A AUTONOMIA NA HISTÓRIA DA MADEIRA Questões e Equívocos ALBERTO VIEIRA CEHA-MADEIRA O discurso histórico é a ossatura fundamental que alicerça a autonomia políticoadministrativa. Tudo isto porque a história local faz apelo à valorização do passado histórico regional e permite reforçar a unidade definida pelo espaço geográfico. Uma região sem História dificilmente poderá fazer valer as suas legítimas aspirações autonómicas. Tão pouco uma classe política, alheada ou desconhecedora do passado histórico terá possibilidades de fazer passar e vingar o seu discurso político. A História faz parte da essência do discurso político autonómico e é com ela onde mais se espelha a identidade local. Conhecer e valorizar a História regional é uma atitude necessária ao nascimento e fortalecimento da autonomia. O apelo à História faz-se, não só pela busca das condições ancestrais que conduziram à materialização do processo autonómico, mas também pelos combates que o mesmo propiciou. Para os actuais desafios do processo autonómico o conhecimento das diversas conjunturas de combate, as opções e justificações que geram são imprescindíveis. Por outro lado a História deve ser entendida também como a homenagem aos que nos precederam neste combate e onde se encontram motivos e alento para novos embates. A História da Autonomia, tal como hoje a entendemos, é recente mas rica em motivos e situações que fortalecem o actual combate político. Todavia, o sentimento de auto-governo parece ser ancestral e nascido à chegada dos primeiros povoadores. A barreira geográfica, as dificuldades e forma tardia da resposta das autoridades centrais contribuíram para alicerçar o sentimento autonómico. É certo que ele só ganhou a verdadeira dimensão política com a revolução liberal, mas será injusto ignorar o combate dos que o precederam nas centúrias anteriores. A partir de então a leitura do discurso histórico da autonomia, expresso em jornais e panfletos, confunde-se muitas vezes com a questão financeira, do relacionamento entre a metrópole e a região, da gestão e aplicação da riqueza. QUESTÃO I : O REGIONALISMO No contexto do debate sobre a questão da autonomia, de formas de auto-governo ou de estruturas administrativas próximas do cidadão, tivemos a partir de finais do século XIX o debate sob o epígrafe de Regionalismo. O conceito surgiu em França a partir de 1874, mas rapidamente se vulgarizou no debate político francês a partir de 1892, alargando-se depois a toda a Europa1. O regionalismo identifica uma realidade local, marcada mais pela História do que pela Geografia que se afirma pela sua cultura, tradição e pela descentralização políticoadministrativa. Daí certamente a adesão a este movimento de diversos sectores da sociedade, Estes ideais irradiaram rapidamente por toda a Europa e ficaram a marcar o debate político das diversas regiões continentais ou insulares. Em Espanha afirmou-se em oposição ao nacionalismo. A título de exemplo referimos o debate na Catalunha em que se destacam os 1
. Cf. Carlos Cordeiro, Nacionalismo, Regionalismo e autoritarismo nos Açores durante a I República, Lisboa, 1999, p.217 e segs.
contributos de Miguel Dels Sants Olivier(1864-1920)2 e Lluis Durem I Ventosa(1870-1954)3. O primeiro, desde Maiorca, aproveitou a conjuntura de 1898, marcada pelo desastre colonial, para afirmar o regionalismo insular em “La questió regional”(1899). O debate em Barcelona conduzirá ao aparecimento de um movimento político, a Liga Regionalista(1898-1904). Também na Madeiira existiu um projecto de uma Liga Regionalista4 A partir de finais do século XIX regionalismo é a expressão chave do debate político sobre a descentralização governamental. Este combate em torno da questão regional mantevese vivo até aos anos trinta do século XX, congregando no seu seio políticos e intelectuais. No campo político ficou marcado por uma insistente reclamação contra o centralismo e o desafio da descentralização como a resposta às insistentes reclamações. Este combate teve por palco as Cortes, o Parlamento, mas acima de tudo foi nas páginas da imprensa local e, por vezes, nacional que ele ganhou maior folgo. Aquilo que mais sobressai é o carácter repetitivo das intervenções e uma insistência obsessiva em chavões, como orfandade, abandono, sangria financeira. Na verdade esta produção literária que corporiza o debate regionalista, dispersa em jornais ou nas actas parlamentares evidencia muitas vezes a falta de originalidade. E para quem tiver a oportunidade de acompanha-lo na Madeira e Açores e confrontá-lo com o que sucede noutras regiões como as Canárias, Maiorca ou Catalunha, rapidamente se apercebe desta realidade. Tudo isto porque o regionalismo foi uma corrente do debate político que varreu toda a Europa e que o dominou entre finais do século XIX e princípios da centúria seguinte. Na Madeira o movimento colheu inúmeros adeptos e foi à sua sombra que a ilha viveu em princípios do século um momento de grande fulgor cultural e de combate político. Foi sob o epígrafe “Regionalismo” que Manuel Pestana Reis apresentou em Dezembro de 1922 aquele que é considerado o primeiro projecto de autonomia para a Madeira. Foi sob a égide deste espírito que se apostou na divulgação e estudo da História, através da publicação do Elucidário Madeirense e outros mais estudos que ainda hoje continuam a merecer a atenção dos interessados. Nestes anos vinte surgiu também a ideia de um partido regional. Mas cedo todos estes ideais perderam vigor face ao deslumbramento do golpe militar de 1926. A Madeira não se afastou do debate europeu em torno do regionalismo. Aliás, este movimento foi o élan necessário para juntar madeirenses de diversos quadrantes políticos na luta em favor dos interesses da sua ilha e de promoção da cultura e acima de tudo da História, porque afinal o regionalismo não foi palavra vã para os madeirenses. O fenómeno da autonomia da Madeira não pode ser retirado deste enquadramento europeu. Falta-nos é saber qual a relação possível entre estas formas de análise e combate político. QUESTÃO II : AS ILHAS- PROVINCIAS OU COLONIAS O debate sobre a autonomia está ligado à definição do sistema de relações estabelecido desde os inícios do povoamento entre a ilha e a metrópole. Aqui a ideia de colónia nunca é entendida de acordo com o sentido antropológico, mas sim pelas questões de ordem política e financeira. Na definição da ideia do colonialismo a dominar as relações com o continente está a espoliação financeira, com o envio para Lisboa de toda a riqueza gerada, sem que se aplique na valorização local. Os poucos investimentos acontecem nos sectores capazes de gerar mais benefícios ao Estado e não no bem estar das populações. Isto resultam no consequente processo de subdesenvolvimento e pobreza. 2 3
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. nomeadamente nos textos La questió Regional(1ª edição em 1899. Regionalismo i Federalismo, Barcelona, 1993(1ª edição de 1905)
Cf. Texto de Emanuel Janes neste volume.
A economia colonial foi motivo de estudo mais acentuado a partir de Adam Smith, mas foi com Marx que ganhou maior evidência. Aliás, para a escola marxista a valorização da teia de relações entre a metrópole e as colónias foi e continua a ser um dos motivos mais destacados de interesse. Este tipo de relações tem expressão na pilhagem da riqueza colonial em favor do desenvolvimento da metrópole. A isto junta-se a dependência mercantil e a política financeira com o estabelecimento da moeda fraca nas colónias e forte na metrópole. Qualquer das situações não se afasta do percurso económico madeirense nos últimos cinco séculos. A definição de uma economia colonial assenta na sangria quase total das despesas e num reduzido ou quase nulo investimento que não seja vocacionado para apoiar a extracção da riqueza. A ideia de colonialismo adquiriu vários significados ao longo do processo histórico, ficando todavia a expressar uma relação de dependência e exploração de uma determinada região ou colónia com o centro/metrópole. Ora isso não implica a clássica visão de um espaço já ocupado que é alvo da usurpação europeia. É neste quadro que devemos encarar a situação da Madeira. É um facto indesmentível que a Madeira se enquadra no processo de expansão colonial portuguesa, sendo o primeiro passo desta estratégia e como tal irá manter-se por muito tempo. A sua separação em termos políticos e administrativos foi apenas resultado da revolução liberal. E deste modo aquilo que a até então era colónia, adquire num lapso de tempo o título de ilha adjacentes, sem que se tenha alterado o relacionamento típico. O debate político cola-se por vezes à História na busca das razões que fundamentem tal relacionamento institucional. E neste caso mantém actualidade o relacionamento da ilha com o continente europeu, uma relação colonial que só poder dos liberais viu acabar em completa ruptura com o passado. Na verdade, até então a Madeira merecia um tratamento idêntico ao demais espaço colonial. Aliás, estava sob a mesma alçada do Conselho Ultramarino (1643-1833). Note-se que nas páginas do Patriota Funchalense, o bastião da liberdade de opinião, reclamava-se contra o tratamento de colónia feito pelos “mandões de Lisboa”. Desde 1832 a ilha deixou de ser uma colónia, passando a província administrativa, igual às demais do continente. A reforma administrativa de Mouzinho da Silveira foi o corte radical com o passado pelo menos em termos jurídicos, o que não implica que no plano real esse tipo de relacionamento se tenha mantido até 1974. O estatuto de colónia não resulta do facto de um espaço estar habitado à chegada do europeu, pois se isso fosse condição Cabo Verde