”Este ponto é tão difícil que se Aristóteles dele não tivesse falado, teria sido muito difícil, impossível mesmo, descobri-lo – a menos que ele fosse encontrado por outro homem como Aristóteles. Porque eu creio que este Homem [Aristóteles] foi de uma natureza tremenda, um modelo que a Natureza inventou para fazer ver até onde podemos ir na perfeição humana sobre estas matérias” Ibn Rushd, Tratado da Alma, III, 14
Cadeira: História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Doutora Filomena Barros Discente: Ana Rita Faleiro, n.º 18889, HVA
Universidade de Évora, Janeiro de 2004
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros
Índice Introdução ------------------------------------------------------------- 3 Ibn Rushd – uma breve apresentação------------------------------ 5 O pensador e a sua filosofia ---------------------------------------- 7 O autor e as suas obras---------------------------------------------- 12 A importância póstuma ---------------------------------------------- 15 Opiniões de alguns “amigos”---------------------------------------- 17 Conclusão ------------------------------------------------------------- 18 Bibliografia ------------------------------------------------------------ 19
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Introdu ção Quem quer que estude os filósofos medievais – e neste caso, quem s debruce sobre os estudiosos árabes da época medieva – tem obrigatoriamente que estudar Ibn Rushd, pois o volume da sua obra e o conteúdo nela explicado vêm alterar profundamente a percepção que se tem de certas matérias. O que este trabalho pretende, acima de tudo, é dar a conhecer quem foi este filósofo – também conhecido por “comentador”, o que nos pode fazer perceber um pouco melhor a sua actividade – quais as suas principais ideias sobre o Mundo, sobre a Religião e sobre a Fé. O trabalho pretende ainda fazer-nos entender qual a importância que este homem teve sobre nós, sobre o Ocidente, qual o legado que ele nos deixou. Para percebermos tudo isto, é necessário termos em conta alguns aspectos; ou melhor, é fundamental não nos esquecermos do contexto sociopolítico em que Ibn Rushd viveu. Assim, devemos frisar que a existência de Ibn Rushd passou por dois períodos distintos, completamente dependentes do poder político – o mesmo é dizer, dependendo de qual o califa em funções na altura. Se o primeiro destes califas lhe foi completamente favorável e lhe deu todo o seu apoio (estamos a falar de Ya’qub, califa de Marrakech), o seu filho, Al-Mansur, devido a questões políticas e religiosas, envia-o primeiramente para a prisão e logo de seguida para o exílio. Para além disso, é absolutamente necessário não nos esquecermos que, na sociedade muçulmana, a Lei estava intimamente ligada à Religião (não deixa no entanto de ser curioso notarmos que mesmo em épocas mais avançadas e em religiões diferentes, como na sociedade cristã moderna, esta situação não deixa de existir). Não se concebia uma sem a outra; quer isto dizer que as inovações a nível de pensamento que Ibn Rushd pretendia introduzir, ou pelo menos fazer ver e aceitar, eram completamente o oposto ao que estava enraizado desde há séculos nas mentalidades das pessoas.
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História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros Para fazer este trabalho, decidi organizá-lo em cinco partes, de modo a conseguir abranger o maior número possível de aspectos relacionados com este filósofo: uma pequena cronologia, com as datas mais importantes; a sua filosofia; as suas obras mais importantes; a sua importância e influência póstumas; e finalmente o modo como é visto nas actuais fontes árabes. Espero conseguir atingir os objectivos a que me propus e espero que qualquer leitor deste trabalho possa ficar minimamente informado acerca deste homem e da importância de que se revestiu, para além de pretender mostrar alguns pontos-chave da sua Filosofia.
