ou a genética. Delimitaremos, assim, o grau de detalhe que o problema requer de nossa atenção. Não haverá mais razão para deixarmos de elaborar teorias que sejam capazes de previsões com validade de cem por cento, abandonando probabilidades! Um outro modo de resolver a questão de como passamos de fatos particulares para leis gerais (idéias universais), seria partirmos da crença de que se não há “ego”, então o hábito de crermos que a partir de eventos semelhantes se sigam conseqüências semelhantes, não é uma idéia subjetiva, mas que revela algo do próprio mundo. Mas, bastaria dizer que o entendimento (ou faculdade da percepção, onde é realizada a passagem) é uma anomalia – distinto da natureza -, para que nossas certezas colapsem. Mas, quem acreditaria nisso?
§53. Sobre a Genética. Diferença entre forma e limite. Platão e Kandinsky. Gostaríamos de fazer algumas considerações e comparações entre nossa tese dos graus de percepção e a área da genética: (1) Não estamos dizendo que os graus de percepção sejam herdados, nascemos com a percepção ampla e, ela, a partir de experiências que vivenciarmos, será alterada para graus mais detalhados e, manter-se-á neles ou retornará a um grau mais amplo; (2) muitos crêem que a forma está dentro (potencialmente) dos nossos genes e de todos os outros seres vivos. Acreditamos que não. Os genes ao determinarem quais
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proteínas serão produzidas, limita o tipo e a quantidade delas; assim, os músculos e os ossos são como dutos de encanamentos que limitarão a quantidade de matéria que passará por eles. Pensemos em um encanamento que leve água para o topo de um prédio e perguntemos qual será a forma da água que jorrará lá de cima? A forma dependerá do olhar de um indivíduo. É evidente que há um limite que a água ocupa, mas “limite” é diferente da forma percebida por uma pessoa. E cada vez que a água jorrar poderá ter limites diferentes, embora possa nos parecer o mesmo esguicho. É curioso pensarem que os genes determinam o comportamento e que não somos mais do que seu recipiente, não muito diferente dos teólogos que pensam que o corpo é o recipiente da alma. Por que não dizer que os genes são o recipiente dos átomos e por que não chamá-los de “átomos egoístas”? Mas, como cremos que sempre será possível encontrar uma partícula menor de uma outra, então não há uma partícula elementar e apenas o universo existe. Uma grande descoberta que fizemos: uma tese de Kandinsky, pioneiro das artes abstratas: disse ele que “a forma muda ao longo do tempo, mas não o conteúdo”, fornecendo as artes um exemplo claro de que Platão estava errado. Podemos acrescentar: a forma é também o conteúdo. Quanta gente morreu, porque alguns tiranos menosprezam indivíduos e apenas suportam a espécie (ou forma). E quantos livros não foram publicados porque foram julgados por sua forma e não pelo conteúdo, como aconteceu quando tentei divulgar minhas idéias depois de formado no curso de licenciatura em Filosofia: meus livros feitos de um modo artesanal enviados para mais de vinte universidades não constam em nenhum de seus acervos. Platão abriu na mente humana uma cratera separando a forma e conteúdo ou uma ferida aberta e profunda que vai levar séculos para cicatrizar!
§54. E a “força de vontade” ou “percepção ampla”. Já que vimos mencionando com freqüência a expressão “percepção ampla”, é oportuno perguntarmos: o que é força de vontade, que o senso comum crê que cada um deve desenvolver, como se resultasse de um esforço pessoal?
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É estar de posse de uma percepção ampla ou de percepções predominantemente amplas; uma só, talvez, não baste, nem um misto de amplas e aguçadas, pois aí haverá um comportamento passivo ou contemplativo . Mas, ou a possuímos, ainda que em uma intensidade reduzida, ou, então, é inútil desejá-la! O esforço para ampliá-la parece-nos que requeira sucessivas experiências desagradáveis. De fato, não é ela que é desenvolvida, mas, sim, nos tornamos avessos às outras percepções, detalhadas. No parágrafo 71, rememoraremos como nos tornamos vegetarianos, experiência que ilustra bem o que dissemos aqui. Pode ocorrer que alguém que nasça com percepção ampla, a mantenha e não altere. E, ainda, que alguém que apenas imita ou segue o que lhe mandam fazer, sem uso de percepção ampla, também, lhe seja atribuída uma “força de vontade”. Este é o caso das pessoas que acordam cedo, trabalham duro o dia todo e voltam para casa motivadas e cheias de esperança. Neste caso, os arranjos da percepção são similares, agudos, o que produz uma resposta muito intensa; a água flui melhor em canos que tenham o mesmo diâmetro, não naqueles que a medida muda muito.
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POR QUE NÃO SOMOS LIVRES.
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A crença de que tenhamos dentro de nós uma vontade livre (um livre arbítrio) é um dos maiores mitos já criados: ou seguimos as inclinações relacionadas às necessidades do corpo, ou da sociedade, ou, ainda, visamos cessar a dor que, no capítulo sobre o tempo, identificamos existir dentro de nossa memória. Muitos filósofos incorreram na ilusão de que a nossa vontade teria em si mesma a liberdade e o “poder de escolher ou não” algo que se apresentasse a ela. Pensadores como Platão, Aristóteles, passando por Espinosa, Descartes, Kant, Hegel até os contemporâneos, como Sartre e Ponty. Em Kant esta crença atinge o seu auge: a vontade poderia decidir entre seguir as leis morais descobertas pela razão ou, então, escolher entre as outras inclinações (todas as demais paixões corpóreas), estas últimas submetidas às leis naturais. Por que a vontade – supondo-a livre – ainda assim seguiria o caminho errado?? Neste capítulo propomos convencer o leitor que não só a liberdade de escolhas não existe, mas, o mais importante, é que devemos ser tolerantes com as outras pessoas, porque ninguém escolhe ser o que é.
§55. O que é pensar? Quando nós pensamos, isto ocorre porque as alternativas (e os graus de detalhes), diante de nós, se assemelham muito e não podemos escolher um deles. Acreditamos que, fisicamente, a intensidade das sensações se divida entre os diversos caminhos, resultando em uma energia menor que é incapaz de provocar em nós qualquer reação. Então, precisamos ir ao mundo buscar novas experiências para realizar o desempate e, percebendo novos detalhes, até então desconhecidos. Quanto mais alternativas, mais dúvidas surgirão diante de nós! Quando Sigmund Freud observou que boa parte de nossas escolhas são resultado de operações internas e inconscientes (ou involuntárias), mostrando que o pensamento é fisiológico (o que, como dissemos antes, cremos que nem ele tenha percebido) nada mais nos mostrou que podemos comparar nossa mente ao mecanismo que existe nos aviões: ou estamos conscientes e agimos “voluntariamente” (para resolver um empate entre as alternativas) quando é preciso decidir sobre coisas e situações novas, ou seguimos as experiências
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passadas memorizadas, tal como um “piloto automático” de avião. Quando, por exemplo, estamos com pressa e, nessas situações nos habituamos repetidas vezes a almoçar cereais, então, se amanhã estivermos com pressa e desejarmos almoçar, nem pararemos para pensar que alimentos escolher: será cereais... de preferência sem açúcar branco! Uma professora que diz (repetidas vezes) a um aluno que ele é burro e que nunca aprenderá nada está “programando” ou escrevendo na mente dele um recado forte o suficiente para ser lembrado e predominar como escolha futura: toda a vez que ele precisar estudar, ele dirá para si mesmo que é burro e que não aprenderá nada! Fica evidente a bobagem de Freud e, antes, de Nietzsche de acreditar que os atos involuntários são os instintos se manifestando... Lendo Piaget, conhecemos de um modo genérico a tese de Kurt Gödel (ou uma interpretação dela) sobre a impossibilidade de uma máquina de prever qualquer fato futuro por suas próprias ações, pois ela não poderia ser capaz de conhecer as leis do seu próprio determinismo. Não concordamos com esta crença, se ela for estendida a mente humana, pois nela própria reside uma percepção ampla que origina a curiosidade por conhecer tudo a sua volta, inclusive a si mesma e, assim, ela própria se torna objeto de suas investigações. Alguém diria que é inviável conhecermos o funcionamento da respiração, só porque nós respiramos? Certa vez, Hegel escreveu que a Filosofia é como a coruja “minerva” que alça vôo somente à noite, ou seja, após a ocorrência dos fatos que ela investiga. Para nós parece um triste fim da filosofia, pois ela se torna incapaz de antecipar qualquer fato. Contudo, podemos aceitar o que há de central nesta tese: estamos certos de que é possível estudarmos a nós mesmos apenas depois da ocorrência de nossos pensamentos, pois uma decisão contrária àquela que iríamos tomar, nos parecerá resultante de uma clara interferência. Já se analisarmos outras pessoas, a distância permitirá uma imparcialidade e, aí, a tese hegeliana se torna inútil, pois poderemos conhecer as escolhas antes delas se realizarem! Mas, faz sentido dizer que somos livres para fazer escolhas? Podemos resolver assim: somos livres ou não para mover-nos no espaço, mas temos
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pensamentos livres e pensamentos presos? Não. E se soubéssemos o futuro? Uma vez a mãe de um tio faleceu e surgiu-me o pensamento: se eu não for ao enterro, ele não irá no enterro da minha mãe que, inesperadamente, veio a falecer alguns meses depois. Como é possível? O cérebro, involuntariamente, faz cálculos prevendo futuras conseqüências? Ou, se somos todos divinos, então, podemos conhecer o futuro? Ainda que isso seja possível, não somos livres: se sabemos como vamos morrer, por exemplo, esta imagem ou será emocionalmente forte e nos fará mudar nossa dieta alimentar, ou, então, será na direção deste fim que caminharemos. Que fins e que meios escolhemos? Nenhum.
§56. O que é isso que denominamos por “liberdade”? Na Grécia antiga, liberdade se escrevia “eleuteros” e denotava um sentimento de não ser ou estar escravo de outrem. A palavra se origina do nome de um monte e do nome de uma deusa que teria ajudado os gregos a expulsar os persas. Já na Roma antiga, “liber” ou livre, era o nome ou título que se dava aos jovens que, ao alcançar maturidade sexual incorporava-se à comunidade adulta, recebendo a “toga virilis” ou “toga libera”. Portanto, era livre o homem que tem uma condição tal que não o torna submetido, nem escravos dos outros. Em um dicionário etimológico, lemos, certa vez, que o termo latino “liber” era utilizado de um modo mais amplo do que um outro termo, “ingenuus”, ingênuo. O melhor significado para “liberdade”, foi dado por Thomas Hobbes e pode ser entendido por qualquer pessoa: é a capacidade de nos movimentarmos no espaço, se é que ele existe. Esta é a idéia da liberdade, idéia que atravessa a história humana. É ela a causa das lutas sociais, como a revolução francesa.
§57. Um exemplo de nosso determinismo. Celibato, tabus e culpa. Houve uma experiência muito interessante vivida por nós: voltando da universidade víamos todos os dias um grande cartaz com o rosto de uma mulher morena. Alguns dias, em que nos encontrávamos bem dispostos, a achávamos bela; outros, a achávamos feia. Por quê? Diferentes camadas da percepção eram
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acionadas nas diferentes experiências vividas. Camadas mais recentes, mais aguçadas, eram utilizadas quando víamos o rosto como belo; mas, quando cansados, as camadas acionadas eram aquelas mais antigas, próximas ao período fetal, camadas com as quais, preferimos estímulos menos intensos, evitando, por exemplo, o forte contraste entre os cabelos escuros e a pele clara. Esta explicação não será a mesma para todas as pessoas, requerendo uma análise das experiências passadas individuais. Em nosso caso, sabemos que as experiências afetivas mais intensas foram vividas com morenas. Mas, quando nos encontrávamos cansados, ao final do dia, e, pior, sentindo-nos sozinhos, este sentimento de dor rompia aquelas camadas da percepção que era capaz de perceber, com grande acuidade, as feições de uma mulher morena, mas que não se apresentava com a mesma acuidade para mulheres com outras características. Uma vez rompida aquela camada, as sensações se dirigiam, agora, a camadas próximas do sentimento de ordem. Mulheres loiras nos pareceriam mais belas, com sua cor de cabelo e pele que em uma composição mais harmônica, sob o ponto de vista daquele tipo de percepção, na qual quanto mais indiferenciação ou menos contrastes alguém possuir, mais facilmente se manifestará em nós o sentimento do belo. Do que dissemos antes, não se segue que escolhemos uma pessoa por ser morena ou loira, obviamente. Mas, certas qualidades físicas e mentais da outra pessoa poderão afetar mais ou afetar menos nossas escolhas - desde a cor e o corte do cabelo, a forma de andar, habilidade em se expressar, etc -, conforme, como já dissemos, nossas experiências anteriores e a intensidade emocional que elas despertaram em nós. Se o amor tem razões que a própria razão desconhece? Ridículo! Porém, de nada adianta fazer a escolha certa, se para a outra pessoa não somos a escolha certa dela e isto nos faz crer que o sucesso no casamento parece mais uma loteria. Como explicar o celibato? Pode resultar de diversos motivos: (a) poucas experiências afetivas, envolvendo pouca emoção; (b) indecisão sobre escolhas, especialmente, quando se é muito detalhista; (c) educação severa, que menospreza a sexualidade, etc. Quem possui um grau de percepção amplo tem
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um problema adicional: não só se distancia do convívio com os outros e não entende como se dá um relacionamento entre as pessoas, mas, ainda, se torna muito detalhista em relação a todos os aspectos envolvidos numa relação, isto é, tende a querer respostas para todas as dúvidas que lhe surgirem e não toma nenhuma decisão enquanto tais respostas não forem obtidas. A causa da alteração da percepção comum para uma - predominantemente - ampla, não se constitui em doença, mas se deve, em geral, a experiências desagradáveis que nós vivemos com os outros ou, então, a vivências muito solitárias. Pessoas podem se manter solteiras, por exemplo, porque encontrar uma parceira, requer estabelecer vínculos sociais; o casamento tem, também, uma importante função social. Outra questão sobre o celibato: como saber que algo é bom ou não, como a vida sexual, se eles não a experimentam? E os tabus, como os casamentos consangüíneos? Nossa percepção ampla e aquela voltada para a vida em sociedade (como procurar emprego, estudar, comprar comida, estabelecer relações com pessoas estranhas em contraste com épocas em que isto era feito dentro da própria família ou pequena comunidade) se constituem, juntas, em suficiente força para nos distanciar de eventuais desejos relacionados a nossas necessidades mais imediatas. No passado fazia sentido estabelecer mandamentos contra o incesto, mas não hoje, exceto em pequenas comunidades muito pobres e analfabetas, condição nas quais a percepção não pode ser ampliada. E a homossexualidade? Também pode ter origem em diversos motivos: decepção com o sexo oposto, decaimento do vigor físico requerido no sexo, experiências mais intensas com o mesmo sexo ou mais desagradáveis com o sexo oposto, etc. Em todo os casos, devemos estar cientes de que as “estruturas” – arranjos, redes ou graus de detalhes - da percepção, que predominam nestas escolhas, são sempre aquelas que envolvem as emoções mais intensas, quer sejam de dor, quer sejam de prazer. Recordamos de uma experiência pessoal: quando adolescente nossa voz engrossou e fomos chamados atenção; a conseqüência disto foi que no resto de nossa vida mantivemos a voz daquela época, a ponto de freqüentemente quando usamos o telefone as pessoas com
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quem, pela primeira vez, falamos, pensem que estão falando com uma senhora. Extremamente constrangedor, isto, contudo, foi insuficiente para nos tornar homossexuais,
mas
imaginemos
se
uma
pessoa
fosse
chamada
permanentemente atenção sobre seu comportamento, o que ocorreria? Cremos que isto pudesse conduzir – ou, pelo menos, influenciar fortemente – a alguém se tornar homossexual. Algo que pode estar na origem da homossexualidade: pode ser que um homem resolva estar no papel feminino (e vice versa) porque tenha pouca autoestima, se ache inferior aos outros homens e ache difícil imitar o comportamento masculino, preferindo imitar o feminino. Perguntarão, com razão: por que se deve imitar? Porque a maioria das pessoas segue o comportamento ditado como o correto, definido por alguém capaz de influenciar os demais, o que inclui motivos como a capacidade de reprodução, para gerar descendentes e garantir a herança familiar, apenas entre sexos opostos, e as memórias do sexo estarem próximas das primeiras experiências com o sexo oposto, no caso do homem. A tese da auto-estima explicaria também o comportamento dos homens que crêem manter sua masculinidade ainda que se relacionem sexualmente com outros homens: acreditam que isto não altera sua masculinidade, porém, na visão dos outros, também é homossexual. E sobre a culpa? Sigmund Freud estava correto quando observou que a cultura cristã infundiu em cada pessoa um sentimento de culpa por todas as decisões que tomamos, porque pensamos que pudéssemos estar de posse de uma vontade livre, mas isto é impossível: nós nunca vemos as alternativas simultaneamente diante de nós, porque as alternativas pareceriam misturadas, um caos de imagens, elas parecem estar juntas, mas ocorrem uma após a outra e nós escolhemos a última que aparecer! Assim, nós devemos repensar a “culpa”, como uma ilusão e viver entendendo que nós sempre temos apenas uma alternativa!
§58. O efeito catártico. E como nos lembramos? Há dois relatos de Aristóteles que são úteis para a nossa tese do grau de detalhamento da percepção: o primeiro diz respeito ao “efeito catártico” que o
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teatro grego, com suas tragédias e comédias, despertava sobre a platéia, na medida em que os espectadores se envolviam emocionalmente com aquele evento. Isto ocorria, porque a percepção daquelas histórias conduzia às lembranças de experiências passadas semelhantes, com seus respectivos detalhes vividos e percebidos. Convém, aqui, também lembrar René Descartes, com sua tentativa de explicar como nos lembramos, fazendo uso dos “espíritos animais” ou o que conhecemos, hoje, por impulsos elétricos que percorreriam áreas da memória, como alguém que entra num quarto, levantando a poeira que está lá há muito tempo. Nossa explicação é melhor: cremos que os graus de detalhe das nossas experiências anteriores funcionem como “trilhos”, de modo que somente as experiências que forem semelhantes – possuírem semelhantes graus de detalhe serão sobrepostas e comparadas às primeiras. Óbvio que dependerá também das dimensões do objeto, para ele entrar ou não nos trilhos. A palavra “trilhos” nos surgiu da lembrança de uma frase de J.T.Frasier, utilizada para explicar a sua concepção de tempo, mas que, nos parece mais adequada para explicar nossa concepção dos graus de percepção de nossas mentes: “o tempo se assemelharia aos cabos elétricos, subterrâneos, que fazem os bondes de San Francisco funcionarem”. Fazendo as devidas alterações fica assim: “a mente se assemelharia aos cabos elétricos, subterrâneos, que fazem a mente receber e, também, responder aos estímulos do mundo”. O segundo relato, consta na obra “sobre a memória”: nela, Aristóteles sugere que, para lembrarmos de algo que gostaríamos, como a imagem ou a cor de uma casa que nós tenhamos observado antes, devemos procurar nos lembrar, primeiro, das circunstâncias envolvidas e que antecederam àquela experiência esquecida. Este recurso “mnemônico”, isto é, de recorrer às memórias próximas ao que queremos lembrar é importante, não só porque as memórias estão em uma ordem de sucessão, mas porque o grau de detalhe da nossa percepção da casa não deve ser tão diferente dos outros eventos que ocorreram antes. Novamente, os graus de detalhe da percepção funcionam como trilhos, uma vez
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que conduzem de uma experiência imediatamente à outra. Esta tese equivale à da contigüidade, de David Hume.
§59. Sobre os comportamentos agressivos. Deveríamos, também, fazer uso da tese do detalhamento, para nos tornarmos mais atentos àquelas pessoas que podem – potencialmente - ameaçar a vida dos outros, mas, também, mais tolerantes àqueles que são diferentes de nós. Duas são as condições mais críticas: quando uma pessoa tem predominantemente percepções amplas ou, então, percepções aguçadas. Gostaríamos muito que novos instrumentos investigassem mais profundamente dentro de nossas mentes, para verificar se nossa tese está ou não correta. Poderíamos prever crimes e elaborar medicamentos que modifiquem certas ligações neurológicas. É claro que as duas condições anteriores são pontos extremos em que as pessoas podem se encontrar. Em geral, as pessoas se enquadram dentro dos extremos, em uma situação normal: (1) elas têm uma visão individualista, imediata, visando satisfação de suas necessidades; (2) visam às necessidades de sua família ou outro grupo com o qual esta pessoa se identifique; ou, (3) vão além, ultrapassando quaisquer grupos, a ponto da pessoa se perceber como parte de uma totalidade ampla, como o conjunto dos seres humanos, dos seres vivos ou dos seres do universo. Aqui, reside, o sentimento moral. É curioso que Kant tenha identificado estas três condições (categorias) como únicas alternativas, mas são tão somente pontos que se destacam mais em uma linha contínua de possibilidades. Já Hegel, acreditou que estas condições representassem um progresso da consciência, quando se trata, em verdade, de uma alteração progresso ou retrocesso - da faculdade da percepção (entendimento, termo kantiano).
§60. Jean Piaget e Howard Gardner. Um ano depois que desenvolvemos a tese dos “graus de percepção”, lemos a tese da “epistemologia genética” de Piaget e vimos muita semelhança entre as
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teses: defendia ele que nossa capacidade de aprender se desenvolve com nossas experiências e com nossa interação com os objetos físicos do mundo. Não entendemos, contudo, porque Piaget não foi mais adiante em sua descoberta. Assim, ele: (a) limitou a interação do sujeito aos objetos físicos e não aos outros sujeitos, como familiares, amigos e desconhecidos; (b) não identificou aquilo que chamou de “estruturas” com nenhuma parte da fisiologia mental – como, por exemplo, os neurônios – e nem percebeu que essas estruturas têm a capacidade de, como vimos dizendo, aumentar e de contrair os espaços entre si, tal como uma rede de pesca em que aproximamos ou distanciamos os seus nós e, conseqüentemente, as suas linhas verticais, horizontais e diagonais. Ora, quando uma criança nasce, sua capacidade de percepção vê o mundo sem foco ou como escreveu Freud, no início de sua obra O mal-estar na civilização, sob um sentimento “oceânico”, como se fizéssemos parte de algo infinito. Na verdade, a expressão não é propriamente dele – ele se opôs a ela -, mas de um amigo que lhe enviou uma correspondência; (c) não percebeu que há sempre antes da alteração das estruturas, um envolvimento emocional, um sentimento de “prazer” ou “dor” que a antecede. Somente com a sucessão de experiências, as percepções se tornarão mais focadas em objetos e seres particulares. No futuro, ocorrerá, então, um processo contrário: destas percepções particulares, passaremos para aquelas que se referem a termos gerais. Um bom exemplo disso ocorreu quando uma criança perguntou nosso nome e dissemos “Antonio”. Ela não acreditou em nossa resposta, pois, para ela, o único Antonio que existia no mundo era o seu pai! A partir daquela experiência, ou ela poderia acreditar no que lhe dissemos, ou esquecer. Mas, não por muito tempo. Logo, encontraria outros “Antonios”, outras “Joanas”, outros “Pedros”, etc. Aí, provavelmente decepcionada – supomos que a decepção envolva dor – ela, então, adquirirá outras percepções, além daquelas que já possui – ampla e particulares -, que estão relacionadas aos termos gerais, como espécies, gêneros, grupos, etc. Da leitura de Howard Gardner, “Estruturas da mente”, levantamos algumas questões:
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(a) ele procura oferecer uma classificação das inteligências e rejeita a classificação do filósofo Paul Hirst (Knowledge and curriculum, 1974), pois é um trabalho a priori, sem pesquisa. Mas, não acreditamos no termo “a priori”. Toda teoria consiste, em realidade, na prática que alguém viveu e comunicou aos outros. É evidente que há risco de um filósofo se isolar e pensar sem ir ao mundo. Mas, ao observar o mundo, também realiza pesquisa. Os cientistas se orgulham por realizar pesquisas, mas não percebem que usam hipóteses fornecidas por filósofos, mesmo quando elas estão incorretas!; (b) Gardner critica Piaget, porque aquele teria estudado apenas um dos tipos de inteligência, a lógico-matemática. Discordamos de Gardner, pois podemos observar níveis de desenvolvimento sensório-motor (coordenação dos sentidos) até o nível abstrato – comum - nas diferentes “inteligências” que ele identificou: musical, lingüística, espacial, corporal, intra e interpessoal. Embora não saibamos tocar nenhum instrumento musical, emitimos juízo se uma música é harmoniosa e bela. Assim, no fundamento das “inteligências”, estaria uma inteligência anterior. Aliás, nos é paradoxal que alguém escreva um livro sobre “múltiplas inteligências”: ou ele tem todas as inteligências, o que parece impossível, ou ele tem algum outro tipo distinto das anteriores. Finalmente, é preciso que reconheçamos o seu mérito em revelar a discriminação que fazemos às pessoas que não têm uma capacidade lógica elevada, restringindo a “inteligência”, equivocadamente, a um grupo restrito de indivíduos.
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5)
MORAL, ÉTICA E FELICIDADE.
Há que se destacar o caminho equivocado que os racionalistas tomaram, iludidos de que a razão pudesse dar a si leis morais. Quem mais chegou perto de uma resposta adequada foi Hume, com sua “tese da simpatia” pelos membros de nossa espécie - e mesmo de outras -, mas ele se limitou a este nível de detalhe e não foi, como nossa presente tese pretende ir, à raiz, à causa, do sentimento moral. Por isso, se pudéssemos sintetizar nossa visão sobre a filosofia da Moral, diríamos em uma frase: a história da moral não entendeu a moral da história!
§61. Os sentimentos moral e ético. E os costumes, a religião e Jesus. Por trás de todas as nossas ações, sempre encontramos o sentimento de ordem (sentimento fetal de completude). Contudo, embora ele seja suficiente para ser um guia de nossos sentimentos e ações, ele é sempre acompanhado de algum grau de percepção. Nosso sentimento de ordem, quando aplicado às relações interpessoais pode ser chamado de sentimento moral ou ético. Será moral, quando nossa percepção tomar a humanidade inteira – ou, talvez, além de nossa própria espécie - como objeto de nossa atenção e cuidados. Será ético, quando nossa percepção estiver restrita a nossa família ou, no máximo, ao nosso país. Hobbes procurou refutar qualquer sentimento moral interno, ao dizer que ironizamos aqueles que têm problemas físicos. Isto se explica facilmente: temos o sentimento de que a humanidade é um belo quadro. Mas, quando as nossas necessidades imediatas são mais intensas, perdemos de foco o quadro completo.
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Por isso, o homem não “é o lobo do homem”, um ser sempre egoísta. Aliás, a expressão anterior, usada também por Freud, é do escritor romano Plauto e foi tirada do contexto, que dizia que ninguém empresta dinheiro a um estranho, a menos que conheça, do contrário, o homem parecerá com um lobo para outro homem. Quem tira expressões do contexto original não demonstra ter uma percepção estreita do mundo? Já Aristóteles e Hegel, preferiram fundar suas teses sobre o terreno movediço dos costumes, na medida em que somos membros de uma família e de uma sociedade, devemos a partir das vivências práticas observar quais as regras são adequadas e quais não são. Em Aristóteles há um componente a mais: ele crê que a virtude, o bem agir, é encontrado em um cálculo que fazemos, em um meiotermo (possível, segundo ele, à maioria das pessoas) entre as ações insuficientes e aquelas que são excessivas, como quando observamos nos outros ou em nós mesmos, a covardia ao fugir de algo que nunca nos poria em risco ou a loucura de querer lutar contra uma multidão de inimigos. A tese aristotélica da virtude como um meio termo tem certa semelhança nossa tese do funcionamento da mente, pois se situa entre as experiências que fazem surgir dor curta e as de dor longa na memória. Por que consideramos seguir os costumes um terreno movediço? Isto se deve ao fato de que os costumes mudam e nem sempre aquelas poucas pessoas que os estabelecem e os impõe sobre as demais pessoas, estão preocupadas com o bem comum, isto é, têm uma percepção ampla que ultrapassa seus interesses mais imediatos. Os costumes são convenções de um povo, visando: (1) resistir à influência de outra cultura – que vai progressivamente sufocando os costumes locais, como os excessos da cultura norte-americana, que desperta prazer, mas, também, dor – mentais - , porque apesar de, freqüentemente, representar progresso cultural-científico, o seu predomínio é excessivo, insuportável – e; (2) exercer influência – na maior parte das vezes, inconsciente, como um bêbado que quer compartilhar da sua alegria - sobre as outras culturas. Por isso, muito cedo deixamos de comemorar as datas impostas pelos costumes. Em geral,
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ninguém sabe o motivo de tais datas e se sabem não o praticam. No Natal, comemos até não agüentar mais, enquanto próximo de nossas casas, pessoas passam fome. Poucas pessoas sabem que, ao fim de um ano e no começo de outro, a Terra deu uma volta completa ao redor do sol ou, na verdade, seu movimento é de espiral e, por isso, não retorna ao ponto de partida, pois avança no espaço a sua frente! Não podemos concordar com a tese de que seja aceitável a existência de choques entre culturas, como parte da vida do universo. É levar muito longe a crença de que devemos seguir a natureza e suas leis, até porque dela nos emancipamos há tempos. A visão mais bela de uma vida harmoniosa residiria naquela em que cada família praticasse – como parte de seu costume – um pouco de cada povo, de um modo que não se pudesse mais distinguir a origem. Pensemos em uma família que tenha em casa um lugar para meditação, que esteja ligada ao resto do mundo, instantaneamente, pela internet, que cultive plantas medicinais, mas que, também, conheça as últimas descobertas científicas. Uma família que tenha em si mesma o passado, o presente e o futuro, de um modo equilibrado. É esta a vida adequada, sem excessos e sem faltas. Hegel, em seus “Discursos pedagógicos”, defendeu que a escola tem uma tarefa ética. A princípio ele parece querer dizer que são os costumes que a escola transmite; porém, mais adiante, ele discorre sobre o ensino das diferentes teses filosóficas sobre a moral e é precisamente, para ele, a tarefa da escola: mostrar a pluralidade de teorias morais. Mas, o que aconteceria se a escola não existisse? Nada. As crianças seriam alfabetizadas em casa e no contato com os seus familiares e vizinhos, uma vez alcançando certa idade, procurariam instrução em profissões semelhantes a dos seus pais ou vizinhos. A escola, como nos parece evidente, não pode ser transmissora de costumes, porque estes podem ser transmitidos – mais naturalmente – na vida diária e não na artificialidade de um prédio escolar. À escola cabe uma tarefa mais elevada, os conceitos universais, uma visão panorâmica do mundo, que nitidamente, ultrapassa os costumes. O problema que persiste ao longo da história da educação da humanidade consiste em:
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1- ensinar que os conhecimentos abstratos surgem da observação empírica – como teria sido útil para mim se tivéssemos entendido bem cedo os diferentes tipos de pessoas e suas personalidades e as profissões adequadas para cada tipo humano e tivéssemos conhecido mais sobre nós mesmos!; 2- formar professores que não sejam meros papagaios, mas tenham idéias próprias e estimulem seus alunos, também, a tê-las, mesmo que critiquem as teorias dominantes. E a religião? Também é um costume, só que em vez de voltado para as relações humanas, é dirigida a uma divindade. Um sacerdote que crê ser capaz de entrar em contato com um Deus, cria uma série de etiquetas (pequena ética segundo Hobbes), para que tal comunicação (na missa, no batismo, na confissão) seja feita com eficácia. Será isto verdade? Quando nos confessamos pela primeira vez e ingerimos uma hóstia não sentimos nada! Aliás, nem Jesus Cristo poderia ser tido como exemplo perfeito de moralidade: ele comia peixes e vegetais e, por isso, matava seres vivos e, além disso, quando ele disse (na forma de uma sentença imperativa) àqueles que queriam apedrejar Maria Madalena (conforme está na bíblia oficial, diferentemente do que consta nos evangelhos apócrifos, onde Madalena é tida como a principal seguidora de Cristo) que quem não tivesse pecados, então jogasse a primeira pedra, mostra-nos, com isso, que ele próprio tinha pecados, pois se não tivesse, ele deveria seguir a sua própria regra. Sob a forma de um silogismo fica assim: Premissa 1 – quem não tiver pecado, que (então) jogue a primeira pedra; Premissa 2 – Jesus não tem pecado; e, Conclusão - Jesus deve jogar a primeira pedra! Outro fato: Há textos como Mateus (12: 47-50) e João (19: 25) em que Jesus rejeita que Maria seja a sua mãe quando lhe dizem que Maria quer falar com ele e ele responde que são seus discípulos sua mãe e irmãos. O que significa? Que o amor universal não é o mesmo que o amor por indivíduos. A igreja católica de Roma tomou para si a crença de que é fonte da moral. Mas, mostramos neste livro que há um sentimento moral enraizado em nós. Dizem, ainda, que o papa é símbolo do afastamento da vida material. Mas, ele só se afastou da vida sexual e continua comendo e bebendo do bom e do melhor ou
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será que ele e seus pares dormem no chão, vestem roupas velhas e comem qualquer refeição? Além do mais, mesmo que concordemos que a monogamia é bela e melhor, que a eutanásia e o aborto não devam ser praticados, não podemos simplesmente exigir que as pessoas pensem da mesma maneira. Isto ocorre porque a Igreja é uma instituição aristocrática que desdenha a democracia e seu comportamento com os fiéis lembra o de um pai para uma criança. Precisamos mesmo disto? Abramos parêntesis aqui: qual é a nossa teoria sobre se devemos ou não ser favorável ao aborto? Como ser humano, um ser que pertence a um coletivo, com capacidade de se comunicar, de trocar e construir conhecimento, devemos respeitar toda a forma de vida dita “humana” em primeiro lugar e, depois, as outras formas de vida, ainda que forma seja uma ilusão de nossas mentes. Mas, poderíamos pensar diferente? Sim, pois acreditamos que tudo é vivo e, assim, por mais absurdo que seja para quem está preso a costumes, não se pode extinguir uma vida, apenas a dividiremos em partes menores, também, cheias de vida. Qual das duas teses escolhemos? A primeira, cuja regra é: um ser humano deve proteger outros seres humanos, sempre! Mas, como saber o que é o mal, sem experimentá-lo? Se as idéias abstratas vêem das experiências, desfocadas, então, segue-se que só entendemos uma má ação se a fizermos ou chegarmos muito próximo disso? Se Jesus tinha cérebro ele, também, errou até aprender, a menos que ele fosse como os anjos que, segundo São Tomás de Aquino, não têm razão e conhecem as coisas instantaneamente.