nunca teria mantido esse estatuto, pois como quase todas as ilhas Atlânticas estava deserta à chegada dos Portugueses, excepção apenas para as Canárias. A sua definição resulta fundamentalmente do relacionamento que se estabelece entre a metrópole e a região. Ao nível político o estatuto colonial caracteriza-se por uma profunda distância em relação aos centros de poder. São os governadores e capitães generais que se comportam de forma altiva do interior da fortaleza do poder. As ordens despóticas, a subserviência dos ilhéus, que reclamam em Lisboa através dos seus procuradores e políticos à mesa da coroa e do orçamento umas magras migalhas da riqueza que remetem anualmente. É o sentimento de orfandade perante uma autoridade paternalista e despótica. O regionalismo como constatação dos desequilíbrios regionais e do esbanjamento dos seus recursos por um poder estranho e distante, é revelador deste estatuto. Desta forma podemos afirmar que o despontar do movimento autonomista resulta desta constatação do colonialismo que define as relações institucionais. Ao nível económico e financeiro esta relação revelava-se na entrega de toda a riqueza. As culturas são impostas para servir os caprichos da metrópole e todo o lucro situa-se no sector da circulação fora da ilha. Sucedeu assim com a cana de açúcar que se transformou na galinha dos ovos de ouro para a Coroa portuguesa entre finais do século XV e princípios do seguinte. Aliás, toda a riqueza resultante desta exploração económica, impostos incluídos, era orientada para fora do espaço que a criava. Tão pouco sucede um investimento na valorização
do seu interesse. O pouco que retornava surge sob a forma de caridade da própria Coroa, sob a forma de oferta. O Rei D. Manuel foi de todos o mais caridoso para com os madeirenses mas também o que mais feriu das riquezas da ilha. Distribuiu benesses e obras de arte aos madeirenses. Mas a dívida da dádiva madeirense era maior e ao que parece ainda está por saldar5. A situação da Madeira, desde o século XV, não se diferencia das demais possessões portuguesas no espaço atlântico. A ilha estabelecia vínculos de subordinação institucional idênticos aos de Angola, Cabo Verde ou Brasil, estando a partir de 1642 sob a alçada do conselho ultramarino. Esta situação perdurou até 1736, altura em que foi criada a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar. Em 1808 com a saída da coroa para o Brasil estabelecem-se algumas alterações na administração da justiça, passando a Madeira a depender da Casa da Suplicação do Brasil. A ideia de colónia estava entranhada nas relações institucionais como na linguagem dos funcionários do reino que assiduamente visitavam a ilha em missão. Em 1815 o inspector geral de Agricultura, José Maria de Fonseca, refere a ilha como colónia. Por outro lado a forma de intervenção do reino é de cariz colonial entregando as missões referentes ao arquipélago a agentes estranhos. Em 1810 foi criada a Junta de Melhoramentos da Agricultura das ilhas com o objectivo de estudar as soluções para a crise. Estes no parecer de Paulo Dias de Almeida6 « são inteiramente alheios do conhecimento do local da ilha ». Deste modo nada resultou da sua acção acabando extinta em 1821. O século XIX é um marco na plena afirmação do debate político que para muitos madeirenses foi alicerçado nos combates pela defesa do torrão natal. A 2 de Julho de 1821 publicou-se no Funchal o primeiro jornal, o Patriota Funchalense, que foi a principal tribuna de debate. É aqui que encontrámos as primeiras e mais evidentes expressões do estatuto colonial e do sentimento de orfandade política. Assim, em 17 de Novembro o director do novel jornal, Nicolau Caetano Pitta constata que “ficámos elevados à categoria de província no nome, mas que de facto somos tratados como colónia”, para se concluir em 1 de Dezembro que “a sorte da infeliz Madeira he a de enteados”. Esta relação é melhor evidenciada em outra opinião do ano seguinte: “A escravidão consiste em viver algum sujeito absolutamente à vontade de outrem; uma provincia, que deve sujeitar seus interesses aos da metrópole, que a seu termo a não interessa, deixa de ser provincia, é de facto colónia e vive escrava.” As mudanças políticas tão pouco solucionaram as ancestrais questões pelo que em 1847 o então governador José Silvestre Ribeiro ao debater-se com uma grave crise económica vê-se impotente para a solucionar, pois “he mister ponderar que este governo civil he um governo subalterno a quem falta aquela latitude de resolução que compete ao governo da nação.” A crise económica de 1882 levou alguém a reclamar da atitude colonial do governo: “Quem sabe se o governo central ainda continuará a olhar para a Madeira como se fora o Congo ou qualquer possessão africana...”. O combate político de finais do século XIX e princípios do seguinte avivou os ideais autonómicos e conduziu a uma mudança com a atribuição da autonomia administrativa por carta de lei de 12 de Junho de 1901. Mas esta evolução do quadro político não fez esmorecer o debate A tarefa de reconstituir o movimento das finanças da região não é fácil. As informações estatísticas só permitem seriações a partir do século XIX e mesmo nesta centúria os dados são muitas vezes escassos. Para os séculos anteriores os dados são avulsos e não o permitem. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da alfândega. No caso da despesa é de significativa importância a existência dos orçamentos do Estado a partir de 1836. A quase total disponibilidade destes livros, pois falta-nos apenas encontrar os dos anos de 1839-40,1849-50, permite uma leitura correcta da despesa do Estado a partir de 1836. Já no que se refere à receita para estas duas centúrias os dados são muito lacunares. O carácter avulso das estatísticas oficiais revela o pouco cuidado na arrecadação nos impostos, pois parece que o desleixo em muitas ocasiões era total. A ideia foi já testemunhada em 1871 por Ferreira Lobo, mas tão pouco algo de novo se fez nos anos seguintes e para um investigador que se dedica ao estudo da História financeira e orçamental o panorama é idêntico. Nos últimos dois anos, o pouco tempo disponível, foi utilizado para proceder à recolha incidindo-a nos séculos XIX e XX, momentos em que as exigências da Estatística facilitam a nossa tarefa. Os dados agora disponibilizados são o primeiro resultado desta árdua tarefa e contemplam apenas uma ínfima parte dos anos em estudo. O quadro que se segue é revelador do actual estádio de desenvolvimento dos nossos trabalhos e, diga-se, tudo o que depois se afirma tem por base isto. Mais uma vez recorda-se que o texto que aqui se apresenta não é um trabalho acabado mas sim a primeira etapa de um projecto que esperamos a seu tempo concluir. A tentativa de reconstituir até à exaustão será a cruz que acompanhará o nosso actual e próximo percurso na investigação histórica. 6 . Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, pp.54-55. 5
político. A 1 de Novembro de 1921 escrevia-se no Diário de Notícias que “a nossa completa e absoluta autonomia devendo a bandeira ser a única ligação com a mãe pátria” e em 20 de Setembro de 1924 voltava-se a afirmar no mesmo diário que “é preciso que os madeirenses unidos pelo mesmo pensamento, façam ver de um modo irrecusável aos governos de Lisboa, que são mais alguma coisa de que matéria colectável.(...)O povo da Madeira é um povo livre, (...)não é escravo, nem burro de carga”. Por lei de 9 de Março de 1821 a Madeira deixou de estar dependente da repartição das colónias, passando a ser considerada uma província do continente. Nicolau Caetano Pitta continuava a considerar que a situação real da ilha era de uma colónia: « ficámos elevados à categoria de província no nome, mas que de facto somos tratados como colónia ». A verdadeira mudança ocorre a partir dos anos trinta com a reforma de Mouzinho da Silveira, iniciada nos Açores e que se estendeu à Madeira em 1834. A partir desta data os governadores deixam de corresponder-se directamente com a correspondente repartição colonial para passarem a depender das diversas repartições governamentais. O chamado arquivo da Marinha e Ultramar é disso exemplo deixando de existir documentação madeirense a partir de 1833. O debate das questões da autonomia, manifestamente partidarizado, tem conduzido a alguns equívocos e conduzido a que muitas das questões pertinentes do debate seja tabu. É, na verdade, a primeira vez que tal sucede, pois no período que decorre desde a Revolução Liberal(1820) até ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, eram comuns entre os diversos sectores políticos da sociedade madeirense. Hoje parece que « não é politicamente correcto», falar de colonialismo, colónias, sangria ou espoliação financeira. Será que o discurso da autonomia perdeu autonomia ? A palavra colonialismo parece ser um dos tabus mais bem geridos ao qual se pretende apresentar apenas o significado antropológico restrito, ignorando-se as componentes económica e política. Sem pretende polemizar os entendidos na matéria apenas deixamos aqui alguns dados soltos, fruto paciente leitura da documentação e da valorização das mensagens que a mesma tem para nos transmitir. Esta ideia da ilha como colónia está presente de igual forma no debate que ocorreu logo após o vinte e cinco de Abril. Assim o MAIA, grupo anterior ao 25 de Abril, chefiado por Carlos Lélis, José Maria da silva, entre outros, em comunicado publicado na imprensa a 5 de Janeiro afirma a pretensão de “liquidação imediata da situação de colónia(estatuto de colónia) existente nas relações entre Portugal continental e as ilhas da Madeira e Porto Santo”, definido o colonialismo como a “exploração de uma comunidade de homens por outra comunidade”. O RUMA, um outro movimento de esquerda defendia em comunicado de 22 de Outubro de 1974 que “as ilhas adjacentes não podiam ser excluídas do processo de descolonização.”