Ficha de Leitura
MÉTODO E VISÃO DE MUNDO EM WEBER JASPERS, Karl In: COHN, Gabriel. Para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005, p. 105-124.
A “grande questão” da obra de Weber é sempre “[...] sobre os homens, que são determinados a partir de condições cognoscíveis e que engendram, na sua ação dotada de um sentido para eles, algo diverso daquilo que intencionavam.” (p. 105) Sendo que os sentidos da ação humana “[...] são acessíveis ao conhecimento nas suas conexões singulares e de maneira relativa.” (p. 105) De maneira que a pesquisa de Weber parece “[...] estar dispersa ao infinito, ainda que referida a uma única idéia, cuja realização permanece como uma tarefa sem fim.” (p. 106) Dois “estudos clássicos” de Weber são: o que trata da decadência do mundo antigo e o que versa sobre o espírito (“Geist”) da condução capitalista da economia. No que diz respeito ao primeiro, Weber propõe, como nexo causal explicativo do fim do império romano, a tese de que a decadência ocorreu em conseqüência de uma alteração na configuração da força de trabalho disponível (cessamento do fluxo de escravos por conta do fim das guerras), de modo que a queda na taxa de produção/acumulação foi tal que inviabilizou a reprodutibilidade do regime. Quanto ao segundo “estudo clássico”, trata de um esforço de compreensão sobre o “Geist” das formações societárias capitalistas. Weber entende que “Desaparecimento da escravidão, direito formal, ordem estatal legal [características típicas do modo de produção capitalista] são condições que têm em comum a racionalização da existência, em proveito daquilo que é calculável.” (p. 108) Entretanto, “Todas essas condições não teriam sido suficientes, contudo, para produzir o espírito da disposições capitalista eficiente para o trabalho. Para isso, Weber encontra um fator originalmente diferente e para ele decisivo: há uma afinidade interna entre a mentalidade do trabalhador que prefere aos serviços pessoais o desempenho de um trabalho contratualmente medido para uma empresa impessoal e contra remuneração, que leva adiante incansavelmente a sua tarefa no trabalho, mas que no demais é livre, e a mentalidade do empresário que sacrifica sua vida na construção de sua obra, que reinveste tudo que ganha para a ampliação e fortalecimento de sua empresa, que serve a sua causa mas não chega a gozar seu lucro. Ambos trabalham de um modo que, visto da perspectiva do prazer na vida, na realidade não tem sentido; ambos têm uma idéia de vocação. Hoje esse espírito, no mais das vezes na figura do homem especializado e como luta vazia e calculista pelo êxito, ainda aparece vinculado à idéia ética da vocação. A questão é sobre a origem desse impulso espiritual, que não tem paralelo no mundo, nessa forma. Ele tem origem religiosa, por mais que ela tenha desaparecido hoje na mentalidade da vocação plenamente secularizada. A idéia de vocação provém de Lutero e sua plena formação, que é propriamente responsável por essas notáveis conseqüências, vem do calvinismo.” (p. 108-109) “A questão [...] mais abrangente é, portanto, aquela acerca da origem e das conseqüências da racionalização do espírito humano em geral.” (p. 111) “Sua sociologia é história universal através da ascensão interminável rumo às questões radicais, para chegar pela compreensão às grandes decisões, às raízes últimas na mudança das coisas humanas.” (p. 113) “Ele próprio exprimiu o método que é essencial para isso: é preciso ver os possíveis para captar o real. No presente, o projeto do possível é o espaço no qual eu me asseguro
daquilo que decido; sem possibilidade, eu não tenho liberdade; sem ver o possível, minha ação é cega; somente com o conhecimento do possível eu sei o que realmente faço.” (p. 113-114) “A causa que ele encontra para o evento que efetivamente se deu é designada por Max Weber, assimilando trabalhos lógicos alheios, por 'causalidade adequada'. Isso quer dizer: também assim não se compreende o que ocorreu como absolutamente necessário, em nome de leis rigorosas. Mas, com base no nosso conhecimento de regras mais gerais, podemos compreender que isso tenha ocorrido assim porque nós, se estivéssemos diretamente envolvidos, o esperaríamos como em vias de ocorrer.” (p. 114) “Um dos caminhos para achar o possível é a comparação. [...] o semelhante é o meio para se chegar à captação tanto mais decisiva do especificamente diferente.” (p. 114) “A realidade é uma tessitura infinita de coisas dotadas de sentido e alheias a ele. Para captá-la são necessários conceitos construídos [...] Esses conceitos construídos são chamados por Weber de tipos ideais. Para ele, esses tipos são o instrumento metodológico para se chegar à realidade, e não a própria realidade. Eles não são conceitos referentes a espécies, sob os quais o real possa ser classificado, mas conceitos referentes a sentidos [...]. Eles não são alvo do conhecimento, nem leis do devir, mas instrumentos para elevar à máxima consciência aquilo que é específico da realidade humana em cada caso.” (p. 115-116) “Há uma tendência indestrutível da vontade não-crítica de conhecer, no sentido de tomar o que é acessível ao conhecimento, conforme os critérios geralmente aceitos, como sendo o único plena e definitivamente verdadeiro, de tal modo que, de posse desse saber, eu sei o que é bom, o que devo fazer, o que é o próprio ser.” (p. 116) Para Jaspers, é nesse sentido que Weber prega a distinção entre “valor” e “empiria”. “A neutralidade valorativa da ciência significa a contenção dos próprios julgamentos para se terem os dados bem claros, tanto em face dos fatos desejados como dos desconfortáveis.” (p. 117) “A neutralidade valorativa da ciência não significa, pois, para Weber, a interdição de valorar na vida, mas pelo contrário: é a paixão do valorar e do querer que engendra, como seu próprio esclarecimento e auto-educação, a legítima objetividade da pesquisa.” (p. 117) “[...] a decisão valorativa acerca daquilo que me atinge é precondição para a legítima paixão na pesquisa.” (p. 118) “A produção de representações de totalidades não cabe à sociologia empírica; esta as examina na medida em que elas têm uma importância funcional, enquanto representações que influem na ação dos homens, ou seja, ela já as encontra prontas.” (p. 119) Mas na própria idéia de Sociologia não está implícita uma representação do social enquanto totalidade? “Ao aceitar o caráter radicalmente unilateral presente em todo conhecimento, ele não só superou, no conhecer a unilateralidade, a dominação por ela, como ganhou ele próprio o domínio sobre ela.” (p. 121) “A investigação weberiana é o efeito mais puro do conhecer realista moderno (que só alcançou caráter indubitavelmente inequívoco nas ciências naturais e na matemática) sobre o conjunto da existência humana.” (p. 122) “As objeções contra Max Weber desembocaram na idéia de seu fracasso com investigador da realidade. Efetivamente ele fracassou, mas foi um fracasso verdadeiro, que pertence ao sentido autêntico da ciência. (...) O falso fracasso alega não saber e não mais se esforçar. O fracasso de Max Weber consiste em captar positivamente aquilo que é propriamente um não-saber dentro do saber empírico, ilimitado, determinado, chegado à coisa, e em abrir para si a possibilidade de um ser enquanto ser autêntico e não como um ser conhecido. Esse fracasso leva tanto mais profundamente ao ser quanto mais o saber se torna abrangente; por isso são tão gigantescos os projetos de investigação weberianos, a ponto de ele jamais conseguir completá-los, e suas obras, a despeito de sua amplitude, são apenas formidáveis fragmentos [...].” (p. 124)