§62. Os sentimentos e as ações morais e éticas. Exemplos dos vizinhos. Há uma lista de virtudes? Por que no tempo de nossas avós ou bisavós as mulheres tinham que casar virgens? Suas respostas talvez fossem: “as coisas sempre foram feitas deste modo”. Ou poderão, ainda,
responder algo como “era melhor daquele
modo”, se opondo ao que, hoje, não passaria, para elas, “uma pouca vergonha”. Ou que a elas não era permitido outro comportamento. Poderão dizer que
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estabelecer como regra a virgindade até o casamento garantirá que o marido não fosse surpreendido por uma mulher com opinião própria, que reclame se ele não lhe der prazer ou lhe troque por outro não aceitando que seu marido tenha outra mulher. Qualquer que fosse a resposta, tal costume implicava que nas mentes de nossas avós, uma percepção fosse alterada, para cumprir a regra, estabelecida por alguém e não por elas mesmas. O que nos parece claro é que ninguém deve sustentar que o fundamento da moral ou da ética resida apenas – tão somente - na busca por prazer e na fuga à dor relacionadas às necessidades mais básicas, isto, corporais: nossas avós e bisavós escolheram defender uma regra contra suas necessidades corporais, onde o fator que prevaleceu não foi o seu prazer físico, que aliás ignoravam, mas a aceitação de serem meros objetos de satisfação de seus maridos e na busca da manutenção das regras com as quais estavam acostumadas e em prol da ordem nas relações em família - portanto, um prazer puramente mental. Outro ponto importante: não é suficiente estarmos de posse de um sentimento moral ou ético para que ele sozinho seja a causa de nossa ação. É preciso que uma primeira experiência seja provocada por uma outra pessoa, como quando nos é pedido ajuda. Vejamos um exemplo pessoal: certo dia ocorreu uma discussão entre duas vizinhas por uma incompatibilidade de horários no uso comum de vagas na garagem, a ponto de uma delas ter acusado a outra de tê-la atropelado. O que nós fizemos? Diante da ameaça de uma delas levar a outra à justiça, preferimos acreditar que o fato foi inventado. Por quê? Porque conhecíamos uma delas e sabíamos que ela não faria tal coisa, porque sempre foi uma pessoa muito introvertida e passiva. A primeira pergunta que nos fizemos foi: por que nós nos sentimos responsáveis em defender outra pessoa? Uma necessidade fisiológica (mental)? Antes dela, acreditamos que uma necessidade social: sempre estabelecemos entre a nossa família e a dela, uma relação de reciprocidade
em
que
esperamos
comportamentos
adequados
e,
em
contrapartida, sempre procuramos nos colocar à disposição para ajudá-los. Se não nos oferecêssemos para auxiliar, aquele respeito recíproco estaria rompido.
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Em que situação predominaria a necessidade puramente fisiológica? Por ser muito rara, especulamos que talvez surgisse se a briga tivesse se realizado entre duas pessoas desconhecidas; mas, cremos que não os ajudaríamos se nenhum deles nos pedisse. É mais fácil ver a diferença de reação em experiências mais
simples:
quando
caminhamos
em
uma
calçada,
convencionamos,
culturalmente, a caminharmos do lado direito da calçada, apesar de que poderíamos andar no lado esquerdo; o que a fisiologia mental influencia é no fato de que se andarmos na mesma direção que a pessoa, colidiremos e, também, que todos têm direito a caminhar na calçada! Talvez seja triste, mas temos que reconhecer que por trás do altruísmo há o egoísmo: uma dor puramente mental que causa em nós um sentimento moral. Aliás, viver em um prédio, tendo que aceitar opiniões de vizinhos para evitar brigas, é um teste para a canonização e prova da importância de estimular as pessoas a filosofar para tornar os cérebros mais rápidos: em uma recente reunião, decidiram que as portas externas deveriam ser chaveadas dia e noite, mas não perceberam que nunca mais poderiam abri-las do seu apartamento através de um simples sinal elétrico, o que dificulta a vida de quem vive, por exemplo, no terceiro andar ou mais alto! Nestas reuniões, decide-se sem pensar e por pressão de uma maioria ignorante sobre aqueles que venham a se opor. Felizmente a noção de respeito à minoria vem ganhando força! Há uma lista de virtudes? Magnanimidade, prudência, coragem, justiça, etc, parecem nomes que damos a ações que visam restaurar uma ordem anterior, como quando devolvemos a alguém algo que lhe foi tomado ou salvar alguém em um incêndio ou, ainda, alterar uma ordem (ou desordem) anterior, quando se vive em uma sociedade onde muitos ganham pouco e poucos ganham muito. Todas estes “enxames” (como diria Sócrates) de virtudes correspondem a uma só tipo de ação – restauração ou alteração. Sua diferença depende não da forma, nem do grau de percepção, mas do conteúdo: a coragem, envolve disputa física em situação
de
inferioridade,
a
justiça,
em
situação
de
superioridade,
a
magnanimidade, é distribuir bens para os que não os têm e tudo isso, nada mais é do que algum tipo de distribuição, de reordenação dos elementos envolvidos.
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Nossa resposta à pergunta inicial: a lista de virtudes é infinita e depende da capacidade de perceber um maior ou menor número de diferenças e semelhanças (detalhes)!
§63. Há uma felicidade suprema? O ressentimento. E o prazer como dor. Aristóteles tinha uma definição de felicidade bastante enigmática: ela consistia na atividade da alma acompanhada da virtude perfeita. Muitas discussões surgiram e, ainda hoje, não há uma resposta definitiva: que virtude era aquela a que ele se referiu? Especialistas em grego antigo entendem que a atividade da alma seria o exercício da Filosofia, acompanha de uma virtude. Mas, há passagens no livro X, da “Ética a Nicômaco”, que indicariam isto, embora aquele pensador entendesse que a contemplação, teoria ou Filosofia, não fosse propriamente uma atividade. Quanto à virtude, poderíamos pensar que ele se referisse ou à virtude da prudência à da justiça. Ou, de um outro modo, a virtude da prudência acompanhada da justiça, no caso de rejeitarmos que a Filosofia seja uma atividade e, sim, uma passividade. Já na obra “A Política”, ele escreveu que na vida ativa (nos negócios ou na guerra), devemos fazer uso das virtudes da coragem e temperança e no repouso, filosofar (não é por acaso que a posição contemplativa, como se vê no “Pensador”, de Rodin, se assemelha muito a da posição de um feto). E, tanto na vida ativa quanto no repouso, deve estar presente a virtude da justiça, entendida mais como a busca de uma solução equilibrada para um conflito e não um simples desejo de vingança. Bem, deixemos de lado esta questão sem fim, digna para os nossos momentos de repouso. O que importa considerar é que ao defender a existência de uma felicidade suprema, Aristóteles estabeleceu um preconceito em relação às demais pessoas que não fossem filósofos e cidadãos da polis. Ele, também, não compreendeu que nem todas as pessoas chegam simultaneamente a uma percepção mais ampla de sua vida e do universo ou da “pólis”, grau que nossa percepção alcançará, mais cedo ou mais tarde. Assim, cada um é feliz a sua maneira, ou melhor, da maneira como sua percepção está predominantemente
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estruturada. O que podem fazer as pessoas nas quais o grau predominante de percepção seja o mais amplo e, se estivermos certos, se tal grau for aquele que nos conduz a uma percepção mais adequada da vida? Resta nos servirmos de exemplos para as demais pessoas, as auxiliando quando pedirem nossa opinião. E interferindo apenas quando suas ações invadirem os limites dos outros. Mesmo porque uma felicidade suprema deveria consistir no uso equilibrado da nossa parte intelectiva, irascível e concupiscível, embora Aristóteles não pudesse defender isto, pois especialmente a última parte, não era, para ele, tão divina quanto a primeira. E a felicidade, é ela o nosso único fim? Alguém que tenha vivido experiências predominantemente dolorosas, poderá buscar agir visando sua destruição ou dos demais. Se estiver de posse de uma percepção ampla, poderá conceber novos meios de realizar a destruição. Não serão estas pessoas, também felizes? Cremos que sim, pois seguem aqueles estímulos mais fortes, repetindo experiências cujos graus de percepção (e de detalhe) são muito grandes. Fica claro aqui, também, que a felicidade não caminha sempre lado-a-lado com a moralidade. Alguém que come muito, faz disso um motivo para ser feliz, mesmo em detrimento de uma vida saudável e livre de doenças, desrespeitando a vida dos animais. Outra pessoa atenta e impressionada pelos males que afetam quem “vive para comer”, como disse Sócrates, preferirá comer alimentos saudáveis e quantidades adequadas, o suficiente para saciar-se e fazer outras coisas na vida, pois é mais fácil obter a satisfação com pouco, do que com um desejo sem fim. Perguntamos, então, somos ou não felizes? Cremos que ninguém é feliz, mas está feliz. A felicidade, como todo sentimento, é expressa em uma graduação. E cada uma destas e outras atividades funcionarão como cores de um quadro, cujo predomínio ou equilíbrio (na visão do conjunto) dependerá do pintor e do ideal (justificado por ele ou imitado dos outros) que ele formulará para si mesmo. E os ressentidos, como pensou Nietzsche sobre os inventores da moral. Respondemos que o ressentimento é um primeiro sinal ou desejo de que existe
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um “Ser” que se expressa como algo contínuo, permanente; em geral, as pessoas esquecem o que os outros lhe fazem de mal, isto porque não somos os mesmos e só há a fraca memória para nos lembrar das experiências passadas. Além disso, o peso que recai sobre um “ressentido”, se não o mata, o torna mais forte e, mais, resistente a obstáculos mais pesados, tese que se assemelha a do herói das tragédias, que em que o próprio Nietzsche acreditava! Antes de encerrarmos esta etapa, gostaríamos de acrescentar nossa descoberta sobre a essência daquilo que chamamos historicamente de “prazer”, importante para sermos capazes de diferenciar que quando alguém busca a sua felicidade, visa a um bem-estar e não propriamente a um sentimento prazeroso: (1°) estamos certos de que o prazer é um refugo (um subproduto, acessório, portanto) das nossas ações - sendo ele, também um tipo sutil de dor e, por isso, não podendo ser o bem que buscamos, a não ser quando tomado ilusoriamente. Tentamos, em vão, contudo, identificar o momento em que chegamos a esta conclusão. Não temos certeza sobre isto. Lembramos que foi na época em que lemos a teoria moral de Moore e nos impressionou a insistente distinção que aquele pensador fez entre os conceitos de ‘bom’ e ‘prazer’, que para ele, são reais, como as idéias platônicas - um exagero, em nosso entendimento. Assim, se o bem se distingue do prazer, prazer é algo que se adiciona, mas que não é necessário, portanto supérfluo, o que contraria as centenas de teses escritas ao longo dos últimos vinte e cinco séculos!! Contudo, não foi por meio de Moore que começamos a acreditar que o fim que buscamos é um estado neutro: Platão, no diálogo Philebo, expôs isto, mas pensava que prazer e dor fossem corpóreos e os deuses não tinham tais sensações... uma explicação mitológica. Mesmo o argumento de que é preciso ter memória antes de prazer para que este último seja vivenciado ao máximo, ainda é muito limitado para motivar o leitor a crer na superioridade de um “estado neutro”. (2°) Vejamos: o que seria o prazer, então? Creio q ue nesta etapa, veio à nossa mente as experiências em que sentimos prazer e este prazer foi tão intenso que nos causou... dor. Quem já não sentiu experiência semelhante? Comer demais não provoca dor? Ou, então, um orgasmo intenso, deixa - por fração de
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segundos - de ser uma sensação de prazer e nos aparece como dor, mesmo que efêmera! Isto, aliás, nos lembra importantes filósofos gregos que diziam que havia um limite entre o que nos é agradável e o que se torna doloroso: simples questão de um frágil limite. Sem falar nas práticas - antigas e, ainda, em uso - de não ejacular, prorrogando, assim, a sensação de bem-estar. Outro exemplo, cremos, mais comum: quando alguém aproxima dos nossos pés uma pena de pássaro: no começo rimos, mas se atinge uma intensidade muito grande, surge-nos um malestar, uma sensação desagradável, de dor! Se Prazer é uma dor sutil, que tipo de dor ele é? Outra, além da dor mental que chamamos
de “duração”? Pareceu improvável e absurdo ficarmos
especulando sobre muitas outras dores, se já não bastasse propor à história da filosofia uma dor que só eu tinha me dado conta - aquilo que descrevemos por “duração”. Então, sem saber porque razão, nós pensamos nas necessidades humanas como baldes vazios a serem preenchidos. A água - ou outro líquido poderia ser posto em volume maior, fazendo com que transbordasse. Eis o prazer! Em verdade, um tipo de dor - duração curta - por insuficiência de sensações. (3°) De volta a Moore, pensamos que outro erro que ele cometeu foi crer que dada a percepção de que temos uma necessidade, surgiria em nossa mente a memória do prazer quando a necessidade é satisfeita e, seria isso, para ele, que nos poria em movimento para cessar a dor (necessidade). Antes, dele, Kant pensou da mesma maneira: na obra Crítica da Razão prática (Prólogo, nota V, 1788) escreveu que o “sentimento do prazer” serve como “base da determinação da faculdade de desejar”, ou seja, como uma cenoura que se põe na frente do burro. Mas, a partir de nossa descoberta, vemos que ela não tem essa tarefa. O prazer é um simples refugo (um resíduo)! Um equívoco que incorreram tanto Kant quanto Moore, pois a própria necessidade nos põe em movimento, ela é um vazio a ser restaurado. É evidente que temos, sim, a lembrança da completude. Mas, supor, que uma memória do prazer está sempre por trás de nossas ações é um outro absurdo! Mesmo, porque, basta pensar que a primeira vez que alguém teve prazer, não conhecia esta sensação, nem tinha qualquer memória de prazer! Como teríamos conhecimento do antes de tê-lo experimentado? Algo insensato!
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Enfim, penso ter terminado com a discussão sobre se o prazer é o fim a que buscamos; não pode sê-lo. Quando a endorfina dispara dentro de nós e a sensação de prazer advém, nada mais é do que uma dor muitíssimo sutil, de difícil percepção! Convém lembrar uma frase de Kant (Crítica da Razão Prática) onde ele escreveu que “o homem sente necessidades somente porque pertence ao mundo sensível”. Ora, a atividade do pensamento aparentemente puro (formal) nada mais é - como dissemos antes - que a imagem (ou outra sensação) desfocada do “mundo sensível”. E nesta atividade, também há dor e esta dor é a causa desta atividade acompanhada de um grau de percepção. Não há dois mundos; só um! Surpreendeu-nos encontrar uma tese de São Tomás de Aquino (Suma Teológica: 1a part, questão 10, art. 6) de que na vida eterna (ou a “eviternidade”, uma vida que tem começo, mas não tem fim) há duração, tese aceita por Kant (duratio noumenon) e, assim, se a duração é uma dor localizada na memória (ver nossa tese em §8), segue-se que na eternidade também sentiremos dor! (4°)
- Finalmente, é preciso observar que nesta pr esente obra existem
muitos trechos que mantêm o dualismo “prazer versus dor”. É importante alterar tal ponto de vista, uma vez que não só a dor é o que há de positivo, real, mas, ainda, que o que historicamente se chamou de ‘prazer’ também é uma dor, embora de uma intensidade reduzida. Após escrevermos estas linhas, deparamonos com a frase do poeta alemão Heiner, que no século XIX disse, antes de nós, portanto, que o prazer era uma dor "extremamente doce". Uma pesquisa recente feita em uma universidade brasileira mostrou que em um grupo que fazia exercícios físicos que mesmo quando é inibida em nós a produção de endorfina, ainda assim, sentimos uma sensação de bem-estar; isto mostra que o prazer e bem-estar são sensações distintas. Não podemos esquecer quando vimos, certa vez, um cão filhote engolir um pedaço grande de carne, sem mastigá-la, veio à nossa mente que o prazer que ele buscava não residia mais em preencher um vazio, uma necessidade, mas o de perpetuar a sensação de prazer em comer sem parar. Uma vez que tal ação não conduzirá a um bem-estar, ele - e todos os seres vivos ignorantes do fim a que
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devem buscar, o que inclui a nós mesmos, pelo menos em algum momento das nossas vidas - procurará comer mais e mais - de um modo crescente - e destrutivo. Se me permitirem a ironia: o cão havia se tornado um capitalista! Outro exemplo de tornar-se preso a bens materiais em excesso: lembro-me que eu era o centro das atenções dos meus pais e dos familiares por parte de pai, porque era o primeiro neto. Depois que chegaram os irmãos e os primos, fui deixado de lado e isto causou um problema emocional sério: cheguei várias vezes a prender as fezes e, nem delas queria abrir mão. Muitas vezes as fezes saíam e eu não tinha como escondê-las e cheirava muito mal! Lembro vagamente que fui a um hospital retirar as fezes por causa da quantidade e do tempo dentro do intestino não saíam pela via normal. Depois, me apeguei a objetos em substituição ao afeto perdido. Lembro, também, de, ainda criança, ter incomodado quando fomos passar uns dias na casa de uns parentes (cunhados) do irmão da minha mãe da serra gaúcha, porque eu não queria emprestar meu cobertor para um primo. Outra vez, acompanhei meus pais ao Rio de Janeiro e lá só queria comer guisadinho (carne moída frita). Como eu incomodei. E mesmo depois de crescido me envolvi em brigas com vizinhos, em parte porque eles eram chatos, mas, creio, porque era o meu jeito, talvez, de buscar afeto, de me aproximar dos meus pais.
§64. Qual virtude: aristotélica ou estóica? E a definição de “boa ação”. Uma questão importante a resolver: quem está certo, Aristóteles quando defendeu que a virtude está em um meio-termo ou os estóicos que diziam que não há meio termo entre o certo e o errado? E se dissermos que ambas estão certas? Aristóteles está certo porque em uma sociedade onde todos se parecem, o meiotermo é o comportamento comum e as exceções são muito raras, mas quando em uma sociedade se destaca um extremo, de corrupção e pobreza, por exemplo, os estóicos estão certos quando defendem que a ação moral se encontra no lado oposto da ação a ser evitada. É como uma balança: quando os pratos já estão equilibrados a ação correta é mantê-los assim, mas quando apenas um prato pende para baixo, então devemos pôr toda a nossa força no lado oposto!
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Um outro modo de ver a questão: é que os estóicos não se deram conta de que o sentimento moral envolve uma graduação, como o sentimento estético, quando julgamos que uma coisa é mais bela que outra. Se em um incêndio, sabemos que há dez pessoas esperando ajuda, mas salvarmos apenas uma pessoa, agimos moralmente, mas não tanto se salvássemos todas as pessoas! Já George Moore, filósofo inglês, contemporâneo de Bertrand Russell, afirmou algo inusitado: o bem não podendo ser decomposto – pois é elementar não poderia, ser definido. Rejeitamos esta opinião, pois, entendemos que o bem que buscamos é um estado (uma experiência terrena) que reproduza aquela memória que temos da vida intra-uterina, que não é simples, mas composta de diferentes estímulos. Mesmo a vida em sociedade, também se constitui em uma série de elementos envolvidos, as pessoas. De outra parte, concordamos com Moore que o bem que buscamos é distinto do prazer. Recordamos a tese de Peter Singer que, embora brilhantemente defenda a vida dos animais, é favorável à eutanásia. Opomo-nos a qualquer morte induzida, porque como disse Epicuro, não há dor que seja insuportável. E quando está além da nossa capacidade, a vida cessa imediatamente. Mesmo uma pessoa que esteja muitos anos em um leito, sem poder sair, ainda assim, poderia compartilhar de experiências com as pessoas que estão a sua volta ou, mesmo sua presença, nos serviria de exemplo, de estóica resignação e, provavelmente, esquecesse sua dor física. Qualquer decisão favorável à eutanásia é tomada a partir de uma percepção limitada e não ampla. Por isso, devemos sempre manter a vida até a morte natural e, neste caso, ela será como uma velha amiga há muito esperada ou uma saída de emergência quando todas as outras portas já se fecharam! Antes de Albert Camus (séc.XX dC ou, como preferimos, no século XXIV depois de Sócrates), Epicuro (séc. I depois de Sócrates) já havia dito que dois eram os problemas que levavam as pessoas a filosofarem: os meteoros e a morte. Um erro, porque quando vemos um parente morto, não começamos a nos perguntar se existe vida eterna, mas nos surge um desejo de que ela exista. A morte é inspiradora da religião e não da Filosofia! Além disso, até o último instante
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e com a respiração fraca ou ofegante a maior parte de nós mantém a esperança de que o universo nos poupe! Convém explicar que não é a morte que os homens temem, nem há um pulsão (instinto) que conduz alguns à morte: lembramos que na infância fomos pela primeira vez a um enterro e depois de fechado o caixão, pedimos que o abrissem e deixassem aquela pessoa sair, como se aquilo não tivesse mais sentido e a brincadeira precisasse terminar. E o bem e o mal? São nomes ou qualidades que atribuímos às coisas que percebemos, coisas ou experiências que se apresentam como algo harmônico ou desarmônico, isto é, cujas partes estão desproporcionais, sendo apenas sensações produzidas por nossa mente. Dependendo da perspectiva sob a qual enxergamos um objeto ou uma experiência é que definiremos se o que ocorreu foi algo bom ou mal.
§65. Há máximas morais? Há um mal enraizado em nós? Kant acreditava que a boa ação, causada por uma vontade boa se constituía em um “dever”. Seu imperativo categórico dizia que deveríamos agir de modo que nossa ação pudesse ser digna de ser praticada, também, pelas outras pessoas. Onde está o erro kantiano? Ele não compreendeu que o seu “imperativo categórico” pode ser aplicado tanto para os bons quanto para os maus propósitos: um traficante de drogas, por exemplo, concordaria com Kant, quanto a tornar cada uma de nossas ações um exemplo para que as outras pessoas também ajam do mesmo modo. Um criminoso pode agir do modo como ele gostaria que os outros agissem para com ele; basta que se aceite o mundo violento e competitivo em que ele vive. A “lei do mais forte” poderia ser incluída entre as máximas de uma pessoa, o que inclui a disputa pela sobrevivência, mesmo que ponha em risco a vida de seus próprios parentes e filhos. É claro que não concordamos com a “lei do mais forte”, mas existem pessoas que a fazem uma máxima universal. O que mais nos surpreende é que há uma conseqüência importante: ao refutar o imperativo kantiano, mostramos que não há formalmente um mal dentro de nós e que ele surge do conteúdo das experiências, de situações desarmônicas que
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vivenciamos e que nos fazem perceber e agir tomando-as como referência! Ainda sobre drogas: Edward Schur, segundo Peter Singer, cunhou a expressão “crimes sem vítimas” e é exatamente isto que ocorre, salvo quando crianças consomem drogas. Não há razão para o Estado ficar entre os produtores e os consumidores (adultos) de drogas. Cremos que isto se deva ao fato de que os maiores produtores não sejam os países do chamado “primeiro mundo”; vejamos um fato ocorrido nos Estados Unidos, na década de 30 ou 40 do século passado: Al Capone comandava uma rede de tráfico de... uísque e drogas! Durante a proibição, os preços eram elevadíssimos, a violência era insuportável e a bebida era misturada com substâncias nocivas à saúde além daquelas que a bebida já possui. Hoje, vive-se uma nova corrida do ouro... branco, da cocaína e outras drogas. Pode-se prender todos os traficantes, mas no dia seguinte aparecerão mais! E por quê? Porque, infelizmente, há pessoas dispostas a pagar por elas! E, mais: por terem muito dinheiro, compram muitas armas e isto gera muita violência. O que seria apenas um severo problema de saúde pública, tornase, ainda, um problema de segurança pública, uma ameaça para aquelas pessoas que não têm nenhuma relação com drogas, isto é, por causa de um por cento de usuários crônicos (adolescentes e adultos de cujas famílias não recebem afeto), colocamos em risco a vida dos outros noventa e nove por cento de cidadãos! Os Estados gastam milhões com prisões, onde metade são traficantes. Por que não prende, também, os que compram? Esses milhões não poderiam ser destinados a escolas ou remédios? Em nossa opinião, deve-se liberar a venda de maconha nos mesmos lugares onde se vendem os cigarros de tabaco. Já as drogas pesadas, deveriam ser vendidas em casas específicas para elas, impedindo adolescentes de ingressarem nelas. Nos primeiros seis meses seria um monopólio das favelas e, posteriormente, se permitiria plantações de Cannabis sativa, seu beneficiamento pelas indústrias de fumo e, às indústrias farmacêuticas, produção de drogas como cocaína ou, melhor do que isso, pesquisas para desenvolver superdrogas que não tenham os efeitos das drogas atuais. Queremos deixar claro que nunca consumimos nada destas coisas; mas não podemos continuar vendo a
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incapacidade e ignorância dos governos em lidar com esta questão, sem falar e fazer nada! Dois outros bons argumentos para legalizar as drogas: a cerveja e o vinho são drogas, pois o álcool também vicia e o alcoólatra destrói a si mesmo (fígado, coração, cérebro e vida sexual) e a outros ao seu redor (união familiar e vítimas de motoristas bêbados), mas porque é parte da vida social não é proibido, até porque há campanhas e ajuda àqueles usuários dependentes crônicos, embora muitas vidas sejam ceifadas nesta batalha por convencê-los a parar de beber. E apesar de liberada a venda de cerveja e vinho, isto não levou as sociedades à destruição! É surpreendente que o sexo masculino (corroborado por médicos!) digam que a capacidade sexual declina com a idade: óbvio, ingerem álcool, se alimentam mal e não praticam exercícios. Há um outro aspecto: nem todas as pessoas – em verdade, uma pequeníssima parte, na qual incluiríamos Sócrates, Buda, Cristo e o Kant têm predominante em suas percepções, aquelas estruturas amplas, responsáveis por produzirem em nós uma ação moral ou segundo o “imperativo categórico” kantiano, sob uma perspectiva na qual nós nos veríamos não como um elemento central, mas um elemento em igualdade de condições, parte de uma universalidade – a sociedade humana ou, mesmo além dela. É interessante lembrar David Hume rejeitava a formulação de “máximas”, porque serviriam apenas para que os “espertalhões” - sem abandonarem as vantagens de continuar a viver em sociedade – pudessem burlar os limites das máximas, sem serem descobertos. De nossa parte, cremos que a única máxima aceitável é aquela que diz que não devemos provocar nenhuma desordem, mesmo que tenhamos o objetivo de estabelecer ou restabelecer uma ordem. Prevenimo-nos, assim, daqueles tiranos que justificam suas ações e aceitam como inevitável um certo número de mortes. Na implementação do comunismo, Stálin, pensava assim, quando mandou fuzilar quem pensasse diferente dele. Karl Marx, como contou Engel, tinha simpatia pelas idéias de Darwin, da seleção natural, onde o mais forte se impõe sobre os demais. Quando se busca um motivo para os milhões de pessoas que o nazismo assassinou, nós devemos buscar a
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resposta na teoria darwiniana da seleção natural do mais forte, um absurdo, pois na natureza, nenhuma espécie extermina outra. No livro “Descendência do homem”, Darwin pergunta por que o ser humano ajuda os indivíduos mais fracos, exatamente como o nazismo pensava! Poderíamos até acreditar que a seleção natural entre espécies foi substituída por uma intraespécie, devido ao fato de como as pessoas são egoístas e competem para derrubar as outras, simbólica ou fisicamente, mas não há sequer uma espécie humana, e, sim, indivíduos que adoram imitar e superar uns aos outros, quando poderiam criar e fazer coisas inéditas! Aliás, não compro e nunca comprarei cães ou gatos de raça, porque estarei concordando com uma crença absurda: de que há seres que são melhores do que outros, enquanto só observei deficiências entre aqueles que pareciam ter alcançado a perfeição. Especialmente Karl Marx não se deu conta de que a história da humanidade não é a "história das lutas de classes", mas, a história das lutas entre graus de percepções, graus que são desenvolvidos através das experiências que vivemos e que não escolhemos. A diferença, por exemplo, com que o ocidente lida com as questões religiosas e como o oriente médio lida prova nossa tese: têm percepções distintas sobre um mesmo tema; é como se lá ainda vivessem, hoje, na idade média, época que os ocidentais já viveram entre mil e quinhentos a setecentos anos atrás, pois têm a mente limitada quando se trata de ser tolerante e crítico à sua própria religião e as dos outros. Apesar de que foi na intelectualmente avançada França que se proibiu, recentemente, o uso de símbolos religiosos em escolas! Outra diferença de percepção: Nietzsche observou que não há uma escassez na natureza como acreditava Darwin. E quando Marx disse que não é o espírito que se impõe sobre o material, mas o contrário, não viu que as condições materiais dependem, sim, da nossa capacidade de perceber-nos e o mundo a nossa volta. E, de onde tiramos esta máxima da “ordem sim, desordem não”? Daquele mais elevado grau de percepção – ampla -, que trazemos conosco desde os primeiros momentos de vida. Equivale ao sentimento de tranqüilidade – a
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“ataraxia” - dos filósofos estóicos. Mas, esta máxima não é válida sempre: reagir contra algo errado envolve uma desordem, sim, como fazer guerra contra os nazistas na segunda guerra, por exemplo. Há uma outra máxima: “não matar”. E isto se justifica, pois se alguém morre, a percepção ampla - na qual identificamos o sentimento moral - perde um dos seus elementos e, isto gera dor puramente mental. Recentemente, em janeiro de 2006, pensamos em uma terceira máxima: que devemos estar dispostos a dialogar com os outros, ato comum inclusive nas guerras e, entendendo que em todo o diálogo, deve haver um desejo (ou uma vontade) de que as partes, com, muitas vezes, perspectivas distintas, procurem chegar a um meio termo. Quando uma vizinha pediu que trancássemos as duas portas do prédio, aceitamos fechar apenas uma delas e somente à noite.
§66. Como ensinar a ser virtuoso. A diferença entre o "é" e o "deve". Uma dificuldade levantada por Platão em seu diálogo Mênon, quando ele especulou qual seria a origem do homem virtuoso: se a virtude nasceria com a pessoa ou lhe é ensinada. Chegou-se a conclusão que nenhuma das respostas era a correta. Naquela época, Sócrates defendeu a idéia de que a posse da sabedoria é o mesmo que possuir a virtude. Mais tarde, Aristóteles o contestou: não é suficiente saber definir uma virtude, mas possuí-la. É que, cremos, o próprio Sócrates - que defendia que a vida não examinada, não merecia ser vivida - não se deixaria levar por conceitos obtidos isoladamente - mesmo porque, teoria é o nome que damos às nossas experiências ou a dos outros -, mas se referisse à posse de uma “percepção ampla”, em cujo grau máximo, sob o qual buscaríamos as causas das coisas e encontraríamos o sentimento moral. Uma vida feliz, bem como uma educação eficaz, deve ser um misto – como bem disse Platão, em sua obra “Philebo” – de água e mel, de dores e prazeres, de experiências desafiadoras e dolorosas, mas, também, prazerosas. Mas, não será instrutivo um ensino que inferiorize os alunos. Educar uma pessoa somente com punições, fará com que ela se rebele, ou, então, se torne emocionalmente frágil, com medo do mundo, incapaz de buscar a justiça, o que requer certa força e
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coragem. É preciso a experimentação do prazer, para que tenhamos razão para lutar pela igualdade, pela verdade, pela justiça, cujo resultado faz surgir em nós, um bem-estar. Cremos que a resposta à pergunta de Platão, embora bem encaminhada na obra Philebo, pode ser respondida melhor assim: devemos estimular desde cedo as crianças - e sem cessar, ao longo da vida - a experiências de (muita troca de) afeto (não só receber, mas retribuir), mas, também, de desafios e restrições - que, naturalmente venham a ocorrer -, com um predomínio das primeiras sobre as segundas experiências. Por tudo o que dissemos discordamos de Jean-Jacques Rousseau que acreditava ensinar virtuosidade apenas deixando a criança viver experiências, isolada das outras, mas guiada secretamente por seu preceptor que constrói eventos para a criança aprender com eles. Nós tornaríamos a criança despreparada para a vida social, um Róbson Crusoé, no exemplo do próprio Rousseau. É necessário viver experiências emocionais intensas para surgir um caráter forte, porque não basta uma percepção ampla (como quando se vive só, passivo ou distante); para a ação moral precisamos ter na memória lembranças intensas que serão reproduzidas mais tarde. A diferença entre nossa criança e as outras é que a nossa será mais altruísta que elas e este não será o melhor dos mundos, porque ela estará só entre tanta gente egoísta, mas esta é a tarefa da educação: educar para ser uma grande ser humano, um diamante entre tonelada de areia ou um produto de artista em contraste com um produto produzido em série. Útil lembrar o pensador inglês Edmund Burke que disse que o mal existe porque os bons permitem, embora resida aqui um exagero, visto que ninguém é sempre bom ou sempre mal. O que temos dentro de nós são disposições – modos de perceber as coisas a nossa volta – e memórias de experiências boas ou más que nos farão agir em um sentido ou em outro. Platão ensinou que mesmo o mais injusto precisa ser justo com seus parceiros de crime. A pergunta seguinte é: quanto somos bons e maus, 80% e 20%, 60%-40%, etc? Quando uma criança diz, zangada, que gostaria que seu pai estivesse morto, ela realmente quer isto,
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naquele momento, mas esse desejo é fraco para se realizar, na maior parte dos casos! Os estudiosos da moralidade vêem dificuldade em explicar como passamos de proposições que dizem que algo "é" para as que dizem que algo "deve ser", destacadamente se referindo àqueles raciocínios (silogismos) que pretendem conduzir a conclusões gerais relacionadas a máximas de ação moral, a partir de fatos particulares. Cremos que o jeito mais simples de explicar esta passagem consiste em dizermos que o "deve" é um termo utilizado para sugerir ou ordenar que outros façam, ainda que com sacrifício e imediatamente aquilo que já fizemos, antes, sem qualquer imposição ou sacrifício. Exemplifiquemos: para mim, tudo o que é nocivo à saúde é dispensável; a diferença depende do grau de percepção, agudo no primeiro caso e amplo, no segundo. Uma vez que entendamos que fumar é nocivo à saúde, as duas proposições nos levarão à conclusão de que fumar é dispensável. O "deve" parece ser um anexo, ou melhor, uma percepção adicional: uma lei geral a todos ou a um membro da família, por exemplo, de que é proibido continuar fazendo aquilo, destruindo a si mesmo.