. ao mesmo tempo a UPM(União do Povo da Madeira), donde surgiu a actual UDP-Madeira, afirmava na convocatória para o Comício que realizou no Pavilhão gimnodesportivo do Funchal a 29 de Junho de 1974, que a Madeira “tem sido, desde sempre, uma colónia dos interesses capitalistas continentais e estrangeiros.”. Os diversos grupos, que no período do “Verão Quente” arvoraram a bandeira da independência, apresentaram no seu discurso de reivindicação da independência a ideia de colónia para o sistema de relações estabelecidas pelo Governo na Madeira. O RUMA (Movimento de Trabalhadores Rurais e Marítimos, um movimento esquerdista reclamava em comunicado de 22 de Outubro de 1974 que “as ilhas adjacentes não podiam ser excluídas do processo de descolonização”. A 18 de Novembro, um grupo que se auto-intitula “um grupo de madeirenses que não é dos caseiros nem dos senhorios”, no seu manifesto reclama pela descolonização e, a propósito da manifestação do dia 17 do mesmo mês, refere “o novo colonialismo intelectual e dialéctico”. Para além desta exposição da realidade, e da forma com ela dominou o discurso político autonomista até à década de setenta do século XX, poderá avançar-se com um confronto teórico e do evoluir do ocidente europeu a partir do século XV. Mas nada disso
merece agora a nossa atenção. Com ou sem tabus, o tipo de relações entre a Madeira e a metrópole está evidenciado, através do debate político que provocou, que não era tão linear como uma primeira leitura o possa revelar. Na verdade, a História, o sistema de relações que o seu devir provoca, não resulta daquilo que hoje seja possível pensar-se ou querer-se induzir aos demais. Entre aquilo que na realidade queremos que tenha acontecido, o que realmente aconteceu existe por norma uma grande distância. QUESTÃO III: AS FINANÇAS DA MADEIRA. Durante largos anos a Madeira foi despojada de quase totalidade dos seus rendimentos enviando milhares de contos, e não recebendo o mais insignificante melhoramento. Aquele povo bondoso e trabalhador foi objecto da mais torpe exploração. Assim, privado de escolas, sem estradas, sem águas de irrigação, sem a menor comodidade, tem arrastado uma vida miserável de trabalho e sacrifício. Sem orientação, sem plano, sem a menor provisão a economia da Madeira foi abandonada aos acasos da sorte (...) e não há solo mais produtivo nem produtos mais preciosos, nem terra mais linda, nem clima mais benigno; tudo quanto dependia da natureza ali está na sua expressão mais sublime; todo o mal que ali existe é só obra de homens. [Visconde da Ribeira Brava, in O Liberal, 5 de Junho de 1913] O debate político-institucional da autonomia ao longo do século XX está em relação directa com os problemas financeiros. As primeiras vozes na luta pela autonomia política insular partiram da constatação da realidade financeira pautada pela sangria da riqueza arrecadada. O subdesenvolvimento regional, em contraste com as cada vez maiores receitas conduzidas à metrópole, está na origem do debate e fervor autonomista. A ideia de sangria financeira é patente no debate que teve lugar nas páginas dos jornais e repercutiu-se na voz dos deputados da Madeira à Assembleia Nacional. O problema financeiro pesou de forma clara no debate político sobre a autonomia. E, para a maioria dos intervenientes é evidente o contraste entre uma ilha que alimentava permanentemente os cofres de Lisboa e o abandono a que estava votada. Em plena crise dos anos quarenta do século XIX a Associação Comercial do Funchal reclamava medidas para esta “ilha da Madeira, sem dúvida a mais importante e rica das possessões portuguesas fora do continente.”7 Esta voz ecoa com frequência nos jornais e levou alguém a erguer o dedo acusatório: “Fostes à Madeira e retirastes de lá o dinheiro que havia em cofre.”8 Em 1883, Manuel José Vieira, era contumaz: “fazemos parte do reino de Portugal única e exclusivamente para quinhoar-nos nos encargos que se renovam ou baptizam com nomes diferentes, mas que sempre se acrescentam” enquanto são “exíguas verbas que anualmente nos concedem por esmola.”9. Em 1887 dizia-se no Diário de Notícias que: “Os governos, e não nos referimos só ao actual, não ligam à Madeira a consideração que ela merece, não obstante ser uma das províncias portuguesas que mais contribui para as despesas do Estado.” Entretanto Quirino de Jesus, aquele que foi a eminência parda de Salazar, considerava que o problema da autonomia era em primeiro lugar de “carácter financeiro e económico, antes de poder apresentar-se com força pelos fins superiores de ordem social e política.” Também Manuel Pestana Reis no projecto de autonomia que apresentou em 1922 atribui especial atenção à questão financeira, estabelecendo que o Estado terá direito apenas a uma percentagem fica das receitas, pois “o produto do nosso trabalho, das .Defensor, nº.81, p.1-4. . A Ordem. Nº.160, pp-1-2. 9 . Cf. CALISTO, Luís, Achas na Autonomia, Funchal, 1995, p.101. 7 8
nossas riquezas, deve ser aplicado em nosso proveito”, não fazendo sentido que a Madeira esteja “ a contribuir para as obras do porto de Leixões, para o sorvedoiro dos bairros sociaes e de todas as Revoluções que a irrequieta gente da Capital queira fazer e alimentar.”10 E por fim o veredicto de que a ilha é capaz de suprir a sua despesa: A Madeira nada tem custado ao Tesouro da Metrópole, nem mesmo nas mais extraordinárias ocasiões de calamidades, como em 1803, (...) Ella paga todos os seus empregados públicos; tem sustentado mais tropa do que é precisa para a sua defesa, e policia interna”.11 E, não será por acaso que uma das questões mais usuais na voz dos detractores das autonomias insulares seja o dedo acusador aquilo que consideram uma inversão de marcha do processo. Afirma-se de forma despicienda que as despesas foram alimentadas pelas receitas do continente português, ignorando-se a receita aquilo que a região deu, dispõe e continuará a gerar. Ao debate da actual conjuntura deverá juntar-se, sob pena de falsear a verdade do relacionamento financeiro da região com a metrópole, a perspectiva histórica. O passado histórico reafirma que ao longo dos últimos cinco séculos os madeirenses deram todo o esforço de trabalho e riqueza para a valorização do espaço nacional. Isto demonstra que o arquipélago foi compulsivamente solidário. Uma visão histórica do deve e haver das contas e relacionamento financeiro entre a Madeira e o reino evidência que o passado foi pautado por uma forte participação financeira da ilha nas finanças do Estado. Foram os nossos avós que financiaram as exorbitâncias da Coroa, as viagens a Índia e as elevadas despesas de manutenção e defesa das praças africanas. A grande aventura das descobertas dos séculos XV e XVI seria possível sem a existência de espaços, como a Madeira, geradores de elevados excedentes? E perante esta posição solidária da Madeira do passado legítimo seria de esperar por idêntica atitude da mãe-pátria no presente para a recuperação do subdesenvolvimento a que nos sujeitaram. Em certa medida poderemos afirmar que hoje, somos nós que recorremos ao velho continente a reivindicar a cobrança dos "empréstimos", mas no passado a coroa recorria as receitas madeirenses para colmatar o incessante deficit das finanças públicas. Os dados que o presente estudo disponibilizará à opinião pública podem e devem contribuir para uma reavaliação das opiniões vigentes sobre as relações financeiras do Estado para com a região. A ideia de uma ilha espoliadora dos meios financeiros do estado, que ganhou forte expressão em alguns sectores da sociedade e da política, deverá ser agora confrontada com a realidade nua e crua dos dados estatísticos até 1974. A conjuntura dos últimos anos da autonomia aguarda igual compilação para que as evidências possam rapidamente desfazer as falsas ilusões que dominam o debate político ao nível financeiro. As finanças do reino foram demarcadas por um permanente deficit pelo que a coroa teve necessidade de se socorrer a diversas meios para saldar a diferença. Desde o século XIV que a forma mais usual de o solucionar era o recurso a pedidos e empréstimos. Era com estas formas de financiamento que a coroa cobria o deficit e cobria as despesas bélicas, a boda dos príncipes. Ficou célebre o empréstimo de sessenta milhões lançado em 1478 para as despesas da guerra com Castela. Destes, um milhão e duzentos mil reais foram lançados sobre os madeirenses, isto é, 2% do valor (valor altamente significativo se tivermos em conta a capitação media e o facto de a ocupação da ilha ter-se iniciado a pouco mais de cinquenta anos), mas os madeirenses mostraramse renitentes ao pagamento do imposto, argumentando a difícil situação em termos do abastecimento de cereais e o facto de terem já feito um empréstimo a coroa de 400 arrobas. O desfecho final da questão saldou-se numa redução do referido empréstimo para metade. Assim os madeirenses manifestavam o repúdio face às exorbitantes despesas do reino e faziam valer os seus interesses e as franquias que corporizaram o inicial processo de ocupação. Este episódio revela o vigor demonstrado pelos madeirenses na defesa dos seus interesses tem e pode ser reafirmado no papel do senado da câmara do Funchal. Na verdade, a Madeira era desde 1433 um espaço fora do controle da coroa, dependendo do Mestrado da Ordem de Cristo e 10 11
. Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira, Funchal, 1922. . Funchalense Liberal, nº9.