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Ibn Rus hd – o Come ntador; u ma bre ve apres ent ação Abu Walid Muhammad Ibn Rushd, ou Averroes, nasceu em Córdoba em 1126 d. C. (ou, segundo o calendário muçulmano, em 520), numa família de juristas malaqueitas; tanto o seu pai como o seu avô foram importantes juízes, passos que Ibn Rushd veio a seguir anos mais tarde. É um dos principais filósofos muçulmanos, embora não se tenha dedicado apenas a esta actividade. Para além de filósofo, Ibn Rushd dedicou-se à medicina (que começou a exercer com vinte anos), à teologia (“arte” que estuda em Córdoba com Ibn Tufay), matemática (que estuda com Avenzoar), astronomia, gramática... Há algumas datas que são importantes para entendermos o que foi a vida deste homem, datas que passo a apresentar: 520 (1126) – Nasce Ibn Rushd em Córdoba. 565 (1169) – Ibn Rushd é quadi em Sevilha, depois de o seu mestre Ibn Tufay o ter apresentado ao emir Abu Ya’qub Yusuf; 567 (1171) – Ibn Rushd é quadi em Córdoba (mais tarde, tornar-se-á seu governador); 578 (1182) – Torna-se médico de Abu Ya’qub Yusuf, na cidade de Marrakech (por esta altura, Yusuf era já califa desta cidade); 580
(1184) – Torna-se quadi na Grande Mesquita (cargo
anteriormente ocupado pelo seu pai e avô); 585 (1189) – Escreve alguns tratados de medicina e direito que nos fazem ver a sua descoberta de métodos demonstrativos relativos aos dogmas religiosos; 592 (1195) – Ibn Rushd cai em desgraça e é atacado pelos membros de uma ordem religiosa ortodoxa; Ya’qub Al-Mansur exila-o, após ter sido apelidado por ele de “príncipe dos berberes”; para além disso, os seus pontos de vista sobre teologia e filosofia desagradaram ao califa Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 5/5
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros 595 (1198) – Morre Ibn Rushd, com 75 anos. 607 (1210) – O concílio da Universidade de Paris condena as suas obras (apesar de também durante a sua vida, Ibn Rushd ter visto obras suas serem queimadas publicamente). 910 (1513) – Obras condenadas pelo Papa Leão X; Pela sua maneira muito própria de ver e entender Aristóteles, foi apelidado de “O Comentador”. Passemos então a analisar um pouco melhor o que foi a filosofia e as obras deste homem.
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O P ensador e a sua Filosofia Já foi anteriormente referido que Ibn Rushd foi um verdadeiro amante da filosofia, sobretudo a filosofia aristotélica (fontes existem mesmo que afirmam que ele só aceita esta filosofia). Aliás, enquanto filósofo, Ibn Rushd pretende ver a filosofia de Aristóteles na sua pureza inicial, por assim dizer, e como que livrála de todas as impurezas que as interpretações muçulmanas ou gregas lhe tinham conferido. A maneira de expressar a sua opinião foi essencialmente através de Comentários (daí o título de “comentador”), e foi através destes que o Ocidente descobriu pela 1ª vez Aristóteles, discípulo de Sócrates. Este homem vai tentar explicar o Mundo por leis matemáticas e racionais; percebe-se então que tenha contraído o desagrado de Al-Mansur, califa que o exila em Fez após 592. Quais são, então, as principais concepções filosóficas de Ibn Rushd? Um dos pontos que será bastante importante referir é o de que Ibn Rushd de fende que a inteligência humana é duplamente incapaz e que tem dois níveis, um relativo e um outro absoluto. Esta sua ideia está presente numa das suas mais célebres obras, Tahafut al-Tahafut , incoerência da incoerência. Esta obra foi como que uma resposta à obra de al-Ghazali, Tahafut al-Falasi, Incoerência dos Filósofos. Ibn Rushd reproduz este livro e “disseca-o”, analisando-o até à exaustão e comentando-o detalhadamente, frisando bem os pontos com que discorda. Há dois pontos fundamentais nesta obra: Sobre a Eternidade do Mundo; O que conhece Deus do Universo? (Segundo Aristóteles, Deus só se conhece a si próprio. Como seria de esperar, o trabalho de Ibn Rushd foi altamente criticado por estudantes islâmicos. No entanto, isto não impediu Tahafut al-Tahafut de influenciar a filosofia europeia inclusive até ao despontar da era moderna desta