§67. Sobre o suicídio. Estamos convencidos que o suicídio tem origem social – cultural - quando estamos descontentes com o mundo ou com nossa relação com o mundo, quando, então, não temos uma percepção harmoniosa de nossa presença no mundo. Vemo-nos como um elemento que não deveria estar ali. Poderíamos especular que um suicida, ou se ache superior ao mundo, ou inferior, como escreveu Aristóteles: quem não vive com os demais, ou é um deus, ou um animal feroz. Mas, cremos que isto é secundário; o que é central é o fato do suicida possuir uma percepção de que ele é diferente, não se enquadra no mundo - "me é estranho este mundo", não o mundo físico, mas todos os costumes absurdos estabelecidos pelas pessoas. Mas, como as outras pessoas entenderiam isso, se chamam os suicidas de covardes? Talvez por que elas confundam aqueles que não querem realmente se matar e no último instante desistem e pedem ajuda. O que sente um suicida? É
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como se faltasse ar, quando estamos com algo trancando na garganta, uma dor que é maior que pular de um prédio ou apertar um gatilho. Diante de tamanha angústia, o suicida gasta um tempo precioso da sua vida pensando de que maneira ele poderá se matar! O suicídio é um ato que é desencadeado mais pela imaginação - falsa a crença de que somos inúteis - do que pela lucidez, do contrário, a simples observação do mundo real, frearia este desejo. Nesta triste experiência, podemos observar a ilusão do “ego” que misteriosamente desaparece – seria impossível que o “eu” decidisse destruir o “eu”, afirmando e negando a si mesmo. Não resta dúvida de que ele é um ato de violência, produzido por um indivíduo que viveu experiências predominantemente desarmônicas - dolorosas. Nele, o suicida só tem força para destruir a si mesmo; em um grau maior, tornarse-ia um psicopata que mata os outros. Não precisamos, porém, ver o suicídio com um crime, mas, certamente, como disse Kant, um suicida deixa de cumprir um dever: manter-se vivo, porque ele é um cidadão de uma sociedade com obrigações em relação a ela.
§68. O sentimento moral visa reproduzir o estado fetal? Ao conhecermos a origem da moral - na harmonia entre nossa presente percepção e a memória fetal -, não estaríamos condenando a todos nós à ausência de uma causa forte suficiente para nos impedir – e aos outros - de fazer um mal? Em um primeiro momento, sim. Restaria aceitarmos os costumes e as leis instituídas em sociedade e punindo quem as descumprir por meio do uso de força física. Parece-nos que a única maneira de evitarmos estas trágicas conclusões é provarmos que não somos uma consciência que permaneça a mesma por toda a vida e, assim, podemos estender este sentimento de ordem a qualquer porção – mesmo a mais diminuta - de matéria. Durante séculos fomos levados a crer que fôssemos resultado de um conflito entre instintos e razão. Estamos, hoje, convencidos de que há, em nós, três e não duas instâncias (ou naturezas):
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(a) de origem fetal, que determina todas as ações. Quando acompanhada de percepção detalhada, produz as instâncias (b) e (c), bem como, as sensações de dor e prazer e, quando sob um grau amplo, produz os sentimentos moral e estético; (b) instintivas – as primeiras experiências aprendidas com percepções centradas em nossas necessidades mais imediatas, quando, por exemplo, um objeto vem na direção dos nossos olhos e nós os fechamos pode ser explicado assim: a presença de algum objeto perto de nossos olhos faz com que eles fechem como o que ocorre na vida fetal na presença do líquido amniótico; e (c) culturais - os costumes e leis escritas. Assim, é “instintivo” querer dominar o mundo a qualquer custo para si mesmo; é “fetal” querer a harmonia de todos os aspectos envolvidos em uma experiência, antes de se pensar em qualquer outra ação. É “civilizado” fazer uso – sempre em maior quantidade - de todos os instrumentos tecnológicos desenvolvidos em sociedade e seguir os costumes. É “fetal” fazer como Sócrates que, ao passar diante de mercadorias luxuosas nas praças de Atenas, disse: “quantas coisas de que não preciso”, porque para ele as normas sociais já tinham perdido a influência sobre suas escolhas e, assim, ele alcançou o que há de fundamental na mente, um estado de quase absoluta completude que necessita de quase nada para a preservação da vida. Estamos convencidos que apenas na esfera “fetal” reside a harmonia que só encontraremos dividida, nas esferas “instintiva” e “cultural”. Não foi por acaso que - intuitivamente - Hegel acreditou que o absoluto (Deus ou o universo) fosse uma síntese da natureza e do espírito ou - como dissemos antes - das esferas do “instinto” e da “civilização”. Para aquele pensador, o absoluto era alcançado por meio da interiorização do natural no espiritual, uma supressão - não destrutiva. Finalmente, é surpreendente encontrarmos expressões como “no fundo aquele sujeito é bom”, como se soubéssemos que há algo de mais fundamental em nós, o sentido moral.
§69. Nascemos bons?
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Nascemos bons como acreditava Jean Jacques Rousseau? Preferimos dizer que nós nascemos neutros, completos e na medida em que experimentamos o mundo, de modo assimétrico, irregular, tendemos a preferir objetos distintos para necessidades distintas. Em parte, Rousseau está correto: bebês e crianças são bons, tranqüilos e afáveis. Porém, quando são imersos na vida, dos costumes, tornam-se presos às necessidades mais imediatas, egoístas, ou, no máximo, obedientes, como membros de um grupo familiar, religioso ou profissional. Exemplifiquemos: quando um homem passa por uma mulher, em geral, ele a olha, respeitosamente; já dois ou mais homens, ao passassem por esta mesma mulher, provavelmente fariam brincadeiras, assobiariam e, em alguns casos e dependendo do local e da hora do dia, coisas piores lhe passariam pelas cabeças! Mas, como explicar que uma pessoa sozinha não tenha aquilo que só em grupo aparece? Deve haver algo, pelo menos, em potência, algo de pior e que só mais tarde germinará? Um mal radical? Não é preciso recorrer a esta crença. A questão é simples: o estar na presença de um grupo, altera o grau de percepção, fazendo com que as pessoas se sintam motivadas a satisfazer suas necessidades mais individuais. Mas, nem poderíamos pensar que o mal resida em seguirmos os estímulos mais fortes, porque a natureza não nos dá alternativas: resta seguirmos tais estímulos. O leitor já não reparou o prazer na face de alguém que assa uma carne, sem se dar conta do cadáver que está na sua frente? Porém, perto da morte, nos tornamos todos santos, anjos, mártires. É evidente que ao sermos estimulados a uma
reflexão
e
prática
filosófica,
teremos
uma
boa
possibilidade
de
compreendermos as causas que estão por trás de nossas ações e, então, conciliarmos a fera com a divindade que o mundo nos tornou (ou a pomba e a serpente, segundo Hume, embora ele, como outros, acreditasse que fossem inatos em nós), obtendo um equilíbrio entre as nossas necessidades e as dos outros. Lembrando novamente Rousseau: ele dizia que os jovens deveriam manterse bons como a natureza os fez. Em parte faz sentido se observarmos que nas crianças há um predomínio da percepção ampla, que vai sendo reduzida com o
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acréscimo (e sobrecarga) de muitos conhecimentos inúteis; mas, ele não deveria chamar isto de condição natural, pois sabemos que os animais matam outros, em estado natural.
§70. Os “mais fortes” e os morais. Para Darwin, o mais forte é o que sobrevive e se reproduz e para Nietzsche o mais forte não deixa descendentes e, ainda, a religião e a sociedade o domina e o impede de realizar-se, pois acaba limitado pela moralidade dominante. Onde está a verdade? Primeiro, qual é a definição de forte? Digamos que seja: “aquele que se impõe sobre os demais”. E sobre isto deveriam concordar Darwin, Nieztsche e, também, os nazistas. Então, aquele atleta afro-americano que ganhou uma prova na olimpíada – e Hitler não o premiou – era, também, um forte. E, também, as religiões são fortes, pois se impõem sobre os que não têm ou crêem em valores morais ou quem têm seus próprios valores. Aquele homem que para Nietzsche era considerado como “forte” não é realmente forte – exceto naquilo que ele faz melhor - , mas, sim, fraco, se observarmos que ele, em realidade, não passa de uma exceção e cuja existência é efêmera. E essa característica forte que se destaca, depende, como vimos antes, no capítulo sobre “Graus de Percepção”, da vivência de muitas experiências que envolvam uma certa intensidade emocional, e, por causa disto, provoca em nossa mente uma alteração no modo de percebermos o mundo a nossa volta. Se limitarmos o “mais forte” à capacidade muscular, então a liderança das nações deveriam ficar nas mãos dos lutadores de luta livre, uma piada! Não temos dúvida que, se tratando de humanos, o termo “forte” não pode se referir apenas à capacidade muscular, mas, destacadamente à capacidade de pensar. Assim, fortes serão aqueles que se destacarem por um ou mais fatores, como a beleza, a persuasão, a sabedoria, a força física aplicada a algum objetivo, riqueza, etc. Quando dizemos que os mais fortes deixam descendentes, estamos nos referindo a quê? Que o mais capaz de reprodução? Isso é óbvio, se não copulasse não deixaria descendentes. Que os mais belos têm maior chance de
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deixar descendentes, nós concordamos. Mas que força eles têm a não ser a própria imagem? E em matéria de reprodução, é a camada mais pobre que têm mais filhos: que força eles têm que os move a pôr no mundo seres que não poderão cuidar? Só a força da ignorância! É evidente que damos mais atenção aos estímulos mais fortes, mas isto não quer dizer que as aparências externas sejam sempre decisivas, pois de posse de uma percepção mais ampla perdemos o interesse no mundo e nos concentramos na “força” dos conceitos abstratos (diferentemente dos animais, que se estimulam mais pela satisfação da fome e do desejo sexual, esta última característica que Darwin e Freud priorizaram) e sob o ponto de vista dos outros, isto é, da maioria, parecemos fracos. Talvez o desafio da educação seja, como pensava Jean-Jacques Rousseau, formar homens em um sentido amplo, capaz de se interessar por tudo, ainda que superficialmente, o que os fará completos moralmente e não cidadãos a preencher vagas, especialistas em alguma função, seres incompletos. E isto, para ele, era feito na interação com a natureza, o que nos tornaria fortes e nos prepararia para um mundo em constante mudança (ele escreveu isso no século XVIII!), diferente do que pensava Darwin, que via a força como um elemento pronto, dado pela descendência materna e paterna. Aliás, o forte sob o ponto de vista rousseauniano sendo aquele que pode tudo ou muito, nada precisa ou tem pouca necessidade e, por isso, não pratica o mal, tese também defendida por René Descartes. Esta força alcançada é resultado de um doloroso aprendizado, cujo efeito não será o de se tornar alguém arrogante e violento, mas alguém que sabe moderar as necessidades do corpo em favor da mente! Entendemos o que Rousseau quis dizer quando fomos atropelados por uma moto: o impacto provocou um calombo no braço, a ponto de nossa imaginação ter saído na frente e termos pensado que tínhamos quebrado o osso, mas não havia motivo para ver naquilo uma tragédia; não era aquela ferida que doía muito, mas a imaginação de possíveis efeitos, ampliados além do que era real e, por meio da reflexão, passamos a ver o corpo não como centro de nossa vida, mas uma pequena parte. Esta é a força que conquistamos: a sabedoria e não uma força material! Aliás, mandamos o motoqueiro embora, pois não faria sentido puni-lo, 119
castigá-lo ou processá-lo; nada disso o educaria, exceto, como Rousseau sugere, o nosso exemplo de ir sozinho ao hospital para examinar o braço! Dei-me conta de que sou o Emílio de Rousseau, embora queira ser o super-homem de Nietzsche, mas talvez um seja a continuação do outro!! Outro exemplo: acreditamos que devemos, de vez em quando, não fazermos uma refeição (um breve jejum), pois, assim, ao sentir o estômago vazio, compreendemos a necessidade que sentimos, a fome, e o quanto se deve satisfazê-la sem excessos, diferentemente da maior parte das pessoas que come em excesso, sem se dar conta de que o corpo não digerirá completamente a refeição!
§71. A moralidade nos animais e o respeito a eles. E o “mineralismo”. Ocorreu certa vez que precisamos tirar da boca do cachorro um sapato que ele havia pego. Travou-se, então, uma feroz batalha. Tivemos que colocá-lo sobre uma mesa para facilitar a retirada do objeto de sua boca. Ocorreu algo inesperado: o gato de estimação veio nos ajudar: ele se pôs sobre as duas patas traseiras e começou, com uma delas, a bater no cachorro! Assim, se nós aceitarmos a definição de moral como um sentimento que surge e visa a harmonizar a conduta entre os seres, podemos afirmar que a intervenção do gato nada mais foi do que uma ação moral. Mas, porque distinguimos os animais domésticos dos selvagens? Poderá haver moralidade entre os animais de uma mesma espécie, como entre os leões ou os gorilas? Sim, talvez devêssemos chamar de ética, não moral. Mas, dificilmente entre espécies. Agora, somente quando os animais forem domesticados, poderemos observar atos morais – antes só atribuídos a nós “humanos”. Não é raro ver uma gata amamentando um cachorro ou vice-versa. O mundo está caótico, quando a própria natureza é alterada tão drasticamente? Não, simplesmente, porque na vida entre nós, os animais não precisam lutar por sua vida e - por causa disso - ter uma percepção demasiado acurada! Vem
crescendo
o
movimento
de
defesa
dos
demais
animais,
tradicionalmente chamados de “inferiores”. Este movimento conduz tanto ao
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surgimento do vegetarianismo, quanto à proibição do uso de animais em experiências científicas. Isto porque não há justificativa para limitar a moralidade à espécie humana, porque não há uma espécie humana e, também, porque todo ser que possui memória tem um sentido moral internalizado em sua mente! O que nos difere dos outros animais e vegetais? Platão já havia percebido, segundo nos relata Diógenes Laércio em sua obra Vida dos filósofos, que também os animais percebem forma da semelhança, o que faria com que eles procurassem uns aos outros. Assim, os animais têm a capacidade de abstração, um primitivo “nós”. Primitivo, porque parece que sua capacidade de se organizar não avança – como em nós, “humanos” - até o limite de alterar a natureza, construindo cidades e especializando-se em tarefas. Havíamos pensado na possibilidade de que a percepção nos animais funcionasse como um guardachuva que é aberto até um limite sem sê-lo totalmente. Mas, se isto fosse verdade, não observaríamos – como freqüentemente observamos – atos morais, quando, por exemplo, um cão defende o seu dono, nem eles se preocupariam em construir seus ninhos geometricamente. Ou quando nosso gato de estimação suspirou quando dissemos que ele não iria sair naquele dia ou, ainda, quando tocou nas chaves que estavam na porta, como se soubesse que era por ali que a porta se abre. De qualquer modo, cremos como aceitável a tese - que começa a tornar-se forte na Biologia e mesmo do senso comum de que os animais têm uma inteligência - e idade mental - infantil e não ultrapassam muito esta condição. Cremos que não se opõe à nossa tese dos graus de percepção o conhecimento oriundo da neurologia sobre as camadas mais primitivas do cérebro que estariam envolvidas em atos chamados de instintivos. Isto provaria o que vimos dizendo: tais camadas nos dariam e, também aos animais, uma visão limitada do mundo a nossa volta e determinaria atos "egoístas", como a satisfação das nossas necessidades fisiológicas. De volta à questão inicial: lembramos que realizamos duas tentativas até nos tornarmos vegetarianos. Na primeira, a nova dieta durou um ano. Na segunda, estamos até hoje, desde o ano 2002. Em ambos os períodos, a causa da mudança de hábito alimentar residiu na leitura de relatos de maus tratos dos
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animais que nos comoveu e nos conduziu à mudança. Outra razão, não menos importante, está relacionada ao excessivo gasto em grãos, água e espaço e os danos à natureza pela emissão de gás carbônico na criação de milhões de cabeças de gado. Mas, se o movimento dos vegetarianos parece reconhecer que todos os seres vivos devam ser respeitados, rejeitando que nos alimentemos de bois, suínos e frangos, ainda assim, por que deveríamos matar as plantas? Por que não são animais? Por que não têm consciência? Quem pode provar que não a tenham? Assim, restariam os minerais, como única fonte aceitável de alimentos. Não nos parece que uma pedra tenha consciência, no sentido que atribuímos a capacidade de perceber o mundo a sua volta. Mas sabemos de pesquisas com plantas e suas reações quando expostas a fogo, por exemplo, reagem à iminência de serem queimadas, mesmo antes de sê-lo realmente. Não estamos falando, é preciso que se distinga, daquelas plantas que fecham suas folhas ao toque de um dedo, pois esta reação depende de uma pressão externa. Talvez não leve muito tempo para que ocorra uma alteração no modo de ver esta questão e que se comece a produzir proteínas sintéticas a partir de minerais. Lemos um artigo sobre a produção de aminoácidos artificialmente; contudo, parece que o seu consumo, é inútil para formar músculos. Poderão dizer que não há diferença entre a proteína que venha da soja de uma que venha de minerais e talvez seja até mais cara. Mas, não estamos buscando diferença na forma, e, sim, em aspectos morais! Pode ser um exagero para aqueles que estão acostumados a comer excessivas quantidades de carne e não vejam razão suficiente para abrir mão deste prazer. É verdade. Eles não encontraram razão para deixar de fazer isto, como ter uma boa saúde, reduzir gordura ruim no sangue e diminuir o peso, pois a carne causa câncer e nos faz inchar. Talvez se visitassem um matadouro, mudassem seus hábito alimentares. Anna Kingsford escreveu que não entendia como servimos cadáveres para nossos amigos, pessoas educadas e refinadas. Em 2006, lemos na internet um texto de John McCarthy e, cremos, que devemos atribuir a ele a expressão “mineralismo”, embora pensássemos ser seu inventor. John crê que se deva substituir os alimentos vegetais por minerais, mas
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como até aquele momento não se produziu alimento assim, ele relata que pessoas morreram por tentar comer apenas sal! Sugere, também, duas máximas morais: (1) comer frutas nativas e plantar suas sementes e (2) comer animais que comam plantas sem sementes, como punição a eles, o que nos parece estranho, visto que isto é algo natural para os animais! Em um “site” na internet, lemos algo estranho: pessoas, que se definem como “mineralianos”, dizem ser possível comermos glicerina! Recentemente, tentamos organizar uma dieta baseada em minerais: passamos a ingerir vitaminas sintéticas (A, B1, B2, B3, B12, B5, B6, C, D3, E, K) e minerais (cálcio, magnésio, zinco, ferro, manganês, cobre, molibdênio, cromo, silício, iodo, boro, selênio, a maior parte satisfaz 100% da necessidade diária), tudo reunido em uma única pílula, visando substituir o consumo de vegetais, especialmente aqueles que são violentamente arrancados da terra, mas sentimos uma sensação que está entre a dor de cabeça e uma vertigem e abandonamos as pílulas. Lembramos, também, a dificuldade de explicar a nossa família que não estávamos tentando o suicídio comendo apenas pílulas e que tínhamos boa intenção. E, o mais importante, alimentar-se de pílulas pode ser apenas uma dieta provisória, pois mesmo que sejam funcionais por levarem todos os nutrientes para dentro das nossas células, entretanto têm gosto horrível, são inestéticas e terminam com a função das refeições que é reunir-se com as pessoas. Talvez um dia possamos comer comida mineralista que se pareça com a comida japonesa (bela e saudável, exceto pelo molho de soja com muito sódio), que contenha alimento pastoso, sólido e líquido juntos e muita cor e, ainda, que possamos usar “hashis”, hastes de bambu, usadas em lugar de faca e garfo, pois para os orientais lembram armas, algo que não se leva à mesa. Sobre proteína e carboidrato: preferimos as fontes de origem vegetal: nós compramos proteína extraída da soja (50g ou uma xícara de chá satisfaz 52% das necessidades diárias). Além disso consumimos: (a) “Taffman E”, feito de vitaminas B1, B2, B6, B12 (não encontrada em vegetais em quantidade suficiente), nicotinamida e pantotenato de cálcio, embora tenha em sua composição produtos
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como mel de abelha, guaraná, erva-doce, cravo-da-índia, gengibre e canela; (b) sementes de Quinoa (da Bolívia) rica em vitaminas, ferro e outros minerais; e, (c) não podemos esquecer que somos 70% água, um mineral! Aliás, sugerimos a dieta da água, sempre que surgir em nós um desejo por comer bobagens, como doces ou refrigerantes: beba três a quatro copos de água que a vontade passará. Isto é útil, também, porque nosso corpo precisa de água! Mas, não desistimos: mandaremos cartas ao governo, às universidades e às empresas para produzirem alimentos a partir do CO2 da atmosfera. Um produto que desejamos experimentar é o óxido nítrico, um gás que alarga as artérias permitindo que mais nutrientes cheguem até as células! Não consulto médicos com freqüência, porque acredito que a maior parte dos especialistas nada descobriu sozinho, apenas memorizou técnicas que outra pessoa descobriu. Todas as ciências nada mais são que uma colcha de retalhos, onde cada um deles é uma teoria que um indivíduo descobriu e ensinou aos outros. Vejamos algumas de suas práticas: Por que dar pontos se podemos cauterizar um ferimento? Certa vez uma veterinária ao retirar um tumor de meu cachorro, que havia rompido, o fez perder muito sangue, o que o levou à perda de defesas e à morte. E se tivesse cauterizado a parte da pele que ligava o tumor (externo) ao corpo, ainda que parte do câncer permanecesse lá dentro, ele ainda poderia viver um pouco mais, embora já tivesse 17 anos! O sistema educacional muito especializado nos faz ter medo ou vergonha de debater! Minha crítica se estende a todos os especialistas: serão conhecedores realmente de alguma coisa? Ou tudo o que sabem tomaram emprestado de algum gênio iluminado, ou seja, de um generalista dedicado? Disto se segue outro absurdo: o monopólio dos especialistas por descobertas que não foram feitas por eles e que deveriam estar disponíveis para todas as pessoas.
Além do mais, por que pagar por um
conhecimento adquirido em uma ou duas aulas, o que acontece nas universidades, templos da sabedoria divina se manifesta, segundo Hegel, ou templo dos papagaios? Sem falar na gerontocracia que limita as pesquisas a vaidade de uns poucos! Rousseau estava certo ao criticar a prática médica, pois via nela um elemento debilitador dos indivíduos, tratando os pacientes como
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crianças e perdoando seus excessos ou faltas: viva a vida desregradamente, porque sempre haverá um tratamento para salvar este teu corpo destruído por ti mesmo! Lemos em um livro de Bioética que o médico não pode ter idéias próprias, apenas “aplicar a casos particulares, as leis descobertas por outras pessoas”! Minha crítica maior é com o excesso de especialização e a falta de visão do todo: a medicina precisa da ciência da guerra para perceber - com rapidez e eficácia - o corpo como um território único e ver a si como um general que dispõe de recursos para deixar para trás o que já se perdeu e preservar o que ainda vive.
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SOCIEDADES E GOVERNOS.
§72. a origem das sociedades. A principal causa da origem da vida em sociedade reside em nos reconhecemos como iguais. Sendo iguais, não há qualquer justificativa para vivermos distantes. Exceto se os recursos materiais forem escassos, então, começaremos a pensar em nossas necessidades mais imediatas. Agora, é preciso que explicitemos que a forma humana surge porque nossa percepção é limitada e, diante de objetos externos, percebemos sob certos graus de detalhe os seus limites. Se nos perguntarem como estão se dando as relações subatômicas, por exemplo, não teremos condições – sem instrumentos – de responder. Mas, é preciso acrescentar, há, também, aqui uma dor mental, que surge quando seres tão parecidos uns com os outros, se encontram separados física ou culturalmente.
§73. A origem dos governos e dos líderes. Há um monopólio da força? Como explicamos a origem dos Estados? De uma forma diferente da origem das sociedades. Hegel, em nosso entendimento, estava correto ao identificar uma importância - para ele, gigantesca – do que ele chamou de “almas do mundo”, lideranças que transformam o mundo a sua volta e que lideram as pessoas para mudanças sociais. Assim se não fossem estas lideranças, as sociedades permaneceriam passivas mesmo diante de ataques de outras sociedades. O que fará com que as sociedades agredidas saiam desta condição 125
triste é a visão de um ou mais líderes. Por quê? Porque há pessoas que vão aprendendo como as outras pessoas se comportam e utilizam esta sabedoria para as manipular ou as libertar. Os líderes são, assim, como argamassa que mantém os tijolos coesos e fortes, formando uma obra concreta: o país. Dentro de certos limites, Hobbes estava certo quando observou um papel central do soberano como um elo de ligação entre os indivíduos. Porém, as sociedades existem antes dos Estados. Mas, dizer que os Estados surgem de um contrato, parece ir além dos limites, bem como, crer que só a partir da elaboração das leis é que surgem atos morais e imorais, ou seja, o bem e o mal. Também foi Hobbes que defendeu a tese de que o soberano nunca pode ser morto. Convenhamos, somente em sociedades primitivas, se poderia crer que seus problemas terminem ao cortar cabeças. Mas, acreditamos que seja possível tirar do poder o soberano, na medida em que ele perca seu poder de manter a comunidade reunida, uma vez que a causa que fez a união – sua capacidade de persuasão – não exista mais ou esteja demasiado enfraquecida. Faz sentido a tese de Max Weber (para nós, apenas um discípulo de Maquiavel) de que o Estado tem monopólio do uso da força, tão repetida por muitos, que achamos que sua veracidade era inquestionável? Ora, se o Estado precisa usar a força para se impor é porque o que ele estabeleceu vai contra o que a sociedade esperava dele, quer seja em relação a toda a sociedade ou uns poucos indivíduos. O erro desta tese é ver o Estado como algo distinto da sociedade. O Estado somos nós. Quando é preciso prender alguém, por exemplo, isto deveria ser entendido como a defesa da própria vida daquele que cometeu um ato imoral ou ilegal e dos outros, inocentes. Aqui vale o que disse Rousseau: que a força não precisa de lei alguma para ser imposta! Ou seja, a força é contrária ao Estado e à lei. Uma última coisa: nós gostaríamos de ver o Estado não usar indiscriminadamente armas letais como o que ocorre hoje, mas as substituir por, por exemplo, dardos tranqüilizantes.
§74. Sobre a ascensão e o declínio das nações.
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Santo Agostinho escreveu a “Cidade de Deus”, para refutar a crítica à Igreja Católica: de ser a causadora do declínio do Império Romano. Sua resposta consistiu em dizer que os romanos dedicaram cultos a outros deuses e, ainda, que foram levados pela ambição, sem falar na concupiscência, o amor aos prazeres físicos. Poderíamos especular, também, que se os governantes tiverem uma percepção - predominante – ampla, poderão ter um comportamento passivo demais, o que provocaria conseqüências econômicas e políticas para uma nação que, como a romana, necessitava se impor sobre as outras, para manter seu império. Contudo, não deve ter sido esta a causa da decadência de Roma, nem, como acreditou Santo Agostinho, um excesso de concupiscência, mas, sim, a nosso ver, a irascibilidade; é ela que produz o egoísmo. Lembramos que quando fomos presidentes do grêmio estudantil do Colégio, também, cometemos exageros, mas, é a adolescência a idade certa em que podemos errar, não na vida adulta. Desde aquela época, satisfeito em experimentar o poder, não o desejo mais! Isto é amadurecer! Não vemos isso nos políticos e na maior parte do povo brasileiro (estamos no início do século XXI); em outros países se um político faz algo ilegal ou imoral, ele sabe que ninguém mais vai votar nele, restando, assim, que ele renuncie ou cometa suicídio! Will Durant tem uma frase que sintetiza o percurso de vida das nações: “elas nascem estóicas e morrem epicuristas”. Exceto pela interpretação exagerada da escola de Epicuro – para quem a felicidade consistia em uma vida simples na companhia de seus amigos -, entendemos que o que Durant queria dizer era que a decadência de uma nação é produzida a partir da preferência em satisfazer suas necessidades mais imediatas - concupiscível ou irascível - de uma maneira excessiva. Ter crescido em um ambiente, como diria Platão, cheio de mel, mas com pouca água, com excessos de prazer e ausência de dificuldades e regras. O mesmo Durant relatou uma tese de um biologista muito interessante que, infelizmente não recordamos o nome, mas que consta na obra “Mansion of Philosophy” (Filosofia da Vida): da observação de bactérias, ele estabeleceu uma lei que entendeu ser universalmente válida, qual seja, a de que a carga genética dos povos vão progressivamente enfraquecendo e, as nações que se
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caracterizam por criatividade e espírito empreendedor são aquelas que receberam influxos genéticos de outros povos. Não concordamos que criatividade possa ser transmitida geneticamente, mas é claro que as nações que alcançaram um padrão de vida tendem a querer apenas mantê-lo e diminuem seu espírito de competição. Mais adequado é pensar que a transmissão se dá pela cultura. Aqui, é oportuno lembrar a pesquisa de Piaget com uma espécie de moluscos - Limnae stagnalis: a experiência consistiu em tirar os moluscos com forma alongada de um lago calmo e os pôr em um de águas agitadas, onde tomaram a forma arredondada, como proteção. Depois, eles foram devolvidos às águas calmas e se observou que os seus descendentes mantiveram a forma arredondada da geração anterior, sem qualquer influência da genética ou do meio, mas.... surpresa, em nossa opinião, por influência da cultura! Toda a história da dominação dos povos europeus sobre os asiáticos, os centro e sul-americanos e, também, africanos, foi causada não por superioridade genética, mas, apenas pelo fato de que eles oriundos de um ríspido clima frio – que representou o risco constante de morte e restringiu as experiências prazerosas a um mínimo -, tiveram que escolher trabalharem muito e juntos, pensando além das suas necessidades individuais. De outra parte, povos que viveram e vivem em climas amenos não tiveram e têm grande necessidade de transformar a natureza a sua volta. Isto é suficiente, pensamos, para explicar as diferenças culturais. O que ocorre, hoje, em dia, é que tendo criado um novo habitat, distinto do original – a natureza -, sem falar na comunicação instantânea de um ponto a outro do planeta, resta que cada família, cada sociedade, zele por passar aos descendentes uma percepção de mundo mais ampla que uma percepção individual.
§75. Constituição ou declaração dos direitos humanos? Sempre nos chamou a atenção o fato de que se uma lei não fosse suficiente para ordenar a vida social, nenhuma mais, nem muitas bastariam. Encontramos, anos mais tarde, em Epicuro - filósofo grego do século II aC -, afirmação semelhante, mas relacionado às necessidades da vida individual: “a
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quem pouco basta, nada basta”. Por que não deveria ser suficiente a existência tão somente da Constituição, da “magna carta”? ou, quem sabe, de uma única lei: ”respeitem-se uns aos outros”! Se por um lado, cremos que apenas a posse do sentimento de ordem seja suficiente para a maioria das pessoas viverem em paz e progredirem em sociedade, harmoniosamente, por outro lado, há uma minoria de pessoas que, por não ter alcançado aquele sentimento, faria um mau uso de uma ausência total de leis escritas. Resta, portanto, que se permita que o poder executivo possa fixar regras – não leis – e que se mantenham os códigos em vigência – embora permitindo que o Supremo tribunal federal possa decidir contrariamente a eles e mesmo alterá-los! Cada povo tem o seu conjunto de regras, como os hebreus que receberam de Moisés os dez mandamentos. Se um número já limitado, nem sempre é cumprido, imaginemos o que ocorreria se fossem milhares de mandamentos. Segundo Maimônides, pensador judeu, do século II dC, em sua obra Guia dos perplexos, existiam centenas de mandamentos não apenas dez, como, por exemplo, proibir que os homens usem roupas femininas! Não vemos motivos que justifiquem um texto demasiado longo, se podemos enumerar regras gerais em uma lista resumida e completa, tais, como: (1) direitos a uma vida humana digna, estendido, também, a outras espécies; (2) ordenar a estrutura do Estado, nos três poderes, detalhando os direitos e deveres, bem como, os requisitos para que os cidadãos possam ser eleitos e votarem; (3) determinar as atribuições de cada um dos poderes e de suas instâncias federal, estadual e municipal, bem como, a divisão orçamentária, um sistema de registro de empresas e de pagamento de tributos simplificado - com um imposto único, preferencialmente um que utilize a informática, como o que há no Brasil, embora seja um entre sessenta tributos! E, também, questões centrais como a que restrinja os novos municípios, limitando apenas aqueles que possam com impostos próprios manter sua estrutura administrativa! Poderíamos especular, também, se não bastaria apenas adotarmos como única Constituição a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”. Declaração esta que é produto do sentimento mais profundo em nós, o sentimento de ordem,
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declaração isenta de qualquer particularidade natural e cultural, sem, no entanto, cerceá-las ou impedi-las. Temos visto a crescente busca por fazer prevalecer um sentimento de humanidade sobre as leis dos países, como os tribunais internacionais que julgam os “crimes de guerra”, genocídio de povos ou etnias. E isto se deve ao fortalecimento da crença – ainda que inconsciente - de que um sentimento moral interno supera qualquer lei formal, como a soberania do governante para fazer o que bem quiser. Não vemos razão para tanta preocupação e zelo em defender que a tarefa suprema de um Supremo Tribunal – ou corte suprema, nas outras nações - seja a de garantir que as leis não afrontem os princípios da Constituição de um país, porque, em geral, eles tendem a defender trechos postos lá para beneficiar uns poucos. Aliás, o sistema legal diz que um processo deve seguir segundo uma série de normas e se uma delas não o cumprir o processo deve ser anulado, pois violaria a Constituição. Ora, a Constituição manda que o salário mínimo tenha um valor que ofereça ao trabalhador uma vida digna, mas o judiciário não manda aumentar o seu valor! O que esperamos que ocorra com todo o direito internacional é que não haja zelo pelo cumprimento da lei e, sim, pelo sentido - interno – de moralidade. Do que dissemos antes, não significa que a Organização das Nações Unidas seja o órgão adequado para decidir sobre os problemas mundiais, pois os diplomatas sempre defenderem em primeiro lugar os interesses de suas respectivas nações. É preciso que pessoas com percepção ampla e experiências morais em favor dos que mais precisam e da paz e do progresso, ocupem as cadeiras da “ONU”. Do contrário, assistiremos horrorizados a atos como a sanção econômica contra o povo iraquiano, tirando-lhe o acesso a alimentos e remédios, mesmo que o objetivo fosse o de destituir o seu ditador.