tendo o Infante D. Henrique como senhor. O infante D. Henrique, como senhor da ilha recebia um tributo de 1.500.000 reais, isto é 40,54% do total dos réditos da sua casa senhorial. João de Barros refere que o mestrado da Ordem de Cristo auferia da ilha anualmente mais de sessenta mil arrobas de açúcar. Todavia, esta riqueza estava na mira da coroa pelo que D. Manuel, que também foi senhor da ilha, deu a machadada final no processo de auto governo dos madeirenses ao proceder em 1497 à “nacionalização” da Madeira. A carta régia que faz a ilha realenga, revertendo toda a riqueza para a coroa, é clara quanto ao peso económico nas finanças do reino: "he huma das principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de nosso reynos temos para ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de nossos reynos". Esta ideia da ilha perdurou por muito tempo de modo que em 1836 ainda continuava a afirmar-se “que é uma das mais preciosas jóias da coroa de Vossa Majestade”. A partir de finais do século XV toda a riqueza gerada na ilha deixou de pertencer ao senhorio e passou para o usufruto da coroa, indo a tempo de financiar as grandes viagens oceânicas e a despesa excessiva da Casa Real. Também, a partir daqui é evidente que a Madeira perdeu a capacidade reivindicativa perante a coroa. O centralismo régio está patente na submissão e pronto acatamento pela vereação de todos os regimentos e decretos régios. O arquipélago foi uma fonte importante de receita para travar o endividamento do reino e manter a opulência da casa senhorial e real. Nos séculos XV e XVI o principal sorvedouro de dinheiro dos novos espaços recém descobertos e ocupados era a Casa Real, a carreira da Índia e as praças marroquinas. Apenas entre 1445 e 1481 os gastos da coroa em dotes e casamentos suplantaram as 812.500 dobras, enquanto que nas guerras com Castela se despenderam 336.000 e na defesa das praças marroquinas o valor atingiu as 378.000 dobras. Entretanto, no período de 1522 a 1551, as despesas com a perda das naus da carreira da Índia, por naufrágio ou corso, atingiram 352.150 dobras. Este elevado encargo só poderia ser coberto com as receitas arrecadadas nas ilhas e novos espaços coloniais. E aqui quando ilha é quase sempre sinónimo da Madeira. É evidente que durante o século XV e primeiro quartel do seguinte a principal fonte de receita do mundo português estava no açúcar madeirense. As receitas advinham dos direitos lançados, como o quarto e o quinto, e do comércio do açúcar apurado. No entanto os dados financeiros disponíveis não evidenciam de forma clara esta situação. Perderam-se os livros de contas, mas os poucos disponíveis não nos atraiçoam quanto ao volume de negócios em favor da coroa. Primeiro, o senhorio e depois orei oneraram o produto com diversas tributações que conduziram a que amealhassem elevadas quantias que usavam em benefício próprio, no pagamento de tenças, esmolas, empréstimos e dívidas. No primeiro registo das receitas do reino e possessões, datado de 1506, a Madeira surgia com o valor mais elevado das comparticipações dos novos espaços insulares. Esta situação manteve-se até 1518 mas em 1588 era já evidente a valorização do mercado açoriano. Até a década de trinta do século XVI os reditos fiscais resultantes da produção e comércio do açúcar asseguravam parte importante das fontes de financiamento do reino e projectos expansionistas. Este rendimento em finais do século XV e princípios da centúria seguinte era superior a cem mil arrobas, atingindo em 1512 as 144.065 arrobas, o que corresponde a 45.380.475 reais. Este açúcar, depois de retirada a redizima, isto é, a décima parte que era propriedade do capitão do donatário, era utilizado pela coroa de formas diversas, como meio de pagamentos dos salários, esmolas aos conventos (Santa Maria de Guadalupe, Jesus de Aveiro, Conceição de Braga) e misericórdias (Funchal, Lisboa, Ponta Delgada), benesses a príncipes e infantes da Casa Real e despesa aduaneira da ilha, enquanto a parte sobrante era vendida, directamente em Flandres pelos feitores do rei, ou por mercadores, por vezes, a troco de pimenta. A sua aplicação na ilha era eventual, resumindo-se às despesas eventuais como a construção da Sé e alfândega do Funchal, que receberam, respectivamente, 1.000 e 3.000 arrobas de açúcar. Neste grupo, mas com um carácter quase permanente, poder-se-á incluir o pagamento dos inúmeros pedidos de socorro e abastecimento das praças marroquinas, o provimento das armadas da Índia, por norma, em vinho. Sobre as assíduas despesas com o socorro às praças africanas podemos
citar, a título de exemplo, o concedido entre 1508 e 1514 a Safim. Neste período gastaram-se mil arrobas de açúcar e 83.815 reais, enquanto em 1531 o provimento de vinhos as armadas da Índia orçou em 124.490 reais. Em 1529 com o Tratado de Saragoça foi encontrada uma solução provisória que a curto prazo parecia agradar a ambas as partes. D. João III viu-se forçado a pagar 350.000 ducados para assegurar a posse das Molucas que afinal se encontravam dentro da área de influência de Portugal. Mais uma vez é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns, o madeirense António de Abreu o primeiro explorador. Por outro lado os madeirenses contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato. Manuel de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do referido empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 reais. A este juntaram-se Fernão Teixeira com 150.000 reais e Gonçalo Fernandes com 200.000 reais. O pagamento fez-se nos anos de 1530-31 à custa dos dinheiros resultantes dos direitos da coroa sobre o açúcar. Os dados fiscais de 1531 permitem uma ideia da evolução da receita e despesa da ilha. Os réditos sobre as rendas do açúcar foram de 6.990.573 reais de que se gastaram 10% nos vencimentos do clero da capitania do Funchal e 7% no pagamento do empréstimo que João Rodrigues Castelhano a Coroa para pagar o contrato das Molucas. Mais de cinquenta por cento das receitas iam directamente para o reino a engrossar os cofres da Fazenda Real. A partir desta informação, ainda que avulsa, conclui-se que os madeirenses foram activos protagonistas da expansão lusíada dos séculos XV e XVI emprestando a própria vida e reditos, arrecadados com a safra do açúcar, no financiamento deste projecto e das exorbitâncias e caprichos quotidianos da Casa Real. O primeiro monarca a definir as regras rudimentares do orçamento foi D. Manuel, pelo que o primeiro e mais rudimentar orçamento que se conhece data de 1526. De acordo com os dados disponíveis as receitas fiscais orçaram em 166.347.611 reais, sendo 12.000.000 (= 7,2%) referentes apenas a Madeira, que conjuntamente com as demais possessões fora da Europa totalizavam 37.630.000 (= 23%). A cidade de Lisboa, que apenas arrecadava 5% das receitas, absorvia 17% das despesas, o que implicava o financiamento externo com o recurso aos réditos arrecadados noutras províncias nomeadamente na Madeira, Açores e Costa da Guine. EVOLUÇÃO RECEITAS. 1506-1588 (EM MILHARES DE REAIS) 60 50 Madeira
40
Açores
30
C. Verde
20 10 0 1506
1518-19
1588
A Madeira, na primeira metade do século XVII, enfrentou dificuldades económicas que se reflectiram nas fianças públicas. Deste modo a fonte de receitas transferiu-se para as demais possessões e mesmo os Açores atingem valores mais elevados que a Madeira. A situação vinha evoluído neste sentido desde o ano de 1588. O quadro financeiro do ano de 1607 revela a precária situação das finanças madeirenses conduzindo a que a despesa representasse 94% da
receita, o que correspondeu ao valor mais elevado. Mesmo assim a despesa não suplanta 1,5% do total. Já em 1619 é evidente a recuperação económica da ilha subindo o saldo para os cofres do reino a 5,9%. Um dado abonador desta nova situação está no facto de Francisco Rodrigues Vitória ter contratado em 1602 a arrecadação da receita da ilha por 21.400$ réis, 1072 arrobas de açúcar e 2 arrobas de cera. No quadro das ilhas a Madeira continuava a apresentar uma posição destacada mas os Açores assumem a posição cimeira no quadro das ilhas. Por outro lado nas terras ultramarinas afirmam-se em definitivo como a principal fonte de receita. Aqui, a Índia assume uma posição cimeira. Assinala-se de novo que, em qualquer dos casos, a despesa é muito diminuta, porque também a estrutura administrativa não era muito pesada. EVOLUÇÃO DAS RECEITAS NAS ILHAS. 1607-1681(em milhares de reis) Madeira
Açores
C. Verde
40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 1607
1619
1620
1681
Se atendermos apenas à participação madeirense na receita da coroa no decurso dos séculos XVI e XVII somos confrontados com uma forte intervenção, tendo em conta a superfície, que se articula de forma directa com as condições económicas da ilha. Assim, o açúcar foi o principal gerador de um forte excedente de riqueza que diminuiu de forma espectacular com a crise do século XVII. RECEITA DA MADEIRA: percentagem em relação ao total do reino 10
5
0 1506
1518
1526
1580-88
1607
1619
Perante este quadro somos forçados a afirmar que a partir do século XVI os dados estatísticos revelam-nos que Portugal tinha a principal fonte de riqueza nas ilhas e possessões
ultramarinas. Apenas a conjuntura resultante da união dinástica na década de oitenta conduziu a uma quebra acentuada da receita das colónias. Em qualquer das circunstâncias os novos espaços gerados com os descobrimentos revelam-se em todos os momentos dos séculos XVI e XVII como a mais valia e principal fonte de financiamento. EVOLUÇÃO PERCENTUAL DA RECEITA DO REINO E POSSESSÕES 140 120 100 ilhas 80
reino colonias
60 40 20 0 1506
1518
1588
1607
1619
A Madeira, como centro gerador da riqueza do reino e a forma colonial da administração, não passou despercebida aos locais e visitantes. No século XVIII a promoção do comércio do vinho veio a gerar de novo elevada riqueza e a ilha parecia querer regressar aos velhos tempos da opulência açucareira. É dentro desta ambiência que James Cook refere em 1768 que a coroa arrecadava na ilha 20.000 libras por ano, mas poderia dar o dobro se estivesse nas mãos de outro povo. Outro súbdito inglês em 1827 apontava o destino desta receita: "o rei pagava todas as despesas das legações no estrangeiro [isto antes de 1820] com o excedente dos seus rendimentos da Madeira. Todos os anos era transferida para Londres com esse fim uma quantia de 50 a 80.000 Libras."12 O contraste entre esta crescente riqueza que todos os anos enchia os cofres do reino e as condições cada vez mais precários da população madeirense é evidente. Paulo Dias de Almeida, enviado à ilha para proceder ao estudo da defesa e rede viária, foi confrontado com esta triste realidade e não hesitou em exclamar: “Esta colónia, que já em quatro séculos, e tanto avulta nos reais cofres (quem o diria ?)...”.13 A revolução liberal condicionou a transformação das finanças públicas. Aboliram-se os encargos senhoriais e em contrapartida criaram-se novos impostos. De acordo com o texto constitucional de 1822 foi estabelecido um novo sistema orçamental em que o orçamento de estado era aprovado pelo Parlamento14. A partir de 1831 os orçamentos gerais do estado (OGE) revelam se o esforço financeiro do estado na região apenas se resumiu às despesas correntes ou se foi pautado por uma política de investimento15. Durante este largo período de cerca de um século o sistema tributário foi alvo de várias reformas que deram continuidade ao processo iniciado com Mouzinho da Silveira. As mais importantes aconteceram em 1870 e 1881. A República, em 1910, . Maria Lamas, Arquipélago da Madeira Maravilha Atlântica, Funchal, 1956, p.353. . Rui Carita, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, 1982, p.101. 14 . Em 1839 esclarece-se a forma como se preparava o orçamento nas diversas repartições ministeriais existentes no Funchal. Em Julho o Tesouro Público recomendava ao Administrador Geral do Distrito deveria organizar o mapa da despesa de acordo com as instruções e enviá-lo até 15 de Outubro. A primeira reforma da lei orçamental ocorreu em 1849, seguindo-se outras em1928 e 1960 15 A informação completa sobre a arrecadação dos diversos impostos está disponível nos boletins estatísticos a partir de 1876. Os dados reunidos abarcam todo o período até 1974, havendo apenas um hiato entre 1951-55. 12 13
foi o início de um segundo momento de mudança do sistema tributário, assente na constituição de 1911 e nas reformas de 1922. O processo ganhou novo folgo com o golpe de estado de 1926, sendo o principal obreiro das mudanças Salazar, quando Ministro das Finanças. O regime do Estado Novo apostou na década de sessenta na reforma do sistema que só foi voltou a ser alterada passados vinte anos. Os impostos computados na receita global da ilha para o período de 1876 a 1974 compreendem os seguintes impostos: contribuição bancária, sumptuária, de renda de casa, décima de juros, imposto de rendimento, do real da água, de selo, rendimento aduaneiro, contribuição predial e industrial, décima de juros e direitos de mercê (...). De uma forma global o movimento das receitas evidência que a carga fiscal foi onerada no período do Estado Novo no momento de consolidação na década de trinta. É também neste período que a participação madeirense na receita nacional é reforçada. A mais elevada percentagem, isto é 17%, acontece na década de trinta, o período de maior dificuldade para a Madeira. A situação perdurou nas décadas seguintes, sendo apenas contrariado na década de quarenta com a guerra. Algo semelhante só voltou a acontecer na primeira década do século XX, sendo nos demais períodos os valores inferiores, mas nunca desceram além da barreira do 1%. Quanto à despesa do Estado na região a situação não é idêntica. Assim, o valor mais elevado da intervenção é reduzido sendo superior a 1% apenas em três décadas, quando, ao invés a receita atingiu sempre foi valores muito superiores. Notese que em qualquer dos casos onde a despesa suplantava 1% temos também os valores mais elevados para a receita. Os dados em apreço evidenciam que o “despesismo” madeirense era uma ilusão prontamente evidenciada pelos números. Por outro lado se esquecermos a década de 60, definida por algum investimento público, como foi o caso do aeroporto, podemos afirmar que a República iniciou um período de forte sangria financeira. A República jacobina foi marcadamente centralista. O movimento autonomista das primeiras décadas do século XX, apoiado nos sectores políticos mais conservadores da sociedade madeirense, fez desta orfandade e sangria financeira o cavalo de batalha para a luta autonómica. E foram redobradas as razões para tal uma vez que o esforço de investimento financeiro do estado na região não suplantava 0,2%, quando o contributo financeiro da ilha para o todo nacional chegava aos 12,5%. Note-se que no caso das províncias ultramarinas o panorama da despesa é distinto, atingindo-se em 1914-15 os 16%. O contraste é evidente e por isso mobilizador de alguns sectores políticos da sociedade madeirense. EVOLUÇÃO DA RECEITA E DESPESA. 1871-1974 1871- 1881 80 -90
1891 -00
1901 -10
1911 -20
192130
1931 -40
1941 -50
1951 -60
196170
197174
impost o
3,8
1,9
1,7
12,5
3,1
2,0
17,0
2,1
9,33
13,4
1,3
despe sa
0,5
0,7
0,2
0,1
0,1
0,2
0,2
0,1
0,3
3,2
0,4
FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.