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História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros ciência. Mais uma vez, refira-se, a principal finalidade desta obra é o regresso à autêntica filosofia aristotélica. Outro ponto fundamental da Filosofia de Ibn Rushd é a não crença na total predestinação humana. Isto ia contra uma das heranças básicas dos muçulmanos, que criam que tudo o que lhes acontecia seria por vontade de Deus (de Allah); por seu lado, Ibn Rushd defendia que o homem não estava completamente predestinado, mas também não detinha o poder completo do que lhe acontecia. Ibn Rushd oferece-nos um quadro de um mundo sem começo nem fim temporais mas que gravita em torno da actividade eterna do Criador. Esta figura – o Criador – segundo a filosofia aristotélica não age de forma voluntária nem natural. A sua ciência divina, segundo Ibn Rushd, é a causa da existência do ser, e não o seu efeito. Esta ideia é expressa pelo menos em duas obras, uma que é um tratado sobre a Metafísica e outra que é também um tratado, embora de tamanho mais curto, sobre a “ciência eterna”. O pensamento de Ibn Rushd pode-se caracterizar como sendo um conjunto complexo de elementos provenientes de Aristóteles de do al-Corão. Para alguns, isto poderia ser um problema. De facto, como terá Ibn Rushd conseguido conciliar o ser aristotélico com o ser muçulmano? Para Ibn Rushd, isto não traria contradições de nível algum, uma vez que “o verdadeiro não pode contradizer o verdadeiro”1. Para exemplificar, fala-nos do Deus corporal: terá uma base corporal, como o al-Corão parece sugerir? Ou não, como tentam provar
alguns
teólogos
(mutakallimûn)?
Como
resolver
este
dilema?
Precisamente pela tomada de posição de Ibn Rushd: não se lhe atribui nem uma coisa nem outra, fica-se num meio-termo. Ou, como diria o al-Corão, “Deus é luz”; com esta tomada de posição, ninguém rejeita a lei, e tomam-se duas atitudes perante as pessoas: junto dos mais humildes e menos sábios, afirma-se uma
Isto traz-nos a junção do tradicional, da lei divina1, com o ma’qul, ou seja, a filosofia. Podemos encontrar estas ideias perfeitamente expressas no seu Fasl al-maqal (“Tratado decisivo”), uma das obras conhecidas do período de 585. 1
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História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros existência real e de certa forma nobre; junto dos “sábios”, recorda-se-lhes a sua incapacidade de saber e de obter a verdadeira essência de Deus. Ainda em relação aos mutakallimûn, retenha-se o facto de que Ibn Rushd os critica, uma vez que eles não saberiam guardar para si as suas interpretações, dando-as às “gentes comuns” e lançando-lhes problemas às suas almas; estes teólogos não conheceriam os verdadeiros métodos racionais. Assumindo abertamente esta posição, Ibn Rushd encontrou-se no centro de três teorias: Teologia muçulmana; Revelação corânica; Filosofia aristotélica. Acerca do conhecimento humano, também há alguns pontos fundamentais a reter do pensamento de Ibn Rushd. A principal obra para obtermos informações sobre este assunto é De Anima, ou “Da Alma”. Nesta obra, Ibn Rushd mostra-nos que considera haver dois intelectos eternos comuns a todos os homens: o intelecto agente e o intelecto material; é dentro destes dois intelectos que se opera o pensamento humano. De facto, só assim se perceberia que cada Homem é automaticamente intelectual, apesar