§76. A maioria prefere um mau governo à sua ausência. É interessante constatar que, em geral, preferimos um governo ruim à ausência dele. Somente quando há evidência de corrupção ou incapacidade de governar, é que as pessoas sairão às ruas para exigir que o governo deixe o poder. Por quê? Porque nossa fisiologia mental prefere percepções repetitivas às
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caóticas. E isto porque, embora ambas produzam dor na mente, a dor da repetição é menor que a da desordem. Tal preferência, evidentemente, só se dará se não tivermos a possibilidade de escolher um bom governo.
§77. A pena de morte. E a legítima defesa. Para nós, foi Beccaria quem terminou brilhantemente com qualquer dúvida sobre esta questão. Sua resposta é um veemente “não”. Escreveu ele, na obra “Dos delitos e das penas” (§III) que cedemos apenas uma parte de nossa liberdade, suficiente para a vida em sociedade. Além desta porção, há a injustiça. Beccaria sabiamente lembrou que as leis são convenções nascidas da paixão de uma minoria. A noção posterior dos filósofos Rousseau, Kant e Hegel, de uma vontade geral que elabora as leis, não passa de uma visão “romântica”, típica da sua época, porque toda ação envolve alguma paixão. Mais adiante, Beccaria encerra a questão perguntando se faz sentido que, para evitar que os cidadãos cometam assassinatos que o próprio Estado ordene a morte? Uma última possibilidade de refutação foi apresentada por Kant e ratificada por Hegel: ao crerem que todos nós compartilharíamos de uma vontade racional, presente nos seres humanos, tal pressuposto legitimaria as leis e, também, a pena capital, autorizando a punição daquele que burlar a lei. Ainda mais: eles, assim como, Hobbes, recorrem à Bíblia para justificar que se possa matar, desde que, a lei ordene, ou seja, a vontade racional ordene, como deus ordenou no Antigo testamento. Mas, o que é esta razão que descobrirmos não ser livre? Ela é um arranjo dos neurônios que, em uma perspectiva ampla, nos permitirá ver o mundo como um todo harmônico, não havendo espaço para sentenças de morte de um dos seus elementos indispensáveis, como cores de uma pintura. Contudo, é importante não esquecer que o próprio Beccaria aceitou (Dos delitos: XVI) uma exceção à qual se poderia penalizar alguém com a morte: se a ação criminosa ameaçar a liberdade da nação. Como as pessoas, que poderiam pôr em risco a liberdade de toda uma nação, são em pequeno número, a pena de morte seria, assim, aplicada em casos raríssimos e não disseminada a todo crime de assassinato, ou mesmo, a outros crimes, como vemos em muitas nações. Não
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podemos esquecer, também, que a morte de outrem é permitida pela maior parte das leis, mas somente nos casos de legítima defesa.
§78. Porque o anarquismo é uma luta em vão. A doutrina anarquista triunfará um dia sobre as organizações políticas, religiosas e econômicas? Não, no máximo conscientizará as pessoas a não exagerarem na construção de um Estado inchado, com um número de instituições e funções além das necessárias, evitando assim a asfixia dos indivíduos! Por que nunca haverá uma sociedade sem instituições? Por que é da fisiologia humana ter aversão à desordem, a uma vida social que esteja ausente de quaisquer regras! O anarquismo só conquistará o mundo de um único modo: extinguindo a espécie humana! O que francamente... seria levar longe demais a sua utopia! E se fôssemos substituídos por outra espécie? Negativo. Qualquer ser com cérebro também terá aversão à desordem, porque ela, como já falamos anteriormente, nos impede de reconhecer qualquer objeto a nossa volta!
§79. Revisão do termo ‘Democracia’. Os sábios. E sobre a igualdade. Quando o último voto das urnas é contabilizado, os políticos, em geral, deixam de ouvir as pessoas com o grau de atenção que as ouviam antes. Não resta dúvida que o cargo exige uma concentração, uma introspecção, mas a tarefa não é privada, mas pública. Além de esquecer as demandas de quem os elegeu, os políticos desconhecem algo mais grave, quando se tornam governantes: que um governo democrático deve ser um ”governo de todos”, onde mesmo a minoria deve ter participação, pelo menos, conforme a sua participação proporcional na última eleição. Devemos repensar a democracia como um governo cuja existência e manutenção depende de uma contínua aprovação de todos os cidadãos. Só nesta forma de governo é possível realizar o sentimento interno de ordem, que percebe todos os indivíduos como partes indispensáveis da vida social. Aliás, a democracia nunca poderia ter sido definida como ‘governo da maioria’, porque se durante décadas a minoria perder as eleições e não tiver possibilidade de participar das decisões governamentais, então sob o seu ponto de vista, este
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governo é uma ditadura. Descobrimos, posteriormente, a surpreendente frase de Edmund Burke, da sua “Reflexões sobre a Revolução na França” (1790): “Na Democracia, a maioria é capaz de exercer a mais cruel das opressões sobre a minoria"! A propósito, para nós, ditadura é sinônimo de “monarquia absolutista civil” e inaceitável para os que dizem ser republicanos. Uma outra questão difícil de entender: como democratas viveriam no céu se lá o governo é monárquico? Por que o governo não pertence aos sábios? Primeiro porque eles não têm uma percepção tão acurada aos detalhes da vida em sociedade e como convencer as pessoas aos fins adequados. Em segundo lugar, discordamos da crença platônica de que o povo não sabe o que precisa ser feito e que caberia aos sábios decidir. Por viver mais próximo dos problemas reais de sua cidade, o povo sabe o que deve ou não ser prioridade, cabendo a especialistas, em geral, apenas as soluções técnicas. Isto não quer dizer que os pensadores não devam ter voz: o presente livro tem este propósito, de oferecer argumentos que melhorem as relações entre as pessoas e entre os poderes da Democracia. E, principalmente, fazê-las pensar sobre isto. E de onde tiramos a crença de que somos iguais? Primeiro, do sentimento de ordem acompanhado de uma percepção ampla, que inclui a todos nós como parte de uma sociedade até, mesmo, de um universo, contemplado como um único ente. Segundo, o sentimento de igualdade nasce constatação de que “na média somos todos iguais”, pois se alguns são muito bons em uma atividade, outros são bons em outras - um bom filósofo pode ensinar as pessoas a ver uma questão sob um ponto de vista amplo, enquanto que um perito em eletrônica pode resolver questões que exijam um grau de percepção muito detalhado - e, assim, a vida em sociedade possibilitaria o “intercâmbio” entre estes diferentes graus de percepção que predominam diferentemente em cada um de nós. E, terceiro, nos reconhecemos como possuidores de uma forma humana entendida - ilusoriamente - como comum a todos. E o voto opcional? Qual o argumento em favor dele? O local de votação é longe da sua casa? Quando vimos que nos Estados Unidos a maioria das pessoas
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não foi votar, nos demos conta da vergonha que a maior nação democrática do mundo sofre perante os outros povos, vimos nisso um bom motivo para que o voto seja obrigatório. Há coisas que devem ser obrigatórias: (1) não matar, (2) vacinação infantil, (3) impostos e (4) votar.
§80. A vantagem dos três poderes de uma república. Sabemos que nossa estrutura perceptiva tem resumidamente três graus (embora, em realidade, se trate de uma linha contínua): uma visão individualista, uma grupal – particular - e uma altruísta – universal. Cremos que na esfera da vida política estes níveis, também, sejam reproduzidos. Hegel disse que o monarca seria o universal – um absurdo evidente, pois se trata de uma única pessoa e, acrescente-se que no próprio mundo natural a abelha-rainha se limita a cuidar apenas da sua respectiva colméia. Poderiam objetar com há uma série de exemplos históricos de que as monarquias pacificaram povos em guerras civis e, por isso, parece ter um caráter universal. De qualquer modo, elas se restringiram aos seus interesses e aos do povo. Hegel disse, também, que o Poder Executivo seria o particular – outro erro, pois ele não é mais do que um indivíduo e, salvem raríssimas exceções, profundamente egoísta. Convém lembrar Tocqueville, que em sua visita aos Estados Unidos (no século XIX), se surpreendeu que na democracia se delegasse um poder excessivo ao presidente e que termina por estimular pessoas egoístas a buscar aquele cargo de destaque. E, ainda, que o Legislativo é o individual – o que, também, é absurdo, pois as decisões do Legislativo não são individuais, mas particulares, lugar onde os interesses são localizados, como os dos agricultores, dos banqueiros, etc, e é o voto da maioria que se impõe sobre os demais. Sobre este último poder é preciso que se diga que se deveria restringir vagas para cada grupo e que cada partido político faça uma lista (aberta ou fechada) com seus candidatos de um modo que não prevaleçam, por exemplo, como ocorre hoje nas democracias ocidentais,
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advogados
e empresários, pois, os primeiros pensam dentro das leis
(formalmente, sem dar atenção ao conteúdo, uma ignorância) e os segundos, pensam com base nas suas empresas. Outro elemento importante é saber de qual cidade um congressista foi eleito, em vez de uma votação espalhada por muitas cidades, sem que ele represente ninguém e faça o que bem entender. Parece que desesperadamente buscamos meios para evitar a corrupção dos políticos, como escolher parlamentarismo em vez do presidencialismo ou, então, indexar os salários dos congressistas ao salário mínimo que os trabalhadores recebem, por exemplo. Mas de todos os meios, apenas um parece eficaz: permitir que um político ocupe apenas uma vez um mesmo cargo, assim extingue-se o político profissional e, com ele, a loucura de tomar os meios como fins em si mesmos! Poderão dizer que bons políticos serão impedidos de se reelegerem. Ora, será que só eles são bons ou tão raros que não existem outros iguais a eles? Uma prova de que a reeleição é ruim para uma democracia pode ser vista no poder Executivo: no mínimo, presidente, governadores e prefeitos, ainda que sem intenção, acabam usando o seu cargo em favor de sua candidatura, uma situação desarmônica para os outros candidatos. E no máximo, usam com intenção, comprando, com dinheiro público, apoio para a reeleição.
§81. O senhor e do escravo e os graus da percepção. Exemplo usado por Hegel (e, antes, por Jean-jacques Rousseau) para mostrar o processo de surgimento ou descoberta da autoconsciência ou consciência de si, incorreu, contudo, em um grave erro, pois confundiu a estrutura da percepção com consciência. Para explicar por que tratamos as outras pessoas como objetos – à semelhança de Aristóteles que, em sua obra “Política” via os escravos como ferramentas vivas -, basta que compreendamos que, nestes casos, há dentro de nossas mentes o predomínio de uma percepção voltada para as nossas necessidades mais imediatas, fisiológicas. Somente quando entre o senhor e o escravo houver um momento em que, por reconhecimento de fraqueza do senhor ou a manifestação da força do escravo é que a relação será percebida como desigual e ampliaremos o nosso modo de perceber o mundo a nossa volta,
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procurando incluir o que, antes, encontrava-se separado, quando, então, o senhor reconhece que precisa tanto ou até mais do escravo do que o escravo precisa daquele! O exemplo de Hegel é útil, especialmente, para extinguirmos diferenças sociais injustificadas, mas inútil para explicar “autoconsciência”, até, porque: (1o) só nos conhecemos por fora, externamente, por mais surpreendente que isto possa parecer, (2o) cremos que a “consciência” seja apenas um ponto focal (ou talvez, mais de um), onde as sensações são percebidas e, (3 o) a percepção é física, pois requer envolvimento emocional para a alteração dos seus graus e se parece mais com o que Kant chamou de “entendimento” do que com a “consciência”. Algo semelhante ocorre na tese, também, hegeliana de que o casamento é uma união espiritual: só podemos nos aproximar da idéia do que seja ser o outro. Como um homem pode entender a penetração sob o ponto de vista feminino? Ouvindo dela, suas impressões ou por analogia, experimentar, por exemplo, um exame de ouvido, quando o médico põe dentro do canal auditivo um aparelho que aspira o excesso de cera. A natureza é realmente imperfeita: a união entre homem e mulher só se efetivaria se ambos se fundissem física e definitivamente e se tornassem um novo ser, unindo memórias e órgãos!
§82. O cooperativismo como terceira via. E vinte horas semanas! Cremos ser ele a terceira via tão procurada por intelectuais no final do século XX, entre o capitalismo e o socialismo, porque por meio dele, torna todos os seus participantes proprietários e, ao mesmo tempo, trabalhadores, sem os conflitos que existiriam se estas duas funções estivessem em indivíduos distintos. Mas, se a capacidade de empreender não é despertada igualmente em todos, urge que o Estado incentive a associação das pessoas, sob a supervisão de gerentes, para que, juntas, possam ter a mesma capacidade empreendedora – idéias, projetos, ferramentas, recursos financeiros, habilidade de produzir, negociar e motivar a equipe, etc - que, algumas vezes, observamos em uma única pessoa e que, à primeira vista, parece lhe ser um dom natural, mas que é apenas
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a posse de um grau amplo de percepção, não realmente grande, mas suficiente para ver o que os outros não vêem: oportunidades de ganhar dinheiro! Não há nada mais injusto que as pessoas que têm três empregos falem sobre o quanto é grave o desemprego: por que elas não abrem mão de um dos empregos para outra pessoa? Se trabalhassem menos, outras pessoas poderiam trabalhar. Por isso, defendemos vinte horas de trabalho semanais, também, para que as pessoas vivam mais para si mesmas: vivemos para trabalhar ou trabalhamos para viver? Há, nítida desarmonia quando as pessoas trabalham cinco dias e descansam dois e quando as oito horas de lazer estão espremidas entre o momento em que acordamos, a hora do almoço e um pouco antes de dormir!
§83. As guerras como ato infantil ou juvenil. E a arte da paz. As guerras ocorrem nos momentos em que o sentimento de pertencer a uma humanidade foi sobreposto pelas necessidades individuais, físicas, de poder, riqueza, etc. Parece-nos correto concluir que as guerras são causadas por memórias – ou estruturas perceptivas – surgidas ainda na infância, quando as crianças em seus primeiros anos desenvolvem a curiosidade por destruir o que está a sua volta, pela curiosidade de conhecer os elementos que compõem os objetos que elas manipulam, sem falar que elas pensam apenas em suas necessidades imediatas, o que não é errado. Melhor seria dizer: atos juvenis, pois é na adolescência que, como bem disse Rousseau, surge a força capaz de levar adiante os desejos individualistas; uma criança, disse ele, “só pensa no que vai comer”! Há, contudo, que se diferenciar os generais que zelam pela segurança de uma nação daqueles carniceiros que aprenderam a gostar de sangue; mas, evidentemente, a diferença é nítida. O maior absurdo é que se imaginarmos o planeta como uma laranja, veremos que é apenas na sua casca que existem seres orgânicos e mesmo assim os poucos que existem brigam entre si! Parece-nos claro que houve um tempo anterior a este em que a concupiscência e a irascibilidade eram predominantes. O que vemos hoje é um surgimento, ainda incipiente, da parte intelectiva ou, precisamente, do sentimento
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de ordem que ultrapassa os limites de nossa cultura e língua e se estende para todo o mundo e para todas as espécies. Enquanto não erradicamos as guerras, devemos buscar meios de as diminuí-las e as evitar. Não temos dúvida de que o comércio é o meio mais fácil de evitar guerras e, não somente isto, mas possibilitar o progresso. Não se trata, contudo, de qualquer forma de fazer comércio, mas, obviamente, uma que zele pelo equilíbrio de ganhos entre as partes. Do contrário, só acirrará o ódio de uma nação pela outra. Mas, embora, não rejeitemos este modo de fortalecer laços comuns, nos parece – hoje – que tal modo estimulará o desejo pela riqueza, como se ela fosse um fim em si mesmo! Há, ainda, outros modos de cooperação entre nações, que trazem em si mesmos, uma perspectiva muito mais ampla: (1) a cooperação científica e cultural e, (2) o estímulo à migração entre as nações. Estes são laços muito mais fortes e mais duradouros. Finalmente, há que se destacar a importância dos movimentos pacifistas: eles não vencem apenas quando fazem os governos pararem de guerrear. Vencem, também, quando suas manifestações reduzem o nível de agressão de um governo sobre o território de um outro. Quando vimos que um grupo chamado “escudos humanos” iria para o Iraque para ser um obstáculo à invasão norte-americana, surgiu-nos a idéia de que teria mais êxito se pessoas famosas fizessem parte dele, como cantores, artistas, escritores, religiosos, etc, não pessoas anônimas.
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7)
O MITO DAS LEIS
O presente capítulo resultou de uma escolha entre duas alternativas: (1) aceitarmos o sistema de leis sem questionar seus fundamentos e os seus defeitos, aceitando-o como algo permanente em nossas vidas, porque, assim como aceitamos um mau governo por termos aversão a ausência de governo - e ao caos social que decorre disto – também preferimos o lento, ineficiente e não raro, injusto sistema jurídico sob o qual vivemos; (2) reconhecer que chegamos a uma situação em que o sistema legal nos apresenta mais defeitos que vantagens, comprometendo a vida feliz que é o desejo fundamental dos cidadãos, um sistema em que se pode perceber claramente a diferença abissal entre o legal e o moral. Escolher a segunda alternativa, contudo, não significa preferir a ausência de regras, mas propor um meio de aplicar o que há de mais profundo em cada um de nós: o sentimento de ordem, como vimos dizendo, outro nome para o sentimento moral, quando aplicado às relações interpessoais. No século VI aC, o filósofo chinês Lao-Tze já dissera que “o intelectual é um perigo para o estado pelo fato de querer legislar sobre tudo e tudo regulamentar; sua idéia é construir uma sociedade geométrica, não percebendo que essa geometrização destrói a liberdade e o vigor dos componentes sociais... um flagelo para o povo” (Durant, Will: História da civilização, Parte I, p.183-84). Montesquieu em sua obra O espírito das leis (cap.IV) escreveu que “muitas coisas governam os homens: o clima, a religião, as leis, as máximas do governo, o exemplo das coisas passadas, os costumes, as maneiras resultando disso a formação de um espírito geral”. Por que então darmos predominante importância às leis escritas e não aos sentimentos mais profundamente enraizados dentro de nossas mentes? O mesmo pensador (L.19, cap.V) reconhece que se existisse uma nação com um “temperamento social, uma sinceridade no coração, uma 139
alegria na vida, não se deveria procurar constranger com leis”. Beccaria escreveu (Dos delitos e das penas: §VII) que quando as leis são boas impedem abusos; mas, também, que “basta o simples bom senso: guia menos enganador” para estabelecer a justiça. Mas, como expomos até aqui, a “razão” não é mais que um sentimento interno que surge quando estamos diante de uma harmonia social ou a desejamos.
§84. O sistema legal é potencialmente infinito. Aristóteles acreditava, como quase todos os pensadores gregos, que o infinito é uma característica imperfeita para que fosse atribuída ao universo ou a um Deus. Para ele, “infinito” denota aquilo que, por sua própria definição “não pode ser atravessado”. Uma das provas mais cabais disto, consiste na proliferação das leis que tendem a atingir um número sempre crescente no sentido de tornar todo o sistema legal potencialmente infinito. Potencialmente, porque sempre será possível adicionar uma nova lei, detalhando a lei anterior ou adicionando uma nova lei às já existentes. Um outro exemplo de que a busca do infinito não caracteriza a essência da vida e do universo: o câncer, onde as células alteradas têm o potencial de crescerem infinitamente, visando apenas sua existência e não a do todo ao qual elas fazem parte, são uma ameaça, uma situação anormal e inaceitável, que põe em risco nossas vidas. O sistema de justiça caracterizado através de leis e códigos não conduz a uma harmonia entre os indivíduos, mas a uma desarmonia, pois haverá sempre um detalhe que não foi previsto e, ele, será visto como uma oportunidade aos aproveitadores, enquanto que representará a perda para todo o restante dos indivíduos. Sem falar nas novas reflexões filosóficas e descobertas científicas que trazem à discussão, em um ritmo cada vez maior, um expressivo número de novas questões que precisam de legislação. Exemplos como, crimes na internet, a clonagem, etc, produzem desconforto nas sociedades, por terem que esperar por um código ou uma nova lei, sabendo que por um longo período, ficarão desprotegidas. Um sistema judicial que destaque o sentimento moral – eterno, objetivo, válido em qualquer parte do universo - e não as temporais leis escritas -,
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é, de longe, o mais preparado para enfrentar as mudanças que surgem sem aviso.
§85. Sobre o direito natural. Outra questão que é pertinente é nos perguntarmos se temos direitos naturais? Piaget chamou, preconceituosamente, o direito natural de “sobrenatural”. Giorgio del Vecchio escreveu que “o direito positivo nada mais é do que a realização do direito natural” (ARRUDA, Roberto. Introdução à Ciência do Direito. p.420). Concordamos com ele. Mas, como devemos ser precisos nas nossas terminologias, queremos deixar claro que por direito natural queremos denotar simplesmente um sentimento de que a humanidade – e, também, o restante dos seres e objetos do universo – são vistos como elementos de um quadro harmônico, presentemente ou em um futuro próximo. Não vemos porque entender o direito natural como leis que a razão descobre por si mesma, mas, sim, um sentimento de prazer que pode surgir quando nossa percepção contempla o mundo a sua volta. Já Hans Kelsen no “Tratado geral do Direito e do Estado” (p.18), por sua vez, escreveu que “caso se pudesse ter conhecimento da ordem absolutamente justa (...), o Direito positivo seria supérfluo, ou melhor, desprovido de sentido”. Mas, é exatamente o que, neste livro, mostramos: uma tese que aponta para a existência de um sentido de ordem – interno em nós -, capaz e suficiente de, por si mesmo, aprovar as ações justas e reprovar as injustas e, assim, cumprir a profecia que Kelsen esperava não ver cumprida! É uma pena que Jean-Louis Bergel e Kelsen – e antes deles, Hegel – tenham distinguido Direito de Moralidade e, ainda, tenham dado excessiva importância aos costumes, invertendo toda a ordem da verdade. Escreveu Bergel, no Tratado Geral do Direito, (p.49) que o Direito e a Moral “perseguem fins diferentes”: no primeiro, busca uma “sanção socialmente organizada”, enquanto a segunda, as sanções estão na “consciência do indivíduo”. Não vê o pensador que é o sentimento de ordem – interno em nossas mentes – que origina o sentimento de moralidade e a partir dele, os costumes e, depois, as leis.
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Kelsen, à semelhança de Bergel, também afirma a distinção entre Moral e Direito. Primeiro reconhece a incompetência do direito “para responder se cada lei é justa ou injusta ou no que consiste o elemento essencial da justiça”. Depois, nega a existência de uma ordem injusta, porque a felicidade de uma pessoa sempre entrará em conflito com a das outras. Não sabemos por que Kelsen definiu a felicidade nos desejos individuais, talvez por desconhecer o sentido moral que trazemos dentro de nós.
§86. A lei do divórcio banalizou o casamento e a família. Nada nos parece tão claro quanto o fato de que a origem da violência nas cidades se deve à destruição das famílias e que a principal causa desta tragédia social é encontrada na lei do divórcio. Nascida com o objetivo de harmonizar as relações conjugais e, também, para legalizar os filhos de relações fora do casamento. Como se o casamento existisse apenas para duas pessoas, tese que Santo Agostinho foi o primeiro a se opor. O divórcio autoriza a destruição de uma instituição indispensável para a formação do caráter dos filhos. Não é por acaso que os papéis do pai e da mãe se mantiveram por milhares de anos: há neles um equilíbrio entre afeto e obediência. Funções que não podem ser acumuladas apenas por um deles: como um filho obedecerá a uma mãe que muitas vezes precisa ceder para não perder a guarda do filho? Ou a um pai que a vê pouco! Não se pode atribuir a violência à pobreza, porque quando a área rural era mais populosa que as cidades, as pessoas viviam precariamente, sem saneamento básico, sem água tratada e subnutridas, mas não havia lá tanta violência. Há casos freqüentes de adolescentes que têm as necessidades básicas satisfeitas, mas não têm o afeto e o controle de seus pais. A educação dos filhos é tão importante que deveria ser exigido exame psicotécnico para futuros pais, como se exige para dirigir carros! Priorizamos a quantidade (como uma produção industrial em série) de seres humanos e não a qualidade! Aliás, o que os intelectuais e políticos de esquerda não perceberam é que o controle populacional deveria ser um instrumento dos planejadores progressistas, pois quanto menor a
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população, menos competição por vagas de empregos e, assim, menor demanda por trabalho, resultará em ofertas mais vantajosas, isto é, salários mais altos. Se nós pensarmos sobre a causa da série de violências que vivemos hoje, não regrediremos às drogas ou as armas disponíveis facilmente, mas à destruição das famílias, quando uma mulher tem filhos de um ou mais homens e deixa que o mundo os cuide!
§87. Direitos e deveres: um fundamento fisiológico. Convém definirmos o significado dos termos direito e dever de um modo mais simples. Hobbes, no século XVI, entendeu por “direito”, liberdade, isto é, a capacidade de não ser limitado em seus movimentos externos. Em contraste com o direito há a “lei”, uma obrigação, estabelecida por convenção pelo poder soberano. Propomo-nos, a seguir, a tornar ainda mais claras estas mesmas definições: por “direito” nos referimos a uma situação, objeto ou condição que faz surgir em nossa mente um “prazer” e por “lei” ou “dever”, dor ou dores. Mas, há uma questão a destacar: nem sempre uma lei produzirá dor, embora geralmente sto ocorra. Lembramos o que disse Hegel, em sua obra “Princípios de Filosofia do Direito”, quando apontou, corretamente, que nem sempre cumprimos tais obrigações, sem uma resistência dentro de nós mesmos. O que acontece nestas situações? É que a maior parte das pessoas busca seus prazeres mais imediatos, relacionados a percepções mais limitadas e não àquelas amplas. Por isso que, para essas pessoas, há dor; mas, se elas tivessem uma percepção mais ampla, sentiriam um prazer, pois, aí, se reconheceriam como parte de uma família ou de todo um país. A novidade de nossa tese é que descobrimos um prazer puramente mental em lugar da velha crença de que só haveria uma dor corpórea, quando seguimos as leis do governo ou quando seguimos o nosso sentido interno de moralidade. §88. Sobre os princípios legais. Jean-Louis Bergel quando trata dos princípios gerais, na obra Tratado Geral do Direito, como os “fermentos da evolução do Direito”, indaga se não se originariam na tradição? Nossa resposta é não. Tais princípios se originam no 143
sentimento de ordem, interno em nós. Ou melhor, são expressões dos sentimentos e não existiriam caso o sentimento de ordem não existisse. Bergel ao crer que tais princípios advenham dos costumes, não se deu conta de que os próprios costumes advêm, antes, de um sentimento profundamente enraizado em nossas mentes – de justiça. Queremos acrescentar um novo raciocínio pensado no final de agosto de 2005 ao que dissemos antes: é ilógico dizer que há muitos princípios, visto que princípio quer dizer "começo". Ora, as leis só têm um "começo", na racionalidade ou, como cremos, no sentido de ordem. Quem diz que existem muitos princípios se equivoca, pois está dizendo que há muitos começos ou pontos de partida distintos que fundamentam as leis. Segue-se disto que: há um princípio, mas ele, enquanto puramente formal é o mesmo, mas quando aplicado a fatos distintos sofre alteração pelos costumes, conteúdos. Em relação à nossa tese de que por trás de um princípio está um sentimento, decorre do fato de que só um sentimento pode confirmar se o princípio escolhido é o correto ou não ou, do contrário, teríamos que recorrer a um outro princípio e, assim, provaríamos que aquilo que parecia ser um princípio não o é, pois há um princípio que o antecede. Além disso, se um princípio precede outro e este um outro, em uma série infinita... não haveria um começo, nem princípio. Àqueles que colecionam princípios deveriam incluir este: prevenir é melhor que remediar ou o princípio da prevenção. Um bom exemplo de sua aplicação: cães que fogem do pátio são uma ameaça às pessoas, mas como não há lei específica, os poderes executivo e legislativo não fazem nada, exceto se houver mordida. Devemos esperar pela mordida, não basta o trauma psicológico?
§89. A irretroatividade da lei. A previdência social no Brasil paga a 17 milhões de pessoas – que trabalharam em empresas privadas - uma quantia de R$20 bilhões de reais, enquanto que a um outro grupo de 2 milhões de pessoas – funcionários públicos
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aposentados – R$50 bilhões. Há, evidente uma injustiça. Recentemente, o juiz que preside o Supremo tribunal federal se opôs à alteração das regras da Previdência social, dizendo que somente se poderia alterar tais regras em um Estado revolucionário, mas nunca em um Estado onde há a lei, onde são preservadas as garantias conquistadas. Mas, por que proteger garantias injustas e nos prendermos a princípios artificiais (pequenas leis) como a irretroatividade da lei, que trás consigo a noção de tempo como algo irreversível, mas sabem eles o que é o tempo? O argumento do juiz de que isto põe em risco o “Estado de direito” é adequado, mas apenas se fosse inquestionável; contudo, sabemos que as leis não expressam uma razão pura. Qual o Estado de direito que está sendo ameaçado? Aquele sob o qual se assentam interesses particulares. Recentemente o judiciário puniu com a perda do mandato aqueles legisladores que tinham trocado de partido político, sem que existisse sequer uma lei sobre esta questão, sinal de que a função do juiz não é só seguir a lei, mas manifestar um sentimento diante de um fato imoral.
§90. Ninguém deve alegar que desconhece as leis? Não aceitamos a tese de que ninguém pode, para se defender, dizer que ignora as leis. Identificamo-la, primeiro em Hobbes, mas isto a sua concepção se deveu ao fato de que, para ele, as leis de natureza são idênticas às virtudes cardeais, que todo o cristão deve conhecer e trazer dentro de si! O máximo que aceitamos é que ninguém pode dizer que não se reconheça como parte da humanidade, condição que nos faz viver juntos.
§91. Jurisprudência, interpretação da lei e o sentimento. Fonte principal do direito anglo-saxão, consiste, segundo Bergel, em um poder “paralegislativo”, diferente na França onde se evita usar (Tratado Geral do Direito: p.81). Os franceses parecem intuir que se a existência de leis por si só já é suficiente para gerar tantas controvérsias, imaginem permitir que sobre elas se acrescentem mais regras ou interpretações! Em nossa opinião, todos estes
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argumentos só reforçam que sendo a Lei insuficiente e a Jurisprudência inaceitável, se segue que se deve defender a supressão destas duas instâncias. Na mesma leitura que fizemos de Bergel, ele escreve: “ao aplicar a regra do direito, por definição geral e abstrata, supõe na passagem do geral para o particular, uma etapa intermediária, a interpretação da lei” (p.322). Não vemos necessidade de qualquer intermediário entre uma percepção geral – papel atribuído às leis – e os fatos particulares. Do que descobrimos de nossa fisiologia mental, esta transição requer apenas que o cérebro sobreponha à percepção geral, a presente percepção particular, ou seja, do caso ou disputa em questão. Este seria um bom argumento de quem defenda a existência das leis positivas. Contudo, a dificuldade central é que, em se tratando de leis escritas – como vimos dizendo –, elas abrem brechas mesmo quando se procura fazê-las simples, permitindo o seu descumprimento por oportunistas. Kelsen afirmou (Théorie pure du Droit) que “a interpretação não depende do conhecimento em Direito positivo” e nem mesmo “é um problema da teoria do Direito”. Pertence, afirmamos, à esfera do sentimento interno de ordem.
§92. Sobre a igualdade das penas e suas reduções. E o que é raiva? Há razões para Beccaria (Dos delitos e das penas: §VII) ter defendido a igualdade das penas: disse ele que “cada homem tem sua maneira própria de ver; e o mesmo homem, em diferentes épocas vê diversamente os mesmos objetos”. Beccaria acreditava que não se poderia esperar que por si só que os homens fossem capazes de julgar justamente e, evitaria, assim, “raciocínios perniciosos” (§IV), como alguém ser punido diferentemente pelo juiz ou pelo rei – quando tiram “a liberdade ao inimigo” e deixam “livres os que eles protegem” (§VI). Mas, se vivêssemos em um período como o de Beccaria, nada impediria que as leis fossem descumpridas! Mas, tratamos os nossos filhos igualmente? Não. Damos mais atenção àqueles que, em um momento precisam mais nossa ajuda. Estamos certos de que, se dermos os postos de juízes a pessoas eleitas e com reconhecida experiência de vida, dedicada às causas sociais, não haverá excessos, nem faltas, nos seus veredictos!
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Uma outra causa, segundo Beccaria, seria aquela que permitiria aos cidadãos “poderem calcular exatamente os inconvenientes de uma ação reprovável”. Ou seja, não agiríamos visando o bem, mas, até onde pudemos continuar cometendo abusos! Um outro problema diz respeito às reduções de penas por bom comportamento ou pelo cumprimento de uma parte do tempo total: a quem interessa estes benefícios? É, também, um modo covarde de promover um novo julgamento, só que, agora, sem advogado de defesa, promotor e júri, agora, com a presença solitária de um juiz, que agrega todas as funções anteriores! E como resolver o problema das prisões? Hoje em dia não se aceita que animais sejam mantidos atrás das grades, por que aceitar que homens fiquem? Não faz sentido punir quase todas as infrações com prisão, quando se poderia punir com multas – não é o bolso o ponto mais sensível do corpo humano? E se não puder pagar? Quem sabe um trabalho forçado no qual ele gere energia elétrica andando em uma bicicleta? Li que haveria dois tratamentos diferentes, um para quem é pobre e outro para quem é rico. É simples: ao rico se cobra o dobro ou triplo do que roubou e ao pobre, apenas o que roubou. E sobre a duração das penas de prisão, quando for inevitável? Nós deveríamos calculá-la de acordo com o tempo da vida da vítima que foi perdido (ou o dano psicológico sofrido) e punir o criminoso com o mesmo número de anos. Até que a ciência consiga apagar as memórias que originam a raiva em um criminoso ou reduza a quantidade de ligações entre os neurônios. Mas, o que é raiva? É um erro grosseiro pensar que a filosofia surgiu da contemplação da morte; se fôssemos eternos, escreveríamos volumes e mais volumes sobre isso, praguejaríamos os deuses por nos ter dado a eternidade, etc! Começamos a filosofar quando observamos eventos incompreensíveis, muitas vezes banais. Uma vez nosso gato de estimação estava com obstrução urinária e cada vez que tentava urinar ele fazia uma expressão idêntica àquela que ele fazia quando estava diante de outros gatos que invadiam o seu território. Assim, concluímos que a raiva é outro nome para dor! Quando alguém nos odeia ou alguém odeia nações inteiras é porque eu ou milhões provocamos dor em alguém!