Salazar, primeiro Ministro das Finanças e depois Presidente do Conselho, foi o exemplo mais evidente de uma intervenção “forreta” do Estado para a região. Em 1935 manifestou-se contra as vozes que apontavam a ilha como filha enjeitada do Estado e dirigia o dedo acusador aos seus apaniguados que defendiam a autonomia administrativa e financeira dizendo que “A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património ou uma receita, tirando de um ou da outra o maior rendimento”16. Estas palavras iam directas a alguns sectores . Carta resposta ao Dr. João Abel de Freitas de 23 de Maio de 1935, edição digital em Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom).
16
políticos madeirenses que anos antes haviam sido envolvidos no fervor do combate autonómico e que agora estavam do seu lado. Mesmo assim, ao contrário do que fazia crer o então Ministro das Finanças, as despesas resultantes das revoltas de 1931 e 1936 não se fizeram sentir de forma evidente na despesa do Estado no arquipélago houve mesmo uma redução em relação à década anterior. Deste modo não se justificava o adicional às contribuições industriais e prediais estabelecido para o ano económico de 1937 com o fim de colmatar a despesa de manutenção da ordem pública, face à revolta do leite. Os dados dos orçamentos do estado, enquanto Salazar foi Ministro das Finanças (192630, 1932-33, 1933-34, 1934-36, 1936-40) revelam que o mesmo não via com bons olhos a aplicação da despesa na ilha. Aliás, todo o tempo em que ele esteve no governo, como Ministro (1926-1932) e Presidente do Conselho (1932-68). Tudo isto com um única excepção, o ano económico de 1929-30. Já Marcelo Caetano (1968-74) parece ter actuado de forma diferente. Percentagem da despesa da Madeira no OGE %
FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.
1925-26
0,01
1926-27
0,02
1927-28
0,1
1928-29
0,08
1929-30
1,8
1930-31
0,1
1931-32
0,1
1932-33
0,1
1933-34
0,2
1934-35
0,1
1936
0,1
1937
0,1
1938
0,1
1939
0,1
1940
0,1
Se Salazar não deverá merecer o apreço dos madeirenses o mesmo já não deverá ser dito de outros ministros do Estado Novo. Estão nestes caso os tão conhecidos ministros do Interior António Manuel Gonçalves Rapazote (1968-73) e César Henrique Moreira Baptista (1973-1974), uma vez que o ministério do Interior durante a sua chefia surge com a percentagem mais elevada da despesa em favor da Madeira dos orçamentos do século XX. Mas sem dúvida aqueles governantes da história recente merecedores do nosso apreço são os Duques de Saldanha (1851-56) e Terceira (1859-60), António Maria Fontes Pereira de Melo (1871-77 e 1878-79) e o Marquês de Ávila (1877-78) em cujos governos se atingiram valores mais elevados com os Ministérios da Guerra e Justiça. DESPESA 1831-1974 TO TA L
M AD E IR A
1 E+ 1 1
1 E+ 1 0
1 E+ 0 9
1 E+ 0 8
1 0 00 0 0 0 0
1 0 00 0 0 0
1 0 00 0 0
1 0 00 0
1 8 5 1 -6 0 1 8 9 1 -0 0 1 9 3 1 -4 0 1 9 7 1 -7 4 1 8 3 1 -4 0 1 8 7 1 -8 0 1 9 1 1 -2 0 1 9 5 1 -6 0 FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.
O gráfico da despesa orçamentada revela que o estado não foi pródigo nas transferências financeiras para a Região e revelou uma posição marcadamente colonial, sonegando à ilha a
aplicação local da riqueza gerada, uma vez que a quase totalidade das verbas foram utilizadas como despesas correntes. As despesas de investimento surgem de forma precária com os Ministérios do Reino (1843-53), Obras Públicas (1853-1911, 1947-74), Fomento (1912-18), Comércio e Comunicações (1918-1974). Este investimento está orientado para a área das comunicações (66,70%), sendo menor no domínio nas áreas da educação e agricultura. O resultado disto está no elevado analfabetismo e na permanente sangria do mundo rural com a emigração. Os valores referentes ao século XIX demonstram que o investimento do Estado na região foi fraco, pois quase todo o dinheiro era canalizado para rubrica de despesas correntes. A situação inverte-se no século XX, mas deve ser apenas resultado da evolução do sistema administrativo resultante da autonomia administrativa a partir de 1901. Deste modo, a Junta Geral ficou com o encargo de importantes ónus financeiros que compreendia a despesa corrente de funcionamento de parte significativa das estruturas do Estado na região, faltando-lhe para desenvolver infraestruturas. Neste pesado fardo incluíam-se os encargos com os salários dos funcionários e professores, pois só em 1971 estes passaram para a alçada do Estado. A reforma de 1928 fez aumentar o pesado encargo das despesas correntes da Junta, uma vez que esta passou a superintender os serviços dos ministérios do Comércio e Comunicações, Agricultura e Instrução, do Governo Civil, polícia cívica, saúde pública, assistência e previdência, que estiveram dependentes dos ministérios do Interior e Finanças. INVESTIMENTOS E DESPESAS CORRENTES. OGE 1831-1974 Século XIX Século XX % Aeroportos 396.140.000$ Estradas 150.266.000$ Portos 222.646.500$ Escolas 5.964$ 1,87 306.720$ Hidro-agrícola e eléctrica 10.908$ 3,43 75.074.700$ Outras obras 300.388$ 94,68 TOTAL: investimentos 317.260$ 5,29 844.433.920$ DESPESAS Correntes 5.677.825$ 94.70 335.195.058$ TOTAL 5.995.085$ 1.179.628.978$
% 46,91 17,79 26,36 0,03 8,89 71,58 28,41
FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.
A relação entre a receita e a despesa revela, em qualquer das duas últimas centúrias, uma situação desfavorável para a Madeira fazendo jus ao subdesenvolvimento a que a região foi votada pelo Estado. O esforço contributivo da região no período do Estado Novo não foi devidamente recompensado com o investimento. Mesmo assim é neste período que tivemos a maior incidência e preocupação do Estado no investimento reprodutivo, com alguns empreendimentos vultuosos, como o porto, o aeroporto e os aproveitamentos hidroeléctricos e hidro-agrícolas. O saldo da relação entre a receita e a despesa é também abonador do facto de que a Madeira foi nos últimos cinco séculos um destacado contribuinte dos cofres nacionais. A situação assumiu maior evidência nos dois séculos iniciais, mas manteve-se por todo o período. Os dados estatísticos disponíveis evidenciam-se que a relação é mais evidente nos dois últimos séculos porque é também nestes que o desenvolvimento da Estatística permitiu uma mais fácil recolha das séries. Para as duas primeiras centúrias os dados isolados confirmam isto com maior evidência. Aqui os dados referentes ao século XVI não o expressam porque se reportam apenas à década de oitenta, o momento de crise da economia madeirense. Também não podemos fiar-nos nos dados até agora disponíveis para o século XVIII, que evidenciam a mais reduzida despesa do estado na Madeira, cifrando-se em 8% da receita. Apenas merecem fiabilidade os dados dos séculos XIX e XX (até 1974), em que o esforço financeiro do estado na região foi respectivamente 55% e 44%
da receita arrecadada localmente. No conjunto o total dos dados até ao momento disponíveis referem que o esforço financeiro do estado foi inferior a metade da receita arrecada. A excepção a esta situação ancestral de verdadeira sangria financeira do arquipélago é quase inexpressiva e resume-se apenas a alguns anos para o período entre 1888-1967. Os valores são pouco significativos e só assumem visibilidade nos anos económicos de 1922-23, 1924-25 e 1967. Apenas nos anos económicos de 1922-23, 1963 e 1967 são evidente uma quebra acentuada das receitas, o que poderá reflectir-se nesta relação. Mas os valores não alteram o curso normal da situação favorável aos cofres do Estado. Acresce ainda que estes dados não resultam da nossa recolha, mas sim dos publicados no Elucidário Madeirense17. ANOS COM SALDO NEGATIVO
1888-89
272.898$19,5
280.852$51,1
-7.954$31,6
1889-90
183.221$63,6
300.511$77
-117.290$13,5
1890-91
210.903$86,4
279.432$96,1
-68.529$09,7
1891-92
229.584$80,1
259.452$60,1
-29.867$80
1922-23
1.557.071$95
11.636.895$16
-10.079.823$21
1923-24
4.681.632.$71
114.399$
4.567.233$71
1924-25
4.403.903$85
25.267.656$
-20.863.752$15
1929-30
32.521.853$13
33.451.914$47
-930.061$34
1963
37.895.019$
42.389.800$
-4.494.781$00
1967
115.901.000$00
380.300.000$
-264.399.000$00
FONTE. Dados Estatísticos e Orçamento do Estado.