de os pensamentos de cada um serem individuais. Podemos encontrar aqui paralelismos com as teorias de Aristóteles, que defendia que a morte do “material” não equivaleria à morte de “agente”; por outras palavras; após ter demonstrado que a imaginação é corporal (o que justifica que um corpo, nada mais que um “contentor” físico para a alma humana, depois de morto não tenha a capacidade de imaginar mais nada), defende também que a morte de um órgão não equivale à morte do sentido (assim, a morte de um olho não corresponderia à morte do sentido da visão). Onde encontramos os paralelismos com Ibn Rushd? É muito simples: quando este defende dois intelectos, defende subjacentemente que a morte de um deles não implica de todo a morte do segundo. Daí que o seu pensamento tenha igualmente sido apelidado de “a teoria da dupla verdade”, ou “a teoria das duas verdades”. Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 9/9
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros Outro dos pontos inerentes a esta filosofia é o de que a alma pode sobreviver independentemente (o que a meu ver pode levar a que, anos mais tarde, Leonardo daVinci queira descobrir onde se guarda a alma humana...). Importante é reter que a alma, segundo Ibn Rushd, derivaria da alma universal. Nesta sua obra, Ibn Rushd defende ainda que a imortalidade é um atributo da espécie humana e não do indivíduo humano. Assim, Ibn Rushd resolvia definitivamente o (ainda) problema de ser muçulmano e aristotélico. Ibn Rushd defende ainda que o Mundo em que vivemos não foi criado no tempo, e que Deus é o primeiro motor de tudo quanto existe. Só a partir de Deus é que tudo o resto pode existir, uma vez que Ele é a base. No entanto, apesar de Deus ser o princípio de todo o movimento, a base de tudo, Ibn Rushd considera que ele não criou nem a matéria (que é eterna) nem as formas; nenhuma coisa pode passar do Nada para uma existência física, e tudo não passa de uma imensa evolução eterna. Assim se explica por que motivo Ibn Rushd considera que o Mundo não foi criado temporalmente nem por Deus; ele resultaria dessa evolução eterna. Por outro lado, esta evolução eterna seria o contínuo e eterno esforço de criação de Deus. Creio que os principais pontos da filosofia de Ibn Rushd estão citados; resumidamente, poderíamos apresentá-los da seguinte maneira: Filosofia aristotélica racionalista; O mundo e todas as suas coisas são perfeitamente explicáveis por leis racionais; Há dois intelectos no ser humano, um activo e um passivo; assim, a imortalidade +é característica da espécie e não do ser – filosofia da dupla verdade; O Mundo não foi criado temporalmente; ele resulta de uma evolução eterna que não é mais que o intemporal esforço criador de Deus; Deus é o motor de todas as coisas, é a base de tudo, é a partir Dele que tudo pode funcionar; Deus, ou melhor, a ciência divina, é a causa da existência do ser e não o seu efeito; Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 10/10
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros A alma humana deriva da alma universal; sem esta, aquela não existiria. A lei divina tem um sentido exterior e um interior; por isso, aos mais humildes pode-se e deve-se falar de Religião, enquanto que aos mais sábio não se deve simplificar tanto a questão e deve-selhes exigir que descubram por si a parte científica da religião: sinteticamente, quer isto dizer que, apesar de não o parecer, separa Razão e Fé (apesar de também considerar que a Razão não consegue saber tudo o que a Revelação [corânica] contém). A sua originalidade advém de ele tentar explicar a religião racionalmente através da filosofia, e de tentar mostrar que não existe contradição a nível nenhum entre esta e a filosofia (o que demonstra em Fasl al-Maqal).