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§93. Queremos um Poder judiciário eleito e cujo acesso seja universalizado! O nosso argumento central é o seguinte: se o judiciário é um poder da república e vivemos sob uma democracia e na democracia todos têm direito a votarem e serem votados, então deve haver sufrágio universal, também, para o poder judiciário. É um absurdo imaginar um poder restrito a médicos ou engenheiros. Por que para bacharéis de direito? Nada impede que eles sejam assessores dos juízes, mas não necessariamente os juízes! Seria um absurdo limitar as funções de presidente, governador e prefeitos para bacharéis em administração, mas se aceitou sem questionamento que um poder pertencesse a uma classe profissional! Sem falar que vemos, ainda hoje, uma claríssima limitação do acesso a função de juiz apenas às classes - econômicas - média e alta, que têm acesso à instrução, o que não significa sabedoria, como bem disse Heráclito, no século VI aC. Não vemos razão, também, para cargos vitalícios num regime democrático em que a alternância do poder é tão saudável. Aristóteles, na obra A política (L. VII, c. 1), já defendera que “todas as magistraturas sejam eletivas... que todos os juízes sejam tirados de todas as classes”, para que “obedeçam e mandem alternativamente”. Por que rejeitamos os concursos públicos para o ingresso de magistrados? Porque um concurso mede somente a capacidade da memória e não o sentido de ordem que alguém, ao longo da sua vida, tenha desenvolvido. Desenvolvimento – ou, melhor - descobrimento de algo enraizado em nossas mentes - que se observa, com mais intensidade, nas pessoas que dão mais à coletividade do que recebem dela - ao homem prudente, escreveu Platão, se deve dar mais força do que às leis, pois ele sabe o que é certo e o que é justo! E se os juízes forem eleitos, quem pagará sua campanha? Nossa idéia mais imediata, é que os partidos políticos possam sugerir nomes, como fazem nas campanhas para o Poder Executivo e o Legislativo. Entretanto, pensamos que seria mais adequado que os indicados nunca tivessem feito ficha nos partidos ou
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que, na medida em que tivessem se candidatado a um poder ficassem automaticamente proibidos de se candidatar ao Judiciário.
§94. Magistrado único ou uma pluralidade deles? E o júri popular. Vemos como indispensável, também, que um julgamento não esteja sob a autoridade de um único juiz, porque não se deve submeter uma decisão importante a uma só pessoa, sem falar no risco de corrupção que, para isso, bastaria comprar um só homem. Montesquieu escreveu que o magistrado único “só pode existir no governo despótico. Vê-se na história romana a que ponto um juiz pode abusar de seu poder” (O espírito das leis: Livro VII, cap.10). Por isso, os julgamentos deveriam sempre ter a presença de um grupo de juízes, em um número não superior a dez, pois é preciso que se possa listar os votos de cada um, para que a sociedade os julgue na próxima eleição. Um grande número possibilitaria facilmente que alguém se escondesse em meio a uma multidão. Do que dissemos até aqui, parece evidente que rejeitamos o instituto do júri popular, pois trazem em si costumes e não há garantia de que julguem com isenção. Caberá aos eleitores eleger quem merece a sua confiança para fazer justiça. Em um júri popular, não há nenhuma garantia disto.
§95. Como alterar o sistema de justiça? Um bom começo, no que se refere a uma alteração do poder judiciário, seria o presidente da república propor uma alteração constitucional visando, em um primeiro momento, que seja revista a sua tarefa de nomear os juízes da Suprema corte e, então, convocar eleições diretas. Feito isto, teremos dado um passo seguro em direção a uma progressiva democratização do poder judiciário, cuja alteração continuará nos outros níveis, estadual e municipal.
§96. O Judiciário e os demais Poderes. É essencial que o ato de instituir regras – não mais leis rígidas – permita a cooperação mútua entre os Poderes, como consultas prévias ao Judiciário sobre uma regra que esteja sendo planejada (por planejar entendemos imaginar algo
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futuro), evitando assim, uma futura rejeição e o conseqüente desgaste envolvido. O Judiciário, por sua vez, poderá, também, oferecer sugestões de novas regras antes mesmo que o poder executivo perceba a necessidade delas. Já o poder legislativo deve ter como tarefa a de fiscalizar as ações do Executivo, controlando a realização efetiva do orçamento e das políticas públicas. Não é por acaso que na origem deste Poder, não encontramos a de legislar, mas a de ser a voz dos diversos grupos sociais!
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A ARTE E O BELO NÃO SÃO SUPÉRFLUOS.
É oportuno lembrar a opinião apresentada por Sigmund Freud, no capítulo II da obra O mal-estar na civilização, publicada em 1930 e que sintetiza a situação em que se encontra a estética: escreveu ele que tudo o que se tinha escrito sobre o belo tinha sido tão pomposo, quanto oco. A própria Psicanálise, afirmou, pouco tinha contribuído para a questão.
§97. Dor e prazer por trás do sentimento do belo. E o que é a aura? A origem de nosso sentimento estético repousa em uma dor muito sutil até hoje não identificada, exceto por este nosso presente trabalho. Uma dor relacionada à capacidade da memória de reter os estímulos que lhe são externos. Não faz, portanto, qualquer sentido dizer que a arte é um “luxo gratuito”; ela é expressão dos sentimentos mais intimamente enraizados em nós. É evidente que se pode usar obras de arte para ganhar dinheiro, assim como se usam outros 150
objetos, diamantes, carros, casas, etc, mas, neste caso, a arte é um meio de satisfazer outra necessidade: financeira; alguém procurará despertar a ambição por obras raras, cujos artistas sejam pioneiros em um estilo, ou se pode, ainda, enganar os outros dizendo que uma obra é arte – uma mentira repetida parecerá uma verdade! Outro problema é o modismo: alguém deixa de pôr na parede um quadro com uma arte figurativa, porque está na moda pôr um quadro abstrato. Ser ou não ser diferente, eis a questão! De nossa parte, entendemos que toda a expressão artística é (ou deve ser) uma busca para fazer surgir um prazer mental, diante de cenários que se apresentem caóticos ou monótonos. O sentido estético é, portanto, uma necessidade vital, aquilo que garante nossa sanidade, uma higiene mental. Não é por acaso que institutos psiquiátricos e presídios estimulam seus internos à fazerem arte, para que possam ter um canal de expressão de suas estruturas internas e mesmo para desenvolver uma percepção mais ampla da vida, especialmente no caso dos presos, uma vez que os crimes são cometidos quando priorizamos nossas necessidades mais imediatas, sem pensar nos outros. Poderão dizer que a duração é uma dor sutil que é facilmente ofuscada por outras dores. Não é verdade. A dor da fome, por exemplo: ela é percebida por uma pessoa instantaneamente, mas, uma segunda, terceira, etc, percepções não serão provindas da sensação de vazio do estômago, mas da dor que a repetição das sensações e, portanto, passará ao âmbito da dor mental, da dor por excesso de sensações de fome na memória. As dores ditas, por nós, de mentais são as mais intensas e mais fundamentais em nós, embora normalmente não as percebamos. E o que é a aura de uma obra? Walter Benjamim apresentou uma definição incompleta: disse que ela era como a sombra de folhas sobre nossa cabeça ou a imagem de uma montanha distante. Parece-nos que a aura diz respeito ao sentimento do belo (a ausência daquela dor mental) quando a ele anexamos todas as informações históricas da obra produzida. Se alguém visse o David de Michelangelo e não conhecesse a sua origem (século XVI d.C.), não o acharia belo?
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Mas, e se o tempo não existir? Então, quando dizemos século XVI, apenas podemos dizer que a obra foi concebida há alguns milhares de quilômetros atrás! Mas, um aspecto importante na tese de Benjamim é que o capitalismo (ou a reprodução, cópia, mecânica das obras de arte) separa em partes o que é mais belo quando é contemplado inteiro, como um artista que constrói sozinho um carro (ou imagina novos pratos para um restaurante) em contraste com operários que só lidam com partes específicas e ignoram o todo (ou uma rede com milhares de lojas, todas repetindo o mesmo cardápio e os mesmos ingredientes). Além disso, contribui para destruir as novas idéias e o artista, quase um ser divino, é substituído por alguns trabalhadores que parecem robôs! O capitalismo ao expandir suas fronteiras para lucrar mais, também padroniza produtos, limitando a diversidade de idéias; produz-se um carro, uma refeição, etc, para o mundo todo!
§98. Há um desejo sexual por trás do sentimento do belo? Freud escreveu que o sentimento do belo é derivado do sentimento sexual – “o amor da beleza parece um exemplo perfeito de um impulso inibido em sua finalidade”. E prossegue: “‘Beleza’ e ‘atração’ são, originalmente, atributos do objeto sexual. Mais adiante se contradiz: “Vale a pena observar que os próprios órgãos genitais, cuja visão é sempre excitante, dificilmente são julgados belos; a qualidade da beleza, ao contrário, parece se ligar a certos caracteres sexuais secundários”. Ou o belo se liga à sexualidade ou não se liga. O que são caracteres secundários? Sexo é uma necessidade como outra qualquer e nenhuma necessidade é melhor ou mais prioritária que outras, além do fato de que todas as ações são produto do sentimento interno de ordem. É claro que se nossa história de vida nos conduziu para vivências intensas relacionadas ao sexo – ou, pelo menos, ao afeto -, as percepções construídas nestas experiências intensas nos conduzirão a repetir um estímulo futuro semelhante àquele primeiro. Não é raro que ao conhecermos uma pessoa, a vejamos como belíssima e, somente com a sucessão das experiências, observemos seus defeitos. Isto se
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deve, supomos, ao fato de que quando da apresentação, estávamos nervosos, inseguros, diante de uma experiência imprevisível, caótica, que viveríamos, o que provocou uma alteração na estrutura perceptiva. Foi o caso sobre o qual Erasmo de Rotterdam, em sua obra Elogio da Loucura tratou quando disse que um homem casado pode achar a sua mulher a encarnação da Vênus, deusa da beleza, mesmo que ela seja feia.
§99. As mulheres belas e vestidas. E a proporção áurea. O poeta francês Boris Vian escreveu: “deve-se reconhecer, com tristeza, que as mulheres bonitas, quando estão nuas, nunca coincidem com as mulheres bonitas quando estão vestidas. Há naturalmente algumas exceções, minha mulher...a sua também, se você tiver escrito estas linhas”. Este poema nos fornece algumas “pistas” para filosofarmos: embora não pretendamos discutir a beleza de um corpo, queremos identificar uma situação que, cremos, muitos de nós já devem ter constatado, a dificuldade de reconhecer, em uma pessoa, onde termina as costas e começa a cintura, por exemplo. E isto pode ser resolvido ou amenizado se colocamos uma corrente ou um cinto... Pronto! Eis aí um objeto artístico que nos permite reconhecer os limites onde, antes, não havia nenhum. Então, a dor tem fim e o prazer tem lugar. Sem contar uma longa lista de objetos ornamentais utilizados para estabelecer limites do corpo que naturalmente não existem: colares, pulseiras, relógios, correntes nas mãos ao tornozelo, etc. Do uso de acessórios passamos para as roupas. A humanidade não começou a usar roupas quando sentiu vergonha do pecado que cometeu ainda no paraíso (um outro mito), mas, simplesmente quando começou a usar – mesmo primitivamente – o pensamento. Não fomos expulsos do paraíso; saímos porque sentimos tédio daquele lugar, contemplando a mesma paisagem, repetidas vezes! É claro que pode ter havido outras causas, como a sensação de posse do homem em relação à mulher - o uso da roupa como um meio para desestimular poligamia. E por que outra razão se usaria maquiagem no rosto, senão para o realçar, para melhor serem identificados os limites dos lábios, dos olhos e os contornos da face? E os cabelos? São eles, também, elementos que compõem com o resto do
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corpo uma expressão do nosso sentimento estético. Acreditamos que exista um predomínio de um grau de percepção, fazendo com que alguém escolha detalhes ainda mais específicos, como cabelos curtos ou longos: mulheres que preferem curto, parecem dar mais atenção à proporção do cabelo com o rosto e as que preferem longo, à proporção com o corpo, o que parece indicar que a parte do corpo mais belo seja, respectivamente, o rosto e todo o corpo. As que usam cabelos curtos, parecem-nos mais intelectivas do que as que usam médio irascíveis - ou longos - concupiscíveis, embora nestas últimas possa ocorrer um equilíbrio das três partes. Mas, não basta ter um comprimento de cabelo; é preciso que a pessoa tenha, ela própria, escolhido. Lemos pesquisas científicas que identificam como rostos belos àqueles em que há simetria, onde um lado do rosto é semelhante – quase idêntico - ao outro. Estas pesquisas põem em evidência que o senso do belo não é subjetivo – há evidente uma raiz objetiva - contrariamente ao “senso comum”. Mas, embora um objeto simétrico seja imediatamente tomado como belo, ele, também, é mais facilmente descartado, uma vez que se torne repetitivo! As Ciências há séculos procuram as medidas ideais da face humana para a comprovação do que seja o belo – basta ver os estudo de Leonardo da Vinci sobre as proporções humanas, em vão, pois (às vezes o senso comum está certo) “a beleza está nos olhos de quem a vê”. Nossa presente tese defende que os elementos de um rosto, devem ser percebidos em uma mesma duração, para ele ser considerado belo. Assim, o juízo do belo dependerá da perspectiva que alguém adotar. Quando Kant diz que o juízo estético é individual, relacionado a um gosto pessoal, mas assentado em uma base universal – comunicável a todas as outras pessoas -, só podemos crer que ele está falando de um belo relacionado à cultura na qual alguém esteja inserido, mas, não do sentido de ordem acompanhado em um máximo grau de percepção, amplo, condição esta que acreditamos esteja na base do sentido do belo de um modo objetivo, quando cada elemento de uma obra - natural ou cultural – deva ser percebido, ou instantaneamente, ou cada um destes elementos, em uma mesma duração que os outros. É claro que tais percepções são inconscientes e só temos consciência da parte final do processo,
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qual seja, o sentimento de que algo é belo ou não ou, então, é mais belo que um outro. E a proporção áurea? A partir da seqüência de números concebida pelo matemático Fibonnaci, 0,1,1,2,3,5,8,13,21,34,55, etc, onde a soma de dois números dá um, se observou que dividindo o seguinte número por seu anterior, se obteria um mesmo valor: o “número de ouro”, exceto nas divisões 2/1=2; 3/2=1,5. Mas, será o mesmo número? Quando dividimos 5/3 dá 1,66; 8/5 dá 1,6; e 13/8 dá 1,625, o que não são iguais, mas próximos. E mesmo que fossem 1,6, ainda poderíamos com uma régua mais precisa distinguir diferenças em centésimos ou milionésimos de milímetro ou ainda, poderíamos construir infinitas réguas cada uma mais precisa que anterior e, assim, não poderíamos chegar a nenhuma medida definitiva! Por isso, a ordem que a proporção áurea parece nos fazer notar nos objetos e seres do mundo, depende do modo como a nossa mente percebe padrões, ou melhor, no modo como o mundo exterior se conforma às medidas de nossa própria mente! Ainda: assistimos na televisão que em uma planta as folhas brotam segundo a proporção áurea de tal modo que nenhuma folha surge fazendo sombra para outra folha, mas o que o matemático não notou é que nascem, sim, fazendo sombras sobre outras e o que ocorre é que a folha de baixo, com pouca luminosidade, amarela e cai!
§100. O belo em si. O mundo das idéias de Platão e o teste do retroprojetor. O belo em si parece ser um meio termo entre dois extremos: nem o sol com seu brilho máximo, que nos cega, nem a noite fechada onde não vemos as estrelas, são belos em si mesmos. Agora, sob o ponto de vista de uma divindade, que supomos ver tudo sem distinção e instantaneamente, a noite fechada ou a luz cegante são belas. Mas, é sob o nosso ponto de vista limitado que devemos tratar o “belo em si”. Platão, em A República, escreve, no seu quinto livro que os rostos morenos são “varonis” e, portanto, fortes e expressivos; enquanto que os loiros, são comparados, por ele, a “filhos dos deuses, embora sejam pálidos”. Estamos cometendo um erro ao limitar a relação cor de cabelos e cor da pele às pessoas
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morenas e às loiras; melhor, é imaginarmos um mundo em preto e branco: haverá diversas outras combinações que serão tidas como belas em si. E quando a cor do cabelo contrasta muito fortemente com a cor da pele, ou vice-versa, pode-se dizer que a pessoa é bela em si? Não. O contraste faz destacar um elemento, que, então, é contemplado e julgado belo ou não, mas, apenas, isoladamente. Podemos estar aqui levando o leitor a um equívoco: fazê-lo acreditar que, ou algo é belo ou é feio. Não se trata disto, mas, sim, de graus de beleza e, devemos acrescentar, que dependerá da nossa capacidade de observação de mais ou menos harmonia entre os elementos do rosto, do corpo e, numa de um modo mais amplo, da mente, como temperamento, personalidade e caráter. Há outros aspectos envolvidos na escolha do cabelo: (a) a tendência das mulheres por cabelos lisos e não encaracolados. Isto tem raiz na fisiologia: é mais fácil identificar o primeiro tipo do que o segundo, ou seja, apreender a imagem em uma duração menor; (b) no Brasil vemos um grande número de mulheres morenas clarearem seus cabelos, se tornando morenas claras ou loiras; mas, o sentido inverso, não é observável em grande profusão. Não poderão dizer que os animais como os gatos ou cães são belos, mas neles podemos observar a mesma coloração da cabeça aos pés? Acontece que há uma diferença significativa: os pêlos nos animais cobrem o corpo todo, mas isto não ocorre em nossos corpos, onde o cabelo é um elemento à parte da pele do corpo e deve se destacar – como os demais elementos – igualmente. Nos animais, o pêlo espalhado por todo o corpo serve como tela sobre a qual a natureza pinta certos contrastes. Na obra A República (capítulo V), Platão também tratou sobre o “belo em si”, se referindo a um outro mundo – eterno – alcançado por meio da atividade intelectual, diferindo, neste caso, em muito da nossa tese, que explica a experiência ou o acesso ao “belo em si” na própria fisiologia da mente. Em pelo menos um aspecto, ele está certo: é preciso um certo distanciamento dos costumes e padrões estabelecidos pela nossa cultura.
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Mas, o que é o “mundo inteligível” de Platão e de muitos outros filósofos? É o mundo cerebral; nem superior, nem inferior ao resto do mundo que nossos sentidos
recebem
e
nossa
memória
retém.
Tampouco
este
mundo é
incompreensível ou inatingível. Se nos perguntarem onde está a idéia eterna do belo, diremos que a única dificuldade de representarmos as idéias do belo, é desenhar ou pensar os elementos de um rosto sem que nenhum deles predomine sobre os demais. Em verdade, é possível que um dos elementos predomine. Neste caso, a percepção comparara este com a soma dos demais elementos, emitindo uma sensação de prazer ou bem-estar. Gostaríamos de provar que o belo em si surge dentro de nossa mente: peguemos um aparelho “retroprojetor”, instrumento que projeta em uma tela uma imagem impressa em uma folha transparente. Detalhamos a descrição, pois quem sabe, se um leitor do ano cinco mil não irá ler esta obra... Bem, coloquemos a folha com uma imagem de uma maçã, por exemplo. Progressivamente - e lentamente -, tiremo-la de foco. O que acontece? Progressivamente, iremos observar que, em primeiro lugar, as cores desaparecerão e, por último, antes da imagem toda ficar desfocada e desaparecer, veremos a forma, não mais irregular da fruta, mas um círculo perfeito. Simples física ou especificamente... ótica! Eis o mundo das idéias de Platão, vinte e cinco séculos depois!! Quanta confusão foi produzida de lá até os nossos dias... Schopenhauer escreveu na obra Dores do mundo (p.153), que a arte era uma “libertação passageira”, enquanto o ascetismo, isto é, o desprendimento das coisas terrenas em prol de uma elevação do espírito, uma “libertação definitiva”. A contemplação do belo nos liberta do quê? Podemos dizer apenas que nos liberta de uma percepção caótica ou de uma percepção repetitiva, ambas causadoras de dor em nossas memórias. Não vemos nenhuma elevação do espírito. Até, porque, se o belo nos conduzisse a uma experiência com algo divino, então, teríamos que perguntar se o feio nos levaria a uma experiência com algo demoníaco, o que nos soa como completamente absurdo! Contudo, não podemos subestimar tal sentido de ordem, porque se não há um “ego” (eu) dentro de nós, então tudo o que vemos é objetivo e tudo o que sentimos revela um comportamento que está em cada
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porção de matéria. E se procuramos por um sentido de nossa vida é porque deve haver realmente um. Vejamos algumas obras clássicas e investiguemos se são “belas em si” : (1) quando olhamos a “Gioconda”, de Leonardo da Vinci, vemos que o corpo humano ocupa uma porção do quadro ligeiramente maior que a paisagem. Aí já reside um problema, pois a imagem da mulher exigirá um tempo maior para ser percebida, ocupando – supomos - um espaço maior em nossa memória ou, pelo menos, provocando dor por a percebermos mais vezes do que a paisagem. Uma obra magnífica é a Santa Ana, onde os tons de azul, do céu e da veste da santa, se equilibrando com os tons avermelhados do chão, dos corpos e das demais roupas. E a sua “última ceia”? A princípio parece realmente bela, pois o artista dividiu em duas partes iguais, uma acima da mesa e a outra abaixo. Só que a parte de baixo – que inclui Cristo, os apóstolos, os pratos, etc, parece mais cheia de elementos que a parte de cima, o que requererá mais tempo para ser percebida do que o tempo de percepção do teto; (2) tínhamos escolhido analisar a “nascimento de Vênus”, de Botticelli, como exemplo de “belo em si”, mas há um excesso na imagem do mar e, além disso, há um artista que merece maior atenção: Renoir. Quando vi fotos de suas obras vi quanto belo a maioria delas é: “Le Moulin de la galette”, com a maravilhosa luz sobre as pessoas; “Lady Sewing”, bem como, “a Dança na cidade” que parecem que em algum momento vão falar conosco! E a obra “Lise ou la bohemienne”, não supera em “anima” a Mona Lisa de Da Vinci? ; (3) vejamos o “grito”, de Edvard Munch: que partes são possíveis de serem destacadas? A ponte, as três pessoas, o mar e o céu. Perguntamos: estes elementos parecem ocupar o mesmo espaço no quadro? Não. A ponte é longa demais e poderia haver mais pessoas, para que houvesse um equilíbrio na relação entre o espaço ocupado por estes elementos; (4) Kandinsky tem uma pintura – “yellow-red-blue” – que não é “bela em si”, pois há pouco “yellow”, quase nada de “red” e um excesso de “blue”! Não era contrário às concepções de Kandinsky, como ele mesmo escreveu que uma obra pudesse ser desarmônica e, segundo nossa tese, não despertando um prazer
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mental, mas, sim, dor, a um nível puramente mental, rejeitando o caráter de “instantaneidade” do belo; (5) Outra obra excelente é a “A dança”, de Matisse. Parece-nos uma obra completa, embora a cor verde pudesse ter ocupado uma área ligeiramente maior; (6) e as obras de Picasso? Belíssimas. Pareceu-nos que ele fragmentava as pessoas nas imagens (embora os cubistas tivessem por base filosófica a tese de mostrar em um quadro diversas perspectivas e quase instantânea), pois sabemos quantas mulheres sucederam a sua vida, o quão descartável elas lhe pareciam e o quanto era insensível a cada separação. Que percepção predominava? Uma série de percepções aguçadas, que causa uma curiosidade voraz por todas as coisas da vida, conduz a nos preocuparmos pouco com cada uma delas e que, conduz, inevitavelmente, a decisões apaixonadas, não pensadas; (7) E a obra “composição com vermelho, azul e amarelo”, de Mondrian? Não a vemos como “bela em si”, pois a percepção das cores vermelha e a branca produzem uma duração semelhante, mas a cor azul e amarela estão em minoria. Se o azul e o amarelo fossem pintados como se estivessem por trás das outras cores, imaginaríamos com tivessem a mesma dimensão das outras cores. Poderíamos afirmar, ainda, que as figuras de cor azul e amarela têm a forma incompleta, prejudicando, assim, um julgamento objetivo em favor da beleza da obra, mas, cremos que mesmo uma imagem incompleta pode ser bela, nos opondo, assim, à crença que vem desde Aristóteles de que algo belo deva ter começo, meio e fim. Gostaríamos de falar sobre esculturas, até porque os quadros não são mais do que janelas falsas. Acontece que é mais fácil analisar duas dimensões que três, uma vez que conhecemos estas obras apenas através de fotografias.
Poderão dizer com razão que somos muito críticos, mas que não somos capazes de sequer imitar os grandes artistas: cremos que a arte ou é feita sem reflexão, apenas com sentimento, ou é conseqüência da filosofia, após refletirmos sobre a vida, decidimos interferir nela, o que fizemos nos itens (1) a (7). Não
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fazem sentido livros, por exemplo, sobre “Filosofia da arte” (um filósofo analisar a Arte em si), mas de “Arte filosófica” (um artista que faz arte depois de filosofar), pois a filosofia, ao requerer percepções amplas, não é predicada de nenhuma atividade humana, estas últimas predicadas dela, tal como a definição aristotélica sobre a essência ou forma, limite mais externo percebido por nós. Assim, não se extrai o todo de uma parte!
§101. O “belo em si”, os “pixels” e o critério da “isocronia”. Sobre a “isocronia”: ela é um critério pelo qual podemos conceber algo como “belo em si mesmo” e ocorre em dois tipos de experiência: (1) instantânea, quando, diante de algo, não sentimos o surgimento de duração ; ou, então, (2) quando uma percepção de duração surge, mas ela é idêntica em cada um dos elementos de um objeto ou ser, comparados entre si. Se pudéssemos ser tão ou mais rápidos que o funcionamento de nossa mente, poderíamos reconhecer que, em uma certa obra, o vermelho, o azul e o amarelo, por exemplo, são percebidos em uma fração de segundo. Se uma cor predomina em uma obra, então isto produzirá uma sensação maior de duração e, neste caso, perceberemos a diferença. Assim, embora um quadro ou uma escultura tenha diversos elementos, é a totalidade que perceberemos (conscientemente) primeiramente e, só então, as suas partes ou alguma que se destaque mais. Por isso, cremos que, se um quadro tiver três cores, dentro de nossa mente perceberemos cada uma das cores isoladamente; depois, elas serão comparadas e, só então, teremos consciência do objeto que nos afeta. Não é difícil crer nestas etapas, pois, do contrário, teríamos que supor que percebemos
as
três
cores
(três
sensações)
simultaneamente.
Mas,
a
simultaneidade é ilusória, pois implicaria perceber cada uma sensação, reconhecê-la individualmente e, também, não percebê-las individualmente, mas todas juntas. Assim, recairíamos no princípio da não-contradição: nada pode ser percebido e, na mesma experiência, não ser percebido. Ou na formulação antiga, nada pode ser e não ser ao mesmo tempo.
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Mas, e se a obra só tiver uma cor? Aí, cremos que a análise será feita apenas sobre as formas e a proporção delas não na tela, mas na nossa mente. Há que considerar que o critério da “isocronia” só faz sentido para as pessoas que têm uma percepção predominantemente ampla; já aquelas com estruturas perceptivas mais estreitas, precisam ser informadas do contexto histórico da obra e das razões que levaram o artista a produzir uma obra, pois, em geral, os critérios, por elas, utilizados, serão as referências de sua cultura e se ambos critérios combinarem, dirão que a obra é bela. Não ofereceremos resistência a quem especular sobre a possibilidade de um computador julgar, futuramente, obras de arte. Bastaria, cremos nós, que a imagem fosse dividida em partes menores, partes que correspondam a cores e, então, se pudesse calcular quantos “pixels” – medida usada em tela de computadores como unidade mínima de imagem – correspondem a cada cor. No entanto, não basta isso, é preciso identificar formas – e uma forma é construída com cores diferentes -, profundidade, perspectiva, etc. Mesmo o grau de percepção com o qual o espectador percebe a obra, fará com que cores diferentes lhe pareçam idênticas.
§102. A origem do feio. Platão definiu o belo como sendo o contrário do feio. Mas, se um objeto belo tem por trás, uma lembrança – reminiscência – da idéia eterna de beleza, que nossa alma contemplou antes de vir para o corpo ou que, via intelecto, ela tem acesso, o feio então seria um acesso a um outro mundo, não divino? De acordo com a nossa tese sobre a origem do belo, o seu contrário – o feio - pode ser um objeto, um ser ou uma situação que pode ser enquadrado: (1) em um conjunto de sensações em uma quantidade insuficiente e torna impossível reconhecermos o que está afetando nossa percepção; (2) algo que afeta repetidas vezes nossa percepção e, cuja repetição, se torna, mentalmente, dolorosa; ou, (3) algo que tem uma de suas partes predominando sobre as demais, como uma perna muito longa ou um nariz grande.
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§103. A arte “inestética” e “amoral”. E o falso “paradoxo da arte”. Salvador Dalí disse que a arte poderia ser “inestética” e “amoral”. Não temos problema algum em aceitar que a arte – tanto a forma, quanto o conteúdo ou, pelo menos, um dos dois - não só expresse uma experiência instantânea – do belo -, mas, também, dolorosa – mental ou física. A arte “inestética” tem uma função que lembra a tese que Aristóteles expõe na obra Poética, do “efeito
sobre o efeito catártico, quando provoca na mente do espectador uma dor – como se vivesse a experiência daquela peça – fazendo com que as mais recentes camadas da percepção se rompam, conduzindo a camadas mais profundas – onde está localizado o sentido de ordem, provocando uma sensação de bemestar. Sobre o caráter moral, concordamos com Salvador Dali: aceitamos que o senso estético seja independente do senso moral, mas disto não se segue que eles sejam sempre diferentes, que eles não possam estar identificados juntos em uma experiência. Basta que elementos observados – humanos ou de outras espécies – em uma situação onde estejam harmonicamente arranjados, isto é, estética e moralmente organizados. Um paradoxo parece surgir: nós apenas temos a percepção da exist~wencia das coisas – de nós mesmos, de outros seres e objetos – quando percebemos imagens, sons, etc, repetidas vezes. Se uma experiência instantânea ocorrer uma vez e nunca
mais se repetir, não é algo no qual acreditaremos. O pintor
expressionista Henry Matisse sugeriu que sempre surge a sensação de duração como condição de uma experiência estética na qual, ele acrescenta, podemos reconhecer na arte alguma experiência que já vivemos antes. É evidente e não podemos esquecer que os expressionistas misturaram em sua teoria as dores físicas da primeira guerra mundial. Inicialmente, procuramos explicar esta questão pensando nas novas perspectivas que aparecerão em nossa menteou as “milhares ou milhões de perspectivas”, segundo Henry Bérgson, provocando um contínuo prazer, puramente mental, maior que as dores que surgem pelas repetidas percepções. Entretanto, ainda haveria dor e, assim, não perceberíamos
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as obras de arte, por exemplo, como algo sempre novo e não teríamos a experiência instantânea de algo belo. Acreditamos que a resposta correta consiste em mostrar que a análise das técnicas de pintura, cores e desenhos – tão importantes para os críticos de arte- descrevem apenas as partes da obra e não sob uma percepção ampla, total, na qual percebemos, sim, as partes, mas quase sem foco, em cuja percepção importa saber se uma parte predomina sobre as outras ou se estão todas em equilíbrio. Assim, parece-nos claro que Henry Matisse confundiu a sensação do belo instantâneo de toda a obra com a percepção de suas partes, vstas separadamente. E a diferença de quem vê algo instantaneamente belo e Matisse é uma única: o primeiro percebe alguns elementos, enquanto o pintor percebe e dedica atenção a um número maior, porque é hábil em perceber mais detalhes. Lemos que os trabalhos artísticos são quase todos falsos porque as sucessivas restaurações que eles sofrem como o templo do Partenon que recebe novo mármore ou o “Davi”, de Miguelangelo, quando recebeu uma limpeza externa. Em nossa opinião, quem disse isso comete um grande erro – além de rejeitarem o belo em si – porque embora os materiais não permaneçam, ainda podemos sentir a beleza da obra, na percepção da forma geral e não tanto nos detalhes de suas partes. O mármore usado, por exemplo em uma obra, é uma detalhe acidental, exceto quando simboliza rigidez, mas isso não impede sua restauração, desde que substituído por algo similar. Lembramos da tese de Hegel que diss que os materiais mais pesados distanciam-se dos conceitos do espírito, definindo a Arquitetura como a mais inferior forma de arte e a poesia a mais elevada. Não acreditamos nisso, pois, ou tudo é divino ou nada é divino, mas após conhecer esta tese, surgiu-nos a idéia de uma escultura feita com vidro sólido, material que estaria mais próximo da tese hegeliana: algo quase incorpóreo, quase espiritual.