A título de curiosidade podemos apresentar a relação dos valores referentes aos primeiros anos da década de setenta que antecederam a revolução de Abril, onde se evidência mais uma vez o ancestral abandono a que foi votada a Madeira, pois apenas 27% dos dinheiros arrecadados na ilha tiveram aplicação local. Isto demonstra mais uma vez que em qualquer das circunstâncias as relações da coroa e estado para com o arquipélago, pelo menos ao nível financeiro, foram de tipo colonial. Estas ganham forma quando a despesa é inferior a metade da receita, o que foi o caso da Madeira como acabámos de ver. A ideia sai reforçada quando analisamos a forma como o Estado aplicava os dinheiros através das diversas repartições e ministérios, uma vez que iam maioritariamente para cobrir as despesas com o pessoal, muito dele destacado na ilha. Um exemplo mais a provar o tratamento de tipo colonial nas aplicações financeiras do estado na região está na forma como se procedia ao lançamento de infra-estruturas imprescindíveis para o desenvolvimento da ilha. Estão neste caso as obras do porto do Funchal e no sentido da valorização dos aproveitamentos hidro-agrícolas e eléctricos. Para o primeiro foi criada em 1913 a Junta Autónoma das Obras do Porto Funchal com o objectivo e coordenar as referidas obras e conseguir os meios financeiros necessários. Um das fontes de receita estava no direito de arrecadação do imposto sobre o tabaco. As obras entre 1931 e 1933 custaram 5.353.000 escudos, enquanto as receitas do imposto entre 1923 e 1932 foi de 25.123.841 escudos, isto é, os gastos foram de apenas de 21%. Por outro lado as obras contribuíram para um incremento do movimento do porto com repercussão directa nas receitas da alfândega que a partir de 1927 quadruplicaram. A promoção do sistema de regadio e de electrificação foi o encargo da Comissão de Aproveitamentos Hidráulicos criada em 1944. O investimento desta comissão entre 1944 e 1968 foi de 340.152 contos em que a comparticipação do Estado foi de apenas 29%, sendo 45% de auto-financiamento. Uma das formas para avaliar a posição desfavorecida como a Madeira era tratada é compararmos com aquilo que sucedeu nos Açores e províncias de Angola e Moçambique. O balanço da situação, pelo menos para os anos de 1904 a 1914, revela de forma evidente que a Madeira foi o espaço nacional mais prejudicado nos primeiros anos do século XX, o que 17
Dicionário Corográfico do Arquipélago da Madeira, Funchal, 1934, p.121; IDEM, Elucidário Madeirense, vol. I, p.103, vol. III(1966), p.166.
demonstra que o rei D. Carlos e os primeiros governos republicanos abandonaram a ilha e tão pouco foram reconhecedores do acolhimento madeirense. Note-se, ainda, que o déficit do orçamento ultramarino era coberto pela metrópole com financiamentos pagos pelo estado, o que levou Armindo Monteiro18 a afirmar que as relações ao nível orçamental não eram de tipo colonial. Saldos. das ilhas e colónias 1904-1914 Saldo em escudos Madeira Açores Angola Moçambique
5.730.907$ 2.922.747$ - 8.627.817$77 -542.098$07
% em relação à receita 64% 30% 128% 101%
Estas evidências da situação financeira do arquipélago interveio de forma directa no debate política reivindicativo da autonomia e ainda hoje alimenta um diferendo com o Governo Central. Após o vinte e cinco de Abril o MAIA(Movimento de Autonomia das Ilhas Atlânticas- Madeira e Porto Santo) dedicou um panfleto aos dados financeiros da região entre 1971 e 1973, situação que se pretendia contrariar. De acordo com este documento. Anos 1971 1972 1973
Receitas 260.400.000$ 288.454.000$ 360.320.000$
Despesa 158.320.000$ 178.166.000$ 244.656.000$
Saldo 102.080.000$ 110.288.000$ 115.664.000$
A mesma linha de pensamento está presente no discurso da APAM(Associação Política do Arquipélago da Madeira) que em comunicado de 7 de Maio de 1976 em comunicado apresenta algumas evidências das relações comerciais reveladores de uma troca vantajosa a favor do continente. A argumentação financeira sobre a forma de panfletos com dados financeiros pretendia mostrar a forma de relacionamento existente e ao mesmo tempo tentar combater a ideia vigente de que a Madeira necessitaria sempre de Lisboa. Todavia em qualquer dos casos nunca foi possível conhecer os números exactos da discórdia. QUESTÃO IV : AUTONOMIA E /OU INDEPENDENCIA Uma das questões de ontem e de hoje é de saber quais os limites da autonomia. A reivindicação de mais e melhor autonomia é entendida no continente como uma via disfarçada para a autonomia. Podemos assinalar três momentos em que o tema da independência se confundiu com o da autonomia: em finais do século XIX, nos anos trinta com a Revolta da Madeira e no período conturbado e 1975, conhecido como “Verão Quente”. O debate dos anos oitenta do século XIX levou a que se colocasse a hipótese da independência da Madeira em ligação a uma qualquer potência em ascensão pelo domínio do Atlântico, a exemplo do que sucedia nos Açores. A ideia surgiu pela voz do republicano Manuel de Arriaga: “O povo madeirense quer a sua emancipação sob o protectorado da 18
. Do orçamento Português, Lisboa, 1921, e vols.
América: pois nos Açores acontece o mesmo. Só esperámos pelo casamento ibérico para levantarmos o pavilhão da liberdade ao grito de : Viva a independência dos Açores!”19. Mais tarde em 1923 diz-nos Quirino de Jesus: “Nos últimos anos tomou vulto a ideia autonómica dos açoreanos e dos madeirense. Não está ainda suficientemente definida no espírito deles, embora as aspirações estejam completas no ardor e unanimidade. Isto concorre para que na metrópole haja suspeitas e oposições apenas fundadas no descontentamento. Supõe-se que a autonomia insular envolveria o perigo ou até a separação. Subentende-se talvez o receio de que os madeirenses queiram juntar-se à Inglaterra e os açoreanos aos Estados Unidos. Ilusões infinitamente distantes da realidade !(...).”20 Todavia, nesta época parece que a ideia de independência é apenas uma ameaça capaz de chamar a atenção dos políticos e autoridades da metrópole. Nos anos Vinte do século XX, Manuel Pestana Reis afirmava o patriotismo dos portugueses residentes no arquipélago, pois “os madeirenses não podem renegar a Pátria pela razão natural de não poderem negar a Raça.” Quanto às aventadas possibilidades de união aos ingleses ou americanos não encontra possibilidade de sucesso, concluindo que “é tão impossível o separatismo ou independência como uma substituição ou troca de bandeira nacional.”21 A chave deste travão à independência está no patriotismo dos madeirenses: Na verdade teria já gritado a sua independência, emancipando-se de uma tutela dura, e, muitas vezes injusta, se não fosse a seiva de um patriotismo potente que transcende o espaço e o tempo, fortalecendo os laços duma solidariedade nacional na cega obediência à voz do sangue dos povoadores de quinhentos.”22 O Visconde do Porto da Cruz em 1928 apostou na publicação de um semanário que se destacu pela defesa dos interesses da Madeira, optando-se pelo título significativo de “Independência”23. Este é, sem dúvida, uma provocação ao governo da ditadura que começava a desiludir os entusiastas autonomistas como o Visconde do Porto da Cruz, que pensavam ser a revolta de 28 de Maio a via para a concretização das aspirações de mais e melhor autonomia. No período da Revolta da Madeira (4 de Abril a 2 de Maio de 1931) os ideais autonomistas extremaram-se sendo a revolta confundida com a autonomia. O Governo, a título de provocação acenava com a ideia de independência, mas todos reclamavam apenas o espírito regionalista e procuravam desfazer o equívoco dizendo que aquilo que reclamavam era apenas autonomia e não “independência política”. A 17 de Abril lia-se no Notícias da Madeira um artigo não assinado sob o título “independência?” em que desfaz a acusação do governo: “(...) A Madeira pugna, e tem pugnado, sem desfalecimento, para que os poderes públicos lhe dêem aquela necessária autonomia administrativa que permita desenvolver as suas estupendas fontes de riqueza, as suas extraordinárias possibilidades económicas; é certo também que o povo madeirense possui um vibrante sentimento regionalista, um grande amor por este sagrado torrão, que é uma maravilha bendita da Natureza. É absolutamente verdade!! Mas, autonomia política, mas independência política, não a desejamos, não a queremos. Orgulhamo-nos tanto de ser portugueses, que só uma História nos serve – a de Portugal”. Carlos Frazão Sardinha, um dos intervenientes, em testemunho de 1979, reafirma o que atrás ficou dito: “Nunca em nenhuma circunstância, se falou ou tratou da chamada ‘independência’ de Madeira”. Foi no período conhecido como “Verão Quente” que mais se colocou esta ideia de independência com projectos concretos no sentido da sua realização. De diversos quadrantes políticos surgiram grupos cuja expressão política se fazia quase sempre por comunicados, inscrições nas paredes e atentados bombistas. A partir desta forma de expressão é possível
. Eccho Michaelense, 30 de Junho de 1883, publ. N. Veríssimo, O deputado do Povo Manuel de Arriaga(1882-1884), in Islenha, 4, 1989. . Avelino Quirino de Jesus, “A Autonomia da Madeira e dos Açores”, in A Pátria, nº.960, Lisboa 7 de Julho de 1923 21 . Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira, Funchal, 1922. 22 Correio da Madeira, 23.03.1922 23 . O semanário publicou-se de 10 de Junho de 1928 a 26 de Março de 1929, retornou a 1 de Novembro. O título foi vendido em 1933 e iniciou a 2ª série de publicação a 3 de Julho, mas só saíram 3 números. 19 20
assinalar a forma com o discurso da independência entrou de forma pacífica ou violenta no debate político. A UPM(União do Povo da Madeira), um grupo de extrema esquerda criado no seio da publicação “O Comércio do Funchal surge em 19 de Setembro de 1975 contra este discurso através de uma manifestação que contou com diversos sindicatos, cooperativas e comissões de moradores que lhe eram próximos. A convocatória é clara: uma “manifestação anti-fascista contra a independência da Madeira.” Durante o período surgiram diversos grupos que se afirmaram quase só por comunicados distribuídos na cidade do Funchal. De entre estes podemos salientar: Frente Popular e Democrática da Madeira, Movimento Popular de Libertação do Arquipélago da Madeira, Movimento de Libertação do Arquipélago da Madeira, Libertação e Autonomia Internacional da Madeira, Exército de Libertação do Arquipélago da Madeira, Movimento para a Independência da Madeira, aliança Revolucionária da Madeira, Independência Democrática da Madeira, Junta Revolucionária da Madeira, Associação Política do Arquipélago da Madeira e a Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira. A FLAMA foi, de entre todos os agrupamentos políticos, o que teve maior consistência no discurso político, sendo responsabilizado, através do BRIMA, o seu braço armado, dos diversos atentados bombistas ocorridos nos anos de 1975 e 1976. Da sua política de defesa da independência criou uma bandeira, divulgou a sua moeda, o Zarco, e criou um “Governo Clandestino” na Flórida24. Hoje, passados mais de vinte e cinco anos parece que ainda é cedo para conhecer-se com exactidão os contornos do debate político da Madeira nos anos de 1974 a 1976. Deste período conturbado ficaram os documentos, recolhidos por particulares ou depositados no Arquivo Regional da Madeira, que apenas expressam os princípios e orientações destes grupos, impedindonos de ter informação segura sobre a sua implantação social25. QUESTÃO V : Os Projectos de Autonomia Na Madeira, ao contrário do que sucedeu nos Açores, o debate da autonomia situou-se quase sempre no domínio do afrontamento ao governo central e na reclamação, na reclamação contra a espoliação financeira e do consequente abandono. Tardou muito tempo até que se passasse para a definição de um projecto de autonomia Os anos vinte do século XX foram o momento de ouro do debate da autonomia. Aqui destacaram-se diversas personalidades, merecendo a nossa atenção Manuel Pestana Reis(18941966), um destacado advogado com a participação activa na vida política regional. Foi ele quem em 1922, quando se comemorava o quinto centenário do descobrimento da Madeira, apresentou um dos mais completos projectos de autonomia para a Madeira26. Esta autonomia era entendida pelo próprio Manuel Pestana Reis como uma forma de “desconcentração política e administrativa” e ia ao encontro de anteriores propostas surgidas nos Açores da autoria de Aristides da Mota (1892) e Francisco de Ataíde Manuel de Faria e Maia (1921). O projecto assenta em dois conselhos: o legislativo e executivo. A composição destes órgãos resultava da eleição indirecta de acordo com os princípios corporativistas. Assim o 24 .Sobre este movimento veja-se Luís Calisto, Achas na Autonomia, Funchal,1995. edição digital em Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom). 