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 11/11
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros
O aut or e as su as obras
Antes de se falar propriamente nas obras que Ibn Rushd terá escrito, é necessário referir um aspecto muito importante. O facto de ser conhecido como “o Comentador” não é por acaso; de facto, aconteceu porque, para comentar e dar a conhecer aquele que tanto admirava, Ibn Rushd terá escrito e redigido comentários. Estes foram de três espécies e pareciam corresponder a diferentes etapas no processo de aprendizagem (ou, se quisermos, para diferentes pessoas consoante o seu grau de conhecimento na matéria): Jami: pode ser considerado como um resumo do assunto. Seria feito para os novatos, para quem não sabia nada acerca do assunto escrito. Talkhis: comentário intermédio que seria para pessoas que já tivessem alguma ideia sobre o assunto e sobre o que iam ler. Tafsir ou Sharah: comentário longo para quem já tivesse um grau elevado de conhecimentos sobre o assunto. Neste tipo, ele enuncia os problemas que são suscitados por certas passagens, vê as soluções anteriormente avançadas por outros pensadores, examina-as e dá a sua própria solução. Estes comentários, tal como o resto das suas obras, são conhecidos graças às suas traduções para hebraico ou para latim. Calcula-se que Ibn Rushd terá escrito mais de 20000 páginas2 sobre todos os assuntos que conhecia (lembremo-nos que ele era um entendido em várias matérias). No seu livro “Averroes”, o autor Renan detalha as obras completas de Ibn Rushd e conta 67 trabalhos: 28 de Filosofia, 5 de Teologia, 8 de Lei e Direito, 4 de Gramática, 20 de Medicina, para além de ter escrito sobre música e 2
Informação segundo Ibn al-Abbar
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 12/12
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros astronomia e de ter sumariado o “Almagesto” de Ptolmeu e de o ter dividido em 2 partes: a descrição das esferas e o seu movimento. Esta sumarização foi traduzida para hebraico em 1231 por Jacob Anatolli. No entanto, outras fontes afirmam haver ainda 87 livros existentes, pelo que o número certo é desconhecido (problema das fontes). Muitos originais seus se perderam (como por exemplo tratados sobre zoologia) devido à queima a foram sujeitos por causa do seu conteúdo (não nos esqueçamos que iam contra aquilo em que a generalidade das pessoas acreditava em termos de Fé, de Deus, e do Mundo, e estes temas tinham um grande peso na vida quotidiana). As suas obras foram durante muito tempo consideradas um sinónimo de heresia, e só assim se justifica que cerca de 320 anos depois de morrer ainda sejam condenadas pela Igreja (como foi o caso, em 1513, da condenação por parte do Papa Leão X). Tendo então falado nos aspectos que considero mais importantes a reter acerca das suas obras, passo agora a apresentar algumas das mais conhecidas:
Tahafut al-Tahafut: “Incoerência da Incoerência”; famoso
comentário do âmbito da filosofia que foi a refutação da obra de alGhazali, “Incoerência dos filósofos”. É das obras mais importantes de Ibn Rushd
Mabâdi al-Falâsifah: tratado filosófico: “O princípio da
Filosofia”.
Kitab al-Kulyat fi al-Tibb: tratado de Medicina que
trouxe luz a vários aspectos desta área, incluindo os referentes a diagnóstico, cura e prevenção de certas doenças (no primeiro ponto deste trabalho, aliás, fiz referência ao facto de se pensar que ele terá pressentido o princípio da varíola). A obra contém algumas comparações com outra obra de Ibn Sina (Avicena), mas tem imensas observações originais de Ibn Rushd.
Comentário à obra de Aristóteles, De Anima
Kitab fi-Harakat al-Falak: tratado sobre astronomia
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 13/13
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros
Bidayat al-Mujtaid wa-Nihayat al-Muqtasid: tratado
sobre jurisprudência que foi considerado por Ibn Jafar Thahabi um dos melhores livros da Escola Malaquita de Fiqh.
Fasl al-Maqal: “Tratado Decisivo” (ou “Tratado final”),
obra que mostra como +e possível articula a lei (ou o “tradicional”) com a Filosofia, sem que nisso haja contradição. É uma das obras mais importantes de Ibn Rushd.
Talkis Kitab al-Jadal: talkhis sobre temas de Aristóteles;
Al-Da’ruri fi isul al-Fiqh: sumarização do “Mustasfa” de
al-Ghazali. Estas são apenas algumas das obras mais importantes deste homem, embora existam muitas mais; no entanto, optei por referir apenas estas, uma vez que, para além de serem as mais conhecidas, creio que traduzem bem o que foi a filosofia e o pensamento deste homem. Para além de traduções para Latim e Hebreu, que já referi, as suas obras foram igualmente traduzidas para Inglês e línguas germânicas, para além de que algumas obras se mantiveram no seu original árabe (ainda que em escrita hebraica).