§104. Sobre a fama. Os estilos e o eterno retorno na arte. Por que tratamos os artistas como se fossem membros de nossa família? É que quando vemos alguém repetidas vezes, isto modifica nossas ligações
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cerebrais e faz com que prefiramos escolhe-los e não a um estranho, do qual não conhecemos nada: cada estímulo externo conduzirá-nos à memória daquelas experiências repetidas anteriormente, como um rio que flui melhor e mais rápido em uma área mais baixa do que em uma mais elevada. Aquelas celebridades, entretanto, embora pareçam possuir um caráter moral inquestionável, também pode cometer erros. Nós temos comportamento similar com quem é pioneiro em alguma atividade, porque eles são os primeiros a expor algo que até então era ignorado e irreconhecível. E podemos, também, seguir pessoas persuasivas e dar valor a quem não merece por puro modismo. É oportuno falar algo sobre estilos: a pluralidade deles não é algo prejudicial. Quanto mais deles existirem e não predominarem sobre os outros, tornarão a vida mais bela e facilitará o surgimento de novos artistas e novas idéias, distanciandose das escolas tradicionais ou que eles se sentiriam forçados a pertencer. Uma outra importante questão: concordamos com Eugênio de Ors que o estilo Barroco não está limitado a uma fase histórica, a Renascença. Ele encontrou traços do estilo em outros períodos como na pintura pré-histórica. Não é fantástico? Sem falar em estilos que dizem estarem ultrapassados. Devemos lembrar a tese de Nietzsche sobre o eterno retorno: o mundo é cíclico, sem começo e nem fim, ou melhor, uma interminável série de começos e fins. Descordamos, contudo, da crença de que cada vez o mundo é sempre o mesmo, porque se fosse ele seria repetitivo e se podemos estender nossa descoberta sobre a mente humana a todo o universo, acreditamos que o cosmos – como na mente – deva rejeitar eventos repetitivos. A quem pense que o universo tem início e fim perguntamos Nietzschinianamente: por que, então, ainda não chegou ao fim?
§105. As outras causas para o belo. Interessa-nos repetir algumas tese do filósofo escocês David Hume que sugeriu outras causas para o belo, aparentemente diferentes de nossa tese: (1) ele disse que por trás do sentido do belo está a necessidade de segurança,
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quando preferimos fundações sólidas e mais pesadas na base de um edifício do que no topo, porque, por experiências anteriores, sabemos que isto evitará futuros colapsos. Nossa tese não difere muito, pois a possibilidade de acidentes envolve a hipótese de que alguém pensou sobre uma situação caóticae sabemos que – de acordo com nossa teoria da fisiologia mental – temos aversão ao caos. Mas, nem sempre há uma interdependência entre beleza e segurança, assim como, nem sempre há, também, entre beleza e moralidade. Sabemos que ônibus e aviões são seguros, mas, em geral, são feios, quando são compridos ou inchados para acomodar muitos passageiros, exceto o elegante Concorde; (2) por trás do belo haveria uma busca por criação e perpetuação, um desejo de se estender ao infinito e fazemos isso, porque assim não nos surpreendemos com situações inesperadas e desordenadas, segundo nosso ponto de vista.
§106. Kant and o sublime. E o grau do “belo”. Kant chamou de “sublime” um ser ou um objeto cuja dimensão excede nossa capacidade de percebê-lo, causando-nos uma sensação de inadequação. Mas, por que não chamar de sublime alguma coisa que possui um grau muito grande de beleza? Seu exemplo, da catedral de Roma, parece indicar isto: ela é composta de diversos elementos que acreditamos estejam em harmonia. Por isso, opomo-nos à definição kantiana do sublime que, para nós, corresponde à imagem – ou outra sensação qualquer – percebida em um grau máximo possível, de um modo que a imagem está quase completamente desfocada. Artistas e críticos dizem que uma tela pintada com um única cor uniforme não é bela. Concordamos, porque o termo correto é “sublime”. Mas, quando Kant escreveu que a noite é sublime e o dia “apenas” belo e que o homem é sublime e a mulher, bela, ele apenas apresentou sua opinião. Conduzido por sua subjetividade – característica que dominou quase todas as suas obras – Kant cometeu muitos erros similares como vemos na segunda parte (§59), em sua “Crítica do Juízo”: ele lembra que a cor violeta pode ser sentida diferentemente por diferentes pessoas, para algumas, é “suave e amigável”, para outros, “maçante e fraca”. Não existira, para ele, nenhuma possibilidade de uma análise objetiva da
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cor violeta como quando observamos o espaço que ela ocupa em uma obra de arte em comparação com outras que chamamos anteriormente de “isocronia”. De volta à questão do belo: nós podemos achar, por exemplo, uma mulher negra mais bela que uma asiática, mas, ambas, em um grau menor que a beleza que atribuímos a uma morena ou uma loira. E não estamos nos referindo a desejo sexual que depende de outras experiências e requerem percepções e memórias mais aguçadas, detalhadas. Mas, sobre graus do belo, Kant tampouco teorizou! Alguém pode, também, perguntar: não somos capazes de sentir um objeto ou um ser vivo como parcialmente belo? Sim. Um prédio pode ser visto como belo apenas em um detalhe, como o lado da frente. Como isto funciona? Quando estamos de posse de um certo grau de detalhe, a nossa percepção pode focalizar uma parte do prédio, perdendo de foco as outras partes. Isto é muito comum e nós fazemos isto com máquinas fotográficas, assim como, com esta grande máquina fotográfica que é nosso cérebro. §107. A beleza no que é raro. Nossa tese sobre a origem do senso de beleza pode ser, também, provada na observação do excessivo valor que as pessoas dão àqueles objetos raros, como ouro e diamantes. E isto se deve ao fato de o que é raro, se apresenta à nossa percepção como algo novo, ganhando nossa atenção e superando a percepção dos objetos ou seres vivos com os quais estamos acostumados ou entendiados. Esta preferência pode ser observada na união de casais onde, por exemplo, o homem é negro e a mulher é branca, o homem é branco e a mulher é negra ou entre outras etnias, como europeus que se casam com asiáticas, asiáticos com americanas, etc. Há, evidente aqui, o fato de que a beleza pode estar naquilo que nos falta, que não possuímos. Na busca de uma pessoa, podemos ultrapassar uma imagem ideal, fundada a partir de estímulos mais fortes – resultados de experiências anteriores - e preferir alguém com características completamente diferentes. Pode-se dizer, ainda, que o ouro e o diamante são procurados por outras razões: não perdem sua composição e não reagem facilmente com outras substâncias. Já, nestes casos, não se trata de escolher o que é novo, mas preferir 166
- à semelhança do exemplo de Hume, dos alicerce sólidos - evitar surpresas, como não ter - futuramente - dinheiro.
§108. O belo fisiológico e o belo cultural. E Hume e os inimigos. Algo precisa de um maior esclarecimento: qual é o fator preponderante para o sentimento do belo: fisiológico ou cultural? Em geral, o que conta é o aspecto cultural. Aqui vale a mesma relação que Platão e tantos outros filósofos fizeram quando analisaram as sociedades humanas: em grande parte dos grupos humanos predomina a parte irascível e concupiscível de suas almas; em uns poucos raros exemplos, a parte intelectiva. A cultura é tão forte que cremos ainda hoje (já estamos no século vinte e um d.C.) que somos parte de uma espécie humana, como se compartilhássemos de uma mesma forma. A cultura é como uma terceira pele sendo a segunda a fetal que se acrescentam à superfície original. Quando estamos vestindo muitas roupas, umas sobre as outras, sobre a camada original vai sendo depositado um número crescente de camadas ou experiências culturais – obtida na interação com outras pessoas. Isto não é de todo ruim: o que faríamos sozinhos, se todo o progresso econômico, de saúde pública, dos meios de informação, se deu, justamente, na troca entre as pessoas e seus diferentes graus de percepção! Mas, está claro, para nós, que a fisiologia está no fundamento de nossas escolhas, mesmo das escolhas orientadas pela nossa cultura. What changes is the degree of our mental structures. Uma indicação de que o prazer do belo é, antes de tudo, mental, é dada por David Hume, em seu Tratado sobre o entendimento humano (Livro III, parte I, Seç.II): podemos achar belas qualidades mesmo em nossos inimigos, embora não gostemos deles, nem mesmo suas presenças nos sejam agradáveis. Aqui, a fisiologia é determinante sobre valores culturais.
§109. O desenvolvimento do senso estético. Will Durant defendeu em sua Mansion of Philosophy (Filosofia da Vida), que as crianças são ensinadas a apreciar objetos belos, dentro de sua cultura. Ao
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expressamos nossas idéias e sentimentos, fazemos, primeiro, através de objetos conhecidos. Por isso, não alcançamos a capacidade de expressar a arte figurativa sem os primeiros esboços de rostos, mãos e corpos humanos. E só depois, podemos ousar ir além, por exemplo, na arte surrealista. Por um progresso de nossa percepção, nos expressamos de um modo mais complexo, a partir da reprodução de objetos até a arte abstrata, onde só os limites mais externos – as formas - e as cores (que também são formas) são destacados. Quando acumulamos conhecimentos sobre os estilos de arte, mas, também, sobre os motivos que fizeram um artista escolher uma certa técnica, passamos a ver uma obra com outros olhos. Ao olharmos a obra “Guernica”, de Pablo Picasso, sem saber que se refere à guerra civil espanhola - conta-se que um oficial nazista perguntou a Picasso se era ele o autor do quadro e a resposta dele foi disser que os autores foram, eles, os nazistas - , produzirá um sentimento diverso daquele que surgiria se tivéssemos o conhecimento dos aspectos culturais envolvidos. Mas, é preciso que atentemos para o fato de que a perspectiva na qual só observamos os elementos, a proporção entre eles e a duração que produzirão em nossa mente, é muito difícil se ser alcançada. Tendemos a perceber uma obra segundo o estilo que estejamos mais familiarizados ou, então, relacionamos à cultura na qual fomos educados e às experiências mais comuns que tenhamos vivido, de um modo imediatista e limitado.
§110. Há racionalidade no belo? O belo: uma experiência mística? Primeiramente, queremos lembrar que, por “razão”, entendemos, não uma faculdade interna, mas um sentimento de prazer mental anexado a algum grau de detalhe que nossa percepção percebe do mundo. Por esta definição, todo sentido do belo é racional. Mas, há uma outra resposta: em um grau de percepção amplo, o sentido do belo se equivale ao sentido moral, este último outro nome que damos à racionalidade. David Hume e Benedito Croce têm em comum a defesa de que, respectivamente, a moral – para o primeiro filósofo - e a estética – para o segundo - estão fundadas em sentimentos – paixões – e não na razão. Contudo, o próprio
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Hume manifestou na obra Uma investigação sobre os princípios da moral que a razão corrige o sentimento do belo, como quando aprendemos a apreciar as belas-artes, por exemplo. Em nossa opinião, não devemos atribuir esta tarefa à razão; o próprio Hume, a entendia como “inerte”, mas ele a vê, aqui, como ativa. Dizer que a “razão” corrige o sentido do belo significa, em verdade, que ao adquirirmos
conhecimentos
sobre
artes,
escolas,
estilos,
técnicas,
etc,
construímos tantos caminhos (estruturas na percepção) que nenhum deles condicionará nossa escolha e, por isso, estaremos em uma condição de realizar um julgamento mais isento, com nosso sentido de ordem. Certa vez, quando resolvemos fazer alterações no jardim do prédio, nossa família sugeriu que esta era uma tarefa para um especialista. Continuamos a tarefa, sem prestar atenção à sugestão. Intuitivamente (inconscientemente), acreditávamos que o senso estético reside em todas as pessoas – mais em algumas do que em outras. Uma vizinha, a princípio, desconfiada dos buracos que abríamos na grama e, depois, observando os resultados que surgiram cinco anos depois, disse que tínhamos o “dom” para cuidar de plantas. Nem razão, nem dom, apenas o sentido de ordem – estético – acompanhado de um grau amplo da percepção que é alcançado quando rompemos as camadas mais recentes, culturais. De fato, não rompemos todas elas, pois observávamos com freqüência outros jardins, para ver a forma dos canteiros – para escolhermos um diferente, semi-circular -, além de copiar as espécies de plantas ornamentais mais utilizadas. Há algo que cremos ser muito importante dizer: quando Platão escreveu que o belo é bom, não viu que existem coisas que são belas, mas que não são morais, como uma arma. Errou ao pensar que as coisas belas faziam parte do grupo das coisas boas. Sugerimos, pioneiramente, inverter esta frase: são as coisas morais que fazem parte do grupo das coisas belas, ou seja, o sentido moral nada mais é do que o sentido estético e a harmonia que buscamos na vida social não é diferente da harmonia que buscamos quando pintamos um quadro com diversas cores – assim, o bom é bom, porque é belo! Um acréscimo que fazemos ao raciocínio de George Moore (§63, [1]): o prazer é desejado por ser bom; mas, o bem não é o fim, pois o bem é belo e, assim, o belo é o fim!
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É oportuno lembrar Nietzsche (obra: Humano, demasiado, humano: §17477, §122): ele via na arte a grande “estimuladora” da vida, “a única força que pode resistir a visões pessimistas da vida”, acreditava que o homem científico é a continuidade do homem estético e que é a arte e não a moralidade a atividade suprema, “metafísica”, do ser humano!”. Ou seja, nascemos para fazer arte, buscar harmonia em tudo e para criar e transformar o mundo!
§111. A propensão à arte, à Filosofia e à arquitetura. Lembramos de um poema de Cândido Portinari, conhecido pintor brasileiro, que lemos em uma tese universitária de Ângela Âncora: (p.119): - “Fui sempre diferente; fui sempre sobressalente. Em tudo. O que todos tiveram não tive. Às vezes penso ter vindo por engano O material usado para me fabricarem, lá no infinito, estava destinado a realizar folhas de árvore ou ... água. Por que viestes se nada sentes”. O trecho anterior poderia indicar que os bons artistas, como os bons filósofos, ambos raros, seriam insensíveis ao mundo. Mais adiante, Portinari escreve: “o artista na solidão... vê anima (alma) no inanimado” (...) “vi uma árvore dando concerto e vi as areias dançando. As águas do mar chorando e se debatendo. Ouvi as nuvens conversarem”. Não estamos aqui para saber se as águas choram, pois isso é poesia! Mas, se somos conscientes e partes de um universo, é porque o universo é algo vivo, fato que, as pessoas em geral, não percebem. Antes de cairmos em um outro paradoxo, pensamos que os artistas são sensíveis em um grau amplo que predomina, na maior parte deles, em sua percepção, enquanto que a maior parte das pessoas, são sensíveis em um grau detalhado da percepção. Enquanto as pessoas do primeiro grupo perguntam – como fez Cézanne – “em que sou útil ao mundo?”, as do segundo grupo pergunta: “em que o mundo pode lhes ser útil?”. Isto nos remete à frase semelhante proferida pelo presidente norte-americano John Kennedy; contudo, desconfiamos quando os políticos nos pedem que façamos ainda mais sacrifícios... De tudo o que dissemos até aqui, é evidente que rejeitamos que a sensibilidade estética seja genética: crianças que são estimuladas a desenhar,
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serão candidatos a, no mínimo, bons artistas, salvo se uma experiência desagradável ou a falta de algum estímulo, as fizer se distanciar das artes. Assim, dor e prazer, mais ou menos intensas, afetarão mais ou, então, menos os graus de nossas percepções e determinarão as nossas futuras escolhas. Já a educação, ela nos poupa de repetir os erros que outros cometeram e usufruir dos acertos.
§112. Por que procuramos superar a natureza? Lemos em Hegel que a humanidade rejeita a natureza - “a pior obra do espírito é melhor que a melhor obra da natureza”. Isto não é correto, pois a natureza nos deleita muitas vezes e serve-nos de inspiração. Inspiração que, e nisto Hegel está certo, conduzirá a novas descobertas e criações. Há claramente em andamento uma profunda alteração na natureza, destruição se o leitor preferir. E, por trás disto, está a necessidade mental de que vimos falando: a rejeição à desordem, ou mais especificamente, à impossibilidade de reconhecer objetos que se apresentam aos nossos sentidos. Por isso construímos estradas: para reconhecer facilmente por onde devemos passar. Por isso vestimos roupas: elas evitam que misturemos nossos cheiros corporais com os cheiros que estão no mundo e facilitam a identificação das divisões do nosso corpo, o que se torna agradável aos sentidos. Então, qual será o futuro que reservamos à natureza? Será alterada completamente, pois - infelizmente - não é possível realizarmos a visão romântica de uma vida integrada com os animais. Will Durant nos lembrou, na obra Filosofia da Vida que a aparente harmonia entre nós e a natureza esconde uma luta feroz, pré-histórica, dos nossos ancestrais e as feras, lutando pela vida e disputando o espaço e a comida. Assim, só resta reconstruirmos o mundo à nossa semelhança ou, mais precisamente, de acordo com a fisiologia de nossas mentes. Agora, disto não se segue que devamos concordar com a extinção das espécies, pois isto também provoca em nossa mente, uma dor, pois a percepção ampla - presente em todas as pessoas, embora mas intensa em algumas - se ressente quando percebe a perda de algum dos elementos existentes no mundo. Por exemplo: ver
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golfinhos e baleias mortos por pescadores (inclusive vindos de nações avançadas cultural e economicamente, como o Japão) na praia, saber que animais como chimpanzés são usados em laboratórios ou que os venenos usados para matar ratos secam seu sangue, provocando uma morte violenta em vez de os observar vivos e integrados na natureza, como parte indissociável do belo quadro que é a natureza ou mesmo o universo inteiro. Que se substituam os animais por humanos voluntários em pesquisas científicas! Quem sabe possamos preservar a herança genética de leões, tigres, tubarões, elefantes, etc, produzindo, a partir deles, espécimes anãs e, assim, podendo integrá-las à nossa vida. Mas, cremos que seja demasiado excessivo o desejo de preservar espécies atuais; primeiro, porque não há espécies, sendo que o correto seria dizer que cada indivíduo é sua própria espécie. E, segundo, por que não pensar que a engenharia genética possa desenvolver seres totalmente diversos dos atuais? Por que não uma herbácea, cujo caule seja da textura da pedra de mármore? Ou, então, uma planta com o caule transparente, com o gene das mães-d’água? Ou uma planta que floresça o ano todo e tenha perfumes mais variados? Quem duvidaria da utilidade de se ter árvores - com genes alterados que cresçam rapidamente e consumam muitas vezes mais gás carbônico que suas irmãs? Talvez os ecologistas mais radicais (ecoterroristas) não gostem da idéia, mas o que esperar de pessoas que rejeitam que se plantem árvores exóticas, o que seria o mesmo que proibir estrangeiros vivendo entre brasileiros no Brasil! E o que virá depois dos seres humanos? Pensa-se que somos o fim de uma evolução, o ponto final, mas somos vírgula. Não gostaria o leitor de ter quatro braços para fazer mais coisas do que fazemos ou que seus descendentes alcancem o tamanho de planetas ou galáxias? Eu, sim. E os dedos dos pés e das mãos que não usamos muito, não desaparecerão como tudo o que é pouco utilizado? Do que dissemos antes, não se segue que defendamos o fim das reservas ecológicas e da destruição de florestas e da diversidade de vida vegetal e animal nelas contida. Mas, devemos estar conscientes de que elas são criadas por causa
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do nosso sentimento de culpa por invadirmos o ambiente natural e elas apenas impedirão o contato humano danoso com a fauna e a flora. E se o crescimento populacional humano for controlado, grandes áreas poderão ser preservadas. Mas, mesmo que um povo cresça pouco - perto do zero - em alguns séculos ou milhares de anos, ameaçarão as áreas verdes! Todos os nossos esforços dos ecologistas (incluindo os eco-terroristas) visarão apenas a atrasar, impor um ritmo mais lento, a transformação da natureza pelo homem. É possível, também, que se protegermos certos ecossistemas, após alguns milhares de anos, observemos uma evolução dos outros animais e em milhões de anos, avanços significativos como aqueles pelos quais passamos, como “espécie humana”. Há ainda outros dois pontos a considerar: (a) nossa estrutura mental não entende por que deveríamos aceitar a separação (e o distanciamento) da natureza intacta e da influência “antrópica”, como dizem os ecologistas. Por isso, concordamos em parte com Hegel para quem via a atividade humana sobre o meio natural não como uma destruição, mas interiorização e posterior transformação, embora saibamos nós que o limite entre o “destruir” e o “interiorizar e transformar” seja difícil de ser efetivamente observado; (b) não poderemos como espécie dar lugar a outras mais complexas, a ponto de novas formas serem substituídas pelas antigas? Quem sabe seres que tendam a alcançar o tamanho do planeta! Mesmo que leve milhões de anos, se isto ocorrer, perguntamos: qual será o lugar das florestas? Nenhum!
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QUANDO A LÓGICA FICOU ILÓGICA
De modo algum acreditamos que a lógica seja um mito. Há um elemento fisiológico em nossa mente que chamamos de operações e princípios lógicos. O que afirmamos com convicção é que a lógica não existiria se mentes não existissem. Ela é produto do sentido de ordem acompanhado de certos graus em que nossa percepção esteja estruturada. Alguns ousaram ir além e dizer que nem um Deus poderia as violar. Wittgenstein, na obra “Tractatus” (proposição 3.031) reconhece que, em geral, cremos que nem Deus pudesse contrariar a lógica e, isto, porque não podemos conceber um “mundo ilógico” ou, acrescentemos por nossa conta, um mundo sem mentes! Boa parte das justificativas para a pergunta por que aprendemos lógica, repousam na crença de que ela trata das leis do pensamento, outros dizem que ela mostra o raciocínio correto e, alguns outros, que ela exercita – como uma ginástica - o cérebro. Em geral evitam ver a lógica como a busca de leis do pensamento, pois isto poria em risco a liberdade de escolhas. Do que descobrimos por nossas reflexões, é que somos determinados e o funcionamento mental pode ser explicado. De qualquer modo, as explicações propostas pelos lógicos são incapazes de explicar o funcionamento mental. Já a noção de que há raciocínios corretos, supõem um percurso e sobre isto, também, discordamos, porque não é o percurso – mais curto ou longo – que importa, mas se há uma correspondência entre o que dizemos e o que está no
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mundo, se o grau de nossa percepção e idêntico ao grau de detalhe que está no mundo. Mas, o maior erro dos lógicos foi e ainda é desenvolver estudos cada vez mais complexos, sem responder, antes, a uma primeira pergunta: o que são formas? Dissemos, antes, que forma é uma sensação - ou o conjunto de sensações - que nossa percepção é capaz de apreender do que está lá fora, no mundo. Pode não estar acompanhada de seu conteúdo, mas quando isto ocorre se deve a um processo mental que o tira de foco. É como se nosso cérebro fosse composto de uma série de lentes, que aproximadas ou afastadas umas das outras, focam ou desfocam detalhes que estão no mundo. Sem falar que só colocamos as idéias sob a forma de um silogismo (premissas e conclusão), depois que descobrimos algum conhecimento, como bem disse John Locke, o que torna inútil a lógica. A lógica tal como ensinada nas escolas parece a definição de lingüiça de porco: você tira as tripas de dentro do porco e põe o porco dentro das tripas, ou seja, você tira a lógica de dentro da mente e tenta por a mente dentro desta lógica.
§113. O que é a “forma” e o absurdo argumento do “sorites”. Ora, se a forma não existe separada da matéria, então por que crer que exista a possibilidade de previamente, sem ir ao mundo, podermos dizer se um argumento é válido ou não? O desconhecimento de algo tão básico quanto isso, conduziu os lógicos a erros grotescos como o do paradoxo do “sorites”, de origem grega antiga, mas que foi repensado pelos lógicos do século XX: o paradoxo consiste em se perguntar a partir de que quantidades de grãos, um monte de grãos de areia deixa de ser um monte? Ora, é preciso distinguir que a forma do monte é distinta da soma dos grãos. E qual a quantidade de grãos que fará diferença? Dependerá da capacidade de nossa percepção de perceber o monte de grãos, a partir do acréscimo ou retirada de uma certa quantidade. Há outros paradoxos, contemporâneos, como o concebido por Hempel. Embora ele não tenha se dado conta disso, mostrou-nos que o problema reside no que se entende por “forma” e não no procedimento de confirmação de uma teoria. O paradoxo consiste, em resumo, em dada uma lei sob a forma geral “∀x
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(FxGx)” (isto é, para todo elemento que faça parte de uma certa classe, se o elemento, “x”, pertence ao grupo “F” ou tem um predicado “F”, então pertence ao grupo “G”) e dado que um certo elemento “x” testado empiricamente revela que “x” pertence àquela lei, então, ele também confirmará uma lei equivalente, como a seguinte: “∀x (¬Gx¬Fx)”. O paradoxo que surge é o seguinte: se “todas as árvores têm celulose”, então isto é equivalente a “tudo o que não tem celulose, não é árvore”. Bastaria, então, que se apresentasse um objeto qualquer para provar que árvores existem, como uma tampa de garrafa, por exemplo, o que soa um absurdo. O problema reside no fato de que a lógica contemporânea – desde a Idade Média -, pela vaidade dos pensadores, espírito de corpo ou, ainda, por sua fidelidade à teologia e não à Filosofia -, se distanciou daquela idealizada por Aristóteles, que pensava não haver “pensamento sem uma imagem”, criando um dualismo medieval: dois mundos cujos limites são tal como o que observamos entre a água e o óleo, imiscíveis! O que estamos dizendo é que a lógica, hoje, além de artificial, se tornou míope e, quando, insiste que as formas são independentes das experiências, confunde coisas diferentes como se fossem idênticas, como um elefante com um automóvel. Se os olharmos à distância nossa percepção poderá, certamente, confundir um com o outro. Mas, por que manter esta confusão?
§114. Nietzsche e a seleção natural da lógica. E a lógica natural. Uma questão interessante levantada pelo filósofo alemão do século XIX foi a de supor que algumas espécies que viam o mundo como realmente é, ou seja, em constante mudança, foram extintas dando seu lugar a espécies como a nossa, capaz de “supor” a existência de características comuns nas coisas e nos seres do mundo, o que permite definições como “espécies”, “formas”, “gêneros”, etc. Em suas palavras: “foi preciso que por longo tempo o mutável nas coisas não fosse visto, não fosse sentido; os seres que não viam com precisão tinham uma vantagem diante daqueles que viam tudo em fluxo”. Embora, reconheçamos o brilhantismo desta análise, ela não nos parece correta: mesmo bactérias vivem harmonicamente entre si, o que significa que
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mesmo formas de vida minúsculas se reconhecem umas às outras. Assim, não parece sensato que pudessem existir seres que desconhecessem seus semelhantes, a não ser que não possuíssem qualquer tipo, ainda que primitivo, de sensação e percepção. Por outro lado, quando temos uma percepção muito particular, voltada para singulares, nos tornamos isolados do mundo, nossas chances de sobrevida diminuiriam e, neste ponto, a tese de Nietzsche seria comprovada. Mas, o problema central daquela tese reside no fato de que um ser não tem apenas um grau de percepção em sua mente, exceto as crianças em seus primeiros dias ou anos de vida, quando elas passam de uma percepção ampla, em que, tal como disse Freud, não distinguem o ‘ego’ do resto do mundo. Só então, progressivamente, com o passar dos anos, a criança identificará seres e objetos singulares e, depois, as semelhanças entre os seres e objetos externos. Em todo este processo, nenhum dos arranjos anteriores da percepção desaparecem, mas permanecem na mente e podem ser utilizados se as camadas mais recentes forem ultrapassadas. É a lógica um monopólio dos humanos? Seria preciso que provassem que somos humanos, que compartilhamos de uma única forma. Mas, na simples observação dos animais, podemos reconhecer, ainda que primitivamente, ações lógicas. Crisipo - filósofo estóico - certa vez observou a um cão que escolheu – logicamente – um dentre três caminhos, àquele pelo qual um outro cão tinha passado, antes: ele cheirou o primeiro caminho, depois o segundo e, sem cheirar o terceiro, o escolheu e saiu em disparada. Por que ele não cheirou o terceiro caminho? Crisipo responde: era o único caminho que faltava!
§115. A lógica como Estética. O pensamento reversível. Peguemos o seguinte exemplo: quando alguém diz que: (1) “todos os pianistas são famosos”, (2) “Marco Aurélio é famoso”, logo, (3) “Marco Aurélio é pianista”.
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Os especialistas em lógica, dizem que é um argumento inválido. Por quê? Não poderá existir um Marco Aurélio que seja pianista e famoso? Ou, falando logicamente, nós não poderemos deduzir, em certas experiências, que Marco Aurélio seja pianista, se nós sabemos que ele é famoso, se estivermos em uma conversa sobre pianistas? O mesmo raciocínio vale para o silogismo: (1) “todo o desnutrido é anêmico”, (2) “João é anêmico”, logo, (3) “João é desnutrido”, não é um argumento válido, mas “todo o anêmico é desnutrido, João é anêmico, logo João é desnutrido” vale? As relações lógicas são como as reações químicas, irreversíveis ou como as da Física, reversíveis? Se “irreversíveis”, então a lógica também é submetida ao tempo (para aqueles que acreditam no tempo real e fora de nós), fato que os lógicos negam. É claro que se definimos “desnutrido” estritamente como “uma pessoa que não se alimenta com alguns alimentos nutricionais”, não significa que o mineral ferro esteja ausente, por exemplo e, assim, nem todo o desnutrido necessita do mineral ferro. Os lógicos deverão admitir, também, que o pensamento é irreversível, o que é um absurdo. Mas, não estamos negando a existência de causas e efeitos no mundo, apenas que nossa mente, depois que uma causa e efeito tiverem ocorrido, ela poderá perceber o efeito primeiro. Certa vez o cão da nossa família apresentava dificuldade de defecar. Quando finalmente ele conseguiu fazer: (1) “suas fezes pareciam secas”, como se fosse argila seca! (2) “parece que ele comeu terra” e a conclusão, (3) “ele comeu a terra da caixa de urina do gato”! Não houve nenhuma liberdade do pensamento, mas, sim, uma série de conexões de uma lembrança à outra na mente. O termo “terra” foi a chave da solução e não tinha importância alguma a posição dele em nossa mente! Devemos pensar em um novo tipo de lógica - “tridimensional” -, que incorpora o espaço, tempo e os graus de nossas percepções! Aproveitemos para fazer uma leitura crítica do célebre silogismo de Aristóteles: “todos os homens são mortais, Sócrates é homem, logo Sócrates é
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mortal”, nos sugeriu algumas questões contraditórias entre esta dedução e a Filosofia aristotélica que acreditava na imortalidade da forma humana ou pelo menos, através da geração de filhos. A primeira frase, reconhecida por aquele pensador como um “enunciado universal”, não passaria, então, de um enunciado relativo ao grupo de indivíduos, a fatos particulares! A explicação de que a lógica eliminaria ambigüidades da língua portuguesa ou de outros idiomas que usamos em nossa vida cotidiana, não tem qualquer razão, pois o que chamam comumente de “ambigüidades” são, em realidade, graus distintos da nossa capacidade de percepção. Quando duas pessoas usam a palavra “jardim”, podem estar se referindo a graus de detalhe que elas experimentaram ao longo de suas vidas, tendo elas em suas mentes imagens distintas como um chão coberto de grama e árvores, para a primeira pessoa, e um jardim tropical, com orquídeas, bromélias, palmeiras, vitórias-régias, etc, para a segunda. Um exemplo que os professores de lógica usam para mostrar a tese da ambigüidade dos idiomas: “João e Maria casaram”. Então, perguntam: João casou com Maria ou cada um dos dois casou com outras duas pessoas? Parece-nos claro que constitui regra da gramática acrescentar um pronome oblíquo ao verbo; neste caso, “se casaram”, se estivermos nos referindo a uma união entre João e Maria. Não, há, portanto, ambigüidade alguma.
§116. Quais são os requisitos de uma forma lógica? Certa vez quando líamos despretensiosamente a obra “Logic: the theory of inquiry”, de John Dewey (cap. XIX), nos deparamos com algo sem sentido, mas que é tomado como normal e correto pelos lógicos. Dewey escreveu as seguintes duas frases: “João ama Maria” e “Pedro não gosta de Joana”. Para Dewey – e os lógicos – ambas as frases têm a mesma “forma lógica”! Sabemos, contudo, que a percepção que temos das formas dos objetos e seres do mundo depende da nossa capacidade de perceber com maior ou menor detalhes os limites das coisas que estão no mundo. Portanto, dizer que as frases anteriores podem ser substituídas pela mesma forma lógica é obrigar as pessoas a ver o mundo sob um detalhe específico e decidido de antemão por alguns “Logicratas”. É preciso nos
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darmos conta de que, para observarmos os dois casais como possuidores de uma mesma forma lógica – de fato a forma não está neles, mas em nossa mente - , é preciso perder o foco da nossa percepção de um modo que percebamos apenas duas manchas juntas! Ou de um outro modo, por que a forma correspondente a “amar” deve ser igual a de “gostar”?
§117. Há uma “falácia do menino e da menina”? Relembremos a análise que Peter Geach fez da tese da felicidade de Aristóteles de que há uma felicidade suprema a qual todos nós almejamos. Geach entendia que a tese aristotélica conduz à “falácia do menino e da menina”: a idéia de que cada menino tem uma namorada, não autoriza a pensar que exista apenas uma menina para todos os meninos. Este é um exemplo de que a lógica nunca dará significativa contribuição à Filosofia. Onde reside o problema? A felicidade se definida como um estado – um sentimento - de completude, é sim desejada por todos nós, o que não significa que ela seja um bem – um objeto - que possa ser distribuído, experimentado, fracionado, coletivamente!