25 . Dos arquivos Particulares merece a nossa atenção o do Dr. Gregório Gouveia, que vem publicando no semanário “Tribuna da Madeira”, testemunhos elucidativos da importância do seu arquivo. Os textos são publicados sob o titulo “Período Revolucionário da Autonomia”, Tribuna da Madeira, 8 de Dezembro de 2000 a 24 de Agosto de 2001. 26 . Manuel Pestana Reis, "Regionalismo. A autonomia da Madeira", in Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira, Publicação comemorativa, Funchal, Dezembro 1922. Cf ainda estudo de VERÍSSIMO, Nelson, O Alargamento da Autonomia dos distritos Insulares. O Debate na Madeira (1922-1923), in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990. Também publ. em Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom).
primeiro era eleito pelas câmaras e associações de classe, sendo as suas funções legislativas “restritas aos interesses puramente regionais”, enquanto o segundo, eleito entre os membros do primeiro órgão, tinham funções governativas: “recolhe e administra as receitas, orçamenta e fiscalisa as despesas.” A representação do Governo Central continuaria a ser feita pelo Governado Civil, com a diferença que a sua nomeação deveria ser feita mediante consulta prévia ao conselho Executivo do Distrito. . O autor atribui um ênfase especial ao conselho Legislativo afirmando que a situação do distrito obriga a legislação específica que só os madeirenses são capazes de definir por sua cabeça. O madeirense Quirino de Jesus, ainda que muito próximo de Salazar na definição da política económica e financeira, não conseguiu demovê-lo quanto à sua visão da autonomia. Ele que defendera que a autonomia insular era definida pelo carácter financeiro e económico, só se podendo afirmar com reformas financeiras. Na sua ideia de divisão administrativa o Distrito cederia lugar à Província, que teria ao comando um Governador Geral, residente, de nomeação governamental, que representava o Governo Central. A ele juntava-se a Junta Geral de Província e o Conselho de Governo. O primeiro era composto de procuradores eleitos pelas Câmaras Municipais, associações, professores e chefes de serviço das repartições públicas, enquanto o segundo seria presidido pelo governador, integrando vogais eleitos entre os procuradores e chefes dos serviços27: O facto de ter sido advogado da família Hinton levou a que os autonomistas madeirenses não valorizassem o seu projecto e que tivesse repercussão favorável na ilha. Foi em 1928 que as ilhas tiveram novo estatuto. Os poderes das juntas foram ampliados mas estavam ainda longe das propostas avançadas em 1922. Isto marca o início da solução política que tomará corpo com o Estado Novo. O fervor autonomista foi abafado pela retórica do discurso do Governo da Ditadura. Os autonomistas de 1922, como Manuel Pestana Reis, acomodaram-se a um estatuto de fiéis seguidores do novo regime. A mudança de regime a partir de 1926, considerada uma esperança para muitos dos autonomistas, não contribuiu para qualquer mudança na evolução do processo autonómico. A crise dos anos trinta conduziu a que a Madeira tivesse em 1931, durante cerca de um mês, um governo próprio, que atendeu às suas legítimas reclamações. Mas isto foi um acto que se reverteu contra os madeirenses. No período a seguir ao 25 de Abril de 1974 o discurso reivindicativo da autonomia continua no campo do afrontamento político-partidário. Apenas o MAIA(Movimento de Autonomia das Ilhas Atlânticas), saída do debate de um grupo composto por Crisóstomo de Aguiar, Carlos Lélis, José Maria da Silva, José António Camacho, viria a divulgar a 5 de Janeiro de 1975 na imprensa regional a sua proposta de autonomia. Os órgãos de soberania que davam corpo à autonomia eram o Governador, que deveria ser eleito por sufrágio directo, os secretários do governo, escolhidos pelo governador, e uma Câmara Legislativa. Quanto ao processo de transferência de poderes pretendia-se a total transferência dos sectores, incluindo o Exército e a Justiça. Muitos dos elementos deste grupo estiveram ligados aos inícios do Partido Popular Democrático na Madeira. Deste modo não será por acaso que o projecto mais amplo de autonomia para as ilhas Atlânticas apresentando na Assembleia Constituinte fosse o do PSD28. . “(...) um governador geral, nomeado pelo governo, uma Junta Geral de Provincia, eleita pelas Câmaras municipais, pelas associações de classe, pelo professorado e pelos chefes de serviços públicos: um conselho de governo constituído por parte dos últimos, e por vogais que a Junta eleja entre os seus membros e presidido pelo Governador(...) ficariam reservados ao poder central todos os assuntos de direito constitucional e civil; as relações com as potências estrangeiras; os serviços de guerra, marinha e capitania dos portos; os regimes de instrução e os seus programas; os do fisco e da moeda; os da produção, importação e exportação(...)”[A Pátria, Lisboa, 7 de Julho de 1923, Correio dos Açores, 26 de Julho de 1923] Cf.VERÍSSIMO, Nelson, A Autonomia Insular. As Ideias de Quirino de Jesus, in Islenha, 7, 1990. 28 .Diário da Assembleia Constituinte, nº.13: PPD: « O arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos adequados às suas condições geográficas, económicas e sociais. A autonomia regional não afectará a integridade da soberania do Estado, nem a solidariedade entre as várias parcelas do território português. A República assegurará a integração das regiões no processo de desenvolvimento económico-social do País. A soberania do estado é especialmente representada, em cada uma destas regiões, por um comissário da República, nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro, ouvida a assembleia regional competente. O comissário, assistido pelo conselho regional superintende nas funções administrativas exercidas na região pelo Estado e coordena-as com as exercidas pela própria região. Cabe27
QUESTÃO V: DOIS VISÕES DISTINTAS DA MESMA REALIDADE O século XX pode ser considerado como uma das épocas mais fulgurantes da História da Madeira pelas mudanças políticas que envolveu os madeirenses. A política e a crise económico-social dominaram a centúria. A instabilidade internacional e nacional reflectiram-se de forma directa no quotidiano madeirense. Vários são os testemunhos desta realidade, mas de certeza dois dominam pelo impacto que tiveram no panorama político. Em 1935, João Abel de Freitas, recém-eleito Presidente da Junta Geral do Funchal, serve-se da amizade pessoal com Salazar, surgida aquando da visita em 1926, para implorar em nome dos madeirenses, medidas que possam conduzir a Madeira a ultrapassar este beco sem saída. A situação não era fácil e causava um certo alarmismo ao presidente da Junta, pois, segundo afirma, “Nós vivemos actualmente na Madeira sobre um vulcão.” Mas pior do que isso, “A grande maioria do povo da Madeira está convencido de que o Governo Central nos tem abandonado como castigo da revolução da Madeira, de bem triste memória.”29 Quem fala é um Presidente da Junta Geral que se sente incapaz e sem poderes para solucionar as questões dos vinhos, turismo, bordados, assistência e as obras adiadas do Liceu, Bairro Económico, Casino, sucursal do Banco de Portugal, e sanatório para Tuberculosos. Ao mesmo tempo sente-se manietado pela política financeiro do governo. Aqui reclama-se soluções e verbas do governo central. A resposta de Salazar a 23 de Maio, fundada também em relatório oficial da Junta e no conhecimento directo que o mesmo diz possuir sobre a Madeira, levou-o a estabelecer um memorandum resposta em que são definidas as linhas de intervenção do Governo. Em primeiro lugar ameaça que da próxima vez que os madeirenses reclamem não esperem “a doçura da repressão usada da outra vez.” Ao mesmo tempo expressa a sua visão contrária à autonomia, lançando um aviso: “A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património ou uma receita, tirando de um ou da outra o maior rendimento.” A todas as questões Salazar responde, dando a entender a necessidade de contenção financeira que deve presidir a todas estas medidas, que obriga a repensar alguns dos projectos que a Madeira reclama solução imediata. As ameaças de Salazar cumpriram-se no ano imediato com a chamada revolta do leite, mas as medidas reclamadas pelos madeirenses foram adiadas por força da segunda Guerra Mundial, concretizando-se só nos anos cinquenta. Passados pouco mais de trinta anos, em plena “primavera Marcelista”, um grupo de cidadãos aceita o repto do Governador civil, António Braamcamp Sobral, para a “colaboração franca e leal de todas as pessoas interessadas no desenvolvimento económico e social da Madeira”, apresentando sugestões sobre os diversos domínios da sociedade. Todavia faziam depender a solução de um estatuto de autonomia, elaborado “em moldes de participação democrática das populações da ilha nas decisões de que depende o seu futuro”, “ a autonomia lhe ainda a coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado no tocante aos interesses da região, dispondo para isso de competência ministerial e tendo assento no Conselho de Ministros. A autonomia regional compreende: a) - A existência de uma assembleia regional, eleita por sufrágio universal, directo e secreto, e de um conselho regional perante ela responsável; b) - O poder de legislar, com respeito pelas normas constitucionais e pelas leis de alcance geral emanadas dos Órgãos de Soberania, sobre as matérias de interesse exclusivo da respectiva região; c) - Poder executivo próprio; d) - O poder de dispor das receitas nelas cobradas e de as afectar às despesas públicas, de acordo com a autorização votada pelas assembleias regionais, e de administrar o seu património; e) - O poder de tutela sobre as autarquias locais e os institutos públicos com actividades exclusivas na região, f) - O direito de serem consultadas pelos Órgãos de Soberania relativamente às questões da competência destes respeitantes às regiões. A elaboração dos estatutos político-administrativos próprios compete à Câmara dos deputados, sob proposta das respectivas assembleias regionais”. 29. Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom).