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 14/14
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A im portânci a póstum a de I bn Rushd As opiniões são unânimes no que diz respeito à influência que este importante homem exerceu na civilização ocidental após a sua morte. De facto, foi a civilização ocidental que mais sentiu a influência dele, uma vez que no mundo islâmico as suas ideias não foram muito bem aceites (por motivos que pudemos ver ao longo deste trabalho). Mas, no Mundo Ocidental, as coisas foram diferentes. Os seus comentários sobre Aristóteles, traduzidos para Latim e para hebreu, influenciaram grandemente a escolástica cristã e a filosofia europeia medieval, apesar de, como já tivemos oportunidade de ver, durante muito tempo as suas obras terem sido consideradas heréticas. Aliás, segundo Phillip Hitti: “O último dos grandes filósofos escritores muçulmanos, Ibn Rushd, pertenceu mais à Europa Cristã que propriamente à Ásia ou África muçulmana. Para o Ocidente, ele tornou-se “o Comentador” da mesma maneira que Aristóteles se havia tornado “o Professor”. Do fim do século XII ao fim do século XVI [o que é um período de tempo considerável...] a corrente do “averroísmo”permaneceu como a dominante na formação do pensamento apesar
da reacção ortodoxa: isto aconteceu primeiro entre os muçulmanos espanhóis, depois entre os Talmudistas e por fim entre o clero cristão. Depois das autoridades eclesiásticas terem “expurgado” o seu pensamento de qualquer assunto que suscitasse objecções, os seus escritos tornaram-se recomendados na Universidade de Paris e outras instituições de ensino superior. [...] o movimento iniciado por Ibn Rushd continuou a ser um facto importante no pensamento europeu inclusive até ao aparecimento da Ciência Experimental Moderna” 3
3
Podemos citar, ainda, o caso da Universidade do México, que estudou a herança de Ibn Rushd até quase à segunda metade do séc. XIX, 1831.
Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889 – 2º Ano de Arqueologia Tema do trabalho: Ibn Rushd – O Comentador Évora, Janeiro de 04 15/15
História Cultural e das Mentalidades Medievais I e II Docente: Filomena Barros Mas... porquê estudar este filósofo? Porquê a influência sobre Judeus e Cristãos4? Que benefícios poderia ele trazer ao mundo ocidental, tanto mais que era considerado herético? (Não nos esqueçamos que ele considerava que Deus não teria criado o mundo. Ora, tanto a Bíblia como a Torah defendiam exactamente o contrário!...) Os seus comentários prepararam também o caminho para o que viria a ser o Renascimento Europeu, mas dificilmente terão influenciado o pensamento islâmico oriental (já vimos que segundo Hitti, terão influenciado o pensamento islâmico ocidental). Foi através das traduções para Latim das suas obras (traduções levadas a cabo por Michael Scotus, um “scott”, e por Hermannus Alemannus, um germânico, que no século XIII o mundo ocidental tomou conhecimento do pensamento puro e “restaurado” do grande filósofo que foi Aristóteles. Estas traduções deram o impulso necessário para que pudesse começar a aparecer e a desenvolver-se o racionalismo europeu (na minha opinião foi esta a maior contribuição de Ibn Rushd para o desenvolvimento do Mundo Ocidental). As suas ideias levaram a uma vitória do aristotelismo sobre o platonismo e chegaram mesmo a obrigar a Igreja a mudar os seus ensinamentos. Até mesmo escritores religiosos como Tomás de Aquino foram influenciados por ele e pelos seus pontos de vista: é o caso da “Summa Theologia”, do autor citado. A sua influência no mundo Ocidental foi tão grande que inclusive existe uma Fundação para Estudos intelectuais, em Espanha, e uma outra que se denomina “Ibn Rushd – Fund for free thought”. Creio então que está plenamente demonstrada a influência e a importância deste Homem no Mundo Ocidental medieval e não só.
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Entenda-se, “cristãos não ortodoxos”, pois para a variante ortodoxa os comentários de Ibn Rushd continham pontos de vista inaceitáveis.