§118. O Princípio da identidade. Nenhum outro exemplo é mais certo para provar que os princípios da lógica nascem dentro de nossas mentes, que a observação do princípio da identidade. Não há no mundo qualquer ser ou objeto que permaneça o mesmo – imutável – e que seja objeto de nossa experiência. Portanto, a sua origem reside unicamente na fisiologia da mente, ou melhor, na incapacidade de distinguir os seres, com suas respectivas diferenças. Frege, quando escreveu sua obra Sobre o sentido e referência, destacou que a relação de identidade se realiza em uma relação entre signos ou nomes (A=A). Mas, para ele, isso não era suficiente: era preciso adicionar à relação de signos, um sentido à parte. Em seu exemplo mais célebre, as expressões “a estrela da manhã” e “a estrela da noite”, que se referem ao planeta Vênus, só podem ser ditas fazerem parte de uma relação de identidade (ou igualdade) se houver uma explicação ou um conhecimento que, na concepção de Frege depende da experiência que tenhamos com a linguagem utilizada para
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comunicar estas expressões. Em nossa opinião, a explicação de Frege nos conduziria a um regresso ao infinito, pois como a adição de um sentido estabeleceria a identidade com cada sentença sobre Vênus? Parece-nos que requeria outros elementos para explicarem a explicação, ou melhor, um infinito número deles e tornara impossível resolvera questão. As palavras são símbolos convencionados, sons ou imagens, relacionados a outros sons ou imagens: como podem ser o elo que permitiria uma identidade? Se nós observarmos a idéia que somos algo idêntico, veremos como esta opinião surge: ela depende de imagens repetidas e de nossa capacidade ver cada uma delas como se fosse a mesma. Assim, no caso do planeta de Vênus do exemplo de Frege, é suficiente sobrepor na mente as sucessivas imagens da trajetória do planeta para fazer aparecer em nossas mentes uma linha imaginária, real ou aproximada do planeta. Quine, antes de nós, fez uma observação similar: “...uma observação astronômica era necessária”. O próprio Quine tem uma tese muito interessante em seu artigo “O sentido da nova lógica” (p.136): ele acreditava que um rio fosse sempre o mesmo – “um objeto extenso, tanto no tempo como no espaço” -, considerando o “total de seus diversos estados instantâneos”, mesmo que mude sua constituição, que as gotas d’água não sejam mais as mesmas, etc. Assim, como poderíamos chamar de “rio” algo que não conhecemos desde o início? Mesmo se conhecêssemos, qual o critério para diferenciar uma gota como do rio e não da atmosfera? Piaget, no século XX d.C., em seus fantásticos estudos com as crianças (embora Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII d.C., tenha sido o verdadeiro pioneiro na investigação sobre como as crianças aprendem), procurou mostrar que o princípio da identidade surge em uma certa idade da vida infantil e, por isso, ela não existe sempre na mente delas. Na obra “Sabedoria e ilusões da filosofia” (cap.I, p.83), relembra que ao perguntar a crianças quantas bolas viam diante delas, elas respondiam “sete”, mas, afastando um pouco mais o espaço entre as bolas, e repetir a mesma pergunta, elas respondiam “oito”, “nove”. É óbvio que, neste caso, as crianças tomavam como o todo não só o objeto
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“bola”, mas o conjunto e, mesmo, a relação de espaço entre elas. Pareceu haver entre a criança e Piaget um erro de comunicação, pois há diferentes modos de percepção da realidade. Assim as crianças vão, progressivamente, aprendendo a perceber “bola” como um objeto isolado do espaço e “sete” como a quantidade de objetos, também, independente da posição no espaço. O próprio Piaget reconhece – mais adiante na mesma obra (cap.III, p.140) – que as crianças “centram tudo sobre sua própria ação e as impressões subjetivas que a acompanham”. E, por isto, não perceberiam que, mesmo tendo sido alterada a distância entre as bolas, o número total delas continuaria o mesmo. Mas, se a distância continuar a ser aumentada, haverá um momento em que a criança se dará conta de que não houve alteração do número, apenas alteração na distância entre as bolas. Isto é fácil de ser entendido: as crianças não apenas prestaram atenção à pergunta do adulto – sobre quantas bolas há diante delas -, mas tomaram ao pé da letra o fato de que não apenas deveriam observar as bolas, mas sua distribuição no espaço à frente. O mesmo problema ocorreu quando um certo volume de um líquido dentro de um recipiente com uma certa forma foi colocado em outro de uma forma diferente, passando a ser visto, pelas crianças, como se tivesse ocorrido uma alteração da quantidade do volume inicial! De qualquer modo, não nos parece adequado dizer que as crianças não possuem ou não usem o “princípio da identidade” antes dos sete ou oito anos, porque, assim, como explicaríamos que uma criança reconhece sua mãe já desde muito cedo? Por fim, gostaríamos de criticar Wittgenstein para quem o princípio da identidade é algo inútil, pois é uma tautologia, isto é, dizer que A é igual a A, não acrescentaria nada. Primeiro, o princípio não é inútil, pois por trás dele há uma promessa de unidade do universo inteiro. E, segundo, não é da observação isolada de “A” que afirmamos que “A = A”, mas da necessidade que temos de distinguir “A” dos outros objetos e seres.
§119. O princípio da não-contradição.
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Quando dissemos antes que o tempo (no sentido de ‘duração’ e, também, de eventos passados, presentes e futuros) surge na mente, não significa que, concordemos com Hegel, que rejeita o princípio da não-contradição, essencial para o sucesso de sua doutrina de que a totalidade do universo envolve a oposição e a conciliação, simultâneos, de elementos opostos. Aliás, o exemplo hegeliano é infundado: ele citou o comportamento da matéria que, ora se atrai, ora se repulsa. Mas, o que ele fez foi sofística, para confundir a platéia. Não há na natureza nada que atraia e repulse simultaneamente. Nem há simultaneidade, como dissemos antes em §31. Por que, então, afirmamos a realidade do princípio da não-contradição? Porque, mesmo na nossa refutação da realidade do tempo, restringindo sua origem às nossas mentes, basta que reescrevamos o princípio da seguinte forma: “nada pode ser e não ser sob um mesmo aspecto, em uma mesma percepção”. Substituímos o termo “tempo” por “percepção”, sem problema. A dificuldade é que isso limitaria o princípio a uma subjetividade; de outra parte, não havendo nenhuma justificativa para a existência do “ego”, então, não há por que não estendermos o princípio “da não-contradição” a todo o universo.
§120. Sobre as relações. E as tabelas de verdade. No século XIX surgiu uma resistência entre os filósofos idealistas ingleses, como Bradley, em relação às explicações dos filósofos empiristas. Os primeiros entendiam que os segundos não explicaram em suas teorias como nós aprendíamos as operações de relações entre os seres e objetos do mundo. A crítica dos idealistas reside em como se dá a relação, por exemplo, que determina que um objeto A é maior que B? A resposta de Locke seria dizer que a mente compara uma idéia com a outra; porém, comparar é um tipo de relação e como ela opera ele não explica. Nossa solução repousa na fisiologia mental: o que faz com que passemos de uma imagem para outra (e estabeleçamos relações, comparações, etc) é que a repetição da primeira imagem nos faz surgir a sensação de duração e, então,
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passamos à imagem seguinte, ou melhor, uma imagem se torna mais forte que a primeira. Uma relação ocorre quando sobrepomos pelo menos duas ou mais sensações, memórias passadas ou imaginação de fatos futuros e, desta sobreposição, identificamos semelhanças ou diferenças. Mas, de fato, não somos nós quem sobrepõe tais percepções; são elas que, por possuírem graus de intensidade semelhantes, se sucedem diante de nossa consciência. Quando vemos que um objeto A (tem uma quantidade maior de sensações) é maior que outro, B, as duas imagens surgem diante de nós e tal diferença provoca dor, sem que dependa de qualquer ato de vontade, porque na imagem de “A” e “B”, aparentemente simultânea, o “A” difere de “B”. Não é o maior que provocará a dor na memória (duração), pois quanto maior algo é faz com que a estrutura de nossa percepção se amplie, o que reduz a sensação duração na memória. Talvez seja por isso que nos agrada ver alguém mais alto que nós ou ainda, que a sociedade prefira líderes mais altos, por exemplo. Na primeira edição desta obra, apresentamos uma crítica à tabela de valores de verdade. Não porque estejam fundadas, em última análise, na idéia de causalidade, idéia com a qual concordamos: dado que observamos que de um evento A se segue o evento B, então, sempre que A ocorrer, B também (poderá) ocorrerá ou, mais especificamente, B (poderá) ser conseqüência ou efeito de A. O problema é que os lógicos crêem que se o evento A é falso e B for verdadeiro, ainda assim, a relação será verdadeira. Mas, perguntamos: que relação há nisso? Nenhuma.
§121. A causalidade é uma idéia mental subjetiva? Historicamente, se acreditou que a causalidade se referisse a elementos esparsos no espaço. Na Grécia antiga, a palavra causa se diz “aitía” e se originou do termo “aitiós” que quer dizer “responsável”. Já na língua latina, a expressão “por causa”, composta pela preposição “por” ou “per” denota o sentido “através” e o termo “causa” se refere à “cousa”, coisa, objeto, como pudemos ver no Dicionário etimológico, de Augusto Magne. Por isso, pensadores da qualidade de um David Hume foram enganados por sua percepção. Para ele, a “causalidade” é
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unicamente uma operação mental e que não existe como realidade no próprio mundo. Já Espinosa entendia diferente: causa é um processo que faz com que uma coisa se torne o que ela se tornou. Mas, o que é um processo? É uma série de eventos ou um evento que se desenvolve, como o movimento de uma onda do oceano que tem início, se desenvolve e chega ao fim. Pensamos em identificar “causa” a um “caminho” real, mas, também, uma linha que nossa mente imagina a partir das posições espaciais em que os objetos estão dispostos no mundo (embora seja melhor considerá-los como cumes de uma onda de uma mesma substância, o universo). Ao ligarmos estas posições, tomando os objetos como os pontos da geometria estabelecemos as relações de causa e efeito. Quando dizemos que um objeto qualquer – “A” – é a causa de um segundo objeto – “B” -, isto significa que “A” é o ponto extremo de um caminho percebido por nós ou, então, “A” é o início do caminho que poderá ter seu término, em “B” ou, apenas, passar por “B” e, neste caso, “A” é a causa necessária de “B”. Há, assim, dois sentidos quando dizemos “ ‘A’ is cause of ‘B’ ”: (1º) quando “A” é diferente de “B”, quando duas bolhas de bilhar se chocam. (2º) quando “A” se torna “B”, quando “A” muda de estado físico ou químico.
Mas, como persuadir pessoas que não vêem como vemos? Pensadores que crêem que nada impediria que a bola de bilhar atravessasse a outra, sem tocá-la, como o árabe Al-Gazali, que dizia que o fogo não era a causa do algodão queimar, mas que as duas substâncias estavam presentes quando a experiência ocorria. Uma resposta diferente é necessária: crer nisto é aceitar que dois objetos poderiam ocupar o mesmo lugar no espaço e, isto, atingiria o princípio da nãocontradição, pois, nada pode ser A e não ser A, na mesma percepção (como vimos no §119), pois os dois objetos juntos, seriam cada um distinto, mas, também, um terceiro objeto, combinação dos dois objetos anteriores. Mas, aquele pensador poderia dizer que Deus pode tudo... e Ele mesmo é a causa de tudo. Mas, se for, então Ele é culpado por tudo!
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Outra possível solução é fazer uso da rejeição de Hume na existência de um “ego” em nós: se ele não existe, nenhuma idéia é subjetiva, inclusive a idéia de “causa e efeito”.
§122. O que são sujeito e predicado? E sobre denotação e conotação... Por que, quando estamos diante de dois objetos, um deles será colocado na posição que chamamos de ‘sujeito’ e o outro de ‘objeto’? Para esta resposta recorremos à nossa tese dos graus da percepção: acreditamos que escolheremos como “sujeito” aquele ser, objeto ou relações entre outros seres e objetos, para o qual ou quais, nossa percepção dirige imediatamente a nossa atenção, ou seja, a um ser, um objeto ou relações que exigem – para ser percebido - um grau mais amplo de percepção e, portanto, menos detalhado. Exemplifiquemos: quando vemos uma árvore a percebemos a sua totalidade, vemos seus limites mais externos e, progressivamente, conforme nosso interesse, vamos percebendo mais detalhes que antes não eram percebidos, como a sua cor, a forma dos galhos, a textura dos troncos, a existência de flores ou frutos, o modo como balança com o vento, etc. Portanto, tudo o que definimos como sujeito corresponde às percepções menos detalhadas de entidades – seres, objetos ou relações - que são, naturalmente, percebidas por nós. O que chamamos de ‘predicados’ consistem nos diversos detalhes, propriedades daquilo que primeiro observamos. Tais definições parecerão – e, certamente, o são – óbvias; contudo, até este momento nenhum pensador tinha explicado o que ocorre em nossa fisiologia mental para atribui a um elemento a condição de ‘ser sujeito’ e a outro, a de ‘ser predicado’. Aristóteles na obra Metafísica (livro VII, cap. 13, linha 1038b) escreveu que a substância – ou substrato - , ou seja, o que permanece apesar de toda a mudança no mundo, é aquilo do qual tudo se predica, sem que ela mesma seja predicada de nada mais. Portanto, ela é o sujeito primeiro. E esta definição aristotélica se identifica perfeitamente com a explicação que demos no parágrafo anterior. Como só é predicado aquilo que se apresentar à nossa percepção com maior grau de detalhamento, então é impossível que a substância primeira seja
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predicado de um sujeito ou que, no exemplo que demos, a árvore seja o predicado da cor verde e, isto porque, não há nada anterior à árvore, quando nossa percepção é a ela direcionada! É evidente pelo que dissemos antes, que as longas discussões de Frege a Bertrand Russell sobre se uma sentença é uma relação entre conceitos ou uma co-presença de conceitos, como quando dizemos que “Sócrates está sentado” ou, se uma sentença expressa uma relação entre um sujeito e predicado, perdem o sentido e são resolvidas definitivamente. Convém, dizer algo sobre os termos universais, espécies, gêneros, etc: uma das objeções, talvez a principal, à tese empirista sobre os termos gerais como idéias – desfocadas - de seres particulares, é que não sabemos de que imagem dos diversos homens que conhecemos, por exemplo, baixos e altos, adviria o termo e a imagem geral de “homem” ou de “humanidade”? Nossa resposta é simples: o termo geral vem de uma imagem que tenha sido percebida segundo um grau mais detalhado da percepção. Resta, porém ainda, a dúvida: expressões como “o atual rei da França” designam seres ou idéias? Cremos que elas possam ser explicadas pela tese da fisiologia de nossa mente: ao ouvirmos a palavra “atual” e a palavra “rei”, aparecerão, em nossa memória, imagens dos reis que conhecemos, hoje em dia. Mas, quando mencionam que o rei é francês, surge uma dor na memória – pelo vazio ou insuficiência de uma imagem. Assim, é errado dizer que a frase seja falsa, como pretendeu Russell, pois todo produto de nossa imaginação nem é falso, nem verdadeiro! Antes de nós, Peter Strawson disse que a expressão “é careca”, não é verdadeira, nem falsa, pois é algo que se pretende dizer de uma coisa, inexistente. O que pretendia Russell é diferente da definição dada por Aristóteles: (1) verdade é “dizer o que é do que é ou o que não é do que não é” e, (2) o falso é “dizer o que é, do que não é ou o que não é, do que é”, pois Aristóteles falava de algo que existe efetivamente, condição para fazermos estas correspondências. Não daremos muita atenção aos “enigmas” (ou paradoxos) de Bertrand Russell, que estão no seu artigo “Sobre a denotação”, como as sentenças:
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“George IV desejava saber o autor de ‘Waverley’”, “Scott era o autor de Waverley” e a conclusão: “George IV desejava saber se Scott era Scott”. Estas sentenças podem ser resolvidas a partir de nossa tese sobre os graus da percepção: nem sempre as pessoas estão de posse de todos os graus sob quais nós podemos perceber o mundo a nossa volta. Nem outro enigma sobre conjuntos: “se um conjunto é composto de todos os conjuntos que não contém a si mesmos como membros”, pareceria contraditório, pois o conjunto teria que estar entre os conjuntos, mas ele não pode conter a si mesmo. Imaginemos o conjunto da América do Sul, composto por outros conjuntos, os países e a questão deixa de ser um paradoxo. O problema destes paradoxos é que Russell não procurava uma explicação empírica, mas uma - ilusória – puramente formal. Uma última questão: como entendemos as históricas distinções como, "extensão e compreensão" - de Leibniz - , "referência e sentido ", "denotação e conotação", de Stuart Mill? Correspondem a momentos do processo de significação. Quando conhecemos um objeto pela primeira vez, associamos o nome à sua imagem, som, etc. Até então, não tínhamos um significado. No momento
seguinte,
podemos
ampliar
nosso
conhecimento,
adquirindo
informações sobre os usos do objeto e suas relações com outros objetos e seres. Quando a um indígena foi apresentado um aparelho de rádio, ele aprendeu o nome do objeto e, depois, os seus usos. Sua percepção sofreu uma progressiva ampliação: (1°) ele conheceu o objeto e ligou a um nome, um som; e, (2°) aprendeu as causas e atividades relacionadas àquele objeto, isto é, seus usos e razões para os seus usos.
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10) A MATEMÁTICA HUMANA Um erro que não só Bertrand Russell, mas, antes, Frege, cometeram foi crer que a lógica estivesse no fundamento da matemática. Infelizmente, não podemos concordar com eles: tanto a lógica, quanto a matemática são irmãs, filhas do sentido interno de ordem – das dores e do prazer, puramente mentais -, e, da associação, daquele sentimento a certos graus de nossa percepção.
§123. A origem das figuras: círculo, triângulo, etc. Observando um arbusto – uma dracena, cujas folhas crescem quase completamente em 360o em torno do seu tronco – surgiu em nossa mente a imagem de uma circunferência. Desta observação, inferimos que as figuras geométricas, surjam da perda de foco das imagens que observamos no mundo. Na verdade, as próprias imagens não são tomadas prontas do mundo (ver §123). Aliás, o que é um círculo? Platão o define como uma figura cujas extremidades estão a uma mesma distância do centro. É uma definição, não a sua essência. Já para Espinosa, a essência do círculo diz respeito ao processo que faz com que algo venha a ser círculo: supomos que isto envolva um instrumento como o compasso e os procedimentos até desenhar a figura – que, sabemos, nunca equivalerá à idéia perfeita de círculo que temos em mente. Para nós, círculo é uma figura que surge quando nossa percepção desfoca a imagem de qualquer 189
objeto redondo como frutas, planetas ou dracenas. A título de curiosidade, queremos contribuir em favor da crença de que existem “círculos quadrados”, questão que freqüentemente é citada por filósofos e lógicos como um absurdo: se definirmos círculo como uma figura que tem infinitos lados, se segue que ela tem, também, quatro e, por isso, todo círculo é, também, um quadrado. E como surge um triângulo? Surge diante da dor mental de vermos três pontos separados, mas que poderiam estar interligados. Já um triângulo eqüilátero surge da dor de não vermos os três pontos a uma mesma distância ou, mais precisamente, da dor – duração - que surge quando comparamos as três retas e percebemos que são diferentes.
§124. O que é um ponto? E uma linha, é composta de pontos? E uma nova “Geometria Euclidiana” baseada na fisiologia mental. Ele é uma figura sem dimensão? Difícil perceber algo que não tenha dimensão. pelo simples fato de ser chamado de figura geométrica já trás em si a idéia de que ele se refere a um espaço – mental ou existente no mundo real. Provavelmente, está relacionado à sensação de um objeto de dimensão muito pequena e do qual só percebemos a forma, o limite mais externo, como, quando vemos uma formiga estando a metros de altura, maçãs no alto de uma árvore, pequenos sinais na pele, quase imperceptíveis, etc. Não podemos esquecer, também, o ponto, como símbolo gráfico e gramatical, que colocamos no fim das frases e, que sob certa dimensão parece reproduzir a idéia mental de “ponto”. Estava eu olhando a chuva forte que caía e notei que eu não enxergava as gotas, mas linhas! Eu era um dos que rejeitava que a linha fosse composta por pontos, mas se nossas idéias vêm das imagens que observamos, então devemos rever esta tese: é a partir das gotas que caem muito rápido que percebemos uma linha. E o que faz com que linha pareça ir para baixo, como ela vai? Creio que a mente perceba as gotas, mas simplifique o nosso trabalho mostrando-nos a primeira e a última gota e entre elas uma linha. E por dois pontos passa uma única reta? Apenas se os pontos e a reta tiverem o mesmo diâmetro.
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Uma nova geometria deveria ser escrita para aproximar o conhecimento abstrato do sensorial, que nunca deveriam ter sido separados. Aliás, começamos a escrever um livro para explicar a origem a partir do funcionamento da mente humana de cada axioma da geometria reunidos pelo matemático grego Euclides. Contudo, o trabalho se perdeu, mas não vemos dificuldade para o leitor ou um matemático possa desenvolver suas próprias teses, comparando cada verdade matemática com a nossa tese da origem mental da duração, acompanhada da tese dos graus de nossa percepção.
§125. O que é fazer uma média? O tom de azul ausente em Hume. Como a nossa mente faz a operação de média? Pensemos em um casal com diferentes estaturas: acreditamos que nossa percepção, ao reter suas imagens, retém, primeiro, a imagem de cada pessoa e depois a imagem do casal. Na comparação entre as duas, constataremos a diferença de altura e, isto provocará uma dor – duração - na mente. Pensamos, também, que a operação de média é, de fato, uma resposta da mente para extinguir a dor mental: as duas imagens são, então, percebidas como uma só – um pouco desfocada - e, como resultado, surge um prazer mental - quando vemos o casal e não mais os indivíduos separadamente. Há um ponto obscuro na tese estética de David Hume: como bom empirista defendia que todas as nossas idéias vinham das sensações. Porém, ele parece ter aberto mão disto, quando aceitou que pudéssemos conhecer tons de azul, sem prévia experiência. Como? Nossa resposta consiste em dizer que a dor mental que surge pela lacuna – falta de um tom azul – põe em ação a operação de “média” em que duas sensações (presentes ou memorizada) de azul são comparadas: uma de um tom mais forte e outra de um mais fraco, para que, destes, surja, o tom ausente.
§126. A Matemática é a linguagem do mundo? Não. Ela é a atividade por meio da qual colocamos o mundo dentro de limites criados e traçados dentro da mente. Assim, o percurso de um objeto no
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espaço se assemelha com uma série de figuras mentais perfeitas, como retas, curvas, etc.
§127. O que são os números? E a loteria? Aceitamos a definição de Aristóteles tão cedo tomamos contato com ela: a de que os números são nomes que damos a quantidades. O que ocorre é que nossa percepção – desfocada - reconhece objetos que têm algum aspecto em comum, como cor ou forma. E quando alguém nos pede para trazer uma certa quantidade de tomates, levamos todos ou alguns? Cremos que foi diante de tal dificuldade que surgiram nomes para identificar e diferenciar os conjuntos de objetos singulares. Mas devemos perguntar se quando respondemos que “números são nomes de quantidades”, não estamos dando uma resposta tautológica (como 1 + 1 = 2, pois 2 = 1 + 1), porque “quantidade” pode ser entendida como número. Neste caso, respondemos assim: “quantidade” vem do latim “quantitas”, alguma coisa que tem grandeza ou extensão, o que é evidente, porque relembrando nosso exemplo, tomates ocupam realmente algum lugar no espaço. Mas, preferimos explicar “quantidade” como uma imagem de uma lista de elementos: quando dizemos, por exemplo, que temos uma “família nuclear”, isto significa imediatamente que somos um marido, uma mulher e até três filhos. Assim, para nós, “número é o nome que damos a uma lista de elementos que têm algo em comum”. No último ano do curso de filosofia começamos a jogar na loteria, para conseguir dinheiro para abrirmos uma escola onde se lecionasse cursos de filosofia para pessoas curiosas por esta área. Interessados em provar que tudo tem uma causa, incluímos o tema das loterias. Em geral, as pessoas crêem que não seja possível prever os números sorteados. Mas, assim como sabemos que um avião que parte do ponto “a” a uma certa velocidade e direção chegará ao ponto “B” em tantas horas, se poderá, no futuro, saber onde chegará cada bola numerada quando o globo onde elas estão, começa a girar. Diante
da
impossibilidade
de
conceber
uma
fórmula
sofisticada,
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concebemos algumas técnicas: a) pegamos os números sorteados no jogo chamado de “megasena” (seis números sorteados em um universo de sessenta possíveis), “16”, “18”, “31”, “34”, “39”, e “54” e os subtraímos uns pelos outros, obtendo séries de números com as seguintes lacunas:
“02,03,__,05”, “13,__, 15,16”, “20,21,__,23”. Entre os cinco
números sorteados no jogo chamado “Quina” (onde são sorteados cinco números de um universo de oitenta possíveis) estavam “04”, “14” e “22”. b) utilizamos, ainda, a técnica de regra de três, para transformar números obtidos de universos distintos. Em um sorteio da “duplasena” de terça-feira observamos que saíam uma série de números (dois sorteios de seis números de um universo de cinqüenta) onde se podia prever alguns números do sorteio da “Megasena”, no dia seguinte: 06 12 15 34 40 46 e 08 14 15 36 42 48. Estes números acima são fictícios, mas permitem mostrar a situação ocorrida e os futuros números sorteados: 10, 38 e 44, os números que faltam na seqüências “6,8__12,14”, “34,36__40,42” e “40,42__4648”. Se fizermos a regra de três, teremos: 06 12 15 34 40 46 07 14 18 40 48 55 08 14 19 36 42 48 09 16 22 43 50 57, encontraremos uma lacuna na nova série “14,16,18,__,22”, o número “20”. c) uma outra boa pista é observar lacunas no sorteio anterior: se saíram, por exemplo, 23-45-46-57 e 61, é possível que no próximo sorteio saia números a partir da dezena do trinta, aquela que está faltando: 23__45-46-57-61. Embora tais técnicas não prevejam a totalidade dos números, parece-nos mostrar que não existe aquilo que chamam de sorte, ou seja, uma ausência de causas!
§128. São os números infinitos? Se eles forem, como acreditamos, produto de nossa percepção, então são potencialmente infinitos, uma vez que poderíamos ficar pensando em uma série crescente deles, mesmo se os objetos do mundo forem finitos, por um puro exercício da imaginação. Vamos mais longe: cremos que os números são aqueles
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compreendidos na série que vai do um até o nove, sendo que, todos os demais, são apenas combinações, tal como os talheres que são, primitivamente, de três tipos - garfo, faca e colher -, sendo que, tudo o mais, é uma variação ou combinação dos elementos precedentes, variando apenas em tamanho. Ou de acordo com nossa tese anterior (§127), “90”, por exemplo, é o nome que damos a dez grupos com elementos chamados, quando estão juntos, de “nove”.
§129. Sobre os números primos. Dizer que o número “três”, por exemplo, só pode ser dividido por ele e pelo “um”, sem que perca a condição de número inteiro não é sempre válida e dependerá do tipo de objeto material envolvido. Podemos tomar três pratos de saladas e os dividir em duas partes iguais, assim como, como disse um lógico uma vez, uma gota d’água acrescida à outra não dá duas gotas. Assim, a crença de que existem números primos decorre das nossas observações empíricas de certos objetos que não podem ser divididos, exceto se destruirmos a sua forma. Isto nos dá pistas de que se entendemos nossa mente, entenderemos os números primos. Em uma análise mais atenta, reconhecemos a busca por um padrão nos números primos, como uma aversão a divisões em que o resultado não mantém a forma dos objetos. Uma dor mental, então, surgiria de experiências como estas. Um caminho possível de investigação consiste em nos perguntarmos se a percepção que temos de seis elementos, por exemplo, que estão lado-a-lado é a mesma quando o percebemos dois a dois? Sob o ponto de vista geométrico não é a percepção de uma mesma figura, mas, figuras diferentes! Assim, se estivermos certos, o problema dos números primos deixa o “terreno” da aritmética e se instala no da geometria. Aliás, sempre tivemos a intuição de que os gregos antigos, um povo construído no limite entre os prazeres da vida aristocrática e as dores de batalhas sem fim, teria alcançado um nível de percepção ampla, suficiente para dar origem às formas clássicas que vemos nos seus templos, às teorias filosóficas e, o que nos interessa aqui, às investigações sobre geometria, de Pitágoras,
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Tales, Euclides a Arquimedes. Não é por acaso que Platão escreveu na porta da Academia: “que não entre aqui, quem não souber geometria”! Peguemos o número “9” e o coloquemos sob a forma de matrizes: teremos nove figuras, mas apenas três delas são matrizes, “1x9”, “3x3” e “9x1”. Nas outras, sobrarão elementos. Peguemos o número “5”: à exceção das matrizes “1x5” e “5x1”, não há, como no número “9”, uma outra matriz. Daí crermos que um número será primo quando não puder ser posto sob a forma de matriz, exceto nos casos em que ele apareça com o número “1”. Mas, isto não é importante, pois o “1” não é propriamente um número, pois ele se refere à percepção da totalidade dos elementos de um conjunto e não um dos elementos. Não sabemos até que ponto esta nossa tese poderá ser útil à matemática, mas nos parece que, pelo menos, esta abordagem é inédita, pois abandona a análise aritmética e passa a dar atenção à geometria, onde ela efetivamente tem lugar, dentro de nossas mentes, especialmente daquelas em que o grau de percepção é mais amplo!
11) DEUS OU O UNIVERSO
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Nada se enraizou tão profundamente nas mentes de todos nós do que a crença da existência em separado de, de um lado, Deus e do outro, o universo. Berkeley foi o primeiro a se dar conta de que tal tese não poderia ser correta, pois o que os separaria, o “nada”? Seria o “nada” alguma coisa, um outro Deus, que se impõe e mantém para si um território distinto de tudo mais? Tampouco faria sentido especular sobre muitos deuses, pois, neste caso, valeria o argumento tradicional, medieval, de que por Deus se entende um “ser perfeito”, que possui todas as qualidades, sem as compartilhar com mais ninguém. Aceitamos que (se Deus existisse, algo com que discordamos) Ele deva ser algo único, nem questionamos se algo sem outros seres iguais a si não possa ser numerado, pois embora não seja quantificado como “um”, é “uno” no sentido de totalidade. São Tomás de Aquino defendeu que o uno é oposto à multiplicidade de seres finitos; mas, uma coisa só é oposta à outra se têm uma natureza comum e podemos, ainda, entender “oposição” como perspectiva: a escada que desce é oposta à que sobe, mas são uma mesma escada! Resta-nos, portanto, a alternativa do panteísmo, onde Deus é identificado com o universo - por isso, não faz sentido rezarmos, pois quando rezamos, rezamos para nós mesmos. Por que isto não é evidente? Somos Deus com amnésia ou Deus em pedaços! Em substituição à imagem de um Deus criador que produz sua criação, mas se manteria distante dela, como um artesão que produz um móvel, nós sugerimos que pensemos um Deus tal como a imagem de uma bailarina que se põe a dançar e, onde, a criação nada mais é que o criador em movimento (ver tese da teofania de Escoto Erígena em §35). Não pretendo aqui listar ou analisar teorias sobre a existência ou não de uma divindade. Apenas acrescentar a partir das teorias da duração e dos graus de percepção novas perspectivas. Além disso, há no §37 uma teoria nova e suficientemente forte: a de que se um filho recebe a animação da mãe, essa de sua mãe, aquela de sua mãe, então deve haver um primeiro ser que animou toda a série.
§130. O que é o nada?
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Este é o momento apropriado para relembrar a questão de Platão (ser e o não-ser), Leibniz e, mais tarde, refeita por Heidegger: por que existe (este) mundo ao invés do nada? A nosso ver esta pergunta se relaciona mais com os sofistas – mestres da retórica na Grécia antiga – do que propriamente com filósofos. E isto porque o termo “nada” significa ausência de alguma coisa que conhecemos e que procuramos. Se substituirmos a palavra nada da pergunta inicial, refazendo a pergunta ela ficará assim: por que percebo o mundo ao invés de não percebê-lo? Um outro ponto interessante diz respeito à origem do mundo. Quando se lê que Deus criou o mundo do nada, pensamos que o nada não seria pouca coisa, visto que toda a matéria teria vindo de lá. Mas, lendo São Tomás de Aquino, ele nos diz que a expressão “do nada” não se refere a uma origem da matéria, mas apenas uma ordem, uma sucessão: havia Deus sem um mundo e Ele, então, criou o mundo. Aquino, parece crer que houve uma espécie de emanação das coisas de Deus, semelhante à tese do uno de Plotino. Há dois caminhos que percorremos para refutar que Deus exista separado do universo ou, mais precisamente, em favor da tese de que Ele seja o próprio universo: (1) por meio da tese da dor na memória e, (2) a posse de muitos graus de percepção, como veremos nos §131 e §132.
§131. Se Deus tem mente também percebe duração. Lemos na obra de Franz Brentano Psicologia de um ponto de vista empírico, a opinião de que Deus deveria ter conhecimento de que ponto sua obra – o universo - se encontra e, por conseguinte, Deus não poderia perceber apenas uma única vez todo o universo. Até porque conhecer o universo em um instante significa, sob o nosso ponto de vista, bilhões de anos. Bilhões de anos observando estrelas se expandindo faz surgir em nossas mentes, a percepção de duração longa, como já explicamos, em função dos estímulos repetitivos que uma pessoa memoriza. Assim, o que para Deus é um instante, para nós é um tempo longo, tempo demasiado longo para se perceber a Sua criação! Mas, se Deus tem uma mente infinita, Ele poderia ver o universo como algo sempre novo, através de novas perspectivas, como vemos a imagem da mulher
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que amamos, não surgimento duração longa ou tédio. Sabemos que é o mesmo ser, mas concentramos nossa atenção a uma nova perspectiva, a um detalhe novo. Esta solução de encaixa com a crença proveniente das religiões de que Deus ama a sua criação. Mas, sob esta possibilidade, Deus perderá sua onisciência! Se ainda insistirem que Deus percebe instantaneamente o universo, sua mente deve estar, então, ocupada por todo o objeto percebido – o universo – e, assim, concluímos que a Sua mente tem o tamanho do universo. Mas, se isto for verdade, como poderia Deus criar aquilo que tem o seu tamanho? Resta a alternativa panteísta: a de que Deus e o universo são a mesma coisa! Sobre a percepção do tempo como sucessão de eventos - passados, presentes e futuros - é difícil tomar uma posição definitiva, uma vez que não se sabe se Deus tem sentidos – há quem diga que Aquele que criou os sentidos, também, os possuiria -, embora se suponha (em teoria) uma consciência. Contudo, se pressupomos que Deus possa perceber duração, então, Ele poderia perceber uma linha de eventos, em um tempo, Ele poderia relembrar acontecimentos passados, mas esta memória não poderia estar guardada em um espaço atrás de Deus, como se encontra dentro de nós, uma vez que supomos não exista nada atrás, nem na frente, nem acima e nem abaixo de um Deus. Platão, vem em nosso auxílio: no diálogo Sofista, ele defende a tese de que o uno – Deus - de Parmênides não seria completamente absoluto, pois pensar - e a própria “vida da alma” – se constitui de movimentos. Se uma de Suas capacidades for pensar, não poderá ser imutável, uma vez que haverá sucessão de pensamentos e, deste modo, alguns serão passados, outros presentes e futuros. Deus não poderia ter uma consciência imutável, exceto se for completamente estático, uma estátua, como Deus de Aristóteles, o que inviabilizaria qualquer ato de criação. Mais correto é crer que Deus não pense, até porque há justificadas razões para crer que pensar seja fisiológico e que alguém só pensa quando tem dúvidas.
§132. A impossibilidade da onisciência.