é quase meramente nominal”, uma vez que era “altamente condicionada e fiscalizada, totalmente sujeita à política do governo central” e com “um deficientíssimo uso das atribuições dessa mesma administração.”30 CONCLUSÃO Qualquer um que se atreva a estudar a contemporaneidade depara-se com inúmeras dificuldades. Não é a proximidade aos acontecimentos que se torna um óbice ou a nossa participação activa ou passiva que condiciona a nossa isenção, mas sim a dificuldade em encontrar documentos oficiais ou não capazaes de assegurarem a reconstituição dos factos. Quase sempre esbarramos com a informação veiculada pela imprensa, que por sisó é já uma interpretação dos factos, e raras vezes dispomos de mais informação de origem não intencional. Estas evidentes sdificuldades resulta da pouca atenção que temos dado à memória da conteporaneidade. No caso das ilhas, ao que concerne ao processo de luta e vivência da autonomia. A memória da autonomia não está assegurada dispersando-se em diversas fontes. A afirmação do processo autonómico passa obrigatóriamente para esta valorização deste património documental. Expresso em textemunhos vivos dos protagonistas, nos panfletos, cartazes e propaganda partidária das campanhas eleitorais. A história da Autonomia passa também por aqui caso seja nossa preocupação que o presente não seja um registo fugaz da nossa memória e que se afirme de forma perene, sob formato tradicional ou digital, para conhecimento dos vindouros31. A autonomia só entrou em pleno no discurso político nas décadas finais do século XIX, mas foi no primeiro quartel da centúria seguinte que ela encontrou espaço de afirmação e debate. De uma forma genérica a autonomia é uma opção de todos, ou quase todos, os políticos madeirenses, mas varia o vigor reivindicativo consoante o grupo a que pertence os seus promotores esteja no governo ou na oposição. O discurso de combate pela autonomia é de oposição. Até 1910 a defesa da autonomia foi a palavra de ordem dos republicanos e implantada a República passou para a trincheira conservadora e monárquica. O governo da ditadura a partir de 1926 acabou com este fervor político da década de vinte. As comemorações do quinto centenário do descobrimento da Madeira foram o mote para o último grande debate e combate pela autonomia. Desde os anos trinta apagaram-se as questões autonómicas do breviário político e jornalístico e até à sua plena concretização na década de setenta, houve dois momentos de esperança. O primeiro em 1931 com a Revolta da Madeira e em 1969 com a esperança da abertura do regime anunciada por Marcelo Caetano. O discurso autonomista dos madeirenses enquadra-se no movimento regionalista europeu e incide em domínios quase sempre controversos. A constatação da necessidade de autonomia partiu de situações fundamentais que alicerçaram o discurso. O tratamento colonial a que o arquipélago foi sujeito ao longo da História, materializado no abandono e na espoliação dos recursos financeiros é quase sempre o mote desta reivindicação. Raras vezes surgiram projectos em que ficasse claro aquilo que se pensava pudesse ser a forma de expressão institucional da autonomia de que o arquipélago necessitava. Também não foi consensual a forma de expressão, que passou por uma autonomia meramente administrativa, política e no extremo a ligação a um qualquer país e a independência. A questão da independência não surgiu apenas no “Verão Quente” de 1975, sendo muito evidente no discurso político durante a República. Os autonomistas insulares tiveram dificuldade em entender-se quanto a forma de reivindicação dos seus anseios. Em finais do século XIX foi dado um tratamento preferencial . Doc. Publicado em VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom). . O processo de recolha da informação para o cdrom, A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom), revelou esta situação. A informação não oficinal dos primeiros vinte e cinco anos do processo da autonomia não está completa e encontra-se dispersa em arquivos oficiais e particulares. O objectivo deste Cdrom é reunir o máximo possível desta, permitindo a sua preservação e divulgação. 30 31
aos Açores, que tiveram direito antecipado à autonomia em 1895. No primeiro quartel do século XX foram várias as tentativas no sentido de uma conjugação de esforços entre os políticos autonomistas dos dois arquipélagos, sem nunca se conseguir definir uma estratégia de consenso para os dois arquipélagos. Deste modo, madeirenses e açorianos estavam condenados a lutar isoladamente a indiferença do poder central às suas reivindicações autonomistas. O discurso autonomista insular teve grande dificuldade de implantação na metrópole. As intervevções no Parlamento ou os textos publicados em jornais de expansão nacional não foram suficientes para desfazer os equívocos e a suspeita que existia quanto à autonomia das ilhas. Salazar apontou o dedo acusador aos autonomistas, apelindado-os de gastadores e, por isso, o Estado Novo foi um momento negro da autonomia das ilhas que nem Marcelo Caetano foi capaz de alterar-lhe o rumo no papel e na prática. A autonomia de 1976 assume-se como uma conquista insular que ainda hoje continua a não ser entendida e a gerar alguns equívocos.
MATERIAIS DE CONSULTA E TESTEMUNHOS MATERIAIS
1. Documentos e Testemunhos: Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, Funchal, 1999. CAMACHO, Augusto da Silva Branco, Estatuto dos Distritos Autónomos das ilhas Adjacentes, P. Delgada, 1972. FERREIRA, Fernando Amâncio, As Regiões Autónomas na Constituição Portuguesa, Coimbra, 1980. JARDIM, Alberto João, Tribuna Livre 1974-78, 3 vols, P. Delgada, 1995. LEITE, José Guilherme Reis, Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa, Horta, 1987. REIS, Manuel Pestana, Regionalismo. A Autonomia da Madeira, in Quinto Centenário do Descobrimento da Madeira. Publicação Comemorativa, Funchal, 1922. VIEIRA, Alberto(coordenação), A AUTONOMIA: História e documentos, Funchal, CEHA, 2001(Cdrom). 2. Bibliografia: CALISTO, Luís, Achas na Autonomia, Funchal, 1995. CARREIRO, José Bruno , A Autonomia Administrativa dos Distritos das Ilhas Adjacentes, Ponta Delgada, 1994. CORDEIRO, Carlos, Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores durante a I República, Lisboa, 1999. FREITAS, João Abel de, Turismo, Madeira Construir o futuro Hoje, Lisboa, 1984. JANES, Emanuel, Nacionalismo e Nacionalistas na Madeira nos Anos Trinta (1928-1936), Funchal, 1997. JORDÃO, Carlos A. R. Carvalho, Tutela Administrativa dos Governos Regionais sobre as Regiões Autónomas, Braga, 1980, Administração Regional Autónoma. Um Percurso ao redor da Própria Dinâmica Evolutiva da Autonomia, Funchal, 1983. MIRANDA, Jorge(organização), Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997. MORAIS, Carlos Blanco de, A Autonomia Legislativa Regional. Fundamentos das Relações de Prevalência entre Actos Legislativos Estaduais e Regionais, Lisboa, 1993. NEPOMUCENO, Rui, As Crises de Subsistência na História da Madeira. Ensaio Histórico, Lisboa, 1994.
SILVA, António Ribeiro Marques da, Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (17501900), Lisboa, 1994. VERÍSSIMO, Nelson, Em 1917 a Madeira reclama autonomia, in Atlântico, 3, 1985. O Alargamento da Autonomia dos distritos Insulares. O Debate na Madeira (1922-1923), in Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990. A Autonomia Insular. As Ideias de Quirino de Jesus, in Islenha, 7, 1990. A Nossa Autonomia, in Atlântico, 19, 1989. Autonomia Insular. O Debate na Primavera Marcelista, in Islenha, 9, 1991. VIEIRA, Alberto, A Autonomia XX. Aniversário. Breves Notas Históricas, Funchal, 1996. (coordenação) História e Autonomia da Madeira, Funchal, 2001
NACIONALISMO, FEDERALISMO, REGIONALISMO E AUTONOMIA BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL
ALBERTO VIEIRA(ORGANIZAÇÃO) A presente bibliografia foi preparada no sentido de dar apoio a todos os interessados em conhecer a problemática da autonomia e das diversas formas de desconcentração política. O conhecimento de uma realidade particular como a Madeira implica o necessário relance pelo meio envolvente no sentido de constatar as influências e as similitudes no processo evolutivo. O debate está lançado entre o federalismo americano e a tradição descentralizadora europeia e só conseguiremos atingir o seu cerne.
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