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Algumas opiniões de “amigos”... Vimos o que foi a vida, a obra e a filosofia deste homem. Porém, como seria ele visto por outros autores? O que se segue são excertos de algumas opiniões de alguns autores árabes, que figuram em fontes para o estudo deste Homem.
Al-Dhahabi in A’lam al-‘Ulama: “Ninguém do seu nível existiu alguma vez ou voltou a ser criado no Al-Andaluz” Ibn Usabo’a in Tabaqat al-Atibba’wa Tarikh al-Hukama’: “Ele foi a maior autoridade do seu tempo na Lei e conhecimentos de diferentes jurídicas, e excedeu-se a si próprio em Medicina, Teologia e Filosofia” Ibn Farhum in al-Dibaj al.-Mudhahhab: “No topo de todas as suas ideias estava uma modéstia exemplar. Ganhou preponderância através do cargo de juiz e apesar de todas as honras e respeito que o rei (califa) lhe deu, nunca procurou honra nem bens materiais” Ibn ‘Imad in Shadharai al-Dhahab: “foi excelente na Lei, ouviu hadiths, foi Mestre na Medicina e conjugou teologia com filosofia até a sua sabedoria se tornar proverbial. Escreveu vários trabalhos na área da jurisprudência, medicina, matemática, lógica, teologia” Makhluf
in
Shajarat
al-Nur
al-Dhakiyya:
“O
Qadi
da
congregação, Ibn Rushd, foi largamente posto à prova através do exílio e da queima dos seus preciosos trabalhos no fim do reinado de Al-Mansur por causa de assuntos religiosos e políticos”.
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Conclus ão Sem dúvida que Ibn Rushd foi um homem extremamente importante no desenvolvimento do pensamento medieval. Ao longo deste trabalho, vimos quais as características da sua Filosofia, vimos como encarava a Fé e a Religião, vimos que acreditava que Religião e Filosofia não eram de forma alguma incompatíveis. Vimos além disso que era um homem profundamente aristotélico e que pretendia demonstrar que era perfeitamente possível explicar tudo o que existia no Mundo e o próprio Mundo através de leis racionais. No decorrer deste trabalho, ficou ainda demonstrada qual foi a importância de que ele se revestiu e o modo como influenciou o pensamento medieval europeu. Poderão ter existido outros factores, mas a este homem devemos a grande parte do aparecimento e desenvolvimento da corrente racionalista, bem como a vitória do pensamento aristotélico sobre o pensamento platónico. Mas mais importante, foi apenas e somente devido a este Homem, que sem dúvida merece todo o nosso respeito, que o Mundo Ocidental teve oportunidade de conhecer Aristóteles na sua essência, sem as impurezas que as interpretações neo-platónicas lhe haviam conferido. Espero sinceramente ter conseguido atingir os objectivos a que me havia proposto e ter também conseguido explicar os pontos mais importantes inerentes a esta forte personalidade que, segundo algumas fontes nunca parou de pensar nem de escrever obras a não ser no dia do se casamento e no dia da morte de seu pai.
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Webgrafia
www.infoscience.fr/histoire/biograph/biograph.php3?ref=111 www.univ-lyon3.fr/phlo/averroes.htm www.cerphi.net/biblio/averroes.htm www.islam.org.br/ibn_rushd.htm www.bysiness.co.uk/ulemah/bioibnrushd.htm www.ibn-rushd.org/Englis/frameE.html www.aljadid.com.classica/0422salloum.html www.renaissance.com.pk/jagletf98.html www.ummah.org.uk/history/scholars/RUSHD.html www.trincoll.edu/depts/phil/philo/phils/muslim/rushd.html www.alhewar.com/habib_saloum_averroes.htm www.muslimphilosophy.com/ei/ei-ir.htm http://perso.clubinternet.fr/jgourdol/Medecine/MedecineTextes/averroes.html www.ifrance.com/Farabi/ibn-rushd.html www.muslimphilosophy.com/ir/default.htm
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