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Não é possível a nenhum ser, incluindo Deus, perceber – simultaneamente - todos os graus de detalhe que estão no mundo. Dizer que alguém percebe tudo é dizer que percebe todas as coisas juntas, misturadas, em um grau amplo e, assim, sem foco, sem a percepção detalhada de cada coisa, ser ou objeto. Ou, Deus teria muitas mentes – tese panteísta -, ou, então, poderíamos pensar que Ele pudesse perceber o mundo sob todos os graus de percepção possíveis, mas, neste caso, o princípio da “não -contradição” seria violado: perceber todos os graus e, ainda assim, não percebê-los conjuntamente, mas separadamente. Aliás, a tese equivocada de Hegel e de Heidegger na crença de que fosse possível - até mesmo a nós humanos - , perceber simultaneamente a unidade e a diversidade - ou perspectivas – de um mesmo ser, objeto ou experiência, decorreu da
incapacidade
de
reconhecer
que
são,
em
realidade,
experiências
incompatíveis, isto é, ou temos uma delas, ou temos a outra, mas, nunca as duas simultaneamente. Vemos que suas doutrinas tropeçaram em noções primitivas, como “simultaneidade”, por exemplo. Um ponto a favor de Hegel: para ele a crença errônea no princípio da identidade (A=A) impediu a humanidade de entender como a totalidade se torna multiplicidade.
§133. Sobre a “coisa em si”. A “essência” igual à “aparência”. Uma boa tentativa para explicar a “coisa em si” foi feita por Hegel, a partir da observação da tese de Kant: a “coisa em si” ou o “ser” - ou o “nada”, segundo Hegel -, surge diante de nós quando extraímos – mentalmente - das coisas todas os seus predicados. A princípio tendemos a concordar com Hegel, mas há um problema: cremos que o espaço dito vazio não seja propriamente vazio, mas preenchido com matéria sutil, algo que Kant pensou, também: para ele, a abstração nos faria reconhecer não a “coisa em si”, mas aquilo que chamamos de substância. Ela mesma não é tal como está no mundo, pois não vemos o mundo como ele realmente é, pois a mente altera os estímulos externos. Devemos objetar respondendo que o termo “mundo” é o nome que damos para as coisas que vemos, incluindo a nós mesmos! Vemos, assim, uma fatia ou camada do mundo, algo verdadeiro, sim, mas não vemos a “coisa em si”, pelo menos não a olhos nus,
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pois cremos ser ela o “arqué” dos gregos antigos, a estrutura mais elementar de todas as coisas e , portanto, o que há de mais simples que existe. Já a essência se refere tanto ao processo por meio do qual ao chega a ser o que é e suas características, visíveis (pele, cabelos, movimentos) e ocultas (sentimentos, disposições de caráter, etc), segundo Aristóteles e Espinosa, quanto a idéia que aparece em nossa mente, quando pensamos a forma humana ou a forma do círculo. Formas que podem ser expressas por meio de linguagem, mas tal comunicação nunca será completamente precisa, apenas semelhante, como escreveu Platão, em sua “Sétima carta” ou, também, como escreveu, na Idade Média, Dionísio Pseudo-Areopagita, em sua tese da teologia negativa, na qual observa que, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais difícil é dizer algo dele, porque não é predicado de nada que usamos em nosso dia-a-dia, exceto de um modo aproximado. Do que dissemos antes, podemos identificar a “essência” dos seres e objetos de nosso mundo com a própria aparência externa quando os observamos, como pensava Nietzsche, que não distinguia “essência” de “aparência”, não precisando, assim, recorrermos a algo supostamente interiorizado, escondido, velado, dentro de nós e dos outros objetos e seres, mesmo porque não há nada dentro de nós, exceto carne e ossos. O máximo que se poderia dizer quando ouvimos falar da essência de uma pessoa é que estamos tratando do seu temperamento e este, por sua vez, depende dos arranjos de suas percepções internas (estruturas mentais ou categorias). Jean-Jacques Rousseau escreveu que as feições das pessoas mostram, sim, seu caráter, pois este na medida em que as ações são repetidas vão deixando marcas em nossos rostos. É interessante que se tenha buscado o autoconhecimento: mas, conhecemos o interior do nosso corpo? E quantos filósofos e cientistas fracassaram em entender o comportamento humano? No século XX d.C., pensadores defendiam que a tecnologia criara uma realidade distinta da que nossos sentidos nos dão, algo irreal. Tal tese parece inspirada em Walter Benjamin que via com estranheza o fato de que a invenção da fotografia e da câmera de vídeo mostrava detalhes que não eram percebidos e,
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por isso, todo o ato humano careceria de uma “aura”, de um espaço e de um tempo próprios. Ora mandemos pro diabo o espaço e o tempo! Ocorre que nossa percepção pode por meio de máquinas ser ampliada, assim como por meio de um microscópio ver além de sua capacidade normal. Nem por isso diremos que é uma outra realidade! Um exemplo que eles dão é o da pornografia que nos mostra perspectivas em maior número e com mais nitidez que teríamos quando copulamos. Mas isso é algo além do real? Nosso sentimento era de que ver aqueles filmes me proporcionava mais desejo que fazer sexo. Mas, isso se deveu ao fato de que na época sentimos um declínio da capacidade física e entendemos, hoje, que podemos tocar no corpo de quem amamos explorando perspectivas que aprendemos naqueles filmes. É tudo questão de ampliar a percepção e ver mais do que víamos antes. É o mesmo mundo!
§134. Nem finito, nem infinito. Contra séries infinitas. Um Deus ou universo é infinito ou finito? Para os gregos antigos, o infinito é sinal de imperfeição, tese com a qual concordamos. Aristóteles foi quem, naquela época, melhor definiu o infinito (Física: livro III,6; VIII, 10; Metafísica: 12,7-9): “aquilo que, por sua natureza, não poderia nunca ser atravessado”. E, ainda, acrescentou: “nada é completo que não tenha limites”. Já para os pensadores ligados às religiões, Deus é infinito, tal a sua grandiosidade e perfeição! Em nossa opinião, nem uma coisa, nem outra. Isto porque não vemos o espaço, senão como uma ilusão. Desta forma – a única, cremos – podemos superar a antinomia – o paradoxo – que surge: se fosse finito, seria limitado e se infinito, não teria limite e – supomos – nem seria capaz de conhecer a si próprio ou atravessar toda a sua magnitude!
§135. Uma prova do mundo cíclico. E o universo teve um começo? Em resposta à tese das séries infinitas (para Espinosa e Hegel, o universo não tinha nem começo e nem fim, progredindo por toda a eternidade, a níveis cada vez mais complexos), oferecemos a tese dos “movimentos cíclicos”, a partir da observação do desenvolvimento de nossa percepção: nascemos incapazes de
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distinguir o que somos do resto do mundo, progressivamente, vamos percebendo detalhes, reconhecendo seres e objetos particulares, então - retrocedendo um pouco - gêneros, espécies e, somente mais tarde – para alguns ainda na juventude e, para a maioria, na fase adulta ou, ainda, um pouco antes do último suspiro – predominará uma estrutura mental quase totalmente ampla, que procurará abarcar sob uma única percepção todo o universo a sua volta. Ora, esta seqüência de percepções sucessivas que vivenciamos demonstra que terminamos nossas vidas voltando à primeira percepção com a qual começamos. Isto prova, em nosso entendimento, que o mundo é cíclico, tem começo e fim. Acrescentemos que se não há dentro de nós um “ego”, então não há possibilidade desta tese esteja tratando de uma característica subjetiva da mente humana. O universo teve um começo? Não faz sentido pensar isso, pois o que é eterno não tem um começo, exceto se – como peixes em um aquário – este universo for parte de alguma outra coisa, mas não cremos em uma série infinita, pois não haveria um começo e sem começo, não há nenhum dos seus efeitos. E, assim como a mente humana – e dos animais, também - ora amplia, ora foca detalhes, é de se esperar que o universo, também, ora se agrupe em seres e objetos, ora atinja um aspecto que lembre um tecido liso, pois a mente é parte do universo e se comporta à semelhança dele. E o que veio antes, um período de retração ou de expansão? Assim como pensamos que o princípio da identidade só valha para o universo como um todo, talvez a o princípio da não-contradição possa valer apenas para o cosmos. Assim, os momentos da expansão e da contração ocorreriam juntos. A conseqüência é que todos os momentos das nossas vidas, desde o nascimento até a morte existiriam simultaneamente, mas não somos capazes de vê-los ou, pelo menos, não tão nitidamente quanto o agora. Isto explicaria, assim, as premonições ou o “déjà vu” (algo já visto). Mas, como isto seria possível? Pensamos que um universo completo, mas sutil, fosse posto em movimento, como trilhos por baixo do universo que se desenvolverá; aliás, é preciso que exista um caminho sobre o qual tudo se movimente, pois do contrário ou não haveria movimento, ou as coisas se movimentariam de um modo uniforme, igualmente espalhado.
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Poderão dizer que seria preciso um ser fora do universo para perceber todos os eventos do universo. Verdade, em parte, pois já existe esse ser: aquilo que ainda hoje é incognoscível, isto é, a consciência, que parece estar fragmentada em muitos trilhões de seres finitos, se entendida como uma única, uma vez que não há realmente seres finitos poderia perceber tudo a sua volta (somos ondas em permanente mudança de um oceano). Em fevereiro de 2008, não consegui me controlar e pensei em acrescentar uma correção ao que disse: assim como figuras perfeitas, como o círculo, são produto de nossa mente, podemos pensar que um universo cíclico é, também, uma ilusão. Seria melhor assim: todo o esforço humano não seria destruído, escaparíamos do mito de Sísifo que leva a pedra até o alto da montanha e a pedra rola para baixo novamente. Contudo, podemos pensar que figuras perfeitas só existam tomando o universo como um todo, tal como cremos ocorra com os princípios da identidade e da contradição. Haveria a esperança de que nós ou, pelo menos, nossas idéias não sejam esquecidas! Então, o universo pareceria cíclico, mas não o é, em realidade. Há, assim, uma parte que permanece e progride. Haveria algum registro das descobertas feitas por outras civilizações? Talvez. E um bom lugar onde se procurar tais vestígios seja em porções ínfimas de matéria, capazes de resistir nos períodos de parcial – e não completa – contração do universo. Porém, não cremos nisso: haveria um quadrados perfeitos, linhas retas, ..., a forma humana ou outras formas, ou seja, o mundo inteligível de Platão? Um argumento contrário a isso consistiria em dizer que as figuras geométricas dependem da existência de espaço, também uma ilusão, mas os princípios lógicos não. E não só de espaço, mas gravidade exercendo sua força sobre o que está a sua volta, gravidade que, acreditamos, não exista quando o universo é totalmente liso. Finalmente, imaginemos um feto: ele já tem uma percepção de totalidade, sem sequer experimentar o mundo a sua volta. A vida mais simples só surge porque há nela a procura por uma unidade... §136. Outro falso paradoxo: o universo se repete ou é sempre diferente? 203
Dissemos na primeira edição deste livro que o universo deve ser sempre diferente, pois a idéia de que dois acontecimentos possam ser iguais é uma ilusão de nossa mente. Como Kant, quando defendeu a tese de que a alma e a boa vontade eram infinitas, pensamos na possibilidade de que o universo pudesse se repetir, talvez, por nosso desejo pessoal de reviver esta mesma vida. Mas, o termo “igual” não é real, logo tudo é sempre diferente. Assim, embora defendamos que o universo como um todo seja sempre o mesmo, não concordamos com Nietzsche que pensava que as partes do universo se repetiriam eternamente!
§137. Há infinitos universos existindo simultaneamente? É uma crença comum a que crê que o universo possa fazer parte de outro universo em uma série que vai ao infinito. Chegam a falar que o universo pode estar dentro da célula de um ser vivo, que exista em um outro universo. No sentido oposto, também poderíamos especular que dentro de nossas células poderia haver infinitos universos. O problema em defender esta tese é que – como Aristóteles explicou, na obra Metafísica -, em uma série infinita de eventos, como infinitos universos, esta série não teria um começo! Também, o argumento do “terceiro homem” (ou “princípio do terceiro excluído”) é útil para resolver questões como a impossibilidade de existência de dois ou mais mundos ou, ainda, de uma causa externa ao mundo: de que seria feita esta causa que cria os universos? Se fosse feita do que o universo é feito, ela própria precisaria de algo externo a ela para existir. Se diferente, como criaria o universo? O certo é que somos peixes tentando descobrir o que há do lado de fora do aquário, mas em relação ao universo não parece haver nada do lado de fora!
§138. O paradoxo da lagarta: há uma ordem no mundo? Estávamos esperando o ônibus para ir para uma aula de filosofia, isto aconteceu quando éramos aluno do curso de licenciatura em filosofia, quando caiu uma lagarta sobre nosso ombro e, reagindo automaticamente, a jogamos para a rua e, um ou dois instantes depois, um ônibus passou por cima dela. Qual é o
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paradoxo? Em que se encaixava, na ordem do universo, aquela morte acidental e desnecessária. Nem podemos recorrer a um livre-arbítrio, nem nosso, nem da coitada da lagarta. Assim, ou somos uma exceção à ordem do universo, ou somos o padrão, pois todos os seres vivos trazem em si um sentido interno de ordem, que impele a reordenar tudo a nossa volta, como, quando, renunciamos ao “habitat” natural e passamos a viver em cidades. Um modo de entender a questão é ver a noção de “ordem” como produto de nossa estrutura mental: se alguém vê o mundo com uma percepção ampla – desfocada - lhe parecerá que o universo é perfeitamente ordenado; sob uma percepção centrada na civilização ou em si mesmo, poderá não vê-lo assim. Nem a “percepção ampla” revela algo com existência real, como um ser eterno; tão somente nos impele a produzir ordem, tal como uma bússola ou mapa que nos guia para a “terra prometida” e nos faz distanciar do “reino das imperfeições”, do qual nascemos, nós “formigas-operárias” deste canteiro de obras chamado “universo”. Não podemos deixar de citar um argumento de Jean-Jacques Rousseau de que a desarmonia observada neste mundo é prova de que deve existir uma vida depois dessa, porque só assim haveria um reequilíbrio, uma harmonia. Deveríamos tentar verificar se há mais desarmonia mesmo. J. T. Frasier disse que a aparente desarmonia do universo - entropia – é um engano e que a harmonia e a desarmonia estão em equilíbrio!
139. Sobre a gravidade. Newton certa vez se opôs à tese de que entre dois objetos separados por um vazio pudesse haver uma força (gravidade) que fosse exercida entre eles; mas, mesmo assim, ele formulou a teoria da atração entre corpos. Depois dele, se especulou sobre uma troca de partículas (grávitons). Já Einstein aceitou a tese de Espinosa de que todas as coisas são parte de uma única substância e, por isso, o espaço entorno de planetas e estrelas, por possuir um tipo de matéria mais sutil, deveria ser afetado por corpos com matéria mais densa. O exemplo da cama com
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lençol bem estendido, sobre o qual é colocada uma bola de boliche mostraria a deformação que um corpo com massa densa exerce sobre o espaço a sua volta. Mas, por que só em um plano? Aqui parece enraizada na mente daquele cientista a crença em uma força gravitacional (na antiga concepção newtoniana) que puxaria a bola de boliche ou os planetas para baixo! Cremos que o exemplo da cama e da bola de boliche é muito fraco, pois o corpo celeste deformaria o espaço de 360o ao seu redor; não devemos, assim, imaginar camas e bolas de boliche ao redor dos 360o? Achamos mentalmente difícil (impossível) conceber uma imagem assim! E, além disso, perguntamos: tais deformações não anulariam umas às outras? Uma alternativa seria pensar que o planeta só deforma o espaço na direção em que ele se movimenta, mas assim a lua não giraria junto com a Terra, oeste-leste, mas norte-sul! Um modo de resolver a questão pareceu-nos ser o seguinte: devemos ver a Terra, por exemplo, como uma porção (densa) do universo em movimento que, ao girar, faz com que tudo o que está a sua volta gire junto como se ela puxasse um tecido (um lençol) a sua volta. O que faria, então, com que escapássemos da gravidade? Bem, as naves espaciais e os foguetes já fazem isso, mas precisam de combustível. E sem usar milhões de litros de combustíveis? Talvez (em teoria parece fácil) se o objeto (um foguete) girasse em sentido inverso do terrestre em uma velocidade aproximada entre 107 a 108 mil quilômetros por hora. Se a máquina tiver, digamos, 10 metros de diâmetro, então ela deveria ter ela mesma ou um motor em forma de cilindro que girasse abaixo dela um raio de 5 metros ou 31,4 metros de circunferência. Assim, para o cilindro girar a 107 mil km/h,
então
precisaria
dar
3.407.643,31
giros/
hora,
56.794
rpm
ou
aproximadamente 946 giros por segundo. E que tipo de equipamento usar para fazê-la girar? Poderia ser algum motor eficiente como os que se usam em aviões a jato ou talvez algo mais simples: se eletricidade passasse do lado externo de um cilindro, não viajaríamos a velocidade da luz? Mas, é preciso cuidado, pois muitas máquinas como esta poderão afetar a velocidade do planeta e se a Terra se mover lentamente ou parar, então tudo que
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estiver na superfície será ejetado para o espaço. Talvez algo parecido tenha ocorrido com Marte. Dez em cada dez cientistas dirão que já houve uma prova de que a teoria de Einstein estava certa: em um eclipse solar se observou que a posição aparente de uma estrela era diferente da posição real e, assim, concluiu-se que a luz da estrela ao passar pela deformação no espaço ao redor do sol sofria mudança em sua trajetória. Não vamos discutir se o eclipse é apenas um efeito óptico, incapaz de alterar deformações no espaço, o que é um problema metodológico dos físicos. Nem nos opomos a esta experiência, mas, sim, à explicação teórica oferecida; para nós, a luz da estrela é arrastada junto com o espaço no qual ela se encontra pelo fato do planeta Terra e o Sol girarem. Mas que força faz com que um planeta arraste para si o espaço (tecido) do universo a sua volta? A resposta mais fácil é dizer: o “big bang” ou a explosão de uma estrela que formou o atual sistema solar. Mas, é inevitável termos que pensar em estruturas cada vez menores até o ponto em que deve ter havido um começo onde não existia nenhum objeto girando e, conseqüentemente, nem gravidade. Mas, um sistema pré-cósmico sem gravidade, é possível? Talvez, aqui, tenhamos caído em nossa armadilha: e se não houver um sistema indistinto? E se uma coisa sem partes for um erro do nosso pensamento? Além disso, como algo assim afetaria e criaria o universo, sem força? Se não há gravidade, haveria liberdade para tal criação? Até o momento em que escrevo estes parágrafos não sei se devo tornar público este parágrafo §139, porque acredito que a tese da gravidade possa levar à construção de uma nova máquina voadora, que poderá substituir aviões, helicópteros, lançadores de satélites e foguetes a naves espaciais. Antes de fazer isso, enviei cartas ao governo brasileiro e obtive uma resposta do Instituto tecnológico da aeronáutica (ITA), que dizia assim: “A teoria da relatividade de Einstein tem sistematicamente passado por testes cada vez mais rigorosos atestando sua veracidade. Baseado na teoria da gravitação de Newton, que é uma excelente aproximação da teoria da relatividade de Einstein, sabemos a que força da gravitação só depende do produto das massas dividido pelo quadrado da
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distância entre elas. Portanto a sua premissa de que a rotação de uma máquina no sentido oposto ao da rotação da Terra anularia a força da gravidade está equivocada”. Recebi, semanas depois, outra resposta, do INPE. Nela, diz o pesquisador: (1) que não visualizamos a deformação que o planeta provoca, pois não bastam as três dimensões espaciais, mas, ainda, a quarta dimensão, o tempo, tese com a qual discordamos; (2) mais adiante, acrescenta: “...vamos considerar inicialmente que estamos com a nave em um dos pólos da Terra (norte ou sul). O eixo de rotação da Terra é, em ambos os casos, perpendicular à vertical e, portanto, fica bem claro o sentido que se deve dar ao giro da nave. E se a nave estiver no equador da Terra? Para que lado giramos a nave? Afinal a Terra não gira em relação à direção vertical nesta latitude”. Em um segundo “e-mail” pareceu-nos esclarecer o primeiro: “O eixo de rotação da Terra é perpendicular à superfície da Terra nos Pólos e paralela à superfície da Terra no Equador”. Como se passássemos um fio por dentro da terra saindo no pólo norte ou sul, mas quando passasse pelo Equador pareceria um trem subterrâneo e paralelo à superfície. De qualquer modo, cremos que há uma imagem de uma máquina na mente do cientista: o tradicional formato de “disco voador” que, segundo nossa teoria, só poderia funcionar (e girar no sentido oposto ao da rotação terrestre) nos pólos. Contudo, pensamos em um outro formato: uma máquina (um cilindro) que gire sobre si mesma na mesma direção do eixo de rotação (oeste-leste) da Terra só que no sentido oposto (leste-oeste), como se fosse um rolo compressor ou máquina pavimentadora de estradas. O pesquisador sugeriu a leitura de artigos, citando o cientista e, também, escritor de ficção científica Robert L. Forward (com trabalhos em detecção de radiação gravitacional ou ondulações de espaço-tempo, entendidas por ele como ondas eletromagnéticas, que poderiam ser captadas entre um intervalo de freqüência de alguns megahertz) e, também, Hideo Hayasaka and Sakae Takeuchi, que tinham feito uma pesquisa onde afirmavam que ao ter girado um giroscópio entre 3 a 18 mil rpms, pareceu-lhes mais leve, como se reduzisse a
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gravidade, pesquisa revelada, posteriormente, cheia de erros, segundo nos foi informado. Em outro e-mail o pesquisador perguntou “por que escolhemos a velocidade da Terra ao redor do Sol em vez da Terra em torno de si mesma, de 1.667 Km/h (40 mil km a cada 24h), no Equador, e zero nos pólos. Deveria ser fácil levitar nos pólos”. Será que isto não acontece, quando vemos que o campo magnético do planeta sair através dos pólos? Mais adiante: “Assim o giroscópio do teste japonês (com 1.080.000 giros por hora vezes 0,6 m de circunferência) dá 648 Km/h. Como o experimento foi no Japão (latitude ~35 graus norte) a velocidade do chão lá, em torno do eixo, é de 1667 Km/h vezes co-seno da latitude (0,82). O resultado é ~1.365 Km/h. Portanto, o giroscópio estava rodando à metade do necessário para levitar, deveria ter causado a perda de metade do peso. Nada, porém, foi detectado”. Não sabemos qual velocidade escolher para este cálculo, mas temos certeza de que dizer que os pólos não têm uma velocidade é uma excessiva abstração. Somos como o personagem de Baron Von Münchhausen voando sobre um projétil. Sobre a ausência de sinais no teste do giroscópio, imaginamos algumas analogias: (a) uma corrente marítima que arrasta um banhista apesar de seu esforço; (b) um foguete que precisa de mil litros de combustível para sair do chão e só tem metade; ou, melhor, (c) quando pela primeira vez na história foi observado que a água fervia a 100o Celsius, não dando a um observador nenhum sinal disto quando ela atingiu a metade da temperatura, 50oC ou mesmo 99oC!
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CONCLUSÃO Ficamos satisfeitos com o fato de que não escolhemos o percurso que realizaríamos, sendo levados a partir das conexões que observávamos entre uma questão e outra. Começamos pela questão do tempo, ingressamos na mente e suas estruturas internas, nos lançamos em objetivos mais ambiciosos, movidos pela curiosidade. Do que expomos ao longo desta obra deixa de fazer qualquer sentido perguntar se o que predomina em nós é a parte instintiva ou racional. Estamos, de fato, organizados em três camadas: (1) um sentido de ordem, puramente mental, formado ainda no útero; (2) uma parte instintiva, aqueles conhecimentos adquiridos após o nascimento; e, (3) a parte cultural, as regras – boas ou más que aprendemos na interação com as outras pessoas. Contudo, tal separação – didática - não significa que sejam partes em conflito; em realidade, todas as nossas escolhas são determinadas por uma mesma causa: nosso sentido de ordem mais um certo grau de percepção! Convém falarmos um pouco mais sobre a nossa rejeição à existência de um “ego” dentro de nós: não defendemos esta tese porque ela é o único meio de estendermos o sentido moral além das experiências intra-uterinas, relacionando-o a uma causa mais nobre – o sentido de nossa existência. Poderão perguntar por que devemos preferir um grau amplo de nossa percepção em lugar de um mais centrado em nossas necessidades? Nossa resposta: para nós e para boa parte das pessoas, que atingiram uma maturidade intelectual e física, é mais belo ver, por exemplo, um casal que viveu a vida inteira justos, porque se amam, do que conhecer alguém que tem uma nova namorada a cada semana ou, então contemplar e degustar um prato com uma quantidade moderada e saudável de alimentos do que ver alguém competindo em um concurso para ver quem come o maior número de algum tipo de comida. Embora possa parecer engraçado, certamente não é algo que diríamos como um fim elevado a alcançarmos!
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Estamos, assim, convencidos de ter apresentado um modelo de funcionamento mental que não precisa crer na existência de um “ego”, para funcionar! Certa vez, um professor disse que se nossas ações fossem resultados de operações fisiológicas, então, não haveria um sentido para a vida. Discordamos completamente dele: se as escolhas fossem livres – uma ausência de determinismo - qualquer escolha seria a correta e o universo não atingiria um mesmo fim, mas diversos fins. Mas, se há um sentido interno em nossas mentes, há, sim, um objetivo comum! Havia
na
primeira
edição
de
“Quem
somos?”
três
pontos
que
considerávamos paradoxos: (1) o que é a consciência e como as sensações são, por ela, percebidas, (2) o sentimento do belo é instantâneo ou requer uma experiência que envolva duração; e, (3) se o universo é sempre o mesmo ou se seria possível ser sempre diferente (a refutação a Nietzsche). Cremos que pudemos, nesta obra, mostrar que dois dos três paradoxos (do belo e do universo) são “pseudo-paradoxos”, falsos. Mas, restam dois paradoxos: (alfa) “o que é a consciência” e, (beta) se é possível que o universo se contraia e se expanda ao mesmo tempo (questão sobre simultaneidade). Ambas consistem, assim, nas questões centrais e na tarefa da Filosofia. É claro que por “tarefa da filosofia”, queremos nos referir à tarefa de desenvolver novas teorias (hipóteses). Pode-se até mesmo retornar ao paradoxo do universo ou do belo, para, quem sabe, acrescentar algo novo ou mesmo corrigir tudo o que foi escrito. Mas, pode-se trabalhar em filosofia de outros modos, além das aulas em colégios e universidades: pode-se inovar em outras atividades: escolas de filosofia dirigida para outros públicos, como profissionais liberais e anciãos e, também, consultorias para pôr em prática a percepção ampla - peculiar da Filosofia - auxiliando as ciências, mas em uma perspectiva diferenciada, procurando se distanciar das técnicas usuais e inspirar novas idéias, causas
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desconhecidas e novas tecnologias. Porém, somente ocorrerá se o ensino de filosofia puder estimular o tipo raro de percepção ampla, que descrevemos antes. Que descobertas originais fizemos e quais são nossas contribuições à história da filosofia? Enumeraremo-las a seguir : (A) duração é dor que surge na memória, relacionada à monotonia e a experiências incompreensíveis e é a causa por que pensamos, desenvolvemos matemática e buscamos soluções filosóficas e científicas; (B) passado, presente e futuro são posições no espaço do ponto de vista de cada pessoa. Quando estamos diante do espelho, embora a ciência diga que nossa imagem é passado, para nós, é presente quando a percebemos; (C) não há nada simultâneo, pois duas sensações juntas produzem uma terceira percepção distinta das anteriores, como a percepção de azul e amarelo, juntos, dá verde; (D) a gravidade não resulta da deformação do espaço, mas do fato de que os planetas, quando giram, arrastam consigo o espaço (ilusoriamente vazio) a sua volta; (E) nossa capacidade de abstração decorre de imagens (e sensações) dos objetos externos, desfocados, através de estruturas internas, como se fosse um conjunto de lentes, talvez algo orgânico como os neurônios, diferente do que Kant chamou de “categorias” e pensou ser transcendental, além da matéria. A idéia de círculo, para Platão pertencente a um mundo inteligível seria formada a partir do desfocamento de qualquer objeto arredondado, como uma laranja. Mas, não estamos dizendo, com isso, que a forma esteja nas coisas, pois até mesmo as cores são formas. Parece que do mundo só recebemos impressões e não sabemos nada sobre as coisas em si mesmas. Podemos refutar esta afirmação dizendo que cada grau de nossa percepção percebe um grau do mundo; (F) com estas estruturas, em graus mais amplos, temos os nossos sentidos de moralidade e estético, quando percebemos os elementos que compõem uma obra de arte ou uma sociedade humana onde os elementos são vistos como igualmente importantes, sendo que nenhuma das partes deve se destacar sobre as demais. Gosto se discute, sim: se a percepção só alcança o que nos está mais
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perto, dizemos que é um gosto (um sentimento subjetivo) em contraste com percepções mais amplas, quando comparamos não os elementos em si, mas na harmonia entre eles, um sentimento objetivo. Vamos mais longe: algo é bom, porque é belo, isto é, o senso moral está fundado no senso estético e, este, na experiência fetal, de onde aprendemos a harmonia e a completude (ausência de necessidades); (G) não há vontade ou escolhas livres, pois não há simultaneidade, logo, duas alternativas nunca estão disponíveis igualmente e sempre uma prevalece por sua própria força. Seguimos os estímulos mais fortes, aquela série de experiências emocionais mais intensas que vivemos e isto nos faz felizes. Então, por que punimos as pessoas por elas só terem uma alternativa a escolher? Só resta pensar que temos esperança de que a censura se torne um estímulo mais forte do que aqueles que a fizeram cometer um crime. Mas, como saber se funcionou? Deixá-la livre depois de cumprida a pena ou testes para identificar seus graus de percepção: quanto mais amplos melhor!; (H) não há mal enraizado em nós, pois os imperativos morais e as formas que a nossa mente constrói ou percebe nas coisas podem ser boas ou más, dependendo das experiências que vivemos. Um traficante de drogas ou um psicopata podem aceitar como máxima moral universal a lei do mais forte, mesmo que ele seja a vítima, pois, ele pode pensar que este é o mundo ideal; (I) prazer é um tipo de dor, embora sutil, um transbordamento após uma necessidade ser extinta e, por isso, a felicidade deve consistir na extinção da dor e não em uma busca de prazer; (J) não há necessidade de um ego, se todas as escolhas são automáticas, determinadas pelas experiências anteriores, inclusive as vividas quando feto. Não havendo um “ego” dentro de nós, segue-se que segue-se que (J1) tudo é um só ser e (J2) nada é realmente subjetivo. Mais: se trazemos em nós percepções que vão desde a mais ampla, quando nascemos até a mais aguçada, com a qual reconhecemos os objetos, não podemos dizer que tais percepções representam algo semelhante aos vários estágios de um embrião, desde as formas mais
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antigas até a humana? A percepção ampla, mais fundamental, não seria aquela com a qual, no começo do mundo, perceberíamos o universo como um único ser?; (L) Deus não pode pensar, porque surgiria Nele a duração, dor, quando percebesse repetidas vezes uma mesma coisa, a menos que Ele não perceba semelhança e, assim, veria todas as coisas como sempre novas. Se Ele pudesse pensar, não planejaria o mundo, pois ao planejar, já imaginaria a todos nós e existiríamos no planejamento, antes do mundo ser criado. Deus também não pode ser onisciente, pois perceber tudo junto é perceber uma mistura e não as coisas separadamente. Nem Ele pode ter consciência, se só há consciência de algo externo; (M) além disso, pensar é fisiológico, pois boa parte das vezes é involuntário e quando há uma reflexão é porque houve empate entre as alternativas possíveis, diferindo, assim, do instinto, pois este último resulta de experiências repetidas tantas vezes que se torna automático. E o menosprezo ao corpo em contraste com a divinização do pensamento decorre de que pensar está mais próximo do ponto focal (consciência) e o resto do corpo está como as legiões romanas quando estavam a milhares de quilômetros do poder central de Roma; (N) sonhos são o que acontece, também, quando estamos acordados, ou seja, os próprios pensamentos e, por isso, não se pode dizer que sejam desejos reprimidos, mas, que podem, sim, envolver a memória de experiências anteriores frustrantes, como felizes. O que acontece quando dormimos ou acordados é que a mente não pára de fazer analogias, buscar imagens ou outras sensações semelhantes preenchendo lacunas. A intuição, por exemplo, é uma resposta que aparece depois de ter sido feitas, inconscientemente, muitas relações internas; (O) não há uma vontade racional universal que garantiria a aplicação incondicional das leis que nada mais devem ser do que frágeis referenciais, substituíveis, pelo bom senso, um misto de senso moral e costumes. O poder judiciário deveria ser eleito por sufrágio universal e composto por pessoas com histórico de atos morais. Já não repararam que os juízes têm dois discursos: em uma audiência, diante de ex-namorados, um juiz disse que se fosse a filha dele,
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ele bateria em quem a agredisse, mas que, como autoridade, ele não poderia dizer isso! (P) números são, pela definição aristotélica, nomes que damos a um grupo ou uma lista de objetos ou seres que, por estarem desfocados, nos dão uma aparência de possuírem uma mesma forma ou uma característica específica idêntica. Já os números primos têm a seguinte explicação: são números que não podem ser postos sob a forma de matrizes e, portanto, a questão não é aritmética, mas pertence à geometria; (Q) a consciência que entendemos se referir a um ponto sobre o qual impactam as sensações, não é uma operação fisiológica, pois uma tal operação é ora involuntária, ora voluntária ou ora é possível de algum controle, ora não, mas no caso da consciência não há possibilidade de qualquer controle. Quando atribuem a ela um progresso, erram porque não é ela que progride, mas estruturas do cérebro e, assim como progridem (se ampliam), essas estruturas, também, regridem. De outro modo, por que a consciência perceberia certas experiências com maior detalhamento enquanto que, em outras, com menor detalhe? (R) deveríamos fazer uma retrospectiva das relações que tivemos ao longo da vida com as pessoas do sexo oposto para observar com quais tipos físicos e quais
personalidades
sentimo-nos
melhor,
pois
são
as
experiências
emocionalmente mais intensas passadas que definirão nossa preferência futura. Assim, toda a forma de afeto acontece por seguirmos aquelas ligações neurológicas mais detalhadas [FIM].
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